O Teatro Dos Vícios
O Teatro Dos Vícios
O Teatro Dos Vícios
O Cenário Urbano
Ladeiras
Urbanismo à Lusitana
Existência Promíscua
A Sociedade da Aparência
Horror ao Trabalho
Presunção de Fidalguia
“São piores aqui do que peste”: era assim que Duarte Coelho, em
1546, se exprimia para definir os problemas trazidos pela grande quantidade de
degredados que aportava em sua capitania e aos elementos da população.
Mesmo diante da comodidade de quem tinha escravo, era necessário colocar a
“mão na massa” (trabalhar), para manter o alto custo social imposto pelo
estrutura de poder na Colônia.
Desde muito cedo havia nas cidades, de fato, uma considerável
população flutuante ou desajustada que vivia à margem das atividades
regulares. São os chamados de vadios, vagabundos e mendigos.
Os vadios, vagabundos, formavam um contingente de trabalhadores
esporádicos, aventureiros sem profissão definida, assaltantes, prostitutas e
desempregados. Seu número aumentou com o desenvolvimento das cidades.
Toda essa gente, na óptica colonial, era perigosa, objeto de repressão
sistemática, marginais da produção e dos deveres para com o Estado e a
Igreja.
A esses brancos pobres, tidos pelas autoridades como vagabundos
incorrigíveis, somavam-se os mulatos e negros forros. O liberto submergia nas
camadas mais baixas da sociedade e ainda sofre forte discriminação racial. Em
1846 Thomas Ewbank ficou impressionado, no Rio de Janeiro, com a multidão
de mendigos que perambulava pelas ruas, mas em especial com os aleijões
exibidos por ex-escravos outrora envolvidos no transporte de cargas.
Essa gente tornou-se violenta, e por isso legislou-se com severidade
contra os tais delinqüentes, periculosos. Tal situação já era antiga, pois foram
mantidos em terras americanas e os degredados, em conseqüência de crimes
cometidos na Metrópole. No Brasil não havia homens para serem juízes
ordinários, nem vereadores. Os degredados conhecidos também por
desorelhados, não faziam bem a terra, mas muito mal e dano. São piores do
que as peste – Duarte Coelho – donatário de Pernambuco – 1546.
Para o Brasil era enviado não só corruptos, estelionatários, falsários
de moeda, ourives falsos, jogadores inveterados, falsificadores de toda
espécie, mas também gente violenta, ladrões, assaltantes e tudo o mais de
ruim que existisse. Eram os resíduos de uma sociedade que os rejeitava e os
expelia para uma terra longínqua e agreste carente de habitantes.
A violência emergia também, nas rixas entre famílias e respectivas
facções. As pessoas andavam armadas, com armas as vistas, inclusive
durante o dia. Mesmo diante de ordens e decretos de desarmarem
principalmente negros, as afrontas continuavam numa causa contínua de
desassossego para os moradores da cidade.
Outra categoria de “vadios’ que as autoridades se emprenhavam em
controlar tinha, paradoxalmente, uma profissão: as prostitutas. Os padres
observavam:” tem-se cá que o vício da carne não é pecado “. E muito se
preocupavam com as índias.
Cada navio que aportava no Brasil, desembarcava levas e levas de
prostitutas. Os médicos advertiam para evitarem as meretrizes evitando as
malignidades de doenças pelos atos e abusos venéreos. O governador de
Pernambuco para separar as meretrizes e afim também de evita-las ordenou:
“nenhuma mulher, de qualquer qualidade ou estado que seja, poderá andar de
noite depois das ave-marias, salvo na companhia de seus maridos ou pais.”
O trabalho que desenvolviam escapavam ao fisco, e por isso eram
consideradas na categoria dos vadios, e sendo assim, eram reprimidas em sua
ocupação “anti-social”, por meio de ordenações e posturas da igreja.
Um outro problema sério era que muita gente perfazia os
rendimentos com a prostituição de suas escravos de ganho.
Tal estado de coisas tornou-se dramático no correr do século XVIII,
nos principais centros urbanos, onde a pobreza da população aumentava. Em
Minas Gerais multiplicou-se enormemente a prostituição das escravas de
ganho e índias.
O foco principal da questão estava na pobreza.
No correr do século XVIII, de fato, a situação dos brancos pobres e
sobretudo a dos negros libertos tornou-se insustentável. Estes só eram
alforriados quando já não tinham condições de trabalhar ,e assim, teriam de ser
vestidos e alimentados sem nada dar em troca. Era uma verdadeira multidão
humilhada, curvada, aviltada, submetida por completo à caridade pública, às
esmolas dos antigos senhores que expulsaram de casa os escravos
inutilizados pelo trabalho massacrante ou pela velhice debilitada.
Como é visível, havia um grande e crônico problema social, que o
Estado tentava atenuar com a Igreja, através da prática da caridade. A noção
de “caridade”, estava amplamente vulgarizada na Europa durante o período
aqui tratado.
A sociedade colonial como um todo, repudiava ostensivamente os
vadios. Essa atitude vinha de muito antes em toda a Europa, submetendo
todos, ao encarceramento, à flagelação, à mutilação, á escravização, e até a
pena de morte.
Quanto aos mendigos, no Brasil colonial eram tratados de forma
ambígua, e portanto algo vacilante e imprecisa, caindo-se quase sempre na
fímbria da definição entre “vadio” e mendigo’. Ora, o mendigo era o pedinte, a
pessoa de pobreza absoluta, e como tal, na visão dos teólogos, semelhante a
Cristo.
Mas os que pediam por necessidade eram, na prática, vistos sob a
eterna desconfiança de que o faziam por preguiça.
A noção de caridade, tal como entendida e praticada na época
colonial, propiciou a criação de diversas entidades beneficentes, como as
irmandades e os recolhimentos conventuais. A mais famosa e atuante delas foi
sem dúvida a Santa Casa da Misericórdia (Irmandade de Nossa Senhora, Mãe
de Deus, Virgem Maria da Misericórdia), fundada em Lisboa no ano de 1498 e
instalada no Brasil, em Santos, desde 1543, por iniciativa de Brás Cubas.
O serviço de funerais abria-se ao sepultamento do mais rico cidadão
ao enterro de escravos e mendigos.
Mas as péssimas condições de vida a que se submetia a população
pobre colonial é que revelavam a brutalidade que eram expostas às crianças
tendo tido como “enjeitadas”. Muitas das mães abandonavam às portas.
A responsabilidade legal de cuidar dos enjeitados era da Câmara
Municipal, porém esta transmitia a obrigação ao conselho que retransmitia a
Santa Casa da Misericórdia. A atividade acabava sendo dividida entre a
Câmara e a Santa Casa, que faziam de um todo para suprir as necessidades,
sendo socorridas inúmeras vezes pela Coroa.
A Câmara e a Santa Casa, contratavam então amas-de leite para
cuidar dos enjeitados, para tanto recebiam salário e ficavam isentados do
serviço militar os filhos e maridos destas.
O problema dos enjeitados permanecia inclusive quando adultos,
antes rejeitados pelos pais e depois pelo corpo social. Com ânimos
corrompidos, muitos passavam a viver de latrocínios e moças faziam-se
meretrizes.
O Berço da Preguiça