Ética Na Pesquisa em Educação Envolvendo Crianças Com Deficiência
Ética Na Pesquisa em Educação Envolvendo Crianças Com Deficiência
Ética Na Pesquisa em Educação Envolvendo Crianças Com Deficiência
FACULDADE DE EDUCAÇÃO/PPGEDU
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
PORTO ALEGRE - RS
2022
CLAUDIA ADRIANA DORNELLES DE ARAUJO
PORTO ALEGRE - RS
2022
Imagem 1 - Criança com deficiência visual e coração. Ilustração de Andriele Santos produzida
para este trabalho em março de 2022.
CLAUDIA ADRIANA DORNELLES DE ARAUJO
Aprovada em:______/________/_______
Banca Examinadora
PORTO ALEGRE - RS
2022
AGRADECIMENTOS
Agradeço:
À minha família, especialmente ao meu filho João Elio, aos meus pais João e
locil e minha irmã Renata. Ao pai do meu filho, Elio. Obrigada pelo apoio e incentivo.
À professora Luciana Gruppelli Loponte pela orientação durante o mestrado,
estimulando as leituras e reflexões que contribuíram para meu crescimento
acadêmico e pessoal.
À professora Maura Corsini Lopes e ao professor Samuel Edmundo Lopes
Bello que gentilmente aceitarem compor minha banca de qualificação e defesa e
pelas sugestões e análises significativas.
Ao professor Samuel Edmundo Lopes Bello e técnica Roseli da Rosa Pereira,
pelo auxílio em um momento difícil deste percurso.
As colegas do grupo de pesquisa ArteVersa Karine Storck e Tathiana Jaeger
de Morais pelo auxílio na organização das imagens inseridas na dissertação.
Aos colegas do grupo de pesquisa ArteVersa, agradeço pela atenção e
contribuições para escrita deste trabalho,
A PROPESQ/UFRGS pela oportunidade de conhecer e estudar sobre a ética
na pesquisa.
Aos demais amigos (as), obrigada pelo incentivo e apoio.
RESUMO
ABSTRACT
1
Para saber mais sobre a ilustradora e conhecer seu trabalho, ver: instagram.com/andrilune. art/
Acesso em: 02 junho de 2022.
LISTA DE SIGLAS
GT Grupo de Trabalho
1 APRESENTAÇÃO DA PESQUISA........................................................................ 18
2 PERCURSO METODOLÓGICO ........................................................................... 25
2.1 Mapeamentos das pesquisas .......................................................................... 27
3 A ÉTICA NA PESQUISA ENVOLVENDO SERES HUMANOS ........................... 39
3.1 Regulamentações da ética em pesquisa no brasil e implicações na área das
ciências humanas e sociais ................................................................................... 43
4 PRODUÇÃO DA DEFICIÊNCIA: NA SOCIEDADE, NA ESCOLA E NA
PESQUISA COM CRIANÇAS ................................................................................... 49
4.1 Produção do conceito de deficiência .............................................................. 49
4.2 Deficiência e inclusão no Brasil........................................................................
57
4.3 Crianças com deficiência nas pesquisas da área da Educação
............................................................................................................................... 63
5 ÉTICA NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO ENVOLVENDO CRIANÇAS COM
DEFICIÊNCIA ........................................................................................................... 67
5.1 Visibilidade da criança com deficiência na pesquisa em Educação ................ 68
5.2 Sujeitos e locais da pesquisa........................................................................... 71
5.3 Aspectos éticos na produção de dados ........................................................... 75
5.3.1 Atividades lúdicas...................................................................................... 80
1 APRESENTAÇÃO DA PESQUISA
2 PERCURSO METODOLÓGICO
p/instituição
UFRGS 41 27 68 Deficiência visual - cego
Deficiência auditiva- surda
Transtorno do Aspectro Autista
Deficiência Intelectual
Deficiência Física
Educação Especial
Acessibilidade
Políticas educacionais para as
pessoas com deficiência
Atendimento Educacional
Especializado
Educação Inclusiva
Política Nacional de Educação
Especial
Formação docente e educação
especial
Educação escolar bilíngüe de surdos
Comunicação Aumentativa e
Alternativa
Tecnologia Assistiva
Plataforma Educacional Assistiva
Língua Brasileira de Sinais – Libras
Literatura surda
Livros ilustrados táteis
Total de 97 56 153
trabalhos
Fonte: Elaborada pela autora (2022)
UFPel 3 0 3
UNIJUI 2 1 3
Total de produções 13 9 22
Fonte: Elaborada pela autora (2022) a partir de pesquisa no portal das CAPES de teses
edissertações.
O QUADRO 3 – Descrição das teses e dissertações selecionadas para análise, no período de 2016 a
2021.
Instituição
Nível de
Código
Ano da
Ensino
defesa
Título
Autor
PPG
tecnologia
T1
35
recursos de comunicação
D4
alternativa
PUCRS Educação Mestrado Priscilla Educação inclusiva: um olhar
Wagner sobre a diversidade na
Sternberg educação infantil
2017
D5
Eletrônico
UFRGS Informática Doutorado Martha Alegria e frustração: um estudo
em Barcelos sobre os estados afetivos em
Educação Vieira crianças com TEA na mediação
2018
autorregulação da
D6
aprendizagem
UFPel Educação Mestrado Mariana Contribuições do uso de
Campos Pinho atividades lúdicas em sala de
aula, para o desenvolvimento e
aprendizagem de uma criança
com Transtorno do Espectro
2018
no contexto escolar
36
contexto de inclusão
T7
escolares
UFPel Educação Mestrado Renata Comunicação e interação social
Oliveira de crianças com Transtorno do
Crespo Espectro do Autismo: possíveis
2020
D12
outras
linguagens
Fonte: Elaborada pela autora (2022)
Imagem 3 – Menino com deficiência lendo texto em Braile. Ilustração de Andriele Santos,
produzida para este trabalho em março de 2022.
39
uma preocupação crescente com a proteção dos sujeitos para a garantia de acesso
por indivíduos vulneráveis à pesquisa médica (FONSECA, 2015).
No Brasil, recentemente a Conep tomou conhecimento de tratamento
experimental recentemente realizado no Instituto da Mulher e Maternidade Dona
Lindu, em Manaus, no Estado do Amazonas (Brasil), com o uso de cloroquina
nebulizada, resultando a morte de uma das pacientes. O estudo foi coordenado por
uma médica, sem autorização para realização da pesquisa pela Conep. O
tratamento experimental proposto em Manaus foi considerado uma grave violação
das normas de ética em pesquisa no Brasil, além de infringir substancialmente o
Código de Nuremberg e outros documentos internacionais de bioética, como a
Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos da UNESCO. A Conep
encaminhou representação ao Ministério Público Federal para providências.
A publicação de documentos que orientam a ética em pesquisa – em nível
nacional tanto quanto internacional - apresentou um crescimento nas últimas
décadas. Porém não existe em nível supranacional nenhum órgão fiscalizador para
avaliar a aplicação das normas conveniadas e autoridade legal investida de poder
para impor sanções, sendo as leis de cada país a referência para o julgamento de
acusações de transgressões éticas em pesquisas. Para muitos observadores o
aumento de regulações e as frequentes variações de documentos sobre as questões
éticas decorrem das negociações situadas em determinado tempo e espaço para
institucionalizar as normas, e das reflexões sobre as consequências das pesquisas
em contextos concretos (FONSECA, 2015).
O modelo europeu seguiu uma tradição de intervenção menos legalista do
que nos Estados Unidos, com atenção voltada menos para o risco individual e mais
para as implicações sociais e coletivas da pesquisa. Em países da União Europeia,
a ampliação do envolvimento do público nas decisões éticas relativas à ciência
ocorreu particularmente em debates sobre pesquisas genéticas com embriões,
células-tronco e alimentos geneticamente modificados. Desde o final dos anos 1980,
surgiram campanhas governamentais estimulando essa participação, citando como
modelo as ―conferências de consenso‖, realizadas na Dinamarca. A estratégia
dessas conferências é que o cidadão comum sendo instrumentalizado por um
processo pedagógico tenha condições de contribuir nas discussões sobre políticas
científicas. Espaços como este mostram que podem existir outras modalidades para
43
discussão sobre a ética da ciência que vão além dos procedimentos e princípios
formais que orientam a maioria dos CEPs (FONSECA, 2015).
QUADRO 4 - Análise dos termos empregados para identificar às pessoas com deficiência
considerando períodos históricos
Nos primórdios da - ―os inválidos‖. O termo significa Aquele que tinha deficiência era tido como
história, durante ―indivíduos sem valor‖. inútil, um fardo para a família e a
55
2
Significa uso do poder pessoal para fazer escolhas, tomar decisões e assumir o controle da situação
de cada um
57
3
Fonte: Elaborada com base no referencial teórico do autor Romeu Kazumi Sassaki .
3
SASSAKI, Romeu Kazumi. Como chamar as pessoas que têm deficiência. In: SASSAKI, R.K. Vida
independente; História, movimento, liderança, conceito, filosofia e fundamentos. São Paulo: RNR,
2003, p. 12-16
58
Janeiro (1954), pois estas crianças não poderiam estar nas escolas regulares
(FIGUEIRA, 2008, p. 94).
O período de 1945 a 1964 foi marcado como o primeiro período democrático
do Brasil, com profundos investimentos na área industrial e um alargamento do
sistema de proteção social. A Constituição de 1946 sancionou direitos vitais aos
trabalhadores (referidos no art. 157), impactando diretamente as infâncias de seus
filhos, como o salário-mínimo e serviços de assistência médica às gestantes e aos
trabalhadores. As regulações das esferas sociais e educacionais se tornaram mais
consistentes com o decreto-lei n. 4.024 de 1961, a Lei das Diretrizes e Bases da
Educação (LDB). Nesse contexto, cursos ou licenciaturas a fim de especializar os
professores para trabalhar com crianças não eram percebidos como necessários
(PASSONE; PEREZ, 2010).
Durante o período de 1964 a 1985, período da ditadura militar a violação de
direitos de liberdade de expressão contrasta com o Brasil assumindo ―formalmente
os preceitos da Declaração Universal dos Direitos da Criança, embora, na prática, o
que se constataria era a aprovação de um novo código de menores, mais
repressivo‖ (PASSONE; PEREZ, 2010, p. 661).
Segundo Jannuzzi (1992), por volta de 1960, o país contava com mais de 800
estabelecimentos destinados às pessoas com deficiência mental. A educação para
pessoas da educação especial acontecia principalmente em classes especiais e
instituições especializadas, sendo estes substitutivos ao ensino regular comum. Este
fator ganha legitimidade na Lei n.º 5.692/71, pois define ‗tratamento especial‘ para os
alunos com deficiência, reforçando, assim, o encaminhamento a espaços
especializados.
A partir de 1985 ocorrem significativas mudanças nas concepções de crianças
e de infâncias, especialmente na área da Educação e da legislação, impulsionadas
pelos estudos da Sociologia da Infância. Gradualmente é disseminado o discurso da
criança como um sujeito que possui direitos, que necessita ser respeitado e cuja voz
precisa ser ouvida (PEREZ E PASSONE, 2010, p. 650).
A Constituição de 1988 representou um avanço legislativo em direção a uma
construção social que encara as crianças como sujeitos de direitos. São direitos
sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a
proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma
desta Constituição (BRASIL, 1988, Art. 6).
61
enfrentadas (SARMENTO, 2016, p. 8). Dessa maneira, é preciso não somente falar
sobre as crianças, mas falar com elas.
As crianças são atores sociais competentes para falar de suas vidas,
expressar seus sentimentos e opiniões, e devem ser vistas como sujeitos da
investigação. Considerar as crianças, suas vozes e ações na pesquisa são uma
forma de reconhecer seu protagonismo. Por muitos anos, elas foram ignoradas em
pesquisas, pois eram somente estudadas a partir do olhar dos adultos ou das
instituições.
As crianças são as melhores fontes de informação sobre suas experiências e
opiniões, expressando da sua maneira as percepções do mundo ao seu redor. A
visibilidade da criança no discurso sociológico contribuiu para entender o
desenvolvimento das crianças com deficiências e suas interações no meio social,
quanto para proposição de políticas educacionais e para a formação de profissionais
que atuam especialmente na educação das crianças com deficiência em instituições
públicas e privadas.
Conforme o Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES, que sistematiza
dados a partir de 1987, há na área da Educação 38.210 trabalhos de mestrado e
10.336 trabalhos de doutorado, abordando o tema ―crianças com deficiências‖. Os
trabalhos envolvem crianças com deficiência física e intelectual, transtorno do
espectro autista, transtornos globais do desenvolvimento altas
habilidades/superdotação, crianças com atendimento educacional especializado.
Dentre as temáticas abordadas estão Ensino; Inclusão, Acessibilidade; Gênero;
Identidade; Relações.com o Conhecimento; Formação de Professores; Política
Educacional; Cultura e Arte. As pesquisas abrangem um enfoque teórico-
metodológico diversificado como Psicologia Social, Análise Oral, Análise do
Discurso, Etnografia (CAPES, 2021).
A pesquisa sobre o tema ―ética na pesquisa com crianças deficientes‖
resultou em uma publicação, intitulada ―A ética e a pesquisa no atendimento às
pessoas com deficiência‖, das autoras Rita Aparecida Bettini- Pereira e Silvana
Maria Blascovi-Assis (2018), profissionais e pesquisadoras da área da Fisioterapia.
O livro traz uma reflexão teórica a partir de uma pesquisa que abordou os
procedimentos éticos adotados em pesquisas com familiares e cuidadores de
pessoas com deficiência. O estudo realizado pelas autoras é relevante como
referencial para futuros pesquisadores sobre o tema, além de dar a visibilidade a
66
4
Prática social que estabelece o poder aos adultos, deixando jovens e crianças com menos
liberdade. Fernandes (2016) faz uma revisão sobre a questão, citando Sarmento (2000 apud
FERNANDES, 2016).
69
No início estava ansioso para brincar, mas a educadora dizia que ele
precisava esperar a vez dos colegas, na 3ª vez que ele tentou ir, a
educadora disse que ele seria o último, pois não estava escutando-a, então
ele saiu da roda e começou a chorar. Ao final da brincadeira ela o chamou,
mas ele se negou a ir, ainda estava muito triste.Cada criança tem suas
próprias particularidades, sendo assim, as educadoras devem ficar atentas
a essas singularidades, principalmente quando se trata de uma criança com
deficiência.É necessário conhecer as características da criança que
apresenta tal deficiência, a fim de compreender as suas atitudes, como por
exemplo: o porquê do ―Gato de Botas‖ não conseguir esperar a sua vez
para brincar. Provavelmente, esse ―esperar a sua vez‖, tanto no momento
de chutar a bola ao gol, quanto nas brincadeiras com música, vai além das
competências do menino, ou seja, das suas condições naquele momento.
Sendo assim, novamente, é essencial um olhar sensível do educador para
perceber que há uma limitação nesse sujeito e que algo precisa ser feito
para incluí-lo e não frustrá-lo. Tenho ciência de que,na maioria dos casos, o
professor não se dá conta desses detalhes, acreditando, inclusive, que o
comportamento de determinada criança é em função da falta de limites,
como ouvi algumas educadoras dizerem‖ (SANTOS, 2019, p.76)
Mas, com um menino com TEA, Harry, o mesmo tratamento, não ocorria,
conforme relato do pesquisador:
Após subir, ele ficou em cima do galho, por 30 minutos, olhando para os
colegas brincarem e miando o tempo inteiro. De vez em quando, as
educadoras das outras turmas interagiam com ele, chamando-o de gatinho,
72
A pesquisa foi feita com três alunos com TEA e seis alunos com
desenvolvimento típico, formando trios com um aluno com TEA e dois
pares. Os pares foram indicados pelos professores por atenderem os
seguintes critérios: ser colega da criança com TEA, ter bom
desenvolvimento das habilidades sociais e já ter demonstrado interesse
anterior em interagir com a criança-alvo do estudo. (CRESPO, 2020, p 25)
5
Professora da turma do menino Francisco
75
ideias que, para alguém que não as conhece, poderiam parecer segmentadas ou
desconexas. Quanto à organização das entrevistas, Silveira (2005) assegura ser
mais produtivo realizá-las individualmente ou no máximo em duplas já que assim as
crianças têm a possibilidade de se expressar mais livremente, tratando de um
número maior de informações.
Campos, Coelho e Cruz (2006) assumem posição diferente. Ao utilizarem a
técnica da entrevista com crianças em seus estudos, constataram que em um grupo
maior elas se mostraram mais à vontade para falar e puderam participar mais
livremente, complementando, concordando ou discordando da fala dos colegas.
Ainda, apontam que a dramatização a criança se sentir mais confortável e segura
para falar sobre seus sentimentos.
Fernandes (2016, p. 773) destaca que a importância do uso das falas das
crianças é que sirvam de fato para explorarmos o seu "contributo único à
compreensão e teorização acerca do mundo social". Nesse sentido ouvir a criança
com deficiência significa o pesquisador assumir o dialogismo e a alteridade como
marcas das relações no contexto de pesquisa.
Camatti (2017) relata que recorreu à entrevista com a mãe de um menino
realizada em outra investigação para buscar as informações acerca da criança, pois
não conseguiu contato com a mãe. A pesquisadora explica que o conteúdo daquela
entrevista passou a ser de domínio público quando seu TCC, intitulado como Um
aluno surdo, um implante coclear e uma escola de surdos: uma história com
muitas possibilidades e identidades foi publicada.
Cito este exemplo porque o uso dos dados de outra pesquisa já realizada,
nesse caso tem sido objeto de discussão quanto aos aspectos éticos acerca do
consentimento/assentimento autorizando o uso dos dados. Quando ocorre o uso das
informações obtidas em entrevistas realizadas em pesquisas anteriores, faz-se
necessário a solicitação do consentimento e/ou assentimento dos participantes e
responsáveis para a utilização destes dados em nova investigação.
Na pesquisa citada não é necessário a solicitação da autorização porque a
entrevista foi publicada. Ainda, salienta-se que pesquisadora não teria como prever
a inclusão das informações em outra pesquisa e solicitar o consentimento e o
assentimento para uso futuro dos dados produzidos.
Outra questão ética que deve ser observada quando os dados são produzidos
a partir de entrevistas ou narrativas das crianças está relacionada ao desejo destas
81
O desenho foi utilizado por Pinho (2018) como estratégia para avaliar o
processo de representação gráfica do aluno com TEA através da representação de
si mesmo.
Por fim, ressalto que esta tese de doutorado terá uma versão bilíngue, que
será publicada em meio eletrônico. A versão em Libras da pesquisa visa a
tornar acessível o conteúdo da tese algo relevante para a comunidade
surda em geral e, principalmente, para as escolas de surdos, que poderão
ter acesso a uma pesquisa que pode incentivar o debate teórico e prático
em língua de sinais (BOSSE, 2019, p. 31-32).
fazer uma escolha política, conforme afirma Marchi (2017), pois os pesquisadores
optaram por olhar e escutar uma minoria sociológica, neste caso, ‗as crianças‘,
compreendendo-as como ―[...] protagonistas e repórteres competentes das suas
próprias experiências e entendimentos‖ (FERREIRA, 2009, p.149).
Barbosa (2014, p.240) questiona como o pesquisador pode definir a priori a
incapacidade do sujeito em defender seus interesses ou da criança pensar e falar
sobre si e o mundo. As crianças com deficiência, conforme o tipo e grau ou
severidade da deficiência, pode não realizar, sozinha, determinadas atividades,
dependendo de assistentes pessoais e/ou de cuidadoras. Mas o poder de tomar
decisões, isto é, a capacidade de agência para decidir sobre essas atividades deve
ser creditada a elas. Dessa forma os participantes estão mais expostos a danos
porque são incapazes de proteger seus interesses tanto suas opiniões e desejos.
Terminologia dos termos Um aspecto observado é o uso de diferentes termos e expressões para
se referir aos documentos, os quais não são reconhecidos pelas
resoluções e diretrizes sobre ética em pesquisa. Terminologia dos
termos. Por exemplo, para o TCLE foi usad: ―Termo de Consentimento
e Utilização de Dados Coletados para Pesquisa‖. Para o TALE foram
usados: ―Termo de Assentimento para Crianças e Adolescentes‖;
―Termo de Assentimento da Criança‖; ―Termo de Assentimento para
Crianças‖; ―Termo de Anuência dos Alunos (as)‖. Também em um
trabalho o assentimento das crianças foi registrado através do TCLE,
sendo que este termo é para o registro do consentimento dos pais e/ou
responsáveis.
Formato de convite O TCLE e o TALE são documentos que devem ser redigidos no
formato de convite. Não é adequado que a escrita destes documentos
seja em formato de declaração, já que isto pode reduzir a autonomia do
indivíduo. Este aspecto foi observado na maior parte dos termos
apresentados.
Linguagem acessível A linguagem utilizada nos modelos de TCLE anexados está acessível e
de fácil compreensão para os participantes (pais, professores e outros)
conforme está previsto na Resolução CNS 510/12 (Cap. III, Seção II,
Art. 15)
Quanto aos modelos de TALE apresentados em quatro a linguagem
não era adequada para crianças menores e não alfabetizadas, sendo
necessária a leitura e explicação pelas pesquisadoras das informações
do documento. Em 2 trabalhos a linguagem utilizada estava adequada
às crianças. Por exemplo: Junior (2021) apresentou o TALE no formato
de um pequeno livrinho ilustrado com desenhos de crianças e matérias
escolares (CARDS), com frases curtas. E Leão (2018) apresentou um
texto com uma linguagem convidativa e acessível ao nível de
escolaridade das crianças.
material da pesquisa A Resolução CNS 510/16 (Cap. VI, Art. 28, Ítem V) atribui ao
pesquisador a responsabilidade em ―manter os dados da pesquisa em
arquivo, físico ou digital, sob sua guarda e responsabilidade, por um
período mínimo de 5 (cinco) anos após o término da pesquisa;‖. Esta
informação foi incluída no TCLE de cinco trabalhos e no TALE de um
trabalho. Com objetivo de proteger os participantes em caso de
divulgação e uso indevido de dados os pesquisadores devem guardar
os dados durante a após a coleta de dados, por um período mínimo de
5 (cinco) anos após o término da pesquisa, conforme previsto na
Resolução CNS 510/16 no Cap. VI, Art. 28, P IV. Os cuidados com o
armazenamento foram descritos em 4 trabalhos analisados. Esta
informação foi incluída no TCLE de 5 trabalhos e no TALE de 1
trabalho.
Cronograma O cronograma é uma informação imprescindível para realização da
pesquisa, pois expressa a compatibilização das atividades propostas
com o tempo proposto para realização do projeto. Ao propor o projeto
(o) pesquisador (a) deve prever o prazo para análise do projeto pelo
CEP, pois não são analisados os aspectos éticos de projetos cuja
etapa da pesquisa envolvendo a participação dos sujeitos já tenha sido
iniciada. As informações quanto ao período da pesquisa bem como
sobre a duração das atividades, técnicas e instrumentos desenvolvidos
durante a investigação devem ser informado aos participantes da
pesquisa e responsáveis nos documentos de consentimento e
assentimento.
Fornecimento de uma via Nas resoluções do CNS 466/12 (item IV.5.d) e 510/16 (Art. 17, Cap.
original do documento, com IX e Cap. X, § 3º), está previsto que nos casos em que o
assinaturas e rubricas consentimento ou o assentimento livre e esclarecido for registrado por
escrito uma via, assinada e rubricada em todas folhas, pelo
participante, ou por seu representante legal, e pelo pesquisador
responsável, deve ser entregue ao participante. A informação sobre o
documento em ―duas vias‖ foi inclusa no modelo de TCLE em 10
trabalhos. A informação ―em duas vias‖ foi incluída no modelo do TALE
de 5 trabalhos. O espaço para assinatura dos pesquisadores consta
nos modelos do TCLE de 10 trabalhos e nos modelos de TALE de 3
trabalhos. O espaço para assinatura do participante no TCLE consta
em 10 trabalhos e no TALE em todos os termos anexados. Quanto à
rubrica não houve menção nos documentos.
Campo de assinaturas Quanto a terminologia para identificação das assinaturas pode-se
observar uma diversidade de nomenclatura para os documentos como:
- Participante da pesquisa: assinatura do participante, assinatura do
aluno, assinatura da criança, assinatura do professor, assinatura do
diretor.
- Pesquisador responsável: assinatura do pesquisador responsável,
assinatura do orientador, nome do orientado e orientador.
- Responsável legal: assinatura do responsável, assinatura do
responsável legal, assinatura do pai/mãe ou responsável.
A Conep tem insistido que os campos de assinaturas e de rubricas
contenham a terminologia preconizada pela Resolução CNS N° 466 de
2012 (itens II.10, II.15 e II.16).
Fonte: Elaborada com base nas Resoluções 466/12 e 510/16 do Ministério da Saúde/Brasil.
Imagem 6 – Menina com deficiência física. Ilustração de Andriele Santos, produzida para este
trabalho em março de 2022.
109
Segundo Carvalho (2018, p. 159) torna-se cada vez mais relevante a produção
de ética da pesquisa em Educação, desdobrada nos seus aspectos da regulação,
integridade e formação. A pesquisadora afirma que o livro ―Ética na Pesquisa em
Educação‖ representa uma importante contribuição para os desafios enfrentados
pela Educação, tanto no campo da política científica, quanto no plano da formação
de uma sensibilidade ética a ser internalizada como parte indispensável da que está
dando lugar também para a discussão sobre os aspectos da integridade e da
formação (CARVALHO, 2018, p. 160).
No Brasil, a ANPED é o principal espaço de debate sobre ética em pesquisa na
educação promovendo reuniões e seminários para discussões. Conforme Mainardes
(2017, p. 161), os pesquisadores dos PPGs em educação relatam dificuldades,
dúvidas e discordâncias frente às exigências do sistema CEP/Conep, implicando na
resistência em cadastrar os projetos da Educação na Plataforma Brasil e submeter-
se aos procedimentos do sistema CEP/Conep (MAINARDES, 2017).
No ano de 2015, a ANPEd (Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Educação) criou uma comissão para fomentar o debate permanente
sobre ética na pesquisa cujos principais objetivos são: promover debates,
acompanhar as discussões sobre a regulamentação da ética em pesquisa, articular
ações na pós-graduação e nas publicações científicas da área de educação; ampliar
o diálogo sobre questões éticas com as demais associações científicas do campo
das Ciências Humanas e Sociais e propor políticas de apoio as publicações e à
realização de eventos sobre ética (MAINARDES, 2017).
As questões envolvendo ética em pesquisa na Educação tem estado presente
em reflexões e estudos realizados pelos programas de Pós-Graduação. É um
movimento gradual, mas constante. A liderança da ANPEd com a criação de uma
comissão de ética tem sido bastante importante. Cito a seguir alguns eventos que
abordaram a ética na pesquisa em Educação, em dois PPGs de instituições do Rio
Grande do Sul nos últimos anos:
diretrizes orientadoras que estimulam mais a reflexão das questões éticas, sendo
um material importante para a formação de pesquisadores ao propor respostas
concretas e propondo a inclusão de todos os envolvidos nos dilemas éticos nos
processos de deliberação sobre a questão (MAINARDES, 2017).
Em 2022 foi publicada versão traduzida em língua portuguesa pela Associação
Britânica de Pesquisa em Educação (BERA) em parceria com a ANPEd. Este
documento, traduzido por Geovana Lunardi Mendes, Jefferson Mainardes e Janete
Bridon, está disponível no site da ANPEd. Esta publicação pretende ampliar os
subsídios para os pesquisadores/as da área de Educação, Programas de Pós-
Graduação em Educação (PPGEs), Comissão de Ética em Pesquisa e
pesquisadores/as em geral (ANPEd, 2022).
Na América Latina, especificamente no Brasil, a ANPED tem produzidos
documentos sobre a ética na pesquisa educacional. São estudos que mostram o
início de discussões e investigações sobre o tema que precisam de aprofundamento
e continuidade. As pesquisas sobre o assunto abordam especialmente
regulamentação, e algumas questões sobre formação e dilema éticos (MAINARDES,
2017)6.
A partir desta análise das investigações sobre tema da formação ética, De La
Fare afirma que os aspectos mais considerados pelos pesquisadores sobre o tema
são a regulação e a formação. Os dilemas éticos são pouco citados. A partir disso a
autora defende o trabalho do tema ético em pesquisa como conteúdo na formação
de pesquisadores em Educação através de estudos, reflexões e debates envolvendo
as normativas regulatórias, ―... partir das especificidades, das potencialidades e da
diversidade de perspectivas teóricas e filosóficas do campo educacional‖ (LA FARE,
2019, p. 122).
No Brasil, os programas de Pós-Graduação têm autonomia para definirem seus
currículos (disciplinas convencionais ou seminários; atividades obrigatórias e/ou
optativas). Os PPGs são organizados em áreas de concentração e linhas de
pesquisa, com grupos de pesquisa. Nesse contexto, os grupos de pesquisa são
importantes no processo de formação de pesquisadores e na orientação de
pesquisas de discentes e docentes (MAINARDES; STREMEL, 2019, p. 3 - 7).
6
A ANPED publicou dois volumes do e-book ―Ética e Pesquisa em Educação: subsídios‖ organizados
em forma de verbetes e assinados por reconhecidos pesquisadores da área. O volume I foi publicado
em 2019 e o volume II, em 2021.
117
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
ética constituída a partir da reflexividade do (a) pesquisador (a) pode dialogar com à
ética defendida nas regulamentações e pautada pelo CEP.
Nesta direção Campos (2020, p17) afirma que o aprimoramento do sistema
CEP/Conep passa por um diálogo entre os atores envolvidos e por mais pesquisas
de acompanhamento das formas de funcionamento dos diversos Comitês. A autora
também aponta que o aprimoramento dos CEPs envolve uma preocupação com a
dimensão pedagógica e divulgação de sua prática.
Considerando a discussão das questões éticas envolvidas nos estudos
analisados, tende-se a concordar com De La Fare (2019), que afirma a necessidade
de reflexões e discussões sobre problematizações teóricas, epistemológicas,
metodológicas e políticas que envolvam a ética nos espaços de pesquisas. Também
é apoiada a ideia de Fare e Savi Neto (2021, p. 92) de que recuperar a
―indissociabilidade entre formação e ética‖ pode ser uma ―forma de frear a invasão
normativa ao campo de pesquisa das CHS e de aprofundar o caminho da
reflexividade inerente ao ofício de pesquisar‖.
Ao finalizar este texto, destaca-se que compreender a ética como questão de
reconhecimento das crianças com deficiência como sujeitos de direitos e
protagonistas sociais implica o compromisso ético e político do(a) pesquisador(a).
Nessa perspectiva, os estudos da Sociologia da Infância e sobre deficiência podem
contribuir com os debates sobre a ética em pesquisas da Educação. Considerando
que ainda existe uma carência de estudos e textos sobre ética na pesquisa
envolvendo crianças com deficiência, fomentar as discussões sobre os novos
estudos sociais da infância aliados à reflexão sobre a ética na pesquisa será
significativo para articular as questões éticas referentes à autonomia, à autoria e ao
protagonismo nas pesquisas envolvendo crianças com deficiência na Educação.
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8. REFERÊNCIAS
CAMPOS, Maria Malta; COELHO, Rita de Cássia; CRUZ, Silvia Vieira. Consulta
sobre qualidade da educação infantil. Relatório Técnico final. São Paulo:
Fundação Carlos Chagas, Textos FCC, n.26/2006. Disponível em
http://publicacoes.fcc.org.br/index. php/textosfcc/article/view/2444. Acesso em 3 de
jun. de 2021.
CRUZ, Sílvia Helena Vieira. Prefácio. Ouvir crianças: uma tarefa complexa e
necessária. In: SOUZA, Marilene Proença Rebello de (Org.). Ouvindo crianças na
escola: abordagens e desafios metodológicos para a psicologia. São Paulo: Casa do
Psicólogo, 2010. p. 11-19.
FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Trad: Luiz Felipe Baeta Neves. Rio
de Janeiro: Forense Universitária, 2013, p. 15-227.
http://www.anped.org.br/sites/default/files/images/etica_e_pesquisa_em_educacao_-
_2019_17_jul.pdf. Acesso em 12 de nov. de 2021.
NUNES, Leila Regina d‘Oliveira de Paula (Org). Novas trilhas no modo de fazer
pesquisa em Educação Especial. Marília: ABPEE, 2019. 144p. Disponível em
https://www.google.com. Acesso em 26 de jun de 2021.
ROCHA, Eloisa Acires Candal. Por que ouvir as crianças? Algumas questões
para o debate científico multidisciplinar. In: CRUZ, Silvia Helena Vieira (Org.) A
criança fala: a escuta de crianças e pesquisas. São Paulo: Cortez, 2016, p. 43-51.
Disponível em: http://publicacoes.fcc.org.br/ojs/index.php/cp/article/view/289. Acesso
em 4 de jul. de 2020.
Dissertações e teses