Falso Conhecimento
Falso Conhecimento
Falso Conhecimento
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Professora de Inglês e Espanhol do Ensino Médio e Cursos Livres de Idiomas. Professora de Inglês e Espanhol
do Centro de Línguas da Universidade Federal de Goiás (UFG).
DOI: 10.5216/rir.v11i2.37983
1. Introdução
Desde o início de vida de todo ser humano, o processo de construção do conhecimento
se dá através de diferentes formas, da comunicação, da observação e da linguagem, de
empirismos, cognições e impressões que passam pela vida como imutáveis até se ter um
contato maior com esta ou aquela força, com esta ou aquela verdade desnudada ou com a
manipulação de algo que apenas se almejava como interesse distante e idealizado. A
construção de um conhecimento, no caso a aprendizagem de um segundo idioma, tem se
tornado um desafio aos educadores.
O fácil acesso à informação e uma parca seleção do que seria ou não apropriado àquele
momento, conduzem o cidadão comum a um desvio, a uma facilidade que por vezes se mostra
engodo. Opiniões ao invés de conhecimento, que se multiplicam com rapidez assustadora, e
que saciam a curiosidade de milhares de usuários. Platão afirmava que a opinião (doxa) era o
falso conhecimento. E que o conhecimento verdadeiro (episteme) depende do estudo
profundo, de uma comprovação ordenada e uma posterior validação. Iglésias (2005) fala
dessa situação onde o objeto transformador, ou seja, a intuição e o desejo do conhecimento
através da pesquisa e estudo aprofundado são suprimidos em razão de um dispositivo
superficial, de um viés disponibilizado pelo senso comum:
“Sendo a maioria das pessoas pouco exigente, as explicações dadas pelo mito, ou
quaisquer outras explicações prontas de uma cultura, bastam para quebrar o espanto
nascente, e, assim sendo, a filosofia não acontece. Aliás, é comum também que as
questões mais fundamentais não cheguem a ser postas - um ser humano pode
crescer, assimilando com naturalidade as explicações dadas pela sua cultura sobre o
mundo que o circunda, quer se trate do mundo físico, quer do social. As regras de
conduta, o sistema de organização social e muitas vezes não chegam a espantar
ninguém. As pessoas crescem aceitando sem discutir os papeis sociais que lhes são
atribuídos, sem jamais questionar seu valor e seu por que, como se tudo fosse parte
da ordem natural e inevitável das coisas”. (IGLÉSIAS, 2005, p. 15)
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Todos começamos com o “realismo ingênuo”, isto é, a doutrina de que as coisas são
aquilo que parecem ser. Achamos que a grama é verde, que as pedras são duras e que
a neve é fria. Mas a física nos assegura que o verdor da grama, a dureza das pedras e
a frieza da neve não são o verdejar, a dureza e a frieza que conhecemos através de
nossa experiência, e sim algo muito diferente. O observador, quando se lhe parece
estar observando uma pedra, está na verdade, se devemos acreditar na física,
observando os efeitos da pedra sobre si mesmo. (...) O realismo ingênuo conduz à
física, e a física, se verdadeira, mostra que o realismo ingênuo é falso. Desse modo,
o realismo ingênuo, se verdadeiro, é falso; portanto, ele é falso. 1
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RUSSELL, Bertrand. An inquiry into meaning and truth. Oxford, Routledge, 1940, p.15, tradução nossa. ("We
all start from 'naive realism', i.e., the doctrine that things are what they seem. We think that grass is green, that
stones are hard, that snow is cold. But physics assures us that greenness of grass, hardness of stone, and coldness
of snow are not the greenness, hardness, and coldness that we know in our own experience, but something very
different. The observer, when he seems to himself to be observing a stone, is really, if physics is to be believed,
observing the effects of the stone upon himself.(...) Naive realism leads to physics, and physics, if true, shows
that naive realism is false. Therefore naive realism, if true, is false; therefore it is false.").
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NIETZSCHE, Friedrich. Beyond good and evil. Prelude to a philosophy of the future. Vintage Books Edition,
1966, p.35, tradução nossa. ("O sancta simplicitiatas! In what strange simplification and falsification man lives!
One can never cease wondering when once one has got eyes for beholding this marvel! How we have made
everything around us clear and free and easy and simple! how we have been able to give our senses a passport to
everything superficial, our thoughts a godlike desire for wanton pranks and wrong inferences! (…) And only on
this solidified, granite-like foundation of ignorance could knowledge rear itself hitherto, the will to knowledge
on the foundation of a far more powerful will, the will to ignorance, to the uncertain, to the untrue! Not as its
opposite, but - as its refinement! It is to be hoped, indeed, that language, here as elsewhere, will not get over its
awkwardness, and that it will continue to talk of opposites where there are only degrees and many refinements of
gradation; it is equally to be hoped that the incarnated Tartuffery of morals, which now belongs to our
unconquerable "flesh and blood," will turn the words round in the mouths of us discerning ones. Here and there
we understand it, and laugh at the way in which precisely the best knowledge seeks most to retain us in this
simplified, thoroughly artificial, suitably imagined, and suitably falsified world: at the way in which, whether it
will or not, it loves error, because, as living itself, it loves life!”)
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3. Objetivos
O foco desta pesquisa dirige-se em especial ao falso conhecimento pelo que o uso
frequente e por vezes indiscriminado de fontes como a Internet e a ideia inicial que o
estudante tem como senso comum na aprendizagem de um segundo idioma, em especial o
Espanhol – no que ele tem de similaridade em relação ao Português – torna difícil a distinção
entre o que é real conhecimento e o que é errôneo e artificial.
O que o indivíduo possui realmente de seu no que tange a esse conhecimento – que
conduz ao aprimoramento – e o que é externo, embora tão facilmente acessível a ponto de
conferir essa ideia errônea e estranha de que ele é interno, que é parte do indivíduo? O
indivíduo necessita desse olhar inteirado das peculiaridades e distinções, como afirma Veiga-
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Neto (2002, p. 30) “(...) é o olhar que botamos sobre as coisas que de certa maneira, as
constitui. São os olhares que colocamos sobre as coisas que criam os problemas do mundo.”.
Veiga-Neto utiliza desse termo: olhar, para simbolizar a forma como o indivíduo
encontra de encarar o desconhecido, os desafios e as probabilidades, bastando um olhar mais
aprofundado e assertivo para ter uma resposta mais real, mais positiva e produtiva. O olhar
passa a ser o diferencial, que decide se a busca é mais ou menos longa e penosa, se é velha ou
nova, simples ou audaciosa. A realidade apresenta-se em uma infinidade de coisas e formas
diferentes, e o olhar voltado a elas garante a multiplicidade da realidade que nos cerca.
Contudo o olhar não contém o imo da realidade, ele apenas a revela para ser apreendida e as
primeiras impressões são perigosas, deve-se fugir das primeiras aparências, do disponível ao
primeiro contato, das utopias que adviriam dessa aceitação do superficial, o que não
conduziria efetivamente ao conhecimento real.
Esse erro de viés de disponibilidade conduz a essa falta de observação e reflexão mais
aprofundada, conduzindo por sua vez a essa falsa sensação de propriedade, está à mão, mas
não na mente ou no coração.
Estando em sala de aula durante uma aula de Espanhol, em uma análise inicial foi
possível perceber uma apatia e desinteresse pelo primeiro contato com o idioma, que
permanecia no imaginário dos alunos como apenas um idioma muito parecido com seu
próprio, “não digno” de uma imersão individual audaciosa e minuciosa. Foi-lhes oferecido um
rol de palavras que até então não tinham conhecimento e que somado à utilização
idiossincrática tornou-se objeto de interesse, porém sem ainda um entendimento profundo de
que deveriam ser assimiladas e estudadas com mais cautela no ambiente fora de sala de aula.
Essa oferta inicial de um vocabulário razoável que saliente as diferenças mescladas a algo de
lúdico e interessante na construção do conhecimento desse idioma tornou o ambiente de sala
de aula em um retorno ao ensino fundamental, o que de fato facilita esse contato com o
idioma, pois é como se inseríssemos o aluno no ambiente que lhe ofertou o ensino
aprofundado na língua materna. Aquele erro primário de disponibilidade foi desfazendo-se
pouco a pouco com a compreensão ampliada de que o idioma Espanhol compõe-se de
meandros e peculiaridades múltiplas e que é possível perceber sanar os erros com uma
compreensão inicial das diferenças ao invés das similaridades – o que garantia essa confiança
inicial errônea de que a semelhança com o Português conferia ao idioma Espanhol uma
casualidade e desatenção involuntária no aprender.
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diferença de faixa etária, era a primeira vez que faziam um curso de Espanhol, e a expectativa
era muito similar entre todos os alunos.
5. Resultados e discussão
Os resultados iniciais reforçam a ideia de que o Espanhol para o estudante brasileiro se
encontra nessa zona de erro de viés de disponibilidade, onde o sujeito tem o falso sentido de
que o objeto a ser estudado lhe é muito similar ao que já lhe é conhecido e daí não necessita
advir tanto esforço e pesquisa, bastando por vezes mesclar ou adivinhar ou tentar a sorte no
que lhe parece ser a construção desse novo idioma em seu discurso individual e social. 4
Foram usados codinomes ao citar os depoimentos dos alunos. Uma aluna, quando
questionada sobre como via o fator de similaridade entre o Português e Espanhol, respondeu:
De forma positiva, porque os idiomas são parecidos, o que facilita a compreensão,
principalmente no momento da leitura. Se acaso me deparo com uma palavra de
significado desconhecido, às vezes arrisco a adivinhar”. (Entrevista, Rebeca,
junho/2015).
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Minha tradução para: “The main role of action research is to facilitate practitioners to study aspects of
practice”.(…) ” carrying out action research is all about developing the act of knowing through observation,
listening, analysing, questioning and being involved in constructing one’s own knowledge.”.
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como relatou a maioria dos alunos ao serem questionados sobre o que os levou a frequentar o
curso de Espanhol:
A importância da língua. (Hector, questionário);
O interesse por aprender o idioma que me atrai muito, pois penso em tirar o
passaporte e conhecer a Espanha. (Brendon, questionário);
Porém as semelhanças com o idioma Português foram relatadas como uma facilitação,
facilitação essa que se mostrou superficial, pois foi apenas detectada na compreensão de
textos e na leitura, quando no que tange à formação de ideia e à produção textual o estudante
esbarrou sempre no entrave de não conhecer verdadeiramente o idioma, muitas vezes
deixando os textos com um excesso de “portunhol”, acreditando estar realizando uma
produção textual fiel ao idioma Espanhol.
Eu nunca estudei Espanhol na escola, mas minha namorada teve Espanhol durante
seu ensino regular, e isso, mesmo tendo sido há algum tempo atrás, fez toda a
diferença. Ela já tinha uma base e essa base a fez compreender e falar melhor até
mesmo na questão do sotaque. A ideia inicial que eu tinha era de que se tratava de
algo muito parecido com o Português, e ainda conservo essa ideia, o que dificulta na
hora de escrever ou tentar ler em Espanhol. Penso muito em Português. (Andersen,
entrevista, julho/2015).
Uso bastante, porém nem sempre é eficiente, tornando-se confuso às vezes. (Hector,
questionário).
A tradução online nem sempre está 100% correta, imagino que por algumas
variações de gramática, vendo por outro lado como a “resolvência” de um problema
no momento, prefiro muito mais estudar o idioma. (Brendon, questionário).
5. Considerações finais
Houve uma concordância geral de que o conhecimento oferecido sem comprovação
necessita de um aprofundamento individual e os estudantes relataram buscar realizar essa
comprovação através de pesquisa e estudo, porém durante as aulas esse conceito mostrou-se
fiel apenas no papel do questionário, esbarrando novamente na dificuldade relativa a tempo e
conciliação de outros compromissos com o estudo do idioma. Por se identificar mais com o
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idioma materno, o Espanhol sofreu um desgaste ainda maior nessa questão da dedicação
individual do aluno, pois se encontrou em uma zona de conforto a qual não se conferiu
verídica assim que se foi constatando a real dificuldade e características singulares do idioma.
Desse modo o educador tem que estar muito atento ao que os estudantes afirmam ter
conhecimento com certeza ou com apenas a sensação de que possuem ou captaram aquele
conhecimento com estudo e compreensão. Um segundo olhar é sempre essencial, e o reforço
constante de atividades extraclasse que instiguem o aluno a despender tempo e dedicação,
como a criação de próprios textos, jogos e atividades de caráter investigativo ou em grupo,
disputas que se finalizariam em sala de aula, ou seja, atividades que levem o estudante a uma
dedicação ativa e constante, onde daí se especifique as diferenciações e se sane as dúvidas,
pois somente com o caráter investigativo da aprendizagem se consegue obter dúvidas
consistentes para que sejam eficientemente sanadas. Será dada continuidade a essa pesquisa
no semestre subsequente de 2015, onde uma base mais consciente e adequada ao aprendizado
do Espanhol se faz necessária para um equilíbrio entre o tempo dedicado e o viés adequado ao
aprendizado, que se mostrou eficiente na demonstração das diferenças e particularidades entre
os dois idiomas – Português e Espanhol.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARANHA, M. L. de A. e MARTINS, M. H. P. Filosofando: introdução à filosofia. 2.ed. São
Paulo: Moderna, 1993. p.54.
FOUCAULT, M. A verdade e as formas jurídicas. 3.ed. Rio de Janeiro: NAU, 2005. p.88.
KOSHY, V. Action research for improving practice. A practical guide. London: Paul
Chapman Publishing, 2005, p. XII, XIV.
NIETZSCHE, F. Beyond good and evil. Prelude to a philosophy of the future. Vintage Books
Edition, 1966. p.35.
RUSSELL, B. An inquiry into meaning and truth. Oxford, Routledge, 1940. p.15.
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