A Leitura e A Escrita Imbricacoes Entre A Lingua Materna e A Matematica

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II SEMINÁRIO DE ESCRITAS E LEITURAS EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA (II SELEM)

A LEITURA E A ESCRITA:
IMBRICAÇÕES ENTRE A LÍNGUA MATERNA E A MATEMÁTICA

Manoel L. C. Teixeira
UFRJ
[email protected]

Jéssica do Nascimento Rodrigues


UFF
[email protected]

Resumo:
As questões levantadas neste trabalho abrangem a Língua Materna e a Matemática. A
complexidade da aquisição da leitura e da escrita, desde a mais tenra idade, inverte o
pensamento racional. Nessa etapa da cultura educacional, a Educação Infantil requer
estudos e capacitação do professor para dar seguimento ao processo de construção das
transformações por que passam os conceitos no Português e na Matemática. Quanto
menor a idade, a complexidade da aquisição da leitura e da escrita se torna questão de
profundas mudanças na didática dessas duas áreas. A partir desse contexto, faz-se a
interface entre Matemática e Língua Materna baseados nas proposições de Valente
(2012) e na análise da diversidade, que inclui História Cultural, Filosofia da
Matemática, Filosofia da Cultura e Epistemologia. Serão, ademais, apresentadas outras
interfaces entre Educação e Matemática no intuito de que novas pedagogias
transformadoras nasçam nesse momento transitório da civilização.

Palavras-chave: Alfabetização, Letramento, Alfabetização Matemática.

1. Introdução
Para podermos elucidar alguns problemas clássicos da língua materna e da
matemática, vale enfatizar que tais áreas estão sujeitas à inserção da filosofia da cultura.
Além disso, a impressão que temos é a de que essas duas línguas foram criadas com o
objetivo exclusivo de tornar a leitura e a escrita, tanto em matemática, como em língua
portuguesa, questões difíceis de explicar, já que símbolos e mais símbolos, acentos,
fórmulas e proposições poderosas servem para confrontar a criatividade de qualquer
indivíduo. Entretanto, essa relação escapa, às vezes, ao conhecimento tradicional, e a

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existência de propostas se torna, a cada dia, a opção mais vantajosa a essa tendência da
cultura educacional.
Vale enfatizar que, se o homem se faz livre pela palavra, isso significa que ler e
escrever não se limitam à ação de codificar e decodificar signos linguísticos.
O corte que acontece no Português e na Matemática se faz presente, sobretudo,
pela condição de exclusão sofrida pelos indivíduos que não exercem a liberdade plena
no cenário educacional − situação conservadora que, ainda hoje, se mantém. Nesse
sentido, Valente (2012) apresenta a nova pedagogia nascida das críticas de eminentes
educadores em relação à situação do ensino tradicional no final do século XIX e no
início do XX.
A partir deste contexto, fazemos a interface entre Matemática e Língua Materna
baseada nas proposições de Valente (2012) e na análise da diversidade, que inclui
História Cultural, Filosofia da Matemática, Filosofia da Cultura e Epistemologia. Serão,
ademais, apresentadas outras interfaces entre educação e matemática no intuito de que
novas pedagogias transformadoras nasçam nesse momento transitório da civilização. O
Ateliê de Matemática: movimento Ciência e Arte é uma tendência pedagógica para a
Educação Matemática subjacente.

2. O que é o número?
“O número se faz com as coisas, os objetos”.
A passagem do saber matemático cristalizado se faz, em termos escolares, pelo
que hoje conhecemos como tendência pedagógica tradicional, cujo método referencial é
a memorização. Com a chegada da república, por exemplo, como afirma Valente
(2012), o ponto principal a que, em 1882, Ruy Barbosa se refere, em seus relatórios e
pareceres, é o método de ensino. Já naquele período, o autor faz uma crítica ferrenha aos
mecanismos de repetição baseados na memorização.
Não obstante, ao mesmo tempo, é possível afirmar que a Matemática é a ciência
da memória, capacidade latente, em grande parte, dos matemáticos. Decorar teoremas
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com suas demonstrações, gravar algoritmos e regras, fazer e refazer milhares de


exercícios, por exemplo, é algumas das destrezas que caracterizam o mostrar
conhecimento matemático. Também a ciência em geral, a Língua Portuguesa e sua
metodologia escolar estão plenamente de acordo, visto que também são capacidades de
exercer o dom da memória.
Por um lado, a pedagogia tradicional se apresenta fundada nessa lógica clássica,
oriunda dos escritos desde a antiga Grécia. Alguns matemáticos, desde Euclides,
Aristóteles e, mais modernamente, Descartes representam essa vertente. E, por trás do
método pedagógico, apresenta-se uma filosofia da cultura, em que a razão é a base
secular que comanda o raciocínio abstrato. Por outro lado, no ensino intuitivo, o sentido
é a nova proposta pedagógica, representada pela filosofia intuicionista e anunciada em
oposição à arcaica pedagogia tradicional.
Nesse caso, o número pode ser conceituado na visão intuitiva como uma
sequência de símbolos: 0, 1, 2, 3, e assim por diante. Essa representação qualifica cada
componente, como nos diz a intuição. O real, a visualização, é a novidade da nova
pedagogia. Sem memorizações, a proposta é mediar o conhecimento aritmético a
respeito do que seja o número por intermédio do concreto.
A dificuldade existente em apresentar o conceito de número é a sua
complexidade psicogenética. O que se tem pesquisado e relatado sobre o assunto nos
encaminha à impossibilidade de usar as definições de número da matemática para o
ensino tradicional. Logo, reportamo-nos às filosofias que se propuseram a defini-lo,
como a filosofia logicista e a formalista, as quais se encaixam na lógica formal. Essas
definições, como afirmamos, são complexas, só os matemáticos especialistas da ciência
teriam condições de verbalizá-las ou mesmo memorizá-las como conhecimento válido
para efeito das pesquisas sobre os fundamentos da Matemática. Esse parece ser o
motivo de a memorização se enraizar no ensino tradicional, o que não se refere só ao
número, mas a qualquer conceito da matemática que, em menor ou maior grau, carregue
essa tradição memorialista.
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A filosofia intucionista define o número usando os axiomas de Peano. Possibilita


a apresentação do ensino dos conteúdos da aritmética de forma intuitiva e sentida. O
que era a memorização passou a ser a expressão, por exemplo, dos dedos das mãos e a
visualização de características qualitativas dos objetos: um lápis, dois lápis e sua
sequência numérica, representados pelos símbolos 0, 1, 2... Na pedagogia tradicional, os
naturais eram anunciados e a correspondência era feita de maneira quantitativa: 0, 1, 2,
3... eram símbolos e ficavam, portanto, no plano da abstração.
A interface entre a filosofia intucionista e a pedagogia da Matemática, surgida
no início do século XX, tem se desenvolvido. Nesse ínterim, a Educação Matemática,
na concepção do modernismo matemático, tem buscado sua filosofia no estruturalismo
francês, o qual tem ramificações na Antropologia e na Sociologia. A exemplo disso, a
álgebra, com suas concepções de estruturas, revela-se o desfecho da linguagem que irá
revolucionar os fundamentos da Matemática, a teoria dos conjuntos é incorporada ao
arcabouço teórico da matemática. Em suma, como a filosofia intucionista, a filosofia
estruturalista da Matemática fez a opção de dizer “o que é o número” usando os
axiomas de Peano.
A Educação Matemática, como movimento pedagógico, reformula-se e
enriquece-se, pesquisando novos métodos para o ensino-aprendizagem da Matemática.
Desse modo, a epistemologia acontece como suposto avanço de mudanças de
paradigmas em relação à pedagogia, como afirma Valente (2012, p. 34):
Através de Rui Barbosa é, ao que parece, consolidada a representação
do ensino tradicional, o ensino antigo que deve ser ultrapassado, com
processos que apelam à memoria, que usam, no caso da aritmética, a
lógica interna do conteúdo matemático diretamente para o ensino.

Com a transformação da pedagogia tradicional em intuitiva e com as novas


tendências pedagógicas do ensino da Matemática, tem-se que levar em conta o papel
que o conceito de número representa no universo da filosofia da cultura. Como
destacamos, a filosofia estruturalista e a intucionista usam o mesmo conceito para a
definição de número. Tanto esse conceito quanto o da pedagogia tradicional, nas
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formulações das filosofias logicista e formalista, são de pouco interesse para a prática
do educador matemático.
Por fim, nota-se que o conceito de número altera-se em meio às
mudanças da pedagogia: de quantidade a ser memorizada, número
passa a quantidade a ser sentida. Pouco importa qual é concepção
matemática de número. Essa não é uma alteração externa, somente de
metodologia, a dar outra didática ao ensino de número: trata-se de
uma alteração epistemológica em âmbito da cultura escolar, da
construção de outro significado para esse saber (VALENTE, 2012, p.
35).

Nesse viés, independente das escolhas que fazemos em relação às filosofias


citadas para nos reportar ao conceito de número, nossos guias não são o corte
paradigmático que tal concepção promoveu nesta ou naquela transformação na didática
da Matemática. Entendemos que é evidente essa revolução cultural que a nova
pedagogia promove no âmbito escolar; entretanto a filosofia cultural nos leva a
considerar o que a História Cultural nos ensina.

Uma delas é a que se refere às práticas ordinárias através das quais


uma sociedade ou um indivíduo vivem e refletem as práticas
ordinárias através das quais uma sociedade ou um indivíduo vivem e
refletem sobre sua relação com o mundo, com os outros ou consigo
mesmo (CHARTIER, 2007, p. 50 apud VALENTE, 2012, p. 23).

Diferente da epistemologia que, no caso do número, possibilitou a mudança de


paradigma − da pedagogia tradicional para a intuitiva −, as filosofias estudadas pela
cultura esclarecem que as escolhas que fazemos são de ordem política, sociológica,
ideológica e antropológica. A estrutura que promove a escrita, o debate, o uso de regras
e outros significados linguísticos se pauta na filosofia da cultura, representada pelo
velho pensamento lógico, que vai dos gregos até o cartesianismo.
Portanto, não há oposição em se contextualizar uma pedagogia nascente
revolucionária com os conceitos matemáticos que devem ser construídos. O conceito
tem que ser explorado na sua dimensão transdisciplinar: epistemologia, filosofia,

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cultural e suas relações são verdadeiras e diversificadas maneiras de considerar a


Educação Matemática como campo voltado para a cultura educacional. Reafirmando: é
a filosofia da cultura que nos mostra como e por que escolhemos nossas propostas
pedagógicas.

3. Por que e para que ler?

Para falar em leitura e em escrita em qualquer nível educacional, é preciso antes


tocar na questão do ensino da Língua Materna. Seus mecanismos de ensino-
aprendizagem não são consensuais (SANTOS, 2004), mas, hoje, é quase consensual que
isso se dá a partir do texto, tomado como unidade de ensino da leitura e da escrita
(MARCUSCHI, 2010). Vale então destacar que um dos objetivos do ensino de Língua
Portuguesa é justamente o desenvolvimento da competência comunicativa
(MARCUSCHI, 2010; TRAVAGLIA, 2011), competência imprescindível para que nós,
nesta sociedade grafocêntrica, possamos ir-e-vir, possamos atuar como cidadãos
letrados. Em outras palavras, a relação do sujeito com a língua é determinante de sua
maneira de ser e estar no mundo.
No que toca a leitura propriamente dita, o que ainda se costuma encontrar em
nossas salas de aula é a didática do texto-pretexto, ou seja, a leitura como o ponto de
partida para o estudo gramatical, ou ainda, para a decodificação pura e simples de
informações (NEVES, 2010). Assim, a leitura, fortemente secundarizada na escola,
é/era entendida de maneira invariável e uniforme (ROJO, 2006).
É indispensável entender que a leitura e a escrita são um espaço de interação e
de prática social. E nisso está também a leitura literária, a partir da qual, consoante
Lajolo (2005), compreendemos o mundo e podemos viver melhor: compreendemos o
mundo porque, para Roland Barthes e para nós, nela estão presentes todas as ciências; e
podemos viver melhor porque, como nos ensina Zilberman (2003), possibilita-nos o
desdobrar de nossas capacidades intelectuais ampliando e renovando nosso horizonte de
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percepção sobre o mundo. A formação do cidadão literariamente letrado é uma das


funções da escola e do ensino da Língua Materna. Formar o cidadão para entender o que
está escrito e o que não está escrito e para produzir a escrita é formar um cidadão que
admite leituras, um leitor que transcende a palavra escrita e que sonha, ato inerente ao
ser humano. Em suma, possibilitar ao aluno o acesso à leitura literária é ensinar-lhe que
na literatura, um dos ecos da realidade posta, estão possibilidades de viver melhor, de
compreender melhor a realidade e, inclusive, de intervir nela e recriá-la (LAJOLO,
2005; ZILBERMAN, 2003).
No oposto a isso, “Na questão pedagógica, os objetivos do ensino não podem ser
apenas uma lista redigida por técnicos e copiada no planejamento curricular; eles têm de
estar presentes como consciência da atividade pedagógica, dando sentido e direção às
ações em sala de aula” (NEVES, 2010, p. 235). Nesse sentido, para a produção de
textos, nas modalidades oral e escrita, é importante a relação afetivo-intelectual entre
professor e aluno, assim como é importante valorizar os conhecimentos que o aluno já
carrega consigo; além disso, vale ler o que o aluno escreve, vale ser a sua plateia, e que
isso seja contínuo, processual, levando em conta que favorece o desenvolvimento do
pensamento e da fala do aluno. (PAULA; SILVA, 2008). Ou, como resumem Guedes e
Souza (2003, p. 152, grifo nosso):

Assim, é preciso criar situações para que o exercício da escrita pelo


aluno se constitua realmente numa atividade intelectual – e não na
atividade meramente braçal da cópia −, para que ele tenha a
oportunidade e devida orientação para buscar eficácia e perfeição,
para que escreva para produzir (e não apenas para resumir, parafrasear
ou repisar lugares-comuns); para registrar, comunicar, influir,
entender, comover, criar, nada menos do que tudo isso.

Segundo Paulo Freire, “A constituição mecânica da descrição do objeto não se


constitui em conhecimento do objeto.” Logo, “[...] muito de nossa insistência, enquanto
professores e professoras, em que os estudantes “leiam”, num semestre, um sem-
número de capítulos de livros, reside na concepção errônea que às vezes temos do ato de

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ler”. Essa questão, então, faz-nos pensar que, antes de refletir sobre a quantidade de
livros que se lê, há de se refletir sobre a qualidade da leitura, no que toca o
desdobramento da capacidade intelectual de cada um, o desenvolvimento de uma
consciência crítica sólida e a ampliação do gosto pela leitura. É preciso ainda
problematizar a questão de que aprender a ler não significa tornar-se leitor, logo ter uma
quantidade significativa de pessoas alfabetizadas ou mesmo letradas não significa que
tais sujeitos gostem de ler ou que sejam “cidadãos literariamente letrados”.
Como professores da Língua Materna, de Matemática ou de qualquer outro
campo, somos os orientadores de nossos alunos no processo de ensino-aprendizagem da
leitura e da escrita e, sem tolhê-los, sem agir com preconceitos descabidos, dando-lhes a
oportunidade de pensar e repensar seus próprios textos numa relação de confiança
conosco, porque, voltando a Guedes e Souza (2003, p. 155):

Ensinar a escrever é uma tarefa de uma escola disposta a olhar para a


frente e não para a repetição do passado que nos trouxe à escola que
temos hoje: trabalhar com o texto implica trabalhar com a incerteza e
com o erro e não com a resposta certa, porque escrever é produzir e
não reproduzir velhas certezas.

É sabido que boa parte da população sabe decodificar os textos escritos, mas não
sabe fazer uso das habilidades de leitura e de escrita, no caso, o letramento (SOARES,
2004). O texto faz parte do cotidiano das pessoas, embora muito mais de forma prática,
seja para pegar um ônibus, seja para ler a manchete de um jornal. Ao se pensar em
letramento literário, por exemplo, letramento relacionado ao caráter estético da língua,
aí o problema se intensifica. O que há são inumeráveis impedimentos políticos, sociais e
econômicos (e até geográficos) que delineiam essa problemática e não é o mero acesso à
biblioteca (assim como não é o mero acesso a tecnologias de informação e
comunicação) o que transformará a situação da leitura e da escrita no País (PAULINO,
2001).

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Desse modo, assevera-se que, na escola, é importante dar cabo às atividades que
se utilizam do texto como pretexto para o ensino-opressão gramaticalista, e ainda dar
cabo à ideia de que o aluno não sabe a língua, até porque ele já nasce com o seu
programa inato, comum a todos, se pensarmos pelo viés chomskyano. É preciso sim
ensinar a norma culta, fazendo da gramática normativa apenas um instrumento nesse
processo, e valorizar as variantes linguísticas de nossos alunos, atentando para um
ensino que se faça para a vida e não para meros testes de aplicação de regras.

4. Desenho infantil, Português e Matemática

A arte do desenho infantil, o Português e a Matemática representam as áreas que


mostraram o nascimento da representação dos símbolos linguísticos e dos grafismos. Os
primeiros movimentos coordenadores dos processos de crescimento individual, cultural
e social. Desde a idade da alegria, de 0 a 6 anos, da inocência de 7 aos 10 anos, a
intuição, o pensamento e a criatividade são os geradores da inserção do indivíduo na
idade adulta... O caminho egocêntrico, o pequeno grupo e os grandes grupos sociais.
Este é o caminho da formação do cidadão em sociedade.
Destacamos o grupo que representa a maioria da população comumente
conhecido como as grades massas. Compõem o pano de fundo para o entendimento do
processo alfabético que esses campos colocam no caminho para a cidadania plena.
(BENJAMIN et al, 2012, p. 15) afirma: “A orientação da realidade em função das
massas e destas em função da realidade é um processo de imenso alcance não só para o
pensamento como para a intuição”.
A primeira infância ou, como chamamos mais delicadamente, a idade da alegria
será o começo. Essa etapa se configura, em termos espaciais e temporais, pelas
passagens entre os dois hemisférios cerebrais. É na primeira infância com as garatujas,
os esquemas, os desenhos do boneco girino e as suas várias etapas. Nesses grafismos,

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aparecem as letras, os números, a geometria, a topologia, até chegar ao processo de


entendimento da estrutura da língua.
É nessa etapa da vida da criança que o desenho, considerado como arte
embrionária, acontece no corte epistemológico. Antes, o desenho livre, cheio de
interpretações, e as diversas áreas se encontram representadas, quando a pedagogia
subjacente à educação infantil se esvai, e a articulação entre as três linguagens − o
desenho, a Língua Materna e a Matemática − acontecem de forma abrupta.
Já, na idade da inocência, o que interessa é a aquisição dos códigos linguísticos,
com o intuito da compreensão da estrutura da língua. De 0 aos 6 anos, a criança, na vida
cotidiana e na escola, convive com a brincadeira, com o jogo e com outras demandas
pedagógicas que caracterizam o livre pensamento, o livre arbítrio, pois a liberdade de
criar não incomoda, ainda se permite estar no mundo, ter ideias próprias e, enfim, criar
os caminhos que governam esse tempo. O espaço, a articulação social e outros
encaminhamentos são atendidos e assistidos pelos adultos.
A dualidade entre o lado esquerdo e o direito do cérebro se apresenta com a
expressão artística prevalecendo. Desenhos, cores e o grafismo se mostram únicos,
inocentes artifícios de técnicas. A leitura a ser feita, nessa etapa da vida da criança, em
relação às linguagens envolvidas, tem, na Matemática, papel importante. Credita-se a
isto motivo pelo qual a leitura da escrita infantil é de difícil interpretação e, às vezes, é
mal entendida. Assim, aos poucos, mesmo sem dar tréguas, o pensamento lógico cede
espaço aos efeitos da criação da obra de arte, como Edwards (2000, p. 12) nos informa:

Professores de escolas públicas também estão usando o meu livro.


Depois de 25 anos de cortes orçamentários nos programas de artes na
escola, tenho a satisfação de informar que secretarias estaduais de
educação e conselhos de escolas públicas começaram a se voltar para
as artes como uma das formas de recuperar os nossos sistemas
educacionais carentes.

A psicogênese da língua escrita, com seus desenvolvimentos (FERREIRO;


TEBEROSKY, 1986), apresenta-nos como acontece o processo da alfabetização nos
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estágios pré-silábico, silábico e alfabético e nos níveis intermediários. Nestes, destaca-


se o que pode ser considerada uma palavra, com quantas letras ela deve ser escrita e em
qual ordem. Segue-se o processo alfabético com um tipo de relação entre os símbolos,
as letras das palavras e os sons a serem emitidos, relação comumente chamada de
correspondência uma a um ou função bijetora. Estes são conceitos matemáticos que se
apresentam nas interfaces entre as duas áreas: Português e Matemática.
Na arte dos bonecos das pinturas, a Matemática está também presente,
(MIREDIEU, 1974), já que considera as etapas do desenho infantil como sendo os
grafismos na forma das garatujas ou dos esquemas, o início da representação da figura
humana e o desenho composto. A Matemática, nessa etapa do desenvolvimento infantil,
contribui com as formas geométricas e com a topologia dos abertos, dos fechados, das
fronteiras. É no plano a folha de papel que essas três modalidades de complexidades
acontecem; trata-se de etapas que, como no processo da alfabetização e da alfabetização
matemática, não são estanques. Acontece no tempo chamado idade da alegria.
A arte, apresentada nos desenhos, proporciona sentir a capacidade que todos
possuem ao articular os conhecimentos matemáticos e os artísticos, provenientes dos
dois hemisférios cerebrais. Edwards (2000, p. 17) completa:

Desenhado com o Lado Direito do Cérebro é, creio, uma das


primeiras aplicações educacionais práticas da percepção pioneira que
Roger Sprerry teve da natureza dual do raciocínio humano – o
raciocínio verbal e analítico localizado primordialmente no hemisfério
esquerdo, e o visual e perceptivo localizado primordialmente no
hemisfério direito.

Descrever as interfaces entre essas linguagens vai ser significativo para entender
o corte pedagógico que se apresenta na passagem da etapa de um segmento escolar ao
outro. Estamos nos referindo à Educação Infantil e à alfabetização do Português e da
Matemática.
A idade da inocência se apresenta dos 7 aos 10 anos, mais ou menos, quando
tem início a sociabilidade linguística. Antes, na idade da alegria, os desenhos dos
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bonecos, das letras e dos números seguiam as artes e os devaneios do lado direito do
cérebro. Este comandava as ações interiorizadas, as quais são as transcendências das
artes infantis. Aos poucos, as letras e os números têm que ser entendidos na função
social da comunicação. Nesse momento, o método utilizado na alfabetização e na
alfabetização matemática toma força.
A memorização decorrente do começo do privilégio do lado esquerdo do cérebro
se impõe na proposta pedagógica sedimentar, razão que coordena as atitudes basilares
da língua escrita culta. A ruptura decorrente da inversão do poder da formatação se
alastra, e as consequências são devastadoras. Assim, a continuidade da fecundidade de
aliar as duas maneiras estudadas pela neurociência capitula. Agora, as letras e os
números são o desenho, na sua forma intimista; assim como a reta, os abertos e os
fechados são desenhos da escrita.
A mágica irreverência infantil se perde aos poucos na passagem para a idade da
inocência. A arte da leitura e da escrita se restringe à memorização e a compreensão do
texto, na sua transcendência de continuidade dos processos criativos, transforma-se. A
imposição do linguajar culto se arvora em ser o guia da interpretação da língua, da
mesma forma como os processos de repetição são a memorização desses símbolos e de
seus significados, o que pontua o nascimento da idade da inocência. Na adolescência,
surge, então, a crítica à pedagogia usada na Matemática e no Português.
Nesse caminho da alienação, a magia do tempo infantil se esvai, já que acontece
a ruptura do fazer pedagógico. O que se propunha a ser a continuidade dos processos de
aprendizagem com íntima relação com a criatividade se distancia e, nesse momento, é o
operatório que se apresenta. Na Matemática, tem início o processo de apropriação das
relações fundamentais da aritmética: adição, subtração, multiplicação e divisão. No
Português, as operações internalizadas da escrita e da leitura não conseguem sair para o
papel e para a fala. A linguagem sucumbe.

5. Considerações finais
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A lógica que comanda os pensamentos e as realizações nas duas línguas


estudadas é a lógica clássica, racionalidade levada ao extremo do rigor, à exaustão, à
pobreza. Esta é a maneira de comunicar prevalecente nas relações entre indivíduos, já
que se estabelece o direito de legislar, executar, ajuizar leis e todo o tipo de sistemas de
poder, como não poderia deixar de ser, pautado no método científico, na cultura
enraizada num sistema em declínio.
Prazer, compromisso e obrigação se mesclam ao pensar em leitura e em escrita
na escola como práticas sociais tanto da Matemática quanto do Português. Depende
muito do que se lê, como se lê, quando se lê, onde se lê... “Um prazer divino”? Às
vezes. Mas, professores que somos, imersos no mundo da leitura e da escrita, podemos
afirmar que são um híbrido. Muitas vezes, ao ler, por exemplo, sente-se uma indizível
fruição, uma sensação maravilhosa de encantamento porque, sobretudo, há interação, há
reconhecimento naquilo que se lê. Outras, indigna-se com aquilo que se lê, não obstante
haja interação com o texto que causa alguma inquietação. Tantas outras vezes, lê-se
porque é necessário conhecer, assimilar, depreender. Enfim, todas essas leituras formam
os sujeitos compondo-os, formando aquilo que são, porém, isto somente se dá se a
leitura, assim como a escrita, for ativa, (re)significada, crítica, desenvolvida por dentro e
por fora da escola, lócus de aprendizagem. É essa leitura que impulsiona a escrita, a
vontade de produzir, de dizer, de criar, mesmo que para si mesmo.
Todos temos direito à leitura literária, embora isso não esteja no formato da Lei.
Todos os cidadãos têm o direito ao conhecimento, inclusive ao que se refere à
Literatura. Assim, levando em conta o diálogo e as infinitas redes de relações dialógicas
que se travam entre leitor-obra e entre real/imaginado; levando em conta a flexibilidade
de nossos pensamentos e de nossos sentimentos − já que somos indivíduos singulares,
críticos e sonhadores − sobre o ensino de Língua Portuguesa e da Matemática, podemos
afirmar, categoricamente, que existe um avanço considerável em termos teóricos,
entretanto, na prática, ainda há muito para avançar.

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Fruto do abismo que se abre entre a academia e a prática docentes, vê-se a


necessidade inegável de se investir em formação inicial e continuada de professores de
todas as áreas. O outro ponto importante é que os professores recém-formados, ao
chegarem às salas de aula, deparam-se com uma realidade muito mais complexa do que
aquilo que imaginaram, e o ensino de Língua Portuguesa e de Matemática, muitas
vezes, passa a ser secundarizado. Em suma, não se pode pensar o ensino sem pensar a
realidade em que se insere, e, digamos de passagem, uma realidade desigual e injusta
tanto para os professores quanto para os alunos.
Logo, o que podemos apontar sobre o ensino de Língua Portuguesa e sobre o
ensino da Matemática hoje nas escolas é que se foca ainda o ensino de gramática
normativa (prescritiva) em detrimento das outras gramáticas (de uso, reflexiva e
descritiva), que as atividades de leitura e de escrita são raras e, quando ocorrem,
limitam-se a atividades de cópia e de resolução de questões propostas geralmente pelo
livro didático, que os números são elementos trabalhados apenas com exercícios de
memorização. Em suma, passa-se por cima do letramento, da alfabetização matemática
e da arte que transpassa esses campos.

6. Referências

BENJAMIN, W, SCHÖTTKER, D, BUCK-MORSS, S, HANSEN, M. Benjamin e a


obra de arte: técnica, imagem, percepção. Tradução Marijane Lisboa e Vera Ribeirro.
Rio de Janeiro: Contraponto, 2012.

EDWARDS, B. Desenhando com o lado direito do cérebro. Tradução Ricardo


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