Z A Cidade Perdida
Z A Cidade Perdida
Z A Cidade Perdida
sinopse A história verídica do explorador inglês Percy Fawcett, que viaja ate à Amazónia no início
do século XX e descobre provas de uma avançada civilização até então desconhecida. Apesar de
ridicularizado pela comunidade científica que encara a população indígena como “selvagem”, o
explorador – apoiado pela sua mulher, pelo filho e pelo colega, ajudante de campo – regressa à
selva numa tentativa de provar a sua teoria, mas desaparece misteriosamente em 1925...
Adaptação ao grande ecrã da obra de não-ficção escrita pelo jornalista norte-americano
David Grann, um filme que relata as aventuras do explorador inglês Percy Fawcett. A
realização e o argumento ficam a cargo de James Gray ("Viver e Morrer em Little Odessa",
"A Emigrante"). O elenco conta com Charlie Hunnam, Robert Pattinson, Sienna Miller, Tom
Holland e Matthew Sunderland, entre outros.
A floresta encantada
Luís Miguel Oliveira, Publico de 4 de Maio de 2017
O filme é obcecado com ruinas, e no limite trata a selva, ela própria, como uma ruína, numa deriva
romântica que tem o seu quê de germânico.
A Cidade Perdida de Z é o filme que mais desarruma o rasto, até aqui consideravelmente
homogéneo, que a obra de James Gray tem deixado. É verdade que já o tinha feito um pouco no
filme anterior, A Imigrante, onde trocava a época contemporânea pelas primeiras décadas do
século XX, mas mantinham-se o meio ambiente e a “temática” de todos os filmes do realizador
desde a estreia com Little Odessa, o retrato da vida das comunidades imigrantes (sobretudo de
origem russa, como a família de Gray) em Nova Iorque e arredores. Aqui, tudo isso é varrido, e se,
por relação com A Imigrante se mantém a reconstituição de uma época remota (são ainda as
primeiras décadas do século XX, entre 1906 e os anos 1920), nem sombra de russos ou de Nova
Iorque. Antes a história de um aristocrata inglês, obcecado com uma cidade mítica nos confins da
Amazónia, que pode ou não ser a lendária Eldorado que enlouqueceu os conquistadores
espanhóis, e que troca a confortável vida na sua cottage por repetidas viagens à América do Sul
em busca da cidade perdida de Z.
Podíamos notar que o movimento da personagem (que se chama Fawcett é interpretada por
Charlie Hunnam) tem algo de paralelo com a própria posição de Gray, cineasta a trocar o seu “lar”
pelo desconforto de um universo estranho, por puro voluntarismo, quando nada o obrigava a fazê-
lo. Notar isso, contudo, obriga-nos a notar o quanto A Cidade Perdida de Z, pese toda essa
estranheza não apenas geográfica, carrega ainda do universo temático tradicional de Gray.
Cineclube de Joane 1 de 5
Vemos as cenas familiares, antes da primeira expedição, e depois nos intervalos entre viagens, e
forçoso se torna reparar, até pelo peso específico que essas cenas têm na economia narrativa do
filme, que A Cidade Perdida de Z, sem ser mais uma variação explícita em torno da bíblica
parábola do filho pródigo, continua a ser uma história onde a família se vive num movimento de
repulsa e atracção, um sítio onde se parte e a que se está condenado a regressar. Aliás, em
termos dramáticos, isso é reforçado pela estrutura narrativa, sempre “em frustração”, com os
sucessivos regressos das expedições sul-americanas sempre que a mítica cidade parece estar ao
alcance das mãos.
Mas, ainda a propósito da questão familiar, quem tenha bem presente a obra anterior de Gray não
poderá deixar de detectar uma repetição explícita, como se, mudando todas as circunstâncias, o
realizador estivesse à vontade para rimar sem disfarces — aquele diálogo entre o pai e o filho
Fawcett, na derradeira expedição (algo como “amo-te muito, pai”, “eu também te amo muito”),
retoma quase tintim por tintim o último diálogo entre o par de irmãos de Nós Controlamos a
Noite. As circunstâncias são bem diferentes, mas também aqui o momento da aceitação e da
expressão do amor familiar parece ser o ponto Z.
“Z” que, claro, é a última letra do alfabeto, o ponto de chegada derradeiro, para além do qual nada
mais há. A letra não é usada em vão, porque o filme está eivado de uma poética “terminal”, é um
filme sobre o fim, um filme sobre a extinção. Não se revela logo, aliás este é filme de Gray que
mais tempo demora a “revelar-se” (e é também o mais longo, com as suas quase duas horas e
meia), mas o movimento do filme, em eco da obsessão do protagonista, é um movimento para a
dissolução, para o desaparecimento, para a extinção. Extinção dele, e extinção dum mundo. O
filme é obcecado com ruinas (por exemplo, o encontro e reencontro com a ópera no meio da
selva, completamente “fitzcarraldiana”), e no limite trata a selva, ela própria, como uma ruína,
numa espécie de deriva romântica que tem o seu quê de germânico.
Pensamos, e não parece um pensamento especialmente delirante, que Gray filma a Amazónia
como Caspar David Friedrich a podia ter pintado — plasticamente o filme é belíssimo, exteriores e
interiores tratados com um cuidado que releva sempre algo quase desaparecido desse reino do
banho de luz que é o cinema contemporâneo: as sombras, o brilho das cores no escuro, coisas
que dá vontade de dizer que só Gray e Pedro Costa fazem actualmente. Mas extinção dum
mundo, também, um mundo “conradiano” (óbvia influência, por ele e pelo que Coppola fez com
ele no Apocalypse Now, que o final de Z tanto lembra) que consegue restituir o apelo romântico
da última vaga colonial mantendo sempre a perspectiva (as cenas com os índios: o olhar deles
sobre os aventureiros é “documental”, é o século XXI a olhar para o homem do princípio do século
passado), e consciente da mudança de tempo (para isso é fulcral a mediação das cenas durante a
I Guerra). E este olhar sobre o romantismo, um romantismo alheio de que o filme se apropria para
o tornar seu, é duma beleza extraordinária.
Cineclube de Joane 5 de 5