Alexios - Os Karamanlis
Alexios - Os Karamanlis
Alexios - Os Karamanlis
Marquesi
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos
descritos, são produtos de imaginação do autor. Qualquer semelhança
com nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.
O país todo está enlouquecido!, penso ao passar por mais uma blitz
policial sem nenhum problema, acelerando a moto ao máximo, capacete preto
espelhado impossibilitando qualquer um de ver que quem pilota essa
máquina é um garoto, não um homem.
Eu não sou um homem! Não sou! Se fosse, não estaria aqui neste
momento, mas sim na delegacia, gritando por aí, fazendo qualquer coisa que
não apenas dar uma de burguesinho filho da puta endinheirado, acelerando
uma moto que custa o mesmo que um apartamento popular, mesmo sem ter
habilitação para isso, apenas para esquecer os problemas.
Eu sou um merda! E sou isso por causa “dele”!
Caralho! A Paulista está fechada por conta das comemorações do
pentacampeonato. É, o Brasil conseguiu mais uma estrela no futebol, o país
está eufórico como se não houvesse crianças na rua, assassinos à solta, a
corrupção impedindo todo o sistema público de funcionar. Foda-se, somos
penta!
Faço uma manobra rápida com a moto, deixando marcas dos grossos
pneus no asfalto e sigo para outra direção, à procura de mais uma avenida
extensa e reta para que eu possa extravasar todo o ódio dentro de mim indo
ao limite da velocidade.
Paro a moto de repente e quase sou arremessado para frente. Meus
músculos começam a tremer, meus olhos se enchem de lágrimas, sinto frio,
meus dentes batem um no outro. Engulo em seco. Não vou chorar! Não choro
mais, não há muitos anos.
Cada soco, cada pontapé, cada xingamento e mentira secaram minhas
lágrimas. Elas até se instalam em meus olhos, porém não caem. Sufocam-me,
quebram meu coração, desequilibram-me.
Caio no chão em um baque só, gemo de dor por causa do peso da moto
sobre minha perna esquerda, mas não choro. Respiro fundo para controlar a
dor, parar de tremer, diminuir os batimentos do meu coração. Estou
acostumado a essa rotina de tentar não sentir dor, de tentar não sentir mais
nada.
Levanto-me calmamente, sinto calafrios, manco, mas volto a subir na
moto, acelerando-a, fazendo o motor girar e um ruído alto e potente se
misturar aos sons das comemorações pelas ruas da cidade. Respiro fundo
várias vezes e, quando não sinto mais nada, tiro o pé do chão e deixo a
máquina me levar.
Eu queria poder fugir para o mais longe possível desta cidade, mas não
dá, infelizmente não posso ir a lugar algum, estou preso, revivendo o mesmo
inferno todos os dias, aceitando meu destino com resignação até poder livrar
a mim e a Kyra do demônio que nos formou.
Eu poderia pedir ajuda ao Tim, mas sei que ele tem a própria merda para
lidar e que conseguiu sair há pouco do inferno. Sei que precisava ir. Meu
irmão estava por um fio, assim como eu, e, se ficasse lá conosco, seria para
morrer ou matar, e, como não é da sua natureza matar, iria perecer aos
poucos, como Nikkós gostaria que acontecesse.
Então ele foi, e eu fiquei incumbido de uma missão que nós aceitamos
sem nem mesmo combinar nada, apenas porque sabíamos do que nosso pai
era capaz e decidimos que não o deixaríamos chegar a ela.
Soluço na moto.
Eu falhei!
Eu falhei!
Eu falhei?!
Eu não sei! Simplesmente não sei o que aconteceu ontem! Acelero a
moto, pegando uma rodovia, ainda tentando processar todos os
acontecimentos e os flashes de memória que tenho.
Cometi um erro na noite passada, fui imprudente e agora preciso lidar
com tudo o que aconteceu, mesmo sem entender direito o que houve.
Enquanto piloto a moto, tento repassar cada momento de ontem, mesmo
sabendo que já fiz isso várias e várias vezes sem nenhum êxito.
Nikkós finalmente viajou a trabalho – ou o que quer que ele tenha ido
fazer –, e eu consegui relaxar um pouco. Mantenho constante vigilância sobre
minha irmã, uma adolescente de 14 anos de idade, e evito ao máximo deixá-
la sozinha com nosso pai. Não há muito que eu possa fazer para protegê-la
das loucuras dele, mas o que está ao meu alcance, faço.
Por conta disso, desde que ingressei na universidade – no começo desse
ano –, desdobro-me ao máximo para curtir com meus amigos e proteger a
Kyra. A babá anterior era a mesma desde quando minha irmã e eu nascemos,
totalmente devota ao nosso pai, então, assim que Konstantinos tomou posse
de sua herança, demos um jeito de nos livrar dela, e, assim que outra foi
contratada, meu irmão se encarregou de pagar uns extras para ela manter os
olhos em Kyra.
Nikkós sempre foi um filho da puta covarde, ele nunca iria deixar um
serviçal ver o que ele é capaz de fazer aos filhos, por isso tinha seus próprios
lugares para executar suas torturas em Kostas e em mim.
Noite passada, uma galera mais velha da universidade fechou uma boate e
me convidou para festejar com eles. Estávamos entrando de férias e
queríamos muito desopilar o fígado, relaxar, curtir e esquecer todas as
pressões dos estudos.
Como Nikkós não estava em casa, e a babá estava por lá com Kyra, por
que não ir? Foi esse meu erro!, penso ao relembrar.
Acordo com uma dor de cabeça filha da puta, ressacado, tão zonzo que
tropeço ao sair da cama, e a primeira coisa que me vem à cabeça nesta manhã
(ou será nesta tarde?) é que hoje é véspera de Natal. Foda-se! Sou ateu, esses
feriados religiosos não significam nada para mim.
Sigo pelo corredor em direção à cozinha, com muita sede, louco para
tomar um analgésico para exterminar a dor de cabeça. Não vou tomar! Não
tomo remédios para dor há anos, aprendi a conviver com as pontadas, com as
ardências. A dor me tornou mais forte, resiliente, aprendi há muito que nada é
capaz de me ferir mais do que eu mesmo.
A maioria dos meus ossos trazem lembranças de como superei, as marcas
no meu corpo também, porém, nenhuma dessas cicatrizes é mais forte do que
o vazio dentro de mim.
Encho um copo d’água até transbordar e o bebo em um só gole. A cabeça
martela ainda mais por conta da bebida gelada, mas ignoro-a por completo.
Não há remédio para o que sinto, não há cura para toda a raiva que carrego
dentro de mim, então posso, sim, conviver com umas horas de pontadas no
cérebro.
Olho para a porta fechada na área de serviço. Os cômodos dali eram a tal
dependência de empregados, mas, como eu nunca tive nenhum, aproveitei-os
para outros fins. Inspiro, os cheiros tão familiares chegando às minhas
narinas. A raiva natural com que acordo todos os dias se aplaca; não some,
apenas se recolhe, dando lugar às sensações de prazer.
Confiro as horas e xingo ao perceber que já estamos no meio da tarde.
Sinceramente, não sei por que Kyra inventou essa ceia de Natal, não depois
de todos esses anos. Não entendo minha irmã, sinceramente. Há muito
convivo com seu gênio forte, sua determinação, mas ainda não sei quem é
ela. A garota divertida da infância se tornou uma adolescente quieta e
taciturna, uma jovem inteligente e ajuizada e, por fim, uma adulta
completamente misteriosa. Eu a acompanhei em todas as fases de sua vida,
mas ainda assim não sei quem é a verdadeira Kyra Karamanlis.
Assim que ela completou 18 anos, abandonamos a luxuosa cobertura de
Nikkós e fomos morar em um cafofo velho e caindo aos pedaços. Eu
estudava como um louco no meu último ano de faculdade, e, como ela passou
para uma universidade pública também, tínhamos que morar próximo de uma
das duas universidades. Preferi ficar próximo da dela e me fodia andando de
bicicleta até a minha todos os dias.
Nessa época eu estagiava na Novak Engenharia e, com a bolsa do estágio,
eu mal conseguia pagar o aluguel do quarto e sala que aluguei. Ela nunca
soube, mas quem bancava nossa alimentação, transporte e outras despesas era
o Kostas. Meu irmão e eu nem éramos amigos, na verdade mal nos
falávamos, mas todo mês o dinheiro aparecia na minha conta, e eu sabia que
vinha dele.
Formei-me e já fui efetivado na Novak. Trabalhei com o Nicholas, com
quem aprendi demais e construí uma amizade forte, assim como com seu
irmão Bernardo. Os tempos de bagunça, baladas, drogas e bebidas acabaram
quando nos libertamos da prisão daquele apartamento e da convivência
maligna de Nikkós.
Kyra estudava muito, era extremamente aplicada em tudo o que fazia, e,
irritada por não conseguir conciliar seu horário de estudos com um emprego,
começou a fazer doces e salgados dentro do nosso pequeno apartamento e
vendê-los na faculdade.
Rio ao pensar que foi assim que nasceu a promoter de eventos, em uma
cozinha de seis metros quadrados, com um forno capenga, um fogão com só
duas bocas funcionando e uma geladeira que parecia um monomotor, de tanto
barulho que fazia. Em pouco tempo ela estava fornecendo encomendas para
festas e pequenos eventos, depois começou a fazer projetos de decoração,
então, quando se formou, foi trabalhar em um grande e caríssimo bufê da
cidade, auxiliando a cerimonialista com os projetos.
Hoje ela é a dona de uma empresa especializada em produções de eventos
diversos, bem-sucedida, com um negócio em progressão geométrica de
crescimento. Tenho muito orgulho dela, principalmente por ser a única que
não ficou agarrada ao cordão umbilical familiar dentro da Karamanlis.
Agora qual a necessidade da porra de uma ceia de Natal para comemorar
a expansão de seu negócio? Vou ter que ficar com um maldito sorriso no
rosto, carinha de anjo, lidando com o caralho da minha gastrite me corroendo
ao pensar na hipocrisia do mundo.
Respiro fundo e decido combater a ressaca e a dor de cabeça com mais
bebida. Pego uma cerveja na geladeira, abro-a na beirada da pia e entro no
outro ambiente, a sala, integrada ao outro cômodo, separados apenas por uma
enorme bancada.
Eu mesmo projetei esse prédio, há alguns anos, ainda trabalhando na
Novak. Bernardo Novak é meu vizinho de porta, e Nicholas foi o primeiro
dono da cobertura duplex que toma todo o último andar, hoje habitada por
um casal e uma menininha. Comprei o apartamento pensando em vir morar
com minha irmã, mas qual não foi minha surpresa quando ela anunciou que
só sairia do cafofo para seu próprio lugar?
Pois é, vim sozinho, ocupo apenas a suíte principal, e os outros dois
quartos estão praticamente vazios. A sala foi decorada – pela própria Kyra –,
bem como a cozinha, mas nunca mandei fazer os móveis da sala de jantar,
pois não vejo nenhuma função para eles. Eu como sozinho no balcão da
cozinha, assistindo a TV ou ouvindo música.
Resgato meu celular, seleciono uma das minhas muitas playlists, e a caixa
de som já liga automaticamente, deixando o som pesado do Matanza ecoar
pelos ambientes. Sorrio ao ouvir “Bom é quando faz mal”, as recordações das
loucuras da faculdade, de toda a merda que eu fazia. Não tenho vontade
alguma de fazer de novo, mas também não posso dizer que me arrependo. Era
o meu jeito de extravasar, tresloucado, admito, mas ainda assim muito mais
normal do que o que eu vivia dentro de casa.
Preparo qualquer coisa para comer, balançando a cabeça e cantando as
músicas de várias bandas de rock, algumas famosas, outras nem tanto, mas
que marcaram minha vida de alguma forma.
O telefone toca, e a chamada atrapalha minha diversão musical. Bufo,
jogo o pano de prato sobre a pia e pego o aparelho.
— Oi, Millos — atendo meu primo.
— Boa tarde, Alexios. Animado com a reunião de hoje à noite?
— Ô, tão quanto eu estaria para fazer um exame de próstata. — Millos
gargalha. — Ela convidou você também?
— E o Kostas. — Isso me surpreende, pois, até onde eu sei, não temos
nenhuma convivência com ele. — Bom, liguei para dizer que irei viajar na
virada do ano, por isso preciso que você não deixe de ir ao baile dos
Villazzas.
Gemo ao pensar em vestir um smoking.
— Porra, Millos, não fode! Aposto que Theodoros vai, afinal Frank e ele
são quase um casal! — Millos ri do meu deboche acerca da amizade entre
meu irmão mais velho e o CEO da rede Villazza de hotéis. — Não tenho a
mínima...
— Konstantinos confirmou presença também.
Puta que pariu!
Preciso me sentar depois dessa informação, pasmo só em imaginar Kostas
com alguma puta, sentado na mesma mesa de Theodoros. Vai dar merda!
— Eu não tenho companhia — tento me justificar. — E você poderia
adiar a sua viagem só por uns...
— Não, não posso, já fiz todos os arranjos, reservas em hotéis, o
cronograma da viagem! Você tem que ir para evitar que os dois prejudiquem
a imagem da empresa.
Reviro os olhos ao pensar na imagem da empresa. Millos é doido ao
pensar que temos uma imagem a zelar. Todos nesta maldita cidade, neste
meio asqueroso no qual vivemos, sabem que somos todos fodidos e que
nosso pai cagou em nosso nome com a sucessão de merdas que fez.
E olha que a maioria não o conheceu de verdade, não soube o monstro
que ele era, escondido por detrás de uma fachada bonita e um sorriso de
conquistador barato! Um lobo em pele de cordeiro, um demônio com a face
de um anjo... assim como eu.
Bufo de raiva.
— Cadê aquela sua amiga? — Franzo a testa, sem acreditar que ele está
se referindo à Samara. — Vocês viviam para cima e para baixo juntos, ela te
acompanhou em um dos primeiros eventos dos Villazzas e...
— A Samara mora em Madri há mais de três anos, Millos. — Decido não
entrar em detalhes e contar a ele que nos afastamos por algum motivo idiota
que eu não consigo lembrar. — Vou ter que ligar para alguma...
— Isso, ligue — ele me corta. — Mulher nunca foi seu problema, aposto
que você tem um caderninho cheio de telefones.
— E daí? — afronto-o. — Gosto de sexo, nunca escondi isso, diferente de
você, que nunca foi visto com nenhuma mulher além daquela sua amiga
motoqueira. — Decido provocá-lo: — Millos, acho que está na hora de sair
do armário, porra!
O filho da puta ri alto.
— Eu não teria problema algum em sair se fosse o caso. Ainda mais
agora, que Dimitrios saiu, e o pappoús continuou vivo e... — Millos para.
É sempre assim quando algum assunto referente à família na Grécia vem
à tona. Eu não conheço ninguém, nunca fui à Grécia, nem tenho a mínima
vontade de ir. Não conheço o tal pappoús, nem primo algum além de Millos,
que só conheci quando veio morar no Brasil.
Sou o Karamanlis renegado, indigno do sobrenome.
— Vou ligar para alguém e convidar a ir comigo — encerro o assunto
constrangedor. — Mas não garanto atuar de mediador como você.
— Você, mediador? — Millos se surpreende. — Alexios, se eu não
tivesse interferido, você teria criado uma situação com Theodoros na festa de
final de ano da Karamanlis. Eu só quero que você vá com alguém e iniba um
pouco aqueles dois.
Bufo e concordo.
— Eu vou.
— Obrigado. — Estou prestes a desligar, quando ele me chama de novo:
— Ah, Alexios, não encha a cara, senão você vai falar merda para o Theo, e o
Kostas vai se aproveitar disso.
— Vai se foder, Millos! Eu já vou, porra, não diga o que tenho que fazer.
Desligo irritado, perco a fome e a vontade de terminar o que estava
preparando.
Mesmo puto, preciso admitir, Millos tem razão sobre eu perder a cabeça
com Theodoros, principalmente quando bebo. Eu não odeio meu irmão mais
velho como sei que Kostas o faz, apenas ele não significa mais nada para
mim.
Convivo bem com ele, pelo menos no sentido profissional, mas não quero
nenhum tipo de ligação mais pessoal. Ele perdeu o timing quando, depois de
toda a merda que ajudou a fazer, nunca mais quis saber de nós. Era como se
nem existíssemos! Ele excluiu Nikkós de sua vida, mas acabou nos
descartando junto. Nunca se preocupou em saber de nenhum de seus irmãos,
muito menos de sua adorada Kyra, a mais vulnerável de todos nós.
Então, sim, eu perco a cabeça com ele, principalmente com seu jeito
esnobe, intocável, como se somente ele importasse e mais ninguém. E foi por
isso que nos estranhamos na festa de final de ano da Karamanlis, porque,
1
simplesmente, este ano a festa não foi Theocrática .
Millos e eu nos reunimos com alguns gerentes e coordenadores para
entender o que os funcionários da Karamanlis gostariam de ter em uma festa
de encerramento do ano. Depois, contratamos todos os serviços – sem ser da
Kyra, pois neste ano ela se livrou de nós na cara dura – e fizemos a festa
focada nos funcionários.
Aparentemente, isso chocou e desagradou ao CEO com síndrome de deus,
e sua cara fechada e seu olhar de desprezo não ficaram nada disfarçados.
— Ei, irmãozinho! — Eu o parei, enquanto andava como um deus do
Olimpo visitando terráqueos. — Aproveitando a festa?
— Espero que não tenha vindo de moto! — o filho da puta tentou me
repreender como se estivesse preocupado com minha segurança, e isso,
juntamente a toda cerveja que eu já tinha tomado, irritou-me.
— Preocupado com minha integridade física, oh, poderoso Theo!? — Ri,
já muito bêbado para me conter. — Vê só como seu nome já lembra a
2
divindade que você é! Théos !
Theodoros franziu o cenho com meu deboche, comparando seu nome à
palavra deus em grego. Estava prestes a dizer algo, mas se conteve quando de
repente fui abraçado pelos ombros. Nem precisei olhar para saber que nosso
interventor havia chegado.
— Alex, que festança, não? — Millos comentou. — Eu nunca vi nosso
pessoal tão à vontade e tão satisfeito com uma festa de final de ano!
— Você só pode estar brincando! — Theodoros pareceu perplexo. —
Essa confraternização não chega aos pés da do ano passado!
Gargalhei ao confirmar que ele era mesmo um grande egocêntrico,
incapaz de perceber a diferença da festa deste ano à do ano passado por estar
focado nos detalhes e não no que realmente importava: as pessoas.
— Na do ano passado, o pessoal quase dormiu nas cadeiras com aquele
sonzinho de jazz que foi colocado para agradar a um certo CEO! — respondi
como se estivesse sóbrio, mesmo não estando. — Você não conhece seus
funcionários, não sabe do que eles gostam e...
— Chega, Alex! — Millos me cortou.
— Foi ele quem organizou isso aqui? — Theodoros perguntou ao Millos,
apontando o dedo em minha direção como o grande babaca que sempre foi.
— Fui! — respondi. — Olhe além do seu mundinho privilegiado, Théos!
— Tentei demonstrar com gestos o que dizia, abri os braços de repente, e
meu punho bateu no peito do Millos, que chegou para trás. — A festa está no
fim, todos foram dispensados a ir mais cedo para casa, mas... — olho para um
grupo dançando e vários outros conversando, comendo e se divertindo —
você está vendo alguém ir?
Ele ficou um tempo olhando em volta como se notasse, pela primeira vez
desde que chegou, que realmente os funcionários estavam adorando a
descontração deste ano.
Eu só não esperava que ele tentasse ser condescendente comigo:
— Bom trabalho! O pessoal parece realmente estar gostando!
Só faltou dar umas batidinhas em minha cabeça como se eu fosse a porra
do seu cãozinho de estimação. Meu sangue ferveu, travei os punhos e não me
contive:
— Vá se...
— Nós agradecemos! — Millos interrompeu-me e me abraçou novamente
pelos ombros. — Foi um trabalho em equipe! Somos um só time dentro desta
empresa.
Mal acabou de falar, seguiu para o outro lado, levando-me consigo.
— Porra, moleque, não tem como ser menos reativo não? A festa está um
sucesso graças ao seu feeling, ao modo como você conhece e percebe as
pessoas, para que estragar isso batendo boca ou — ele me encarou —, como
percebi que queria fazer, enchendo a cara do Theo de porrada? Sai dessa!
Concordei com meu primo e respirei fundo. Depois disso tomei quase um
litro de café amargo, ele me pôs em um Uber, e eu vim para casa, onde
continuei a beber, desmaiei no sofá e, no outro dia, fui correr ainda um tanto
trôpego, sendo desclassificado no teste do bafômetro.
Perdi minha última corrida do ano, grande fracassado que sou!
Volto a ligar minha playlist, e a música que toca é exatamente a que eu
preciso para sair da fossa dessas lembranças todas:
— Eu não tenho nada pra dizer. Também não tenho mais o que fazer. Só
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para garantir esse refrão, eu vou enfiar um palavrão: cu!
4
Entro no showroom da Aγάπη – a empresa de eventos de Kyra – e já
admiro o trabalho dela com a decoração do local. A enorme mesa com vários
lugares ocupa o centro do enorme salão, com castiçais, flores, louças e
talheres milimetricamente colocados, junto a taças de cristal e guardanapos
de linho.
No restante do salão, há mesas altas para apoiar drinques, sofás e
poltronas brancas, com almofadas e outras coisas de decoração seguindo a
paleta de cores da festa: verde, vermelho e dourado.
Clichê! Mas é Natal, tem como não ser?
Dou de ombros e vejo Kyra de costas, junto à belíssima morena que
trabalha com ela desde que abriu a empresa e as duas chefes de cozinha que
conheceu ainda quando trabalhava no outro bufê e as roubou na cara dura
quando resolveu estabelecer seu próprio negócio. Uma delas, acho que é a
doceira – Mari, como todos a chamam – me vê e logo cutuca minha irmã.
— Ah, Alex! — Kyra abre um enorme sorriso, entrega para a morena –
como é mesmo o nome dela? – os penduricalhos de Natal com os quais
enfeitava o enorme pinheiro e vem até mim. — Que bom que chegou, tenho
uma coisa para você!
Ah, puta que pariu! Ela me comprou um presente? Fico imediatamente
sem jeito, pois não comprei absolutamente nada para ela. Eu nem imaginava
que iríamos trocar lembranças, nunca fizemos isso!
Alívio toma conta de mim quando ela vem com uma caixinha pequena e
claramente de doces.
— Quando experimentei, lembrei logo de você. — Ela tira um doce
dourado de dentro da caixa. — Prove!
Franzo o cenho e abro a boca. Mastigo devagar, emitindo sons de prazer,
adorando o contraste de texturas e o sabor doce e... picante. Abro um sorriso.
— Chocolate com pimenta! — Termino de comer. — Perfeição!
— Bombom Helênico. — Faço careta para o nome, não combina em
nada. — Eu sei, é péssimo, mas as meninas quiseram fazer uma homenagem
para a Helena, então... — Dá de ombros.
Helena!, minha mente grita ao lembrar o nome da morena gostosa, mas
que nunca sorri e mal fala comigo quando apareço aqui.
— Hum... gostosa! — Começo a rir quando noto que falei alto. Kyra me
olha séria. — O quê?
— Nem pense, ela está comprometida!
Ergo as mãos em minha defesa.
— Não falei nada!
— Não precisa! Sua fama de embusteiro conquistador te precede! — Faço
careta, e ela ri. — Estive com saudades de você.
— Então por que não foi me ver ou me ligou? — pergunto sem enrolação.
— Não sei.
Respiro fundo. Ela se fecha, é sempre assim e não só comigo. Ela se
empolga, vibra, deixa as pessoas se aproximarem, mas nunca demais.
Quando chega a seu limite, simplesmente retrocede com a mesma rapidez e
naturalidade com que atraiu alguém. É por isso que suas amizades ou mesmo
seus relacionamentos amorosos nunca duraram muito.
Porém o que faço eu aqui, julgando-a?
— Alexios Karamanlis! — Viro-me ao ouvir a voz de Millos.
Meu primo – filho de uma égua! – carrega uma enorme caixa de presente
toda embrulhada e com laços. Kyra abre um enorme sorriso e vai saltitante
até ele, abraça-o pelo pescoço – coisa que não faz nem comigo – e agradece o
regalo.
— É para decorar sua sala de empresária fodona — ele brinca com ela, e
Kyra gargalha ao tirar uma estátua toda colorida de um unicórnio. — Eu me
lembrei daquela sua fantasia no dia das bruxas...
Kyra para de boca aberta.
— Millos, eu tinha quatro anos! — ela recorda e, de repente, parece
lembrar também que, naquela época, tudo parecia realmente possível, mágico
e feliz.
Meu primo a abraça forte e fala algo em seu ouvido, baixinho. Kyra
assente, e eu fico paralisado vendo a troca de carinho entre eles. Parece
normal, não é? Mas, creiam-me, não é. Millos evita qualquer contato físico
com outras pessoas. Ao cumprimentá-las, ele prefere baixar a cabeça do que
dar um aperto de mãos; o máximo que o vi fazer até hoje foi tocar no ombro
de alguém, mas somente quando julga necessário. Até comigo, o máximo que
ele fez até hoje foi me abraçar para evitar um embate entre mim e Theo.
Então assistir aos dois se abraçando é realmente algo inédito.
5
— Feliz Natal, pesménos ángelos .
Mostro o dedo do meio para ele.
— Ah, pesquisou! — Ri debochado, mas logo para ao aceitar o chope que
Kyra nos oferece. — É um absurdo você não saber nada da nossa língua.
— Não tenho interesse algum por nada que venha de lá — justifico e
bebo. — Kyra também não sabe!
6
— Quem disse? — Ela começa a rir. — Anóito .
— Quando foi que você se interessou por essa porra? — questiono-lhe
surpreso.
— Você leu o nome da empresa dela na fachada? — é Millos quem
retorna minha pergunta. — Está em grego!
Millos e Kyra engatam uma conversa, enquanto eu ainda estou paralisado
com essa nova informação. Não é exagero, mas eu pensei que ela, assim
como eu, desprezasse qualquer coisa que tenha relação com Nikkós. No
entanto, ao contrário de mim, ela sempre foi aceita por todos os Karamanlis
como parte da família, então é natural que tenha algum apreço por eles.
— Ah, mais convidados estão chegando!
Kyra deixa-nos a sós e vai até um grupo que não conheço.
— Ela parece feliz — comento com Millos.
Meu primo dá de ombros.
— Há pessoas com o dom de demonstrar apenas o que querem que vejam.
— Bebe o resto de seu chope e me encara. — Já resolveu o assunto do baile
dos Villazzas?
— Ah, Millos, não fode mais a minha noite! — Vejo duas lindas
mulheres adentrarem ao salão e abro um sorriso. — Pode ser que ela esteja
começando a melhorar.
Millos ergue uma de suas sobrancelhas, e eu o deixo sozinho, caminhando
em direção ao meu mais novo alvo da noite, que, neste exato momento,
cumprimenta minha irmã.
— Kyra, eu gostaria de... — finjo interromper-me quando as
desconhecidas me olham. — Desculpem-me. — Kyra rola os olhos, mas suas
convidadas não desviam o olhar do meu rosto. — Millos estava falando do
chope, e nós fizemos uma pequena aposta, mas posso ver isso depois, atenda
seus convidados. — Abro novamente meu melhor sorriso na direção delas.
— Valéria e Priscila, esse é meu irmão, Alexios Karamanlis — Kyra faz
nossa apresentação, e eu sei que depois irá jogar na minha cara que eu estou
lhe devendo por isso.
— Um prazer, Valéria! — Aproximo-me para cumprimentá-la e logo
depois saúdo a outra: — Prazer, Priscila.
— O prazer é meu, Alexios — Priscila responde, sorrindo, e vejo a mão
de Valéria tocar suas costas num gesto um tanto territorialista. Perfeito!
Trocamos beijos no rosto em cumprimento. — Eu já te vi em algumas
revistas especializadas em engenharia e arquitetura, principalmente quando o
conselho dessas classes era o mesmo.
— Arquiteta? — tento adivinhar, mas ela nega e aponta para sua amiga.
— Valéria é, eu sou designer industrial. — Faço cara de surpresa, mesmo
sem achar nada de mais. — É, eu sei, a maioria das pessoas que me conhece
acha que sou modelo ou estilista, mas você quase acertou. — Seu sorriso é
claramente de quem se sente lisonjeada. — Trabalho conceitos para grandes
marcas.
— Incrível! — Olho-a de cima a baixo, e Kyra bufa. — Você também
parece incrível, Valéria. — Sorrio, e ela relaxa.
— Alexios, chegaram outros convidados, você poderia fazer companhia a
elas? — Ela pega na mão das amigas. — Vocês não se importam, não é?
— Claro que não, você é a anfitriã da noite! — Valéria diz, e sinto seu
olhar brilhar em minha direção. — Nós ficaremos em boa companhia com
seu irmão, afinal, é o anjo rebelde dos Karamanlis.
Puta que pariu!
Kyra arregala os olhos quando sua convidada fala essa maldita expressão
e me encara. Minha irmã sabe como eu odeio ser chamado assim,
principalmente desde que uma revista que cobre a alta sociedade brasileira
fez uma entrevista comigo e pôs essa alcunha na capa.
Anjo rebelde dos Karamanlis! Parece piada!
— Alex? — Kyra me chama. Eu respiro fundo, volto a sorrir como o anjo
que sua amiga espera que eu seja, e ela relaxa. — Divirtam-se.
Acompanho minha irmã com o olhar e a vejo cumprimentar mais pessoas
que acabaram de chegar. Confesso a vocês que meu tesão despertado pelas
curvas deliciosas das mulheres à minha frente deu uma caída, mas não vou
deixar Kyra em uma saia justa com suas convidadas, que podem ser somente
suas amigas, mas também possíveis clientes.
— Então, Alexios, o que você curte fazer quando não está à frente da K-
Eng? — Priscila é quem pergunta, claramente interessada.
Encaro-a sem responder por alguns minutos, jogo um olhar para sua
amiga, percebendo que ela também entrou no jogo, e disparo:
— Trepar.
A mulher, que, enquanto eu estava distraído olhando para Kyra, pegou
uma taça de champanhe, se engasga e tosse, tentando disfarçar, mas Valéria
não se faz de rogada, abre um enorme sorriso, como quem já esperava por
essa resposta.
— Uau! Que resposta mais direta! — Ela olha para sua companheira.
— Está mais para anjo malvado do que rebelde...
— Até os anjos têm sexo, baby! — confesso, assumindo minha faceta de
cafajeste. — Não tive um só pensamento celestial desde quando vocês
apareceram.
Priscila sorri sem jeito, mas claramente interessada e mais uma vez
consulta a mulher ao seu lado com o olhar.
— Podemos marcar um jantar qualquer dia para... — Valéria é quem
começa, mas ela não me conhece! Não vou deixá-la assumir as rédeas do
jogo não!
— Já estamos em um. — Aponto para a mesa posta. — Podemos pular
essa parte. — Pisco.
Agora ela me olha cheia de tesão, e eu confirmo que gosta de um pulso
firme também.
— Você está nos propondo sexo?
— O quê?! — Priscila arregala os olhos. — Agora?
Chego perto dela, a mais delicada das duas, olhando intensamente para
seus olhos, depois abaixo levemente a cabeça e falo perto de seu ouvido:
— Estou te propondo alguns orgasmos de Natal junto à sua amiga. Sexo é
só a caixinha de presente. — Ainda abaixado, com a boca a pouco
centímetros de sua orelha, olho para Valéria. — Conheço este lugar como a
palma da minha mão, ajudei a planejá-lo.
— Val? — A pele arrepiada não nega que ela está doida para aceitar o
convite, mas julguei certo ao perceber quem decide as coisas entre as duas e
quem derreteria com uma abordagem mais firme.
— Adoraria conhecer o local!
Sorrio de forma doce e inocente, o mesmo sorriso político que uso na
empresa e que faz as pessoas me acharem fofo e inofensivo.
Eu não sou!
Faço um gesto para que elas passem à minha frente e as guio, apoiando
levemente minhas mãos na base da coluna de cada uma delas. Kyra arregala
os olhos quando nos vê passar indo em direção à sua sala de reuniões. Pisco
para ela e sussurro:
— Não vou danificar nada!
Abro uma porta e ofereço passagem às minhas companheiras.
— Senhoritas, por favor!
Olho para o salão uma última vez antes de adentrar ao corredor que nos
levará até o local onde, por algum tempo, vou descontar a frustração e a
chatice de estar neste evento e vejo Konstantinos chegar. Cumprimentamo-
nos com um gesto de cabeça, ele segue até onde Millos conversa com Helena,
e eu fecho a porta, pronto para a diversão.
O tesão volta a me acertar quando vejo as duas já esquentando os
motores, beijando-se como se estivessem se comendo. Fico parado,
assistindo, apenas um voyeur desfrutando da magnitude plástica que é ver
duas mulheres juntas. Perfeição, lindas, tão naturais e soberanas que tenho
desejo de eternizá-las.
— Você só vai ficar olhando? — Valéria pergunta, provocando-me.
— Claro que não. — Tranco a porta do corredor por dentro, mas sei que o
pessoal da cozinha também tem acesso a este lugar. — Vou orquestrar!
A bela morena com cabelos afro juntados no alto da cabeça ergue uma de
suas sobrancelhas, mas não para de acariciar a loirinha miúda que está
abraçada a si.
— Como você quer?
Cruzo os braços. Sei que ela é a dominante, mas sou perverso o bastante
para tirá-la de sua zona de conforto.
— Quero que ela te coma — desafio-a.
Valéria prende a respiração, avaliando meu pedido, e eu me encosto
contra a porta que tranquei, esperando, sorriso bonzinho na cara, como se não
tivesse pedido nada de mais.
A morena começa a desabotoar o vestido, tomando as rédeas da situação.
Reconheço sua inteligência, vai continuar no comando, mesmo sendo
passiva.
— Pri — chamo a loirinha —, eu quero que você a deixe nua, a beije e a
chupe inteira até que goze.
Priscila segura as mãos de Valéria, impedindo-a de continuar, mas a sinto
ficar tensa. Mudo de jogo, vou até as duas, posto-me contra a parede e as
puxo para perto, às costas de Valéria. Beijo seu pescoço cheiroso, seguro
firme seus cachos, fazendo sua cabeça inclinar para o lado, expondo mais sua
orelha para que eu possa provocá-la.
Priscila desce pelo corpo curvilíneo e perfeito de Valéria, desnudando-a,
lambendo-a como uma gata faminta. Sinto o tesão no corpo da morena, sua
temperatura mais alta, o movimento involuntário do seu quadril contra o meu,
pressionando meu pau.
Os cabelos fartos já estão enrolados em meu punho, firmes, sendo
puxados quase dolorosamente, enquanto a beijo no pescoço, orelha, ombros e
boca, girando sua cabeça ao máximo para que nossos lábios se encontrem.
Priscila está de joelhos no chão, a cabeça enfiada entre as coxas torneadas
de Valéria, sua língua trabalhando rápido na boceta molhada da amiga, que
geme alto e segura com força meu pau, ainda aprisionado pelos tecidos da
roupa, atrás de si.
O gozo de Valéria é incrível de se assistir! Uma orquestra bem afinada
parece produzir seus gemidos, seu corpo todo brilhante pela fina camada de
suor, os músculos tensos, o desespero demonstrado no aperto forte em meu
pênis.
— Agora... — sussurro em seu ouvido assim que vejo Priscila se
erguendo lambendo os lábios — você e eu vamos comê-la juntos!
Ela ri, deliciada, buscando minha boca, abraçando-me de frente. Seguro
firme em suas nádegas, moendo-a contra meu pau, sugando sua língua, mas
sem tirar os olhos da loirinha gostosa de quem vamos desfrutar.
Confiro a lista em minhas mãos, certificando-me de que não estou
esquecendo nada. Sempre esqueço!, penso rindo, fechando a terceira mala
que acabei de aprontar. Se tem algo em que eu sou mestre é esquecer algum
item essencial ao viajar.
Bebo o restante do chocolate quente – já frio, diga-se de passagem – que
comprei pouco antes de subir até meu apartamento e voltar a arrumar a mala.
Desci para comprar mais uns sacos organizadores, porque eu sou a típica
pessoa que gosta de tudo separado e guardado dentro da mala, simplesmente
não consigo levar nada solto, e aproveitei para tomar meu último chocolate
espanhol, pelo menos por uns meses.
Suspiro e olho em volta no apartamento onde moro há três anos, desde
que vim para cá estudar, acabei arrumando trabalho e fincando raízes que
estão se tornando cada vez mais fortes.
Caminho até um móvel do quarto e pego o porta-retratos onde Diego e eu
aparecemos juntos, sorridentes e felizes, dentro de uma gôndola em um dos
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canais de Veneza, depois de termos nos conhecido na Piazza San Marco ,
quando ele derrubou meu tripé com a câmera que eu usava para fotografar o
local.
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— Lo siento — ele disse nervoso e depois começou a rir. — Mi scusi!
— Percebi que estava bem nervoso, tentei não rir, e ele ficou ainda mais. —
Sorry?
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— “Lo siento” fue lo suficiente. Yo hablo español. — Ele soltou o ar
audivelmente e sorriu, seus olhos cor de chocolate brilhando divertidos, os
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cabelos revoltos por causa do vento. — No hay problema. — Ele pareceu
não entender e franziu as sobrancelhas. Apontei para a câmera. — Con la
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cámara fotográfica.
Foi então que ele sorriu de modo diferente, formando covinhas em suas
bochechas, e eu percebi o quanto era bonito. Alto, magro, bem-vestido e
muito, muito cheiroso.
— Diego Ramírez González de Vergara — apresentou-se.
— Samara Esther Cohen Schneider.
Rimos juntos dos nossos nomes enormes, ele me convidou para tomar um
espresso, conversamos, descobrimos que ambos morávamos em Madri e que
estávamos em viagem de férias/trabalho. Marcamos um jantar, passamos a
noite juntos, e ele voltou para Madri. Quando voltei para a Espanha, dez dias
depois, encontrei um enorme arranjo floral e um cartão com seu nome,
desejando-me bom retorno e me convidando para outro jantar.
Isso aconteceu há um ano. Desde então, estamos juntos.
Diego viaja muito, pois é jornalista esportivo e acompanha
exclusivamente o Real Madri. Vemo-nos com frequência durante a Copa do
Rei, férias ou quando há jogos aqui na Espanha, mas no geral ele está
viajando atrás do time. Eu nunca fui muito ligada em futebol, mas aprendi a
gostar – e a torcer – indo com ele aos campeonatos e assistindo aos treinos.
Nós nos damos bem, somos amigos, parceiros e gostamos muito da
companhia um do outro.
Suspiro e olho para minha mão direita, onde, ontem, no nosso jantar de
despedida, ele colocou um anel de noivado. Fiquei sem reação com o seu
pedido de casamento, pois não esperava por isso, muito embora já
morássemos juntos havia seis meses. Mas casamento?
Ponho o porta-retratos no lugar, ainda com o som da porta principal
batendo com força quando eu lhe disse que só iria responder depois que
voltasse do Brasil, ou seja, daqui a alguns meses.
— Eu queria que você já saísse daqui com um compromisso firmado —
justificou. — Eu nem conheci sua família ainda, Samara, tive que dormir na
casa do Juan quando sua mãe veio te visitar!
Concordei com Diego. Nunca achei que era a hora de falar sobre ele com
minha família, embora meu irmão saiba que existe um namorado espanhol.
Meus pais são muito tradicionais, não consigo me imaginar contando a eles
que estou morando com alguém.
— Um noivado não seria o momento ideal para lhes contar que estamos
juntos? — Diego questionou.
— Não quero te prender! — respondi. — Vou ficar uns meses no Brasil,
enquanto mamãe faz o tratamento. — Ele concordou. — Não sei exatamente
quando volto para cá, não acho justo te prender...
— Não acha justo me prender ou se prender? — Diego se afastou de mim.
— Tivemos oportunidade de contar à sua família, eu me dispus a ir ao Brasil
contigo, a passar essa virada de ano lá com você, mas você parece que quer
me esconder.
— Eu não tenho motivo para te esconder de ninguém!
— Não? — Ele pegou o anel, colocou-o de volta na caixinha de veludo e
caminhou até a porta principal do apartamento. — Não é o que parece. —
Deu de ombros. — A sensação que eu tenho é de que, enquanto você estava
aqui o tempo todo, seu coração estava em outro lugar.
Não respondi, fechei os olhos e ouvi a porta batendo com força. Senti-me
injustiçada, ao mesmo tempo em que lhe dava razão. Nunca pude dizer a ele
que o amava. Mesmo sentindo algo forte, nunca senti que “amor” fosse a
palavra. Pelo menos, não como o amor que já senti uma única vez na vida.
Pego meu celular e pesquiso – em vão, mais uma vez – nas redes sociais o
nome de Alexios Karamanlis. Nada! Ele continua antissocial, sem Facebook,
Twitter ou Instagram. Quando jogo o nome dele no Google, tudo que aparece
são reportagens sobre ele e suas farras, sobre a K-Eng ou sobre sua família.
Abro minha nuvem de arquivos e olho as fotos que tenho dele. Entre elas,
uma de quando éramos ainda crianças, ele mais velho que eu apenas dois
anos, andando de bicicleta no condomínio onde morávamos. Ele tinha uma
bike estilosa, aventureira, e eu, uma rosa, com cestinha branca e rodinhas. Na
foto, tirada pela minha babá na época, estamos lado a lado, ele olhando para
frente e rindo, e eu o fitando já com olhos apaixonados.
Sim, nem lembro quando me apaixonei por Alexios, talvez desde sempre.
Seus cabelos lisos e loiros, o rosto perfeito, os olhos ora verdes, ora azuis, o
sorriso gigante, tudo isso me fazia suspirar a partir do instante em que eu
soube que o que sentia era mais que amizade. Eu sonhava com ele, que era
meu príncipe encantado, que cresceríamos juntos, teríamos uma casa cheia de
cães – nunca pudemos ter um bichinho de estimação –, vários filhos, alguns
morenos como eu e outros loirinhos como ele e comeríamos bife com batata
frita todos os dias.
Então, as coisas mudaram na casa dele, o garoto doce e brincalhão ficou
estranho, quieto, já não sorria ou conversava comigo. Fiquei triste, achei que
ele já não gostava mais de mim, e só fui me dar conta do que estava
acontecendo anos depois, quando passei a enxergar as marcas em seu corpo e
a dor em sua alma.
Estava com 13 anos quando ele me pediu para ser mais amiga da Kyra do
que dele. Fiquei magoada, não entendi o motivo pelo qual ele me pedira isso,
até que soube que ela havia menstruado, estava cheia de dúvidas sobre o que
acontecia consigo, e Alex, cheio de medo por alguma razão.
Pensar em Kyra parece tê-la evocado, pois o celular vibra em minha mão,
e a mensagem dela, ansiosa pela minha volta, prometendo buscar-me no
aeroporto, aparece na tela.
Não perdi o contato com ela durante o tempo em que estou na Espanha,
ela já veio me visitar, inclusive é uma das únicas amigas que sabe sobre
Diego. Temos um acordo tácito de não falarmos sobre Alexios, com quem
não tenho nenhum contato desde que saí do Brasil.
O aviso de que o carro que pedi para o aeroporto está à minha espera me
desperta de todas essas memórias e reflexões, pego minhas malas, jogo o
copo descartável do chocolate na lixeira pública do prédio e respiro fundo,
despedindo-me de Madri para voltar ao Brasil, onde está o homem que
sempre habitou meu coração, mesmo sem querer, impedindo qualquer outro
de entrar.
Eu preciso esquecer Alexios e seguir minha vida!
Desembarquei em Guarulhos cansada, com um humor péssimo, depois de
horas de voo, uma escala no Galeão e a cabeça martelando. Eu sabia que não
seria fácil estar de volta, embora tenha sido sofrido demais ficar longe por
tanto tempo.
A especialização que fui fazer em Madri foi só uma desculpa para sair do
país e me afastar, com a esperança de que pudesse tocar minha vida para
frente. Estava próxima dos 30 anos, vários relacionamentos falidos no
currículo, uma inconstância total entre fazer o que eu amava – o design de
interiores – e o que esperavam de mim.
E, acima de tudo, queria esquecer Alexios Karamanlis de vez, perder toda
a paixonite que desenvolvi por ele ao longo dos anos de amizade. Ele nunca
seria capaz de me corresponder ou de ser de novo o homem pelo qual me
apaixonei. Eu tentei entender, juro que tentei relevar as coisas que me disse
pouco antes de eu decidir morar na Espanha, mas me magoaram demais.
A voz de Alexios ressoa como se estivesse falando aos meus ouvidos
neste instante:
— Você vê o mundo por detrás de lentes cor-de-rosa! Tudo é perfeito!
Samara Schneider não merece nada menos que a perfeição! — E riu, bêbado
demais. — Vou te contar a verdade, menina mimada, te iludiram a vida toda!
Não existe “felizes para sempre”; não existe “amor verdadeiro”, muito
menos príncipe encantado, que é o que parece que você anda buscando
nesses seus namorados toscos.
Doeu, principalmente porque eu nunca busquei perfeição ou um príncipe
encantado, apenas ele; Alexios era meu príncipe, apesar de seus defeitos. Foi
a partir daquele dia que percebi que estava fazendo tudo errado, pautando
minha vida em um sentimento infantil e em um homem que há muito havia
deixado de ser o menino que eu amava.
Arrumo a bolsa sobre meu ombro, sentindo-a incrivelmente mais pesada
do que quando saí do meu apartamento ontem. Não está, claro, apesar de
agora conter algo que não havia naquele instante.
A caixinha de veludo com o anel de noivado parece ser de chumbo! É
psicológico, eu sei, na realidade não pesa nada, mas minha consciência me
acusa de ser covarde de duas formas diferentes: por não ter dito “sim” e por
não ter dito “não” ao Diego.
Ele apareceu no aeroporto assim que escutei a chamada para o voo em
direção a São Paulo, com escala no Rio de Janeiro, e decidi entrar para a área
de embarque, pois já havia feito o check-in e despachado as bagagens.
Simplesmente segurou meu ombro, e eu me virei para encará-lo.
— Não pude deixar você ir sem vir te abraçar. — Diego puxou-me para
seus braços. — Eu amo você, Samara, e, se precisa desse tempo para me
responder, eu vou esperar.
— Diego, eu não...
Ele me calou com um beijo e, antes de se afastar para ir embora, colocou
a caixinha com o anel na minha mão.
— Se, quando você voltar, estiver usando-o, terei minha resposta.
Observei-o indo embora, paralisada, segurando a caixinha de uma joia
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caríssima na mão, no meio do Madrid-Barajas , com meu voo sendo
anunciado e a cabeça confusa demais.
Nem sei como me recompus para poder ingressar no terminal de
embarque, mas o fato é que passei todo o tempo da viagem acordada, sem
conseguir nem mesmo cochilar, sem comer, apenas ansiosa e cheia de
questionamentos. Sentia que estava cometendo um erro ao tê-lo deixado para
trás sem uma resposta, mas me justificava dizendo a mim mesma que eu não
sabia que resposta lhe dar.
Empilho minhas malas no carrinho e saio do desembarque já procurando
a Kyra. Não demoro muito a achá-la, alta, linda, corpo escultural de modelo,
os cabelos negros e compridos e uma postura de segurança e poder que
sempre me deixam perplexa – porque conheço bem a verdadeira Kyra – e que
atraem olhares de homens e mulheres.
Magnetismo dos Karamanlis!
Eu senti em minha própria pele esse poder de sedução que cada um deles
tem, lindos e poderosos, porém com histórias de vida tão fodidas que eu
chegava a sentir pena.
Com Kyra também não foi diferente.
— Malinha!!! — Ela grita. — Você voltou!
Gargalho, revirando os olhos para ela e esse apelido absurdo. Sim,
pasmem, minha melhor amiga me chama de Malinha! Na verdade, não tem
nada a ver por eu ser chata ou algo do tipo, é apenas, segundo ela e sua lógica
louca, o diminutivo do meu nome. Papai e mamãe, por muitos anos, me
chamaram de “Samarinha”. Kyra não conseguia reproduzir o som igual e só
me chamava de “Samalinha”, daí, com o tempo, mesmo já falando
perfeitamente, ela resolveu diminuir o diminutivo, e eu virei “Malinha”.
— Oi, Kyra! — Abraço-a com força, matando um pouco da saudade. —
Obrigada por ter vindo me buscar!
— Eu nunca deixaria você voltar para casa, depois de tanto tempo longe,
em um Uber! — Ela me ajuda com o carrinho, não antes de enviar um olhar
“eu sei que sou gostosa, então babe” para um sujeito que a come com os
olhos. — Estamos atoladas lá na empresa com o baile dos Villazzas. — Sorri
animada. — Eu te contei que vencemos a concorrência, não? — Assinto,
porque ela me ligou ensandecida de alegria, principalmente por ter se livrado
de ter que trabalhar para o babaca do Theodoros. — Pois bem, vou chegar
atrasada hoje, mas a Lena dá conta!
— Que bom que você a encontrou, eu estava ficando preocupada por você
ter que gerir dinheiro. — Ela fecha a cara. — Ué, nós duas sabemos que você
não nasceu para isso! Economiza no que não deve e gasta no desnecessário.
Kyra dá de ombros, mas não fala nada. É difícil para ela lidar com a
verdade nua e crua das coisas, mas sei que depois voltará a relaxar, a sorrir e
a usar sua capa de normalidade.
— Meu carro! — Aponta, ainda um pouco azeda, para um utilitário no
estacionamento. — Economia porca ou gasto desnecessário?
Rio.
— Quem escolheu o modelo?
Ela fecha a cara de novo, mas logo começa a rir.
— Helena! — Faz careta. — Você é uma mala mesmo!
— Sou, mas sou a mala que te suporta e que te ama.
Pronto! Cara fechada de novo, mas dessa vez não por mau humor ou
azedume, apenas por não saber como lidar com o que eu lhe disse.
Entramos no carro mudas depois de colocarmos todas as malas no
pequeno baú cheio de caixas de algum fornecedor que ela já deve ter visitado
hoje e seguimos para o meu apartamento no Castellani. Respiro fundo,
odiando-me por ter comprado minha unidade no mesmo prédio onde Alexios
também mora.
— Pedi a uma faxineira lá do Castellani, a mesma que cuida do
apartamento do Alex, para dar uma geral no seu. — Sorrio agradecida. —
Invejo a facilidade que vocês têm naquele prédio, deveria ter comprado meu
apartamento lá, mas na época não tinha grana.
— Te vendo o meu! — disparo sem pensar, e ela me encara, parada no
farol vermelho. — O quê? Nunca disse que estava voltando para ficar, apenas
para acompanhar mamãe na quimioterapia!
— Eu pensei que... — Suspira. — Bom, você sabe o que é melhor!
Kyra volta a dirigir e a se concentrar no trânsito. Ela nunca expressaria
sua opinião, afinal, precisaria se expor. Mesmo que tivesse que se despedir de
mim, nunca me pediria para ficar ou diria que iria sentir minha falta.
— Ah, antes que eu me esqueça — ela volta a falar pouco antes de
chegarmos ao meu prédio —, vou fazer uma ceia de Natal, e, antes que você
diga que não é cristã e por isso não comemora, é só uma desculpa para
comemorar a expansão dos negócios.
— Já vai crescer? — animo-me. — Ah, Kyra, que notícia ótima! Claro
que eu vou!
Ela para em frente ao portão da garagem, eu pego minha identificação de
moradora, ela a coloca no scanner, mas ainda assim o porteiro fala pelo
interfone:
— Pois não?
Debruço-me sobre Kyra para que ele possa me enxergar na câmera.
— Voltei, seu Pedro, é a Samara!
— Oh, dona Samara, pode entrar!
O portão é liberado, e Kyra me ajuda a tirar a bagagem. Fico tensa,
olhando para o lado, procurando o carro ou a moto do Alex nas vagas de seu
apartamento, porém não acho nenhum deles.
— Ele deve ter saído e levado a moto — Kyra parece ler minha mente. —
Agora comprou um negócio que põe atrás do carro e carrega a moto para
onde vai. — Ela dá de ombros. — E só Deus sabe onde!
— Eu não... — tento disfarçar, mas ela me olha cheia de tédio.
— Não fode, você olhou diretamente para a vaga do apartamento dele! —
Bufo por ela ser assim, tão observadora ou me conhecer tanto. — Bem, de
qualquer forma, é melhor vê-lo do que somente aos pertences dele.
Enrugo a testa, sem entender.
— Ele vai estar na ceia de Natal.
Isso me surpreende, afinal, uma ceia de Natal era o último local em que
eu imaginaria vê-lo.
E... pensando bem, o último lugar em que ele espera me ver também!
— Ei, moleque! — Millos me chama assim que para sua moto. — Você
não sabe curtir um passeio, puta que pariu!
Ele desce da motocicleta, tira o capacete e a jaqueta e se senta à mesa do
bar ao meu lado. Bebo minha água sem responder, porque a única coisa que
eu poderia lhe falar é que não sou um velho para ficar andando nessas motos
de colecionador há 80 km por hora.
Estou aqui esperando-o há pelo menos 20 minutos, e isso porque saímos
juntos de São Paulo em direção ao Guarujá, em uma viagem não programada
e cujo motivo, sinceramente, nem entendi. Ele apenas apareceu lá na K-Eng e
me chamou para andar de moto com ele, e eu topei.
— Qual é o propósito disso? — resolvo perguntar sem rodeios.
— Do quê?
Millos agradece à garçonete que lhe entrega um coco verde com um
canudo e nem percebe a moça comendo-o com os olhos (ou talvez só esteja
assustada com suas tatuagens, que cobrem os braços, pescoço e peito).
— Desse “passeio”. A gente se viu há alguns dias na ceia da Kyra, e você
não comentou nada sobre isso.
— Nada de mais! — Ele bebe a água de coco. — Vou viajar no Ano
Novo, ficar um tempo fora e queria passar um tempo contigo. Já jantei com
seus irmãos, mas como você é todo amalucado para comer, achei que uma
volta de moto iria cair bem, mas esqueci que você é louco nisso também.
— Você está ficando velho, Millos, sinto lhe informar — debocho. —
Acha mesmo que, com essa potência italiana nas mãos, eu iria ficar
molengando contigo na estrada?
— Não é molengar, é curtir a viagem, a paisagem...
— Ah, não, você curte essas coisas paradas, não eu. Meditação, ioga,
essas coisas todas aí que você faz, tô fora! Não sei ir devagar, Millos, em
nada!
— Deveria... talvez assim conseguisse agradar às mulheres. — Ele pisca e
tenta disfarçar a troça bebendo mais de sua água.
Eu gargalho.
— Pode ter certeza, elas não reclamam da minha rapidez. Não basta saber
correr, tem que saber tirar o máximo proveito de uma máquina, fazê-la dar
tudo de si, e isso eu faço.
— Está falando das motos ou das mulheres?
— Tem diferença?
Ele ri novamente.
— Você é um moleque, não sabe nada ainda!
— Falou aquele que nomeia suas motos com nomes femininos!
Nós dois rimos juntos, e o clima fica descontraído.
A verdade é que ele e eu temos muito em comum. Ambos adoramos
motocicletas, rock e carne. Apesar de sua onda “zen budista”, Millos nunca
conseguiu se livrar da proteína animal e das comidas pesadas que adora
preparar para acompanhar suas cervejas artesanais.
Ah, esse é outro ponto em comum: adoramos cerveja! Ele fabrica, eu
apenas bebo, mas tenho tanto conhecimento quanto ele, e esse é um dos
pontos sobre o que mais conversamos quando estamos juntos, geralmente
comendo alguma carne e ouvindo rock.
Raramente saímos juntos de moto, exatamente por ele fazer o estilo tiozão
que gosta de andar de Harley, apreciando paisagens, e eu e minha Ducati
Multistrada 1260 não temos saco para andar quase parando não.
Embora eu reconheça que tenho que agradecer a esse tiozão por ter minha
moto dos sonhos, a que uso para correr nas competições. A Ducati só
disponibilizou três unidades da 1299 Superleggera para venda no Brasil, há
quase dois anos, e um dos amigos do Millos foi quem comprou uma delas, e,
quando ele decidiu vendê-la, meu primo prontamente me avisou, e não pensei
duas vezes.
Eu gosto das italianas mais do que das americanas ou japonesas, pelo
menos para as motos; não sou tão seletivo assim com mulheres.
— Baile dos Villazzas...
— Ah, Millos, não fode com esse assunto de novo! — reclamo,
entendendo agora o motivo do encontro.
— Alexios, preciso de você lá.
Rio.
— Mano, aqueles dois não são crianças, e, muito menos, sou a babá
deles! Eles não precisam que eu vá para manter a ordem e o bom nome da...
— Kyra me mostrou o projeto do baile, ela parece bem animada com sua
primeira grande produção sem a intervenção dos Karamanlis.
Porra! Ele vai pegar pesado!
— Você é muito filho da puta, sabia?
Millos dá de ombros e bebe mais água.
— Acho que vocês deveriam ir para apoiá-la, acima de todos, você! Será
importante para ela, além disso... acho que ela está sem acompanhante,
porque deu com o pé na bunda do último idiota que estava comendo.
— Porra, Millos! — Xingo-o. — É a minha irmã, porra!
— E o quê? Só por isso ela não trepa?
— Vai se foder! — Levanto-me da mesa puto e pego o capacete.
— Alexios... — ele me chama, mas não dou atenção, já montando na
moto para ir o mais longe possível dele.
Antes que vocês me julguem como machista ou irmão ciumento, adianto
logo que não se trata disso. Cada um lida com a merda dentro de si de um
jeito, e esse é o jeito da minha irmã de lidar com seu passado. Respeito isso,
mas não quer dizer que não me doa ou mesmo que eu não me sinta
responsável por ela ser assim.
Eu gostaria que as coisas fossem diferentes, esforcei-me o máximo que
pude para que ela fosse menos fodida do que todos nós, mas, a cada novo
relacionamento seu destruído, sinto-me um fracassado, o que me dói
profundamente.
Piloto rápido, passando pelos radares sem me importar com as multas,
sentindo o vento forte bater em mim como se pudesse deixar todas as marcas
do meu corpo e da minha alma para trás. Contudo, não posso. Ele fodeu a
minha vida várias vezes, não só com as coisas que fez contra mim, mas
principalmente por eu ver que também destruiu minha irmã.
— Como ela está, Dani? — pergunto ao meu irmão assim que ele entra na
cozinha da casa dos meus pais, onde tomo meu desjejum com a Cida.
— Dormiu bem. — Ele beija minha cabeça. — Mas foi um susto essa
febre alta assim do nada.
Ele se senta, visivelmente cansado, e Cida logo lhe serve uma xícara de
café. Acostumados demais a dividir as refeições com Cida desde que
nascemos, sempre tomamos nosso café juntos. Ela está em nossa casa há
tanto tempo que não sei como seria minha vida sem sua presença, e
certamente Daniel sente o mesmo.
Minha mãe, Ana Cohen, sempre foi muito ocupada na direção do sistema
de ensino criado pelos meus avós, franqueado e distribuído por colégios do
Brasil todo. Já meu pai, Benjamin, vem de uma longa linhagem de
comerciantes e industriais, como bem acentua nosso sobrenome, que é uma
derivação da profissão de algum ascendente que foi alfaiate.
Os Schneiders possuem lojas, fábricas ou empresas que prestam serviços,
como era o nosso caso. Meu avô não tinha formação quando fundou sua
primeira fábrica de móveis, porém eram um marceneiro muito habilidoso, e
meu pai aprendeu com ele. Os negócios iam bem, então papai foi estudar
arquitetura e, por fim, design, elevando o nível dos negócios familiares,
fazendo dos móveis com nosso sobrenome sinônimos de classe e riqueza.
Há 10 anos meu irmão está à frente dos negócios, desde que papai teve
seu primeiro infarto – ele já teve outro e fez duas pontes de safena. Daniel é
um administrador maravilhoso, fechou com grandes empresas, e hoje os
móveis Schneider não enfeitam mais as coberturas e mansões luxuosas de
São Paulo, tão somente redes enormes de hospitais, clínicas, lojas de alto
luxo e restaurantes em todo o país.
Meu irmão é incrível! Nós dois somos muito amigos, sempre fomos. O
único ponto tenso entre nós era Alexios Karamanlis. Daniel é 10 anos mais
velho que eu, um quarentão, como eu costumo provocá-lo, e sempre achou
Alex uma péssima companhia. Bom, ele realmente era, mas não para mim.
Eu sabia das loucuras que Alexios aprontava, seu envolvimento com drogas,
farras, lutas valendo dinheiro e rachas pela cidade. Ele não foi um
adolescente fácil, mas sempre me tratou como se ainda conservasse o menino
que eu conheci. Sempre me deu conselhos para ficar longe de tudo aquilo que
ele mesmo fazia, nossa amizade sempre foi separada das outras companhias
dele.
Ainda assim, Dani nunca gostou de Alexios, em compensação, tornou-se
um dos grandes amigos de Millos Karamanlis, primo do Alex, mesmo que eu
não consiga entender o que, de fato, o executivo tatuado e meu irmão tenham
em comum.
— Desculpe-me por tê-la tirado da festa da Kyra — meu irmão volta a
falar, afastando-me dos pensamentos. — Eu liguei para o doutor Henrique e
já ia pedir uma ambulância, quando fiquei com medo de acontecer algo e
você não estar aqui.
Pego sua mão.
— Eu sei. Foi um susto!
Retornei as ligações dele assim que Kyra me alertou, e, quando Dani
atendeu, o doutor já havia chegado e ministrado medicamentos. O médico
preferiu que ela continuasse em casa por conta de sua baixa imunidade, mas
ficou acompanhando durante boa parte da madrugada.
— Ela convulsionou, e eu achei que fosse... — Ele me olha, seus olhos
acinzentados tristes. — Eu quase perdi o papai tempos atrás, lembra? —
Assinto. — Eu estava com ele quando teve o infarto, e agora quase...
— Dani, não pensa nisso! — Abraço-o. — Você é o melhor filho e irmão
do mundo, sempre ao lado deles, ao meu lado. Agora estou aqui também e
vou ajudar no que for preciso.
— Eu sei, Samara. Essa fase do tratamento é a mais complicada, por
causa da baixa imunidade, mas, quando ela estabiliza, é a mamãe que sempre
conhecemos e amamos.
— E a Bianca? — pergunto-lhe sobre sua noiva. — Como vocês estão,
faltando pouco para o grande dia?
Ele ri sem jeito.
— Você sabe que não tem essa de grande dia, não? Nós vamos ao
cartório, assinaremos os papéis e pronto. — Dá de ombros. — Vida que
segue.
Cruzo os braços. Não gosto nada desse conformismo estranho.
— Tem certeza disso, Dani?
Ele olha para a Cida.
— Vou fazer 41 anos, pirralha. 15 anos de relacionamento com ela,
então...
— É isso? — Cida balança a cabeça negativamente. — Viu? A Cida não
concorda também! E não é que você seja já um solteirão arrastando chinelos,
Dani! Você é lindo!
— Não é sobre isso, Samara.
— Ele quer ter uma família, menina. — Arregalo os olhos. — Seu pai
vive mais entretido na fazenda do que aqui, sua mãe, antes de adoecer, não
parava quieta, sempre viajando com as amigas e...
— Eu na Espanha.
Daniel termina o café sem me encarar, sem falar nada e se levanta.
— Vou voltar para o quarto, render um pouco a enfermeira.
— Também vou, Dani!
Seguimos juntos, mudos, pelo corredor. Meu irmão é a pessoa mais
discreta do mundo, completamente o oposto de outros filhos de grandes
empresários desta cidade. Nunca gostou de sair em revistas de fofoca, nunca
namorou modelos, atrizes ou socialites. Na adolescência, namorou uma
garota da escola, depois teve duas ou três namoradas na faculdade e, por fim,
conheceu a Bianca em um torneio de polo – esporte em que ele é fera. Desde
então engataram nesse relacionamento xoxo, totalmente ioiô – eles já
terminaram umas 30 vezes ao longo dos anos – e que agora vai se tornar um
casamento meia-boca.
— Você merece mais, Dani — solto sem conseguir frear minha língua, e
ele ri.
— Você diz isso porque é minha irmã, pirralha. — Ele tenta bagunçar
meus cabelos como quando eu era criança. — Bianca pode não ser o grande
amor da minha vida, mas é uma boa amiga e companheira.
— Isso é loucura! Você merece amar, ser amado, estar apaixonado...
— Como você esteve a vida toda por aquele doidivanas? — Paro em seco
no corredor e arregalo os olhos. — Qual é, Samara, você achava que eu não
sabia? Estava escrito na sua testa e em todos os seus cadernos, com direito a
corações rosa! Você teve um peixe daqueles que ficam sozinhos no aquário...
— Um beta. — Começo a rir, sabendo exatamente do que ele está
lembrando.
— Pois bem, você teve um beta e o nomeou...
— Beto Schneider Karamanlis — falamos juntos, e eu começo a rir.
— Sim! E como você nunca me deu indícios de ter uma queda pela Kyra,
eu supus que era o outro Karamanlis. — Daniel me olha sério. — Por que
Diego não veio contigo?
A pergunta é tão inesperada que demoro a processar que ele está falando
do meu namorado.
— Não sei quanto tempo vou ficar, então...
— Besteira! Ele poderia passar uns dias aqui contigo, os times estão todos
em recesso até a primeira semana de janeiro. — Suspiro e olho para o chão.
— Não estraga sua vida, Alex não vale a pena.
Assinto, lembrando-me de tudo o que aconteceu noite passada. Alexios
continua igual, vendo e querendo todas as mulheres ao seu redor, menos eu.
Sempre fui a amiga, quase uma irmã, menos uma mulher, e, como acabei de
perceber, todos sabem da minha paixão por ele, então, Alexios deve
simplesmente ignorá-la.
Por muito tempo eu achei que ele não soubesse. Ficava fantasiando que,
no dia em que eu tomasse coragem e lhe contasse, Alexios iria se declarar
também. Iludida! É isso que eu era, porque, depois do beijo que trocamos, era
impossível que ele não soubesse.
Respiro fundo, resignada. Alexios sabe, só não se importa e nem sente o
mesmo!
Meu irmão bate levemente na porta do quarto de mamãe e em seguida
entra. Sigo-o pelo enorme ambiente, que me traz tantas lembranças alegres
dos momentos que dividi com ela, deitada em sua cama, contando sobre
meus sonhos.
— Samara Esther! — Mamãe estende os braços, sentada na cama,
recostada nos travesseiros. — Trouxe Godofredo de volta?
Rio e concordo.
— Trouxe, está lá embaixo no jardim. — Beijo sua testa. — Como está se
sentindo hoje?
— Eu estou bem! — Ela dá uma olhada de esguelha para meu irmão. —
Ele é superprotetor, sabe? Exagerado!
Daniel permanece alheio às críticas, conversando com a enfermeira.
— Mamãe, ele não é, e a senhora sabe! — Ana suspira. — A senhora está
em tratamento, precisa de cuidados, e, com o papai isolado na fazenda,
Daniel é que estava responsável por acompanhá-la em tudo, mas agora estou
aqui também!
— Dois superprotetores! — ela finge reclamar, mas sorri satisfeita. —
Seu pai quis vir para cá para ficar comigo, mas achei melhor que ficasse por
lá. Você sabe como ele é, não me daria um minuto de paz.
Eu rio, mas sou obrigada a concordar. Meus pais são incríveis, mas têm
uma relação um tanto estranha desde que Daniel e eu saímos de casa para
viver nossas vidas. Passaram a viver cada um no seu espaço, com suas coisas.
Dão-se incrivelmente bem, mas cada um com sua vida.
É verdade que eles não eram nada parecidos. Mamãe sempre foi uma
mulher de negócios, cheia de trabalho, viagens e reuniões, porém
extremamente carinhosa com os filhos. Papai é um homem mais reservado
em seus sentimentos, embora seja um artista.
Olho para um dos móveis da minha mãe, e a escultura em madeira em
cima dele me faz sorrir. Nela há um casal e um garotinho com a mão na
enorme barriga da mulher. Papai deu vida à imagem de uma foto que tiraram
quando mamãe estava grávida de mim, e a peça ficou tão perfeita que dá para
sentir a alegria de todos.
Quando eu era criança, tinha coleções das esculturas dele: cavalos, cães,
gatos, pássaros. A que eu mais gostava era a do Pinóquio, que ganhei quando
comecei a ler e andava para baixo e para cima com o livro do boneco de
madeira que queria ser menino de verdade.
— Você vai até lá visitá-lo? — minha mãe pergunta, talvez adivinhando
que estou pensando nele, por estar olhando a estátua.
— Por agora não. Tentei falar com ele quando cheguei e ontem também,
mas não consegui. — Dou de ombros. — Papai se isola quando quer, a
senhora sabe.
— O doutor Henrique acabou de dizer que os resultados dos exames
ficaram prontos e que ele virá assim que puder para conversar conosco. —
Daniel senta-se ao meu lado na cama. — É bom ter Samara aqui perto, não é?
Ele me abraça pelos ombros.
— Eu também estou gostando de estar de volta.
Mal termino a frase, e meu telefone toca. A foto de Kyra tentando beijar
Godofredo, e ele de boca aberta para mordê-la aparece na tela, e minha mãe
sorri.
— Eu estou esperando pela visita dessa filha emprestada desnaturada. —
Ana reclama. — Pode dizer a ela que não vai comer mais minha paella!
— Pode deixar! — Levanto-me da cama e vou para um canto do quarto.
— Oi, Kyra! — atendo o telefone.
— Quero notícias! Mal consegui dormir essa noite, deixei mil mensagens
no seu telefone. Como está sua mãe?
— Está bem, mas ameaçou greve de paella se você não vier visitá-la em
breve.
— Está bem mesmo? — ouço preocupação na voz da minha amiga, e meu
coração se aperta, pois sei que minha mãe foi o mais próximo que Kyra teve
de figura materna. — Malinha?
— Está, sim. O médico dela explicou que, por conta da medicação, ela
ficaria suscetível a doenças, a imunidade está baixa, então qualquer resfriado
ataca com força.
Kyra suspira ao telefone, e eu abro um sorriso ao ver o quanto minha
amiga durona é, na verdade, tão sensível quanto eu.
— Que bom! Fico feliz em ouvir isso e mais aliviada para te fazer um
convite.
Faço careta, já prevendo que ela vai me meter em algum evento seu de
final de ano, vestida de garçonete.
— O que você está armando, Kyra?
— Nada! — ela logo se defende, indignada. — Eu só queria companhia!
Na véspera do Ano Novo acontecerá o Baile Branco e Preto dos Villazzas, e,
como eu estou sem nenhum boy no momento, você podia ser meu par, o que
acha?
— Kyra! — Rio. — Um baile? Sério?
— Baile? — mamãe logo se mete na conversa e pergunta lá da cama. —
Por acaso é o baile dos Villazzas?
Fodeu! Minha mãe sempre amou bailes e conheceu a matriarca dos
Villazzas tempos atrás, através de sua amiga, Cecília Novak. Certamente ela
adorará a novidade, achará moderno eu ir acompanhando minha amiga, e eu
não terei escapatória.
— É, mamãe, eu vou com Kyra — respondo resignada.
— Eu sabia! — Minha amiga ri ao telefone. — O traje branco é
obrigatório para mulheres, então, abuse de cores em outros locais!
— Eu vou te matar, Kyra Karamanlis! — sussurro para que somente ela
escute.
— Depois do baile; antes, quero usufruir de tudo o que planejei! Vai ser o
evento mais incrível que você já viu!
Relaxo, percebendo que ela realmente está feliz e confiante.
— Tenho certeza disso, Kyra!
Nós nos despedimos, mas não retorno imediatamente para a cama, ao lado
da minha mãe e do meu irmão, fico pensando em como é bom estar de volta.
Realmente me sinto em casa aqui, com as pessoas que eu amo, ainda que
tenha feito amigos na Espanha.
Penso no Diego e sinto um pequeno aperto no coração, um misto de
saudade e remorso. Daniel me olha, curioso por eu estar parada no mesmo
lugar, sem falar ou fazer nada, e reflito sobre o que ele me disse. Reconheço
que eu recuei ante o pedido de casamento de Diego por ter esperança de
voltar ao Brasil e encontrar Alexios mudado, porém ele não mudou e nem
mudará jamais, mas isso não muda o fato de que ele ainda mexe comigo.
Diego e eu nos damos muito bem, somos amigos, companheiros, temos
gostos parecidos. Enquanto eu estava na Espanha, longe do magnetismo e
atração de Alexios, realmente pensei que pudesse amá-lo e ter uma vida com
ele. Os momentos que passamos juntos foram maravilhosos, mas agora me
questiono se, mesmo voltando para Madri, é justo manter essa relação.
O Uber me deixa em frente ao Villazza SP, e vejo a entrada principal do
hotel cheia de pessoas bem-vestidas e penteadas. Ando na direção delas,
questionando-me se os convites estão sendo verificados na entrada, mas me
surpreendo ao ouvir um dos homens que está parado na entrada:
— Nós só queríamos comprar o convite, não conseguimos responder a
tempo e...
— Senhor, o que me foi passado foi que esgotaram, eu sinto muito — um
dos seguranças responde antes de se virar para mim, mas, vendo o convite em
minhas mãos, abre a porta. — Seja bem-vinda!
Entro no saguão principal do enorme hotel e suspiro, apreciando todos os
detalhes da construção e da decoração, orgulhosa por ter sido parte da equipe
que ajudou a deixá-lo perfeito desse jeito.
O escritório de arquitetura que projetou o Villazza SP foi o dos Boldanis,
e o arquiteto principal que assinou o desenho foi ninguém mais, ninguém
menos que meu ídolo e professor, Julio Boldani. O italiano é fera demais nas
suas linhas clássicas misturadas às modernas.
Eu ajudei o pessoal que compôs o projeto de decoração, pois estava me
especializando e, por isso, trabalhei um tempo no Boldani. Foi ali que
descobri que, por mais que papai fizesse pressão para que eu fosse uma
arquiteta, eu queria mesmo era ser designer de interiores.
Subo as escadarias de mármore com corrimão e guarda-corpo de ferro
fundido na cor ouro velho em arabescos e folhas e, no saguão da entrada do
salão Royal, encontro a recepção do baile montada como se fosse uma
bilheteria antiga de circo.
Sorrio ao pensar na Kyra, reconhecendo que minha amiga sabe como dar
vida aos seus projetos de maneira perfeita, pois vi os desenhos quando
almoçamos juntas anteontem e confesso que está tudo muito mais bonito do
que a ilustração em 3D que ela me mostrou.
Olho em volta, procurando-a, pois combinamos de nos encontrar na
entrada, mas arregalo os olhos ao ver Alexios, de smoking preto, vindo em
minha direção.
Mesmo contra a minha vontade, minhas mãos gelam e meu coração
dispara apenas por vê-lo, por notar o quanto ele está lindo com esse sorriso
largo e os olhos brilhando.
Por que ele tinha que ter essa aparência e essa boca?!, penso na injustiça
do mundo, indignada por ser tão comum, e ele...
— Samara Esther. — Bufo, pois só ele e minha mãe chamam-me assim.
— Você está... linda!
Alexios sorri e me olha desde as unhas dos pés, pintadas e cutiladas, até o
alto da cabeça.
— Linda! — repete como se não fosse possível que eu estivesse desse
jeito.
— Oi, Alexios — cumprimento-o seca, tentando não dar importância ao
fato de que ele parece ter tomado um soco só por me ver mais arrumada. —
Estou esperando sua...
— Eu sei, foi ela quem me mandou ficar aqui de plantão te esperando. —
Enrugo a testa, sem entender. — Kyra resolveu bancar a fada madrinha e
ajudar uma amiga a ter seu baile com um príncipe encantado e, por isso, vai
ter que trabalhar esta noite. — A expressão no rosto dele é de deboche ao
falar do conto de fadas. — Então, restou a mim.
Puta merda, Kyra!
Pego o celular dentro da bolsa e mando mensagem para ela, mas tenho
certeza de que, ocupada com o começo do baile, ela não irá ler. O que eu
faço? Penso se devo aceitar fazer companhia ao Alexios ou se devo ir
embora, afinal, só vim a esse baile por insistência da Kyra.
— Samara, eu sei que nossa amizade está um tanto estremecida por conta
da distância e do tempo, mas... — Alexios me encara, e noto que ele está se
esforçando para falar — eu gostaria que você me acompanhasse esta noite.
Minha boca fica seca ao ouvir isso, porque, mesmo com a distância, eu
ainda consigo saber quando ele está sendo sincero. Alexios me quer ao seu
lado esta noite, e isso é...
— Como nos velhos tempos, lembra? — ele complementa, e, mais uma
vez, percebo o quanto sou iludida.
Nada mudou!
Imediatamente me lembro do meu baile de formatura do ensino médio, no
qual ele foi meu acompanhante. Chegamos juntos, eu estava empolgada para
dançar com ele a noite toda, arrumei-me para parecer uma mulher aos seus
olhos e não mais a menina de cabelos revoltos que o seguia para toda parte
quando criança.
Havia decidido que iria contar a ele o que sentia naquela noite e que,
depois de ele se declarar também, iríamos fazer amor, e eu, aos 17 anos,
finalmente teria minha primeira noite com o homem que amava.
Ledo engano!
Alexios dançou uma música comigo, depois foi para o bar, encheu a cara,
sumiu com uma garota bem mais “servida” que eu e voltou para o salão todo
amarrotado. Eu queria ir embora, mas ele acabou dançando (e sumindo) com
mais umas três mulheres.
— Seu acompanhante te deixou sozinha, não é? — Marlon, um dos
garotos que estava se formando comigo me perguntou, e só aí percebi que ele
estava sentado à mesa comigo.
Começamos a conversar e, naquela noite, tive minha primeira experiência
sexual. Não foi ruim, namoramos por um tempo, mas reconheço que ela só
aconteceu porque Alexios não me quis. Ele simplesmente não me via!
— Samara? — ele me chama e me faz voltar à realidade.
Por Deus! Não sou mais uma garota de 17 anos, sou adulta, independente,
com uma carreira bem-sucedida na Espanha e um dos homens mais gostosos
de Madri ao meu lado!
— Vamos entrar! — decido e marcho até uma das “bilheterias”, onde
recebo minha máscara preta e uma pulseira.
Alexios recebe as dele e ri ao me mostrar a máscara branca como a de O
Fantasma da Ópera. Ah, merda!
— Você se lembra? — Ele ri. — Me obrigou a ver esse filme um milhão
de vezes e sabia até as falas!
O desgraçado põe a máscara, ergue uma das sobrancelhas, dobra-se em
reverência e sorri.
— Vamos logo com isso! — Saio de perto dele sem rir de sua gracinha,
coração retumbando, a cabeça cheia de lembranças da nossa adolescência.
Quando as portas se abrem, perco o fôlego ao ver o que Kyra idealizou.
— Puta que pariu, minha irmã é foda! — Alexios fala ao meu lado.
Eu pulo de susto, não por causa do que ele disse, nem mesmo ao ver um
dos artistas cuspindo fogo, mas tão somente por sentir a sua mão em minha
cintura. Meu corpo inteiro aquece, a pele arrepia e aquela sensação que sinto
desde que os hormônios despertaram em mim na adolescência volta a me
tomar.
Atração! Química!
Não sei explicar, mas meu amor de criança transformou-se nisso quando
me tornei moça, e a cada toque, cada resvalo, eu resfolegava. Sonhava com
ele, acordava suada e sem saber o que estava acontecendo. Meu primeiro
orgasmo com masturbação foi pensando nele, instintivo, depois de um sonho
erótico e proibido.
Achei que, com a distância, principalmente depois que me envolvi com
Diego, isso ia passar, mas parece que me enganei.
Olho-o e percebo que ele permanece alheio ao que me causa, sua atenção
tomada pelos malabares que executam movimentos precisos na entrada do
baile.
Respiro fundo.
— Vamos?
Ele assente sem me olhar, e seguimos juntos, passando entre os
convidados que ainda se encontram de pé conversando ou bebendo no bar,
em direção ao centro do salão, tomado de mesas e cadeiras reservadas.
— Onde nós...
Nem preciso terminar a pergunta, pois logo vejo Theodoros Karamanlis,
acompanhado de uma lindíssima loira, a uma mesa com o sobrenome deles
na placa de reserva. Eu não sou muito fã do irmão mais velho de Alexios,
mas sempre fui educada com ele, então armo meu melhor sorriso e o
cumprimento:
— Theo! Que bom vê-lo esta noite! — Olho para sua acompanhante
agora mais de perto e sinto como se a conhecesse de algum lugar.
— Samara, essa é Valentina de Sá e Campos — Theodoros nos apresenta,
e eu sorrio, reconhecendo os sobrenomes dela. — Valentina, essa é a Samara
Schneider, uma incrível designer de interiores.
— É um prazer, Valentina! — saúdo-a.
— O prazer é meu, Samara. — Valentina sorri. — Nos conhecemos já?
— Eu acho que sim, embora não me recorde de onde pode ser.
A loira para a fim de tentar se lembrar, e eu ouço a conversa entre Theo e
Alexios.
— Viu só esse trabalho da Kyra?
— Claro! — Alexios debocha do irmão. — Seria impossível não ver, já
que estou aqui! Já fui até cumprimentá-la, mas está tão ocupada que não
consegui nem falar com ela direito.
Só o suficiente para que ela o encarregasse de me acompanhar nesta
noite! Kyra me paga!
— Imagino que esteja. Viu o Kostas? — Theo pergunta, mas não consigo
ouvir a resposta de Alexios, pois Valentina volta a falar:
— Lembrei! — ela comemora. — Nos encontramos na festa de
inauguração da loja da Miriam Benides, lembra?
Eu não faço a mínima ideia do que ela esteja falando, mas, mesmo que
não esteja com nenhuma vontade de prosseguir com a conversa, sorrio e
concordo por educação.
— Puxa vida, quanto tempo não vejo você por lá! — Valentina continua.
— Eu estava morando em Madri — informo antes de me sentar.
— Ah, eu adoro a Espanha!
Sorrio sem graça, percebendo que vamos conversar. Não quero ser mal-
educada com ela, é só que não estou muito confortável em estar aqui neste
baile, não depois de perceber que ainda quero Alexios e que não adiantou de
nada impor distância.
— Família! — a voz debochada de Kostas interrompe a conversa de
Valentina, e ela me pergunta baixinho quem é o homem abraçado a uma loira
com um vestido branco tão justo e transparente que beira à indecência.
— Konstantinos... — sussurro antes de ele apresentar sua acompanhante a
todos.
— Bruninha, conheça os Karamanlis! — Ele aponta para Alexios e para
Theodoros. — Claro que você pode deixar seu cartão com eles depois, mas
eu sou o mais bonito, não sou?
Ele faz a mulher girar em seu próprio eixo, e, pela primeira vez depois da
tensão toda em que eu estava desde que vi Alexios, sorrio divertida. Kostas é
uma figura! Ainda me lembro de quando ele morava no prédio, na cobertura
de seu pai, e juro, se não fossem os olhos azuis e a voz, eu diria que não se
trata da mesma pessoa!
— Já bêbado? — Theo pergunta a Alexios.
— E mais uma vez com acompanhante paga! — Alexios se aproxima de
Theo e cochicha, e isso me surpreende. Não sabia que os dois estavam
conseguindo ter uma relação tão cordial. — Estou achando que nosso querido
irmão é do outro time.
Theo gargalha e nos olha sem graça.
— Perdoem-me, foi irresistível! — Tenta se conter e bebe mais do seu
uísque. — Bom, certamente ele é arrogante e orgulhoso demais para “sair do
armário”.
Quem? Kostas?! Olho para o homenzarrão com a prostituta e nego
instintivamente com a cabeça. Não mesmo!
— Seria apenas mais um rejeitado pelo seu querido pappoús! — ouço
Alexios dizer isso, e meu coração aperta. Olho-o, respiro fundo, lamentando
profundamente por ele ainda se sentir rejeitado, percebendo que isso também
não mudou.
Rejeição, abandono, violência o tornaram o homem que é. Sei disso, dei
essas desculpas para seu comportamento por muitos anos. Toda vez que ele
aprontava, eu usava isso para justificá-lo.
Até quando?, penso, olhando-o fixamente. Até quando ele deixará que os
erros dos outros façam-no errar também?
— Você gosta muito dele, não é? — Valentina dispara, e eu desvio os
olhos de Alexios. — Seus olhos brilham diferente ao olhar para ele.
— Somos amigos há muitos anos — disfarço.
— Bom, isso é muito bom, mas... — Ela ri. — Desculpe-me se estou
sendo invasiva, mas seu olhar é de quem é apaixonada, não apenas uma
amiga.
Dou um sorriso amarelo para ela, e Valentina fica quieta.
— Tudo bem aí? — Alexios me pergunta, e eu assinto. — O jantar já
tinha sido anunciado antes de você chegar, então não deve demorar muito.
Resolvo conversar com ele normalmente, afinal, seria ridículo fazer birra
na minha idade.
— Kyra estava muito ansiosa com o jantar desta noite. Um grande chef
internacional, ela me contou, é quem está preparando tudo.
— Sim, está na programação. — Alexios lê o nome do chef francês, e eu
não consigo deixar de olhar sua boca. Pego a taça de champanhe e a viro de
uma só vez. — Uau! — Sorri e faz sinal para um garçom se aproximar com
mais. — Minha acompanhante está sedenta.
— Estou. — Decido não discutir e bebo a outra taça. — E com fome
também.
Alexios toca minha coxa por cima do vestido, mas logo tira a mão.
— O jantar não deve demorar — repete sério e se vira para olhar o outro
lado do salão.
Fico um tempo olhando para minhas pernas, permitindo a sensação de
brasa que a mão dele deixou em minha coxa passar, chateada demais por
reagir assim a ele e continuar sendo praticamente invisível.
Que porra é essa que está rolando?
Essa pergunta retórica fica martelando minha cabeça enquanto tento
prestar atenção em qualquer coisa neste maldito salão lotado que não seja ela.
Eu só posso estar com algum problema, só pode! Samara sempre foi minha
amiga, quase minha irmã. Eu estar aqui com uma maldita ereção – pela
segunda vez esta noite, frise-se – só pode ser loucura!
Preciso de um médico! A loucura congênita dos Karamanlis começou a se
manifestar em mim. Sentir tesão por Samara é quase... incestuoso!
Pego a taça com champanhe e a termino em uma só golada a fim de
aplacar o fogo que apenas um toque em sua coxa me causou.
A verdade é que eu não esperava encontrar-me com ela nesta noite. Vim
por insistência do Millos e, claro, por sua maldita manipulação eficaz ao falar
da Kyra e do suporte a ela em seu primeiro grande evento. Cheguei junto aos
primeiros convidados e a encontrei correndo de um lado para o outro,
“armando” uma surpresa para sua amiga e funcionária, a gostosa da Helena,
que, por sinal, está namorando o Bernardo Novak, um amigo de longa data.
Quando finalmente ela terminou todos os preparativos, foi à cozinha falar
com o tal chef francês que a estava deixando nervosa, conferiu tudo com as
bandas, DJ e artistas circenses é que me deu atenção.
— Oi, Alexios. — Sorriu cansada. — O baile nem começou direito, e eu
já estou de um lado para o outro. — Ela espiou a fila se formando na
recepção do evento. — Gostou da decoração?
Seus olhos verdes, como os meus, brilharam ansiosos. Eu cheguei perto
dela, beijei sua testa e falei baixinho:
— Está tudo perfeito, Kyra. Parabéns, estou muito orgulhoso!
Ela suspirou e depois se afastou.
— Claro que está! Não tinha dúvida alguma disso. — E, do nada, pegou-
me pela mão e me arrastou em direção ao salão. — Vem ver!
— Kyra, eu ainda não troquei meu convite e...
— Ah, Alexios, vem ver!
A decoração estava esplêndida, embora eu soubesse que, com os efeitos
de luz e os artistas executando seus números, iria ficar ainda mais incrível. A
banda, no palco ao fundo do salão, já estava se posicionando, e alguns
funcionários de Kyra ajeitavam os últimos detalhes das mesas, arranjos
florais ou acendiam as velas.
— Perfeito! — elogiei-a novamente.
— Você ainda não viu nada! — E deu aquele sorriso que eu sei que fode
com a cabeça de qualquer homem. É duro ter uma irmã como ela, linda e
sexy, e ver os caras babando em cima e não poder socar a fuça de nenhum. —
Ah, preciso de um favor.
Estava demorando!
— Kyki, estou de smoking, mas ainda não sei segurar uma bandeja —
sacaneei.
— Não, seu idiota! — Ela me estapeou as costas. — É meu par desta
noite! Não vou poder participar do baile como havia previsto, então preciso
que você faça companhia...
— Ei, ei, pode parar! Não vou ficar pajeando nenhum marmanjo não!
Ela rolou os olhos.
— Não é marmanjo, idiota! Posso terminar de falar? — Assenti. — É a
Samara. Convidei-a a vir comigo esta noite e não quero que fique sozinha.
Samara Esther Schneider!
Fiquei um tempo olhando para Kyra, tentando entender se ela tinha feito
isso de propósito, para tentar nos reaproximar, afinal, sempre fomos um trio
de amigos/irmãos, e, com a relação entre mim e Samara estremecida, Kyra
devia estar um tanto confusa.
— Sem problema. — Sorri. — Você avisou a ela?
— E Samara atende aquele celular? — Ela bufou. — Você terá que
esperá-la lá fora. Se importa?
— Não — fui sincero.
— Ótimo, agora vaza, porque ainda tenho coisas a fazer antes de abrirmos
o salão. — E, do mesmo jeito que me arrastou, colocou-me para fora.
Fiquei um bom tempo esperando por Samara do lado de fora, o que foi
surpreendente, pois ela sempre foi pontual. Vi o salão ser aberto, o baile
começar, o discurso do doutor Andreas Villazza, o anúncio do jantar, e nada
de a minha (ex?) melhor amiga chegar.
Estava olhando para um detalhe na construção do hotel, executada pela
Novak Engenharia, quando meus olhos foram atraídos para o topo da
escadaria. Não é exagero eu dizer que meus olhos foram atraídos, porque foi
como se um ímã puxasse minha atenção para aquele ponto.
Engasguei-me com minha própria saliva ao ver Samara. Sim, ela estava
linda, mas não foi o vestido branco ou o penteado elaborado que chamou
minha atenção, foi ela.
Ela é linda e, por conta da nossa amizade e do receio que tinha de
machucá-la, parei de perceber sua beleza e não notei a mulher que se tornou.
Fiquei parado, tomando nota de tudo, como se a estivesse vendo pela
primeira vez, sentindo um incômodo por estar olhando-a com lascívia, afinal,
era a Samara!
Balancei a cabeça, tentando voltar a pôr os neurônios no lugar,
justificando para mim mesmo que isso aconteceu por causa dos anos
distantes, mesmo sabendo que isso era pura enganação, pois ela não mudou
nada nesses últimos anos.
O que aconteceu, então? Não sei, ainda estou confuso, tentando entender
por que fiquei excitado com o perfume dela ou por que meu pau acordou
apenas por eu a ter segurado pela cintura a fim de andar com ela até a mesa.
Tive que ficar parado, olhando para os malabares sem vê-los realmente,
com cara de paisagem, fingindo que nada estava acontecendo. Eu não queria
que ela soubesse que eu estava reagindo daquela forma a ela; certamente
ficaria horrorizada. Sempre fomos como irmãos!
Tentei me conter, agradeci por Theodoros e sua companhia já estarem à
mesa, fiquei um tempo distraído conversando com meu irmão mais velho,
mesmo que isso fosse uma dor no saco. Não sou tão rancoroso quanto o
Konstantinos sobre o Theo, apesar de concordar com meu irmão sem noção
sobre ele nos ter abandonado nas mãos do louco Nikkós, mas o que
Theodoros poderia fazer? Eu mesmo estive nessa situação quando pude sair
de casa, mas não tinha como tirar Kyra dele, por isso fiquei.
O DJ que executa as músicas antes do jantar e da banda ao vivo coloca
My Immortal, de Evanescence, e é impossível não olhar para Samara.
— Sua música preferida na adolescência — comento com ela.
Samara sorri e balança a cabeça, olhando os casais indo para a pista de
dança.
— Tocou na minha formatura...
— Eu sei, eu queria dançar com você, mas você não parecia muito a fim,
então fui beber.
Ela arregala os olhos e me encara como se não soubesse do que eu estou
falando. Provavelmente nem se lembra, estava nervosa e ficava repetindo o
caminho todo dentro do carro que a gente nem deveria ter ido, que era
besteira.
Não somos mais adolescentes!
— Quer dançar? — inquiro impulsivamente e estendo a mão para ela.
Samara olha para minha mão por um tempo, mas aceita.
Porra, que loucura!
Ela pega minha mão, e minha vontade é de puxá-la para mim e beijar sua
boca. Foda! Não consigo mais refrear meus desejos; sempre consegui com
ela, por isso não entendo o que está acontecendo agora. Não é qualquer
mulher aqui comigo, indo para a pista de dança para ficar de corpo colado no
meu – porra! – é a Samara!
Samara!
Minha amiga de infância!
Quase uma irmã...
MERDA!
— Está tudo bem? — ela me pergunta, e eu tento relaxar, já que estou
dançando como antigamente: a um palmo de distância dela.
— Sim, tudo. — Tento dar meu famoso sorriso, mas não rola, então
pigarreio. — Estou com sede, calor... acho que é essa decoração toda.
— Pode ser. — Ela desvia os olhos de mim. — Quer voltar para a mesa?
Quero!
— Não, a não ser que você...
— Tudo bem.
Ela se solta de mim no exato momento em que a música muda para um
instrumental baixo e as luzes se acendem.
— O jantar. — Aponto para os garçons em fila e os convidados voltando
aos seus lugares. — Vamos?
Salvo pelo gongo do cozinheiro!, penso ao ajustar disfarçadamente minha
calça para não andar de pau duro e assustar a todos por causa da claridade do
salão.
Acho que cochilei também até o Castellani, pois, quando me dei conta, já
estávamos na garagem. Cris me perguntou se eu queria ajuda com Samara,
mas agradeci e o mandei para casa. Ele não trabalha como meu motorista
diariamente, mas sim na Karamanlis, transportando quem quer que precise
fazer serviços externos. Contudo, toda vez que preciso, chamo-o para ganhar
um extra.
Há muito parei de combinar bebida e direção, não por mim, mas por
medo de acontecer algum acidente e eu acabar prejudicando outras pessoas.
Chamo o elevador, e somente dentro dele é que a bela adormecida parece
voltar a si.
— Alexios... — Samara olha em volta. — Este é o elevador do
Castellani?
— Parece que sim — respondo-lhe divertido.
Samara bufa.
— Só desmaiada é que eu aceitaria vir com você na direção nesse estado
em que se encontra.
— Estou melhor que você. — Ela se encosta contra o espelho, olhos
fechados e um enorme sorriso bêbado no rosto. — Além do mais, viemos
com motorista.
— Bom... — Samara fala devagar e lambe os lábios como se estivessem
secos. O efeito no meu pau é instantâneo. Sinto meu corpo inteiro acender,
minhas mãos formigam de vontade de tocá-la. Sua pele parece brilhar,
atraindo-me como uma chama atrai uma mariposa.
Tento me afastar, pensar em outra coisa, mas o espaço reduzido do
elevador não ajuda. As paredes parecem se fechar cada vez mais,
aproximando-me de Samara, apertando-me contra ela, espremendo meu
corpo...
— Alexios... — ela geme meu nome, e eu me espremo mais, fazendo-a
grudar contra o espelho. O seu perfume inebria meus pensamentos, a pele, tão
quente e macia que a sinto mesmo por baixo do vestido, me enlouquece.
Preciso provar o sabor de sua boca, conferir se o hálito quente e um tanto
etílico se confirma em sua saliva.
Sim!
Agarro-a com mais força, minha ereção pressionada contra sua barriga,
minha boca correndo em seu pescoço. Tudo parece congelar à nossa volta,
não existe mais tempo e nem espaço, apenas o vácuo e nós dois dentro dele,
em chamas.
Lábios nos lábios. Meus dedos esfregam sua nuca, a pele arrepia, os pelos
eriçam, meu corpo treme. É a viagem mais louca que eu já fiz sem ser através
de uma substância química entorpecente... não! É química ainda, é uma droga
viciante, é tesão!
Devoro sua boca sem nenhum pudor ou impedimento. Ela me acolhe,
abre-a para minha exploração, prende meus lábios entre seus dentes e morde
com força, despertando com a dor ainda mais meu desejo.
Enfio os dedos no meio do seu penteado, seguro o cabelo com força, e ela
retribui o desespero cravando as unhas nos meus ombros.
Estou pronto para fodê-la, minha cabeça já trabalha uma forma de abrir o
zíper da calça social, sacar meu pau e buscar o caminho de sua boceta, que, a
julgar pela forma com que ela come a minha boca, já está molhada e quente.
Um pigarrear me faz sobressaltar, e eu me afasto dela o mais rápido
possível. Um casal de idosos também vestido em black tie entra no elevador
no saguão do prédio, sinal de que o elevador subiu e desceu de novo
enquanto nós dois quase nos comíamos dentro dele.
Olho para Samara, mas ela não parece constrangida ou assustada, apenas
passa a mão pelos lábios e me encara, sua expressão cheia de perguntas e
curiosidade.
Caralho, o que eu estou fazendo?! É a Samara, minha amiga, aquela que
eu sempre quis manter longe desse meu lado sem vergonha! Puta que pariu!
Espero o casal descer em seu andar e, assim que as portas se fecham,
respiro fundo.
— Desculpa, Samara, acho que estou mais bêbado do que imaginei a
princípio. — Não tenho como olhá-la, dividido entre o constrangimento e o
desejo ainda pulsando na minha calça. — Somos amigos, eu não deveria
atacar você dessa forma, me des...
— Para! — sua voz soa magoada, e eu tenho vontade de socar a cabeça
contra o espelho. — Não precisa dizer mais...
— Eu prometo que isso não voltará a acontecer. — Finalmente a encaro e
fico fodido ao ver sua expressão confusa. Ela parece não ter gostado do que
aconteceu, deve estar achando que eu sou um filho da puta aproveitador. —
Você é minha amiga, Samara, mesmo depois dessa distância, eu ainda a vejo
como se fosse minha irmã e...
— Chega! — ela grita, e as portas do elevador se abrem no seu andar. —
Você tem razão, foi um erro e não deve voltar a acontecer!
Ouvir isso é como um balde de água fria, mesmo reconhecendo que é o
certo.
— Eu não quero que isso afete novamente a amizade que nós temos e...
Samara sai pisando duro do elevador sem olhar para trás. Minha vontade
é de correr atrás dela, voltar a encostá-la em alguma parede e beijá-la
novamente até que perca a razão ou eu alivie esse tesão indesejável que estou
sentindo.
As portas se fecham, e eu, ao invés de apertar o botão do meu andar,
mando o elevador de volta para o térreo e chamo um Uber.
Preciso trepar!
“Ok.”
Vim para a empresa para rever com Daniel o projeto de decoração que
estou fazendo para seu cliente. Já tem quase uma semana que Diego chegou
ao Brasil, e o dia de ele voltar para a Espanha está se aproximando. Não
tenho insistido mais no assunto da conversa sobre nosso término, decidi
esperar para fazer isso no último dia e, por isso, tenho tentado ficar o mínimo
em casa.
Ele também não tem ficado por lá! Encontrou-se com alguns antigos
companheiros de trabalho que vieram morar por aqui e tem saído sempre com
eles, enquanto eu vou à empresa. O clima está pesado, e não entendo como
ele ainda insiste em tentar reatar comigo. Não dá!
Diego só está hospedado comigo porque eu o considero um amigo, mas
não acredito que ele ainda espere que eu siga com o relacionamento.
Um lembrete de agenda aparece no visor do meu celular, lembrando-me
do encontro com Kyra para um jantar no próximo domingo. Minha amiga
está se recuperando de um procedimento cirúrgico, e eu tenho tentado estar
com ela sempre que posso.
A verdade é que estou muito feliz, pois ela conseguiu resolver uma
questão de seu passado que sempre foi dolorida para ela. Nunca senti tanto
orgulho, e isso acendeu minha esperança de um dia vê-los, meus dois amigos
de infância, felizes.
Espero que, daqui para frente, ela consiga lidar melhor com suas dores e
traumas. Kyra é maravilhosa. Mesmo que não saiba demonstrar seus
sentimentos, sei que tem bom coração e muito amor dentro de si, e o que
aconteceu agora pode fazê-la enxergar o mundo de forma diferente.
Lembro-me de quando ela me contou sobre o resultado do exame de
compatibilidade e o que decidiu fazer. Estava emocionada, achei até que
fosse chorar – coisa que nunca a vi fazer nesses anos todos de amizade –, e
isso me fez senti-la mais perto de mim. Abracei-a forte, mesmo sabendo que
ela não curte muito, e lhe disse o quanto a amava.
Tive vontade de lhe perguntar sobre a reação de Alexios à decisão dela,
mas me contive. Nós não nos vemos desde aquela noite em que Diego
chegou, mas soube notícias dele através de uma dessas revistas de fofocas.
Eu estava no salão para cuidar dos meus cabelos e, assim que abri a
revista, vi que Alexios tinha dado uma festinha regada a champanhe e muitas
celebridades em seu iate. Na foto, tirada de longe por algum paparazzo, ele
aparecia agarrado a uma mulher escultural na proa do barco.
Nunca conheci o iate dele!, pensei, mas logo depois ri ironicamente, pois
era óbvio que eu nunca pisaria lá, afinal, nunca fui um de seus casos de uma
noite, e ele também nunca precisou me impressionar, sempre fomos amigos.
Confesso que aquela foto me incomodou, mexeu comigo, mas tratei logo
de deixar essas sensações de lado. Cada vez mais percebo o quanto ele tem
razão sobre nós dois. Sim, aconteceu de ele ter atração por mim, algo que até
pouco tempo era um sonho distante, mas é só isso. Alexios nunca será o tipo
de homem que se entrega de verdade, e eu o entendo até certo ponto, pois
imagino tudo o que passou, mesmo que não tenha me dito nada; eu vi suas
marcas.
Talvez seja a hora de eu estar sozinha. Tenho pensado muito sobre isso.
Passei boa parte da minha vida apaixonada por um homem que nunca me viu
e tentando compensar com outros. Diego foi mais uma compensação, e deu
certo porque eu estava longe e tinha uma sensação de liberdade que percebi
que era ilusória. Meu coração nunca se libertou de Alexios, e homem nenhum
me ajudou a deixar esse sentimento de lado. Agora é a hora de tentar sozinha,
sem bengalas, sem distância ou mesmo escudos.
— Bom dia! — Josué, o braço direito do meu pai e do meu irmão aqui na
empresa, cumprimenta-me e alivia minha mente do assunto pesado.
— Bom dia! Vim assim que me chamaram. Algum problema?
— Não, não, apenas uma reunião rápida com o cliente e uns
colaboradores.
Alguém bate à porta da sala de reuniões onde estamos, e ele manda entrar.
Alexios entra na sala, e eu arregalo os olhos, surpresa. Não esperava
encontrá-lo aqui hoje, mesmo porque o engenheiro que acompanha essa obra
é outro, ainda que seja funcionário da K-Eng.
— Bom dia, Josué! — ele cumprimenta o homem mais velho e depois me
olha. Não sorri. — Bom dia, Samara.
— Bom dia — minha resposta é baixa. O clima é um tanto constrangedor.
Alexios baixa os olhos rapidamente, mas seu olhar procurando algo em
minhas mãos não me passa despercebido. Ele está procurando por um anel?
— Estamos só aguardando o cliente e o pessoal da Novak chegarem e...
O celular de Josué toca, e ele pede licença, saindo para a varanda a fim de
atender o aparelho.
Sento-me à mesa e abro meu laptop, revisando algumas linhas do projeto,
mas, na verdade, estou tentando me concentrar em outra coisa que não
Alexios.
— Você está linda — ele fala de repente, e meu corpo inteiro se arrepia.
— Gostei do corte de cabelo.
Encaro-o, ainda mais surpresa por ele ter percebido algo tão sutil como a
mudança no meu corte, afinal, não fiz nada drástico com minhas madeixas,
apenas encurtei-as um pouco e dei uma leve repicada nas pontas.
— Obrigada.
Os olhos dele não escondem toda a curiosidade e desejo, o que me faz
ficar sem fôlego. Lembranças dos beijos, do toque, do tesão compartilhado
com ele naquela noite me fazem ficar quente e tensa.
Volto a olhar para a tela do notebook, respirando calmamente para me
controlar. Alexios é realmente meu ponto fraco, minha tentação, mas eu
tomei uma decisão e não vou voltar atrás. Preciso de um tempo comigo
mesma, e é isso que vou ter.
— Recebi uma pista sobre minha mãe — ele informa de repente, e eu me
levanto assustada.
— Como?
Ele olha para fora, onde Josué está, e respira fundo.
— Alguém entrou em contato e me deu uma pista, mas ainda não achei
nada e nem sei se um dia irei.
Sinto dor ao ouvir sua voz. Esse era o único assunto que o fazia se abrir
comigo, a falta de identidade por não saber o que houve em seu nascimento.
Parece bobagem alguém se importar tanto com isso, mas não é, quando se
passa anos ouvindo todo tipo de absurdo de seu pai acerca disso.
Nikkós adorava torturá-lo com essa questão, e eu sei que isso o feriu e o
marcou mais do que as pancadas no corpo.
— É mais do que você já conseguiu nesses anos todos — tento motivá-lo.
— Sim. — Alexios se aproxima, e meu coração parecer saltar. — Eu fui
até um antigo bordel da cidade para... — ele se interrompe no exato momento
em que um engenheiro da Novak entra na sala de reuniões nos
cumprimentando. Droga!
Alexios se fecha, põe sua máscara de sempre, o sorriso angelical, e eu
sinto uma frustração enorme por não ter conseguido entender a história toda.
— Samara — ele me chama quando eu faço menção a voltar a me sentar,
e vou até ele. — Eu nunca agradeci todo o apoio que você me deu esses anos
todos nessa história. — O sorriso morre. — Chegou a hora de eu deixar ir e
parar de procurar por algo que nunca...
— Não! — interrompo-o. — Não agora, que você tem uma...
— Não deve haver nada lá!
Sorrio.
— Você sempre foi péssimo para achar as coisas! Se lembra dos ovos de
páscoa no condomínio? — Ele sorri com a lembrança. — Você nunca achava
nenhum.
— E você ganhava sempre!
— Exatamente!
Uma ideia passa pela minha cabeça. Tento rejeitá-la, convencer-me de
que é loucura, mas não consigo me conter. Acima de qualquer coisa, somos
amigos, e eu nunca deixaria um amigo sozinho em um momento como esse.
— Vou com você procurar.
Alexios arregala os olhos e nega.
— O local é...
— Não importa, vou contigo! — Sorrio para ele. — Essa história também
é minha, Alexios, a dividimos por tantos anos que ela passou a ser minha
também. Eu quero desvendar esse segredo tanto quanto você.
Ele parece em dúvida.
— Tem certeza disso? E seu noivo?
Noivo? Engulo em seco ao pensar em Diego e em todo esse imbróglio em
que estou. Eu tenho, sim, muita coisa a resolver, bem como tomar posse de
todas as resoluções que fiz para minha vida daqui para frente, mas Alexios é
e sempre foi meu amigo, e eu sempre o apoiarei no que precisar.
— Somos amigos, Alexios, pode sempre contar comigo.
Ele não diz nada, apenas me encara de um jeito que não consigo ler o que
pensa. Tenho receio de que rejeite minha ajuda, o que talvez seja o sensato a
ser fazer, mas então seus olhos ficam mais apertadinhos e brilham diferente.
Sua boca não se move, mas meu coração se enche de alegria.
Aí está o verdadeiro sorriso dele!
— Obrigado! — ele sussurra.
Minha pele se arrepia como se seu hálito tivesse encostado em mim,
atravessando a barreira de tecido da roupa. Isso não é bom sinal! Talvez meu
oferecimento de ajuda não tenha sido uma boa ideia.
Merda, Samara!
Pense em semanas infernais. Agora realize o pensamento juntando mais
de 18 horas de trabalho, finais de semana virados na farra e ereções
dolorosamente fora de hora apenas por sentir certo perfume no corredor do
Castellani.
Pronto! Agora vocês têm ideia da merda que têm sido meus dias.
Eu sei que vocês irão dizer que a culpa é minha, afinal, fui eu quem disse
a Samara que não éramos compatíveis. A questão não é essa, e sim que essa
consciência não aplaca em nada o desejo que sinto a cada vez que a porra do
elevador passa pelo sétimo andar.
Tento controlar, lembrar que o namorado – noivo? – está aí com ela esses
dias todos, mas é algo que está além da minha racionalidade. Ela está além da
minha racionalidade! Sinceramente, não sei o que mudou para que eu
derrubasse as barreiras de amizade e sentimento fraterno que sempre senti por
ela.
Talvez eu tenha finalmente enxergado a mulher que ela se tornou e não
mais a menina que eu queria tanto proteger de mim mesmo. A ideia de me
envolver sexualmente com Samara sempre foi repelida por mim, não por falta
de vontade, mas por ter a noção de que, se nossa amizade já era tão
problemática para ela por conta de sua família, imagina se eles desconfiassem
que o rebelde, o filho de uma puta, o drogado estava comendo a menininha
de ouro dos Schneiders?
Mais do que isso! O que pesou foi o medo de perdê-la, de, após ter
saciado o tesão, ela se magoasse e não quisesse mais contato, nem comigo,
nem com Kyra. Então, toda vez que a possibilidade passava pela minha
mente perversa, eu a ignorava e ia comer outras bocetas por aí.
Exatamente como estou fazendo agora!, constato triste, percebendo que
pouco mudei nesses anos todos.
A única interrupção que tive em minha tortura foi a surpresa de minha
irmã ser compatível para doar a medula para Tessa e o chamado de Kostas
para conversar sobre o sobrado.
Eu tinha aceitado o convite de Millos para tomar uma cerveja e conversar
um pouco, achando estranho que ele não tivesse me chamado para ir até seu
loft. Sempre que meu primo viaja, ele me convida para ir à sua casa a fim de
compartilhar comigo alguns momentos de sua aventura, principalmente fotos
de monumentos e paisagens que ele sabe que eu gostaria de ver.
Não aconteceu dessa vez!
Ele chegou há um mês, e nunca o vi mais agitado e esquisito.
— Suas filosofias zen budistas não estão fazendo efeito não? — sacaneei-
o em algum momento.
Estávamos em um pub muito bacana da rede Dominus, cercados de gente
bonita – principalmente mulheres –, cerveja e petiscos de alta qualidade.
Ambos decidimos ficar ao balcão, pedimos uma costela com molho barbecue
e chope.
— Não sou zen budista! — retrucou e encerrou o assunto, desviando-o de
si mesmo. — Aquele seu amigo ainda está no seu apartamento?
— Chicão? Sim, vai ficar até amanhã, depois seguirá para algum lugar do
mundo. Por que o interesse?
Millos deu de ombros.
— Você nunca teve curiosidade sobre ele? Para onde vai quando some ou
sobre seus amigos e família?
Estranhei os questionamentos, pois conheço bem essa raposa grega para
saber que ele não faz nada sem um sentido por trás.
— O que você está querendo saber de Chicão?
— Absolutamente nada, apenas estava puxando assunto. — Olhei-o
desconfiado, pois não me convenceu. — Você soube que seu pai se casou
novamente? Theodoros encontrou-se com ele na Grécia e...
— O que te faz pensar que eu me importo com as cagadas de Nikkós?
Porra, Millos, que assuntos são esses?
— Desculpe, é que seu amigo Chicão é quase da idade de seu pai, e uma
coisa me fez pensar na outra. Besteira. — Ele bebeu o chope. Um longo gole.
— Soube que você foi visitar a Tessa.
Respirei fundo, irritado com as misturas de assuntos sem a conclusão de
nenhum.
— Fui. A menina é um encanto — tentei ser objetivo e não demonstrar o
quanto ver Tessa mexeu comigo.
— Ela lembra muito a Kyra quando pequena. — Ele me olhou por um
longo tempo antes de acrescentar: — Parece ainda mais com você, só que em
versão feminina.
— Você não tem como saber disso!
Millos e eu só nos conhecemos quando eu já era adulto, e nunca fui do
tipo que mostrava fotos da infância para ninguém, mesmo porque é um
período que eu prefiro fingir que não existe.
— Eu vi fotos suas o bastante para saber que, de todos, você é o mais
parecido com a giagiá e o tio Geórgios.
Fiquei lívido ao ouvir isso. Lembranças de Nikkós bêbado, espancando-
me enquanto me chamava de Geórgios e alucinava sobre ser melhor do que
ele em tudo me fizeram estremecer.
— Você está conseguindo azedar o chope e estragar a carne com essa
conversa, Millos. Qual é a sua?
— Desculpe, eu só estava falando de Tessa e de como...
— Onde você viu essas fotos? Tenho certeza de que Nikkós não te
mostrou nenhuma, orgulhoso do filho com uma puta.
Millos bufou.
— Não, não foi seu pai quem me mostrou essas fotos. — Um garçom nos
interrompeu oferecendo mais uma rodada de bebida. — Estou confiante no
sucesso do transplante e satisfeito por saber que sua irmã conseguiu perdoar...
— Millos, onde você quer chegar com esses rodeios todos? Eu te
conheço, mano, e sei bem que nenhum desses assuntos é aleatório.
Meu primo riu.
— Pappoús virá ao Brasil para conhecer Tessa. — Arregalei os olhos,
pois imaginei que, assim como fez comigo, o velho grego iria rejeitá-la. —
Eu acho que chegou a hora de vocês dois se conhecerem.
Comecei a gargalhar.
— Não tenho nenhum interesse em conhecê-lo — disse categórico. —
Fico feliz, de verdade, que ele esteja agindo com Tessa de forma diversa do
que agiu comigo, mas isso não muda o fato de que ele não existe para mim.
— Alexios, nem tudo é como parece ser.
— Foda-se! — irritei-me. — O velho desgraçado teve 33 anos para me
conhecer. Chegou tarde demais, em todos os sentidos, na minha vida.
— É sua palavra final sobre isso?
— Sim.
Millos sacudiu a cabeça e começou a conversar sobre sua viagem como se
não tivesse tocado no assunto mais desconfortável da minha vida. Conhecer-
me! Houve uma época em que eu sonhava com isso, em ser resgatado por ele,
ou que Kyra fosse. Eu rezava para que o tal pappoús descobrisse as maldades
de seu filho e viesse ao nosso socorro.
Ele nunca veio! Agora é tarde demais, já não sonho ou rezo e, muito
menos, preciso dele!, penso, voltando a assinar a papelada burocrática da K-
Eng, a parte que eu mais odeio do meu trabalho.
— Alexios? — Elis me chama. — Marcaram uma reunião no cliente do
Bela Vista, só que o engenheiro responsável pela fiscalização da obra e
projeto não está aqui essa semana. O que eu faço?
— Quando é a reunião?
— Amanhã.
Olho minha agenda e reorganizo alguns compromissos.
— Confirme, eu vou.
Volto a pensar no encontro com Millos e na mensagem que recebi de
Kostas no mesmo dia, assim que entrei em meu apartamento:
Daniel disse que o casamento ia ser uma data como qualquer outra, que
ele e Bianca iriam apenas passar pelo cartório, assinar a papelada e fim, mas,
ao que parece, ele não conhece a mãe que tem.
Sorrio ao ver a movimentação na mansão, onde Cida coordena um
pequeno grupo para deixar o almoço ao ar livre perfeito.
Sem Daniel fazer ideia, mamãe chamou alguns parentes mais próximos e
amigos – 20 pessoas no total – para dividir esse momento conosco. Kyra
ficou incumbida, em cima da hora, de fazer a decoração da mesa do almoço e
fez um trabalho incrível, não só na decoração, como também na entrega dos
doces e do bolo.
Eu gostei da ideia da tenda no gramado, a mesa enorme, com toalhas de
linho, louças e cristais finos, e a as flores, muitas e muitas flores. A mesa do
bolo ficou uma perfeição à parte. Kyra pendurou com cordas alguns
pequenos apoios de madeira, onde colocou doces, flores e velas, e, no maior,
no centro, o bolo de três andares, todo branco e decorado com flores de
açúcar.
Nunca vi nada tão lindo e original, pois não ficaram enfileirados um ao
lado do outro, o que conferiu movimento, mesmo com os “balanços” parados.
Ontem, no chá promovido pela minha cunhada como despedida de
solteira, tomei conhecimento de que ela irá vestir um tailleur de saia na cor
creme e que meu irmão usará um terno escuro tradicional. Mamãe, claro, não
gostou nada da ideia, queria os dois de branco, como é costume entre os
judeus. Contudo, como os noivos quiseram uma cerimônia laica, ela não
insistiu na tradição.
— Bianca não é judia, temos que respeitar — ela disse quando chegamos
juntas à casa e nos encontramos com Diego. — Mas, quando Samara for
subir ao altar, vamos seguir todos os ritos.
— Será um prazer — Diego respondeu e me olhou de uma forma que me
senti pressionada a, querendo ele ou não, encerrar esse assunto de vez.
Depois do casamento do meu irmão!, penso resolvida. Essa situação não
pode passar desse dia! Ele ficará mais alguns dias aqui, pela sua
programação, mas não posso aceitá-lo em meu apartamento se ele não
entender de uma vez por todas que nosso relacionamento amoroso acabou e
que somos apenas amigos.
— Os convidados estão chegando, e não deve demorar para os noivos
chegarem — mamãe avisa e se posiciona ao lado do papai para receber os
primeiros convidados.
— Sua mãe está uma pilha, e ela não deveria — Kyra comenta comigo.
— Achei que você seria testemunha do casamento.
Nego.
— A irmã da Bianca é quem vai ser, e o Daniel convidou seu primo
Millos para ser o best man dele.
A informação surpreende Kyra tanto quanto me surpreendeu.
— Millos padrinho de casamento? — Ela ri. — Essa é nova!
Dou de ombros e, aproveitando que ainda estamos sozinhas, pois Diego
está conversando com meu pai em algum lugar, pergunto:
— Alexios comentou contigo sobre a pista que recebeu?
Kyra suspira e assente.
— Estou preocupada com isso — confessa-me. — Você lembra tão bem
quanto eu como ele ficava com essa história de procurar sua mãe biológica.
Não sei se quero vê-lo mergulhado nessa procura sem fim de novo.
— Eu também me preocupei, por isso me ofereci a ajudá-lo.
Kyra tenta conter o sorriso, mas não consegue.
— Obrigada por isso, Malinha. Fico muito feliz em saber que vocês se
acertaram e que voltaram a ser como antes.
Forço um sorriso e concordo, mas não consigo emitir nenhum som
tamanho o nó em minha garganta. Eu tenho consciência de que as coisas
mudaram entre nós, nada está como antes. Nós não tínhamos essa energia
sexual; embora eu sempre tenha me sentido atraída e apaixonada, Alexios
nunca correspondeu a nada disso. Agora sinto que ele me quer tanto quanto
eu sempre o quis, e isso, além de ser muito confuso, é um ponto de tensão
que não tínhamos antes.
— Espero não dar azar ao Dani — Kyra sussurra de repente.
— Para com essa história, que coisa! — repreendo-a. — Você é sempre
muito supersticiosa, depois diz que não acredita em nada.
— Não acredito em religião, mas em carma, não tenho nenhuma dúvida.
— Ri. — Não gosto de fazer casamentos de amigos, você sabe.
— Besteira!
Paramos de conversar, pois ela tem que ir resolver algo com o manobrista
a serviço de sua empresa de eventos.
— O que acha de casarmos en Brasil? — Diego me indaga em certo
momento, e eu fico tensa. Como é possível que ele ainda não tenha
entendido?! — Gosto desse jeito que su mamá organizou tudo.
— Diego, nós já conversamos sobre nós. Somos apenas amigos, o namoro
acabou.
Ele nega.
— Necessito una segunda chance para provar que não acabou.
Respiro fundo e não respondo, pensando seriamente em ser dura com ele,
dizer que eu amo outra pessoa e que, por isso, não posso amá-lo.
Não sou assim! Não posso feri-lo dessa forma!, penso e pego rapidamente
uma taça de champanhe que os garçons começaram a distribuir para os
convidados em sinal de que os noivos já estavam chegando, para tentar
engolir essa situação.
Não demora muito mais, e todos levantamos as taças em um brinde
quando Bianca e Daniel aparecem. Meu irmão não esconde seu assombro,
mas Bianca parece exultante ao seu lado. Ela cumprimenta a todos depois de
mamãe ter lhe oferecido um chapéu com um pequeno tule sobre a testa e um
buquê de orquídeas brancas.
— Ela conseguiu transformá-la em uma noiva! — Kyra comenta
enquanto passa por mim, e eu rio.
Abraço Daniel quando ele chega até onde estou.
— Que porra toda é essa? — sussurra em meu ouvido.
— Seu casamento — digo o óbvio.
— Não, é a teimosia da sua mãe!
Gargalho e o encaro.
— Agora é a minha mãe, não é? — Dou um tapa de leve em seu ombro.
— Relaxa e curte, poderia ser pior.
— Não, não poderia. — Ele olha para os convidados. — Que merda!
Diego o cumprimenta, e ele volta a fingir que está feliz. Sinceramente,
não entendo o que está rolando com meu irmão, o motivo pelo qual insistiu
nessa união, sendo que parece repeli-la a todo tempo.
Eu nunca iria querer isso para mim e nem para Diego, não é justo fazer
algo sem estar feliz! Esse pensamento reforça minha resolução de ficar
sozinha até que eu realmente seja capaz de amar outra pessoa de verdade. Só
vou entrar em outro relacionamento quando me sentir pronta para viver a
relação por inteiro.
— Parabéns! — cumprimento minha cunhada.
— Obrigada, Samara. — Ela sorri cortês, porém fria como sempre foi
comigo. — Essa é minha irmã, Chiara.
A bela e miúda loira sorri para mim e me abraça calorosamente. Eu nunca
tive contato com os familiares de Bianca, mesmo ela estando com meu irmão
há mais de uma década. Conheci a mãe dela enquanto era viva, mas nunca
tinha visto o pai, nem a irmã, pois ambos moram fora do país.
— Seja bem-vinda! — cumprimento-a.
— Obrigada! Está tudo tão perfeito e carinhoso! — Os olhos dela se
enchem de lágrimas. — Tenho certeza de que mamãe adoraria.
Bianca segue para cumprimentar o próximo convidado e a arrasta junto.
— Tão doce, a pequena Chiara — meu pai comenta. — Tão diferente da
irmã. — O velho debochado ri. — Eu me lembro dela pequena no funeral da
mãe.
Franzo o cenho, não me recordando de tê-la visto. Não penso muito mais
no assunto, sigo para a mesa, onde mamãe faz um discurso e depois
praticamente obriga Daniel a fazer o mesmo.
O almoço começa a ser servido, e, em algum momento, acabo trocando
olhares com Millos Karamanlis, que acena com a cabeça. Os olhos dele, tão
parecidos com os de Alexios, fazem-me pensar na ironia da situação, pois,
embora o primo, que toda a minha família conhece há uns 10 anos, possa
estar aqui, Alexios, que foi nascido e criado conosco, não pode.
Engulo o champanhe como se fosse feito de água suja ao perceber mais
uma vez que ele nunca seria aceito.
Compatíveis!, a palavra odiosa que ele usou martela minha mente, e eu
olho de esguelha para meu companheiro de mesa, Diego, alguém que
acabaram de conhecer, mas que todos estão tratando como nunca o fizeram
com Alexios.
Será que, em algum momento, essa resistência da minha família
contribuiu para que Alexios se mantivesse distante de mim? Não!, rejeito a
ideia. Ele nunca foi do tipo que liga para opiniões alheias, então é claro que
isso não contribuiu, ele apenas nunca me quis.
Até agora!
Suspiro e fecho os olhos, tentando entender o que mudou. Uma ideia se
forma. Tento não dar ouvidos a ela, mas é mais forte do que eu. Será que meu
suposto compromisso teve algo a ver com a repentina atração de Alexios?
Arregalo os olhos e fito meu prato rapidamente, tentando disfarçar meu
espanto com a possibilidade.
Claro! Como não pensei nisso antes?
Alexios sempre foi um competidor nato, sempre odiou perder, então,
saber que eu estava noiva pode ter despertado algum gatilho nele que o fez
imaginar que me queria.
Só pode ser isso! Então, quando ele souber que eu não irei me casar, tudo
voltará ao normal!
Pensar em Samara está me causando calos nas mãos e me fazendo parecer
um adolescente viciado em punheta novamente. No começo, eu me sentia
constrangido por estar usando a imagem dela como inspiração, mas agora já
estou tão acostumado a essa rotina que, mesmo tendo trepado, preciso
expurgar o tesão que sinto por ela, e essa, no momento, é a única forma
plausível.
Ela me provocou, durante o café que tomamos juntos, com a possibilidade
de conhecer o espanhol, e eu, corroendo-me de ciúmes por ele poder tocá-la
como eu mesmo queria fazer, caí na esparrela e ainda sugeri um encontro.
Idiotice!, penso ao terminar de me vestir para me encontrar com eles em
um restaurante japonês no bairro da Liberdade. Não esperava que Kyra fosse
encabeçar um encontro entre nós todos, mas, pelo que ela deixou a entender,
eu preciso conhecer o tal noivo. Sinceramente não entendi isso, mas, como a
curiosidade está me roendo, aceitei.
— Você vai sozinho? — Kyra questionou-me quando me ligou mais
cedo.
— Não, vou com você.
Ela riu.
— Eu vou com alguém, Alexios.
Puta que pariu!, pensei, totalmente sem saco para atuar como castiçal
para dois casais. Foi então que me encontrei com Laura no elevador e a
convidei para jantar.
Idiotice ao quadrado!
Nunca misturei as mulheres que como com meus familiares. Já saí com
amigos, já peguei alguém enquanto estava com eles, mas com Kyra será a
primeira vez. Tento justificar minha ação alegando que não dá para ir
sozinho, como um mané qualquer.
Ter Laura à mesa será como ter um escudo, essa é a vantagem. Eu não
ficarei o tempo todo com uma ereção enquanto a mulher que provoca essa
reação no meu pau estará feliz e contente ao lado do noivo.
Rio da situação clichê e degradante. Estou fodido!
Saio do Castellani de moto, levando um capacete extra para minha
companhia, o som no fone de ouvido tocando um rock nacional que sempre
prefiro ouvir quando ando de moto.
Chicão sempre me critica por escutar música alta pilotando, pois diz que
distrai a atenção, mas eu não penso assim, continuo focado na via mesmo
tendo o som maluco do QR-1 estourando meus tímpanos.
Meu amigo foi embora para mais uma de suas andanças. Tentei descobrir
para onde iria, mas, como sempre, ele se esquivou e apenas disse que não
tinha rumo, que apenas precisava ir, mas que em breve estaria de volta para
treinar comigo para o Rally dos Sertões. Quando acordei, ele já tinha juntado
as suas trouxas e partido.
Paro em frente ao prédio onde Laura mora e admiro o quanto ela é bonita
e seu bom gosto para se vestir. Sem tirar meu capacete, entrego o outro para
ela e continuo o percurso até o bairro da Liberdade.
Estaciono a moto me sentindo mais tenso que o natural, não só por estar
acompanhado, mas por saber que a mulher que tem mexido com meu tesão se
encontra dentro do restaurante com o homem que a levará para longe para
sempre.
— Tudo bem? — Laura pergunta-me quando me abraça pelo pescoço e
me beija.
— Maravilhoso!
Entramos juntos no restaurante, porém sem encostarmos um no outro, e a
primeira coisa que enxergo são os cabelos encaracolados de Samara, o jeito
que eu mais gosto de vê-los. Logo meu olhar é direcionado para o homem ao
lado dela, sorrindo e falando algo com Kyra e sua companhia.
— Boa noite! — cumprimento a todos. — Essa é a Laura.
Samara parece surpresa por eu estar acompanhado, mas logo abre um
sorriso e se põe de pé junto aos demais para nos cumprimentar.
— Diego, esse é meu amigo de infância, irmão de Kyra, Alexios
Karamanlis. — Ela me olha. — Esse é o Diego, Alex.
— O noivo! — completo ao cumprimentá-lo, e Samara arregala os olhos.
— O amigo! — ele retorna a saudação com seu forte sotaque.
O clima fica estranho, então minha irmã intervém.
— Alex, esse é o Patrick. Ele é americano, mas trabalha aqui no Brasil em
uma empresa de publicidade. — Aceno com a cabeça para a companhia dela.
— Esse é meu irmão Alexios.
— Prazer!
Seguro o riso por causa da mistura de sotaques e me pergunto se estou em
alguma reunião da ONU. Porra, se eu soubesse, teria trazido alguma italiana
ou asiática! Samara me encara de um jeito estranho e depois ri, deixando
claro que sabe exatamente o que pensei.
A filha da mãe me conhece bem demais, e isso é um perigo!
Sento-me ao lado do espanhol, e Laura fica entre mim e o americano.
Faço meu pedido, e ela, o dela, mas comemos algumas peças da enorme
barca que os dois casais que chegaram mais cedo já estão degustando.
— Achei que você não vinha mais, Alex — Kyra puxa assunto.
— Eu também — é Laura quem responde. — Mas ele sempre faz isso,
marca um horário e aparece bem depois. — Sorri para mim, toda cúmplice.
— Ainda bem que isso não se aplica aos seus compromissos de trabalho.
Dou uma olhada rápida na direção de Samara e a pego me encarando com
os olhos levemente apertados.
— Você trabalha na K-Eng? — Kyra é quem indaga novamente.
— Não, na Karamanlis.
Minha irmã me dá um olhar enviesado, do tipo que sempre recebo quando
estou fazendo merda. Porra, eu sei!
— O que é a Karamanlis? — Diego pergunta, e eu, resumidamente,
porque não tenho saco para isso, explico sobre a empresa da família.
Depois disso, talvez impulsionado pelo assunto sobre trabalho, ele
começa a falar do Real Madrid sem parar e da decepção que foi a campanha
do time no começo deste ano.
Interesso-me um caralho por futebol, então, enquanto ele fala do seu
importante trabalho pela Europa seguindo o time milionário de perto, não
consigo desviar os olhos de Samara, nem mesmo com meu escudo ao lado.
Ela levanta uma de suas negras sobrancelhas e desvia os olhos na direção de
Laura, questionando-me silenciosamente sobre ela.
Dou de ombros e sorrio safado, fazendo-a entender qual é o nível de
entendimento que eu tenho com minha companheira. Samara fica séria e se
concentra na falação do noivo.
Noto que nenhum dos dois usa anel e fico pensando em que tipo de
noivado desprendido é esse que eles têm. Geralmente quem firma um
compromisso desse porte gosta de exibir a situação.
Não sei exatamente o que deixei transparecer, mas, em certo momento,
tomei um bicudo na canela e tenho certeza de que a agressão veio da minha
irmãzinha. Fico sério, mas a danada abre um sorriso na direção do espanhol
como se não tivesse quase quebrado minha tíbia.
Samara de repente se levanta.
— Com licença, vou ao toilette.
Kyra se ergue em seguida.
— Te acompanho. — E olha para Laura. — Você quer vir conosco?
Minha companhia abre um enorme sorriso.
— Claro!
Elas saem da mesa e me deixam a sós com um maldito americano que
nunca vi na vida e um espanhol arrogante que faz meu punho travar ao olhar
sua fuça comprida e fina.
— Eu gosto de moto também — Diego começa o assunto ao apontar para
minha jaqueta de couro e adivinhar meu meio de transporte. — Tenho uma
Harley Road King.
— Um clássico! — o americano diz empolgado.
Minha cara não disfarça meu tédio com relação ao assunto de suas motos
policiais, já que esse é um dos modelos mais usados pela polícia americana,
como vemos nos enlatados americanos.
— Prefiro as italianas. Tenho alguns modelos da Ducati.
O espanhol não parece intimidado.
— Não me gusta correr — ele explica. — Aprecio hacer as cosas lenta y
cuidadosamente. Aprendi a ser paciente com a maturidade, así que quando
usted estiver mais maduro perderá essa... — Diego parece procurar a palavra
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— prisa .
Uau! Estamos trocando farpas? Daqui a pouco mediremos os paus para
saber quem tem a maior piroca da mesa e assim validar nossas
masculinidades. Tédio!
— Não é uma questão de pressa, é saber dar à máquina aquilo que ela
pede. Não é porque ela pode andar a 180 km por hora que eu preciso estar
sempre correndo, mas entender que ela pode chegar a isso e saber fazê-la
chegar lá é o que difere um verdadeiro piloto de um amador.
O americano, sentindo que estamos falando mais do que de motos,
intromete-se na discussão e começa a falar de vários modelos de motos e de
campeonatos de corrida. O assunto me interessa – ou talvez eu queira só
isolar o boçal hispânico da conversa –, e entro de cabeça.
Ficamos tão entretidos que nem percebemos – na verdade eu finjo não
perceber – quando Diego sai da mesa.
— Ué, cadê o espanhol bonitão da Samara? — Kyra pergunta quando elas
retornam do banheiro.
Apenas dou de ombros.
— Nem vi que tinha saído! — Sorrio sarcástico, e Samara levanta a
sobrancelha.
— Demoramos muito? — Laura inquire, abraçando-me pelo pescoço e
me dando um selinho. — Adorei a companhia das meninas, obrigada por ter
me convidado.
Fico sem saber o que responder, então lhe dou meu melhor sorriso
angelical.
— Laura nos contou que vocês estão juntos há alguns meses já. Confesso
que fiquei surpresa, pois nunca soube de um relacionamento seu que fosse tão
longe — Kyra comenta, e eu imediatamente desvio os olhos para Samara,
tentando avaliar sua reação ao que minha irmã acabou de dizer. Nada! Ela
sorri para Laura como se aprovasse nosso relacionamento, o que me deixa
confuso, pois não esperava essa reação.
Será que ela está mesmo feliz com o espanhol?
— Isso é bom, não é, cunhadinha? — Laura diz animada.
Meu, tenho vontade de dar um tapa na minha própria testa ao ouvir isso.
Que porra é essa de ela dizer que estamos juntos há meses? Nós trepamos
algumas vezes ao longo de uns poucos meses, não há relacionamento
nenhum, e eu sempre deixei isso muito claro para Laura.
— Ô, que evolução, cunhadinha! — Kyra dispara seu sarcasmo e me
encara com sua sobrancelha erguida, em clara mensagem de que estou
fazendo merda.
O nosso pedido chega, e, enquanto Laura devora seu kone, eu aproveito
para analisar a expressão de Samara. Nada boa! Minha amiga não me olha,
concentrada em um sashimi que eu devoraria em uma só mordida, mas que
ela está levando um tempão para comer.
Tenho vontade de falar para ela que não há relacionamento, que Laura e
eu só trepamos, mas então paro e me questiono o motivo pelo qual quero me
justificar para ela. Samara não tem nada a ver com minha vida privada, com
quem eu trepo ou deixo de trepar. Além disso, não sou eu quem está noivo!
Diego volta, e o cheiro de cigarro deixa evidente o que o espanhol foi
fazer. Franzo a testa, confuso, pois sei bem que Samara sempre detestou esse
vício e ficava me enchendo o saco – isso quando não escondia meus maços
de cigarro – quando eu comecei a fumar.
Parei por causa dela, quando percebi que isso a deixava incomodada e
com os olhos ardendo. Sorrio com a lembrança do quanto ela comemorou
quando eu disse que fumar estava fora de moda e que iria parar por isso.
Nunca admiti que foi por causa dela. Na verdade, nunca percebi o tanto que
Samara foi decisiva em alguns pontos importantes da minha vida. Sempre foi
tão natural contar com o apoio e a opinião dela que eu lhe agradava com a
mesma naturalidade. Nunca me senti obrigado a nada, pressionado, apenas
fazia o que a deixava mais feliz.
Encaro-a por um longo momento, questionando-me isso novamente: ela
está feliz? Eu sei que disse que o espanhol poderia ser compatível com ela,
mas, conhecendo-o agora, não acho que esse homem seja o certo.
Olho para minha irmã, lembro-me das palavras dela sobre ele ser o
responsável por levá-la para longe de nós, e uma ideia surge.
É perigosa.
É idiotice.
É deliciosamente perversa e junta a fome com a vontade de comer.
Pode ser apenas uma desculpa para eu dar vazão a todo o tesão que tenho
sentido por minha amiga desde que ela retornou e pode também ser um tiro
no pé, principalmente se Samara se apegar a mim mais do que deve.
Contudo, acho válido o empenho em ser... paro para pensar em uma
expressão que defina o papel que pretendo desempenhar.
Um rito de passagem? Sim, pode ser isso! Serei um rito de passagem,
entre esse embuste – como diria meu amigo Chicão – e o homem certo para
que ela se case. Definitivamente, esse espanhol arrogante não merece estar ao
lado de uma mulher incrível como a Samara, e, se ela não enxerga isso
sozinha, talvez precise de um empurrãozinho e uma distração.
Sou uma boa distração, e é hora de tirar o espanhol da jogada!
Nunca me senti tão perverso quanto agora, voltando, depois de anos, a
fazer jus ao apelido de anjo mau que já me impuseram uma vez.
Pego minha cerveja e a levanto em um brinde, fazendo Kyra e Samara
estranharem o gesto inesperado, e sorrio maléfico para Diego, pensando que
os dias dele estão contados aqui conosco.
Hasta la vista, baby!
Ciúmes! Eu estou sentindo ciúmes de Alexios!
Eu nunca o vi assumir nenhum relacionamento, a não ser os de amizade, e
mesmo esses apenas comigo e com o Francisco. Então vê-lo com uma mulher
– uma bela mulher, diga-se de passagem – a tiracolo e saber que os dois têm
saído juntos há meses é, no mínimo, desconcertante.
Não, não estou desconsertada, mas, sim, enciumada! Merda! Não sei onde
estava com a cabeça quando aceitei essa ideia maluca da Kyra de sairmos
juntos.
O almoço do casamento ontem na casa dos meus pais impossibilitou a
conversa, porque Diego bebeu demais – coisa que eu nunca o tinha visto
fazer –, e, quando voltamos para o meu apartamento, ele não tinha condição
alguma de conversar.
Então, hoje de manhã, Kyra nos convidou para essa noite de comida
japonesa. Tentei negar, mas ela alegou que era uma comemoração pelo
transplante de medula que fez para a sobrinha e que precisava sair um pouco
com os amigos.
Aceitei, claro, e não tive como não estender o convite a Diego, afinal, ele
estava perto quando conversamos por telefone.
Suspiro e olho mais uma vez para o casal à minha frente. A garota cheia
de vida, falante e sorridente toca e beija Alexios com uma intimidade que é
estarrecedora. Confesso que fico dividida entre estar feliz com o fato de ele
estar se abrindo e o despeito por eu mesma nunca ter conseguido atingi-lo
dessa forma.
— Samara, não quer ir embora? — a voz de Diego faz com que eu desvie
os olhos do novo casal e o encare. Suspiro e concordo.
— Sim, estou cansada.
Ele assente, afinal, fiquei o dia todo na empresa resolvendo assuntos que
nem conhecia direito, auxiliando o substituto de Daniel, que está em uma
curta lua de mel.
Esse é outro assunto que tem me feito pensar bastante: o casamento de
meu irmão. Ele estava tão estranho durante a festa que eu não conseguia parar
de encará-lo. Vi como estava impaciente, como tentava parecer relaxado e
curtir a ocasião, porém sem conseguir deixar de ter uma ruga de preocupação
em sua testa.
Mais tarde, depois que todos foram embora, estávamos Kyra e eu juntas
numa mesa enquanto tudo era desmontado, e eu não resisti a desabafar com
ela.
— Dani está estranho.
— Quando é que ele não foi? — ela ironizou, e eu a fuzilei com o olhar.
— Mas concordo, ele estava mais estranho do que o normal.
— Sério, Kyra, deixe suas rusguinhas de lado e tente parecer preocupada
com meu irmão pelo menos uma vez!
Ela fez careta, tomou o resto do champanhe e fingiu me dar atenção. Eu
admito que Daniel nunca teve paciência alguma com ela, mas também não o
crucifico por isso, porque, mesmo sendo amiga e a amando como se fosse
minha irmã também, Kyra teve uma fase do cão na adolescência. De repente
a garota calada, magrela e bocuda se transformou em um mulherão que fazia
os homens todos babarem, mas tinha um gênio do capeta. Enquanto ela foi
uma menininha tímida e calada, Daniel a tratava bem, mas, depois que ela
passou a perceber o quanto era bonita e o quanto isso lhe dava poder com os
caras, ele passou a evitá-la e a condená-la por isso.
Meu irmão é muito tradicional!
— Daniel David é um chato! — Kyra rebateu meus pensamentos. — Eu
tenho pena de Bianca por tê-lo que suportar agora na mesma casa.
— Kyra...
— Eu sei, eu sei — ela me interrompeu —, ele é um ótimo irmão, admito,
mas ainda assim é entediante. — Kyra se aproximou de mim e sussurrou: —
Daniel deve trepar de meias e com gel no cabelo para não desarrumar os fios.
Não resisti e gargalhei com a visão que se formou em minha mente. Sim,
era bem a cara do Dani o que ela acabava de descrever.
— Seu primo não o acha entediante...
Kyra ficou séria.
— Millos tem um lado sério e certinho como o do Daniel, pelo menos ele
se força a ter — não entendi bem o que ela quis dizer com isso, mas
concordei. — Teve uma época que eu achei que ele fosse gay e não quisesse
assumir por causa do pappoús.
Quase me engasguei com a bebida que tinha acabado de colocar na boca.
— Millos gay? Será?
Ela deu de ombros.
— Bom, desconfiei uma vez do Dani também... — Kyra abriu um sorriso
malicioso. — Tudo o que eu fazia que excitava os caras parecia não funcionar
com ele...
— Você tentou seduzir o meu irmão?! — foi realmente uma surpresa
enorme saber daquilo.
Ela deu de ombros novamente.
— Eu estava sem controle naquela época, você sabe, então...
Comecei a rir imaginando os dois juntos. Sem chance!
— Ainda bem que não rolou nada! Já pensou agora você fazendo o
casamento dele com outra? Ia ser constrangedor.
— E ia parecer vingança quando os dois se separassem. — Ela ergueu
uma de suas sobrancelhas maldosas.
— Para com essa merda! Isso é coisa da sua cabeça, esqueça!
Kyra virou o resto do champanhe e se levantou para ajudar sua equipe,
que trabalhava desmontando as coisas da festa.
— Depois não diga que não avisei!
Fiquei por um bom tempo sentada sozinha à mesa, pensando na conversa,
analisando todos os fatos sobre o nosso passado, sobre o que a Cida disse em
um dos nossos desjejum juntos, e meu coração se apertou ao imaginar que
Dani pudesse ser gay e estivesse se casando só para manter as aparências.
Isso seria muito triste se fosse verdade! Ninguém deveria se obrigar a viver
uma vida de mentira, ser e fazer infeliz no percurso.
Eu espero que não seja esse o caso, porque me dói pensar que ele esteja se
reprimindo para se encaixar em um molde de “normalidade” que não existe.
Eu quero que meu irmão seja feliz, e não o vi assim durante a cerimônia.
Algo de errado está acontecendo, e não saber, não ter a confiança dele
para dividir comigo o que o está frustrando me deixa magoada.
— Samara está cansada... — Diego anuncia já se levantando, e eu tomo
um susto com sua reação inesperada. — Nosotros vamos embora.
— Já tão cedo? — Laura pergunta com um biquinho. — Chegamos tão
atrasados que nem pudemos conversar melhor.
— Aposto que não faltará ocasião, não é, Alex? — Kyra questiona, e,
para quem não a conhece, pode parecer uma pergunta inocente, mas eu noto
cada alfinetada que ela dá no irmão.
Encaro meu amigo e sinto o corpo todo arrepiar ao chocar meu olhar com
o dele. Uma energia forte, como aquela da noite em que ele me beijou e tocou
minha pele nua, percorre-me de cima até embaixo, concentrando-se no meio
das minhas coxas.
Ele está sério, um tanto incomodado, seus olhos parecem arder com
algum propósito, como sempre ficam quando ele cisma com algo.
Diego pigarreia, e eu desvio a atenção.
— Vamos ahora! — Diego sai praticamente me arrastando do
restaurante, e sinto um arrepio cruzar meu corpo, pois nunca o vi desse jeito.
— O que aconteceu ali? — Diego indaga de repente.
Meu coração dispara, porque sei que ele está me questionando sobre
Alexios e mim; não imaginava que ele tinha percebido qualquer coisa.
— Como assim?
Ele bufa de raiva e acende um cigarro. Eu achei que ele tivesse largado o
vício há algum tempo, mas, como não quero enveredar sobre o assunto que
ele começou neste momento, não emito nenhuma opinião sobre ele ter
voltado a fumar.
Entramos no carro mudos, e eu dirijo até o Castellani sentindo o clima
pesado no ar. Várias vezes o olho de esguelha e o noto olhando pela janela ou
para o nada. Percebo que a situação já foi longe demais e que preciso fazê-lo
entender que nós terminamos de uma vez por todas.
— Eu quero conversar com você sobre...
— Yo sé! — ele me corta, sua voz alta. — Carajo! — Encara-me. — No
puedo creer que quieras dejarme por ese estúpido hijo de puta!
— Diego, não estou te deixando por ninguém...
— No! No soy ciego! — Ele balança a cabeça enfaticamente. —
Hablamos sobre todo das nossas vidas, pero nunca tivemos una sola palavra
acerca de Alexios Karamanlis!
— Não tem a ver com ele. — Pego suas mãos. — De verdade! Eu só
percebi que não é justo eu dar a você menos do que merece.
— Siempre quise ser el dueño del brillo en sus ojos, pero hoy descubrí
que ya le pertenece a alguien. Lástima, te darás cuenta de que ese mocoso
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arrogante nunca lo mereció.
Não consigo articular uma só palavra para responder a isso e o vejo sair
do carro e andar pela garagem em direção ao elevador sem poder me mover.
Sabia que nosso término não seria fácil, que iria doer, pois somos amigos, e
eu tenho um carinho enorme por ele, mas nunca pensei que, além da mágoa,
haveria tanta raiva.
A decisão de não dar prosseguimento ao relacionamento nada teve a ver
com Alexios. Claro que o fato de eu ainda ser apaixonada por ele contribuiu
para que eu enxergasse que não quero para Diego o que não quero para mim.
Ele merece mais! Merece ser amado completamente, e eu, no momento, ainda
não posso lhe dar essa entrega. Contudo, preciso fazê-lo entender que não
terminei com ele por causa de quem quer que seja.
Pelo contrário! A decisão é sobre mim, sobre tomar de volta o controle da
minha vida, independentemente de um homem. Fiz muitas coisas movida
pela frustração de não ser correspondida por quem eu amava e agora percebo
que não fiz a mais importante: me amar.
Diego não conseguirá entender isso, tenho certeza, mas não posso
permitir que ele pense que está sendo trocado por outro, porque isso não é
verdade.
Saio correndo do carro, entro no elevador de serviço e invado meu
apartamento, estancando ante a cena da mala aberta em cima da cama e de
Diego dobrando suas camisas.
— Eu não estou trocando você por ninguém! — disparo.
Diego ri e dá de ombros.
— Negue o quanto quiser, pero sei que é mentira! Vi os olhares trocados,
percebi o ciúme em cada palavra dele. No soy um tonto e no seré um
cornudo.
Arregalo os olhos, e meu coração se aperta.
— Isso não aconteceu. Estou há dias tentando te convencer de que nosso
relacionamento acabou e...
— Para abrir las piernas para él? — Diego se aproxima de mim, e, pela
primeira vez desde que nos conhecemos, sinto medo. — Me dijeron que no
debía tomarme en serio a una brasileña, son buenos para follar, pero no
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valen la pena.
A ofensa me atinge como se fosse um soco na cara. Não fiz nada
proposital, não o enganei, pelo contrário, assim que percebi o que ainda
sentia por Alexios, tentei ser sincera com ele, mesmo achando que não rolaria
nada entre mim e meu amigo.
— Vá embora! — digo trêmula, entredentes.
— Já estava indo! — Ele pega a mala. — No se preocupe, vou tirar
minhas coisas do seu apartamento em Madri e deixar las llaves com Gisele.
Concordo, pois minha vizinha já possui uma cópia das minhas chaves e
não há problema em ficar com mais uma. Seco o rosto, coração moído, afinal
estávamos juntos há mais de um ano, tinha-o como um amigo acima de tudo,
e a forma com que terminamos tornou manter qualquer tipo de relação com
Diego impossível para mim.
Gargalho com a figura que ela me manda junto à resposta, uma caveira
sentada na cadeira esperando.
“Estou saindo daqui, não precisa morrer de esperar!”
O emoji escolhido dessa vez por ela é a de uma piscada com a língua de
fora.
Guardo o celular no bolso e saio sorrindo da sala de reuniões. Adoro essa
interação com Samara, não tenho isso com mais ninguém, ela me deixa leve,
feliz, como se toda a raiva acumulada dentro de mim desaparecesse por
algum tempo. Só ela consegue isso, é assim desde que meu tormento
começou na infância.
Encontro-me com Millos na portaria, saindo apressado, parecendo tão
aéreo que nem mesmo nota que suas mangas da camisa estão enroladas, e
suas tatuagens, de fora.
— Ei, algum problema?
— Não, tudo certo! — sua resposta não me convence.
— Millos, o que está acontecendo?
— Nada.
Vejo-o sair em disparada, acentuando ainda mais minha percepção de que
algo estranho aconteceu ou está acontecendo com ele. Bom, cada um com
seus problemas! Eu entendo que há situações para as quais nós mesmos
precisamos buscar soluções.
Dirijo até o Castellani, e, mal estaciono na frente da garagem do prédio,
Samara salta para dentro do carro.
Encaro-a, olhos arregalados, sem entender o que ela pretende.
— Só faltou a touca ninja! — debocho, rindo.
Ela faz careta, mas posso ver que está tentando não rir.
— Não sabia o que vestir e estava nervosa. — Ela abre a bolsa de lona
que trouxe, e vejo inúmeras lanternas. — Acha que alguma dessas vai servir?
Gargalho sem me conter.
Estamos indo para o local que foi um verdadeiro inferno na minha vida,
onde há poucos dias não consegui passar do salão principal, tanto que os
fantasmas de lá me incomodaram, e ela consegue me fazer rir!
Olho-a de cima até embaixo, desde os cabelos preso em um coque,
passando pela blusa de mangas longas e gola alta, a calça de malha – dessas
de malhar – e as botas. Tudo preto, inclusive as luvas de couro que traz em
suas mãos. Ainda bem que não as calçou, porque senão iriam pensar que
estávamos indo cometer crimes!
— Eu pretendo estar fora daquele local antes que a noite chegue.
Samara balança a cabeça.
— Como você pode fazer cálculos de engenharia e não conseguir calcular
tempo? É óbvio que vamos demorar muito por lá! Vamos vasculhar cada
canto, cada cômodo, e, pelo que você já deu a entender, a tal casa é grande.
Sou obrigado a concordar com ela e fico sério, imaginando como seria
voltar para aquele sobrado à noite, exatamente o período de mais movimento
e onde as piores coisas aconteciam.
De repente Samara tira dois bonés pretos da bolsa e estende um para mim.
Enrugo a testa quando uma lembrança se insinua, então sorrio ao pegar a
peça.
— Os exploradores do Bloco C! — exclamo. Samara sorri, os olhos
brilhando, e eu percebo o que ela está tentando fazer com a roupa e agora
com os bonés. — Você quer que eu me sinta em uma aventura, como quando
éramos crianças e explorávamos a garagem e a casa da piscina de madrugada.
O sorriso dela se alarga.
— Já que temos que ir lá, por que vamos entrar como se estivéssemos em
uma cova? Não! Eu sei que o assunto é sério e importante, mas podemos
enxergar como uma caça ao tesouro, e o prêmio é descobrir finalmente algo
sobre seu passado. Não vamos deixar que os fantasmas e as lembranças
doloridas pesem mais do que o necessário. Vamos entrar lá, enfrentar tudo e
ainda sair com respostas.
Meu coração dispara, e me sinto um privilegiado por ter a amizade dela.
Sinto os olhos apertarem e os cantos da boca repuxarem de leve. É, estou
sorrindo de verdade, e ela é uma das poucas pessoas que consegue isso.
Coloco o boné, sentindo-me meio idiota, mas adorando ver as coisas sob
essa nova perspectiva. Ela tem razão, não tem por que darmos mais peso a
algo que já é pesado. Abro o compartimento onde guardo os óculos de sol e
os coloco.
Samara ri e pega os dela.
Porra! Eu queria beijar essa mulher agora até perdemos a razão!
— Está pronta para entrar no salão do capeta?
Ela ri, sopra o ombro e depois confere as unhas pintadas de preto também.
— Nasci pronta, baby!
Ô, se nasceu! Arrumo-me no banco do motorista, incomodado com meu
pau apertado na calça jeans e ligo a seta para voltar à estrada. O perfume dela
enche o carro, sua presença é suficiente para me deixar desperto e esfomeado.
— Eu queria trepar com você nesse instante!
Samara engasga, e eu gargalho. Não tinha a intenção de soltar isso assim
do nada, mas, já que já saiu, foda-se!
Sinto seus olhos manjando o volume nas minhas calças, e isso faz meu
pau se contorcer. Ela geme, pigarreia e liga o som. O refrão de Closer, da
banda Nine Inch Nails quase nos ensurdece, e ela desliga o aparelho o mais
rápido que consegue.
Paro no sinal vermelho e a encaro, sorriso malicioso, tesão refletindo nos
olhos.
— Acho que a banda concordou comigo.
Samara enfrenta meu olhar.
— É? — indaga provocante. — Como um animal?
Ela leva a mão até minha ereção, e fecho os olhos com a carícia deliciosa.
— Se você quiser! Eu só quero foder você, não importa como.
O sinal abre, e ela tira a mão quando um apressado filho da puta dispara a
buzina do carro. Respiro fundo, volto a dirigir, mas percebo que ela adorou a
brincadeira e a interrupção.
Gostei disso! Ter a mão dela sobre meu corpo foi algo inesperado, mas
completamente bem-vindo!
Preciso de mais!
21
I want to fuck you like an animal!
Puta merda! Apresso-me a desligar o som do carro, resistindo à enorme
vontade de gargalhar de mim mesma. Alexios consegue me desconsertar e
me excitar ao mesmo tempo. Estávamos aqui, falando em deixar nossa
exploração do tal sobrado mais leve, e, de repente, ele dispara que quer trepar
comigo, como se essa frase fizesse parte do contexto da conversa.
Adorei ouvir isso! Já sabia – óbvio, diante de todas as carícias e todos os
amassos que já demos –, porém, ainda assim, adorei ouvi-lo soltar a frase
quase como se estivesse pensando em voz alta.
Só não soube como responder. Não sei ser direta, nunca fui assim, então,
como a idiota que sou, resolvi ligar o som, e a música não poderia se encaixar
melhor ao momento.
Alexios comenta o mesmo que pensei agora:
— Acho que a banda concordou comigo.
Encaro-o. Estamos parados no farol vermelho. O carro dele é blindado,
com película preta em todos os vidros. Isso me ajuda a tomar coragem e agir
de um jeito que nunca pensei em fazer, mas que agora acho que é o momento
de começar.
Ele merece um pouco do próprio veneno!
— É? — minha voz sai sussurrante. Passo a língua timidamente pelos
lábios. — Como um animal?
A calça dele se move novamente, como a vi fazer antes, seu pau pulsando
sob o tecido grosso. Sempre quis tocá-lo, sempre quis saber se era verdade o
que as outras garotas comentavam sobre ele ser magro, mas ter o pênis grosso
como um braço.
Deve ser um total exagero, mas por que não comprovar?
Sem pensar duas vezes, toco-o, arrastando a mão sobre sua ereção, os
pelos do meu braço arrepiando-se pouco a pouco até que a sensação chega à
minha nuca e eriça os poucos fios soltos que não consegui prender no coque.
Membro duro como pedra, grosso com certeza e muito quente.
Aperto um pouco as coxas, excitada e úmida. A fantasia de me sentar
sobre seu colo enquanto dirige é deliciosamente perversa.
Eu queria ser perversa assim também!
— Se você quiser! Eu só quero te foder, não importa como.
Perco o fôlego e já o imagino realizando todas as minhas fantasias,
ensinando-me coisas que nunca vivi com nenhum outro parceiro, mostrando-
me como Alexios Karamanlis trepa.
Sim, eu quero isso, e quero agora!
Uma buzina alta, disparada longamente, assusta-me, e eu tiro a mão dele.
O farol já abriu, mas não percebemos, então Alexios volta a dirigir.
Ao que parece, decidi sobre arriscar ou não um envolvimento sexual com
ele. Quero! Sempre fui curiosa sobre ele na cama, ouvi histórias, morri de
inveja e ciúmes, então por que agora não aproveitar?
Não saí de casa com essa intenção hoje, e realmente o que disse sobre
estar ansiosa sobre a ida até a mansão dos horrores era verdade. Troquei de
roupa várias vezes, calcei tênis, depois sapatilhas e, por fim, decidi pelos
coturnos. A roupa toda preta de malha me lembrou de quando brincávamos
no prédio de explorar locais escuros e vazios e como cumpríamos desafios
propostos pelas crianças dos outros blocos.
Kyra, coitada, morria de medo, mas ia, enquanto Alexios e eu, e, por
algum tempo, o Tim adorávamos a aventura. Era uma época boa, éramos
crianças normais, brincando e sendo felizes. Pena que durou pouco.
Saí do meu apartamento correndo e entrei na primeira loja em que
encontrei bonés. Comprei dois pretos, esperando que ele se lembrasse e que
isso lhe trouxesse mais leveza e alegria, pois, se entrássemos naquele local
temerosos, ele iria nos engolir, por isso era necessário que não levássemos
tudo tão a sério, mesmo que fosse.
Já próximo ao local, um bairro bem estranho ao qual nunca vim, noto
Alexios mais tenso, a mandíbula apertada, as mãos firmes no volante do
carro. Ponho a mão sobre sua coxa e faço pequenos movimentos, acariciando
devagar. Vejo seus olhos repuxarem um pouco.
— Quando foi que você ganhou massa muscular? — puxo um assunto
qualquer para distraí-lo. — Você era tão magrinho e, de repente, apareceu
cheio de gominhos na barriga, braços definidos e essas coxas...
Alexios gargalha.
— De repente? — sua voz soa indignada. — Levei anos malhando,
tomando suplemento e fazendo dieta para conseguir o que você acha que
apareceu como mágica. Chicão me ajudou porque eu inventei de tomar
bomba e, quando ele descobriu, fez um sermão da porra.
— Chicão é ótimo! Ele contribuiu muito para o homem que você se
tornou, é um bom exemplo.
Ele faz careta.
— Sim, reconheço isso, mas bom exemplo? — Gargalha. — Aquele filho
da puta queria me tornar zen budista, vegano e praticante de ioga. — Agora
sou eu quem gargalho com a mera ideia. — Os conselhos, o esporte, a forma
como me ajudou a crescer sem precisar tomar bomba, sim, foram ótimos, mas
se eu não tivesse personalidade, ele teria me transformado em uma cópia sua:
todo zen, mas safado ao extremo!
Arregalo os olhos.
— Chicão é safado ao extremo? — Surpreendo-me, pois ele sempre foi
muito respeitoso comigo e com Kyra. — Confesso que ele é muito bonitão,
charmoso, se cuida muito e, por onde anda, vejo mulheres – não importa a
faixa etária – babando por ele, mas nunca soube de...
— Ele é discreto, mas, pode crer, não vale nada!
— Pior do que você? — provoco.
Alexios me olha de esguelha e, com um movimento rápido, puxa minha
mão em sua coxa de volta para seu pau.
— Bem pior...
O gemido que solto é involuntário, apenas de prazer. Essa energia sexual
que me percorre toda vez que o toco, ou o ar vibrante cada vez que estamos
no mesmo ambiente são coisas que eu já li em livros ou vi em filmes, mas
que nunca vivenciei.
Faço o mesmo movimento que fazia em sua coxa agora em seu membro –
que incrivelmente continua duro – e escuto sua respiração mais ruidosa.
— Isso está sendo uma tortura! — Ele para o carro e me olha. — Não sei
como estaremos após nossa aventura no inferno, mas eu preciso que você
diga quando.
Sorrio.
— Deixa acontecer.
Ele se surpreende, e eu tenho vontade de vibrar com minha atitude. Para
que planejamento? Tudo sempre foi tão planejado na minha vida, quero
coisas diferentes!
Alexios me puxa pela nuca e come minha boca com fome. Sim, ele come
meus lábios, morde-os, chupa minha língua, geme, lambe... Uau! Os dedos
estão enfiados em meus cabelos presos, a mão me mantendo firme contra ele,
a outra fazendo a mesma coisa que a minha, só que em mim.
Eu sei que seria muito non sense, mas queria estar de vestido. Queria
sentir a mão dele, que agora acaricia meu sexo por sobre a calça de malha,
diretamente na minha pele. Eu abriria seu zíper – faço isso enquanto fantasio
–, pegaria em seu pau – nós dois gememos quando toco a pele macia e quente
e sinto a dureza molhada –, e ele me puxaria para seu colo, encaixando-se em
mim, liberando minha entrada apenas jogando a calcinha de lado.
Ouço um barulho de algo elétrico, e, como se ele lesse meus
pensamentos, sou erguida e encaixada exatamente onde eu gostaria de estar.
Porcaria, queria um vestido!
Olho para baixo e salivo. Seu pênis grosso é claro, e a ponta vermelha
brilha molhada, enquanto mais uma gota translúcida se forma na pequena
fenda da cabeça. Alexios está sentado, e sua ereção passa com sobra de onde
deve estar seu umbigo por trás da camisa.
Toco-o novamente, curiosa, querendo ter ideia do tamanho, questionando
se caberia bem dentro de mim. Nunca vi nada assim, pelo menos não
pessoalmente. Circundo-o, admirando a circunferência, as veias altas que
consigo sentir na ponta dos meus dedos e a forma como, a cada movimento
meu, ele reage de volta.
É muito grande!
— 22 centímetros.
Arregalo os olhos.
— O quê? — rio nervosa.
— Você disse que é muito grande, e eu te informei a medida.
Fico imediatamente vermelha, pois não tinha me dado conta de que tinha
falado em voz alta.
— Você fica o medindo?
— Não, deixei de medir no começo da adolescência — diz como se fosse
a coisa mais natural do mundo. — Mas já mediram depois de adulto.
Sua arrogância quanto ao assunto não passa despercebida. É óbvio que ele
sente orgulho do tamanho de seu membro e gosta do quanto impressiona.
Safado convencido! Sinto o ciúme me roer ao pensar na mulher que o mediu.
— Você deve se sentir por causa disso! — provoco-o.
— Na verdade, não, Samara. É complicado quando se tem um pau de 22
centímetros e a maioria das bocetas por aí têm uns 15 de profundidade.
Sobram sete centímetros que, ou se aprende a controlar, ou se machuca a
parceira.
Penso sobre o que ele me diz e concordo. Esteticamente é bonito, mas
realmente não deve ser muito prático.
— É como um carro grande — ele continua. — No começo é complicado
parar em qualquer vaga, mas, depois que se pega o jeito, qualquer buraco é
estacionamento!
— Que horror!
Rimos juntos, e ele volta a me beijar, porém com menos desespero,
apenas saboreando a sensação de nossos lábios juntos. Não é de caso
pensado, mas, quando percebo, já estou rebolando sobre seu colo,
pressionando seu pau entre mim e ele, subindo e descendo, usando o tecido
fino e macio da malha da calça para masturbá-lo.
— Rebola, gostosa! — Alexios fala ainda com a boca na minha e segura
meus quadris, adicionando força ao movimento, esmagando-me contra ele.
Um grupo de pessoas passa na calçada, falando e rindo muito, e eu travo,
abro os olhos assustada, e ele ri.
— Já tínhamos chegado, mas suas carícias me fizeram esquecer o que
viemos fazer. — Concordo, pois o mesmo aconteceu comigo. — Preciso
estar dentro de você, ouvir seus gemidos, sentir suas unhas na minha carne
enquanto me afundo devagar, medindo sua boceta com meu pau, procurando
o encaixe perfeito para te fazer gozar como uma louca.
Seguro o fôlego e sinto o corpo todo tremer. Sinto que poderia gozar
como uma louca agora por muito menos do que ele acabou de falar, apenas
com a fricção do meu sexo contra o dele, de roupa, apertados neste carro.
Merda, eu queria um vestido!
Alexios respira fundo e olha para o outro lado da rua. Acompanho seu
olhar e vejo o sobrado, antigo, todo fechado, as janelas com tapumes e uma
enorme grade na porta principal. Movo-me para sair de seu colo, mas ele me
detém.
— Podemos voltar outro dia e ir para algum local terminar o que
começamos aqui.
Nego, mesmo tentada.
— Estamos aqui, vamos entrar; depois terminaremos o que começamos.
Onde você quiser.
Ele sorri maldoso.
— Tenho uma promessa?
— Tem! — Abraço-o e novamente ajo por impulso. — Ainda hoje você
poderá fazer todas as sacanagens que gosta comigo.
Alexios geme.
— Samara... — ele me adverte. — Não mexe comigo, você não me
conhece, não na cama.
— Cama? — Levanto a sobrancelha e saio de cima dele. — Que coisa
mais quadrada... esperava mais criatividade.
Pego a sacola de lona, ajeito minha roupa e dou uma piscadinha antes de
sair do carro. A expressão sombria que tomou conta do rosto dele quando
olhou a construção sumiu, e Alexios tem os olhos sorridentes.
Puxo o ar profundamente e vou soltando-o devagar. Apesar dessa
deliciosa interação dentro do carro, sei que o clima irá mudar assim que
abrirmos os portões que trancam esse lugar tão fortemente quanto um
presídio.
— Pronta? — ele me pergunta antes de pegar minha mão e atravessarmos
juntos a rua.
O tilintar das chaves quando Alexios saca o chaveiro do bolso faz com
que eu o compare a um carcereiro, e um frio perpassa meu corpo, fazendo-me
estremecer.
Não faço ideia de como ele está se sentindo, mas imagino que
infinitamente pior do que eu, afinal, esse lugar fez e ainda faz parte de sua
história de vida. Dentro dessas paredes antigas, com pintura desgastada e
muitas pichações, podem estar todas as respostas que ele um dia buscou.
Grades abertas, Alexios abre a porta principal, duas folhas enormes e
pesadas de madeira maciça, ao que parece. Suas dobradiças enferrujadas
rangem quando ele força a abertura, e eu instintivamente me preparo para ver
a vermelhidão do fogo, sentir o cheiro de enxofre e a quentura do inferno.
— Só falta aparecer o cão Cérbero! — comento adentrando o hall,
lanterna na mão, porque, mesmo de dia, com todas as janelas tampadas não
dá para enxergar nada. — Que cheiro horrível!
— Com certeza algum bicho se decompondo.
Tremo.
— Espero que seja mesmo um bicho.
Alexios passa o braço sobre meu ombro.
— Você não precisa fazer isso, Samara.
Paro e olho para ele.
— Não, não preciso, mas quero e vou. — Entrelaço minha mão na dele.
— Contigo!
Seguimos andando. Um grande salão aparece, cheio de prateleiras de
vidro e espelhos. A maioria está quebrada. O carpete, mesmo puído e
imundo, mostra sinais de que um dia foi da cor do carmim. Não há móveis,
apenas o que restou do balcão do bar em madeira nobre, sem tampo,
provavelmente algum mármore que foi saqueado.
— Como você conseguiu as chaves daqui? Vim pronta para arrombar.
Ele não ri da minha piadinha.
— Kostas é o proprietário.
Pronto, agora, sim, meu queixo está no chão! Konstantinos comprou este
sobrado, aonde os dois passaram anos tentando não ir? Com que propósito?
Que loucura! Sempre achei que Kostas tinha ficado meio esquisito depois que
cresceu – não fisicamente, porque é lindo como um deus grego –, mas estava
sempre soturno, debochado, com uma aura tão escura em volta de si que
chegava a me dar medo.
— Sinceramente, nunca vou entender vocês! — confesso, e Alexios
concorda.
Oh, família complicada!
Paro de pensar nas peculiaridades de cada um dos irmãos e do pai maluco
e abro todas as gavetas que ainda restam na parte de alvenaria do balcão,
onde deveria ser o caixa, bem como olho todas as prateleiras que ainda estão
firmes debaixo desse.
Alexios revira o lixo no chão, à procura de qualquer coisa que possa
indicar nomes ou datas.
— Aqui deveria ter um escritório, não? — inquiro.
Ele pensa por um instante, imóvel, como se puxasse as memórias do
tempo torturante que passou por aqui.
— Não lembro de ter visto qualquer coisa semelhante, mas certamente há.
— Abre uma porta debaixo da enorme escada de madeira. — Chapelaria,
porra!
Ele está impaciente, ansioso. A casa vai ficando cada vez mais escura, e
eu, achando-me muito inteligente, vou espalhando lanternas para todos os
cantos a fim de facilitar as coisas.
— Vou subir — anuncio e piso no primeiro degrau, que range alto.
— Espera! — Alex passa por mim. — Deixe-me ir na frente, não
sabemos as condições desta escada.
Subimos devagar, eu bem distante dele, enquanto ele pisa com cuidado e
depois coloca seu peso sobre o degrau. Apesar de ruidosa, aparentemente a
escada está firme. Dou um berro quando chegamos ao piso superior, pois
uma ratazana – sim, porque é quase do tamanho de uma capivara, só pode ser
a fêmea – passa em cima das minhas botas.
O desgraçado começa a rir com o meu desespero e depois com minha
indignação.
— Eu estava estranhando você tão calma, sabia? — Puxa-me para seus
braços. — Lembro bem do seu pavor de baratas voadoras.
— Por que você acha que vim com os cabelos presos? Sempre tive pavor
de um inseto desses se agarrar na minha juba; nunca mais iria conseguir sair!
A gargalhada dele ecoa pelo lugar sem vida, e eu o toco no rosto. Alexios
fica sério com a carícia, mas não recua ou me impede. Ele é lindo, tem traços
perfeitos, que se complementam. Quando mais novo, reclamava do nariz
grande, mas a maturidade conseguiu harmonizar todos os seus ângulos.
Eu o vi de tantos jeitos, desde o menino loiríssimo, até se tornar o jovem
de cabelos castanho-claros. Acompanhei seu crescimento, assim como ele fez
com o meu. Vi seus primeiros sinais de barba, a voz mudar, as espinhas no
rosto, o aparelho nos dentes, o ganho dos músculos... e cada vez ele ficava
mais lindo. Era como uma pintura de um anjo quando criança, mas hoje sua
beleza transcendeu à figura angelical graças a detalhes másculos que foram
aparecendo com o passar dos anos.
Alexios segura minha mão e a beija, depois faz o mesmo com meu rosto,
fazendo uma trilha de beijos curtos, mas sensuais, até tomar minha boca com
carinho.
— Aqui eram os quartos que os clientes usavam. — Abre uma porta. —
Foi aqui que eu iniciei minha vida sexual, aos 11 anos de idade.
Não consigo esconder o choque dessa revelação, pois nunca falamos
sobre isso. Alexios ficou diferente depois que sua mãe adotiva foi embora,
mas nunca imaginei que Nikólaos o tinha trazido para este lugar tão novo.
Eis os fantasmas!, penso ao entrar no cômodo fedendo a mofo e
bagunçado.
Demônios!
Não são fantasmas, essa palavra não consegue exprimir o que há dentro
deste lugar. Tentei vir sozinho; não passei do salão principal. Era como se eu
tivesse voltado no tempo, vindo para cá para satisfazer a tara do Nikkós e
trepar com as putas que ele selecionava.
Bastou uma vez, e perdeu a graça para ele. Eu não tinha o mesmo
problema do Tim, havia sido criado, até pouco antes de ele enlouquecer, em
uma família aparentemente normal. As garotas – inclusive as putas – me
achavam bonito, então, sim, no começo eu me diverti.
Qual garoto mimado não ia gostar de ter o pai pagando para fazer algo
que lhe dava prazer? Eu não entendia o que estava acontecendo, não tinha um
pingo de maturidade sequer para entender o ato e tudo o que ele representava.
Na minha inocência, estava tudo certo. Se meu pai me mandava foder, eu
fodia; se a puta queria apanhar, eu batia.
Claro que o objetivo de Nikkós não era fazer com que eu me divertisse, e,
antes de encerrar minha visita a este lugar, fez questão de abrir meus olhos,
levando-me para uma sala onde Kostas estava. Eu chorei quando entendi qual
deveria ter sido minha reação e o que havia por trás de tudo aquilo; não era
diversão, era tortura.
Nunca disse a Kostas que o tinha visto, mas passei a olhá-lo diferente,
com mais amor fraterno, entendendo o motivo de ele estar tão sério e quieto e
evitar a todos.
Depois desse dia, Nikkós mudou seu modo de ação e, finalmente,
conseguiu abrir, inflamar e infeccionar uma ferida em mim. E ela ainda
permanece aqui, voltando a sangrar a partir do momento em que pisei neste
lugar, apenas menos dolorida por conta da presença de Samara.
A diferença entre minha primeira incursão até aqui e agora é que, na
primeira vez, eu me desestabilizei, travei e ajudei a terminar o caos que
alguma invasão anterior começara. A parede ao fundo do bar ainda
conservava os espelhos e as prateleiras, então, com um pedaço de madeira
que achei no chão, fiz minha pequena demolição particular.
Eu me sentia um covarde, o mesmo que não fez nada para ajudar o irmão
dentro daquela maldita sala espelhada, o mesmo que enfiou a cara nas drogas
e na zoeira e deixou Kyra desprotegida, por isso a agressividade. Eu queria
explodir o prédio comigo dentro!
— Alex? Tudo bem? — a voz de Samara, a lembrança de que ela está
aqui para me apoiar, consegue diminuir a revolta e a culpa que começaram a
borbulhar dentro de mim. Balanço a cabeça em sinal afirmativo e abro uma
cômoda toda capenga; totalmente vazia.
— Acho que será perda de tempo, Samara.
— É muito cedo para dizer isso — ela prontamente rebate. — Já olhei
outros três quartos enquanto você estava aqui e notei que, ao final do
corredor, perto de uma escada de concreto, há um cômodo trancado.
A informação chama minha atenção, e, antes de eu dizer a ela que não é
seguro ficar andando por aqui sozinha, arrasto-a comigo para o tal quarto.
— Não trouxe um pé de cabra — ela faz graça quando eu pego o cadeado.
— Amadora! — Pisco para ela.
Lembro-me então do enorme e maciço pedaço de madeira que usei para
quebrar o salão principal. Não sei se será suficiente, mas não custa tentar.
Peço a ela que me espere nesse exato lugar onde está e desço correndo.
Demoro a encontrar o pau, mas mudo de ideia sobre ele assim que vejo uma
barra de ferro, provavelmente alguma que sobrou da grade que Konstantinos
mandou instalar e que abandonaram aqui mesmo.
Volto correndo mais uma vez, sem me importar com os barulhos da
escada, mas gelo ao perceber que Samara sumiu.
— Samara! — grito por ela. — Porra, Samara, cadê você?!
— Aqui! — sua voz vem do sótão, e eu sinto meu estômago embrulhar.
Puta que pariu!
Subo as escadas de concreto pisando duro, puto demais por ela não ter
feito o que pedi e a encontro parada, iluminando o enorme vitral colorido.
— Um puteiro com vitral de igreja! Era para disfarçar?
Dou de ombros.
— Não sei, nunca estive aqui.
Ela se vira para mim.
— Nunca? Por quê? Não fazia parte da área “recreativa” da casa?
Engulo em seco.
— Não. Eu só soube muitos anos depois para que usavam “a escola”. —
Ela franze as sobrancelhas com o termo que usei. — Aqui eram iniciadas as
putas, em qualquer idade, principalmente crianças e adolescentes. — Samara
arregala os olhos e põe a mão sobre a boca. — Isso aqui era área VIP, leilões
eram feitos em troca de virgindade, além de servir como local de
armazenamento de drogas.
— Como você soube...
— Quando a polícia encerrou as atividades da cafetina e a prendeu, a
história toda vazou para a imprensa. Eu reconheci o lugar na hora. Logo
depois a casa foi posta em leilão, e o Konstantinos a comprou.
— É asqueroso pensar que existem pessoas capazes de fazer isso.
Crianças! — Ela soluça. — Que tipo de monstro o ser humano pode se
tornar?
— Muito pior que o Capeta que as religiões pregam.
A imagem do homem que me criou me vem nitidamente à cabeça. Sua
voz cortante, seu jeito arrogante, suas bebedeiras e loucuras. Pensar em tudo
o que ele representou a nós três é ter a certeza de que os demônios são
humanos perversos como ele.
— Quero sair daqui — Samara fala de repente. — Vamos descer, abrir
aquele quarto e sair.
Ela desce as escadas rapidamente, e meu coração se aperta, preocupado.
Samara não vivenciou nada disso, sempre teve uma família estruturada, pais
carinhosos, um irmão protetor. Mesmo que ela tenha convivido comigo nos
piores momentos de minha existência, ficava à margem da verdadeira
natureza de Nikkós.
Agora, tendo tudo tão às claras, é normal que ela se sinta enojada e
abalada com tudo isso.
Vou ao encontro dela, trêmula, esperando à porta do quarto trancado. Ela
está se esforçando para cumprir o combinado, mas esse fardo não é dela,
Samara não precisava estar aqui, não precisava ser apresentada a essa
realidade tão crua e cruel.
— Não precisamos fazer isso. — Ela me olha ainda soluçando, seus olhos
úmidos de lágrimas. — Podemos ir embora agora. Essa é a minha história,
Samara, ela é suja, cruel, nojenta, mas é minha, e a responsabilidade de pôr
fim a ela é minha também, não sua.
— Abre o quarto, Alexios.
— Não sabemos por que isso está trancando. Não quero que você sofra
mais do que já...
Samara puxa a barra de ferro da minha mão e, com o mesmo desespero
com que quebrei as prateleiras dias atrás, ataca o cadeado. A porta de madeira
ganha um rombo enorme enquanto ela desconta toda a sua indignação.
Deixo-a; conheço bem o sentimento de revolta e sei que pôr para fora é a
melhor forma de deixá-lo ir.
O som metálico da tranca se quebrando é como o sinal de que já basta.
Toco seu ombro; está quente, a blusa úmida pelo suor causado pelo esforço, a
respiração ofegante. Samara para, deixa a barra de ferro cair e respira fundo.
— Eu poderia matá-lo neste momento por ter submetido vocês a tudo
isso.
Fecho os olhos, impactado por suas palavras.
— Não poderia, não, creia-me. — Abraço-a, e ela chora em meu peito. —
Eu tentei, tinha todos os motivos do mundo, mas não pude. Sinto-me um
covarde por isso, principalmente porque poderia ter evitado muita coisa.
— Você não é covarde, Alexios, nunca foi!
Balaço a cabeça negativamente e dou um bicudo na porta, escancarando-a
de uma só vez.
— Eis o escritório!
Samara se vira para olhar o quarto, ainda todo mobiliado, a cama com a
colcha puída, cheia de traças, os móveis cobertos de poeira e teias de aranha,
um armário antigo, uma cômoda e uma mesa cheia de papéis revirados.
— O quarto da dona?
— Madame Linete — digo o nome sujo antes de entrar.
— Parece que tudo foi revirado — Samara diz, iluminando as roupas e os
papéis pelo chão.
— Polícia. — O desânimo toma conta de mim. — Se eu esperava
encontrar algo aqui, essa é a prova de que não irei. A polícia deve ter levado
todo e qualquer material relevante, como nomes de clientes, contabilidade e
qualquer coisa que pudesse nos dar uma pista.
Samara concorda, mexendo nos maços de folhas amareladas e abrindo
algumas gavetas.
— Contas de consumo de energia, água, bebidas... nada de mais. — Ela
suspira. — Parece que não há mais nada sobre o negócio.
— Não. — Estendo a mão para ela. — Vamos embora!
Saímos mudos. Ela espera eu voltar a trancar tudo. A noite está escura,
sem luar ou estrelas, o tempo carregado como se fosse chover. Meu humor
não está diferente. A vinda até aqui foi uma total perda de tempo, e a mulher
que entrou em contato comigo deveria apenas estar brincando.
Nunca vou saber o que realmente houve!
Entramos no carro mudos. Samara tira o boné, descalça as luvas e as
botas com pressa, mas somente quando arranca a blusa é que eu questiono o
que está acontecendo.
— Estou me sentindo suja com o pó de lá. — Ela se levanta como se não
percebesse que está ficando praticamente nua ao meu lado e tira a calça de
malha. — Eu não quero me contaminar com... — o soluço me faz ficar
preocupado — aquela podridão. — Ela chora. — Me desculpe por isso,
Alexios, mas acho que estou tendo algum tipo de ataque histérico.
Estaciono o carro no primeiro local que encontro, uma rua sem saída,
vazia e, talvez, perigosa. Puxo-a para mim, embalando-a, contendo seu
pranto, deixando-a lavar a alma depois de tudo o que soube. Eu sabia que
seria pesado, que não teria como ela ir comigo e não sentir o que eu sinto.
A diferença entre mim e Samara é que ela consegue expressar, consegue
chorar; eu não. Eu acumulo a raiva e a frustração dentro de mim, a
desesperança, o desconhecimento de algo que sempre foi tão importante, algo
que poderia encher o vazio que trago na alma.
— Psiu... — conforto-a. — Está tudo bem! Acalme-se.
— Desculpe... eu queria ser mais forte, você precisava que eu fosse mais
forte...
— Samara, eu precisava de você. Estou aqui, inteiro, lúcido e sóbrio
porque você esteve lá comigo. Não teria conseguido sem sua companhia,
mesmo me sentindo culpado por ter te deixado assim.
— Não! — Ela me encara. — Você não é culpado, Alexios, por nada,
entende? Nada do que aconteceu, no passado ou agora, foi culpa sua.
Ela atinge o ponto mais dolorido dentro de mim com essa frase. Eu
gostaria de acreditar nisso; tiraria um peso enorme de sobre meus ombros,
mas não posso. Reconheço o que fiz e o que poderia ter feito para evitar
muitas coisas que aconteceram.
— Samara, eu não sou inocente nessa história, eu sabia do que ele era
capaz e, mesmo assim, arrisquei por conta de egoísmo...
Sou calado por um beijo. E não é um beijo qualquer, apenas um cala-
boca, mas um cheio de desejo, desespero e entrega.
Mesmo diante de tudo o que passamos dentro daquele lugar, meu corpo
reage ao dela, minhas mãos deslizam sobre suas costas, apertam suas
nádegas, circundam sua cintura e seguem em direção ao sutiã que guarda os
seus maravilhosos peitos.
Samara geme e se contorce sobre o meu colo. Afasto o banco do volante o
máximo que posso, dando-nos espaço. Ela se inclina para trás quando enfio
as mãos por dentro de seu sutiã. Assisto-lhe se deleitando com o toque, seus
mamilos duros contra a palma das minhas mãos, o corpo ondulando contra o
meu.
Posso sentir seu cheiro, sua excitação, tenho certeza de que já está
molhada. Salivo de vontade de prová-la, de chupar sua boceta para descobrir
seu gosto, brincar com a carne inchada de seu clitóris com a língua, penetrá-
la, comê-la e sumir dentro dela.
Abro o fecho frontal do sutiã e libero os peitos perfeitos, cheios, mamilos
escuros, bicos salientes. Inclino-me sobre ela e tomo um em minha boca,
sugando-o, lambendo, mordendo de leve, enquanto ela segura com força
meus cabelos e geme alto.
É loucura, não conheço este bairro, não sei nem onde estamos parados,
mas não há possibilidade alguma de interromper este momento.
Não era assim que eu pensava em trepar com ela, parecendo dois
adolescentes desesperados dentro de um carro. Contudo, não há força neste
mundo que possa me impedir de possuí-la completamente. Precisamos disso,
precisamos um do outro. Buscar abrigo no corpo dela é a melhor solução para
aplacar todas as cargas negativas daquele lugar.
Eu preciso disso, ela também!
Não penso mais, abro o zíper da minha calça, saco meu pau, que ela toma
imediatamente em suas mãos, masturbando-me com força e rapidez. Travo os
dentes, acelerado de prazer, contendo meus uivos de tesão.
Puxo o prendedor que mantinha seus cabelos presos. Eles estão lisos hoje,
mas ainda assim cheios, fazendo uma moldura perfeita para seu rosto.
Seguro-os firmemente, puxo-os, trago-a até mim guiada por eles, a cabeça
pendente para trás, o pescoço à minha disposição.
Samara se levanta, e eu aproveito para tocar sua boceta. Molhada, puta
que pariu, muito molhada! Afasto a calcinha e afundo o dedo em seu interior.
Meu pau pulsa ante a perspectiva de fazer o mesmo caminho, afundar-se na
maciez molhada e quente de Samara.
— Alexios... — ela geme alto.
— Peça.
— Por favor...
Rio, o dedo médio entrando e saindo enquanto o polegar circula seu
clitóris sem parar.
— Peça!
Samara abre os olhos, as bochechas rosadas em uma mistura causada pela
excitação e a vergonha de falar abertamente o que quer que eu faça.
— Me possua!
Travo a mandíbula, mas o gemido soa alto ainda assim.
— Não vou fazer isso. — Sorrio quando ela arregala os olhos. — Não vou
possuir você, Samara, vou me juntar a você, vou me tornar parte de você. —
Guio meu pau para sua entrada. — Vamos nos possuir.
Ela me recebe lentamente, seu canal apertado se acomodando a mim,
causando sensações foda a cada centímetro. Deixo-a ir sozinha, sem forçar,
dando-lhe o controle de parar quando sentir que não dá mais. Ela não para, e
eu me desespero de prazer, tocando-a profundamente, seus músculos vaginais
apertando-me tão forte quanto sua mão o fez.
Seu quadril toca no meu; ela não se move, nem eu. Sinto espasmos, a
boca seca de respirar forte, os bufos de prazer se tornando cada vez mais
intensos. Nunca foi assim, nunca senti tanto e...
— Camisinha... — gemo a palavra, lembrando-me de que não pus a
proteção, e isso nunca ocorreu antes dela. Porra, que sensação! — Samara...
Ela se move, rebolando curto, mantendo-me ainda todo enfiado dentro de
si. Minhas bolas são esmagadas pela sua bunda. O roçar constante de sua
umidade com a base do meu pau me enche de prazer. Sinto-me febril, o calor
dela me fazendo derreter, tirando qualquer racionalidade ou mesmo juízo.
Foda-se!
Forço-a para cima, afastando-a um pouco de mim, mantenho-a erguida
apoiando seus peitos, apertando-a contra o volante do carro. Finco meus
calcanhares no chão e impulsiono meus quadris, socando em desespero,
rápido, firme, profundo.
Samara grita de puro prazer. Eu rebolo, arremeto e estoco. Ela se agarra
ao forro do teto do carro, seu abdômen contraído, as coxas trêmulas, a boceta
me enforcando de um jeito inacreditável. Então assisto à cena mais foda do
mundo, sua entrega ao prazer sem nenhum filtro ou contenção.
O som de seus gemidos sai como se fosse música, a expressão de seu
rosto é digna de uma pintura, seu corpo retesado, a pele arrepiada, quente e
levemente úmida de suor.
Preciso fechar os olhos para controlar meu próprio gozo. Meu pau desliza
com mais facilidade, sinto a cueca e parte da calça encharcada e sei que isso
está vindo dela, de dentro dela, do prazer dela.
Porra!
Samara cai em cima de mim, e eu tento desesperadamente me puxar para
fora dela, porque sinto que vou explodir a qualquer instante. Ela entende
minha agonia, levanta-se um pouco e acompanha, deslumbrada, minha porra
jorrar e sujar toda a frente da minha camisa.
Relaxo, encosto a cabeça no banco do carro e a encaro.
Samara ri, rosto corado, cabelos despenteados, satisfatoriamente fodida.
— Você é linda! — declaro, e seu sorriso aumenta.
— Somos loucos!
Concordo.
— Acho melhor irmos, nem sei onde parei. — Ela sai do meu colo e se
senta no banco do carona, tentando ajeitar a calcinha e colocar o sutiã. —
Tudo bem?
Samara apenas balança a cabeça, sem me olhar, visivelmente
constrangida. Fico tenso, não sei o que ela está pensando, agora que o corpo
esfriou e a paixão foi satisfeita. Ela estava vulnerável, em uma clara crise, e
talvez eu tenha errado ao ter feito sexo com ela.
Samara tem um noivo!
A mera lembrança do espanhol e a possibilidade de que ela esteja estranha
assim por causa dele me fazem ferver de raiva. Se ele fosse o homem certo,
ela nunca teria ficado comigo, Samara não é assim!
Ela continua muda, sem me olhar, sem nem mesmo se mexer. Aciono o
motor do carro e saio o mais depressa possível da rua estranha onde ficamos
parados.
Foi uma loucura!
Foi uma delícia!
Mas, porra, o que ela está pensando?!
Que loucura foi essa?!, penso ao estremecer. O calor do momento, da
excitação já não está tão mais potente, e eu começo a pensar na loucura que
acabamos de fazer. Eu nunca fiz sexo dentro de um carro!, sinto-me nervosa
ao pensar sobre isso.
Então, como um clarão, a realidade me atinge, e eu olho para o lado, para
o homem que esteve enterrado dentro de mim, gemendo como um touro, há
instantes.
Eu fiz sexo com Alexios Karamanlis!
A maior e mais longa fantasia que já tive, desde o começo da minha vida
adulta, realizou-se. E, nossa, eu nem cheguei perto de imaginar como seria
realmente. Foi mágico, rápido, quente e muito safado!
Suspiro, pensando que nunca gozei com essa intensidade, nem mesmo
senti tanta fome e vontade de recebê-lo todo dentro de mim. Não foi fácil,
realmente ele é grande, mas a posição e o controle que eu tinha, ajudaram a
achar um modo de tê-lo todo sem me machucar.
Bom... estou latejante ainda, um tanto dolorida, mas incrivelmente
realizada. Contudo, sem saber como agir.
Claro que não sou inexperiente, tenho 31 anos, nada garotinha, mas
reconheço que o sexo louco foi consequência de tudo o que passamos dentro
daquele casarão. Foi um modo de extravasar e expurgar todas as lembranças
e revelações dolorosas.
Agora como vamos encarar isso?
— Vai mesmo entrar no elevador de calcinha e sutiã? — ele pergunta de
repente.
Olho para fora e percebo que estamos próximos ao nosso prédio.
— Nem tinha me dado conta de que estávamos perto. — Sorrio sem
graça. — E você?
Alexios dá de ombros.
— Vamos torcer para que não tenham vizinhos no elevador. — Ele tenta
rir, mas percebo que está um tanto sem graça também. — Qualquer um que
divida um espaço pequeno conosco vai adivinhar rápido o que andamos
fazendo.
Sim... cheiro de sexo, cheiro do gozo.
Visto a blusa com o coração disparado.
Não falamos nada depois, apenas aquelas poucas palavras quando saí de
cima dele e seguimos mudos. Uma incerteza começa a crescer dentro de mim.
Será que ele gostou?
— Está tudo bem? — arrisco a pergunta.
Ele nega e puxa minha mão, mostrando-me que já está excitado
novamente, usando sua ereção para responder à pergunta.
E que resposta!
— Arrependida? — indaga, e meu coração parece pular.
— Não, por que estaria?
Ele não responde, concentrado em entrar na garagem subterrânea do
nosso prédio.
— Não sei, talvez por conta do seu compromisso com o espanhol. Sei que
você não é assim, agiu por impulso e...
Ai, merda!
— Alexios — interrompo-o, e ele me olha assim que desliga o carro. —
Acabou — confesso. — Não tenho mais compromisso, Diego voltou para
Madri sozinho.
Ele demonstra surpresa.
— Quando?
— No dia do nosso jantar juntos. Eu já havia terminado com ele, porém
Diego estava um tanto resistente a isso. Mas, por fim, ele entendeu, e
acabamos. — falo sem dar mais detalhes.
Alexios parece ponderar o que eu disse, e isso me deixa nervosa, pois não
sei o que pode estar pensando.
— Éramos compatíveis, você tinha razão, porém somente isso não era o
suficiente. — Ele ainda não fala nada, e meu nervosismo aumenta. — Eu não
estou pronta para amar alguém ainda.
— Por quê? — ele enfim reage.
— Acho que preciso de um tempo para me amar antes, fazer algumas
coisas que fui deixando para trás por conta de outras pessoas.
Tento ser sincera na resposta, mesmo que omita a parte de estar
apaixonada por ele e, por esse motivo, não conseguir amar ninguém mais.
Alexios não saberia lidar com isso, e essa é uma questão com que apenas eu
posso lidar, não é responsabilidade dele.
— O que aconteceu entre nós... — prendo o fôlego quando ele começa.
— Eu não quero que afete nossa amizade, tenho receio disso. — Concordo.
— Mas não vou mais reprimir o desejo que sinto por você. Só não quero
machucá-la. Você me conhece, sabe que um envolvimento comigo não tem
futuro.
Uau! Dói admitir, mas ele tem razão. Um envolvimento sexual com ele é
somente isso, sexo e diversão passageira. Eu o conheço, talvez mais do que
ele imagine, e reconheço que, do jeito que ele está, ferido como está, não
consegue amar a si próprio, quiçá outra pessoa
— Eu sei — acalmo-o. — Eu quero o mesmo que você, deixar de reprimir
minhas vontades, explorar o que você tem para mim sem culpa, sem pensar
no amanhã. Vamos continuar amigos, com a diferença de que, sempre que
quisermos, poderemos gozar juntos.
Ele sorri.
— Tem certeza?
Assinto.
— E a sua namorada? Eu não quero magoar ninguém também.
Ele ri.
— Não tenho namorada, Samara, e você sabe disso. Laura floreou as
coisas naquela noite, e confesso que me pegou desprevenido. — Ele se
aproxima de mim. — Ela só foi comigo porque eu estava com medo.
— Medo?
Alexios lambe meus lábios.
— De parecer um idiota ciumento ao ver outro homem te tocar.
Merda! Não leva para o coração, Samara!
Ouvir que ele tem ciúmes de mim acende a indesejável esperança de um
dia ele me amar. Reprimo-a, sufoco-a, mandando-me ser realista e deixar de
ilusão. Eu estou entrando em um envolvimento casual com ele, para realizar a
fantasia, perceber que realmente nunca poderíamos dar certo juntos e curar
essa paixonite.
É isso! Estar junto a ele agora vai me desiludir de vez, e aí, sim, poderei
seguir em frente.
— Eu não desejo um amor pela metade, Alexios. Quando chegar a hora,
vou amar e ser amada na mesma medida, por isso não me sinto pronta a me
comprometer com ninguém.
Ele concorda.
— Você merece tudo o que desejar — sinto os olhos ficarem úmidos ao
ouvir isso, pois certamente ele não tem ideia de que sempre foi ele que eu
desejei. — Não posso dizer que lamento a saída do espanhol de campo, já
que gosta tanto de futebol. Não gostei dele desde que pus os olhos naquela
cara comprida. — Rio de sua implicância, mas logo ele muda de assunto,
deixando-me com as pernas trêmulas: — Seu apartamento ou o meu? Quero
trepar com você sem afobação.
Ele pisca, e pondero sobre o que fazer.
Não quero que ele vá para o meu apartamento. Eu sei que parece loucura
isso, mas só habitaram meu espaço homens com quem namorei, com quem
tive algum tipo de compromisso. Sexo casual – os poucos que tive – nunca
foi na minha cama, e, se levar Alexios para lá, poderei confundir as coisas.
Preciso proteger meu coração acima de tudo!
— No meu não, prefiro no seu — respondo, e ele se surpreende.
Sim, eu sei que ele já fez muita putaria por lá, porém não quero que
façamos diferente apenas porque somos amigos. Eu não quero me sentir
especial sem ser de verdade, não quero me iludir.
— Tudo bem — ele responde seco e sai do carro.
Demoro um pouco mais a sair com a desculpa de que estou terminando de
me ajeitar, quando, na verdade, estou avaliando a reação dele. Alexios
pareceu contrariado, como se não me quisesse em seu espaço. Mas ele
ofereceu!
Sento-me no sofá, aliviado por apenas saber que ela está online.
Samara digita devagar ou talvez seja minha ansiedade atacada que está
impaciente.
Sorrio ao pensar nas duas juntas, mas fico sério ao lembrar que ambas são
lindas e que, certamente, algum abusado tentou se aproximar delas.
Que porra de normal é essa? Samara é linda por dentro e por fora, além de
fazer sexo com uma fome e uma vontade de experimentar tudo que nunca
encontrei em parceira alguma.
Fico excitado ao pensar nisso, mas não resisto.
“Um pouco. Acho que estou ficando velha, minhas costas estão
um pouco doloridas por ter ficado o dia todo sobre a
prancheta.”
Levanto-me e sigo até meu quarto, questionando o motivo pelo qual ela
não usa programas de computador, mas prefere fazer alguns de seus projetos
à mão. Ficam lindos, é quase um trabalho artístico e totalmente
personalizado, mas dá uma trabalheira sem fim.
Acho o que estava procurando e saio, indo pelas escadas até o andar dela.
— Isso foi...
— Foda! — completo, e ela concorda.
Depois do gozo, simplesmente tombamos na cama juntos, abraçados, meu
pau amolecendo dentro dela devagar, mas sem nenhuma vontade de puxá-lo
para fora, pois adoro a sensação da boceta dela se contraindo ainda por conta
do orgasmo forte.
Samara passa a mão sobre meu rosto. O carinho me constrange um pouco,
mas não o repilo. Não estou acostumado a isso, sempre que me deparei com
alguma mulher carinhosa, esquivei-me das carícias, mas com Samara, não.
Com ela tudo é diferente!
Perco-me em seus olhos da cor do chocolate, vendo ali tanto que meu
coração se contrai.
— Hoje recebi uma correspondência anônima — solto, quase como se
estivesse hipnotizado pelo olhar sincero dela, contagiado.
Seu sorriso morre, e vejo a preocupação no franzir de suas sobrancelhas.
— Como assim? O que tinha nessa correspondência?
Bufo, puto comigo mesmo por ter lhe contado isso.
— Um recorte de jornal. — Sento-me, separando-me dela. — Samara,
nós não vamos mais voltar àquele sobrado.
— Por que não?
— Não quero te ver daquele jeito de novo. — Ela tenta me interromper,
mas não deixo: — Não sei o que querem me atraindo para lá, mas, se fosse
algo concreto, já teríamos achado. É como buscar uma agulha no palheiro,
não precisamos voltar.
— Tem certeza? — Assinto, e ela suspira. — O que tinha no jornal?
— A notícia do fechamento do bordel.
Samara arregala os olhos e se senta na cama, assustada com o que acabei
de revelar. Eu não esperava reação diferente, sabia que ela processaria essa
informação como se fosse algo muito importante e que, a partir desse
momento, vai insistir para que continuemos a buscar por pistas.
— Não — respondo assim que ela começa a falar. — Nós não vamos
voltar lá.
— Alex, é óbvio que alguém está indicando o caminho. Não podemos
simplesmente ignorar!
Respiro fundo e saio da cama, negando.
— Não sei qual o propósito disso! Aquele lugar esteve fechado por anos,
e nunca ninguém o ligou ao meu nascimento. Por que agora?
— Não sei.
— Pois é! Não vou correr esse risco, Samara, não com você junto.
Samara desvia os olhos de mim, contrariada, e tenho vontade de me dar
um soco por a estar chateando com esse assunto depois dos momentos foda
que acabamos de ter.
Normalmente eu iria embora depois de uma discussão, evitando mais
embates ou simplesmente por falta de saco para ficar próximo da pessoa. Não
com ela! Volto a me sentar ao seu lado e a puxo para meus braços, beijando
sua testa.
— Se, para descobrir sobre meu passado, eu tiver de pôr você em risco,
prefiro continuar não sabendo.
— Mas então você irá sozinho?
Droga, ela é esperta, e eu não tenho como mentir!
Concordo.
— Achei que íamos fazer isso juntos. — Ela se afasta e pega um roupão
em cima de um móvel, visivelmente chateada. — Alexios, eu estou mesmo
cansada, então, se você puder...
Fico surpreso com sua reação, afinal, estou falando em protegê-la, por
isso não quero levá-la comigo. Samara ficou desesperada no local, não
entendo essa insistência em querer voltar para lá.
— Samara, eu acho muito perigoso para você...
— Alexios — ela me corta, séria —, você já tomou a decisão por mim,
então não há nada mais a falar sobre esse assunto, e eu estou mesmo cansada.
— Vai em direção ao banheiro. — Bata a porta quando sair, por favor.
Entra no banheiro, recolhe e traz minhas roupas e faz exatamente o que
me mandou fazer, bate a porta na minha cara. Fico um tempo parado,
olhando para a maldita porta fechada, sem entender o que fiz para que ela me
dispensasse dessa forma. Eu tinha sérias intenções de dormir aqui com ela!
Visto-me rapidamente, ignorando a camisa, e a deixo como pediu, porém,
sentindo um gosto amargo na boca e uma enorme sensação de vazio.
Perdi a hora hoje de manhã, pois passei a maior parte da noite em claro,
refletindo sobre o que aconteceu para azedar o clima entre mim e Samara.
Nunca, nunca mesmo tive uma experiência como a da noite passada e,
pasmem, eu achava que já tivesse feito de tudo no quesito sexo.
Entendo que não foi a performance, mas sim as sensações que Samara me
trouxe que deixou esse gostinho de algo especial. Depois, quando nos
deitamos juntos, eu me sentia acolhido, calmo e até feliz, mas então tive que
abrir a boca e estragar tudo.
Bufo, impaciente, saindo do elevador no andar da K-Eng e dando de cara
com Evandro, um dos engenheiros de minha equipe direta, esperando-me no
corredor.
— Pedi que lhe avisassem assim que você entrasse na empresa — o tom
dele me assusta.
— O que houve?
— O doutor Millos está descendo e pediu para que eu reservasse a sala de
reuniões para vocês dois, pois tem um assunto sério para conversar. — O
engenheiro parece tenso. — Alexios, acho que deu alguma merda com a
Ethernium de novo.
— Falei com a equipe responsável ontem...
— Eles ligaram há pouco cobrando agilidade na impressão das pranchas
dos projetos-modelo. — Evandro suspira. — O Michel está pressionando
todo mundo desde cedo.
Ele mal acaba de falar do marido, e o vejo passar pelo corredor carregado
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de tubos telescópicos , falando rápido com a Lia, ambos parecendo muito
tensos também.
Porra, o que está acontecendo para deixar minha equipe assim?!
Pego o telefone a fim de ligar para Millos, mas logo vejo uma mensagem
do meu primo pedindo para que eu suba até a diretoria, pois não poderá vir
até a K-Eng.
— Ele me pediu para subir até sua sala — informo. — Evandro, acalme a
equipe, por favor, não quero o pessoal fazendo as coisas no atropelo, e, se
puder, não comente sobre Millos com ninguém.
— Pode deixar, Alexios, não comentei e nem vou.
— Ótimo! Vou mantê-lo informado.
Solicito o elevador para ir até o Olimpo e, quando chego, Luiza está no
meu aguardo.
— Bom dia — diz tensa, sem perceber que já não estamos de manhã
mais. — O doutor Millos está à sua espera.
Entro na sala e o encontro de olhos fechados, sentado em sua cadeira,
longe, parecendo que está meditando.
— Millos?
— Alexios, que bom que veio! — a voz dele é lenta, e isso me acelera,
porque sei que, para meu primo estar meditando em horário de expediente, a
coisa não está boa.
— O que aconteceu? Cheguei à K-Eng e encontrei um dos meus
engenheiros a ponto de ter uma síncope.
Millos puxa o ar lentamente e depois o solta de uma vez.
— Perdemos a área da Ethernium.
Arregalo os olhos.
— O quê?! — Imediatamente penso em Kostas, na rivalidade dele para
com Theodoros e em tudo o que está havendo na empresa por conta da
auditoria. — Kostas?
Millos dá de ombros.
— Houve um vazamento de informações, coisa séria, de dentro da
Karamanlis. — Porra! Isso nunca aconteceu, nem sob a gestão do filho da
puta de Nikkós. — A Dédalus conseguiu a área para uma concorrente direta
da Ethernium.
— Caralho! — Levanto-me indignado, pensando em todo o trabalho que
minha equipe e eu desenvolvemos por meses junto com os hunters e vários
outros setores da Karamanlis. — Você já falou com Kostas? Eles não tinham
fechado acordo lá com o governo?
— Ainda não falei com ele e Kika, estava esperando conseguir uma
informação. — Millos treme, a mão cerrada, e vejo a luta que está tendo para
manter seu autocontrole. — O documento que vazou é algo exclusivo da
Karamanlis, que eles usaram para embasar a instalação da empresa e acelerar
o processo de licenciamento.
Um frio sobe pela minha coluna.
— O tal parecer que Konstantinos estava elaborando? — Millos
concorda. — Ele não seria tão...
— Não creio que foram eles, Alexios. — Millos se levanta. — Mas, de
qualquer forma, a bomba vai estourar lá, e, com a empresa passando por
auditoria e o Conselho em cima, não importará muito quem foi, mas sim ver
alguma coisa sendo feita.
Concordo com ele que o momento para isso acontecer foi péssimo.
Procuro soluções, respostas, mas tudo o que consigo pensar é em apagar o
incêndio que essa notícia irá causar.
— Eles pesquisaram várias áreas, não precisamos perder o cliente, o que
seria péssimo para a empresa, só trocar a área por outra.
— Mas e todo o material já feito?
Sim, é uma merda ter que mudar tudo agora, mas não tem jeito!
— Vou conversar com minha equipe e trazê-los para junto de nós nesse
desafio. Vamos conseguir!
Millos põe a mão sobre meu ombro.
— Vou dar a notícia para Kika e Kostas. Não converse agora com sua
equipe, espere para falar com os dois e ver a melhor solução.
— Está certo, vou aguardar aqui.
Millos sai da sala, e então eu exprimo toda a indignação que sinto em um
caminhão de palavrões e um soco na parede.
Não demorei muito na sala da diretoria, pois fui chamado até a K-Eng
para resolver um assunto relacionado a outro cliente. Estava no elevador,
vendo mensagens no celular, estranhando não ter recebido nenhuma de
Samara, e, então, deixando o orgulho de lado e procurando por ela, quando o
elevador parou e de repente Kika entrou, rosto vermelho de chorar.
Ela parecia perdida, destruída, e isso mexeu comigo de uma forma tão
intensa que não pensei duas vezes antes de puxá-la para dentro do elevador e
abraçá-la forte.
— Tente ficar calma — disse, e ela começou a chorar em desespero. —
Eu acabei de saber sobre essa sacanagem, mas nós vamos arranjar um jeito.
Nós continuamos abraçados, mesmo depois que o elevador chegou ao
térreo. Sentia que ela precisava de ajuda para não desmoronar e me lembrei
de Samara e de todos os momentos em que ela fez papel de contenção para
me manter erguido, exatamente como eu estava fazendo com Kika.
— Nossas informações foram passadas para eles, Alexios — falou entre
soluços. — Informações que só seu irmão e eu tínhamos.
— Eu sei. — Sequei seu rosto e tentei animá-la. — Nós vamos descobrir
como isso aconteceu.
Kika ficou tensa e me olhou.
— Não acha que fui eu? — Neguei com veemência. — Por quê?
— Porque trabalhamos juntos há algum tempo já, e eu sei que você não
faria isso e, se fizesse, é inteligente demais para deixar as coisas assim, tão na
cara. — Fiz uma pequena pausa, pensando se Kostas teria coragem de fazer
isso, prejudicar tanto assim a todos apenas para afundar ainda mais
Theodoros. Não, ele está mudado! — Se as coisas estivessem como antes, eu
suspeitaria de Kostas, mas agora sei que não foi ele também.
Kika começou a chorar de novo ao ouvir isso, e eu a abracei forte,
percebendo que ela não teria condições de ir embora sozinha.
— Vou te levar para casa e...
— Konstantinos tinha motivos para desconfiar de mim — ela me
interrompeu, e contou tudo o que meu irmão viu e as suspeitas dele. Kika
ficou surpresa por eu não ter desconfiado dela, mas isso não a ajudou a
melhorar, pois, enquanto eu dirigia para levá-la para casa, ouvia seus soluços
magoados e via muitas lágrimas molharem seu rosto.
Definitivamente essa reação não era somente por conta do trabalho! O
modo como ela falou de Kostas, as coisas que disse que ele viu e desconfiou,
a diferença que percebi nele ao longo do tempo em que os dois estão
trabalhando juntos só me levaram a uma conclusão: ambos estavam
envolvidos, e a coisa era séria.
Por causa dessa constatação, fiquei um tempo parado em frente ao prédio
onde Kika mora, pensando que dificilmente eu iria imaginá-los como um
casal, porém me dei conta de que eram perfeitos um para o outro,
principalmente por serem tão diferentes.
Wilka estava trazendo Tim de volta, e isso com certeza era algo positivo,
porque eu mesmo fui testemunha da morte do garoto sonhador, carinhoso,
cheio de esperanças e doce.
Se ela estava conseguindo ressuscitar o que aquele demônio matou,
certamente teria todo o meu apoio!
De repente, ainda parado dentro do carro, lembrei-me do que vi naquele
maldito salão na casa de Madame Linete, o que as putas falavam para meu
irmão, debochando, esfregando em sua cara que nunca ninguém iria amá-lo
ou querê-lo sem interesse, e percebi o que havia acontecido.
Ele pensa que Kika o traiu!
Liguei o carro e saí cantando pneu como um louco, imaginando que ele
estaria tão quebrado quanto ela. Não sei o que me levou a dirigir até o
sobrado, mas o fato é que cheguei aqui, fiquei um bom tempo dentro do
carro, ponderando se deveria entrar ou não e, quando o fiz, encontrei meu
irmão em frangalhos.
— Kostas? Caralho, o que aconteceu com você?
— O demônio está de volta ao inferno de onde fugiu, mas que nunca saiu
dele! Nunca mais tinha entrado aqui desde que me libertei daquele filho da
puta desgraçado.
Aproximei-me dele e assenti.
— Eu sei. — Olhei tudo em volta, as lembranças de quando vim quando
jovem me enchendo a cabeça. — Só vim aqui uma vez. Acho que o assustei
com minha reação, e ele achou que a técnica de tortura que usou contigo não
funcionava comigo.
Sim, o filho da puta não queria que eu me divertisse, então me mostrou
qual realmente era o propósito disso aqui ao me colocar naquela maldita sala
de espelhos onde Kostas estava.
— Mas ele achou outras, não?
Suspirei, pois nunca contei a ele o que vi naquela maldita noite.
— Achou, ele sempre achava. — Sentei-me ao seu lado. — O que
desencadeou essa visita?
Conversamos, ele saiu correndo, e eu fiquei aqui, exatamente onde estou
agora, cercado de demônios, fantasmas e da minha própria consciência, que
insiste que, na noite passada, cometi um erro ao tentar excluir Samara das
minhas tentativas de descobrir o que houve com minha mãe biológica.
Pego o celular e, sem pensar ou medir palavras, escrevo para ela tudo o
que estou sentindo e termino com um pedido de desculpas por tê-la feito se
sentir rejeitada. Nunca foi minha intenção, eu queria apenas poupá-la de toda
a carga negativa daqui, mas não lhe dei direito de escolha. Esse foi meu erro!
Samara pode parecer frágil, mas, lembrando-me de tudo o que já
passamos, de tudo o que ela viu ao meu lado, tenho certeza de que é mais
forte do que aparenta. Aquela mulher, ainda menina, foi minha fortaleza e
meu ponto forte por anos!
Espero um pouco para saber se ela irá me responder, mas Samara não
visualiza a mensagem. Decido ir atrás dela, disposto a arrastar a bunda no
chão se necessário, mas algo me faz parar e olhar para dentro de um pequeno
depósito do sótão.
Ligo a lanterna do celular e ilumino cada pequeno canto, até notar que o
forro de madeira está deslocado para o lado, deixando uma abertura suficiente
para que alguém coloque ou tire algo de lá.
Casa velha!, penso, ignorando meus instintos, disposto a ir embora. No
entanto, uma armação de metal que foi uma cadeira de ferro algum dia me faz
recuar na decisão de sair, e eu subo nela, postada exatamente embaixo do
forro deslocado.
Esconderijo!
Não dá para ver nada, mas estico o braço e tateio a parte de dentro da
madeira. Meu coração dispara ao tocar em algo envolto em plástico. Tiro o
objeto devagar, a respiração suspensa, a adrenalina por ter descoberto algo
misturada ao medo de não saber do que se trata.
A embalagem plástica nada mais é do que uma sacola, e dentro dela há
uma caderneta, que pego em minhas mãos, sentindo o desgaste do couro da
capa e o intenso cheiro de mofo que se desprende das folhas.
Desço do ferro retorcido, abro-a aleatoriamente e a ilumino com a
lanterna do celular.
Fico lívido.
— Como assim você terminou com o Diego?! — minha mãe fala tão alto
que meu pai faz careta ao ouvir sua voz esganiçada.
— Terminando! — é ele quem responde e toma um olhar fuzilador de
dona Ana. — Não posso dizer que estou triste com isso, mesmo porque seu
irmão me contou que você vem tentando fazê-lo entender o término desde o
ano passado.
Fico sem jeito com isso, prometendo a mim mesma que nunca mais conto
nada para o fofoqueiro do Dani.
— E por que o trouxe para nos conhecer?
— A culpa foi minha! Fui eu quem invadiu o espaço de Samara e o
convidou. — Ele me olha cheio de culpa. — Perdoe-me, filha.
— Tudo bem, pai, o senhor não tinha como ter adivinhado.
— Exatamente! Deveria ter nos falado. Ele veio até ao casamento do seu
irmão, Samara!
— Eu sei, mamãe, desculpe por isso! — Suspiro. — Eu o considerava um
amigo, mesmo que não quisesse mais continuar com ele. Quando chegou aqui
de surpresa, não pensei que seria tão difícil quanto foi, mas Diego fingia não
me ouvir e ainda dizia que eu estava em crise.
— Filho da puta! — papai reage, e mamãe o olha repreendendo-o pelo
palavrão. — O quê? Ele é mesmo! Nunca vi isso, ficar impondo presença
quando a pessoa já disse que não quer mais. — Ele me olha. — Cuidado com
esse homem se retornar a Madri; ele parece meio psicopata.
Rio.
— Não, pai, tenho certeza de que Diego não vai fazer nada.
— Você ainda pretende voltar a Madri? — mamãe pergunta.
Respiro fundo, pensando em Alexios, nos momentos que tivemos ontem e
em tudo o que significaram para mim. Não sei se vou realmente conseguir
manter essa relação em nível sexual, afinal, nunca foi só isso. Somos amigos,
conhecemos muito bem um ao outro; já seria difícil não me envolver só com
isso, imagine sentindo por ele o amor que sempre senti?
Talvez voltar para Madri não seja mais uma opção, mas sim uma
necessidade. Alexios está empolgado com o jeito com que combinamos
sexualmente, mas isso vai passar e, quando acontecer, não restará mais nada.
— Vou voltar, sim, mamãe, tenho uma vida lá — respondo-lhe. — Mas
só retornarei quando a senhora estiver de volta à sua rotina louca de mulher
de negócios.
Ela suspira.
— Não vejo a hora!
Sorrio sem jeito, pensando que, quando isso acontecer, terei que voltar
para a minha vida e deixar essa fantasia que estou vivendo com Alexios para
trás. O que me conforta nisso tudo é que não tenho ilusões sobre um futuro
com ele, sobre ser amada como o amo. Não, não tenho essa ilusão, e isso me
conforta e corta meu coração ao mesmo tempo.
— Não vi o Dani desde que chegou de viagem — comento, mudando de
assunto.
— Eles também não vieram aqui. — Mamãe não esconde sua
contrariedade. — Liguei ontem para a Bianca, mas não me atendeu.
— Ana, eles ficaram alguns dias fora e devem ter retornado à rotina
intensa de trabalho. Soube que Daniel ficou na empresa até tarde da noite
todos os dias desde que voltou. — Ele me olha. — Você não o encontrou lá
ontem e hoje?
Nego.
— Nem sabia que ele estava indo!
Papai franze as sobrancelhas no exato momento em que ouvimos um
barulho de carro estacionando no jardim da casa. Mamãe limpa a boca com o
guardanapo e se levanta antes mesmo que Cida apareça para dizer quem é o
visitante.
— Daniel acaba de chegar — anuncia.
Toda a contrariedade de mamãe vai embora, e seu semblante se ilumina, à
espera de seu filho mais velho.
Meu celular vibra, e aproveito a distração que Dani causou para verificar
minhas redes sociais. Meu coração dispara ao ler a mensagem de Alexios:
“Eu fui um imbecil ontem à noite, Samara. Nunca pensei em ver você do jeito
que vi no dia em que fomos ao sobrado, nem mesmo quando você costurava
meus machucados ou recolocava meus ossos no lugar. Eu fiquei tão
desesperado quanto você, não pelas lembranças, mas por ter te machucado.
Não quero isso, mas percebi agora que me esqueci de todos os momentos em
que você esteve ao meu lado e, admito, eu estava forte naquela noite porque
te tinha comigo. Você me fortalece, Samara, você é minha força. Desculpe-
me por ter sido um idiota machista ontem e ter decidido o que era melhor
mesmo contra sua vontade. Eu preciso de você, então, se quiser continuar
nessa busca insana – e que provavelmente não levará a lugar nenhum – será
um prazer te ter comigo novamente. Sempre!”
Eu não poderia estar mais surpreso do que neste momento!, reflito, ainda
sentado à mesa de reuniões da Karamanlis, onde há pouco estavam reunidos
o Conselho Administrativo, a diretoria e a empresa contratada para auditar a
gestão de Theodoros.
Não, não foi descoberta nenhuma falcatrua ou ingerência de meu irmão
mais velho. O que me deixou aqui sentado, embasbacado, foi ter ouvido e
visto – porque, se alguém tivesse me contado, eu nunca acreditaria – Kostas
defender a permanência de Theo como CEO da empresa.
É certo que achei que ele não se oporia à volta de nosso irmão mais velho
para seu cargo na Karamanlis, mas não esperava que ele defendesse e ainda
propusesse solução para o prejuízo causado pela nota promissória que a
empresa comprou e decidiu não usar.
Assim que ele começou a usar toda sua experiência em oratória, adquirida
por anos e anos de trabalho – tedioso – jurídico, percebi que, ao invés de
botar lenha na fogueira da inquisição de Theodoros, ele o estava salvando de
perder o cargo. Busquei por Millos na sala, boquiaberto, esperando encontrar
meu primo tão surpreso quanto eu, mas o filho da puta parecia tranquilo,
como se nada de mais estivesse acontecendo ali.
Foi um marco, puta que pariu! Será que ninguém percebe que isso
significa algo? Será que ninguém consegue enxergar que, a cada dia, mais
coisas do antigo Tim aparecem?
Meu irmão está se curando!
Eu gostaria de poder saber onde Kika está para parabenizá-la
pessoalmente, porque consertar um Karamanlis fodido não é tarefa fácil para
ninguém, e ela conseguiu, porque isso a que assisti há pouco ou foi um
milagre – e eu não acredito mesmo nessas coisas –, ou foi obra do
relacionamento dos dois.
Theodoros não participou da reunião, mas estava aqui no prédio, e
certamente é com ele que Millos está falando neste momento ao telefone,
informando-lhe que a vaga no cargo máximo do Olimpo continua sendo sua.
Levanto-me da mesa e passo por todos, sem conversar com nenhum dos
conselheiros, disposto a encontrar Konstantinos e conversar um pouco com
ele sobre tudo o que vi e o que encontrei no sobrado. Acho que ele irá se
interessar pela caderneta também, ou talvez não queira se envolver nesse
assunto, pois, como me disse antes, quer zerar sua história e recomeçar.
Desço até o andar onde fica o jurídico e a gerência de hunter e nem perco
meu tempo indo até aquela que sempre foi sua sala, pois aposto que está na
que dividiu com Kika durante o tempo em que trabalharam juntos.
Não, ele não está na sala. Encontro-o parado no corredor, olhando para a
porta como se estivesse perdido.
— Kostas?
— Oi, Alexios — responde sem me encarar. — Toda vez que eu entro
aqui, parece que está faltando algo, sabe? Nada tem luz sem a presença dela.
Faço careta por causa do romantismo exacerbado, mas não o sacaneio por
isso, entendendo que ele ainda não se acertou com a pequena gerente e que
isso o está machucando.
— Eu vim dizer que achei algo no sobrado. — Kostas me olha. — Uma
caderneta.
— Achou algo sobre sua mãe?
— Ainda não sei, ela está em códigos. — Dou de ombros. — Alguém
mais, além de você e eu, tem acesso àquele lugar? — Kostas nega. — Acho
que a pista foi plantada.
Ele arregala os olhos.
— Por que você acha isso?
— Eu a achei dentro de um depósito do sótão. — O semblante de meu
irmão se transforma com essa revelação. — O forro estava afastado, e a
caderna, dentro dele. Contudo, não acho que esteve por lá por 15 anos,
Kostas.
— Sim, a casa foi toda vasculhada pela polícia na época da prisão da
cafetina traficante e, antes de eu arrematá-la, foi invadida e saqueada várias
vezes.
Concordo, pois pensei o mesmo.
— Não sei como alguém possa ter acesso sem as chaves, o local está
fortemente fechado — ele continua. — Minhas chaves ficam muito bem
guardadas dentro de um cofre, e a que você está usando ficava no meu
chaveiro.
— Eu sei, também não entendo como aquilo foi parar lá e por que a
pessoa está deixando essas pistas para mim. Primeiro, aquela mulher aqui na
Karamanlis, depois o recorte do jornal... — Kostas fica curioso, mas eu não
explico — e agora a caderneta.
— Tome cuidado, Alexios, as pessoas envolvidas com aquele tipo de
negócio são barra-pesada, sem escrúpulos ou limites.
Penso em Samara e no perigo em que a expus ao levá-la comigo para lá.
Um arrepio cruza meu corpo, fazendo-me tremer de frio, como se um espírito
pestilento estivesse a me rondar, avisando-me do perigo.
Se eu estivesse sozinho, iria rir e garantir ao meu irmão que não tem
perigo algum, que não tenho medo do que possa achar, mas acontece que não
estou, tenho muito a perder agora, e Samara é alguém muito importante para
que eu a exponha desse jeito.
— Vou tomar. — Ele suspira e volta a encarar a porta. — E Kika? Se
acertaram?
Ele balança a cabeça negativamente e entra na gerência parecendo
carregar um enorme peso. Meu coração se aperta ao pensar que ela não o
perdoou e que, mais uma vez, ele não irá conseguir realizar os sonhos que
tinha quando chegou aqui ao Brasil: uma família.
Todos nós quisemos uma em algum momento de nossas vidas. Kostas
queria se sentir pertencente a algum lugar; eu queria saber a verdade sobre
mim, ter direito à minha identidade; e Kyra queria a mãe. Chorou por meses
quando Sabrina foi embora e depois parou de falar nela, como se nunca
tivesse existido, mas o vazio ficou.
Vou até o elevador, decidido a ir embora e surpreender Samara – que hoje
está trabalhando em casa –, já que ontem tive que cancelar o nosso jantar e
não pude vê-la, pois cheguei a casa às altas horas da madrugada.
Meus olhos se repuxam em um sorriso bobo ao me lembrar das
mensagens que ela me mandou antes de dormir, quando recebeu o arranjo da
floricultura e o bichinho de pelúcia.
“E as flores, gostou?”
“Não, o bichinho foi ideia minha, porque sei que sua mãe
sequestrou o Godofredo e você sente falta dele. Não queria que
se sentisse sozinha essa noite, mesmo que eu não possa estar aí
para te fazer companhia.”
Ela demorou um pouco para responder, mas, quando o fez, percebi o quão
egoísta eu fui com ela por toda minha vida.
Samara,
As coisas hoje não foram bem como eu gostaria. Queria sair
com você para jantar e depois passar a noite inteira trepando
contigo, mas, infelizmente, não posso abandonar minha equipe se
fodendo e fingir que as coisas aqui não estão prestes a pegar fogo.
Contudo, não queria que ficasse sozinha e, como Kyra te deu o
Godofredo, nada mais justo que eu dê a você algo parecido (porém
mais dócil e fofinho de apertar).
Desculpe-me pelo bolo,
A.K.
Confesso que tive que reler o bilhete várias e várias vezes e até duvidei de
que fosse ele mesmo quem tinha mandado, mas já vi a assinatura que ele usa
na empresa, e não era aquela. Nós sempre zoamos seu nome e seu gênio,
dizendo que combinavam.
A.K. é um tipo de arma, e Alexios, na adolescência, era algo tão agressivo
quanto uma. Ele se lembrou de quando o chamávamos assim e assinou o
bilhete para eu ter certeza de que tinha sido ele mesmo quem o escrevera.
Mais tarde, ele me mandou mensagem, ainda trabalhando na K-Eng e
reforçou o que estava no bilhete: a tartaruga era para me fazer companhia, já
que ele havia furado comigo. Nunca imaginei que Alexios pudesse ter tanta
consideração por alguém e, por isso, sacaneei-o perguntando se tinha um ET
dentro dele.
Fiquei tentada a dormir com a tartaruga, abraçada a ela, mas não o fiz. Já
é difícil controlar meus sentimentos por Alex sendo ele como é; se eu
começar a admirar a forma carinhosa com que tem me tratado e toda sua
consideração para comigo, será impossível não criar ilusões.
Coloquei a orquídea na varanda, local onde quase nunca vou, e a tartaruga
dentro do meu armário, junto às malas de viagem.
Doeu-me o coração fazer isso, mas sei que irá doer muito mais se eu
começar a me iludir com a possibilidade de todo esse carinho de Alexios se
tornar algo mais forte e ele me enxergar mais do que só como a amiga de
infância.
Não! Fiz o certo!, penso ao voltar a trabalhar, acertando os últimos
detalhes do projeto padrão da franquia para a qual estou trabalhando – através
da empresa da família –, a fim de poder começar a planejar a estante de livros
de Konstantinos.
Eu não ia pegar o projeto do irmão de Kyra e Alexios, mas, depois que ele
me mandou as fotos do local e os detalhes do que queria, percebi que ele
estava fazendo isso para alguém especial, que era um sonho dessa pessoa e,
por isso, não neguei.
Fiquei encantada com a possibilidade de fazer algo que eu mesma
gostaria de ter em minha casa, um quarto cheio de livros, com poltrona e
iluminação própria para meus momentos de leitura. Fiquei tentada a
desenvolver algo parecido para o meu apartamento, até me lembrar de que
pretendo voltar a Madri assim que o tratamento de mamãe se encerrar.
Graças a Deus, Ana Cohen está indo muito bem nessa nova fase da
quimioterapia, e o médico ainda não viu a necessidade de começar a usar a
radioterapia. Mamãe está decidida a se curar, e isso já é um enorme passo
para sua recuperação. Ela tem andado mais otimista, mais ativa mesmo
durante os dias de medicação e, principalmente agora, com a notícia do
divórcio do Dani, mais presente para a família.
Papai não retornou para a fazenda desde que voltou para casa. De vez em
quando mamãe diz para ele ir, mas ele finge não a ouvir e fica ao seu lado.
Tenho falado com meu irmão todos os dias, na empresa ou por telefone,
pois me preocupo muito com ele e com tudo isso que aconteceu. Ainda não
entendo seu casamento relâmpago, mas sinto que há algo muito sério por trás
disso, que ele não quer revelar.
Kyra continua achando que ele pode ser gay, mesmo depois que eu lhe
contei a conversa que tive com ele sobre o assunto. Sinceramente eu estava
com receio de contar à minha amiga sobre o divórcio, pois sabia que ela iria
dizer que havia avisado que isso iria acontecer.
— Só não previ que fosse acontecer tão rápido! — ela disse às
gargalhadas. — É meu mais novo recorde, menos de um mês de duração! O
ranking era de um que durou seis semanas.
— Coincidências, não se dê esse poder todo! — provoquei-a de volta.
— Estou te dizendo! — Riu. — Vou criar até um slogan: — ela abriu os
braços, exagerada como sempre, chamando a atenção das pessoas à nossa
volta — Quer afundar um relacionamento? Contrate mama Kyra para fazer o
casamento!
Não resisti à criatividade dela, e começamos a rir juntas, sem nos importar
com as outras pessoas que tomavam café silenciosamente na confeitaria onde
nos encontrávamos.
Consigo brincar com o que houve com meu irmão porque, de certa forma,
acho que o que aconteceu foi uma boa solução. Daniel não amava a Bianca, e
acho que ela também não o amava. Sei que ele está contrariado, afinal, se
casou por algo que achava que deveria fazer, mas não está sofrendo, e isso é
prova suficiente de que a relação dos dois já havia morrido muito tempo
antes.
A campainha do meu apartamento soa alto, fazendo-me pular da banqueta
onde estou trabalhando. Confiro as horas; ainda estamos na metade da tarde,
então não pode ser Alexios. Deve ser Kyra.
— Entra, Kyra! — grito sem sair do lugar.
A porta se abre, e Alexios entra carregando uma caixa e um suporte com
dois copos de café. Meu coração parece que vai saltar, e fico petrificada, sem
saber o que fazer ou o que dizer por tê-lo aqui a essa hora.
— Espero que eu sirva no lugar de minha irmã. — Ele pisca. — Mas,
caso não seja suficiente, declaro que trouxe donuts e capuccino.
Ele põe os itens em cima da mesa e vem até onde estou, ergue meu
queixo, abre um sorriso e me beija.
— O que você está fazendo aqui a essa hora?
— Atrapalho muito? — Aponta para meu computador e as revistas em
cima da mesa.
Nego.
— Só não esperava te ver hoje, ainda mais tão cedo. — Ergo uma
sobrancelha. — Você não estava atolado de trabalho com sua equipe?
— Estava não, estou! — Dá de ombros. — Daqui a pouco volto para a K-
Eng para virar a noite lá com eles, mas antes queria vir te ver e aproveitei o
horário para comer algo com você. — Levanta um donut coberto com creme
de limão, meu preferido. — Podemos fazer uma troca...
Sorrio, prevendo safadeza.
— Que tipo de troca?
Sinto a pele toda se arrepiar de vontade quando ele abre seu melhor
sorriso safado.
— Troco essa rosca pela sua rosca.
Gargalho alto, quase caindo da banqueta, e ele enfia a língua no meio do
donut, como se o fodesse.
— Você não vale nada, Alex!
— Nunca tive dúvidas sobre isso. — Pisca. — E aí? Cobertura de glacê
de limão siciliano... — Lambe a cobertura, deixando minha boca cheia
d’água. — Topa fazer a troquinha?
Desço da banqueta e dou uma mordida no donut, respondendo a sua
questão. Ele geme alto e me agarra, beijando-me ainda com o sabor doce e
azedo da cobertura na boca.
Suas mãos não têm nenhum pudor ao subir o vestido que uso e ir direto ao
ponto desejado. Arrepio-me inteira quando ele arrasta suas unhas cortadas no
meu cóccix e depois as desliza para o meio do meu bumbum, parando apenas
para circular o orifício que está tentando conquistar e invadir.
— Nunca fiz isso — confesso.
Alexios para imediatamente, abre os olhos e não esconde sua surpresa.
— Nunca, nunca mesmo? — Confirmo. — Nem mesmo um dedinho?
— Só você até agora.
Ele fecha os olhos e respira fundo. Fico tensa, pensando que ele deve
estar me achando monótona e inexperiente, mas fazer o quê? Não vou mentir
para ele apenas para parecer mais descolada do que sou. Nunca fiz e nem tive
vontade de fazer sexo anal, até ele.
— Desistiu? — pergunto.
— De jeito nenhum — responde de olhos fechados. — Estou louco para
te mostrar isso, mas, como é sua primeira vez, teremos que ter um cuidado
especial.
Faço careta.
— Desculpa pelo trabalho.
Ele ri.
— Está louca? — Pega minha mão e me faz sentir sua ereção pulsando na
calça. — Eu quase gozei só de me imaginar iniciando você nisso, em todas as
brincadeiras e safadezas que podemos fazer juntos. — Sorrio animada. —
Mas não hoje...
— Por quê? — Faço biquinho e aperto mais seu pau latejante.
— Porque preciso providenciar umas coisas, e você precisa fazer uma
preparação para se sentir mais segura.
Concordo, pois já li sobre isso.
— E agora? Como sua rosca sem dar nada em troca?
Alexios abre a calça, deixa seu pau escapulir para fora e se senta no meu
sofá.
— Vem! — Balança o donut. — Senta aqui enquanto te alimento.
Meu corpo esquenta com a imagem de Alexios segurando o donut com
uma das mãos e o pau com a outra. Meu sexo pulsa de vontade, e sinto uma
leve umidade em minha calcinha.
Coloco as mãos por baixo da saia do vestido e retiro a lingerie devagar,
sentindo os olhos dele sobre mim, acompanhando cada movimento. Balanço
a calcinha na mão, assim como ele faz com a rosca, mas depois a lanço para o
lado.
— Delícia de mulher safada, vem aqui!
Ando devagar, olhos nos dele, e paro de frente para onde está sentado.
— É assim? Levanta esse pau e acha que eu devo me sentar?
Alexios desliza seu pé, ainda calçado, pela minha perna e, quando chega
na parte de trás do meu joelho, bate o calcanhar, fazendo-me desequilibrar e
cair sobre seu colo.
— Isso foi golpe sujo! — acuso-o, rindo muito.
— Não, isso foi desespero. — Ergue meus quadris e se encaixa na minha
entrada. — Estou louco por isso desde ontem, frustrado por não ter passado a
noite toda dentro de você.
Não me abaixo, e ele também não se ergue. Sinto sua cabeça inchada
entre meus lábios, mas não o insiro em mim, olhando-o intensamente,
tentando descobrir se o que está tentando fazer é alguma espécie de jogo ou
se realmente sente isso tudo.
Ele não mentiria para mim, e querer trepar comigo a noite toda não requer
sentimentos ou mesmo mudança da parte dele, apenas tesão, e isso nós temos
de sobra.
Rebolo curto, devagar, e ele trava a mandíbula e suas narinas se dilatam.
Faço novamente, e ele geme entredentes. Esfrego meu sexo no dele,
deliciando-me com a sensação de estar sendo lubrificada com meus próprios
fluidos, excitada ainda mais ao ver sua reação violenta ao prazer que isso lhe
dá.
— Caralho, Samara, senta e acaba com essa tortura!
Nego e mordo o donut, lambendo os lábios faceira, o que o faz me puxar
pela nuca e devorar minha boca. Entrego-me, sento-me e sinto cada
centímetro dele preencher meu interior. Gememos com as bocas coladas. Eu
me movimento, e ele apoia a base da minha coluna, ajudando-me a mexer
com mais intensidade.
Inclino o corpo para trás, e ele espalha glacê no vale dos meus seios pelo
decote do vestido e depois o lambe todo. Rio, gostando disso, e ele continua,
afastando as alças da peça de roupa, fazendo-a cair e se embolar em minha
cintura. A cobertura de limão é usada nos meus mamilos, e ele a come toda,
chupando e mordendo, enquanto eu subo e desço no seu pau.
De repente, Alexios se ergue e me leva consigo até a varanda gourmet em
que evito sempre estar e me coloca sobre a mesinha alta de bufê que tenho
aqui. Fico tensa, pois o local é aberto, e é possível que sejamos vistos.
— Relaxa, você tem muitas plantas aqui. — Ri. — Apenas curta, me sinta
dentro de você e esqueça o resto.
Ele se movimenta gostoso, rebolando devagar, afundando-se lentamente
em mim, saindo, estocando curto e então entrando com tudo, fazendo-me
arquear as costas no tampo de vidro.
Olho para ele, acompanhando seus movimentos perfeitos dentro de mim e
ergo os dedos para que ele os chupe. Alexios sorri, toma-os na boca, mas, em
vez de me deixar levá-los até a minha boca também, como se
compartilhássemos um beijo, ele os coloca sobre meu clitóris.
— Se toca para mim — pede. — Goza enquanto te como gostoso aqui,
com o som do parque ao longe e o sol iluminando nós dois.
Não espero outro pedido e começo a me masturbar como ele pediu. As
estocadas aumentam, no mesmo ritmo que meus dedos trabalham sobre meu
clitóris duro. Fecho os olhos, curtindo a sensação indescritível que tenho ao
fazer isso, mas ele me pede para abri-los.
— Quero que olhe para mim enquanto gozo dentro de você... — geme. —
Você é a primeira com quem faço isso...
Não entendo a afirmação, e ele se explica:
— Sem camisinha e com gozo dentro. — Alexios ri. — Porra, como isso
é bom!
Sua expressão muda, vejo vulnerabilidade, prazer e carinho misturados
em seu olhar. Os gemidos se intensificam, e meus músculos começam a se
retesar. Como se tivéssemos cronometrado, gozamos juntos, sem limites, os
sons altos de júbilo e êxtase se espalhando pelo ar, misturando-se aos sons da
rua.
Fecho os olhos e engulo em seco as palavras que chegaram à minha boca
no momento mais forte do orgasmo.
Você também é meu primeiro, Alexios; meu primeiro amor!
— Aqui tem as letras OLMD e os números 10, 17 e 23 — Kyra lê, e eu
anoto em outro local. — Depois muda para... — Kyra boceja.
— Não quer parar para tomar um café? Você trabalhou até de manhã!
Ela concorda.
— Boa ideia! — Levanta-se da banqueta da cozinha de Alexios e começa
a preparar a bebida. — Por que ele ainda não chegou? Não marcou conosco
hoje depois do almoço?
— Relaxa, Kyra, ele deve ter pegado um trânsito infernal.
Minha amiga concorda, mas não para de me olhar.
— Não vai mesmo me dizer o que está rolando entre vocês? — pressiona,
e eu fico vermelha. — Malinha, eu te conheço bem e mais ainda àquele
safado, não precisa...
— Estamos transando, só isso.
Kyra arregala os olhos.
— Puta merda... Puta... — Ela parece em estado de choque. — Eu
imaginava que estivesse rolado um clima, uns tapas e beijos, mas não que a
coisa já estivesse nesse estágio.
— Pois é, mas está.
Não dou mais detalhes e volto a olhar a caderneta.
— Contou a ele que você o ama?
Suspiro.
— Não. — Kyra xinga. — Entrei nessa sabendo que tudo o que ele pode
me dar é prazer, então estou ignorando essa parte enquanto posso.
— Samara, isso é loucura! E depois?
Controlo o tremor na minha voz, o nó em minha garganta e sinto os olhos
arderem com a vontade de chorar. Depois? Depois vou voltar para Madri e
tentar viver minha vida sem pensar no que poderia ter sido se ele me amasse
também, sem desejar que as coisas tivessem sido diferentes.
Não há essa possibilidade!
— Depois só o tem...
O barulho da chave na porta me faz calar, e eu faço sinal para que ela não
diga nada a ele e mantenha o segredo.
— Oi! — Alexios nos cumprimenta ao entrar no apartamento. —
Desculpem a demora, trânsito!
— Sem problema. — Pisco para ele. — Kyra está fazendo um café.
— Ótimo! Tenho algumas horas antes de conferir tudo o que minha
equipe montou e mandar lá para os hunters. — Alexios sorri aliviado. —
Kika voltou ao trabalho hoje. — Ele olha para a irmã. — Ela e Kostas estão
juntos.
Kyra arregala os olhos com a notícia, e eu também fico surpresa, dando
um rosto agora à futura dona dos armários que estou desenhando.
— Eu conheci a Kika nas festas de final de ano, ela ia sempre com Malu
Ruschel, e eu até achei que elas eram um casal.
— Melhores amigas — Alexios esclarece. — Nosso irmão está
apaixonado, com os pneus arriados e a língua de fora. — Ri. — Ontem, na
hora que os dois saíram juntos da empresa, quase fiquei diabético de tanto
amor.
— Isso é bom, não? — questiono-lhe, o coração disparado à espera da
resposta.
— Para quem pode sentir o mesmo, sim! — responde seco. —
Descobriram algo? — ele muda de assunto, e eu evito o olhar de Kyra, pois
aposto que ela está me olhando preocupada.
— Ainda não, dei uma parada, pois não conseguia nem enxergar...
— E se essas letras forem siglas de nomes de clientes? — disparo de
repente. — Pode ser que sejam.
— Ou das prostitutas! — Kyra se anima. — Mas e os números?
— Dinheiro! Aposto que você irá achar um N.K. em muitos lugares.
Concordo e assinalo todos os que encontro.
— Ninguém Ker! — Kyra debocha. — Era o código dele que fizemos por
suas iniciais.
Assinto, lembrando-me.
— Sim, você era a Kero-Kero. — Rio quando ela me mostra a língua.
— Seu irmão era o Dedo-Duro! E seu pai... — Kyra olha para Alexios, e
eu volto a assinalar as siglas N.K. na caderneta. — Lembra, Alexios? Era
algo que remetia a dinheiro.
— B.A.N.K.S. — ele fala a sigla do nome completo do meu pai, que
forma a palavra “banco” em inglês.
— Isso mesmo! — Kyra comemora. — Você era...
Não termino de ouvir o que ela diz, pois assinalei algo no automático,
sem prestar atenção, e agora sinto meu coração parar de medo. Olho para
meus amigos, rindo e se divertindo com as lembranças do passado, e o temor
me faz tremer na cadeira.
Fecho a caderneta e salto para fora da banqueta.
— Preciso ir!
Os dois param a conversa e me encaram. Antes, porém, joguei a caderneta
dentro da minha bolsa.
— O que aconteceu, Samara? — Alexios pergunta preocupado.
Tento pensar rápido em alguma desculpa convincente e ainda não
gaguejar, pois desconfiariam de que estou mentindo.
— Lembrei agora que Daniel não vai poder ir com a mamãe à quimio e
que eu me comprometi a levá-la.
Kyra estranha, não parece nada convencida, mas não alerta o irmão.
Alexios se aproxima e fala baixinho:
— Tudo bem mesmo? Você parece assustada.
Engulo em seco quando lhe respondo:
— Está tudo bem, só me assustei por te me esquecido de mamãe, mas já
vou indo!
Despeço-me deles, mas, antes que eu siga para a porta, Kyra me chama:
— Samara, e a caderneta, onde está?
Fecho os olhos, as lágrimas ameaçando cair.
— Deixei aí em cima, deve ter caído. Depois a gente se fala.
Saio correndo do apartamento de Alexios, desço as escadas, porque não
quero esperar o elevador, e, quando chego à garagem do prédio, esbaforida e
nervosa, entro no meu carro e volto a abrir a caderneta.
B.A.N.K.S.
Não pode ser!
Pego uma borracha dentro da bolsa e apago o círculo que fiz com o lápis
enquanto Kyra e Alexios se lembravam das siglas que usávamos quando não
queríamos falar os nomes das pessoas.
Deve ser uma coincidência ou haver outra explicação! Meu pai nunca
frequentaria aquele lugar, nunca compactuaria com as coisas que aconteciam
por lá, nunca!
Saio dirigindo como uma louca e acelero o máximo que posso,
enfrentando o trânsito caótico até a casa dos meus pais.
Cumprimento a Cida na entrada e confirmo que meus pais não estão em
casa, pois quem acompanhou mamãe na quimio hoje foi ele. Entro em seu
escritório, o mesmo que ele usava para trabalhar e onde ele guarda a maioria
de seus documentos e pastas.
Abro todas as gavetas até encontrar a chave da gaveta de documentos
importantes dele, onde meu pai sempre guardou sua arma, pregada com um
ímã embaixo do fundo de uma delas.
Vasculho pasta por pasta, olhando documentos e anotações, mas nada me
remete àquele lugar ou aos números anotados na frente do nome dele.
Procuro sua sigla em outro lugar nessa caderneta dos infernos, mas não há
nada, apenas naquela maldita página, bem na época em que Alexios nasceu.
— O que você está procurando?
Pulo de susto com a voz de Daniel e encaro meu irmão com os olhos
cheios de lágrimas. Ele se assusta, corre ao meu encontro e me ampara
quando começo a chorar.
— Samara?
— Alexios encontrou uma caderneta com anotações do bordel onde a mãe
dele trabalhava — conto em meio às lágrimas, e Daniel bufa de raiva. — Tem
várias siglas e números, e então pensei que pudessem ser iniciais.
— Samara, isso é loucura! Olha só o que aquele doido está fazendo com
sua cabeça...
— Não, Daniel, é sério. — Aponto para a caderneta em cima do móvel.
— Ela é autêntica, tenho certeza.
— Mas o que tem a ver essa coisa e o fato de você estar aqui, no
escritório do papai, em prantos?
— O nome dele está na lista da caderneta.
Daniel se afasta de mim e nega.
— Papai nunca frequentaria um local assim, não, ele é todo tradicional,
nunca iria a esses lugares!
Mostro-a para ele, mas ele continua a negar.
— Isso aí não prova nada, vocês mal sabem o que significam. Alex fica
enfiando caraminholas em sua cabeça e...
— Ele não sabe, Dani! — Soluço. — Menti para ele e para a Kyra e saí
correndo, furtando a caderneta igual a uma gatuna, para ganhar tempo antes
de ter uma solução sobre o motivo de as iniciais de papai estarem aqui.
Ele pega a caderneta e arranca a folha.
— Solução arranjada!
Choro em desespero, imaginando a reação dos meus amigos quando eu
contar o que descobri e eles virem a folha faltando. Pego-a da mão dele antes
que a rasgue e a recoloco na caderneta.
— Eu não sei o que significa, mas o lugar era horrível demais, e
aconteciam atrocidades por lá.
— Papai nunca iria a um local desse, esqueça isso!
Não posso esquecer, não se for realmente uma pista real para que Alexios
encontre a mãe ou saiba a verdade sobre sua história. Não posso
simplesmente ignorar e fingir que não vi o nome do meu pai lá.
Ao mesmo tempo, se Alexios souber, virá como um trator para cima de
Benjamin, e papai já sofreu várias intervenções no coração, e eu temo que um
confronto entre os dois seja forte demais para ele aguentar.
O que eu faço?
— Vou conversar com ele, Dani, e pedi explicações sobre isso. — Meu
irmão faz um gesto negativo com a cabeça. — Se ele sabe de algo que possa
ajudar a localizar a mãe de Alexios, preciso que me diga.
— Samara, isso é loucura, e você irá magoar nossos pais por causa de
Alexios. — Ele se senta numa poltrona e apoia a cabeça entre as mãos. — Já
pensou se isso for verdade, no que vai significar?
Que papai traiu nossa mãe! Sim, eu pensei nisso. Mamãe está numa fase
delicada também e, se souber de algo assim, irá ficar desapontada e muito
machucada.
— Não temos certeza de nada — digo.
— Isso! Não tem por que fazer alarde. Vamos pensar com calma. Eu
ajudo você, e encontraremos uma solução para esse caso, eu prometo.
Assinto, mas dentro do meu coração há um buraco. Sinto que estou
traindo meus amigos não contando a eles o que descobri. Dói profundamente
pensar em omitir de Alexios que, talvez, meu pai saiba o que realmente
aconteceu com sua mãe. Entretanto, dói também o medo de causar mágoa e
prejudicar a saúde dos meus pais.
Estou numa sinuca de bico, e qualquer movimento que eu faça não será
nada bom!
— Bem-vinda de volta mais uma vez! — brinco com Kika assim que a
vejo dentro do elevador, subindo para sua sala. — Fiquei feliz ontem, quando
sua reunião acabou, mas preocupado com essa história de você pedir
demissão depois de terminarmos o projeto da Ethernium.
Kika ri sem jeito.
— Já mudei de ideia sobre isso. — Faço cara de paisagem, mas ela
percebe o que estou pensando e ri. — Nos acertamos, Alexios. Obrigada pela
ajuda naquele dia.
— Sempre aqui quando precisar. — Ela me abraça, e eu rio, pois Kika
sempre foi assim, expansiva, carinhosa. — Não dá mole para meu irmão,
viu? Rédea curta com ele para mantê-lo na linha.
Ela gargalha.
— Pode deixar! — Suspira, seus olhos parecem brilhar. — Vamos
conseguir uma área incrível para fazer esse pessoal da concorrência tremer?
— Vamos!
Ela faz um high five, e eu bato minha mão na dela antes de sair do
elevador e entrar na K-Eng. A intensa rotina de trabalho na qual estamos
agora tem me deixado louco, agitado, mas extremamente feliz. Gosto disso,
adoro qualquer tipo de adrenalina, mesmo a de um prazo apertado no
trabalho.
Achei que ia ficar um tempo fora daqui hoje, porque nem almocei para
poder me encontrar com minha irmã e Samara no meu apartamento a fim de
analisar a tal caderneta, mas algo aconteceu com Samara e não fez mais
sentido ficar por lá.
A caderneta sumiu!
Foi estranho quando, do nada, Samara se lembrou de que precisava levar
a mãe à quimioterapia e praticamente saiu correndo do meu apartamento.
Kyra e eu trocamos olhares, sem entender, pois não é nada típico de Samara
esquecer um compromisso.
— Algo aconteceu — Kyra comentou. — Estava tudo bem até você
chegar.
Franzi o sobrolho, confuso por minha irmã achar que o fato de ela ter
saído correndo se devia à minha presença.
— E por que deixaria de estar quando cheguei? — retruquei, braços
cruzados.
— Samara me contou o rolo que vocês andam tendo. — Isso me
surpreendeu, pois ela tinha rejeitado a ideia de contar para Kyra. — Não
machuque minha amiga, não a afaste de nós!
Mais uma vez a confusão me tomou.
— Por que isso aconteceria? Conversamos, Kyra, não foi nada impensado
ou impulsivo. Eu ponderei muito sobre me envolver sexualmente com
Samara, porém era algo que eu reprimia há muitos anos. Agora ela é adulta,
experiente e está a fim de diversão, por que não?
Kyra bufou.
— Às vezes acho você um grande imbecil, Alexios — resmungou ao
procurar a caderneta debaixo do balcão da cozinha. — Quantos
relacionamentos assim você viu Samara ter? Se liga, ela não é assim!
Ri dela, pensando em como Samara estava levando o tipo de arranjo que
estávamos tendo muito bem, muito melhor que eu.
— Talvez você não conheça sua amiga tanto quanto imagina.
— Talvez você só seja muito cego para perceber o óbvio! — Ela xingou.
— Não estou encontrando a merda da caderneta!
Gargalhei e me abaixei para procurar junto a ela.
— Depois o cego sou eu!
Olhamos tudo, pela cozinha toda, mas não achamos o objeto em local
algum.
— Samara a levou? — Kyra olhou para a porta. — Por quê?
Também não vi nenhum motivo para que ela tivesse feito isso.
— Deve ter sido sem querer, devido à correria em que estava. Pode ter
guardado a caderneta na bolsa, ou ela ter caído lá sem querer, afinal estava
próxima.
Kyra concordou e pegou sua própria bolsa.
— Então, sem caderneta para decifrar, vou voltar para o trabalho e dar
uma mão lá para a Lena.
Concordei.
— Ela e o Bê estão morando aqui — comentei, e ela confirmou. — Esses
dias vi o menino dela no playground com a Amanda do Cadu.
— Tem sido ótima essa nova fase para o Heitor. Helena tinha tanto medo
de mudar de apartamento e ele não se adaptar, mas tem feito isso aos poucos
e tem dado certo. Sem contar que Bê se revelou um superpai para o menino, o
que me pegou de surpresa, porque era um playboyzinho chato!
— O Bê mudou bastante depois do que aconteceu com ele. — Peguei a
chave da moto, decidido a pegar menos engarrafamento daquela vez. —
Então vamos voltar ao trabalho, que, mais tarde, vejo com a Samara se a
caderneta está com ela.
Kyra não se moveu.
— Alexios, ela não é qualquer uma, tome cuidado com o que você faz
com ela.
Ri de sua preocupação, pois penso igual.
— Não se preocupe, Kyra, eu sei o quanto ela é especial.
— Eu gostaria que soubesse mesmo! — sussurrou antes de passar por
mim e sair do meu apartamento.
Fiquei um tempo por lá ainda, refletindo sobre o que ela quis dizer e qual
realmente o motivo de sua preocupação, pois Samara não é o cristal frágil que
Kyra está imaginando.
Samara é forte, decidida, dona de suas vontades e desejos.
Pego o celular e abro o aplicativo de mensagens para conferir se ela está
online, mas ainda continua marcando que entrou no aplicativo no mesmo
horário em que nos falamos pela última vez, antes de eu chegar ao
apartamento.
— Alex, que bom que chegou! — Elis me entrega uma porção de
correspondência, e eu lhe agradeço antes de entrar em minha sala.
— Olha, acho que teremos que ganhar bônus junto aos hunters dessa vez!
— Eliana comenta. — Estou moída, puta merda!
Rio.
— Bônus, eu não sei, mas a cervejada já está garantida por minha conta.
— Aí, sim! — comemora.
Sento-me à minha mesa, organizo meus lápis e começo a ler todas as
correspondências, questionando o motivo pelo qual as pessoas já não se
adequam a enviar documentos digitais, sem uso de papel, pois são muito mais
práticos e econômicos.
Sinto uma certa apreensão a cada envelope que abro, esperando encontrar
outra pista anônima, mas isso não acontece. Aliviado, ligo meu computador
para acompanhar o trabalho de todas as equipes na confecção dos materiais
para a Ethernium.
— O pessoal lá da Karamanlis ainda não se decidiu por uma área? —
Evandro questiona, parecendo ler meus pensamentos.
— Não, Kika voltou ao trabalho hoje, e ainda não estive com Kostas, mas
acho que daqui a pouco teremos alguma notícia... — Meu celular toca. —
Theodoros, boa tarde, estávamos falando aqui agora sobre...
— Alexios, preciso que você venha ao hospital — levanto-me assustado,
reconhecendo desespero em sua voz. — Comuniquei ao Millos há pouco, e
ele se encarregou de trazer a Wilka...
— O que houve? — pergunto pegando meu capacete e a chave da moto,
atraindo olhares de todos da minha equipe direta.
— Kostas salvou minha vida... — Theo parece se engasgar, e sinto meu
corpo gelar — mas se feriu gravemente ao fazer isso, está em cirurgia.
Não, porra! Não agora!
Saio correndo da sala, passando pelos corredores como um louco,
esbarrando nas pessoas e nem me dou ao trabalho de chamar o elevador,
desço as escadas correndo, a cabeça a mil, e os olhos ardendo com as
lágrimas que não vou derramar.
Lembranças e imagens do garoto tímido e sonhador enchem minha
cabeça; daquela noite horrível em que o vi naquele bordel; dos seus choros
sentidos durante as madrugadas em que passávamos sozinhos na cobertura de
Nikkós.
Não é justo! Porra, não é justo!
O abraço feliz que Kika me deu há menos de uma hora, dentro do
elevador, parece me despedaçar. Imagino como Millos deve estar por ter de
dar essa notícia e como será a reação dela ao que houve.
Ele não pode morrer, Kostas não pode morrer!
Não é justo, depois de tudo o que ele passou, acontecer algo assim quando
encontrou Kika. Eu vi a esperança de volta nele, a luz, mesmo sem saber o
que estava acontecendo entre eles. Depois, lá naquele sobrado, pude ter a
dimensão do que os dois sentiam um pelo outro e desejei, do fundo do
coração, que eles se acertassem e que Kostas pudesse ser feliz.
Ele não pode dar essa vitória ao Nikkós, tem que lutar, tem que viver!
Imagino a reação do desgraçado ao saber dessa notícia, pois foi o que tentou
fazer todos os anos em que aplicou sua tortura. Nikkós matou nossa alma,
mas continuamos resistindo fisicamente.
Kostas recuperou sua alma de volta, não pode agora perecer!
Piloto pelas ruas em desespero, tentando chegar aonde meu irmão está o
mais rápido que posso, como se o tempo fosse algo que estivesse se
escasseando e pudesse acabar a qualquer segundo.
Deixo a moto no estacionamento e entro no hospital, cujo endereço Theo
me mandou por mensagem, corro até a recepção, ofegante, e me apoio no
balcão da entrada para não despencar, pois minhas pernas estão bambas.
— Meu irmão está em cirurgia, foi uma emergência, Konstantinos
Karamanlis!
A recepcionista nota meu desespero e olha no computador à procura de
informações.
— Sim, chegou baleado — fico branco ao ouvir isso. — Eu preciso de um
documento para fazer... — Entrego-lhe a minha habilitação, e logo ela a
devolve com uma credencial. — Siga por esse corredor e vire à esquerda, o
homem que o trouxe está lá.
Faço o que ela me indica, a cabeça a mil, sem saber qual notícia
Theodoros terá para me dar e, quando entro em uma pequena sala de espera,
encontro-o lá parado, olhando para o nada, a roupa coberta por manchas de
sangue.
Engulo em seco, chocado com a cena que vejo, e o chamo:
— Theo...
Ele se vira para mim e, sem dizer nada, abraça-me forte, seu corpo
tremendo com o choro. Fico imóvel, sem saber o que fazer, mas sua emoção
também é a minha, compartilhamos o mesmo medo.
— Só consegui ligar agora — começa a falar, a voz embargada. — Ele
chegou aqui muito mal, tiveram que ressuscitá-lo uma vez e, só depois que
ele estabilizou, entraram em cirurgia — noto o desespero em sua voz. —
Acho que a bala atingiu o coração.
Porra! Um tiro!
Minha cabeça dá voltas, sem entender o que aconteceu, onde eles estavam
e quem fez isso.
— O que houve? — Aponto para sua roupa. — Por que você está assim?
— Descobrimos sobre o vazamento e tivemos a mesma ideia de ir
confrontar o traidor. — Theo se afasta e seca o rosto. — Ela tentou me matar,
Alexios, mas Kostas entrou na frente, tomou o tiro e despencou do mezanino
onde estávamos, caiu em cima de uma mesa de vidro. — Olha para suas
mangas. — Ele se machucou muito.
Theo continua a olhar para suas mangas, cobertas de manchas de sangue.
Sua expressão chocada me deixa com medo, pois não sei o que está passando
por sua cabeça.
— Quem atirou, Theo? — estimulo-o a voltar a falar.
— Viviane Lamour.
Arregalo os olhos com a revelação, lembrando-me da amiga de Theo que
sempre estava em todos os eventos, como uma cadelinha abanando o rabo
atrás dele.
Filha da puta!
Não entendo como ela pôde ter sido responsável pelo vazamento e nem os
motivos que a levaram a tentar matar Theodoros, mas não questiono,
preocupado, no momento, com a vida de Kostas e com a saúde mental de
Theodoros, que parece em choque.
— Você já se alimentou? — Ele nega. — Vou pegar um café para
esperarmos Millos chegar com a Kika. Temos que estar fortes por ela, não
será fácil, e precisamos apoiá-la.
Viro-me para sair da sala.
— Me perdoe por isso! — ele fala de repente.
Paro onde estou, encaro-o, mas Theo está com os olhos fechados e a
cabeça baixa. Consigo sentir sua dor, a culpa que está carregando e o medo
de perder Konstantinos.
— Não foi sua culpa. — Sinto uma lágrima rolar sobre minha bochecha.
— Nada foi sua culpa, Theo.
Ele me encara, tão surpreso quanto eu pelo que falei. Foi sincero,
espontâneo, e me dou conta de que há muito tempo já não o culpo pelo que
houve. Theodoros também não tinha como saber que Nikkós se transformaria
em um monstro, ninguém poderia imaginar que um pai agiria daquela forma
com seus filhos.
— Eu não fazia ideia, Alexios — admite. — Não voltei porque não fazia
ideia do que estava acontecendo.
Assinto, sem condições de dizer nada, e saio da sala de espera com a
desculpa de buscar café, mas me enfio no primeiro depósito de limpeza que
acho e choro feito um bebê.
— Vamos pensar com calma. — Daniel parece tão desnorteado quanto
eu, mexendo em várias pastas que eu nem sabia que existiam. — Papai não é
bobo, muito menos a mamãe, então nada aqui irá nos ajudar.
— Sim — concordo com ele.
— Lá na empresa há um cofre e, dentro dele, vários documentos e
anotações. Não sei se terá algo relevante, mas posso pegá-los e levá-los até
sua casa para olharmos juntos. — Ele me olha. — Mas você precisa
prometer, Samara, que só irá falar algo se efetivamente acharmos alguma
coisa.
— Não acho isso certo, Dani. Eu já achei alguma coisa.
— Não! O que você achou pode significar qualquer coisa!
Olho para ele com expressão incrédula, porque é coincidência demais ter
as iniciais de Nikkós Karamanlis e as do meu pai e isso não significar nada.
Daniel analisa a caderneta com atenção, lendo página por página.
— A data em que aparece as iniciais B.A.N.K.S é da época do nascimento
de Alexios. — Concordo com ele. — Eu tinha sete anos, Samara, e, até onde
sei, nessa época nossos pais viviam bem.
— Sim, a crise veio depois do meu nascimento. — Relembro a história
que já ouvi milhares de vezes. — Mamãe conta que eles pensaram em se
separar, e papai teve uma depressão terrível.
— Isso! Nessa época aqui as coisas iam bem, então, se realmente for
verdade... — Ele franze a testa. — Sabe o que todas essas anotações me
lembram? — Nego. — Besteira, não pode ser!
Ele fecha a caderneta e vai até o aparador de bebidas, serve-se de uma
generosa dose de uísque e a toma de uma só vez. Isso liga um alerta dentro de
mim. Tenho certeza de que ele descobriu algo.
— Dani...
— Não, Samara, eu prefiro pensar que não!
Entendo-o, sinto sua dor, mas preciso saber.
— O que significa isso? — Levanto a caderneta, e ele bufa.
— Leilão. — Arregalo os olhos. — Não sei de que, mas, se você olhar
bem, antes de cada lista de siglas, há números, e eles não são sequenciais. —
Ele aponta. — Na que aparece o nome do papai, há o número 17-0, e, antes
dele, há 18-0, 16-0, 17-1 e etc.
— São os lotes — digo, sentindo-me enojada.
— Sim, e os números junto às siglas parecem ser lances. — Ele pega o de
papai como exemplo. — Ele não venceu se for isso mesmo.
— Mas participou. — Olho para as siglas de Nikkós que assinalei,
percebendo que ele venceu a maioria.
Um leilão, e eu já posso supor o que significa o número do lote, a idade
da garota que estava sendo leiloada. Estremeço ao ver os números 14 e 15 na
caderneta, recusando-me a acreditar que papai participou de algo tão vil
quanto isso, leilão sexual de menores de idade.
Não sei o que pensar, dou razão ao meu irmão de que devemos ser
cautelosos, mas, ao mesmo tempo, sinto que devo contar tudo isso ao
Alexios. Ele merece saber, mesmo que não haja aqui qualquer evidência de
qual desses lotes possa ser sua mãe.
Nikkós venceu várias disputas, e nenhuma condiz com o momento em
que Alexios foi concebido, pois todas as datas remetem a quando sua mãe já
estava grávida.
Por que então a pessoa que estava incentivando-o anonimamente a
procurar deixou essa evidência para ele achar? Sim, porque Alexios parece
ter certeza disso, de que a caderneta foi plantada no local para que ele
pudesse achá-la.
— Vou tentar segurar essa informação por alguns dias, Dani. — Ele
assente, e eu guardo a folha com a inicial de papai. — Não sei como vou
fazer isso, porque, além de Alexios e mim, Kyra também está empenhada em
descobrir algo.
— E ela sempre foi cabeça-dura e obstinada — ele completa, com sua
implicância natural com minha melhor amiga. — Bom, tente ganhar tempo,
que eu vou reunir tudo o que achar de papai ainda na empresa e levar até
você para olharmos juntos.
— Obrigada por tudo, Dani.
— Faço isso por você, Samara, mas não concordo com essa busca insana
de Alexios. Acho que já passou da hora de ele crescer e esquecer essa merda
de “eu quero minha mãe”.
— Não é assim, Dani, você o está julgando sem saber de nada. — Penso
em tudo o que descobrir a verdade sobre seu nascimento representa. — É
mais do que querer saber quem é a mãe dele, é sua liberdade. Nós não
podemos ter a dimensão do que ele passou, pois sempre tivemos nossos pais
ao nosso lado, e eles nos tratavam como deveria ser.
— Samara, Alexios era problemático, por isso Nikkós era duro com ele.
Nego, sentindo lágrimas nos olhos.
— Alexios era problemático por causa de Nikkós. — Dou de ombros, não
querendo entrar nesse assunto. — Eu acompanhei, Dani, conheço meu amigo
e sei como ter essas informações é importante.
— Você sempre foi uma menina ingênua. — Beija minha testa. —
Contudo, confesso que tenho orgulho de ver a amiga que você é e como seu
coração é bom. Alexios tem sorte de te ter ao lado dele. Só espero que um dia
consiga reconhecer isso sem magoar você.
Sorrio triste, não me sentindo tão especial assim escondendo dele tudo o
que descobri, esperando não ser eu a decepcioná-lo e magoá-lo. É fácil
demais para quem estava de fora julgar o comportamento dele, muito fácil.
Nikkós era falso, gostava de posar de pai dedicado aos filhos, abandonado
pela esposa e completamente abnegado.
Só mesmo quem sentiu a dimensão de sua monstruosidade consegue ver
os fatos como são. Eu vi, eu toquei, eu costurei e arrumei, mas, além dos
danos físicos, sei que os psicológicos foram bem piores, pois são marcas
invisíveis que nunca cicatrizam, e isso posso perceber não só em Alex, bem
como em Kostas e Kyra.
Pego o celular, disposta a mandar mensagem para Alexios e dizer que
trouxe a caderneta comigo, embora precise inventar uma desculpa para isso.
Vejo sua mensagem perguntando se eu estou bem e sinto um nó na garganta.
Porém, antes de eu começar a digitar, ele me liga.
— Oi, Alex! — atendo tentando parecer normal.
— Samara... — a voz dele me apavora. Parece que andou chorando, que
ainda está soluçando.
Começo a tremer, e meus olhos se enchem d’água. Daniel percebe e fica
sério, atento, desconfiado.
— O que aconteceu? — inquiro baixinho, quase sem coragem de ouvir o
que ele tem a me dizer.
— Estou no hospital. — Levanto-me em um só movimento, e Daniel faz
o mesmo. — Kostas levou um tiro e está em cirurgia. — Soluça. — Eu vim
para apoiar, mas...
— Qual hospital? — Procuro minha bolsa em desespero. — Alexios,
mande o endereço! Estou indo até você.
— Samara, se ele morrer, Nikkós vai se sentir vencedor. — Eu assinto. —
Se ele morrer, significa que não há saída para nenhum de nós, que não
merecemos ser felizes.
— Besteira! Ele não vai morrer!
— Quem? — Daniel pergunta apreensivo, e eu peço a ele que aguarde um
momento.
— Mande-me o endereço, Alexios, estou indo.
Ele desliga, e eu olho para o meu irmão, trêmula.
— Konstantinos levou um tiro. — Daniel também se assusta. — Está em
cirurgia, e Alexios precisa de mim.
Daniel pega a chave de seu carro no bolso da calça.
— Eu te levo!
Abraço-o apertado, as lágrimas rolando pelo meu rosto, imaginando a dor
que seria se algo lhe ocorresse, a voz de Alexios ressoando em meus ouvidos,
dizendo que, se Kostas morrer, é sinal de que nenhum deles tem direito à
felicidade.
Não!
Lembro-me de quando Alexios chegou ao apartamento dele hoje, antes de
eu sair correndo com a caderneta, ter contado que o irmão estava apaixonado
e era correspondido. Penso no projeto que Kostas me encomendou,
demonstrando o quanto ama a mulher para quem queria que eu desenhasse as
estantes e o cantinho de leitura, e meu coração se aperta ao imaginar o que ela
está passando neste momento.
Daniel e eu seguimos para o carro, ambos em silêncio, a notícia pairando
sobre nossas cabeças como uma ave de agouro. Meu irmão não teve muito
contato com Kostas também, nem quando morávamos todos no condomínio,
nem depois que todos crescemos, mas reconhecia o talento do advogado e seu
profissionalismo.
— Vou entrar contigo — anuncia quando paramos no estacionamento. —
Não tenho contato com Kostas, mas conheço bem Theodoros e Millos,
então...
— Sim. Eu agradeço, Dani.
Caminhamos juntos, lado a lado, até a recepção, mas, como não somos
parentes, pedem-nos para aguardar do lado de fora, pois os parentes estão na
sala de espera, ainda na expectativa de notícias sobre a cirurgia.
Mando uma mensagem para Alexios lhe informando de que estamos aqui,
e Daniel liga para Millos. Alguns minutos se passam até que o primo de
Alexios aparece na recepção, sério como sempre, e nos cumprimenta.
— Obrigado por terem vindo. — Millos sorri para mim. — A cirurgia já
dura algum tempo, mas deve estar no final.
— O que houve, Millos? Onde está Alexios? Ele parecia apavorado ao
telefone!
Millos franze o cenho.
— Alexios não está aqui.
Arregalo os olhos.
— Está, sim, foi ele quem me deu a notícia e me enviou o endereço do
hospital.
Daniel confirma, e eu sinto um frio na barriga de medo.
Volto a mandar mensagem para Alexios, mas ele não responde.
— Vou pedir a liberação para que vocês entrem e fiquem lá conosco.
— Não quero incomodar nesse momento, Millos — Dani diz ao amigo.
— É uma situação familiar. Vim para deixar a Samara e demonstrar meu
apoio e torcida para que tudo fique bem.
— Obrigado — Millos assente e me olha. — Você quer entrar?
— Quero! Alexios está aí dentro em algum lugar, Millos, e eu preciso
achá-lo.
Millos segue até a recepção, conversa com uma das moças e, em seguida,
pede um documento meu. Daniel se despede e me abraça forte, desejando que
eu ache Alexios e que tudo dê certo com Kostas.
Os dois amigos se despedem com um aceno de cabeça, e eu entro com
Millos, mandando mensagem atrás de mensagem para Alexios, informando-o
de que cheguei e que estou à sua procura.
Paro na porta da sala de espera, tocada pela cena de uma jovem de
cabelos curtos chorando abraçada a Theodoros. Olho em volta e não vejo
Kyra.
— Avisaram a minha amiga? — indago ao Millos.
— Deixei mensagens, pois ela não atende o celular. Não sei se as
visualizou.
Abro o aplicativo de mensagens e mando uma também, dizendo a ela que
estou aqui no hospital, pedindo que venha.
Mal termino de escrever, Alexios me responde:
Tento não rir do seu rompante, tão jeito Kyra de ser, e pergunto o motivo
do fratricídio iminente.
— Acho que está tudo certo agora. — Daniel olha para o apartamento,
limpo, desinfetado e sem nenhuma marca feia que lembre a passagem de
Diego por aqui. — Tem certeza de que prefere vir para cá a ficar no hotel?
— Sim, prefiro minhas coisas. — Sorrio. — Duas noites lá já foram
suficientes.
— Certo. — Ele confere as fechaduras novas, detalhe que fez questão de
acompanhar para garantir que nunca mais Diego consiga acesso ao
apartamento. — Eu já avisei ao seu porteiro que aquele babaca não entra mais
aqui, pelo menos enquanto você estiver morando no prédio. Eu queria ir até
seu escritório também para...
— Daniel, não, é suficiente tudo o que você já fez, obrigada.
Ele não parece nada feliz, mas concorda.
— Então o que me resta é ir até o hotel, fechar nossa conta e trazer nossas
malas para cá. — Ele olha para meu sofá-cama. — Espero que seja tão bom
quanto a cama de um cinco estrelas.
Rio.
— Se quiser ficar por lá, não vou ficar ofendida.
— Não, vim para ficar com você. — Ele dá um tapa no sofá-cama. — Ele
será meu companheiro de sono.
Abro as janelas para que o vento primaveril entre na sala.
— Gosto dessa vizinhança, as pequenas lojas, a floricultura... — puxo o
ar com prazer — o cheiro da padaria.
— Acabamos de tomar café da manhã, Samara! — Ri. — Acho que,
enquanto você vai ao escritório, vou fazer umas compras, precisamos de
comida!
— Pegou o roteiro que fiz para você? — Ele concorda. — Eu vou precisar
ficar esses dois dias no escritório, mas depois sou toda sua para passearmos
pela cidade e, quem sabe, pelo país.
— Os barzinhos me pareceram ótimos, e eu estou precisando comer umas
porcarias e encher a cara.
Paraliso no peitoril da janela e me viro para olhá-lo.
— Como é que é? — Rio. — Você num bar, comendo petisco e tomando
cerveja?
Ele dá de ombros.
— Eu gosto.
Não é possível!, penso abismada, não fazendo ideia de que ele frequente
esse tipo de lugar. Daniel sempre foi tão formal que eu o imaginava em
algum lugar chique, tomando champanhe ou mesmo um caro destilado.
Nunca soube que frequentasse bares.
— O que mais não sei sobre você?
O sorriso morre.
— Vou até o hotel para...
O interfone toca, e ele fecha os punhos, impedindo-me de atender.
— ¿Sí? — Daniel escuta o porteiro falar do outro lado da linha. —
¿Quienes son? — Ele arregala os olhos. — ¿Está seguro?
Fico tensa, sem saber de quem eles falam.
— Daniel?
Meu irmão se afasta do interfone, mas sem desligá-lo e, surpreso, me
informa:
— Kyra e Alexios Karamanlis estão aí. — Minhas pernas tremem como
gelatina, e eu preciso me apoiar na janela para não cair. — Deixo-os subir?
Assinto, coração disparado, sem saber o que pensar sobre a vinda deles.
A vinda dele!
Alexios veio atrás de mim!
Não dormi na noite em que Kyra me contou sobre a volta de Samara para
Madri. Peguei o telefone tantas vezes que não sei como não o furei, mas não
liguei ou mesmo enviei uma mensagem. Não sabia o que ia falar.
Vi o dia amanhecer e fiquei na janela, olhando para o céu como se
pudesse ver o avião dela levantar voo e a levar para longe de mim.
Sem se despedir, de novo!
Da outra vez eu não soube com antecedência que ela pretendia ir, nem me
lembrava do beijo que partilhamos em meio à minha bebedeira; agora não,
agora eu sei que ela está indo embora e me abandonando com todas as
lembranças dessas semanas que passamos juntos.
Tomei café e fui para a empresa trabalhar, mas não pude me concentrar
direito e nem comemorei o tanto que devia quando soube da alta iminente do
meu irmão. Kostas estava bem, já andava, colocou sua mãe para correr,
voltando a ser o mesmo malvadão de sempre, e estava feliz ao lado da mulher
que o ama e que carrega um filho seu dentro de si. As notícias eram as
melhores. Contudo, eu não me sentia animado, apenas calculava as horas do
voo de Samara até Madri. Confesso, vinha riscando no meu calendário os
dias que já estávamos longe um do outro.
Nunca me senti tão vazio, e olha que sempre me considerei uma casca!
Andava sem rumo dentro do meu próprio apartamento, não tinha ânimo para
sair, nem mesmo para praticar meus esportes, muito menos para pensar em
qualquer outra mulher.
Sim, meu tesão zerou!
Então veio a ligação da Kyra e depois minha visita forçada a ela, que
adicionaram mais uma característica triste a mim: a impotência. Eu soube que
a mulher mais especial da minha vida estava indo embora e não fiz nada para
impedir. Apenas deixei-a ir. Olhei para o relógio desanimado, imaginando o
avião dela levantando voo e tentei voltar ao trabalho.
12 horas depois, estava na casa de Kyra, enchendo-a para que ligasse para
Samara a fim de saber se ela havia chegado bem.
— Já deixei recado, ela deve estar ocupada! — minha irmã disse irritada,
morrendo de sono, quando eu pedi a ela que ligasse pela milésima vez. — Vá
para casa, Alex, assim que ela me retornar eu...
O som de vibração do aparelho me fez levantar, e li a mensagem de
Samara, sentindo-me preocupado no mesmo instante, pois algo acontecera
para que ela estivesse hospedada em um hotel.
Kyra começou a digitar, mas eu estava aflito demais para esperar que as
duas trocassem mensagens.
— Ligue para ela — Kyra me olhou, puta com o tom de ordem em minha
voz. — Por favor.
Minha irmã rolou os olhos, mas fez o que pedi.
— Oi! — ouvi sua voz risonha no viva voz, e isso fez meu coração se
apertar de saudade.
— Por que vocês estão em um hotel? O que houve com seu apartamento?
Samara respirou fundo.
— Diego não aceitou bem as coisas e bagunçou meu apartamento.
Cerrei os punhos com força e tive vontade de xingar, mas me controlei
para que ela contasse o que havia acontecido.
— O quê?! — Kyra gritou sua indignação por mim. — O que aquele filho
da puta fez?
— Eu vou matar esse filho da puta! — falei baixinho, entredentes,
espumando de raiva.
— Nada de mais. Picotou algumas fotos e quebrou uns vidros de...
O quê?! Ele foi agressivo com Samara?! Apenas a ideia de que ele
pudesse ter encostado nela ou mesmo a ofendido me deu vontade de matar o
espanhol arrogante.
Não resisti e quase gritei:
— Ele encostou em você? Samara, se ele encostou em você ou mesmo te
ofendeu de qualquer maneira, eu juro que vou cobri-lo de porrada!
Ela ficou muda por um tempo, e eu amaldiçoei a Kyra por não ter ligado
por vídeo, pois eu poderia olhar em seu rosto para saber se realmente estava
bem.
— Não, ele nem estava lá, apenas deixou o recado, mas Daniel achou
melhor virmos para um hotel enquanto limpam a bagunça dele.
— Filho da puta! — xinguei-o de novo, mas Kyra tocou meu ombro.
— Diego não importa mais. Se acalme, que eu vou perguntar como ela
está — falou baixinho, tampando a entrada de som do telefone e depois a
desobstruiu. — Samara, você está bem?
Ela titubeou, e não gostei nada disso. Fiquei com a impressão de que
estava escondendo algo.
— Estou, sim, obrigada pela preocupação. Eu vou tomar um banho agora
e descansar um pouco. — Outra pequena pausa, e ela concluiu: — Adeus.
Soquei a parede do apartamento de Kyra, e o gesso ficou amassado por
meu punho.
— Tchau. — Kyra desligou e me olhou séria. — Para com essa merda!
— Para o Daniel a ter levado para um hotel é porque o babaca fez algo
que a assustou. Eu conheço Samara, ela não esperava algo assim, deve ter
ficado em choque. — Kyra ficou parada, braços cruzados, apenas me
encarando. — Eu vou matar aquele filho da puta!
— Como? Via telefone?
Parei em seco. As palavras dela foram como um gancho de direita bem no
meu queixo e me fizeram dar conta de que eu tinha deixado Samara partir e
que não podia fazer mais nada para estar com ela, para protegê-la, para...
— Eu sou um idiota — confessei, e ela riu como se eu tivesse dito o
óbvio. — Porra, Kyra, como pude ser tão cego?
Minha irmã pôs a mão no meu ombro.
— O pior cego é aquele que não quer ver. — Apontou para o celular. —
Busco passagens?
— Por favor. — Riu. — Pretende ir junto?
Ela me olhou ofendida.
— Óbvio, acha que eu vou perder esse momento de te ver arrastar a
bunda atrás dela? Nunca! — Riu perversa. — Esperei por isso a vida toda!
Abracei-a forte. Mesmo com um “cagaço” real de ser rejeitado, precisava
tentar. Não poderia perder Samara sem nem mesmo dizer a ela tudo o que eu
estava sentindo e explicar que, assim como eu confundi as coisas ao achar
que era só amizade, ela também poderia estar cometendo esse erro.
Era a minha maior esperança, porque eu senti em cada carinho, em cada
momento que passamos juntos, que tínhamos a mesma sintonia. Justificava
dizendo que era por causa da nossa amizade, talvez por não querer admitir e
arriscar, mas já não me importava em me expor e ser machucado; já era uma
ferida enorme perdê-la sem que ela soubesse como eu me sentia.
Kyra reservou passagens para o outro dia à tarde, mesmo sob meus
protestos de pressa, alegando que precisava ajustar umas coisas antes de
irmos. Mergulhei de cabeça no trabalho na K-Eng, não parando um minuto
sequer, disposto a fazer o tempo passar rápido.
Não passou!
Mais uma noite insone na conta e uma vontade enorme de ligar ou
mandar mensagem para Samara, mas me contive. Eu iria até ela, ela merecia
que eu fosse, principalmente por eu ter perdido tanto tempo, por não ter
assumido o que sentia antes de fazê-la atravessar o oceano.
E se ela não me quisesse mesmo? E se o que me dissera ao comparar
nossa situação com a de seu antigo relacionamento fosse certo? Ela não
ficaria comigo sem amor, já havia deixado claro. E se, mesmo eu sentindo
por ela um amor tão absurdamente grande, ela ainda assim não me amasse?
Eu seria rejeitado, e todo o medo que eu sentira a vida toda com relação a ela
se concretizaria. Eu teria a certeza de que não era bom o suficiente para ela.
No dia da viagem, decidi não trabalhar. Fui até o hospital visitar meu
irmão e soube que ele não tinha visto nada na ultrassonografia de Kika.
Achei engraçado ele tão noiado daquele jeito, cheio de orgulho, de medo e de
amor. Percebi que faz parte sentir medo e que a grande sacada de estar
apaixonado é ignorar e se entregar de olhos fechados, arriscando alto para se
ter a maior recompensa que uma pessoa busca: a felicidade.
Eu via a felicidade naquele quarto de hospital. Em cada olhar de meu
irmão para Kika, em cada gesto preocupado dela para com ele, eu sentia a
profundidade e a verdade do sentimento entre eles.
— Você disse que vai para a Espanha hoje — Kika comentou comigo. —
Samara está lá? — Confirmei, e ela sorriu. — Sabia que vocês não iam
conseguir negar mais por muito tempo.
Suspirei e confessei:
— Negamos a vida toda, mas acho que chegou o momento de provar se é
de verdade. — Ela pegou minha mão, e Kostas pigarreou, mesmo distraído
lendo um jornal. Kika rolou os olhos, mas sorriu feliz. — Eu estou com
medo.
— Eu sei, é apavorante estar apaixonado por alguém sem ter a certeza dos
sentimentos dessa outra pessoa, mas o medo não faz você deixar de amar,
apenas te impede de descobrir o que é ser amado. — Ela olhou para
Konstantinos. — Enfrentar o medo é o primeiro passo em busca da
felicidade.
O que ela me disse alimentou a esperança dentro de mim e me fez relaxar
um pouco a tensão antes do embarque.
— Tome isso. — Kyra me estendeu um remédio. — Você não dorme há
dias, vai chegar lá igual a um zumbi e assustará a Samara. Temos mais de 10
horas de voo, dá tempo de descansar.
— Não quero — rejeitei a pílula, e ela insistiu.
— Vai precisar de todo seu cérebro em bom funcionamento para
convencê-la, e, acredite em mim, com ele em estado normal, você já é um
tapado, imagine dormente de sono. — Fez cara de brava. — Toma logo!
Confesso que foi o melhor arranjo, o que me faz feliz por ter uma irmã tão
inteligente e bruta como ela. Dormi a viagem toda, acordei quando paramos
em Lisboa, comi algo e me senti muito mais disposto e animado.
Até agora!
— Ela não vai me deixar subir! — falo enquanto o porteiro conversa com
alguém pelo interfone.
— Claro que vai, eu vim junto!
Encaro-a.
— Não era bem essa a resposta que você deveria me dar!
— Eu sou sincera! E é bom você entrar em campo com os pés no chão,
sem salto alto, porque o jogo só acaba quando termina, então ponha seu
melhor atacante para trabalhar e faça o gol direito!
Franzo a testa.
— Você sabe que futebol era o negócio do babaca cujo pescoço ainda vou
torcer, não? Péssima metáfora motivacional.
— Não estava motivando, apenas alertando de que, se você ficar de cu
doce e não disser a ela com todas as letras por que veio, vai tomar cartão
vermelho! — ela provoca, mas consegue atingir o alvo.
Kyra não tem ideia de como foi complicado chegar até aqui. Eu me sinto
novamente o garoto que ia levar Samara ao baile, morrendo de medo. Só
espero que dessa vez eu não faça merda.
— Puede subir — o porteiro finalmente libera nossa passagem.
Sinto uma mistura de alívio e medo, algo estranho, que parece dar nó em
minhas entranhas, mas sigo com minha irmã até o elevador.
— Você sabe o número do apartamento?
— Claro, já estive aqui antes. — Encara-me. — E se você tivesse sido um
bom amigo, saberia também.
— Porra, Kyra, você não está ajudando.
— Só para te lembrar todas as merdas pelas quais você deve pedir perdão.
— Como se eu não soubesse...
— Saber não é suficiente, meu caro, você precisa falar para ela e deixá-la
ter a dimensão da sua burrice por todos esses anos. Se, ainda assim, ela te
quiser, é amor verdadeiro.
Engulo em seco.
— Falou a especialista!
Kyra ri.
— Eu sou! — Dou uma olhada irônica para ela. — Observo os outros;
olhe à minha volta, meus amigos estão todos apaixonados e felizes!
— E você?
— Já sou feliz sem estar apaixonada! — Ela beija seu próprio ombro.
— Sei...
Kyra acha que me engana com esse discurso, mas eu sei que não é bem
assim. Não que ela não seja feliz sozinha, acho que possa ser, do jeito dela.
Contudo, sei que está sozinha por conta das marcas do passado, não porque
seja uma escolha realmente sua.
Daniel está à porta do apartamento, parado como um leão de chácara na
entrada, braços cruzados, cara de poucos amigos, um verdadeiro “cavaleiro
de armadura brilhante” defendendo a honra de sua irmã. Xingo, querendo
evitar confrontos com a família dela, mas disposto a tudo para poder falar
com Samara.
— Round one, fight! — Kyra imita a voz do videogame, e eu aquiesço e
já me preparo para entrar, mesmo que seja na porrada.
— Bom dia — Daniel nos cumprimenta. — Que surpresa.
Ele me olha sério, desafiador.
— Bom dia. Onde está Samara?
Kyra dá uma risadinha ao meu lado.
— O que você quer com ela, Alexios?
Cruzo os braços e sorrio.
— Você vai mesmo bancar o irmão dragão guardião da princesa? Qual é,
Daniel, acho que Samara já é bem grande para saber falar por si mesma.
— Alex... — Kyra sussurra, mas não a olho.
— Ela é, a questão aqui não é se minha irmã é adulta, é saber se você irá
se comportar como um.
— Eita! — Kyra ri e recebe um olhar enviesado de Daniel. — Meninos, a
testosterona aqui está alta, mas sinto interrompê-los. — Ela empurra Daniel
para o lado e o encara. — Vou dar um abraço em minha amiga, e depois nós
dois vamos deixá-los conversar, então resolva o que você tem que resolver
com ele de uma vez.
Ela entra, e Daniel parece confuso, como se não conhecesse o furacão
chamado Kyra.
— Olha, Daniel, eu sei que você está preocupado com sua irmã e, acredite
em mim, conheço o sentimento, mas vim aqui para falar com ela e, se
precisar te tirar dessa porta à força, eu vou fazer isso, porque não volto para
aquela porra de país sem que diga a Samara o idiota que tenho sido por todos
esses anos.
Daniel não fala nada, apenas me olha e então sorri.
— Todos sabemos o idiota que você tem sido, Alex. — Ele sai da frente
da porta. — Não a machuque, Samara é a pessoa mais doce que eu conheço,
e sei o quanto ela já sofreu por sua causa. — Fico sério, olhando-o sem
desviar os olhos, sentindo-me um moleque tomando esporro antes de sair
com sua primeira namorada. — Eu quero ser seu amigo, Alex, mas se você a
ferir, se prepara, porque vai ter que prestar contas a mim.
Minha vontade neste momento é de mandá-lo à merda, se foder, cuidar da
sua vida, mas respondo:
— Não vou feri-la.
Kyra aparece, sorridente, e puxa o braço de Daniel.
— Vamos, te pago um café!
— Acho que vai ter que ser algo um pouco mais forte que isso — escuto-
o dizer a ela antes de entrarem no elevador.
Respiro fundo, armo-me de toda a coragem que sempre tive para enfrentar
grandes desafios, mas devo confessar que nada do que vivi até hoje, em
nenhum dos esportes radicais – ou ilegais – que já pratiquei se compara a este
momento.
Entro na sala e vejo Samara de pé perto das enormes janelas do
apartamento. Entendo o motivo pelo qual ela alugou algo em um prédio de
poucos andares e ficou no segundo; ela gosta da janela, da visão que tem,
mas tem medo de altura, sempre teve.
— Oi, Alexios — cumprimenta-me. — Eu não esperava...
Tremo de medo e me aproximo dela, fazendo-a parar de falar. Preciso lhe
dizer o que vim fazer aqui e o que sinto antes mesmo de ela se manifestar.
Não que isso vá fazer diferença caso ela realmente não queira nada comigo,
apenas quero pôr para fora, quero dizer antes de uma possível rejeição.
É dela, por ela e para ela, então, ainda que não sinta o mesmo, não quero
guardar apenas para mim algo que não me pertence mais.
— Eu tinha que vir. Cometi um erro anos atrás, não vou cometê-lo de
novo.
Samara enruga a testa.
— Que erro?
— Não ter vindo atrás de você há três anos, quando foi embora sem se
despedir. — Ela desvia os olhos. — Não ter me lembrado do beijo que te dei
naquela noite. — Samara torce as mãos. — Não ter te tirado para dançar
naquele maldito baile de formatura e ter sido o seu primeiro.
— Alexios, esses momentos não voltam mais...
Toco seus lábios com o dedo, e ela me encara.
— Eu sei, não vim apenas lamentar minha burrice, vim dizer que você é,
sim, minha melhor amiga, a pessoa em quem mais confio nesse mundo,
minha confidente, conselheira e tantas outras coisas que eu ficaria horas
listando. Samara, você sempre esteve ao meu lado, e eu nunca tive dúvidas de
que continuaria a estar. Você é meu porto seguro, é meu alicerce, meu lar. —
Vejo uma lágrima cair em sua face e a intercepto com a ponta do dedo. — Eu
reconheço que nem sempre correspondi a tudo o que você me dava. Eu estava
tão ferido que só conseguia sentir minha dor, fui egoísta e justamente com
você, que sempre compartilhou comigo todo o meu sofrimento, me entendeu
mesmo que eu nunca tenha precisado explicar.
— Alexios, eu nunca tive dúvidas da nossa amizade.
— Eu sei, nem eu. — Sorrio. — Não foi somente por ela que vim aqui.
Vejo o movimento de sua garganta ao tragar a saliva devagar.
— Por que você veio?
Não tem mais volta! Agora é hora de me expor e rasgar minha alma,
renunciar a todo o medo, toda a insegurança e o sentimento de inferioridade
que sempre me fez temer sentir por ela mais do que o seguro sentimento de
amizade.
É hora de dizer as palavras que nunca disse para ninguém.
Alexios veio atrás de mim!
Daniel autoriza a entrada de Kyra e Alexios, e eu olho para as minhas
mãos, trêmulas, coração disparado, a cabeça cheia de questionamentos, mas
mando-me ter calma, não criar expectativas, não me iludir.
— Eu vou esperá-los lá fora — Daniel avisa, e eu nego.
— Não tem necessidade disso, Dani, são meus amigos!
Meu irmão sorri, anda até onde estou e beija minha testa.
— Eu sei disso, mas ele não veio até aqui pela sua amizade, isso ele já
tem, mesmo longe, sempre teve. — Arregalo os olhos, e minhas mãos suam.
— Se Alexios veio sem avisar atrás de você, é porque se deu conta do idiota
que é, e, Samara, eu não vou facilitar para ele.
— Dani...
— Confia em mim, é só uma conversinha rápida, nada de mais!
Ele sai e deixa a porta semiaberta, permitindo-me ouvir as vozes no
corredor. Estou nervosa e fico ainda mais quando ouço a voz de Alexios, que
cumprimenta Daniel e pergunta por mim.
Vou até a janela, agradecida por ser um dia tão bonito de primavera,
tentando ordenar meus pensamentos e sentimentos antes de conversar com
ele. Não sei se veio até aqui para retomar aquele pedido de casamento
absurdo ou se...
— Ei, Malinha! — Kyra para ao meu lado na janela, olhando para o céu e
para as construções que formam minha vizinhança. — Está um dia lindo!
— Está, sim. — Olho-a. — O que significa isso, Kyra?
— Uma visita! — Pisca para mim. — Eu adoro Madri e estava mesmo
precisando de uns dias de primavera europeia.
Bufo, detestando que ela seja tão obtusa com tudo, principalmente com
esse momento.
— Por que Alexios veio? Da outra vez ele nem...
— Ele veio porque se deu conta de algo que estava bem na cara dele, mas
que ignorava por medo ou por não acreditar que merecia. — Meus olhos se
enchem de lágrimas. — Sim, eu sempre desconfiei, mas era meu dever de
amiga não criar mais ilusões em você, porque eu sabia que ele tinha que se
dar conta sozinho. — O sorriso de Kyra é gigante. — Você não está iludida,
nunca esteve ao esperar – mesmo sem querer – que isso acontecesse um dia.
Só te peço uma coisa, não facilite para ele — sorrio ao ouvir as mesmas
palavras que meu irmão disse. — Alexios precisa colocar para fora mesmo
sem ter certeza dos seus sentimentos com relação a ele. Deixo-o falar tudo,
Samara.
Assinto, secando as lágrimas, o coração apertado de ansiedade.
— Ele vai te dizer as palavras, mas acredite, são mais do que isso. — Ela
me surpreende ao me abraçar. — Eu te amo, Malinha!
Não tenho tempo nem de responder, pois a doida metida a durona se
sacode toda, como se expulsasse todo esse sentimentalismo e sai da sala.
Não demora muito, ouço os passos de Alexios e o vejo parada na entrada
da sala. O ar à minha volta parece vibrar, minha pele se arrepia toda e
esquenta de antecipação, meu coração está mais agitado do que uma escola
de samba quase estourando o tempo de desfile.
— Oi, Alexios — saúdo-o. — Eu não esperava...
Paro de falar assim que ele cruza a sala com passada largas e fica a um
palmo de distância de mim. Sinto uma espécie de energia estática, um
magnetismo tão grande que preciso me travar no chão para não ir ao encontro
do seu corpo.
Não vou facilitar!
— Eu tinha que vir. Cometi um erro anos atrás, não vou cometê-lo de
novo.
Enrugo a testa. Do que ele está falando?
— Que erro?
— Não ter vindo atrás de você há três anos, quando foi embora sem se
despedir. — Isso me pega de surpresa, pois raramente o ouço admitir suas
cagadas, principalmente suas atitudes egoístas. — Não ter me lembrado do
beijo que te dei naquela noite. — Ai, porcaria, como vou conseguir não
chorar? Aperto as mãos, tentando ter autocontrole. — Não ter te tirado para
dançar outras vezes naquele maldito baile de formatura e ter sido o seu
primeiro.
Meu sonho daquela noite, minha ilusão! Isso era tudo o que eu queria,
mas já não adianta mais pensar sobre isso, as coisas aconteceram como
tinham que acontecer.
— Alexios, esses momentos não voltam mais...
Ele me faz parar de falar ao tocar seu indicador sobre meus lábios, e eu
volto a olhá-lo.
— Eu sei, não vim apenas lamentar minha burrice, vim dizer que você é,
sim, minha melhor amiga, a pessoa em quem mais confio nesse mundo,
minha confidente, conselheira e tantas outras coisas que eu ficaria horas
listando. Samara, você sempre esteve ao meu lado, e eu nunca tive dúvidas de
que continuaria a estar. Você é meu porto seguro, é meu alicerce, meu lar. —
Lar? A palavra parece pequena e simples, mas eu sei bem o significado dela
para ele. Lar foi tudo o que ele nunca teve e que sempre sonhou construir
para si e para Kyra. Era sua meta, a coisa mais importante de sua vida. Não
consigo impedir que uma lágrima caia, e ele a limpa. — Eu reconheço que
nem sempre correspondi a tudo o que você me dava. Eu estava tão ferido que
só conseguia sentir minha dor, fui egoísta e justamente com você, que sempre
compartilhou comigo todo o meu sofrimento, me entendeu mesmo que eu
nunca tenha precisado explicar.
Toda a nossa história parece passar pela minha cabeça em lembranças
cinematográficas. Lembro-me com carinho das brincadeiras e aventuras, da
estranheza da adolescência, dos momentos tensos em que ele tentava
esconder de mim o que estava havendo dentro de sua casa, dos pedidos de
socorro para Kyra e de ajuda quando precisava esconder suas marcas.
Sim, temos uma história que nem sempre foi bonita, mas sempre
estivemos juntos.
— Alexios, eu nunca tive dúvidas da nossa amizade — afirmo com
convicção.
— Eu sei, nem eu. — Ele sorri, verdadeiro, os olhos iluminados. — Não
foi somente por ela que vim aqui.
Minha boca seca, as pernas tremem, tenho medo de não conseguir me
manter de pé por muito tempo tamanha a ansiedade pelo que ele tem a me
dizer. Se Kyra estiver certa...
— Por que você veio?
Alexios puxa o ar profundamente, vejo seu peito se expandir e seus
ombros subirem um pouco. Ele parece estar com medo, mas ao mesmo
tempo, armando-se de coragem.
— Eu amo você.
(Pausa aqui neste momento único para dizer que, se fosse um filme,
certamente haveria fogos e pessoas de pé aplaudindo!)
As palavras estão aqui, cheias de emoção, de significado. Já nem sei mais
por quanto tempo espero por ouvir essa confissão, sempre imaginando como
seria, se ele iria falar num rompante ou iria escrever uma carta. Mais tarde,
quando entrei na adolescência, sonhava que essa declaração viria após uma
noite quente entre nós, na qual ele se daria conta de que eu era o sexo mais
gostoso que já havia feito na vida e de que não podia viver sem mim.
Sorrio, as lágrimas se infiltrando pelos cantos dos meus lábios, e vejo a
mesma emoção transbordar dos lindos olhos claros de Alexios.
Tinha que ser agora, era o tempo certo, o momento em que nós dois
estamos preparados para entender a profundidade desse sentimento e termos
a consciência de que é algo precioso e que deve ser valorizado.
— Eu amo você — ele repete —, não apenas como a amiga maravilhosa
que você é, eu te amo por causa da mulher incrível que você se tornou; por
causa da adolescente doce e protetora que você foi; e pela criança tão meiga e
divertida que me fazia querer que todos os dias fossem sábado, para andar de
bicicleta pelo condomínio.
Soluço, percebendo que nós nos amamos há muito tempo, e entendo,
enfim, por que nunca pude apagar esse sentimento. Não era só meu, era
nosso, estava apenas esperando o momento certo para que se unisse e pudesse
vir à tona.
— Eu te amei mesmo sem entender o que isso significava, mas era algo
tão forte que me deixava exposto, e, por tudo o que eu estava passando, eu
sentia que isso era perigoso, então ignorei, tranquei o sentimento em algum
lugar dentro de mim, e minhas dores e revoltas o sufocaram por um tempo.
— Alexios pega minhas mãos. — Só que ele nunca morreu, Samara. Quando
pude me libertar, quando cumpri minha missão de tirar Kyra de dentro
daquela cobertura, eu já me sentia muito quebrado, insuficiente para você.
— Eu sempre te amei, Alexios — confesso, e ele chora. — Te amei
mesmo sabendo que você não conseguiria me amar da mesma forma; te amei
entendendo que, por mais que eu estivesse perto de você, nunca seria meu.
Eu quis não te amar. — Ele assente. — Mas nunca porque te achei
insuficiente para mim, apenas porque pensava que eu era invisível a você.
Ele me abraça apertado, sinto os espasmos que os soluços do choro
causam em seu corpo e beijo seu pescoço.
— Eu fui um medroso e te feri com meu medo — ele diz. — Perdoe-me
por tudo o que eu fiz você sentir, que te feriu, magoou ou deu a entender que
você não era importante para mim.
— Eu também peço perdão, Alexios, por nunca ter dito a você o que
sentia de verdade e ter te deixado saber que você não era insuficiente para
mim.
Alexios me beija devagar, com sentimento, uma carícia leve, plena de
emoção, traduzindo em apenas um gesto tudo o que acabou de me dizer.
Agarro-me a ele, deixo-o explorar minha boca como quiser, entrego-me de
verdade, por inteiro, como se fosse nossa primeira vez juntos.
Sinto-me tão diferente agora, que sei que nos amamos, tão completa,
como se descobrir sobre o amor dele potencializasse todo o meu tesão,
tornasse-o mais forte, mais intenso, e eu fosse inteiramente consumida por
ele.
Alexios me ergue em seus braços, e eu o abraço com minhas pernas para
não cair. Sua boca já não acaricia, e sim parece comer a minha, roubando-me
o fôlego e toda a razão restante.
Sou toda emoção, toda dele!
Ele anda comigo em seu colo, e eu abro o os olhos. Alexios beija meu
queixo, o pescoço e me aperta contra si.
— Quero amar você agora.
Sorrio e concordo.
— Segue pelo corredor, primeira porta à...
Ele vai tão rápido que começo a gargalhar, o som de pura alegria
enchendo os ambientes, deixando tudo mais iluminado e colorido. Sou
deitada no colchão, mas continuo com as pernas em volta de seus quadris.
Alexios se movimenta, seu pau duro esfregando-se contra mim, causando-
me arrepios deliciosos. Acompanho com o olhar quando ele abre o botão e o
fecho da minha calça e toca o cós da minha calcinha com o dedo, brincando,
entrando ou só contornando parte da peça.
— Levanta a bunda — pede, e eu lhe obedeço.
A calça é abaixada, puxada até meus joelhos. A calcinha branca, de seda e
renda, aparece, e ele geme ao notar a sensualidade e delicadeza dela. Sinto-
me feliz por tê-la escolhido, mesmo que não seja uma peça pequena, porque
cobre boa parte do meu bumbum, brinca com a sensualidade através de seus
tecidos finos e quase transparentes.
— Eu sinto seu cheiro daqui. — Fecho os olhos, mortificada, sentindo-me
envergonhada por isso, mesmo que ele já tenha repetido outras vezes que é
maravilhoso poder discernir meu cheiro de excitação dos outros em mim. —
Eu adoro isso, Samara, é como você responde a mim, ao meu corpo no seu.
Alexios tira minhas pernas de seus quadris e, com um só puxão, livra-se
da calça. Em seguida, sem dizer mais nada, ajoelha-se no chão, perto da
cama, e lambe minha calcinha.
Deliro.
— Eu amo cada parte de você — diz antes de morder o elástico da
calcinha e puxá-lo. — O cheiro da sua pele, que consigo sentir mesmo
quando você está usando perfumes; o jeito com que seus pelos se arrepiam
quando beijo sua nuca; e, principalmente, amo seus gemidos de prazer
quando te faço gozar forte com minha boca.
Gemo alto, incontrolável, ao sentir sua língua dentro de mim, coletando o
néctar de prazer que ele adora sentir, misturando sua saliva ao meu próprio
líquido, lambuzando tudo. Ele chupa forte, sem freio, com pressa do meu
gozo, com fome do meu orgasmo em sua boca.
Puxo seus cabelos, trazendo-o mais para mim, rebolo, esfrego meu sexo
em sua cara sem nenhum pudor, uso seu rosto como meu brinquedo
particular, sem poupar nada dele. A ponta de seu nariz movimenta meu
clitóris inchado, e sinto calafrios subirem por minha coluna.
Aperto as coxas, o desejo fluindo pelo meu corpo, o tesão me fazendo
refém de sua vontade. Tento controlar, atrasar, desfrutar mais da sensação do
pré-orgasmo, da antecipação da liberação, mas ele não me poupa. Alexios me
abocanha inteira, seus lábios se abrindo e fechando em toda a extensão da
minha boceta.
— O que você está... — começo a perguntar, mas as pequenas convulsões
me impedem de terminar a frase.
Explodo, transcendo, saio de mim, tamanho o prazer. Ele não para, quer
mais. Ainda que não ponha muita pressão sobre meu clitóris, continua a me
foder com a boca de um jeito que nunca o senti fazer.
Curto as carícias, trêmula, ainda sentindo o prazer reverberar pelo meu
corpo todo. Meus pelos começam a se eriçar, os músculos do meu abdômen
se contraem, e minha respiração fica mais pesada. Um calor úmido se
acumula em meu ventre, sinto a diferença entre minha lubrificação normal e
o líquido que está se juntando dentro de mim.
— Alexios...! — grito seu nome em uma súplica sem sentido.
Gozo novamente, um prazer diferente toma conta de mim, não tão
desesperador quanto antes, porém muito mais potente. Eu preciso dele dentro
de mim!
Não sei se digo isso em voz alta ou se Alexios entendeu do que eu
precisava, pois ele enfia dois dedos e me fode tão loucamente com eles que
chego a me erguer na cama. O barulho do ato é deliciosamente perverso, o
som do charco que se formou entre minhas coxas é tão alto que imagino que
tenha molhado tudo, inclusive o colchão.
— Vem! — chamo-o.
— Eu quero mais! — E volta a me lamber. — Quero você inteira!
— Sou sua!
Os dedos molhados deslizam para minha bunda e untam meu ânus até
deixá-lo completamente encharcado. Alexios me olha quando um dos dedos
se insinua dentro de mim e depois recua devagar.
Sua exploração no local é lenta, abrindo caminho devagar, alargando,
preparando. O segundo dedo se junta à brincadeira, e vibro inteira quando ele
me chupa enquanto fode meu rabo.
Nunca fiz sexo anal, morria de medo. Contudo, com Alexios, tenho
vontade de experimentar e fazer tudo o que nosso tesão e imaginação
permitirem. As sensações se intensificam, sinto-me cada vez mais molhada,
excitada, então ele para e se ergue.
Fico olhando embevecida para ele quando tira a camisa, a calça, e, por
fim, os calçados e a cueca. Sento-me na cama e passo a mão pelo seu corpo.
Alexios fecha os olhos e levanta a cabeça, sentindo meu toque, o explorar
apreciativo de seus músculos, dos pelos mantidos curtos, do seu pau.
— Você é lindo, Alexios — falo acariciando seu pênis devagar. —
Perfeito!
Beijo a ponta, sorvendo a gotinha de lubrificação que ele produziu com
meu toque, maravilhando-me com o gosto salgado, aguçando minha vontade
de prová-lo ainda mais. Lambo-o até a base e depois volto, a língua passando
por todos os relevos causados por suas veias grossas, a sensação de
formigamento do sangue sendo cada vez mais bombeado para mantê-lo
firme.
— Samara — ele me chama. — Chupa!
Sorrio antes de fazer o que manda, tomando-o na boca até o máximo que
consigo, devorando-o como se fosse uma iguaria deliciosamente rara.
Ele é! Ele é meu!
Alexios me segura pelos cabelos, afastando-me de seu pau, ergue minha
cabeça e me beija cheio de tesão, abaixando-se, encaixando-se entre minhas
coxas.
— Você é minha! — declara ao rebolar, esfregando seu membro duro em
minha entrada. — Eu amo você.
Fecho os olhos quando ele me penetra, a sensibilidade da minha vagina
junto ao pulsar de sua carne fazendo meu corpo todo se retesar de
antecipação. Alexios ergue meus braços, retira minha blusa e deita sua cabeça
entre meus seios enquanto rebola devagar dentro de mim.
Ficamos assim por algum tempo, saboreando um o corpo do outro, em
movimento curtos, lentos e cadenciados. Ele me beija, lambe, cheira,
enquanto está unido a mim nessa dança íntima que fazemos. Posso sentir o
seu calor, a aceleração do seu coração e me ajeito para recebê-lo mais fundo.
Ele percebe minha intenção, ergue minhas pernas, encaixa meus
calcanhares em seus ombros e me olha sem se mexer. Sorrio para ele,
emocionada, vendo em seus olhos todas as palavras que me disse, todo o
amor que ele sente.
— Eu te amo, Alexios, sempre te amei e vou amar.
A declaração o desperta do transe delicioso no qual estávamos, e,
segurando minhas coxas com força, ele começa a estocar sem parar, fodendo-
me do seu jeito preferido, sem freio, socando fundo.
Meu corpo responde ao dele imediatamente. Grito de prazer, salivo de
tesão, empreendendo-me na viagem mais maravilhosa que alguém pode ter: a
do prazer.
Os gemidos dele se intensificam, o suor em seu rosto pinga sobre minha
barriga, e ele urra como um bicho, pulsando dentro de mim, levando-me
consigo, no mesmo instante, ao êxtase.
Gozamos juntos, em sintonia, com a mesma força e intensidade. Ele se
abraça a mim, trêmulo, ofegante, e me aperta com força, como se quisesse
fundir-me ao seu corpo.
— Você é o lugar onde eu quero ficar para sempre — diz baixinho com a
cabeça deitada na curva do meu pescoço, e eu sinto o coração transbordar de
alegria.
O dia amanhece em Madri, mas poderia ser em qualquer outro lugar do
mundo, não faria diferença. Nada do que tem lá fora me chama a atenção ou
me interessa, tudo o que eu quero está bem aqui, dormindo apoiada no meu
peito. Pego uma mexa de seu cabelo, admirando o anelar de seus fios, enrolo-
a em meu dedo como se fosse um anel.
Samara e eu passamos o dia inteiro ontem dentro deste apartamento, mais
especificamente, dentro deste quarto. Depois do sexo foda que tivemos,
tomamos banho juntos por um longo tempo, ambos na pequena banheira,
abraçados, curtindo o momento de relaxamento pós-orgasmo um lavando o
outro.
— Eu deveria ter impedido você de vir, deveria ter ido ao aeroporto —
comentei em certo momento.
— Seria como a cena de um filme. — Ela suspirou. — Mas estou feliz
por você estar aqui.
— Eu também!
Ela se ajeitou melhor ao meu corpo, seus cabelos presos no alto da
cabeça, suas costas contra meu tórax, e eu abraçado a ela com braços e
pernas. Eu não sentia a mínima vontade de soltá-la, de me separar dela,
minha sensação era de paz ao seu lado, algo que nunca tinha sentido.
— Você vai voltar comigo? — perguntei apreensivo, com medo de ela
decidir ficar em Madri por um tempo ainda.
— Vou — respondeu, aliviando-me. — Eu mal cheguei aqui e já queria
voltar — confessou. — Eu amo esta cidade, este país, mas ainda assim não é
minha casa. Eu queria estar perto da minha família, dos meus amigos e de
você.
— Por que então não ficou? — Ela riu, e, mesmo sem responder, entendi
a resposta. — Eu era um asno!
— Não posso discordar disso.
Gargalhei e a apertei contra mim, beijando seu ombro úmido e cheiroso.
— Eu não mereço você. Nunca mereci.
Ela se virou e me olhou, séria.
— Então faça por merecer.
— Eu farei, Samara, juro que farei.
Ela sorriu confiante, e eu suspirei, sentindo-me o homem mais feliz desse
mundo, como se a sorte estivesse realmente sorrindo para mim. O vazio que
sempre esteve presente em meu interior estava sendo preenchido pelo amor
dela; a raiva que sempre fervilhou em meu estômago estava aplacada,
contida, como se Samara fosse a cura de todos os males.
Eu sei que pode parecer exagero, mas ponham-se no meu lugar! O que eu
conhecia de amor e de carinho? Não tive isso com Sabrina, não tive isso com
aquele que deveria ser o meu pai. Balanço a cabeça ao constatar que sempre
tive isso dela. Eu só não enlouqueci durante aquele tempo por causa do apoio,
da compreensão e do amor de Samara.
Sinceramente, não sei por que, depois de me foder tanto, a vida resolveu
me dar esse privilégio que é tê-la comigo, mas não reclamo, nunca poderei
reclamar. Ela é, sim, mais do que mereço, e vou passar minha vida tentando
ser um homem digno de seu amor e entrega.
Samara se mexe ao meu lado e muda de posição, virando-se de costas
para mim. Sigo-a, enlaço sua cintura e me encaixo no contorno de seu corpo.
O cheiro de seu xampu me remete ao banho no chuveiro, depois de mais uma
trepada excepcional, e meu pau acorda de vez, duro, entre as bochechas de
sua bunda.
— Hum... — Samara geme e rebola. — Alguém quer dar bom-dia!
Rio e beijo seu pescoço.
— Meu pau é educado. — Ela rebola mais forte, pressionando seu corpo
contra o meu. — Bom dia, Samara.
Ela suspira.
— Bom dia, Alexios.
Minha mão percorre a frente de seu corpo nu, os seios fartos, a
barriguinha seca, os ossos da bacia, até mergulhar em seu sexo macio,
cheiroso e convidativo. Toco-a do jeito que gosta, lambuzando meus dedos
dentro de si para depois massagear seu clitóris usando sua própria
lubrificação para deslizar melhor.
Samara geme e se aperta mais contra mim, abrindo mais as penas.
Encaixo meu pau em suas coxas e o esfrego em sua entrada enquanto a
masturbo. A movimentação é rápida, temos pressa de manhã, sempre foi
assim. Encaixo minha cabeça, e ela me engole sem nenhum pudor.
Ergo uma de suas pernas e meto sem parar, fazendo-a gemer alto,
contorcer-se e vibrar comigo ao ritmo que imponho. É uma trepada matinal
rápida, aquela para aliviar o primeiro tesão do dia, para dar ânimo e ajudar a
acordar.
Espero-a gozar, aumentando o ritmo dos meus dedos sobre seu clitóris e,
quando ela o faz, sigo-a sem pudor, aventurando-me em seu prazer, curtindo
a mesma onda orgástica que ela.
Continuo abraçado ao seu corpo por muito tempo ainda. Samara relaxa,
ressona como se tivesse voltado a dormir, então curto os efeitos do sexo
matinal, sentindo-me a porra de um homem babão, grudento, porque não
consigo sair dela, de perto dela.
— Eu estou com fome — ela fala de repente.
Sorrio.
— Eu também, faz mais de 24 horas que não como nada a não ser você —
brinco, e ela me olha rindo. — Seu corpo me sustenta bem, viu?
Ela se move. Gemo ao sentir meu pau deslizar para fora de seu corpo e a
observo se levantar rapidamente.
— Tem um lugar aqui pertinho que tem um café maravilhoso. —
Concordo. — Vou para o banho.
— Quer companhia?
Ela olha meu pau, já semiereto, e arregala os olhos.
— Mas já? — Ri.
— Sempre!
Levanto-me em um pulo só e a levo para o banho.
Samara não pôde acreditar quando eu disse a ela que ainda não conhecia
Madri. Eu já havia vindo à Espanha, inclusive já tinha passado por Madri,
mas não tive tempo de passear pela cidade e conhecer os pontos turísticos.
Então, logo após um café na charmosa confeitaria a que ela me levou, fomos
andar pela Gran Via, com suas lojas, restaurantes e teatros.
É uma experiência nova caminhar ao lado de alguém de mãos dadas,
trocar beijos na rua e me sentir feliz. Essa última sensação é, sem dúvida
alguma, uma experiência novíssima.
Paramos para almoçar em um restaurante que ela recomendou muito, e,
preciso admitir, a comida estava excelente. Liguei para Kyra, mas minha irmã
não atendeu, e Samara convidou Daniel para ir conosco ao Parque El Buen
Retiro, porém, o homem declinou do convite, dizendo que ia até o Santiago
Bernabéu, o estádio do Real Madri.
O parque é lindíssimo. Entendi por que ela queria tanto me levar para
conhecê-lo. É um pedaço de natureza dentro da capital espanhola, com
muitas espécies de árvores, trilhas e lagos.
Kyra só deu sinal de vida quando estávamos aguardando vaga para alugar
um barco a remo.
— Onde você esteve? — perguntei assim que ela atendeu a ligação.
— Dormindo. — Riu. — Não dormi nada a viagem para cá, ontem fiquei
andando pela cidade até tarde, fui a um bar à noite e depois despenquei no
hotel, só acordei agora.
— Estava com Daniel?
— Com Daniel? Por quê?
Olhei para Samara, que também estranhou a pergunta.
— Vocês saíram juntos do apartamento de Samara ontem, por isso.
— Ah, não, tomamos um café e depois cada um foi para o seu lado. Daqui
a pouco saio daqui e encontro vocês.
— Estaremos de volta ao apartamento. — Sorri para Samara. — Daniel
levou as malas de Samara para lá. Amanhã ela irá devolver o apartamento ao
proprietário e conversar com o pessoal do escritório onde iria trabalhar.
— Samara vai voltar para o Brasil conosco? — Kyra questionou animada.
— Eu vou! — foi a própria Samara quem respondeu, e Kyra deu um grito
de felicidade.
— Ah, Malinha, agora você vai ser oficialmente minha irmã!
Samara ficou sem jeito, porque eu ainda não tinha renovado o pedido de
casamento. Quero fazer tudo como se deve, como ela merece. Namorar, curtir
bons momentos juntos, pedir a mão dela aos seus pais – essa é a parte mais
sensível da história – e planejar um casamento de acordo com os sonhos dela,
sem pressa.
Alugamos o barco a remo e passeamos um tempo pelo Estanque Grande
Del Retiro, conversando, rindo e tirando fotos. Ali, pensei em quantas coisas
nós poderíamos ter feito juntos ao longo desses anos. Viagens,
acampamentos, eu poderia ter lhe ensinado navegação para que me auxiliasse
nos ralis, a deixaria louca de apreensão saltando de paraquedas ou fazendo
voo livre em algum local turístico onde estivéssemos.
Uma vez ela me disse que queria que eu lhe ensinasse tudo o que sabia
sobre sexo, mas percebi que somente isso não será suficiente. Eu preciso
dividir minha vida com ela, integrá-la às minhas coisas e aprender a fazer
parte das dela. Quero saber do que gosta, quero experimentar suas paixões e
compartilhar nossos momentos como amigos e como apaixonados.
Ao cair da noite, a temperatura baixou muito, o que é normal, porque
ainda é primavera por aqui, então chegamos à casa dela, tomamos um longo e
quente banho na banheira – claro que com muita sacanagem – e só saímos da
água quando minha irmã chegou.
— Pela cara de culpa, aposto que peguei os dois fazendo bobagens! —
Ela piscou. — Ainda estou morta de cansaço! A que horas é nosso voo
amanhã?
— À noite — informei-lhe. — Vamos sair para jantar ou pedir algo por
aqui mesmo?
Kyra ficou parada, sorriso congelado, encarando-nos.
— Eu sabia que vocês ficariam lindos juntos! — Ela parecia emocionada.
— É como se meu sonho de menina se tornasse real!
— Ah, Kyra! — Samara se levantou do meu lado no sofá e foi até ela
para abraçá-la.
Eu deveria ficar puto com Kyra por ter escondido de mim, por todos esses
anos, o que Samara sentia. Entretanto, entendo sua lealdade para com a amiga
e admito que talvez eu não soubesse lidar com essa informação. Aconteceu
muita coisa este ano que mexeu comigo, fez-me enxergar coisas que eu não
via, talvez por isso eu estivesse pronto a admitir o que passei a vida toda
tentando esconder.
O salvador do nosso jantar foi Daniel, que chegou ao apartamento com
várias sacolas de comida chinesa. Por várias vezes o peguei me encarando,
avaliando-me, mas depois apenas balançava a cabeça e voltava a comer.
Antes de ele voltar ao hotel, resolvemos assistir a um filme, todos juntos,
e caminhamos até o cinema. Foi mais uma experiência nova e perfeita ao lado
de Samara. Claro que já tínhamos ido ao cinema antes, ela, Kyra e eu, porém
nunca fiquei quase o filme todo com minha língua enfiada em sua boca.
— Vocês parecem adolescentes — Kyra reclama na saída do cinema, e eu
paro de pensar no dia, apertando Samara contra mim.
— Não seja invejosa! — provoco-a de volta. — Cadê o Daniel?
— Por que você acha que eu tenho que sempre saber dele? — ela reage
acuada. — Saiu no meio da sessão para fazer alguma coisa e não voltou.
Deve ter tido diarreia.
— Kyra! — Samara gargalha e aponta para trás da minha irmã. — Ah, lá
vem ele.
— Estavam me procurando? — Ele olha para a Kyra com uma
sobrancelha erguida, e minha irmã lhe dá um gelo. — Eu vou seguir para o
hotel e amanhã passo cedo lá no seu apartamento, Samara, para resolvermos
juntos as coisas antes de partirmos.
— Está certo, obrigada, Dani.
Eu me despeço dele também, então ele olha para minha irmã.
— Quer dividir um táxi?
— Vocês estão no mesmo hotel? — indago, achando interessante que
Kyra não tenha comentado nada sobre isso.
Ela respira fundo e nega.
— Não, ainda vou fazer algumas coisas pela cidade. É cedo para os
padrões de Madri, não sou uma velha para dormir agora.
Franzo o cenho e acho interessante essa troca de farpas entre eles. Daniel
nunca foi meu amigo e, por causa da idade, também não foi próximo de Kyra,
porém os dois conviveram muito por conta da amizade dela com Samara, e
eu nunca soube que eles tivessem problemas.
Nosso táxi chega, Samara e eu entramos no veículo, e, assim que ele se
afasta da calçada, comento:
— Está um clima estranho entre minha irmã e seu irmão.
Ela ri.
— Sempre foram assim, não estranhe. — Ela suspira. — Estou cansada,
mas muito feliz!
Abraço-a.
— Eu também! — Beijo sua orelha e cochicho: — Cansada demais para
trepar?
Ela fica vermelha e olha para o taxista.
— Não! — Coloco a mão no meio de suas coxas. — Sossega!
Rio.
— Fiz mais do que isso no cinema! — Samara fica vermelha. — Aposto
que, quando chupar você esta noite, vai estar com sabor de pipoca.
— Alex! — Ela começa a rir, nervosa, e eu a beijo.
Adoro chocá-la, vê-la ficar sem jeito, mas embarcar em todas as minhas
loucuras. Porra! Devoro sua boca sem nenhum pudor, ligando o foda-se para
o motorista. Essa é a mulher que eu amo, que me ama, e qualquer
oportunidade que terei nessa vida de tocá-la, amá-la e mostrar o quanto sou
louco por ela não irei desperdiçar.
Já perdemos muito tempo escondendo esse amor.
Acordei cedo e fiquei a manhã inteira bocejando e recebendo olhares de
esguelha do meu irmão. Eu ria sem jeito, mas não comentava nada, acho que
nem era preciso. Quase não dormi, a noite inteira fazendo amor com Alexios,
recebendo massagem, banhos, sendo levada ao orgasmo de todas as formas
possíveis.
— Você já contou a ele? — Daniel interrompe meus pensamentos de
repente.
— O quê? — pergunto, sentindo-me perdida.
— Eu sei que você está vivendo no mundo da lua nesses dias. — Rio,
porque é a verdade. — Mas, ao voltar para o Brasil, terá que encarar a
situação que estamos escondendo há algum tempo.
Fecho os olhos e gemo, lembrando-me da caderneta e da carta que deixei
para meus amigos.
— Eu vou contar para ele antes de voltarmos. — Daniel aprova. — Pensei
em fazer isso ontem, mas acabamos ficando ocupados o dia todo, não vi
oportunidade.
— Então crie uma, Samara. Honestidade é tudo em um relacionamento,
vai por mim.
— Eu sei. — Suspiro. — Eu não faço ideia de como eles irão reagir.
— Vai contar aos dois ao mesmo tempo? — Confirmo. — Então também
quero estar junto.
— Tem certeza, Daniel?
— Tenho. — Ele pega a minha mão. — Você queria lhe contar desde o
início, e fui eu quem pediu a você que esperasse. Estamos juntos nessa e
vamos assumir juntos essa responsabilidade.
— E se ele...
— Se ele realmente te ama, vai entender.
Assinto, não tendo nenhuma dúvida do que Alexios sente por mim, mas
ainda assim fico apreensiva. Não quero decepcioná-lo, pois confiou em mim
desde o começo desse assunto de sua mãe biológica, e ter escondido uma
informação que possa ser importante foi injusto.
“Já estou indo, amor. Desculpa a demora, Millos fala como uma
velha fofoqueira!”
Ela digita:
Meu pau pulsa na calça, agitado, querendo-a, então, enquanto o táxi não
vem, começo a digitar uma sacanagem pesada para deixá-la animada, mas
algo do outro lado da calçada me chama a atenção.
— Chicão?
Aperto os olhos para focar melhor e confirmo ser meu amigo. Abro a
boca para chamá-lo, mas então uma mulher surge, saindo de um carro parado
perto da área mais escura da calçada. Sorrio, achando-o muito safado por
estar tendo um encontro no escurinho. Um carro passa e ilumina o casal,
fazendo-me reconhecer de pronto a mulher que vi apenas uma vez, em frente
ao prédio da Karamanlis e que me deu a pista sobre o casarão.
Fico paralisado, olhando-os conversarem, rirem e depois o vejo abraçá-la
e se afastar. Guardo o celular no bolso, esqueço o táxi e o sigo, mantendo-me
distante do outro lado da calçada.
Chicão vira a esquina. Atravesso a rua correndo para não o perder de vista
e então o vejo entrar em um prédio simples de apartamentos. Dou um tempo,
esperando para ver se ele vai sair e, quando nada acontece, vou até a entrada
e confiro os nomes no interfone.
Figueiroa! Sinto o corpo todo gelar ao perceber que ele tem um
apartamento na cidade, mesmo quando diz que não tem morada certa e fica
comigo, hospedado como um hippie em minha sala.
Tento olhar além da porta de ferro e vidro da entrada, mas, ao que parece,
não há porteiro no prédio. Bufo de raiva, olho para cima, para o andar do
número do apartamento junto ao seu nome na campainha do interfone,
calculando qual deveria ser sua janela, o tempo todo questionando o motivo
de suas mentiras.
Decido ir embora e voltar aqui outro dia, quando uma moto de entrega por
aplicativo chega com sacolas de comida, toca o interfone de algum morador e
entra. Sigo atrás dele, subindo as escadas ao invés de utilizar o elevador,
nervoso, o pequeno pileque desfeito, tamanha a desconfiança sobre o que vi e
o que estou prestes a descobrir.
Toco a campainha, mas tampo o olho mágico da porta para que ele não
consiga ver que sou eu e tente fingir que não está em casa. Aperto o botão
várias e várias vezes, até que ele abre uma fresta e fica lívido ao me ver.
Ajo rapidamente, colocando meu pé no vão que se abriu, impedindo-o de
fechar.
— Abra a porta, me deixe entrar e me explique tudo — ordeno ofegante,
cheio de raiva, devagar. — Não posso acreditar que mais isso na minha vida
era mentira. Eu confiei em você, te amei como se fosse um pai, então, por
favor, explique!
Chicão fecha os olhos, bufa e abre a correntinha de segurança da porta.
Entro atento a qualquer movimento dele. Já não confio mais, não tão
cegamente como o fiz durante todos esses anos. A sala parece com o estilo do
que eu conheci como sendo dele. Tudo muito alternativo, com vários
equipamentos esportivos, sem TV e muitas, muitas fotos.
— Alexios, eu não sei o que você viu, mas...
Caminho até a mesa baixa que ele tem sobre um tapete e vejo fotos
minhas, assim como de meus irmãos, em vários momentos. A garganta seca
quando aparece, no meio dessas todas, uma fotografia de Nikkós com quem
acho que seja sua nova esposa.
— Diz para mim para quem você trabalha — peço, controlando a raiva,
tentando não gritar. — Fala, porra!
— Você não conhece — Francisco responde sério.
— Foi atrás de mim já sabendo quem eu era, não? — A dor da traição por
saber que o amigo em quem sempre confiei na verdade estava ao meu lado
apenas para cumprir um trabalho machuca muito. — Por quê?
— Alexios, eu não posso dizer nada, apenas acredite em mim quando
digo que não fingi em nenhum momento que era seu amigo, porque eu sou
seu amigo. É verdade que não cheguei até você sem querer como fiz parecer,
mas isso não muda que eu quero você como a um filho.
— Não fode! — Encaro-o. — Como eu posso acreditar nisso? — Aponto
para todas as fotos na mesa. — Você esteve nos espionando! Você enviou
aquela mulher para me fazer ir até o casarão! — Arregalo os olhos ao me
lembrar que ele estava em minha casa na época em que Kostas me entregou
as chaves do casarão. — Você plantou a caderneta!
Chicão não se defende, irritando-me com seu silêncio a ponto de eu socar
a parede da sala.
— Fala, porra! — Desespero-me e ando pela sala, notando mais fotos no
aparador e algumas em porta-retratos. — Eu nunca vou te perdoar caso
continue calado, eu juro que...
Paro de falar ao reconhecer uma pessoa que aparece em uma foto com
Francisco, os dois rindo, no meio de parreiras. Ando até a mesa de centro e
pego a fotografia de Nikkós com sua esposa; é ela!
— Não! — Fecho os olhos, trêmulo. — O que você tem a ver com eles?
O que você pretendia?
— Alexios, eu não fiz nada para te prejudicar, pelo contrário, estou há
anos cuidando de você, protegendo, consolando e...
— Porra, fala logo o que você tem a ver com o meu pai!
Ele ri.
— Nada. — Balança a cabeça. — Eu nunca tive e nem quero ter nenhum
contato com seu pai. — Olho para a foto novamente e sinto meu coração
disparar. — Sua mãe me pediu para cuidar de você, e é o que tenho feito,
mesmo que não concorde com o que resolveu fazer agora. Não a julgo,
ninguém faz ideia do que ela passou, teve que morrer para poder viver, mas
nunca se esqueceu do filho que foi arrancado de dentro de si sem que
deixassem que ao menos lhe olhasse. — Despenco no chão da sala, chorando
como um louco, incapaz de acreditar que, enquanto eu a buscava loucamente,
ela esteve com todos, menos comigo.
— Madeline é minha mãe? — pergunto, molhando a foto dela com
minhas lágrimas.
— É, sim. O nome dela era Leila até ser vendida como escrava sexual e
passar anos se prostituindo no leste europeu, até que fugiu, conseguiu
documentos falsos, foi trabalhar na casa de um magnata como faxineira e
acabou se casando com ele. — Balanço a cabeça, tentando ver naquela
mulher a garota que foi abusada e vendida. — Ela teve sorte, Alexios, muita
sorte, mas no caminho viveu um pesadelo atrás do outro e não pôde esquecer
nada disso.
Tento controlar meu corpo, que parece querer se desintegrar de tanto
tremer. Não entendo nada do que ele me fala, parecendo fantasioso demais e
totalmente sem sentido, se ela se casou com o monstro que desgraçou sua
vida.
Arregalo os olhos, de repente achando sentido em suas atitudes.
— Ela não tinha intenção alguma de vir ao Brasil e me conhecer, não é?
Chicão chora, algo que nunca o vi fazer, e nega.
— Ela só queria que eu garantisse que você fosse feliz, minha missão
terminaria aí, mas então eu entendi que você nunca seria completamente feliz
se não soubesse sobre ela e decidi guiá-lo na direção das respostas.
— O pai de Samara. — Ele assente. — Que sabia apenas o suficiente para
me acalmar.
— Achei que resolveria as coisas para você sem expô-la.
— Ela sabe o que eu descobri?
— Sabe, por isso foi embora.
Tento segurar a dor de saber que ela se afastou quando percebeu que
poderia ser descoberta.
— Por que ela não quer que eu saiba?
— Porque, assim como eu, ela tem sua própria missão, que já teria
acabado há algum tempo se não fosse o que aconteceu com seu irmão.
Balanço a cabeça, compreendendo o que ele me diz. Tento não a julgar
como ele diz que não o faz, porém é difícil entender por que ela acha que sua
vingança é mais importante do que me contar a verdade.
— Ela quer matá-lo, não é?
— Eu não posso falar nada mais, Alexios, não devo.
Começo a rir como um louco, mesmo não tendo motivo nenhum para
fazê-lo. Sempre achei que teria paz ao encontrá-la, ao conhecer minha
história, mas percebo agora que dei a tudo isso importância demais. Ela
sempre soube onde me encontrar, mandou Chicão para ficar de olho em mim,
foi atrás de Nikkós para cumprir seus planos e, nesse tempo, nunca teve
interesse algum em me conhecer.
— Não precisa falar mais nada, Chicão. — Levanto-me, enxugo meu
rosto e toco seu ombro. — Sua missão está cumprida, segue sua vida e finge
que nunca tivemos essa conversa.
— Alexios, ela só quer te...
— Não, ela não pensou e nem pensa em mim. Se me amasse e quisesse
me ver feliz, teria vindo me encontrar e deixado Nikkós se foder sozinho,
porque acredite, ele vai. Eu não tenho mãe, Chicão, e sabe o quê? — Sorrio.
— Isso já não me faz diferença alguma! Não posso consertar os erros deles,
mas posso não os cometer. Você provavelmente já sabe, mas Samara me
ama, e eu a ela.
— Sempre soube, garoto.
— Ela é meu recomeço, minha família e felicidade. — Ele sorri e assente.
— Não vou expor Madeline, vou deixar que siga com seu intento e arque
com as consequências dele, seja como for.
Passo por ele, sentindo um enorme peso sendo deixado aos seus pés, para
trás. Agora eu sei de tudo, ninguém mais tem poder sobre mim por causa da
minha ignorância, não vou mais ser manipulado e enganado por ninguém.
O que o futuro reservou a essa história dos dois, eu não sei, importo-me
apenas com a minha, com a mulher que eu amo, com os irmãos com quem
me sinto unido como nunca.
É hora de seguir em frente, virar a página e ser feliz.
O resto, é outra história!
Quando se ama alguém, tudo o que importa é a felicidade do ser amado.
Olho para Alexios ao meu lado, seu sorriso sincero, cheio de alegria e,
claro, muito orgulho, então suspiro cheia de satisfação, meu corpo trêmulo de
emoção, registrando para sempre os momentos que estou vivendo.
Tanta coisa aconteceu até chegarmos aqui!
Kika chora, e eu sou levada até o dia em que Daniel e eu contamos a ela
sobre papai. Vocês lembram que Kostas encomendou comigo um móvel sob
medida? Pois bem, quando fomos instalar as estantes, surpreendendo-a com o
presente, convidei-a para um café.
Kostas já estava sabendo da desconfiança que tínhamos sobre o nosso
parentesco, e, quando fiz o convite, ele sabia que precisaria estar ao lado dela.
— Por que você não vem aqui após arrumarmos os livros nas estantes? —
ele sugeriu, e prontamente aceitei. — Podíamos aproveitar que Samara é
design de interiores, Wilka, e já consultá-la sobre um projeto grande para a
nossa casa nova.
— Adorei a ideia! Você topa, Samara? — Kika respondeu animada à
sugestão dele.
— Claro! — Sorri para Kostas, agradecida pela ajuda. — Será um prazer!
— Ah, que felicidade saber que seremos concunhadas! — Kika me
abraçou. — Estou muito feliz por você e por Alexios!
Senti um embargo enorme na garganta, uma mistura de emoção e medo à
reação dela ao que eu iria contar. Fiquei ansiosa demais até a chegada da data
da conversa. Alexios tentou me acalmar diversas vezes e de formas
maravilhosas, mas eu só ficaria bem quando pudesse dizer a ela que nós
éramos irmãs.
Kika não é boba, e, quando cheguei ao seu apartamento acompanhada de
Daniel, ela logo captou que aquela era uma visita mais séria do que eu tinha
deixado parecer no convite.
— Você se lembra do meu irmão, Kika? — perguntei ao reapresentá-los.
— Daniel é o CEO da Schneider desde que papai se aposentou.
— Lembro, sim, como vai? — Ela sorriu, mas vi em seus olhos que não
entendia a presença dele.
— Wilka, no dia em que Ben Schneider passou mal, Samara e Daniel
fizeram uma descoberta — Kostas foi quem introduziu o assunto. — A
empresa da família deles manteve, por anos, o aluguel da casa onde você
morava com seus pais.
— Eu sei, tanto que, quando eles faleceram, eu tive que sair da casa —
Kika lembrou.
— Não foi porque eles morreram — Daniel começou a explicar. — Foi
porque eu assumi, e papai estava na UTI, se recuperando de uma cirurgia
cardíaca. — Ela franziu a testa. — A Schneider nunca pagou moradia de
funcionários, e eu achei estranho quando descobri o caso de sua família, por
isso mandei cortar. — Kika balança a cabeça e sorri, entendendo que Daniel
só havia feito o trabalho dele. — Acontece, Kika, que os pagamentos
começaram na mesma época da sua adoção, e isso, somado ao fato de
sabermos que meu pai frequentou o bordel onde você nasceu, nos deixou com
uma sensação de que havia uma ligação entre a ajuda e o local de seu
nascimento.
Kika olhou cheia de dúvidas para Konstantinos, seus olhos cheios de
lágrimas.
— Eu não estou entendendo que ligação poderia haver. Como eu disse
uma vez, Ben Schneider era amigo de papai, e eu o vi bastante em nossa casa
visitando-os.
— Ele estava te visitando — Daniel disparou à queima-roupa, e ela
arregalou os olhos. — Sim, você tem razão sobre a amizade entre nossos
pais. Benjamin Schneider confiava e gostava tanto do seu pai que pediu a ele
um favor.
Kostas tomou a mão de Kika entre as suas, percebendo que sua noiva
estava começando a entender do que estávamos falando.
— Kika — interrompi Daniel e me aproximei dela —, naquele dia meu
pai passou mal ao te ver lá em casa. Foi emoção, surpresa por ter nos visto
juntos, seus filhos juntos.
Kika balançou a cabeça como se negasse o que eu acabara de lhe dizer.
— Sim, Wilka, eles estão dizendo a verdade — Kostas falou baixinho
para ela e lhe contou o que Alexios havia lhe dito. — Quando eu fiz a
denúncia e você foi tirada daquele lugar, Linete procurou seu pai e contou
que você era sua filha. Ben Schneider, então, arrumou para que Plínio e
Zelina Reinol, seus funcionários e amigos, te adotassem e cuidassem de você.
— Isso é tão absurdo! Mamãe dizia que há anos tentavam adotar e que,
quando eu apareci, eles souberam que não podia ser outra criança, pois eu já
era filha deles de coração.
— Sim, e isso não é mentira — tentei acalmá-la. — Papai nos disse que
eles queriam muito um filho e que confiavam que iam criá-la com muito
carinho. — Peguei sua mão. — Kika, saber que você tem nosso sangue não
muda em nada o fato de que seus pais são os Reinols, só acrescenta na sua
vida mais pessoas que estão muito felizes em saber que você é nossa irmã. —
Olhei para Daniel, e ele assentiu.
Ela chorou, Kostas a abraçou, Daniel e eu ficamos sem saber o que falar a
ela, como consolá-la, então Kika disse que sempre se sentiu só a vida toda e
que saber que tinha irmãos era algo que não contava, mas que a deixava feliz.
Senti um enorme alívio por ser aceita por ela e a abracei apertado, orgulhosa
de ter uma irmã como ela.
— Eu ainda não sei se quero conversar com ele — ela disse sobre se
encontrar com papai. — Quando meus pais morreram e tive que sair da casa,
fiquei sozinha no mundo, sem apoio, sem consolo ou mesmo incentivo.
Orgulho-me muito de ter vencido sozinha, ter superado todas as
adversidades, porque isso me fez ser a mulher que sou hoje, então saber que
ele poderia ter estado ao meu lado e não quis me machuca demais.
— Eu entendo — Daniel respondeu. — Ele sabe que errou e se arrepende
de não ter estado ao seu lado, nos disse isso.
— Eu tenho pai, Daniel, e ele se chama Plínio Reinol, um homem que me
criou com amor, me ensinou sobre o respeito, a empatia e a importância de
ser honesto e sincero. Eu me orgulho de ser filha dele, independentemente do
sangue em minhas veias. Por isso, nesse momento, por mais que eu esteja
feliz ao saber que ganhei dois irmãos e um primo... — ela sorri, referindo-se
a Alexios, pois Kostas já havia lhe contado que ele era filho da tia de Kika —
eu ainda não me sinto à vontade para falar com Benjamin Schneider.
Confesso que entendi demais a posição dela e acho que me sentiria igual
por um tempo. Kika tinha muita coisa a processar do que lhe dissemos.
Daniel contou da nossa conversa com ela ao papai e me disse que ele
ficou bem abalado por ela não querer falar com ele, mas entendeu também.
Além disso, meu irmão soube que mamãe havia retornado e que ela e papai
ficaram horas falando e acertando todas as arestas, e nada me fez mais feliz
do que saber que estavam dispostos a manter o casamento, porém de verdade,
não apenas a conveniência.
— Acho que chegou a hora de eu fazer o pedido oficialmente, não? —
Alexios sugeriu quando contei a ele que os dois tinham se reconciliado. —
Eu não me importo com isso, mas quero demonstrar à sua família que eu a
amo e que quero tudo o que você quer, tudo o que você sonha.
Senti-me emocionada com as palavras dele e concordei em marcar um
jantar para a comunicação de que iríamos nos casar. Kyra se dispôs a me
ajudar a montar a mesa, a deixar tudo pronto com seu bufê, pois queria eu
mesma promover o encontro de Alexios com meus pais.
— Acho melhor eu fazer tudo na Ágape e trazer tudo pronto para cá —
Kyra explicou, mostrando o menu que preparara. — Pensei em usar essa
louça, com esses cristais e talheres, o que acha?
Concordei com o layout da mesa montada e das fotos com as amostras
dos objetos.
— Sem superstição para montar meu jantar de noivado, não? —
provoquei-a.
— Amiga, você não tem ideia do cagaço que eu tenho andado nesses dias!
Acha que essa é a única festa que tenho montado? — Ela riu. — Kostas me
convenceu a fazer um casamento surpresa para a Kika, acredita?
Fiquei feliz com a notícia, e ela suspirou.
— Contei a ele sobre meu medo, só que simplesmente ignorou isso,
dizendo que nada no mundo poderia separá-los. — Concordei, pois sabia da
ligação de ambos desde a infância e de como a vida se encarregara de reuni-
los de novo. — Bom, não tive como dizer não, só estou tomando algumas
precauções.
Gargalhei, imaginando o que ela deveria estar fazendo para prevenir
afundar o casamento de seu irmão.
— Bom, também não acredito que algo possa me separar de Alexios...
— Nem eu! — Ela sorriu. — Vocês, literalmente, nasceram um para o
outro, só foram idiotas demais para admitir isso.
Concordei com ela e segui com os preparativos de uma pequena reunião
entre os Schneiders e os Karamanlis para lhes demonstrar nossa intenção de
casamento e de formamos nossa própria família.
Uma semana depois dessa reunião com Kyra, vi meu mundo balançar
com a chegada de Alexios a minha casa completamente destruído. Quando o
vi, parado na porta do quarto onde eu o esperava vestida de couro, com
quepe, algemas e cacetete, soube que algo terrível havia acontecido.
Corri até onde ele estava e o abracei, senti seus espasmos de dor, mas ele
não derramou uma lágrima sequer.
— Minha vida está zerada, Samara — disse, a voz embargada das
lágrimas que estava contendo. — Ninguém mais tem o poder de me ferir com
o meu passado. — Assenti. — Já sei o que aconteceu, como fui gerado, como
nasci e quem me gerou.
— Eu sei.
Ele suspirou.
— Leila morreu — declarou, e eu arregalei os olhos. — Foi vendida
como escrava sexual, condenada a viver longe de seu país, e morreu.
— Alexios, você tem certeza disso?
Ele balançou a cabeça.
— Sim, não restam dúvidas. — Segurou meu rosto e encostou a testa na
minha. — A mulher que surgiu com a morte dela não é minha mãe.
Fiquei confusa, e então ele me contou tudo sobre Madeline ser Leila e
estar em uma missão de vingança contra Nikkós.
— Eu a entendo de certa forma — comentei. — Não o fato de ela nunca
ter se aproximado de você, mas ela odiá-lo tanto. Nós não temos ideia do que
passou durante os anos em que foi obrigada a se prostituir para continuar
viva, nem do que passou depois, ao fugir, estar sozinha em outra terra. —
Suspirei, cheia de dor. — Você acha mesmo que ela quer matá-lo?
— Que outro motivo teria para se casar com seu carrasco?
Pensei na mulher doce que conversou comigo na casa dos meus pais,
entendendo naquele momento seu olhar satisfeito ao me conhecer e por que
puxou tanto assunto comigo.
Ela sabia quem eu era por causa das informações que Chicão lhe passara.
Sabia da minha amizade com Alexios, do meu amor por ele e, talvez, até que
ele também me amava.
Eu entendo a mágoa de Alexios, afinal, ela poderia ter ido atrás dele há
muitos anos, desde que enviou Chicão, mas também percebo a preocupação
dela, mesmo de longe, com o filho que lhe foi negado. Eu sei da importância
que Francisco teve na vida de Alexios, resgatando-o das drogas,
incentivando-o na prática de esportes e atuando como o pai que ele nunca
teve.
Indiretamente, Madeline cuidou do filho, porém, eu não entendo por que
nunca se revelou a ele, e foi isso que verbalizei para Alexios.
— A sede de vingança é mais forte do que o amor que ele disse que ela
sente por mim — ele afirmou.
— Infelizmente, sim — tive que concordar.
Eu nunca desistiria de estar com um filho por nada nesse mundo, nada
nunca seria mais importante. Contudo, não passei pelas experiências que ela
passou, então é difícil julgá-la.
A roupa de policial teve que esperar outra ocasião para entrar em ação,
mas não deixei de amá-lo, consolá-lo e me entregar a ele com todo o coração
naquela noite.
Foi um sexo de toques especiais, beijos intensos e muitas reafirmações do
que sentíamos um pelo outro.
— Você é o amor da minha vida — ele declarou, mexendo devagar seu
corpo sobre o meu, deliciando-me com o encontro de nossas carnes. — Eu
sou seu por inteiro, meu corpo, meus pensamentos, minha alma. Tudo
pertence a você, e me sinto completo por saber que você também me
pertence.
— Eu sou sua, sempre fui! — gemi. — Amo você, vejo você, sinto você!
Você é meu, Alexios Karamanlis, para sempre!
— Tudo bem? — Kyra me pergunta, arrancando-me das lembranças
deliciosas.
Volto a prestar atenção ao que ela preparou, no salão de festas de sua
empresa, no qual estão presentes todas as pessoas que nos importam e que
torcem pela nossa felicidade.
Ponho a mão sobre meu ventre inchado, sentindo meus bebês mexendo
devagarinho, lembrando-me da maravilhosa arte que é a vida crescendo
dentro de mim, fruto de um amor tão grande e inabalável que venceu muitas
barreiras até aqui.
Não, não estou me casando ainda, é minha festa de noivado que está
ocorrendo, meses depois do que nós tínhamos planejado por conta de fatos
que ocorreram e requereram mais atenção.
Nem pensei que ele ainda pretendia fazê-la, afinal, faltam apenas dois
meses para que nossos filhos nasçam, e nós já tínhamos estabelecido que,
assim como Duda e Theo fizeram, iríamos esperar as crianças nascerem para
realizar um casamento simples.
Ah, não disse a vocês que são dois meninos, gêmeos idênticos, que
estamos esperando ansiosamente para conhecer, não é? A gravidez foi uma
surpresa boa em um momento tenso para todos, que veio para nos encher de
alegria e renovar a esperança de que tudo ia dar certo.
Minha irmã, com minha sobrinha Olívia no colo, vem até onde estou,
ainda parada pela surpresa e me abraça.
— Você está linda! Esses irmãos adoram uma surpresa! — Ri,
lembrando-se do seu próprio casamento, meses atrás. — Alexios queria se
casar, mas eu sei que você quer seus filhos presentes nesse dia, então ele se
contentou em uma festa de noivado como a que vocês teriam quando tudo
aconteceu.
— Obrigada por isso! — Beijo a testa da pequena menina, que dorme
tranquila. — Ter vocês duas aqui comigo... — pego a mão de Kyra —
minhas irmãs, minhas madrinhas, minhas melhores amigas, é uma emoção
enorme.
— E eu? — Alexios sorri.
— Você... — Abraço-o pelo pescoço. — Você é o grande amor da minha
vida!
Ele me beija, provocando uma enorme salva de palmas entre os presentes.
— E você é o grande amor da minha vida, Samara! — Põe a mão sobre
minha barriga. — Vocês são os meus grandes amores.
Grécia, um ano depois.
Fim.
A Deus, sempre!
À minha filha, que teve muitos momentos roubados para que eu pudesse
terminar este livro. Manuela, eu amo você e espero que um dia tenha muito
orgulho da mamãe!
À minha família, presente como dava para estar, em especial à tia Nilma,
que me acolheu e entendeu minha rotina louca de trabalho em sua casa.
Obrigada!
À amiga sempre presente, irmã do coração, Wilka Maria Andrade, minha
Kika, por todas as conversas, pelo apoio incondicional, pela sinceridade e
pelas broncas (ela é mestre em me “bater” e me fazer amá-la ainda mais por
isso!).
Às queridas amigas e profissionais que trabalharam neste livro:
Analine Borges Cirne, revisora que eu admiro e quero para sempre
comigo; e
Laizy, da Layce Design, que fez essa capa lindíssima e a diagramação
maravilhosa em tempo recorde! Máquina!
Às minhas amigas, que estão sempre apoiando meu trabalho e vibrando
com minhas loucuras: Ana Carolina Rangel, Erica Macedo, Francijane Coura,
Mary Dias, Rosilene Rocha e Sirlene Dias.
E claro, às minhas Jujubas, leitoras lindas do meu Potão e do meu
Potinho, além daquelas que me seguem no Wattpad, que estão sempre
levantando mil teorias, agitando as redes sociais e me enchendo de orgulho
por ter as melhores leitoras do mundo!
#gratidãoSEMPRE
J. Marquesi sempre foi apaixonada por livros e, na adolescência,
descobriu seu amor pelos romances. Escreveu sua primeira história aos 13
anos, à mão, e desde então não parou mais. Só tomou coragem de mostrar
seus escritos em 2017, tornando-se uma das autoras bestsellers da Amazon e
da Revista VEJA.
NEGÓCIO FECHADO
Série Família Villazza, livro 1
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SINOPSE
Marina, com apenas 24 anos, carrega marcas profundas causadas pela
perda dos pais e pela saudade. Sozinha, sem formação e experiência, vê a
oportunidade de reconstruir sua vida trabalhando como camareira em um
luxuoso hotel do Rio de Janeiro. Porém, a chegada de um misterioso hóspede
e a atração irresistível entre eles, desperta nela sentimentos nunca antes
conhecidos.
Antonio é um italiano que mora no Brasil desde criança e já se considera
um brasileiro. Ele carrega dentro de si um sofrimento que esconde de todos,
embora essa dor norteie a sua vida, e nem todo o dinheiro que tem é capaz de
amenizá-la.
Poderiam pessoas de mundos tão distantes viverem uma grande paixão?
LEGALMENTE ATRAÍDO
Série Família Villazza, livro 2
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SINOPSE
Frank Villazza é conhecido como o CEO playboy. Homem charmoso e
rico, muito satisfeito com a vida que leva sem compromissos. As únicas
coisas que lhe importam são: sua família, sua guitarra e suas amadas motos...
e, claro, todas as mulheres gostosas que como ele, querem apenas diversão. O
que o playboy não sabe é que ninguém pode controlar o destino – ou o
coração.
Isabella Romanza é uma advogada determinada que sempre batalhou para
se tornar a melhor em sua área. Mas, atrás dessa mulher independente,
esconde-se uma garota que foi magoada pela rejeição do homem que amava e
por um segredo que envolve a sua família.
O destino – que não conspira a favor de ninguém – coloca a advogada
sexy e temperamental para trabalhar com o playboy, deixando-o louco. Levar
a mulher para cama era o desafio de Frank. Não entregar o coração para o
Frank “Galinha” Villazza era o desafio de Isabella.
SEGREDO OBSCURO
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SINOPSE
Giovanna desistiu de tudo por um objetivo e, iria até o fim!
Uma das herdeiras da rede Villazza de hotéis, pede demissão da empresa
de sua família, na Itália, e muda-se para São Paulo levando consigo um
segrego capaz de mudar a vida de todos à sua volta.
Nicholas Smythe-Fox é um homem com princípios e, um dos solteiros
mais cobiçados do Brasil. Engenheiro premiado, com obras em vários países
e fama internacional, Nick se vê obrigado a assumir o cargo de CEO da
Novak Engenharia, quando seu pai decide ingressar na carreira política.
Ele se tornou o elo que Giovanna precisava para cumprir sua missão, mas
ela não esperava que a atração que sentiam fosse tão intensa, criando um
sentimento sólido que a fez questionar todas as suas certezas. Acontece que
um segredo obscuro permeia esse relacionamento, põe em xeque todos os
sonhos que ambos construíram, e os torna alvo de uma pessoa sedenta por
vingança.
Muitos segredos serão revelados, muitas máscaras cairão nesse livro cheio
de erotismo e mistério.
DUAS VIDAS
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SINOPSE
Dois homens iguais, duas vidas marcadas por um jogo do destino.
Eric e Thomas Palmer são gêmeos e possuem uma relação conturbada.
Após um grave acidente a vida dos dois é colocada em xeque e um só tem
uma segunda chance. O sobrevivente precisa reaprender a viver, a lidar com
sentimentos confusos, culpa e com as limitações físicas que o acidente lhe
deixou.
Analiz Castro é uma mulher independente e segura. Ela batalhou até se
formar em fisioterapia, o que ama de paixão, e após ser despedida do hospital
onde trabalhava, Liz recebe a oportunidade de cuidar da reabilitação do
homem que, no passado, a machucou muito, fazendo-a voltar à ilha que
prometeu nunca mais pisar.
O destino os reúne novamente, dando a possibilidade de um recomeço
para ambos. Um romance sobre perdão, recomeço e segunda chance.
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SINOPSE
Cadu Fontenelles tem fama, dinheiro e mulheres, mas trocaria isso tudo
por apenas uma coisa: a oportunidade de criar sua filha.
Depois de perder a mulher que amava, ele se vê totalmente perdido,
afundando em drogas e álcool, sendo impedido de ficar com Amanda, que
está sendo criada por seus ex-sogros. Decidido a mudar de vida para ter a
menina, ele enfrentará uma enorme batalha contra o vício. Contudo, irá
descobrir que o destino ainda guarda muitas surpresas para o seu coração.
Lara Martins mudou-se para São Paulo para estudar e acabou se tornando
babá de Amanda Kaufmann, uma menina solitária e infeliz que perdeu a mãe
ainda bebê e cujo pai é limitado a vê-la sob supervisão. Lara entende o que é
uma infância triste, pois nasceu com um problema cardíaco que a restringiu
de ser como as outras meninas e cresceu sob a superproteção de seus pais.
Disposta a tudo para fazer sua pupila feliz, ela bola um plano para aproximar
pai e filha e, no percurso, acaba se apaixonando por Cadu.
Ele, um homem quebrado, cheio de marcas do passado, que insiste em
viver um eterno luto sentimental. Ela, querendo viver intensamente, aberta a
sentir o amor pela primeira vez. A paixão entre os dois é intensa, mas Lara
sabe que Cadu não pode amá-la, uma vez que continua ligado à falecida mãe
de Amanda.
Há chance de dois corações tão sofridos serem finalmente felizes?
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SINOPSE
No coração do Pantanal, dois destinos tão diferentes se encontram...
Guilherme é peão pantaneiro que gosta das coisas simples: seu cavalo, sua
viola, um bom churrasco e um tereré após o trabalho duro. A verdade é que
nem sempre sua vida foi assim. Misterioso, o peão guarda dentro de si uma
dor que tenta esquecer, mas a culpa o impede. A fazenda e os tios são tudo o
que mais preza, seu porto seguro, e ele não deixará ninguém atrapalhar isso.
Até que uma dondoquinha da cidade grande aparece...
Malu Ruschel é uma executiva de sucesso disposta a trabalhar sem parar
para atingir seu objetivo: ser a primeira mulher na diretoria da Karamanlis.
Sua obsessão pelo trabalho a faz ficar doente, e ela é obrigada a tirar férias
(acumuladas há 10 anos) e, assim, embarca para um SPA no Mato Grosso do
Sul. Acontece que o tal SPA nunca existiu, e Malu se vê no meio de uma
fazenda de gado no coração do Pantanal Sul, sem nenhum meio de se
conectar com a civilização, com apenas uma ordem: descansar!
Como ela conseguiria relaxar com um peão xucro – e muito gostoso –
provocando-a a todo momento, levando-a ao limite da raiva e do desejo?
Guilherme não gosta dela por trazer de volta lembranças amargas de seu
passado e Malu não entende por que esse homem a atrai tanto. Os dois
resolvem curtir uma aventura de férias sem saber que isso é apenas o início
de um verdadeiro recomeço.
DOIS DESTINOS, o terceiro livro da série RECOMEÇO, vem recheado
com humor, erotismo e, claro, um segredo de tirar o fôlego!
THEO
Os Karamanlis, livro 1
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SINOPSE
Uma família separada pelo ódio...
Criado pelo avô, renegado pelo pai, odiado pelos irmãos, Theodoros
Karamanlis recebeu o cargo de CEO da empresa da família. Sua principal
meta é provar a todos que é mais competente do que o homem que sempre o
renegou, seu pai. Para isso acontecer, falta apenas comprar o imóvel onde
funciona um pequeno pub na Vila Madalena e assim fechar uma conta aberta
há mais de dez anos.
Maria Eduarda Hill sempre teve o sonho de ser uma renomada chef de
cozinha, mas, por circunstâncias do destino, acabou assumindo o antigo
boteco de seu pai na Vila Madalena. Ela trabalha duro para manter o negócio
e preservar a memória de sua família e luta bravamente contra o assédio de
uma empresa que quer comprar e demolir o lugar.
Disponível em e-Book
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SINOPSE
Confiança: palavra inexistente no dicionário de Konstantinos Karamanlis.