O Teatro Dos Vícios

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O TEATRO DOS VÍCIOS

Por: Emanuel Araújo


Introdução

Os problemas já são conhecidos desde os tempos da Carta de


Caminha. O Brasil é fruto de uma miscigenação, da concordância passiva das
determinações das autoridades e uma incrível adaptação às condições
adversas de vida, contudo ainda, uma vivência de um sistema político
sustentado por interesses.
A questão é: Porque um País tão rico de produções da natureza e
extensões é a morada da pobreza, o berço da preguiça e o teatro dos vícios? –
Luís dos Santos Vilhena – professor grego – 1798.
Mas qual o motivo de tanta preocupação? Não só do professor mas
de tantos outros estudiosos. Tendo como ponto comum: o impasse em que se
encontrava a colônia diante de uma potencialidade de crescimento.
Talvez a resposta esteja na estrutura de poder o qual já passou por
colônia, império e hoje república; e na maneira como o Estado mantém o
domínio. Especificamente no caso do Brasil, o sentimento do Estado, Rei,
Presidente da República vem como pastor, onde a ovelha – o povo, o Brasil –
submete-se à sua vontade, para poder sobreviver.
Os valores, as instituições, a nossa história, decorre da formação da
nossa base colonial.
A ordem pública portuguesa, tudo controlava por meio de um cipoal
de leis a qual encobria a incompetência e arrogância de administradores de
ambos os lados do Atlântico.Não admira que sob tal organização tivesse
vicejado tantos vícios que terminaram por constituir muito da maneira de ser
coletiva.
Foi criada uma mitologia para justificar o caráter brasileiro : “de
jeitinho”, de “gente de índole pacífica”, de “democracia racial”, “de levar
vantagem em tudo”, de “preguiça inata” (excluindo-se São Paulo).
O que é necessário saber, é como se formaram tais elementos e
afirmações. Captando em camadas históricas a mentalidade do brasileiro,
formada, conformada e deformada por séculos. Navegando na dicotomia entre
o público e o privado, na aceitação e perpetuação de um padrão de atitudes,
entre o interesse do Estado e do indivíduo.
O fato é que o Estado e a Nação marcham entre a hesitação e a
ação, entre avanços e recuos, numa contínua procura recíproca.
A partir do século XV, o Estado passa a controlar muito mais o meio
social, e assim sendo, o indivíduo passa a buscar mais a sua individualidade,
baseada na defensoria de honras. Conservar ou defender a honra equivale a
salvar as aparências. O indivíduo não era como era, e sim como parecia ser.
Uma das formas mais antigas de auto-avaliação da própria
comunidade fosse ver-se como num teatro, o theatrum mundi. Na tradição
platônica e na medieval só havia o espectador divino do teatro humano, mas na
época moderna a idéia ganhou o novo sentido de reflexo, de espelho
(speculum) da realidade.
Na comunidade, sociedade brasileira o sendo da palavra público
quase nunca teve acepção política, mas de exibição, em que o “sair em
público”, “ir à rua”, ganha forte acepção teatral, carnavalizando-se os atos
coletivos (inclusive os religiosos) como forma de afirmação e consolidação de
papéis sociais.
Historiadores vem numa pesquisa constante sobre a família
patriarcal e seus corolários, o comportamento sexual dividido entre a aceitação
legal e a realidade do impulso pessoal, o mundo imprevisível e movediço dos
desclassificados sociais, as formas de religiosidade e suas ambivalências entre
o popular e o oficial.
O trabalho ora em questão vem dissertar sobre a identificação dos
membros desviantes do consensual e oficial. Com evidência a participação da
igreja que considerava como passíveis de punição sobretudo os indivíduos que
atrapalhassem, os princípios (morais, religiosos, econômicos, políticos...) do
empreendimento colonizador. Tudo era bem delimitado na sociedade que
então se formava. Nessa medida, a repressão recaía sobre os transgressores
da moral ou de confessores não-católicos. E assim vieram os governadores,
preocupados com a ordem, os padres, preocupados com as almas, e o
inquisidores, preocupados em conciliar as almas com a ordem.
Enfim, chega o momento em que a sociedade complexificou-se com
correntes culturais e econômicas européias, advindo à crise do sistema colonial
resultando em mudança de regime político.
Capítulo 1

O Cenário Urbano

Ladeiras

Sob a opinião do senhor marquês do Lavradio, que aportou em


Salvador (18.04.1768), como governador e capitão-general da Bahia, e mesmo
mais tarde, em dezembro de 1769, designado vice-rei e capitão-general de Mar
e Terra do Estado do Brasil, o povo aqui existente parecia-lhe “uma feira de
gente grosseira”, “povos sumamente pobres” formando um curioso conjunto de
“clima e gente infernal”.
Sob tradição medieval lusitana, o próprio local onde se construíam
as cidades já era desconfortável para a circulação, com ruas em ladeiras
tortuosas e íngremes, com casas em colinas, exemplo disso: Olinda, Salvador
e Rio de Janeiro.

Sob o Signo do Provisório

É claro o desapego ao lugar, o que se revelava no desleixo da


própria urbanização. Durante séculos os colonos tinham o Brasil como
provisório, lugar para enriquecer e logo retornar à Metrópole.
Entre documentos, cartas e relatos, autoridades que administravam
a Colônia, contavam os dias e horas que faltavam para o retorno à Metrópole e
amaldiçoavam o povo como cafres, rude e ignorantes.
Mesmo com o passar do tempo e virada de séculos a mentalidade
não mudaria, por mais arraigados e ricos estivessem tudo queriam levar para
Portugal (observação de frei Vicente do Salvador – 1620). E assim sendo, não
cuidavam do que cá estava, o descaso com a urbanização levando a uma
lamentável condição de vida.
A terra não era amada, mesmo quando as pessoas nela se
estabeleciam. Havia um certo “desespero e ansiedade” por notícias de
Portugal. A população era em sua maioria européia e de origem portuguesa.
Essa gente, na maioria, sobretudo nos primeiros tempos, vinha
tangida pela pobreza ou espicaçada pela cobiça.

Urbanismo à Lusitana

O sentido do provisório e do fugaz que dominava os colonos revela-


se no desleixo da urbanização. Era tudo acanhado, de poucas ruas, poucas
casas, poucas pessoas, vida monótona, modorrenta, só animada em dias de
festa ou de comércio graúdo, quando muita gente dos engenhos vinha à cidade
para despachar o açúcar.
Em 1585, Ilhéus, Vitória e Rio de Janeiro contavam apenas com 150
vizinhos cada (umas oitenta pessoas, sem considerar a escravaria).Na vila de
São Paulo moravam cerca de seiscentos brancos em 120 casas, tinha sua
Câmara devidamente instalada, mas o isolamento era grande, dificultando
exercer a vereança.
No correr do século XVII a situação não mudou. Predominava
teimosamente o mundo rural, o povo se ocupava em habitar e cuidar de suas
roças.
O meio urbano, assim, tirante algumas capitais, era acanhado, ralo
de gente e falto de animação. Um relatório holandês (1630) fornece um rol
desalentador:
- Alagoas – poucos habitantes;
- Serinhaém – 500 habitantes, muitos Albuquerques,pobres e
indigentes;
- Ipojuca – 600 habitantes com gente muito rica;
- Próximo à Olinda, a várzea do Capibaribe e Goiana – bastante
povoada e rica.
- Igaraçu e Itamaracá – gente pobre;
- Filipéia (atual João Pessoa) – habitantes maioria no campo;
- Rio Grande do Norte – 70 homens com suas famílias;
- Em Cunhaú e Natal – maioria do povo é miserável.
A vida no Brasil era considerado diante de tais características como
“estado de vida feudal”. Mesmo 180 anos depois em um outro relatório inglês
por Henry Koster, as características não diferiam do relatório holandês.
No extremo setentrional criou-se em 1755 a capitania de São José
do Rio Negro (hoje estado do Amazonas). O naturalista baiano Alexandre
Rodrigues Ferreira, que percorreu a região de 1785 a 1787, deixou testemunho
desolador. O lugar era administrado por antigas missões religiosas, com uma
população sedentária de 6.642 pessoas das quais 5.760 eram índios (86,73%),
635 brancos (9,56%) e 247 escravos negros (3,71%).
Em outra extremidade da Colônia, de acordo com um
recenseamento efetuado no ano de 1765, por todo o perímetro urbano de São
Paulo não se conseguiram listar novecentas edificações. Contava com 2.090
mulheres e 1748 homens.
As vilas, cidades eram apenas escoamentos da produção rural.
Tudo era gente pobre, indigente e miserável. Mais para o fim do século XVIII
houve um certo desenvolvimento urbano, mas aí, proliferam os vadios, os
mendigos, as prostitutas, os ladrões, população marginalizada de ex-escravos
e brancos pobres que passavam a perturbar a vida de negociantes e
funcionários.
Com referência às ruas da cidade, localização em morros altos das
casas, os holandeses repugnavam à cidade de Olinda. Todos queriam sediar-
se no Recife. E foi aí que os holandeses edificaram uma cidade. Já em 1639 a
área de edificações era considerável para a época.
A cidade do Rio de Janeiro também começou a se desenvolver a
partir de 1576, fosse nos morros ou nas planícies, as ruas se adaptavam às
condições topográficas.
Mesmo diante de suas ruas estreitas e entrecortadas, o rio de
Janeiro fora beneficiado pelos melhoramentos introduzidos por ocasião do
estabelecimento da Corte nessa capital.
O contrário ocorrendo com Salvador que se perdia em estreitos
labirintos, dificuldades topográficas e diversas medidas e variações de ruas,
numa total ausência de estilo.
A Sujeira como Hábito

Esforçavam-se os vereadores da grande capital. As ruas não eram


calçadas e mesmo em cidades como o Rio de Janeiro, somente em 1617,
cinqüenta anos depois de sua fundação, se começou a fazer esse trabalho.
Em 1656 na cidade de Salvador os vereadores, fixaram imposto
sobre os abates dos currais e a venda de carnes nos açougues, com a
finalidade de limpeza e providência e manutenção de calçadas. A situação era
urgente nas ladeiras, conhecida como Preguiça.
O problema jamais foi resolvido a contento na época colonial.
Acrescenta-se ao fato de serem estreitas as ruas, com calçamento
precário, o lixo que era atirado nas ruas misturando-se a animais soltos.
Em 1625, ordenava-se em Salvador que todo escravo que colocasse
lixo nas ruas, seu senhor pagaria quinhentos réis e o dono da casa que
permitisse tal sujeira pagaria dezesseis mil réis.
Tais determinações não eram obedecidas e conseqüentemente a
cidade viva de ares fétidos e infectos, de doenças repetidas e estranhas.
O desprezo pela cidade, pela coisa pública, era ininterrupto,
permanecendo um velho hábito colonial, causando repugnação, tal imundice. O
ar fétido emanava de todas as fendas da rua.
É de fato importante relatarmos aqui como exemplo da situação a
opinião e retrato descritos por Maria Graham em 1821:
“A rua é da largura de toda a cidade, e é sem nenhuma exceção o
lugar mais sujo em que eu tenha estado. É extremamente estreita, e ao longo
da parede estão vendedores de frutas, de salsichas, de chouriços, tapetes,
cães, porcos e aves domésticas, sem separação nem distinção; e como a
sarjeta corre no meio da rua, tudo ali se atira das janelas. Ali vivem e
alimentam-se os animais.”
A colonização holandesa no nordeste vem contrariar os hábitos
portugueses. Foram severos quanto à urbanização do Recife, proibindo os
moradores de jogar lixo nas vias públicas (lançado nas praias) e de deixar
animais soltos no perímetro urbano; todos deviam varrer a rua defronte de suas
habitações. Iniciou-se, ainda, no tempo de Nassau (1760), a pavimentação de
algumas ruas, com tijolos holandeses, e para a sua conservação foi proibido o
tráfego de carros de boi que transportavam açúcar.
Ressalta-se também nesse trabalho, a epidemia de varíola iniciada
em 1662 no Maranhão, e alastrada até a Capitania de São Paulo, onde no
porto de Santos pereceu um terço da população.
Verificou-se novo surto de 1680 a 1684, de que a municipalidade
baiana deu reiteradas contas ao rei; perplexos, os miseráveis tinham como
“castigos do céu em duas pestes de bexiga que padecemos dentro de 16 anos
com grande estrago de filhos e escravos”.
Surtos da varíola: Pará (1720,1724,1740,1743-49); no Maranhão
(1724,1730,1785-87,1799); Pernambuco (1705-15,1793); na Bahia (1732-33),
em São Paulo (1723-30, 1741-44, 1761, 1798); e em Goiás (1771).
A peste das “bexigas”, matou mais gente durante a época colonial
do que todas as outras reunidas. A malária manifestou-se de forma endêmica
ou epidêmica, desde o início da colonização.
Não havia meios eficazes de combate às causas das doenças. As
epidemias abrangiam extensões consideráveis, diante da fragilidade humana e
impotência do conhecimento científico dos médicos que também padeciam e
morriam necessitados.
De 1685 a 1692, alastrou-se por grande parte do litoral, de
Pernambuco a São Paulo, uma epidemia de febre amarela.
Pobres e ricos viam-se diante da mesma situação de morte iminente.
O sarampo também matou muito. Em 1641 só na Paraíba morreram
1100 negros. Os índios sobretudo, morriam aos milhares. A mortandade foi
tanta que raras vezes se abria sepultura para um só cadáver. A dupla epidemia
sarampo e varíola perduraram até 1772.
Os métodos utilizados pelos médicos da época eram em todos
inúteis e sobretudo terríveis: misturavam métodos experimentais com
suposições astrológicas (sangrias , purgas).
Foram necessárias ordens severas do governador de Pernambuco,
não só que cuidassem da limpeza das ruas como do asseio pessoal. Este
último, apesar de ser de difícil pesquisa histórica é relatado pelo poeta Gregório
de Matos e principalmente pela historiadora Mary Del Priore, John Luccock e
Maria Graham, os quais relatam as péssimas condições de higiene.
O governador Rodrigo César de Meneses ordenou em 1720, o
isolamento absoluto dos doentes de varíola. As autoridades, associavam a falta
de higiene às doenças infecciosas. A Câmara de Salvador, cidade populosa e
cheia de problemas, investia continuamente contra os que emporcalhavam a
esmo as vias públicas. Somente após algum tempo foi proibido o lixo nos
diques. A água dos diques era usada inclusive para pães. Consta-se ainda, e
consideravelmente sério, que o lixo atirado às águas do dique incluía-se
matéria fecal. Isso se devia a que as casas não possuíam privada. As fezes
acumulavam-se em um barril – no século XIX chamado de “tigre” -, seria
transportado à cabeça de um escravo a certo local estabelecido pelas
autoridades e aí despejado. Os acidentes no percurso, com dano à
salubridade, não eram incomuns.
Não havia lixeiros, nem varredores, nem homens públicos cuja
obrigação fosse de prevenir e pouquíssimos particulares davam mostras de
sensibilidade a esses fatos.
As péssimas condições sanitárias das cidades, pano de fundo
perfeito para se propagarem surtos epidêmicos debelados com dificuldade,
acrescia-se o velho hábito colonial de sepultamento no interior das igrejas.
Cessando tal hábito, sob intervenção do príncipe dom João. Costume tal que
deixava a atmosfera da Igreja intolerável. Cabe dizer aqui, que havia cemitérios
somente para negros.
A cidade de Belém só construiu seu cemitério ao ar livre no ano de
1780.
Quanto à mortalidade infantil não há estatística, porém deveria de
ser alta, quer pela alimentação precária, quer pela exposição de organismos
debilitados pelas epidemias. O historiador Dauril Alden, que analisou censos
brasileiros a partir da década de 1770, estima que a população abaixo de sete
anos não alcançava os 12%, cifra escandalosa se considerarmos que na
mesma época essa faixa etária ultrapassava 30% em cidades da Europa e
mesmo da América espanhola.
Alimentação Precária

Apesar de grande abundância, comercializavam-se alimentos


deteriorados (farinha estragada e carne podre).
A farinha de mandioca, porém, era não só o alimento mais popular
como o mais barato, e por isso, o mais difundido no sertão e entre a gente
humilde das cidades – sem contar os escravos.
Os mantimentos de que se sustentam os moradores do Brasil,
brancos, índios e escravos de Guiné, eram diversos e os principais e melhores
eram três: mandioca, arroz e milho, respectivamente.
Maria Graham escreveu que o peixe não é tão abundante quanto o
esperado e é de custo muito alto.
A alimentação comum da gente do povo e a dos escravos era igual,
consistindo em feijão, bananas, toucinho e carne-seca. Carne de vitela e
legumes são raros e de elevado preço.

Existência Promíscua

É possível concluir do exposto anteriormente, que no Brasil dos


tempos coloniais se vivia mal em todos os sentidos. E o quadro é idêntico em
toda parte do país: ruas tortuosas, estreitas e imundas.
As habitações conservavam o estilo colonial, com disposição
amontoada numa intensa preocupação com a privacidade, porém em
contradição exposta, não alcançando tal resguardo, devido à bisbilhotice da
proximidade dos vizinhos.
Havia duas espécies de casas: a térrea e o sobrado. A primeira de
chão batido, segunda de assoalho. A térrea associava-se à pobreza, o sobrado
à riqueza. Esclarece-se que o andar térreo era freqüentemente dedicado ao
comércio e a senzala.
A casa era constituída de sala, corredor, +/- de 2 aposentos e
cozinha ao fundo. Havia um aposento especial onde permanecia o barril de
fezes (este dando para a sala).
Essas casas comportavam um excessivo número de pessoas,
entorno de quarenta a cinqüenta pessoas, aí se incluído , a escravaria e os
agregados.
A qualquer estrangeiro a situação precária de moradia,
impressionava.
Essas construções não eram muito sólidas, em tudo parecidas às
dos primeiros tempos da colonização, erigidas com estruturas de paus roliços
às quais se aplicava cobertura de palha, sapé e folhas de coqueiro.
As pessoas de alguma posse erigiam moradas em alvenaria, de
pedra ou tijolo e cal. Os pobres, todavia, continuaram, séculos afora, a
empregar material ordinário, à base do pau-a-pique, em casas térreas,
pequenas. Além de mal construídas, eram também mal situadas.
Freqüentemente em épocas de chuva, as enchentes e enxurradas davam por
desabamentos as precárias construções de moradia, fosse ao pé da montanha
ou nas ladeiras.
Assim emergem para nós, de documentos e escritores, as cidades
coloniais. Muitas vezes mal localizadas e ralamente habitadas, quase sempre
de ruas estreitas e imundas, abrigavam uma população em sua maioria de
gente que ocupava construções acanhadas miseráveis. As residências nobres
e os prédios oficiais davam a dimensão do contraste, por opulentos e sólidos,
com as casas dos moradores pobres, a maioria das quais não conseguiu
sobreviver ao tempo. Tinha razão Vilhena.
Capítulo 2

A Sociedade da Aparência

Horror ao Trabalho

A idéia era simplista: caça abundante, pescaria copiosa, terra fértil,


boas águas, bons ares, por que trabalhar? O tal “berço da preguiça” , como
definia Vilhena, estava sem dúvida no Brasil. Acreditava-se que para sobreviver
bastava ser destro, esperto, oportunista. Essa idéia, atravessou os séculos.
Mas sempre com tal forma e descrito hábito e costumes em diversos
documentos, sejam eles de pesquisa ou relatos que “não há terra no mundo
que mais incline ao ócio ou à preguiça, e portanto nem gente mais preguiçosa
no mundo” – padre Vieira – Maranhão , 1654.
O povo do Brasil, era gente sem iniciativa, e estagnados, apáticos.
Todos os visitantes que percorreram algum pedaço do Brasil
raramente deixavam de notar a “índole preguiçosa” revelada por seus
habitantes. A pessoa só era reconhecida se esta tivesse o seu escravo. Que a
pobreza de um homem livre, estava em ele não dispor de escravo para ir
buscar-lhe um balde d’água.....(Saint-Hilaire).
Na primeira década do século XIX Thomas Lindley, em Salvador,
estranhou o costume, comum a ambos os sexos, “de deixar crescer a unha do
polegar ou do indicador (às vezes de ambos) até chegar a um comprimento
horrível”. Explicaram-lhe que as violas e guitarras eram tocadas com seu
auxílio e aos homens servia ainda para separar as folhas de tabaco e as
enrolar nos cigarros.
Essa mentalidade sequer arrefeceu com o passar dos anos, pois
Thomas Ewbank, em 1846, diz: “A aspiração de todos, era transformar-se em
funcionário público, militar, sacerdote, advogado ou médico. Nesta ordem. O
aprendizado de um ofício ou uma profissão manual, era simplesmente
degradante”.
Tamanha indolência levava os artífices a transferirem suas tarefas
aos escravos, de onde o inevitável desleixo em tudo que faziam. A explicação
da decantada preguiça brasileira: a escravidão. O negro tudo fazia dentro e
fora de casa (eram os negros de ganho).
Os escravos sustentavam os senhores, que assim podiam dedicar-
se ao prazer permanente de administrar seu ócio.
Quase toda a população livre aceitava, como coisa inevitável, o não
ser diretamente produtiva, com as exceções óbvias dos senhores de engenho,
plantadores, criadores e mineradores.
A razão da miséria da população era resultado da inércia diante do
trabalho. Acontecia, assim, que a solicitação de trabalho duro e valorizado do
outro lado do Atlântico se dirigia ao senhor de engenho, a seus parceiros
lavradores e ao minerador.
Nos centros urbanos havia um grande número de pessoas não
envolvido diretamente na produção industrial ou mineradora, mas cuja
atividade era vital para a sobrevivência dos citadinos em seu ócio: oficiais
mecânicos (carpinteiros, cuteleiros, alfaiates, sapateiros, ferreiros...); os
burocratas – sustentados pelo Estado, pagos por todo mundo e igualmente
odiados por todos; os pequenos comerciantes; os que exerciam ofícios
menores (costureiras, barbeiros, parteiras, criados...) e os liberais (médicos,
advogados, professores, músicos...).
Toda essa gente – e seus escravos, vale sempre lembrar – fazia a
cidade pulsar. E a população dos engenhos, recorria à cidade com freqüência.
Na cidade, sediavam-se as administrações civil e eclesiástica, e lá
também estavam os comerciantes e, o porto. A ligação direta entre Colônia e
Metrópole.
Muitos negros conquistavam sua alforria, porém logo tão libertos,
para sobreviver no mundo dos brancos, e assim serem reconhecidos e
respeitados adquiriam tão logo possível, um escravo também. Fazendo-se um
círculo vicioso.
Maria Graham relata ainda que ao conseguir comprar um escravo
negro, descansam e dispensam os demais cuidados. Fazem com que o negro
trabalhe para eles, ou esmole por eles, e assim, desde que possam comer seu
pão tranqüilamente, pouco se importam em saber como foi obtido. Consistindo
tudo isso uma imensa contradição pois o escravizado não tinha legalmente
personalidade civil, e assim lhe era vedado figurar como testemunha, fazer
testamento, herdar, ou ser tutor, ou seja tudo que possuía era de fato do
senhor. No entanto, costumeiramente abriu-se a exceção, sendo a mesma
violada diversas vezes, por alguns senhores.
O ócio ou a demonstração do ócio, era a mais importante signo de
abastança, ou de conforto, de quantos pudessem ter escravos para mostrar
poder e alardear um altivo desprezo pelo trabalho, tornando-o desonroso. A
conseqüência dessa posição é a desarmonia da civilização.
O brasileiro João Severiano Maciel da Costa já questionava o
sistema escravista, questionando se a indústria prosperaria em mãos de
escravos. A negativa era evidente:
“A razão e a experiência conspiram a provar que a devemos confiar
a braços livres porque nenhum grande aperfeiçoamento se pode esperar de
homens que, trabalhando para seus senhores, forçados, descontentes e sem
emulação, procuram unicamente fazer quanto baste para evitar o castigo e com
o menor incômodo pessoal possível....... E que esperança podemos ter de que
prospere a indústria em um país onde o trabalho, alma dela e de toda a
riqueza, é infamante e indecoroso?”
Segundo o desembargador João Rodrigues de Brito, em Salvador,
um dos motivos da tamanha ociosidade geral era o gosto de possuir escravos
de mero luxo. Algumas famílias abrigavam de 60 a 70 escravos pelo prazer da
ostentação.
A relação entre negros e brancos (escravos e senhores), era por
demais inúmeras, serviam-lhe água, traziam-lhe dinheiro (escravos de ganho),
amas-de-leite, e inclusive relações sexuais, e ainda o transporte por escravos
conhecido por serpentina ou palanquim. O transporte por negros que era
utilizado para tal uma rede, sendo substituído pr uma cadeirinha no século
XVIII.
Tudo isso acontecia dentro de casa. Nas ruas, o escravo devia ser
exibido como símbolo de poder ou de riqueza do senhor. Assim, fazer-se
acompanhar pelo maior número possível de negros bem nutridos e sobretudo
bem vestidos era o sinal maior de abastança e prestígio social. Essa posição
era praticada e aceita inclusive pela igreja, porém rejeitada pelo rei em
Portugal, o qual determinou uma capitação de todos os escravos de luxo das
cidades que não servem à agricultura.
Os negros de ganho, podemos dizer a respeito deles que muitas
vezes as famílias chegavam a depender totalmente deles.
O comércio praticamente era movimentado pelos negros de ganho e
as negras de tabuleiro que vendiam lanches, biscoitos, doces, velas,
amendoim, milho, pastéis, iguarias todas de grande consumo. E sendo assim,
povoavam as ruas das cidades, no litoral, nos ermos montanhosos das minas
de ouro e diamantes, ao mesmo tempo em que eram requisitadas pela
população, eram duramente reprimidas pelas autoridades.
Existiam também os negros de carro, que transportavam os fardos
puxando uma carreta. Eram utilizados de seis a doze escravos. A vida
profissional dos negros carregadores oscilava de sete a dez anos, ao cabo dos
quais se achavam absolutamente inutilizados.
Em 1828 Robert Walsh afirma de forma pungente: “Nem cavalos e
mulas não eram usados dessa maneira; eram empregados apenas para o lazer
e não para o trabalho.”

Presunção de Fidalguia

Não bastava ganhar muito dinheiro e com ele comprar casas e


terras. Havia que ser reconhecido e, se possível, admirado como pessoa de
fino trato, algo próximo à fidalguia, o que não era pouco numa terra onde a
nobreza de sangue significava o topo da pirâmide social. Exigir boa árvore
genealógica (mesmo que falsa) dava importância às pessoas. Tendo ainda por
registro que o rei por meio de decreto mandou prender quantos ostentassem
título falso de nobreza.
Sôo um nobre reconhecia outro nobre, só um nobre recebia outro
nome. E como procedia um nobre? Vivia de rendas, sem fazer qualquer
esforço, sem se envolver em qualquer coisa que significasse trabalho manual –
desembargador João Rodrigues de Brito.
Assim era no Brasil colonial: ou se alardeava ócio e a fidalguia, ou
se submetia a uma existência socialmente apagada, e, aí sim, sujeita à
exposição de seus delitos e à expiação de todas as penas previstas e
inventadas para coibi-los.
Também fazia parte desse jogo ostentatório o trajar-se com apuro.
Vestiam veludos, damasco, sedas, razes e panos finos como em Portugal. As
mulheres ostentavam ainda muitas jóias. Em meio aos luxos, torna-se cômico,
pois os índios perambulavam nus.
O trabalho ou produto do trabalho dos negros, era entregue
praticamente em tecidos e mais tecidos. Sempre de primeira qualidade, com
botões em ouro e prata cravados de diamantes, e segundo o padre Antônio
Vieira “tudo comprado fiado, ao depois estudar-se-ia para se pagar”. Até nos
confins da Colônia fazia-se questão de ostentar vestes caras. Preferiam
guardar seu dinheiro para brilhar e exibir sua magnificência numa festa do que
fazer uso dele para sua alimentação. Despendiam o ganho de um ano em
corridas de touros, sermões, adornos da igreja, e morria de fome o resto do
ano – La Barbinais – 1717.
Porém, dentro de casa as roupas eram pobres e sumárias. O
permanecer tão à vontade em casa era matéria de admiração para os
estrangeiros. Lindley anotou que o modo feminino de vestir que “é tão larga no
busto que resvala pelos ombros ao menor movimento, deixando o busto
inteiramente à amostra. Além disso, é tão transparente que se vê toda a pele”.
Maria Graham criticou veemente: “As mulheres em casa usam uma
espécie de camisola que deixa demasiado expostos os seios, que dificilmente
poder-se-ia acreditar que eram senhoras da sociedade. Como não usam nem
coletes, nem espartilhos, o corpo torna-se indecentemente
desalinhado....cabelos pretos e mal penteados e desgrenhado...sem banhos
tomados”.
Temos aí o agudo olhar feminino, mais rigoroso e exigente,
desvendando no pormenor o desmazelo e o abandono próprios da bem
guardada intimidade doméstica em tradição arraigada, teimosa , prolongada,
que se arrastava monotonamente desde a época colonial.
Não havia porque mostrar dentro de casa um luxo e limpezas que de
nada serviam para provar os ganhos e influências. As casas eram constituídas
de uma fortaleza contra olhares estranhos, limitando-se o eventual convidado
estritamente à sala de visitas. As casas em na tinham de ostentação nas
mobílias. Caprichavam apenas nos leitos, “leitos de seda” com franjados de
ouro e ricas colchas da índia. Mas muitos ainda por pegarem gostos dos índios
da terra, dormiam em redes. O maior luxo consistia em servirem-se à mesa de
baixelas de prata, porém, cabe ressaltar que não utilizavam grafos e sim as
mãos. Talheres finos e caros, eram postos à mesa somente “para inglês ver”.
Outro costume repugnante aos estrangeiros era os gases que acompanhavam
os brasileiros após as refeições, como maneira de reconhecimento e
agradecimento.
Além desses hábitos nada fidalgos, os habitantes da colônia
brasileira introduziram outro, escandalizando os espíritos mais conservadores:
uma dança chamada de lundu, onde provocavam-se em gestos lascivos.
Pelo século XIX adentro o lundu colonial perdeu gradualmente o
caráter de dança para transforma-se em canção solista. A dança refluiu para o
populacho, sobrevivendo parcialmente nas várias formas de samba.

Festejar Quanto Possível

Não trabalhar ou faze-lo o mínimo possível, seguido de um estilo de


vida “fidalgo”, expressava-se somente em festas. Havia grande quantidade de
dias santos e feriados civis; em finais da década de 1810, segundo Spix e
Martius, os primeiros eram exatos 35, os segundos 18 no total. O que
significava, só aqui, 14,5% do ano. Acrescentem-se a esses dias de folga – e
de folguedos – os domingos, naturalmente santificados, o do padroeiro do lugar
e os de comemorações especiais, exemplos: nascimento, falecimento,
coroação, casamento, chegada de bispos, translação de imagens e etc. E
trabalhava-se cansado da festa passada. O ócio fatigava.
As autoridades mais do que estimulavam, como obrigavam e
financiavam, a participação nas procissões. Por seu turno, as autoridades
eclesiásticas eram magnânimas nessas resoluções, tanto que desde 1707
estabeleceu-se com rigidez desnecessária que seria pecado mortal a não
observância dos dias santificados. E eram muitos. Somando-se cinqüenta
domingos às quarenta datas santificadas e mais uma dedicada ao orago da
cidade, temos 91 dias em que trabalhar era proibido. Representando 24,93%
do ano. Tais determinações cumpridas com prazer.
O ponto alto, evidentemente, era a procissão, e nela pode estar a
inspiração e o elo mais longínquo dos desfiles carnavalescos das atuais
“escolas de samba”. Realizando-se um verdadeiro desfile com carros
alegóricos e seus destaques. Misturando-se “santos”, “anjos” e personagens
bíblicos. Tudo ostentado com luxúrias e jóia.
Era preciso atenuar para a carga dos valores simbólicos dessas
figuras e fantasias que frisavam noções religiosas. Os negros também
desfilavam quando não empurrando os carros, estavam estes no bloco da
irmandade de nossa Senhora do Rosário dos Pretos.
Tal procissão, espetáculos, constituía motiva de espanto e desdém
para os estrangeiros. Também era regra ostentarem-se luzes nas janelas de
todas as casas, exibindo-se nas janelas também colchas, cortinas e tapetes.
E foguetório. Tão excessivo que dom João IV proibiu por duas vezes
por intermédio de alvarás. Cinqüenta anos depois, dom Pedro II, reiterava os
termos da antiga legislação, devido aos incêndios provocados. Luta quase que
dada por perdida, diante de que até as próprias autoridades coloniais, achavam
que valia a pena.
Passadas as danças e procissões, vinham 3 dias de cavalhada ou
cavalaria, que consistia em jogos, sendo o mais importante o “correr manilhas”.
Tratava-se de um conjunto de competições eqüestres. Diversão reservada a
fidalgos ou homens de posse.
Na colônia apreciava-se bastante a arte teatral, porém o mesmo não
se desenvolvia, com péssimos atores duramente criticados pelos estrangeiros.
Os atores só passaram a ser reconhecidos a partir do século XIX. Mas nem
pensar em atrizes, a profissão era dirigida exclusivamente aos homens.
Apesar do evidente amadorismo de atores e diretores, os
espetáculos se davam para gente sem maiores exigências, garantindo uma
boa freqüência. Ir ao teatro representava na tal sociedade passar-se por
refinado.
Havia, ainda, um festejo anual que se iniciava no domingo
imediatamente anterior à Quaresma, estendendo-se pelos dois dias seguintes,
antes da quarta-feira de Cinzas. Era o Entrudo, que terminou por originar o
Carnaval brasileiro.
No Brasil, o Entrudo seguiu fielmente o modelo do que se fazia na
Metrópole. Dominava a violência, e brincar o entrudo significava de fato
participar de verdadeiras batalhas com entrechoques de ovos e jatos d’água.
Existiam certas regras para brincar o Entrudo. O homem e mulher podiam
molhar uns aos outros, mulheres com mulheres também, mas homens com
homens era totalmente proibido, repugnado. Os escravos recebiam pelo rosto e
o corpo generosas porções de farinha e água atiradas pelo brancos. Reagir,
nem sonhar! Negros também brincavam, mas somente entre si. A violência da
brincadeira então redobrava e quase sempre terminava em pancadaria. A
carnavalização dos costumes podia ser geral, porém mantidas as diferenças de
estrato e de posição social.

Piores do que Peste

“São piores aqui do que peste”: era assim que Duarte Coelho, em
1546, se exprimia para definir os problemas trazidos pela grande quantidade de
degredados que aportava em sua capitania e aos elementos da população.
Mesmo diante da comodidade de quem tinha escravo, era necessário colocar a
“mão na massa” (trabalhar), para manter o alto custo social imposto pelo
estrutura de poder na Colônia.
Desde muito cedo havia nas cidades, de fato, uma considerável
população flutuante ou desajustada que vivia à margem das atividades
regulares. São os chamados de vadios, vagabundos e mendigos.
Os vadios, vagabundos, formavam um contingente de trabalhadores
esporádicos, aventureiros sem profissão definida, assaltantes, prostitutas e
desempregados. Seu número aumentou com o desenvolvimento das cidades.
Toda essa gente, na óptica colonial, era perigosa, objeto de repressão
sistemática, marginais da produção e dos deveres para com o Estado e a
Igreja.
A esses brancos pobres, tidos pelas autoridades como vagabundos
incorrigíveis, somavam-se os mulatos e negros forros. O liberto submergia nas
camadas mais baixas da sociedade e ainda sofre forte discriminação racial. Em
1846 Thomas Ewbank ficou impressionado, no Rio de Janeiro, com a multidão
de mendigos que perambulava pelas ruas, mas em especial com os aleijões
exibidos por ex-escravos outrora envolvidos no transporte de cargas.
Essa gente tornou-se violenta, e por isso legislou-se com severidade
contra os tais delinqüentes, periculosos. Tal situação já era antiga, pois foram
mantidos em terras americanas e os degredados, em conseqüência de crimes
cometidos na Metrópole. No Brasil não havia homens para serem juízes
ordinários, nem vereadores. Os degredados conhecidos também por
desorelhados, não faziam bem a terra, mas muito mal e dano. São piores do
que as peste – Duarte Coelho – donatário de Pernambuco – 1546.
Para o Brasil era enviado não só corruptos, estelionatários, falsários
de moeda, ourives falsos, jogadores inveterados, falsificadores de toda
espécie, mas também gente violenta, ladrões, assaltantes e tudo o mais de
ruim que existisse. Eram os resíduos de uma sociedade que os rejeitava e os
expelia para uma terra longínqua e agreste carente de habitantes.
A violência emergia também, nas rixas entre famílias e respectivas
facções. As pessoas andavam armadas, com armas as vistas, inclusive
durante o dia. Mesmo diante de ordens e decretos de desarmarem
principalmente negros, as afrontas continuavam numa causa contínua de
desassossego para os moradores da cidade.
Outra categoria de “vadios’ que as autoridades se emprenhavam em
controlar tinha, paradoxalmente, uma profissão: as prostitutas. Os padres
observavam:” tem-se cá que o vício da carne não é pecado “. E muito se
preocupavam com as índias.
Cada navio que aportava no Brasil, desembarcava levas e levas de
prostitutas. Os médicos advertiam para evitarem as meretrizes evitando as
malignidades de doenças pelos atos e abusos venéreos. O governador de
Pernambuco para separar as meretrizes e afim também de evita-las ordenou:
“nenhuma mulher, de qualquer qualidade ou estado que seja, poderá andar de
noite depois das ave-marias, salvo na companhia de seus maridos ou pais.”
O trabalho que desenvolviam escapavam ao fisco, e por isso eram
consideradas na categoria dos vadios, e sendo assim, eram reprimidas em sua
ocupação “anti-social”, por meio de ordenações e posturas da igreja.
Um outro problema sério era que muita gente perfazia os
rendimentos com a prostituição de suas escravos de ganho.
Tal estado de coisas tornou-se dramático no correr do século XVIII,
nos principais centros urbanos, onde a pobreza da população aumentava. Em
Minas Gerais multiplicou-se enormemente a prostituição das escravas de
ganho e índias.
O foco principal da questão estava na pobreza.
No correr do século XVIII, de fato, a situação dos brancos pobres e
sobretudo a dos negros libertos tornou-se insustentável. Estes só eram
alforriados quando já não tinham condições de trabalhar ,e assim, teriam de ser
vestidos e alimentados sem nada dar em troca. Era uma verdadeira multidão
humilhada, curvada, aviltada, submetida por completo à caridade pública, às
esmolas dos antigos senhores que expulsaram de casa os escravos
inutilizados pelo trabalho massacrante ou pela velhice debilitada.
Como é visível, havia um grande e crônico problema social, que o
Estado tentava atenuar com a Igreja, através da prática da caridade. A noção
de “caridade”, estava amplamente vulgarizada na Europa durante o período
aqui tratado.
A sociedade colonial como um todo, repudiava ostensivamente os
vadios. Essa atitude vinha de muito antes em toda a Europa, submetendo
todos, ao encarceramento, à flagelação, à mutilação, á escravização, e até a
pena de morte.
Quanto aos mendigos, no Brasil colonial eram tratados de forma
ambígua, e portanto algo vacilante e imprecisa, caindo-se quase sempre na
fímbria da definição entre “vadio” e mendigo’. Ora, o mendigo era o pedinte, a
pessoa de pobreza absoluta, e como tal, na visão dos teólogos, semelhante a
Cristo.
Mas os que pediam por necessidade eram, na prática, vistos sob a
eterna desconfiança de que o faziam por preguiça.
A noção de caridade, tal como entendida e praticada na época
colonial, propiciou a criação de diversas entidades beneficentes, como as
irmandades e os recolhimentos conventuais. A mais famosa e atuante delas foi
sem dúvida a Santa Casa da Misericórdia (Irmandade de Nossa Senhora, Mãe
de Deus, Virgem Maria da Misericórdia), fundada em Lisboa no ano de 1498 e
instalada no Brasil, em Santos, desde 1543, por iniciativa de Brás Cubas.
O serviço de funerais abria-se ao sepultamento do mais rico cidadão
ao enterro de escravos e mendigos.
Mas as péssimas condições de vida a que se submetia a população
pobre colonial é que revelavam a brutalidade que eram expostas às crianças
tendo tido como “enjeitadas”. Muitas das mães abandonavam às portas.
A responsabilidade legal de cuidar dos enjeitados era da Câmara
Municipal, porém esta transmitia a obrigação ao conselho que retransmitia a
Santa Casa da Misericórdia. A atividade acabava sendo dividida entre a
Câmara e a Santa Casa, que faziam de um todo para suprir as necessidades,
sendo socorridas inúmeras vezes pela Coroa.
A Câmara e a Santa Casa, contratavam então amas-de leite para
cuidar dos enjeitados, para tanto recebiam salário e ficavam isentados do
serviço militar os filhos e maridos destas.
O problema dos enjeitados permanecia inclusive quando adultos,
antes rejeitados pelos pais e depois pelo corpo social. Com ânimos
corrompidos, muitos passavam a viver de latrocínios e moças faziam-se
meretrizes.

O Berço da Preguiça

Vilhena, tinha o Brasil como “berço da preguiça”, mas a visão dos


brasileiros, não era a de que eram vadios.
O escravo trabalhava, o senhor descansava e o vadio nem
trabalhava nem descansava: sobrevivia. Tudo vigiado e promovido de perto
pelo Estado.
Nas procissões esbanjava-se o esplendor de seus participantes,
sendo disputadíssimo o lugar de destaque tanto por autoridades civis quanto
pelos eclesiásticos. Sendo deixado de lado à questão apenas quando a
esquadra holandesa atacou a enseada de Vila Velha, em 1624. Autoridades e
eclesiásticos morreram, mas as rixas de disputas, instituições, vaidades e
hábitos sobreviveram.
Recorria-se a velha fórmula do “pão e circo”. O pão deixava-se à
capacidade de cada um ganha-lo, mesmo à custa da caridade, como os
mendigos, mas o circo era cuidadosamente programado, e aí tomavam relevo
às procissões, para sublinhar em definitivo quem era quem naquela sociedade
fechada.
Conclusão

É impossível não compreender um pouco dos muitos problemas


sociais atuais do nosso presente, após ler sobre o tema.Pude então, entender
as raízes do nosso povo, do nosso país. Das dificuldades vividas e das
características da nação brasileira. Características estas não muito agradáveis
de ser ouvir, tristes até. Pois o povo foi formado com as escórias da Europa, e
imagino o quanto lutou e sofreu, os filhos, os filhos dos filhos, e assim por
diante, daqueles, para se impor no decorrer dos séculos, na busca por respeito
e dignidade numa tentativa incessante de uma reformulação da formação que
recebemos. Nesse grupo, negros e brancos.
Da história: Doenças, pobrezas, prostituição, guerras, escravidão e
festas. Festas planejadas a partir da Metrópole. Os colonos, que viviam longe
do rei, tinham a separa-los da corte todo um oceano. E já que a escravidão
fazia a vida ociosa nas cidades, nada melhor que preenche-la com a festa, e
para festa nada melhor que as cavalhadas, o Entrudo, as touradas, o teatro...
E melhor que tudo eram as procissões, onde a hierarquia social se mostrava
sem rebuço, pujante, exuberante, arrogante. Esse povo embaralhado e
embaraçado a situações complicadas e complexas, passou por três tipos de
regimes políticos: colônia, império e agora república.
O conteúdo do trabalho dá uma profunda explicação do
comportamento ainda nos dias de hoje do nosso povo: passivo, complacente,
conformado, para não denominarmos preguiçoso. Seguindo afirmação de
Gregório de Matos: “os brasileiros fazem do dia noite, da noite faz dia.” Não é
então, de estranhar, o rótulo impiedoso de “berço da preguiça”.
O trabalho acrescentou aos meus conhecimentos, abrindo os
horizontes, e fortalecendo as minhas opiniões como futura profissional , os
parâmetros históricos da disciplina ora aplicada.

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