Apostila - Aulas de IED - Parte 1 - 220419 - 164616
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Professor da Disciplina:
Mário de Andrade Macieira
Ementa da Disciplina:
Conhecimento jurídico. Técnica jurídica. Teoria do ordenamento jurídico. Escolas do pensamento jurídico: Jus-
naturalismo. Contratualismo. Escola de exegese. Historicismo. Orientação sociológica. Positivismo. Realismo.
Hermenêutica jurídica: obrigatoriedade e aplicação da lei. Hierarquia e constitucionalidade das leis. Interpre-
tação da lei. Espécies e resultados. Procedimentos de integração. Eficácia da lei no tempo. Direito como Ciên-
cia e como Objeto do Conhecimento. Ciência Dogmática do Direito e seu Estatuto Teórico. Dogmática jurídica.
Teoria da Norma Jurídica. As Grandes Dicotomias.
Sumário:
o Aula #1 – Ministrada em 6/9/2017: Conceito de Direito ........................................................................... 2
o Aula #2 – Ministrada em 11/9/2017: Jusnaturalismo e Positivismo ........................................................... 4
o Aula #3 – Ministrada em 13/9/2017: Jusnaturalismo e Positivismo ........................................................... 8
o Aula #4 – Ministrada em 20/9/2017: Direito e Moral ............................................................................. 10
o Aula #5 – Ministrada em 25/9/2017: Positivismo e Realismo .................................................................. 15
o Aula #6 – Ministrada em 27/9/2017: Positivismo e Realismo .................................................................. 21
o Aula #7 – Ministrada em 2/10/2017: Neoconstitucionalismo e Pós-positivismo ....................................... 26
o Aula #8 – Ministrada em 9/10/2017: Estrutura das Normas ................................................................... 30
o Aula #9 – Ministrada em 16/10/2017: Generalidade, Abstração e Obrigatoriedade .................................. 37
o Aula #10 – Ministrada em 23/10/2017: Validade, Eficácia, Efetividade e Vigência .................................... 43
o Aula #11 – Ministrada em 25/10/2017: Retroatividade .......................................................................... 51
o Aula #12 – Ministrada em 30/10/2017: Teoria do Ordenamento Jurídico ................................................ 58
o Aula #13 – Ministrada em 6/11/2017: Fontes do Direito ........................................................................ 65
o Aula #14 – Ministrada em 13/11/2017: Jurisprudência .......................................................................... 72
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Anotações das aulas referentes à disciplina de Introdução ao Direito – Aluno: Pablo Fernando Aires Santos
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que é justo. “É lei, mas não é justo”. “O Direito não é o que é lei, mas o que é
justo”. Uma lei incompatível com os padrões morais (valores) de uma socie-
dade tende a se tornar ineficaz justamente porque as pessoas veem essa lei
como injusta.
c) Direito como norma. Dentro desta linha de pensamento, encontra-se HANS
KELSEN, professor austríaco, criador da Teoria Pura do Direito e da ideia de
instituição de uma justiça constitucional. Nesta abordagem, não há necessari-
amente uma preocupação com a eficácia das normas ou com a sua justiça,
mas, principalmente, com a questão da VALIDADE. O que importa é que as
normas tenham sido produzidas de maneira correta, válida. Quem fez a
norma? Tinha atribuição, poder, competência para fazer essa norma? O con-
ceito de validade é que atribui ao substantivo “norma” o adjetivo “jurídica”.
Uma norma pertence ao Direito desde que tenha sido produzida por uma de-
cisão válida. (Dica do professor: Leiam bastante! No Brasil, o Direito é escrito.
Nos EUA e na Inglaterra, as leis são costumeiras, dadas por uma tradição, em
grande medida, oral. No Brasil, as leis são escritas, o Direito é codificado e to-
dos os atos processuais e petições – com raras exceções – são escritos). O cri-
tério da validade é importante, afinal, se não tivermos um sistema jurídico que
qualifique as normas ou um critério que identifique o que é obrigatório e o que
não é, o que é proibido ou não, permitido ou não, ficaremos confusos sobre
aquilo que o Direito determina, permite e proíbe, ou seja, o critério da validade
é fundamental para identificarmos o que é norma jurídica e o que não é.
2 Cada uma dessas respostas tem uma linha de pensamento que a fundamenta:
a) Os JUSNATURALISTAS relacionam o Direito com a ideia de JUSTIÇA.
b) Os POSITIVISTAS relacionam o Direito com a ideia de NORMA.
c) Os REALISTAS relacionam o Direito com a ideia de FATO.
3 O JUSNATURALISMO é uma forma de pensar o Direito a partir de uma visão DUALISTA
(leva em consideração tanto o Direito natural quanto o Direito positivo). O Direito posi-
tivo é o Direito que é vigente sobre um determinado Estado durante um determinado
tempo. Os jusnaturalistas acreditam que, além do Direito positivo, há também um Di-
reito natural, que corresponderia àquele conjunto ideal de valores que formam a ideia
de justiça. Enquanto o Direito positivo é produto de uma decisão humana (ou conven-
ção), os jusnaturalistas vão dizer que, para que essas leis tenham fundamento, é preciso
que estejam baseadas em um Direito que não é contingente (ou seja, que não varie de
acordo com o lugar, povo e cultura) como o Direito positivo, que não é mutável, tempo-
ral, mas sim, em um Direito que é universal, um Direito que é próprio a todas as gentes,
comum a todos os seres humanos, que não é produto de uma decisão ou de uma con-
venção, e sim, da própria natureza. Trata-se do DIREITO NATURAL. Enquanto o Direito
positivo é temporário, o natural é ETERNO; enquanto aquele é contingente, este é UNI-
VERSAL. De acordo com Aristóteles: “O Direito natural é como o fogo. Ele queima assim
na Grécia como na Pérsia”. Como o Direito natural é imutável e universal, os jusnatura-
listas defendem a ideia de que ele é ANTERIOR ao Direito positivo. Afinal, o Direito po-
sitivo é datado historicamente, ao passo que o Direito natural é dado pela própria natu-
reza. O Direito natural representa um conjunto de valores que correspondem ao IDEAL
DE JUSTIÇA. Por isso, é anterior e superior ao Direito positivo. Portanto, no conflito en-
tre o Direito positivo e o natural, os jusnaturalistas vão dizer que este deve prevalecer,
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teoria do Direito e sim uma filosofia moral (uma percepção DEONTOLÓGICA sobre o
Direito) – uma visão de que, para obedecer às leis, não é suficiente o poder, a coerção –
é necessário que sejam apresentados outros fundamentos para que nós nos inclinemos
à obediência dessas leis. Pode ser, por exemplo, a ideia da igualdade (Dica do professor:
Assistam ao filme “O juiz”) – todos nós, igualmente, devemos obedecê-las. A mesma
obrigação imposta a mim é imposta a todos (fundamento “roussoriano” da obediência
às leis). Ao abrir mão de uma parcela da liberdade anterior (natural), o homem ingressa
em um novo momento de liberdade (civil), pois, ao aceitar as regras do contrato, sente
sobre si mesmo poder idêntico ao que ganha sobre os demais membros do contrato
(ROUSSEAU – ‘O contrato social’). Uma outra possibilidade de fundamentação do Direito
é a liberdade – devemos obedecer à lei porque ela é a medida da liberdade de cada um,
ou seja, de todos, igualmente. O que somos todos obrigados a fazer? O que a lei deter-
mina. O que somos proibidos de fazer? O que a lei proíbe. Essa é a garantia da minha
liberdade. Qual o limite da minha liberdade? O que eu posso fazer? Tudo o que a lei não
proíbe. Fica para mim uma esfera ampla de escolhas. O que a lei não regula é regido
pela minha moral ou pela minha vontade.
7 SÓCRATES foi condenado à morte por corromper a juventude e ensinar falsos deuses.
Ele foi tido como uma “ameaça” à sociedade ateniense. Ele foi o único que reconhecia
a própria ignorância. Quando ele põe em xeque as “verdades”, ele coloca em risco os
pilares daquela sociedade. Sócrates possuía uma série de discípulos, os quais lhe ofere-
ceram diversas possibilidades de fuga. Ele, contudo, recusou a “ajuda”, pois dizia que,
fora de Atenas, seria eternamente um estrangeiro, um marginal. Ele também dizia o
seguinte: o bom cidadão não pode descumprir as más leis, porque senão dará ao mau
cidadão o pretexto necessário e suficiente para descumprir as boas leis. Portanto, a obe-
diência às leis também pode ser fundamentada em uma necessidade de segurança (não
apenas no sentido de evitarmos a guerra ou o caos social – há também a questão da
segurança jurídica). Esse é, portanto, o problema DEONTOLÓGICO. Por isso, HANS KEL-
SEN diz: a doutrina tradicional do Direito está muito impregnada de elementos não jurí-
dicos. Tem-se buscado fundamentos filosóficos ou morais para a obediência ao Direito.
Porém, o critério para identificar o Direito tem que vir do próprio Direito e não da filo-
sofia.
8 No início do século XIX (1804), aproximadamente 15 anos após a Revolução Francesa,
NAPOLEÃO BONAPARTE mandou fazer um documento novo chamado CÓDIGO CIVIL.
Foi a primeira experiência de código moderno (o primeiro código da história foi o CÓ-
DIGO DE HAMURABI). A ideia moderna de código envolve a unidade temática, a coe-
rência lógica, a exigência de não contradição e de coerência racional, e o alcance de
toda a matéria (completude), ou seja, a inexistência de lacunas, omissões – embora se
saiba, hoje, que há situações de imprevisão no Direito. A partir do processo de codifica-
ção do Direito francês, formou-se uma escola de pensamento extremamente legalista –
a ESCOLA DA EXEGESE.
9 No final do século XIX, para criticar os dogmas legalistas da ESCOLA DA EXEGESE, foi feita
uma crítica sociológica sobre o Direito. No livro do Lyra Filho, isso vai ser chamado de
Socialismo Jurídico. NORBERTO BOBBIO chama de REALISMO. No final do século men-
cionado, para se contrapor ao formalismo legalista da ESCOLA DA EXEGESE na França,
surgiu uma nova corrente de pensamento, que procurava compreender o Direito a par-
tir de suas bases sociológicas. O Direito não seria necessariamente aquilo que está posi-
tivado ou tornado válido por uma decisão jurídica. O Direito seria identificado como um
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fato social, como aquilo que era eficaz, aquilo que era praticado e reconhecido pela so-
ciedade como regras de conduta.
10 HANS KELSEN afirmava que o Direito precisava ter autonomia em relação à filosofia, à
sociologia, à economia, à política. Uma das coisas que KELSEN quer dizer com TEORIA
PURA DO DIREITO é que se trata de uma teoria jurídica acerca do Direito e não acerca
de outro objeto qualquer. Qual o Direito que ele identifica? A norma válida. KELSEN
afirma que não faz sentido fundamentar uma norma jurídica em uma norma moral (crí-
tica ao jusnaturalismo). Os jusnaturalistas buscam a fundamentação do Direito na ques-
tão DEONTOLÓGICA.
11 O fundamento de uma norma jurídica não é outra norma senão a norma jurídica que é
hierarquicamente superior àquela norma e a todo o sistema jurídico. Nós podemos, por-
tanto, pensar o Direito como uma ordem escalonada e hierarquizada das normas jurídi-
cas. É assim que HANS KELSEN descreve o Direito. Um contrato só é válido se estiver
compatível com a lei. Esta só é válida se for compatível com a Constituição. Ou seja, o
fundamento de uma norma é outra de hierarquia superior. Até chegar em uma primeira
norma que é fundamento de todas as demais. E qual é essa primeira norma? A Consti-
tuição? Parcialmente, sim. Mas antes da Constituição há uma NORMA PRESSUPOSTA. É
o fundamento racional, “norma hipotética, transcendental”, que transcende a própria
ordem jurídica. Ela poderia ser anunciada como um dever de obediência geral. É o pres-
suposto lógico de todo esse arcabouço jurídico que nós montamos para obedecer, para
seguir. Desde que nós estabelecemos uma Constituição, dissemos nela quem tem o po-
der de fazer leis, de executar leis, de aplicar essas leis, quais princípios devem ser obser-
vados pelas leis, quais os procedimentos necessários para essas leis serem aprovadas,
etc. Portanto, para que nós faríamos tudo isso se não fosse para obedecer? Esse é o
pressuposto lógico defendido por KELSEN. É a base fundamental que está na base de
toda a ordem jurídica.
12 HANS KELSEN afirma que uma norma será válida e, portanto, obrigatória, se for compa-
tível com a norma superior que é o seu fundamento. Porém, uma norma na qual falte
totalmente EFICÁCIA (neste ponto, é importante ressaltar que uma norma é eficaz
quando seus destinatários a obedecem ou quando os destinatários a desobedecem, mas
as autoridades responsáveis por aplicá-la, aplicam-na) não é mais norma jurídica. O que
é Direito é o que é válido, desde que continue eficaz. Nenhuma norma pode ser eficaz
se não for válida. Portanto, o primeiro critério, para KELSEN, é a VALIDADE. KELSEN diz
ainda que uma ordem jurídica globalmente considerada perde validade quando a sua
norma fundamental perde a eficácia (na Teoria Pura do Direito ele usa a Revolução Russa
como exemplo). Já NORBERTO BOBBIO diz que os três critérios são INDEPENDENTES.
Porém, não é assim tão simples, tanto é que muitos outros vão dizer exatamente o con-
trário. HANS KELSEN (classificado pelo próprio BOBBIO como positivista) diz, por exem-
plo, que a EFICÁCIA é condição para a VALIDADE (é o que conhecemos como “desuso”).
No Brasil, enquanto não houver uma revogação formal, a norma continua valendo. Se-
gundo BOBBIO, os jusnaturalistas dizem que a JUSTIÇA é o critério central. Ele afirma,
ainda, que os jusnaturalistas são dualistas, os positivistas, monistas, e os realistas, PLU-
RALISTAS, pois estes afirmavam que havia várias ordens normativas na sociedade.
13 O positivismo é uma doutrina que rejeita o Direito natural. NORBERTO BOBBIO faz toda
uma caracterização do Direito natural. Ele diz que o Direito natural vem antes do Direito
positivo, que está acima, e que, em decorrência disso, fornece o critério de avaliação do
Direito positivo. O Direito positivo seria justo ou injusto se estivesse a favor ou contra o
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17 Se olharmos para os dez séculos da idade média (século V ao século XV), vemos que o
Direito e a religião praticamente não se diferenciavam. Ainda hoje, em muitos lugares,
em muitas sociedades, o Direito se mescla com a religião, com a moral e com as outras
normas sociais. É o caso, por exemplo, dos estados eclesiásticos (estados religiosos), nos
quais ainda não há uma LAICIDADE. No Brasil, essa laicidade ocorreu com a proclamação
da República.
18 Esse processo histórico e cultural pelo qual o Direito foi se tornando um conjunto de
normas que se divide, que se separa das outras normas sociais é um processo longo,
mas intuitivo. Nem tudo o que é lícito é justo; nem tudo o que é legal é moral. Haverá,
é óbvio, muitas coincidências em que o conteúdo das NORMAS JURÍDICAS é idêntico ao
conteúdo das NORMAS MORAIS. Por exemplo: para um contrato ser válido no Direito
Civil, as partes devem estar agindo de boa-fé. Todas as vezes em que uma parte age de
má-fé, de modo a prejudicar o outro, aquele contrato pode ser anulado, invalidado, ou
seja, a boa-fé é requisito para a validade dos contratos. Se não agirmos de boa-fé, não
teremos uma vida social minimamente sustentável. Outro exemplo: a corrupção, que é
crime. Nesse caso, a condenação jurídica revela um conteúdo do Direito semelhante ao
da moral. Em outras situações, o conteúdo da norma jurídica se afasta do conteúdo das
normas morais. Por exemplo: auxilia moradia para os magistrados (forma disfarçada de
aumento salarial); “ILEGALIDADE LEGAL”.
19 Além da diferença quanto ao CONTEÚDO, precisamos entender como o Direito se dife-
rencia da moral utilizando-se de outros critérios (analogia: copo com água x garrafinha
com água). Entre os romanos, Cícero dizia: “nem tudo o que é legal é justo”, “nem tudo
o que é legal é certo”. De certa forma, esse pensamento já nos indica os caminhos para
pensarmos nas distinções entre o Direito e as outras normas sociais, muito especial-
mente a moral e a religião. Muitas vezes, as bases éticas, morais do Direito são justa-
mente aquelas bases que a sociedade consagrou. Por exemplo: a estrutura da família
tradicional. A formação histórica de uma sociedade estabelece as bases morais, as bases
éticas sobre as quais é erigido todo o sistema do Direito. Porém, esse sistema de Direito
vai ganhando AUTONOMIA em relação às outras normas sociais. E essa autonomia é
essencial, afinal de contas é preciso que existam elementos objetivos que indiquem não
o limite entre o certo e o errado, entre o justo e o injusto, porque, de uma certa maneira,
o limite entre o certo e o errado pode ser algo difícil de ser definido com PRECISÃO e
OBJETIVIDADE. O limite entre o justo e o injusto, da mesma forma, no sentido de que
vai haver sempre uma zona de incerteza. Haverá situações em que o certo e o errado
são evidentes e outras em que são duvidosos. Como esses limites nem sempre são claros
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e precisos, o limite entre o lícito e o ilícito deve ser claro e preciso. É justamente por isso
que é importante termos CRITÉRIOS OBJETIVOS que nos são fornecidos pelo Direito.
20 Por volta do século XVI, começam a surgir aqueles pensadores do Direito que são tidos
como os PRIMEIROS JUSNATURALISTAS MODERNOS. Dizem que a história do Direito
natural moderno foi fundada a partir de dois pensadores importantes: HUGO GROTIUS
e SAMUEL PUFENDORF (os dois primeiros pensadores do Direito a pensarem o Direito
fora da religião). É a atribuído a eles o início do processo de LAICIZAÇÃO do Direito.
HUGO GROTIUS, no estudo chamado “Direito das gentes” (embrião do Direito Constitu-
cional) – das gentes: comum a todos os povos – buscava-se a possibilidade de funda-
mentar esse “Direito das gentes” em algo diferente de Deus. Imaginava-se poder sus-
tentar essa tese com base na razão. Quando chega o século XVII, já estava bastante
avançada essa tese de que o Direito teria que se separar da religião. Uma coisa é o ILÍ-
CITO, outra coisa é o PECADO. Nesse século, há um aprofundamento do estudo quanto
às diferenças entre Direito e moral, no intuito de construir um sistema jurídico indepen-
dente da religião – que é a base da moral.
21 A TRANSIÇÃO da idade média para a moderna foi marcada de muitas maneiras: do
ponto de vista econômico, pelo capitalismo; do ponto de vista social, pela progressiva
superação da estrutura social baseada em castas (renascimento comercial e urbano;
burguesia); do ponto de vista cultural, pela revalorização dos valores clássicos greco-
romanos.
22 No século XII, no mosteiro em Bolonha (Dica do professor: Assistam ao filme ‘O nome
da rosa’), havia uma grande biblioteca. Os monges faziam cópias das obras. As primeiras
universidades surgiram nesses mosteiros, nos quais era cultivado e disseminado o co-
nhecimento. Um certo monge descobre (ou redescobre) um documento importantís-
simo do império romano: o CORPUS JURIS CIVILIS, que foi feito a partir da ordem de um
imperador chamado JUSTINIANO. Este imperador percebeu que o império romano es-
tava caindo e ordenou que o Direito romano fosse compilado dentro de um corpo de
leis. Ressalta-se que esse termo não é expressão sinônima de Direito Civil, e sim de Di-
reito da Cidade de Roma. Esse documento estava dividido em 5 partes, entre as quais
estava o chamado DIGESTO ou PANDECTAS, o qual continha aqueles princípios mais
importantes do Direito romano. Lá, por exemplo, está a mais célebre DEFINIÇÃO DE JUS-
TIÇA, dada por ULPIANO: constante e perpétua vontade de atribuir a cada um o que é
seu; o seu direito.
23 Pouco tempo depois, há a transição cultural da antiguidade para a modernidade, com a
revalorização dos valores clássicos, e o Direito Romano é RECEPCIONADO como a ver-
dadeira expressão do Direito natural (como ‘RAZÃO ESCRITA’). Como se os romanos ti-
vessem coletado todas as derivações racionais sobre o que é o Direito natural e tivessem
transcrito essas derivações em um corpo de leis. Esse documento é recebido desta
forma pelos monges. Depois disso, começou-se a modernização do Direito e a sua
EMANCIPAÇÃO em relação ao teocentrismo. Segundo o advogado baiano João Manga-
beira, aquela definição de justiça de ULPIANO é uma definição morta escrita em uma
língua morta, e que era por isso que se dava ao escravo a escravidão.
24 HANS KELSEN, no livro “O que é justiça?”, afirma que todas as fórmulas de JUSTIÇA são
FÓRMULAS VAZIAS, fórmulas nas quais cabe qualquer conteúdo. Dizer que justiça é dar
a cada um o que é seu pressupõe uma ordem social que defina o que é “o seu” de “cada
um”. Portanto, essa fórmula serve para justificar qualquer ordem social.
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30 O Direito não estava diferenciado das demais normas sociais. Ele se apresentava como
um sistema de normas misturado, mesclado com essas outras normas sociais. Já vale à
pena a gente alertar para uma distinção. Qual é a base dessa distinção? As leis da natu-
reza se estruturam a partir de uma linguagem DESCRITIVA. As leis da natureza preten-
dem descrever a ocorrência de fenômenos naturais. Por exemplo, pensemos em uma
lei da natureza: todo corpo tende a permanecer em repouso ou em movimento uni-
forme, salvo se uma força externa sobre ele atuar (Lei da Inércia). Qual é a característica
deste enunciado? É que ele pretende descrever um fato. Uma única vez que eventual-
mente aconteça de um corpo em repouso entrar em movimento sem nenhuma força
externa atuar sobe ele, o que aconteceria com a Lei da Inércia? Ela deixaria de valer. Ao
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contrário das leis naturais, as normas éticas, as normas sociais, as normas de conduta
não se estruturam como uma linguagem descritiva, e sim como uma linguagem PRES-
CRITIVA. Há uma diferença entre descrever e prescrever. Se eu faço um juízo de consta-
tação: “em São Luís está fazendo muito calor” – isto é uma descrição do tempo. Mas se
eu digo: “deveria ser mais fresco” ou “deveria fazer menos calor” – eu passei de uma
linguagem que descreve algo “que é” para uma linguagem que prescreve algo que “de-
veria ser”.
31 Além de se estruturarem como prescrições e não como descrições, as normas de con-
duta não perdem sua valia, seu valor, sua EFICÁCIA, se elas forem descumpridas, ao
contrário do que acontece com as leis da natureza. Na verdade, só existe sentido em
prescrever uma conduta, mandando que algo seja feito, se for possível, também, NÃO
FAZER. Eu posso, por exemplo, mandar vocês pararem de respirar por 10 minutos? Não,
pois é uma impossibilidade natural. Todas as normas de conduta, inclusive as normas de
Direito, só se ocupam das AÇÕES POSSÍVEIS. Elas NÃO REGULAM nem as ações IMPOS-
SÍVEIS nem as NECESSÁRIAS. O que é impossível por natureza não pode ser objeto de
regulação pelas normas jurídicas ou pelas outras normas sociais. O que é necessário
também não pode ser objeto de regulação. As necessidades naturais estão fora do
campo do que a gente chama de LIBERDADE e sim no campo daquilo que se chama de
NECESSIDADE. É ali onde se pode ou não fazer que atuam as normas de proibição, de
imposição e de permissão. Estes são os TRÊS VÍNCULOS DEÔNTICOS BÁSICOS da con-
duta de uma pessoa com a norma: o que é proibido, o que é permitido e o que é obri-
gatório.
32 Dentro do campo das normas que regulam a nossa conduta, não existe só o Direito, mas
também as outras normas sociais. É o processo de modernização da sociedade que vai
levar ao processo de construção do Direito moderno. Do ponto de vista jurídico, uma
das características básicas do Direito moderno é a de ser MONOPÓLIO do Estado, ou
seja, o Estado moderno, a partir do momento em que se estrutura como Estado sobe-
rano, reivindica o poder público exclusivo de fazer o Direito. Como se faz o Direito? O
Direito se constitui a partir de uma dupla função estatal ou de duas das três principais
funções do estado: a função de CRIAR LEIS (legislativa) e a função de APLICAR AS LEIS
(jurisdicional). Na modernidade, constituiu-se o sistema de Direito cujas duas principais
fontes são a lei e a jurisprudência.
33 Era preciso que, de algum modo, os teóricos do Direito, sobretudo do Direito moderno,
estivessem empenhados em construir um modelo jurídico novo. Que pudessem fazer
uma diferenciação teórica que correspondesse a uma diferenciação prática – do Direito
em relação a essas outras normas sociais. Isto só seria possível quando o Estado se se-
parasse da igreja. Essa teoria seria construída a partir daquela concepção de que a moral
é interna e o Direito, externo. Como já foi explicado, para o Direito a consciência do
indivíduo só importa a partir do momento em que essa consciência é determinante para
a prática de um ato.
34 Dentre outras funções, essa distinção cumpriu uma função política muito importante
para a formação daquilo que nós chamamos hoje de ESTADO DE DIREITO. O conceito
de Estado de Direito tem a ver com a ideia de que, no Estado de Direito, o FUNDA-
MENTO e o LIMITE do poder político é o próprio Direito. Com base em que o Estado
pode exercer seus poderes? Com base no Direito. O Estado de Direito é o governo das
leis e sob leis. O próprio Direito funciona como o fundamento e o limite do poder polí-
tico. Essa ideia de Estado de Direito iria se constituir como uma ideia antagônica à ideia
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40 A moral é AUTÔNOMA e o Direito, HETERÔNOMO. O que isso quer dizer? Que o desti-
natário da norma moral é o seu próprio autor. Quem estabelece os meus deveres morais
é a sociedade através de um conjunto de instituições. Mas o cumprimento, o respeito a
esses deveres morais decorre de uma necessária adesão pessoal, subjetiva, do indivíduo
àquele preceito. De uma tal maneira que eu, na minha consciência, decido quais são as
normas de dever que eu devo ou não cumprir. Mesmo a sociedade me ensinando quais
são essas normas e esses deveres, não há mecanismos (INCOERCIBILIDADE) sistemáti-
cos, organizados, de imposição desses deveres. Quando muito, eu vou sentir uma repro-
vação difusa da minha conduta. Outras vezes, uma reprovação violenta da minha con-
duta. Mas não há mecanismos organizados, sistemáticos de imposição desses deveres.
Porque o sujeito que impõe, cria e reconhece tais normas é o seu próprio destinatário.
E nesse sentido, a gente lembra da liberdade como AUTONOMIA. O poder de dar as
normas a si próprio. Eu estabeleço as normas que devo obedecer. Já o Direito é HETE-
RÔNOMO porque o autor da norma não é necessariamente o seu destinatário. Quando
o constituinte criou uma Constituição, fundou uma ordem jurídica nova. Ao fundar, es-
tabeleceu quais são os poderes constituídos e quais são os limites desses poderes. Quem
foi o autor da norma? O constituinte. Quem são os destinatários? São os cidadãos do
Brasil, bem como as autoridades do Estado brasileiro. O Código Penal é anterior à Cons-
tituição. Contudo, todas as normas que não contrariam a Constituição foram recepcio-
nadas por ela. O referido código estabelece quais são os crimes que o nosso Direito po-
sitivo define como crime. Aqui já vale afirmar que nem todo ato ilícito é um crime. Crime
é toda conduta típica, antijurídica e culpável. A tipicidade de uma conduta é a sua des-
crição taxativa na lei penal como sendo crime. Todo crime é um ilícito. Existem determi-
nados atos ilícitos que ficam exclusivamente na esfera civil. O destinatário da norma
jurídica não é necessariamente seu autor. Quem é o autor da norma? O legislador. O
legislativo é o autor da norma, mas o seu destinatário somos nós. Existem alguns tipos
de normas jurídicas em que o autor e o destinatário são a mesma pessoa. Por exemplo,
os contratos. Os contratos são estabelecidos naquela esfera de liberdade em que você
é autônomo para celebrar seus contratos e aí você escreve um conjunto de regras do
contrato que vai valer para você e para a outra parte, que também é autora e destina-
tária da norma. Por AUTONOMIA, queremos dizer que o autor da norma é o destinatário
e por HETERONOMIA, que o autor não é o destinatário.
41 A moral é UNILATERAL porque são deveres do indivíduo consigo mesmo, com a sua
consciência. Quem viola um preceito moral, em regra, não descumpre um dever para
com outro ou outrem, senão um dever consigo mesmo. O Direito é BILATERAL porque,
do ponto de vista jurídico, quando alguém diz, por exemplo, assim: a educação é um
direito de todos. Então quem tem direito a educação? Todos. Mas na outra ponta, quem
tem o dever de oferecer a educação? O Estado. Quando a gente pensa na expressão
“DIREITO SUBJETIVO”, nós nos lembramos que as pessoas são titulares de direitos. São
sujeitos de direitos. Ou seja, os sujeitos, que são titulares de direitos, são aqueles que
têm direito subjetivo a algo. Cada um de nós tem um conjunto de direitos subjetivos. Os
meus direitos subjetivos não são os vossos. Há direitos que eu tenho, mas vocês não. As
leis que regulam dizem quais são os direitos e deveres dos professores e os dos alunos,
por exemplo. Do ponto de vista jurídico, se João tem um direito ‘A’, é porque, no outro
polo, há outra pessoa que está, em relação a João, obrigada a algo. Ou seja, o direito
subjetivo do João implica necessariamente, no campo do Direito, em um dever de outra
pessoa. O mais notório “DIREITO REAL” é o direito de propriedade. O direito que se
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exerce sobre uma coisa e não sobre alguém. Quando eu digo que sou o dono deste tele-
fone, o que eu estou dizendo? Que em relação a mim, todos os demais têm o dever de
não violarem o meu direito à propriedade. Por isso dizemos que os direitos reais, prin-
cipalmente o direito à propriedade, são um direito ERGA OMNES, que é uma expressão
latina que quer dizer CONTRA TODOS. Portanto, a BILATERALIDADE do Direito se perfaz
nessa ideia de que a um direito subjetivo corresponde um dever jurídico.
42 MIGUEL REALE insiste que a moral é BILATERAL (bilateralidade atributiva) tanto quanto
o Direito, porque não faz sentido eu falar em deveres morais se não for em relação a
alguém. Em relação a meus filhos, por exemplo, mesmo que o Direito não diga nada, a
moral me diz que eu tenho o dever de amar, de cuidar, de proteger. Então os meus
deveres não são comigo mesmo e sim com outra pessoa. Só que a diferença é que os
deveres jurídicos são EXIGÍVEIS e os deveres morais, INEXIGÍVEIS. O exemplo clássico é
o exemplo do mendigo. Se eu for passando por uma esquina e um morador de rua me
pedir uma esmola, eu estou obrigado a dar a esmola? Ele pode exigir de mim que eu dê
a esmola? Não. Mas se eu estiver devendo o banco, o banco pode exigir o pagamento
da dívida? Se eu não pagar, haverá sanções contra mim? Sim. Portanto, a ideia básica,
do ponto de vista de REALE, não é que a moral não tenha deveres com outra pessoa, a
questão é que esses deveres são autônomos, conscientes, decorrem da liberdade, da
vontade, mas são inexigíveis. Essa bilateralidade atributiva se dá porque REALE fala do
vínculo da atributividade. O vínculo jurídico entre duas pessoas é sempre dado por um
instrumento jurídico, uma lei, por exemplo. Há deveres morais dos pais para com seus
filhos e dos filhos para com seus pais, mas também há deveres jurídicos. Contudo, nes-
tes, por exemplo, não há o dever de amar. A lei pode obrigar a gente a amar alguém?
Não. Não se pode esquecer a razão jurídica de por que a moral foi diferenciada do Di-
reito. Se eu começar a pedir aos juízes que façam julgamentos morais e não jurídicos,
eu vou entrar em uma seara na qual a tutela estatal invadiria a consciência do indivíduo.
Daqui a pouco estaríamos falando de crime de pensamento.
43 TEORIA DO MÍNIMO ÉTICO: o Direito é o mínimo de moral tornada obrigatória para uma
sociedade. Ela contém a tese de que, para que uma sociedade se sustente, é necessário
que um mínimo de regras básicas possa ser assegurado, declarado obrigatório para to-
dos. E a partir daí a questão fica a cargo de cada um. Fora desse pequeno limite jurídico,
o mínimo possível, mínima intervenção (Estado liberal), cada indivíduo seguiria de
acordo com a sua moral. A grande crítica a essa teoria é porque há muitas normas do
Direito que não são morais, estão fora da moral, ou porque contrariam a moral ou por-
que são simplesmente irrelevantes do ponto de vista moral (Por exemplo: contagem de
prazos em dias uteis; estabelecimento de Brasília como capital do Brasil, etc.). Há outras
normas que tornam lícitas certas ações eventualmente imorais. Por isso, não pedimos
aos juízes que façam juízos morais, mas sim, jurídicos.
44 A Inglaterra não possui o Direito CODIFICADO. O Direito inglês, bem como o dos países
que foram colônias da Inglaterra, são sistemas jurídicos marcadamente CONSUETUDI-
NÁRIOS (costumeiros). Por isso, não podemos confundir Direito positivo com lei escrita.
(Retirado da internet: Direito positivo é o conjunto de princípios e regras que regem a
vida social de determinado povo em determinada época). O Direito positivo pode se ma-
nifestar na forma de lei costumeira. A Inglaterra é um país cujo Direito é predominante-
mente consuetudinário. É marcadamente costumeiro. Daí porque na Inglaterra, mais do
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que as leis escritas pelo Parlamento, tem muito valor as decisões dos tribunais e dos
juízes. É um sistema de Direito que se vale dos PRECEDENTES. O que são precedentes?
CASOS JÁ JULGADOS, que servem de modelos para outros casos. Qual é o problema
disso? A grande crítica que, no final do século XVIII, início do século XIX, foi feita por
JEREMY BENTHAM ao Direito inglês, diz que o problema do Direito baseado nos prece-
dentes é que a regra, a norma, surge depois do fato. Ou seja, você tem que produzir a
norma depois que o fato aconteceu. Mas há uma longa história de construção de prece-
dentes no Direito inglês. Sim, mas do mesmo modo que sempre há a possibilidade de as
leis escritas terem espaços abertos e de não previsão – o que a gente chama de LACU-
NAS DO DIREITO – também existe sempre a possibilidade de acontecer um fato sem
precedentes. Quando não há precedentes, a regra tem que ser feita depois que o fato
aconteceu, o que gera imprevisibilidade, incerteza. Era preciso, então, pensar em uma
forma de dotar o Direito de CERTEZA e PREVISIBILIDADE. E aí estava começando a ser
construído o dogma mais importante do Direito atualmente, que é o dogma segundo o
qual normas não podem disciplinar o passado, só podem se aplicar para o futuro. Por
isso é que as leis não podem retroagir – há exceções a esse princípio (como é o caso da
lei penal mais benéfica).
45 JEREMY BENTHAM estava muito preocupado com o problema da previsibilidade, da se-
gurança e da certeza do Direito. Ele passou a defender uma ideia, na Inglaterra, que foi
rejeitada. Ele nunca conseguiu implementar tal ideia na Inglaterra, que é a de CODIFI-
CAÇÃO do Direito. Ele chegou a elaborar um modelo do Código Penal para ser utilizado
pelo país, que nunca foi aceito por este, visto que, culturalmente, aquela sociedade é
marcadamente voltada para o Direito costumeiro, para o Direito baseado em preceden-
tes. Por isso que, quando vemos filmes americanos de tribunal, sempre tem um prece-
dente que eles evocam. No Brasil, a nossa tradição é a tradição da família romano-ger-
mânica, em oposição ao Direito inglês, porque o Direito romano prevaleceu mais clara-
mente na Europa continental, na Europa onde estava Portugal, de quem somos colônia
(para diferenciar um pouco da Europa insular).
46 Se JEREMY BENTHAM queria codificar o Direito na Inglaterra e não conseguiu, na
França, NAPOLEÃO BONAPARTE conseguiu. A batalha que marcou a Revolução Fran-
cesa, a queda da Bastilha, ocorreu em 14 de julho de 1789. O Código Civil de NAPOLEÃO
é de 1804 – houve, portanto, 15 anos entre a tomada de poder pelos revolucionários e
a expedição do referido código. Durante todo o período absolutista, o cargo de juiz, o
exercício desse cargo decorria da escolha pessoal do rei. Então os juízes eram uma es-
pécie, assim, de extensão do poder real. Por isso, para aquele processo revolucionário,
que foi dirigido pelos ideais de igualdade, liberdade e fraternidade, era fundamental
que, ao invés de um Direito que fosse praticado por vontade do rei, com o auxílio de um
preposto, o Direito fosse diferente, baseado no fundamento de uma lei igual para todos,
e que a vontade arbitrária de um juiz não pudesse alterá-lo. Assim, os membros da As-
sembleia Nacional, que é o Parlamento francês, representavam a vontade do povo. No
Estado absolutista, o soberano é o rei. Já no Estado democrático, o soberano é o povo.
Somente o titular da soberania pode fazer leis, por meio de seus representantes. Se é
assim, fazia todo o sentido que, na França, os revolucionários tivessem uma desconfi-
ança danada com os advogados e com os juízes. Qual era a postura de interpretação que
os juízes e advogado deveriam adotar perante a lei? Deveriam abandonar a lei quando
achassem que a ela era injusta? Não. Poderiam criar interpretações em cima do sentido
das leis? Não. Eles tinham que aplicar de modo fiel aquilo que estava nas leis. Daí porque
o Direito francês passou por um processo de CODIFICAÇÃO. Pois quando se tem uma lei
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como proibição nem como obrigação, está previsto como permissão. É o espaço da au-
tonomia da vontade. Com base neste princípio, a Escola da Exegese defendeu, por muito
tempo, que não existem lacunas no Direito. Por quê? Porque aquilo do qual a lei nada
diz não é algo disciplinado pelo Direito. É algo que está fora do Direito. Tudo que não
existe como proibição ou como obrigação existe como permissão. Por isso, não há es-
paços em branco no Direito. Foi contra essa ideia que FRANÇOIS GENY se posicionou.
Ele disse que há claros espaços de não previsão, sobre os quais não há disciplinamento
jurídico. Nessas hipóteses onde há lacunas, como resolver? Recorrendo exclusivamente
ao Princípio da Previsão Geral Exclusiva? Não. Ele é insuficiente muitas vezes. Porque
surgem situações novas decorrentes das transformações da vida e da sociedade que
dependem de uma solução jurídica. E deixar de decidir não é uma opção. No Direito
moderno, não é dado ao juiz deixar de decidir. Ele tem que dar uma solução. E se essa
solução não se der por lei? FRANÇOIS GENY dizia que ele teria que recorrer a uma pes-
quisa científica sobre o Direito na base da sociedade. Portanto, para estudar o Direito
seria importante estudar sociologia, compreender o Direito a partir da sua base socioló-
gica. Quando ele diz que existem, sim, LACUNAS DO DIREITO, ele criou uma ampla pos-
sibilidade de liberdade hermenêutica. Os exegetas diziam que o Direito era o que estava
na lei, no código, nada além disso. Contudo, SAVIGNY alertou dizendo que a lei também
tem lacunas. Nesse caso, quem vai preencher esses espaços em branco é o próprio juiz.
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61 O positivismo jurídico, ao lado da teoria da norma jurídica, nos fornece uma teoria do
ordenamento jurídico. Entretanto, como essas normas jurídicas aparecem e desapare-
cem dentro do sistema de normas? Como nascem as normas e como elas morrem? Como
elas passam a ter vigência e quando e como elas perdem vigência? Quando o positivismo
jurídico fechou o campo de investigações no campo do Direito positivo, ele criou pro-
blemas que tinham que ser resolvidos. Criou-se, desta forma, a teoria da norma jurídica,
a teoria do ordenamento jurídico, a teoria das fontes do Direito e uma teoria da inter-
pretação e da aplicação do Direito. Estas são as bases da compreensão do Direito posi-
tivo. Para compreendê-lo, temos que nos assegurar desses quatro pilares de sustenta-
ção, a saber:
a) TEORIA DA NORMA JURÍDICA: preocupa-se com a questão da estrutura, das
características e da classificação da norma, com o conceito de vigência e eficá-
cia da norma jurídica, etc. Essa teoria se preocupa com “a árvore” isolada-
mente.
b) TEORIA DO ORDENAMENTO JURÍDICO: é a percepção de que o Direito posi-
tivo não é formado por normas isoladas, mas por um conjunto delas. O relaci-
onamento interno das normas jurídicas dentro do ordenamento jurídico tem
uma lógica. E qual é a lógica? A teoria do ordenamento jurídico visa solucionar
dois problemas principais: o problema dos conflitos entre normas e da falta de
uma norma para se resolver um caso concreto. Essa teoria olha para “a flo-
resta”. Ela se preocupa em como “as árvores” se relacionam com os outros
seres vivos que habitam “a floresta”.
c) TEORIA DAS FONTES DO DIREITO: como nasceram essas “árvores”? Como elas
nasceram e em quais circunstâncias elas vão desaparecer? Por fontes de Di-
reito a gente pode compreender todos os processos que levam ao apareci-
mento de normas jurídicas. Quem pode fazer normas jurídicas? Em que hipó-
teses, em que termos, em que limites, com quais conteúdos?
d) TEORIA DA INTERPRETAÇÃO DO DIREITO: uma vez conhecida “a floresta”,
uma vez entendida a relação entre suas “árvores”, uma vez entendido como
essa “floresta” nasce, a gente tem que pensar em como a gente aplica as ri-
quezas dessa “floresta”. Como nós vamos interpretar e aplicar o Direito?
62 Em que hipóteses eu posso desobedecer a lei? (Dica do professor: Leiam o livro “A De-
sobediência Civil”, de Henry David Thoreau). A teoria do Direito que os positivistas cons-
troem está sustentada em quatro subteorias. É como se eles fossem construir uma casa,
mas, antes de construírem a casa, construíram quatro colunas. A teoria do Direito está
assentada em QUATRO PILARES, já citadas anteriormente: a teoria da norma jurídica, a
teoria do ordenamento jurídico, a teoria das fontes do Direito e a teoria da interpretação
do Direito.
63 Como já foi dito, o Direito só cuida das ações POSSÍVEIS. No pensamento de KANT, isso
aparece mais ou menos assim: no campo das determinações da natureza, nós não temos
LIBERDADE, e sim, NECESSIDADE. O que é determinado naturalmente (ou seja, o que
nós não podemos fazer porque é impossível ou o que não podemos deixar de fazer,
porque é necessário), não nos dá escolha, nós temos que fazer. Nós temos um conjunto
de determinações da natureza que impõe limites para a nossa conduta. Por isso é que o
Direito só cuida do campo da LIBERDADE. Onde nós estamos livres para agir, incidem as
regras de comportamento, de conduta. Só que um outro filósofo chamado KARL MARX
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afirmou que o limite das possibilidades, ou seja, o que é determinado por natureza, é
historicamente transformado. Tem uma frase dele que diz assim: à medida em que
avança a socialização do trabalho, diminuem as determinações da natureza. A base da
sociedade é uma associação de esforços comuns. Nós nos reunimos, nós vivemos em
comunidade, porque cada um de nós toma conta de uma parte do trabalho social. Cada
vez que nós trabalhamos, o nosso trabalho vai transformando a nós mesmos, a natureza
e os nossos instrumentos de trabalho. Nós refletimos sobre a nossa prática, por isso nós
somos capazes de inventar coisas novas, que são radicalmente transformadoras da rea-
lidade. Essas coisas novas transformam a realidade, a nossa cultura, os nossos pensa-
mentos, as nossas crenças e diminuem as determinações da natureza. O que era impos-
sível ontem, pode não ser impossível hoje. Por exemplo: transporte aéreo, determina-
dos tipos de crimes, etc. Por isso, o campo da REGULAÇÃO JURÍDICA vai sendo alterado.
64 No final do século XIX, o debate que se instaurou não era mais um debate entre o jus-
naturalismo e o positivismo jurídico. O debate se deu entre REALISTAS e POSITIVISTAS.
No final do século mencionado, foi com base na ideia de LACUNAS DO DIREITO que
FRANÇOIS GENY, na França, criticou a ESCOLA DA EXEGESE. Com base no PRINCÍPIO DA
PREVISÃO GERAL EXCLUSIVA os exegetas diziam que não há lacunas na lei. O que a lei
não trata é aquilo que os particulares devem resolver no âmbito de suas vidas privadas.
Porém, FRANÇOIS disse que isso não é verdade, pois as insuficiências da lei vão ficando
cada vez mais evidentes na medida em que as coisas vão se transformando. A tentativa
de toda e qualquer obra legislativa é que ela seja escrita de tal modo que produza esta-
bilidade jurídica. Para produzir estabilidade jurídica, ela tem que ter durabilidade. Para
ter durabilidade, é preciso que, no momento de fazer a lei, se faça um exercício de pro-
jeção para o futuro, de como será a realidade no futuro. Toda vez que eu falo do con-
ceito de LACUNAS DO DIREITO, eu me lembro de uma frase de Renato Russo que diz: “o
futuro não é mais como era antigamente”. Por melhor que seja o legislador, por melhor
que seja o padrão do poder legislativo de um determinado pais, na hora de elaborar as
leis, ele não vai dar conta do futuro, pois no futuro as coisas vão acontecendo de forma
bem diferente daquilo que ele imaginou que seria. As coisas são muito dinâmicas. De
uma tal maneira que, no Direito, vai haver sempre claros ESPAÇOS EM BRANCO, vazios,
que precisariam ser preenchidos.
65 A partir dessa ideia de LACUNAS DO DIREITO, FRANÇOIS GENY começou a defender a
tese de que o Direito tinha que ser interpretado a partir dessa dinâmica da realidade
social. É o que ele chamava de LIVRE INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA DO DIREITO. O papel
do juiz (intérprete), na teoria positivista do Direito – ressalta-se que quem interpreta a
lei não é só juiz, mas todos os cidadãos, embora o mais frequente, quando a gente fala
de “intérprete”, é imaginar a figura do juiz, porque, de fato, é o Poder Judiciário que tem
a prerrogativa constitucional de aplicar o Direito – é o de mera APLICAÇÃO da lei. O
legislador faz a lei, e o intérprete apenas dá aplicação a ela, aplicando a norma geral ao
caso concreto (SUBSUNÇÃO). Na cabeça dos positivistas, o raciocínio jurídico é mera-
mente SILOGÍSTICO (silogismo é um tipo de raciocínio logico no qual a conclusão já está
contida nas premissas. Por exemplo: todo homem é mortal, Sócrates é homem, logo
Sócrates é mortal). A função do intérprete não pode ser outra senão a de fiel execução
das leis.
66 No final do século XIX, início do século XX, a polêmica não é mais entre JUSTIÇA e VALI-
DADE, e sim entre EFICÁCIA e VALIDADE (o Direito tal como ele formalmente vale e o
Direito tal como ele efetivamente se realiza). Todas as leis do estado são válidas? Ou
haverá leis do estado que não são válidas por serem injustas? Esse mesmo problema nós
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podemos aplicar em relação às chamadas leis ou normas produzidas pela sociedade que
são dotadas de maior eficácia. Há algumas que são boas, que são justas e outras que
não são (Exemplo dado pelo professor: caso recente da Favela da Rocinha).
67 Por volta da década de 1930, começa a aparecer um movimento de ideias chamado de
POSITIVISMO LÓGICO, POSITIVISMO ANALÍTICO ou POSITIVISMO NORMATIVISTA.
Para alguns, uma forma de NEOPOSITIVISMO. Esse positivismo foi se constituindo a par-
tir da ideia de que era preciso dar ao Direito uma AUTONOMIA CIENTÍFICA. Vamos tomar
como exemplo o mais importante pensador desse período para o positivismo, que foi
HANS KELSEN. Na sua Teoria Pura do Direito, ele diz que foi sua intenção construir uma
ciência, uma teoria dotada de um objeto específico e consciente da especificidade do
seu objeto. O que isso quer dizer? Ele queria DEPURAR a ciência jurídica. Daí porque ele
deu o título da sua obra mais importante (do ponto de vista metodológico). Alguns di-
zem que são duas as obras fundamentais de KELSEN: a Teoria Pura do Direito e a Teoria
Geral do Direito do Estado. Nestas duas obras, ele deixa expresso o seu objetivo meto-
dológico fundamental: construir uma ciência dotada de um objeto puro e próprio e cons-
ciente da especificidade desse objeto.
68 Para HANS KELSEN e para aqueles que, com ele, partilhavam do mesmo modelo de ci-
ência, toda CIÊNCIA, para que tenha um estatuto de ciência, tem que ter um OBJETO. O
Direito, pra KELSEN, estava muito misturado com a filosofia política e moral. Ele dizia
que a doutrina tradicional do Direito estava muito preocupada com a questão do Direito
que “deveria ser” e, para ele, uma ciência do Direito tem que tratar do problema do
Direito tal como “ele é”. Em grande medida, é injusta a crítica que diz que KELSEN quis
simplesmente separar Direito de política e Direito de moral. Na verdade, o que ele quis
foi separar metodologicamente. KELSEN não desconhecia as relações entre Direito e po-
lítica e Direito e moral. O que ele fazia era uma diferenciação conceitual entre a teoria
do Direito, que trata do Direito tal como “ele é”, e política do Direito, que trata do Direito
tal como ele “deve ser”. Kelsen estava bem preocupado em dotar o Direito de uma au-
tonomia científica.
69 Outro requisito era necessário para fazer do Direito uma ciência. Para HANS KELSEN e
para boa parte dos positivistas, nenhuma ciência pode tratar seu objeto de estudo com
PRECONCEITOS. Nenhuma ciência pode fazer juízos morais sobre o seu objeto de es-
tudo. Não se deve fazer julgamentos. O que é INJUSTO para um agnóstico, por exemplo,
pode não ser injusto para um religioso. KELSEN, no livro “O que é justiça”, diz que: toda
definição de justiça é uma fórmula vazia que serve para justificar qualquer ordem social.
A justiça dos romanos: dar a cada um o que é seu. KELSEN: o seu de cada um quem
define é a ordem social. Portanto, de acordo com cada estrutura social, o seu de cada
um vai estar justificado. Então se dê ao escravo a escravidão, pois é isso que é dele. A
máxima de justiça dita por São Paulo em uma carta aos Tessalonicenses: a cada um de
acordo com a sua necessidade. KELSEN: mas as necessidades são socialmente determi-
nadas. Elas não são necessariamente determinadas apenas por natureza, mas por qual-
quer forma de ideias sobre a justiça. A justiça dos evangelhos envolve a ideia de retri-
buição. Kelsen diz que, nos evangelhos, a ideia de retribuição está presente, só que ao
invés de a retribuição ser agora, ela vem só depois. É preciso, antes de saber se a con-
duta é boa ou má, definir os dogmas da religião. Assim também é o Direito. A ideia de
justiça está embutida no Direito. A ideia de RETRIBUIÇÃO da conduta está embutida no
Direito. Agora, se essa retribuição vai ser um prêmio, uma recompensa, uma sanção ou
uma punição, isso depende do que a lei definir. Mas precisa da lei para definir.
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Em virtude de eu não ter ido à UFMA no dia 2/10/2017, as anotações referentes a este dia foram baseadas
nas anotações de outras pessoas e na Internet.
73 Antes da fundação do estado civil existia o estado da natureza: homem livre, direito à
liberdade, à igualdade, à propriedade. Para HOBBES: o estado da natureza era uma
guerra; o contrato cria a sociedade (CONTRATUALISMO).
75 CONSTITUCIONALISMO: movimento que declara que toda sociedade deve ter uma
Constituição.
76 RECONSTITUCIONALIZAÇÃO: Pós 2ª guerra mundial. Não havia uma Constituição, ou
seja, não estavam assegurados os direitos e não havia a separação dos poderes. Este
novo constitucionalismo surge como resposta àqueles regimes ilegítimos e autoritários
(enquanto o constitucionalismo antigo surgiu em resposta ao absolutismo). Consagram-
se os DIREITOS FUNDAMENTAIS e não somente os direitos naturais (como em Napo-
leão).
77 Supremacia da Constituição: as leis enquanto normas estão abaixo da Constituição. Es-
sas novas Constituições trouxeram mecanismos de defesa da Constituição. Portanto,
todo o sistema jurídico passa a girar em torno dela. Enquanto antigamente girava-se em
torno das leis (no período moderno), hoje, o patamar superior é a Constituição.
78 A RECONSTITUCIONALIZAÇÃO da Europa, imediatamente após a 2ª guerra mundial e ao
longo da segunda metade do século XX, redefiniu o lugar da Constituição e a influência
do Direito constitucional sobre as instituições contemporâneas. A aproximação das
ideias de constitucionalismo e de democracia produziu uma nova forma de organização
política, que atende por nomes diversos: Estado democrático de Direito, Estado consti-
tucional de Direito, Estado constitucional democrático. Nesse período da história, deu-
se início a vários processos de RECUPERAÇÃO do sistema organizacional dos países.
Dentre os processos de recuperação, vemos uma mudança de paradigma de extrema
importância no mundo jurídico: a reconstitucionalização do Direito, com o intuito de
elevar a Constituição de cada Estado a um patamar de magnitude em frente às demais
normas.
79 A reconstitucionalização no ÂMBITO POLÍTICO sucedeu da aproximação da democracia
com as ideias do constitucionalismo originado da reconstrução dos direitos humanos
com ênfase no princípio de égide da DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.
80 Na análise FILOSÓFICA o pós-positivismo mostrou uma reflexão da função social e da
interpretação do Direito que visava ir além da legalidade estrita a fim de alcançar uma
exegese moral, logicamente, sem desprezo ao Direito posto. Enfim, solidifica-se a força
normativa da Constituição que acarreta uma NOVA INTERPRETAÇÃO do ordenamento
jurídico conforme a Carta Magna e uma expansão da jurisdição.
81 No Brasil, o movimento de reconstitucionalização só foi concretizado com a promulga-
ção da Constituição de 1988 após vinte e um anos de ditadura militar, mas na Europa
esta ação constitucional já estava em andamento desde 1949 com a Constituição alemã.
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deve prevalecer. O que se busca atualmente são as bases de uma nova teoria: o pós-
positivismo.
92 As principais características desse novo posicionamento teórico podem ser identifica-
das, em suma, como: a ABERTURA VALORATIVA do sistema jurídico e, sobretudo, da
Constituição; tanto princípios quanto regras são considerados normas jurídicas; a
Constituição passa a ser o lócus principal dos princípios; e o aumento da força política
do Judiciário em face da constatação de que o intérprete cria norma jurídica. Um grande
desafio está lançado, o de buscar a justiça dentro de uma sociedade pluralista.
93 Em suma: o NEOCONSTITUCIONALISMO ou NOVO DIREITO CONSTITUCIONAL, na acep-
ção aqui desenvolvida, identifica um conjunto amplo de transformações ocorridas no
Estado e no Direito constitucional, em meio às quais podem ser assinalados:
a) como MARCO HISTÓRICO, a formação do Estado constitucional de Direito,
cuja consolidação se deu ao longo das décadas finais do século XX;
b) como MARCO FILOSÓFICO, o pós-positivismo, com a centralidade dos direitos
fundamentais e a reaproximação entre Direito e ética; e
c) como MARCO TEÓRICO, o conjunto de mudanças que incluem a força norma-
tiva da Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvi-
mento de uma nova dogmática da interpretação constitucional. Desse con-
junto de fenômenos resultou um processo extenso e profundo de constitucio-
nalização do Direito.
https://jus.com.br/artigos/7547/neoconstitucionalismo-e-constitucionalizacao-do-direito
https://www.passeidireto.com/arquivo/4345884/neoconstitucionalizacao-
https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/242864/000910796.pdf?sequence=1
94 TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR diz que há dois modos básicos de se abordar o fenô-
meno jurídico: a ZETÉTICA e a DOGMÁTICA JURÍDICA.
a) Zetética: uma abordagem zetética do Direito trabalha com questões perma-
nentemente abertas. Suas respostas nos levam a outras perguntas. Como as
respostas são sempre abertas, percebe-se que há uma cadeia infinita de res-
postas e perguntas, de perguntas e respostas: O que é Direito? Direito é justiça.
O que é justiça? Justiça é igualdade. O que é igualdade? Igualdade é igualdade
formal, legal, ou não, igualdade é igualdade econômica, igualdade social... Por-
tanto, toda vez que eu dou uma resposta, ao invés de acabar com o problema,
eu aumento, eu amplio as perspectivas a partir das quais esse problema pode
ser analisado.
b) Dogmática jurídica: essa abordagem trabalha com um princípio: a inegabili-
dade dos pontos de partida. Ou seja, enquanto toda abordagem zetética do
Direito é infinita e aberta, toda abordagem dogmática é finita e fechada. Por
quê? Porque o ponto de partida é estabelecido e, a partir daí, transforma-se
em algo inquestionável. É o dogma. Em suma, saber se uma norma é justa ou
injusta é uma questão zetética e saber se uma norma é válida ou inválida é
uma questão dogmática.
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95 VERA REGINA PEREIRA DE ANDRADE, no livro “Dogmática Jurídica – Esforço de sua Con-
figuração e Identidade”, diz que a dogmática jurídica é uma forma de aproximação do
fenômeno jurídico. Quando a gente ingressa nesse conjunto de conhecimentos que cha-
mamos de dogmática jurídica e forma aquele conjunto de teorias necessárias à operaci-
onalização, à aplicação, à prática do Direito, não é que a gente esteja esquecendo a alta
complexidade do fenômeno jurídico e suas inter-relações com fenômenos econômicos,
políticos e questões morais. Não é que estejamos desconhecendo isso. É que nós esta-
mos delimitando nosso campo de análise. Não é que o problema da justiça, da eficácia,
das discussões políticas, das relações econômicas e suas consequências para o Direito,
das questões psicológicas envolvidas com o Direito, dentre outros, tenha desaparecido
ou seja irrelevante. É que nós estabelecemos um ponto de partida e, a partir desse
ponto, construímos todo um conjunto de consequências teóricas. A dogmática jurídica,
para TÉRCIO, por exemplo, é a própria ciência do Direito, já para BOBBIO, uma visão do
Direito por ele mesmo, uma visão interna do Direito.
96 Quando KELSEN elaborou sua Teoria Pura do Direito, ele desconhecia a complexidade do
Direito? Claro que não. Kelsen era senador na Áustria. É obvio que ele sabia que o Direito
é essencialmente um fenômeno intrincado com a política. O que ele disse foi que uma
coisa é a CIÊNCIA DO DIREITO, a teoria que analisa o Direito tal como ele está posto.
Outra coisa bem distinta é a POLÍTICA DO DIREITO. E assim ele constrói aquilo que ele
chama de pureza metodológica que, como eu expliquei a vocês, pressupunha a autono-
mia do objeto e neutralidade do sujeito. Kelsen não desconhecia as graves implicações
de uma teoria do Direito que não discutisse a questão da justiça – tanto é que Kelsen
escreveu pelo menos 3 obras só sobre a justiça. Porém, Kelsen queria separar o campo
do que ele chamava de ciência do Direito do campo que ele chamava de política jurídica.
97 A partir do momento em que o Direito se estrutura e se formaliza em uma cadeia de
normas válidas, nós precisamos entender o que é uma NORMA JURÍDICA. A partir de
agora estabeleceremos um ponto de partida e vamos deixar esse ponto de partida fora
de questão. Nosso ponto de partida vai ser justamente a teoria kelseniana da norma,
que é uma consistente contribuição, embora hoje já superada pelas contribuições de
outras pessoas.
98 KELSEN diz: a NORMA JURÍDICA é um ato objetivo destinado à conduta de outrem.
Nesse pequeno enunciado há alguns elementos muito importantes. Já podemos perce-
ber que quem faz a norma não é o seu destinatário. Quem emite aquele comando,
aquele ato, emite-o para que outra pessoa o obedeça. E Kelsen diz ainda: é um ATO
OBJETIVO. Qual é o significado disso? É que toda norma jurídica é uma prescrição sobre
condutas. As normas não se relacionam com os fatos por uma relação de causa e efeito.
Normas não são causas nem efeitos de fatos. Normas se relacionam com fatos por uma
relação de IMPUTAÇÃO. As normas imputam aos fatos certo sentido ou significado. E é
essa relação de imputação que permite a classificação dos fatos entre FATOS JURÍDICOS
(fatos conforme o Direito) e FATOS ILÍCITOS (fatos contrários ao Direito). Exemplo: O
aluno que ficar na sala de aula contando moedas pratica indisciplina – essa é a norma.
Aí, em certo momento, verifica-se que há uma aluna contando moedas dentro da sala
de aula. Nesse caso, eu pego a norma – que eu acabei de enunciar –, pego o fato, e faço
uma adequação do fato à norma. É isso que é ADEQUAÇÃO ou SUBSUNÇÃO. Outro
exemplo: vários homens assaltaram um ônibus. Dentre os assaltantes, havia adolescen-
tes e adultos. O delegado encaminhou os adolescentes ao centro de justiça juvenil. A
promotoria de justiça tomaria as providencias caso a caso, pessoa por pessoa. Verificou-
se que havia alguns adolescentes reincidentes no ato infracional equivalente a roubo.
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Ora, então eu tenho uma norma do Estatuto da Criança e do Adolescente que diz que
um adolescente que pratica um ato qualificado como crime no Código Penal comete um
ato infracional equivalente ao crime. Só que as sanções são distintas, pois a lei considera
que o adolescente ainda não tem toda a sua personalidade desenvolvida. Mas vejam,
por que o delegado disse que aqueles adolescentes estavam reincidindo na pratica de
um ato infracional equivalente ao roubo? Porque existem duas normas, a do Estatuto da
Criança e do Adolescente e a do Código Penal, que permitem ao delegado fazer aquele
encaixe da norma ao fato. Portanto, normas e fatos se relacionam por uma relação de
imputação.
99 Toda norma tem um SENTIDO OBJETIVO e um SENTIDO SUBJETIVO.
a) Sentido subjetivo: quando alguém enuncia uma norma, por exemplo: o aluno
que colar na prova vai ganhar zero, ou, os alunos que plagiarem suas respostas
da internet vão ganhar zero – esse enunciado possui qual destinatário? Os alu-
nos. Qual é o sentido subjetivo dessa norma? É a maneira como cada um dos
alunos vai receber essa norma e interpretá-la. Se, por exemplo, o aluno achar
que o professor está exagerando e que essa norma, na verdade, nem vai ser
cumprida, ele vai estar interpretando subjetivamente essa norma. Se, por ou-
tro lado, o aluno acredita que o professor vai cumpri-la e faz tudo correta-
mente, aquela norma ganhou eficácia, pois o espírito do destinatário dela a ela
aderiu. Esse é o sentido subjetivo.
b) Sentido objetivo: pouco importa como o sujeito que é destinatário da norma
a recebe e a interpreta. O que importa é que ela é objetivamente obrigatória.
Nesse sentido, Kelsen diz que, por exemplo, as normas morais só têm sentido
subjetivo, visto que, como vimos em aulas anteriores, elas só têm eficácia se
os destinatários dos preceitos morais aderirem e obedecerem a esses precei-
tos. Já a norma jurídica não. Ela é um ato objetivo no sentido de que mesmo
que o destinatário não queira, todos percebemos a OBRIGATORIEDADE OBJE-
TIVA daquele comando ou preceito normativo. Por exemplo: eu posso até
achar que posso dirigir sob incidência de álcool. Mas objetivamente há uma
norma, uma lei, que pune como crime, a partir de certos limites de teor alcóo-
lico, quem dirige sobre efeito de álcool. Subjetivamente, o destinatário pode
achar que é um absurdo impedirem ele de dirigir dessa forma. Mas objetiva-
mente o Direito comanda uma sanção para essa conduta. Se a conduta do su-
jeito, que é destinatário da norma, encaixar-se na hipótese de incidência da
norma, então, ela é objetivamente aplicável, independentemente de o sujeito
concordar ou não com ela.
100 Há uma segunda possibilidade de definição de uma norma jurídica: a NORMA JURÍDICA
é um esquema de interpretação da realidade. Nesse ponto, é importante que voltemos
àquela explicação sobre imputação ou subsunção. Imaginemos que eu estou dentro de
um ônibus ouvindo pessoas sentadas ao meu lado conversando acerca de uma situação
que uma delas viveu. No decorrer da conversa, percebo que esta pessoa sofreu algo que
pode ser caracterizado como DANO MORAL. Ora, eu sei que é um dano moral porque
eu tenho uma norma e, portanto, eu tenho a possibilidade de, a partir da pré-existência
de uma norma, interpretar um fato à luz dessa norma. Quando Kelsen diz que a norma
é uma forma de interpretar a realidade, o que ele está dizendo? Está dizendo que a
norma fornece um parâmetro para dar sentido ou significado jurídico aos fatos. E, a par-
tir disso, ele extrai outra consequência: as normas ANTECEDEM os fatos. Do ponto de
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vista cronológico, histórico, os fatos antecedem as normas. A gente cria uma norma
nova para disciplinar situações de fato antes não previstas. Mas como não havia previ-
são normativa para as situações de fato antes não previstas, elas não tinham sentido ou
significado jurídico. A partir do momento que surge a norma é que passa a haver um
SENTIDO JURÍDICO para determinado fato. Antes disso, antes de a norma ter existência
ou validade, um fato que não esteja previsto é um espaço em branco, uma lacuna do
Direito.
101 Os FATOS JURÍDICOS são quaisquer fatos da sociedade ou da natureza que tenham
previsão ou regulamentação jurídica. Os fatos, portanto, são aqueles acontecimentos
juridicamente relevantes. Exemplo: o nascimento é um fato. Quando uma pessoa nasce
viva (quando ela não é natimorta), esse fato, por si só, desencadeia uma série de conse-
quências jurídicas, a começar pelo fato de que essa pessoa nascida viva ganha persona-
lidade jurídica e passa a ser titular de um conjunto enorme de direitos fundamentais, a
começar pelo direito à vida. Para que um fato tenha característica de fato jurídico, é
preciso que ele tenha PREVISÃO NORMATIVA. Repare o substantivo: “previsão”. Por-
tanto, ele tem que estar antecipadamente ou anteriormente previsto na norma. O Có-
digo Penal diz: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem há pena sem prévia
cominação legal”. Portanto, às vezes estamos diante de uma situação abominável do
ponto de vista moral, mas não existe uma lei penal que a qualifique como crime. Se não
existe uma lei que a classifique como crime, esse fato, apesar de abominável, não é
crime.
102 O “deve ser” precede o “ser”. Isso nos traz o terceiro elemento de definição ou de con-
ceituação da norma jurídica. Para Kelsen, a NORMA JURÍDICA é um juízo ou um impe-
rativo hipotético. Do tipo: SE FOR ‘F’, DEVE SER ‘S’. Ou seja, se acontecer um fato ‘F’,
então deverá ser aplicada uma sanção ‘S’. Um certo jurista contemporâneo dividiu as
normas jurídicas em NORMAS REGRAS e NORMAS PRINCÍPIOS. Os princípios teriam
uma dimensão de abstração muito maior do que as regras. As regras obedeceriam à
lógica do “se–então”. Se infringir a regra, então sofrerá uma sanção. Se for ‘F’, deve ser
‘S’, ou seja, se acontecer um fato, este fato deve ser sancionado. Exemplo: Matar al-
guém. Pena: reclusão de 6 a 20 anos. Vamos pegar a primeira parte da norma: se for ‘F’.
Qual é o ‘F’? Matar alguém. E qual é o ‘S’? Reclusão de 6 a 20 anos. Portanto, podemos
entender essa estrutura como uma norma de PROIBIÇÃO, embora não esteja dito: é
proibido ‘F’, senão ‘S’, e sim, se ‘F’, então ‘S’. Ou seja, “meu amigo, é o seguinte: se
matar, vai para a cadeia”.
103 Estávamos diante de uma estrutura de uma norma de proibição. Mas e se a gente colo-
car assim: DEVE SER ‘F’, SENÃO ‘S’? Nesse caso, estaremos diante de uma estrutura
lógica de uma norma de OBRIGAÇÃO ou de IMPOSIÇÃO. Exemplo: Os jovens de 18 anos,
do sexo masculino, devem se apresentar ao serviço militar obrigatório, senão, vão haver
várias consequências, tais como: não poder prestar concurso, não poder se matricular
em uma faculdade, etc. Qual a diferença dessa estrutura para as estruturas das normas
morais? É porque as NORMAS MORAIS, ao contrário das jurídicas, não seriam impera-
tivos hipotéticos, mas IMPERATIVOS CATEGÓRICOS, do tipo “deve ser ‘F’”. Por exemplo:
devo respeitar pai e mãe. Senão o quê? Senão nada! Como já vimos, a moral é incoercí-
vel.
104 As ESTRUTURAS LÓGICAS da norma não dizem exatamente como os fatos são. Por
exemplo, “matar alguém: pena de reclusão de 6 a 20 anos”. O que se está dizendo é o
seguinte: não se deve matar. Isso não está escrito, está implícito na estrutura lógica da
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norma – não se deve matar, mas se um sujeito matar alguém, deve sofrer uma pena.
Não está dito tudo isso, mas está lá estabelecida a PREVISÃO HIPOTÉTICA de um fato.
Partindo daí, falaremos de três elementos básicos que compõem uma norma jurídica: a
HIPÓTESE (mais precisamente, hipótese de incidência), o FATO e a SANÇÃO.
a) Hipótese de incidência: estamos na praia, todos sob o sol, ou seja, o sol incide
sobre todos nós. Contudo, eu levei uma barraquinha e a armei. A partir de
agora, eu não estou sob a incidência do sol, mas sob a incidência da sombra da
minha barraca. Portanto, a hipótese de incidência é aquele conjunto de fatos
sobre os quais a hipótese normativa incide e se aplica.
b) Dentre alguns tipos de fatos, trataremos de dois: o FATO AQUISITIVO e o FATO
GERADOR – não são opostos. O fato aquisitivo é o fato que leva à aquisição
de um direito. Por exemplo: ao atingir a maioridade você adquire capacidade
jurídica, ou seja, com 18 anos você é capaz para todos os atos da vida civil. O
fato gerador é o fato que, uma vez ocorrido, gera uma obrigação. Fato gera-
dor do Imposto de Transmissão de Bens Causa Mortis: o sujeito morre e deixa
uma herança. Para transferir os bens que ele deixou a seus herdeiros, há inci-
dência desse tributo. Esse tributo passa a incidir toda vez que a morte de al-
guém determina a transferência da propriedade de seus bens.
c) Sanção: a hipótese é a previsão desse fato, que, ocorrido, gera uma conse-
quência jurídica: a sanção. A sanção, portanto, é a CONSEQUÊNCIA JURÍDICA
da ocorrência do fato previsto na norma ou da sua não ocorrência. Se eu ti-
nha uma obrigação a realizar e não realizei, por exemplo, eu tinha que pagar a
minha dívida até o dia 5 deste mês e não o fiz. Nesse caso, eu terei sanções da
ordem civil. Qual a sanção pelo não pagamento da dívida? A multa. Outro
exemplo: descumprimento contratual (hipótese); ruptura do contrato antes
do prazo (fato); multa (sanção).
105 Em razão da hipótese ou do âmbito de incidência de uma norma, a gente pode falar em
âmbito de incidência PESSOAL, TEMPORAL, ESPACIAL e MATERIAL.
a) Pessoal: diz respeito ao conjunto de pessoas que sofrem a incidência da
norma. Por exemplo: no caso do serviço militar obrigatório, a norma incide
apenas sobre os homens, no ano em que completarem 18 anos. Estão fora do
âmbito de incidência as jovens de 18 anos do sexo feminino.
b) Temporal: diz respeito ao período em que a norma incide. Os fatos ocorridos
durante a vigência da norma estão sob a incidência dela. Os fatos ocorridos
fora do período de incidência da norma, não sofrem a incidência dela, ou seja,
estão fora da incidência temporal da norma.
c) Espacial: diz respeito ao lugar ou aos lugares em que a norma se aplica. Por
exemplo: as leis federais se aplicam em todo o território nacional. Mas as leis
municipais só se aplicam no território do município. Nós veremos mais adi-
ante, quando falarmos da eficácia das normas no espaço, que, em regra, as
normas se aplicam no âmbito do território do Estado (princípio da TERRITORI-
ALIDADE). A exceção é a possibilidade de se aplicar as normas de um Estado
sobre fatos ocorridos fora do seu território. Por exemplo: a EXTRATERRITORI-
ALIDADE da norma penal. Um brasileiro nato não pode ser extraditado. E o
brasileiro naturalizado só pode ser extraditado se ele tivesse sido condenado
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107 Nem todas as normas jurídicas tem a estrutura de um juízo hipotético. Nem todas as
normas jurídicas têm aquela estrutura da qual falei anteriormente. Há então que se fa-
zer duas DISTINÇÕES: a primeira é a distinção entre regras e princípios. As REGRAS têm
a estrutura do “se–então”, do juízo hipotético que falei ainda agora. Já os PRINCÍPIOS
não. Os princípios são comandos normativos, porém não têm a estrutura das regras.
Exemplo: art. 1º da Constituição Federal – A República Federativa do Brasil, formada
pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em
Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: a soberania; a cidadania; a
dignidade da pessoa humana; os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; o plu-
ralismo político. Temos aí uma norma jurídica que não tem a estrutura de juízo hipoté-
tico. Temos uma norma jurídica que define quais são os fundamentos do Estado brasi-
leiro, dentre eles a dignidade da pessoa humana. Outro exemplo: art. 5º, inciso X, da
Constituição Federal – São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem
das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente
de sua violação. Ou seja, é assegurada a intimidade, a honra e a vida privada das pes-
soas. É um princípio da Constituição que protege a intimidade, a honra e a vida privada,
mas percebe-se que ela não tem a estrutura do juízo hipotético que eu mencionei. O
que se fez foi uma definição. O que é inviolável? A intimidade, a honra e a vida privada.
Cadê o fato? Não se tem previsão de fato. Aqui há somente uma enumeração de um
princípio. É óbvio que, a partir desse princípio, a gente sabe que toda vez que houver
uma violação à honra de alguém deverá ocorrer algum tipo de sanção. Mas essa sanção
não está presente nessa norma. Seria preciso, posteriormente, uma outra norma inte-
gradora.
108 Outra distinção que deve ser feita é entre norma de conduta ou NORMA PRIMÁRIA e
norma de organização ou NORMA SECUNDÁRIA. Essa distinção é propriamente uma
distinção de Kelsen. Na Teoria Pura do Direito, ele diz que a norma primária é a norma
de sanção e a norma secundaria é a norma de conduta. “Se ‘F’, deve ser ‘S’” (ou seja,
nessa norma há duas partes: a previsão do fato e o estabelecimento de uma sanção. A
norma primaria, para Kelsen, é a parte “deve ser ‘S’” e a norma secundária, a parte “se
‘F’”). Posteriormente, esse conceito foi reformulado por HERBERT HART. Hanks Kelsen,
já mais maduro, revê a sua posição e afirma que o conceito de Hart é que, de fato, é o
mais correto. Hart diz que as normas se dividem entre NORMAS DE CONDUTA, ou seja,
normas que disciplinam e dirigem nossa conduta, que são chamadas primárias porque
estabelecem VÍNCULOS DIRETOS da conduta com a norma. E as normas secundárias?
São as normas que regulam a produção e a aplicação das normas primárias. As normas
secundarias regulam o processo, a criação e a aplicação das normas primárias. Definem
competências. Por exemplo: o art. 22, inciso I, da Constituição Federal diz: Compete pri-
vativamente à União legislar sobre: direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral,
agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho. Ou seja, essa regra é uma norma
que não se dirige diretamente à nossa conduta, mas ela diz quem pode legislar sobre
Direito Civil: somente a União. Ela diz onde devem ser feitas as normas que tratam sobre
Direito Civil. Mais adiante, a partir do art. 59, a Constituição trata do processo legislativo,
que são os passos e atos que o poder legislativo deve observar para produzir uma lei de
maneira válida. Percebe-se que são normas que regulam a produção de outras normas.
Há também normas que tratam do processo judiciário e do processo administrativo. Em
suma, as NORMAS DE ORGANIZAÇÃO (normas secundárias) não dispõem diretamente
sobre a conduta, mas regulam os processos de produção e de aplicação das normas de
conduta. Daí porque essas normas de conduta são chamadas de primárias, pelo fato de
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INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES
No Poder Judiciário da União, há a justiça do trabalho e a justiça eleitoral, bem como os juízes
do trabalho e os juízes eleitorais. Nosso Tribunal do Trabalho (Maranhão) é o TRT da 16ª Re-
gião. Ainda dentro do Poder Judiciário da União, há a justiça federal comum, que julga todas
as causas que não sejam trabalhistas, eleitorais, ou relativas a acidentes de trabalho. Em
suma, julgam todas as causas que envolvam os interesses da União federal – o governo cen-
tral, suas autarquias, fundações e empresas públicas. Autarquias e fundações são entidades
descentralizadas da administração pública, criadas por lei, possuem patrimônio, pessoal e or-
çamento próprios e autonomia administrativa. Mas são entes da administração pública. Além
do Poder Judiciário da União – formado pelo STF, STJ, pelo TST, TSE, TRT, TRE, juízes do traba-
lho, juízes eleitorais, justiça federal (composta de 5 Tribunais Regionais Federais), juízes fede-
rais de primeira instancia e justiça militar – há o Poder Judiciário dos estados. Todos os estados
organizam a sua justiça a partir dos princípios constitucionais. A justiça dos estados é com-
posta pelos juízes de Direito (vejam, juiz federal é o juiz federal de primeira instancia, e juiz de
Direito é o juiz que integra o poder judiciário dos estados). Em cada estado, há um Tribunal de
Justiça, que funciona como posto de apelação, ou seja, como segunda instância de julgamento
das causas da competência da justiça estadual.
O Brasil é uma República Federativa (forma de governo republicana, em oposição à forma de
governo monárquica). O sistema de governo é presidencialista, em oposição ao sistema parla-
mentarista. Portanto, forma republicana de estado, sistema de governo presidencialista e uma
república ou estado federativo. O que é uma federação? (Dica do professor: Assistam ao filme
“O patriota”). Cada estado, preservando sua autonomia, organiza seu próprio governo, ela-
bora suas próprias leis, tem seu próprio Poder Judiciário. Porém, todos os estados estão reuni-
dos em uma união de estados que renunciam a sua soberania e preservam sua autonomia
para garantir a soberania do ente decorrente da sua união. São exemplos de estados federa-
dos os EUA, a Rússia, a Alemanha, a Suíça e o Brasil. Por isso nos organizamos em estados
autônomos, mas não independentes, não soberanos. A soberania é da União. União de quem?
Dos estados, dos municípios, do Distrito Federal e dos territórios. No Brasil, os territórios fede-
rais do Amapá, de Roraima, de Rondônia e de Fernando de Noronha foram extintos na Cons-
tituição Federal de 1988. Surgiram então os estados do Amapá, de Roraima, de Rondônia,
Fernando de Noronha foi anexado ao estado de Pernambuco (como parte de seu território) e
foi criado o estado de Tocantins. Os territórios são certas porções do território nacional que,
por decisão do poder central, através de uma emenda constitucional e mediante a aprovação,
por plebiscito, das populações envolvidas, eventualmente se desmembra do estado já formado
e, durante algum tempo, preserva todas as características do estado. Porém, fica vinculado ao
governo central até que alcance um nível de desenvolvimento que permita sua emancipação.
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Qual é o Poder Executivo da União? É exercido pelo Presidente da república com auxílio dos
seus ministros. E dos estados? É exercido pelo Governador com auxílio dos seus secretários. E
dos municípios? Pelo Prefeito com auxílio dos seus secretários. E o Poder Legislativo da União?
É um poder legislativo bicameral formado pela Câmara dos Deputados, que é a representação
do povo, e pelo Senado, que é a representação dos estados. Formalmente, os senadores não
representam a vontade popular, e sim os estados (há 3 senadores por estado, pois todos os
estados devem estar em equilíbrio de força). Na Câmara é diferente (São Paulo tem muito mais
deputados do que o Maranhão, pois a representação é popular, por conseguinte o peso da
representação de cada estado tem a ver com a quantidade de habitantes). E o Poder Legisla-
tivo dos estados? Formado pela Assembleia Legislativa. E dos Municípios? Pela Câmara de
Vereadores (Câmara Municipal). E quanto ao Poder Judiciário dos municípios? Não existe! A
justiça comum dos estados (TJ) julga tudo o que não for competência da justiça federal, da
justiça do trabalho e da justiça eleitoral. Portanto, quase todas as causas, litígios, são resolvi-
dos no âmbito do Poder Judiciário dos estados. Só vai para a justiça federal o que for do inte-
resse da União federal, de suas autarquias, de suas fundações e empresas públicas.
109 A gente estava falando acerca de algumas características da norma jurídica. Sabe como
MAX WABER definia a lei? Ele dizia que leis são mandamentos de caráter geral e impes-
soal. Por quê? Porque as normas são dotadas de GENERALIDADE e ABSTRAÇÃO.
110 GENERALIDADE quer dizer que as normas possuem eficácia contra todos (erga omnes).
Quer dizer que as normas se aplicam a todos os casos que se enquadrem na sua hipótese
de incidência (previsão hipotética de um fato ao qual se pode imputar certo sentido ou
significado jurídico). Essa hipótese é geral. Não se aplica a Fulano, Beltrano ou Sicrano,
ou a caso X, Y ou Z. Aplica-se a todas as pessoas e a todos os casos que estejam sob a
sua hipótese de incidência. Lembram-se da metáfora da praia? O sol incide sobre todos
os que estão na praia. E a barraquinha cria uma sombra que tira certas pessoas da inci-
dência do sol. Pois bem... Normas são para todos. Normas valem para todos. Têm eficá-
cia erga omnes, contra todos. É isso que quer dizer generalidade.
111 As leis são mandamentos de caráter geral, diz WABER, pois são para todos. E IMPES-
SOAL porque devem ser aplicadas de modo igual para todos, ou seja, a generalidade
tem a ver com IGUALDADE JURÍDICA (Dica do Professor: Leiam o livro “Conteúdo Jurí-
dico do Princípio da Igualdade”). Esse livro ensina que a igualdade jurídica formal con-
siste em receber tratamento igual na lei, ou seja, significa igualdade por lei. O legislador
não pode criar leis discriminatórias, a não ser que essa discriminação tenha alguma
forma de fundamento real, que haja uma base real de fundamentação. É o clássico de-
bate das chamadas AÇÕES AFIRMATIVAS. A lei tem que ser igual para todos, mas existe
uma base material de desigualdade, portanto, a lei pode ser instrumentalizada para cor-
rigir essa desigualdade, promovendo uma DISCRIMINAÇÃO POSITIVA para poder pro-
porcionar uma igualdade material. Um debate atual sobre ações afirmativas ou discri-
minações positivas é a questão das cotas para as mulheres nas chapas das eleições par-
tidárias. Como é hoje em dia? Todo partido, quando inscreve suas chapas, deve inscrever
no mínimo 30% de candidatas. Só que, por uma série de razões histórico-sociais, as mu-
lheres concorrem sempre com muito desfavorecimento. Muitas vezes, apenas são ins-
critas candidatas para preencher as cotas. É uma espécie de faz de conta. Elas fazem de
conta que são candidatas. E aí se faz de conta que a lei foi cumprida. Qual é o debate
agora? O debate agora é para que haja pelo menos 30% de mulheres eleitas, ainda que
menos votadas. Essa é a proposta para aumentar a representação feminina nas casas
parlamentares. Fora essas hipóteses, leis não podem discriminar. Igualdade é igualdade
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na lei e ensina CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELO que igualdade também é igualdade
perante a lei. O que quer dizer isso? Na hora de interpretarmos, aplicarmos a lei, os in-
térpretes não podem fazer discriminações que não estejam previstas em lei. Igualdade
então é igualdade na lei e perante a lei. Por que se exige que as leis sejam gerais? Por-
que, em regra, deve-se dispensar tratamento igual a todos os que estejam sobre a inci-
dência daquela norma.
112 Quanto à generalidade, nós podemos, inclusive, falar de NORMAS GERAIS e NORMAS
ESPECIAIS. Por quê? Porque há certas normas cujo âmbito de incidência, de alguma
forma, distingue-se da norma geral. Exemplo: Qual é a carga horaria diária de trabalho
no Brasil? 8 horas. Mas para os bancários é só 6 horas. Norma geral: 8 horas de trabalho.
Norma especial: 6 horas de trabalho. Portanto, NORMAS GERAIS são normas que se
aplicam a todos. NORMAS ESPECIAIS são normas que pegam algumas pessoas, situa-
ções ou casos, tira-os da incidência da norma geral e coloca-os sobre a incidência da
norma especial. Lembram-se da metáfora da barraquinha na praia? Naquela metáfora,
a norma geral é o sol, a incidência solar. E a norma especial é a sombra da barraquinha.
Outro exemplo: na CLT, há uma norma geral que se aplica a todos os trabalhadores e
uma norma especial que se aplica só aos menores.
113 Por que a generalidade tem, portanto, a ver com igualdade? Porque se houver algum
tipo de DESIGUALDADE, ela só pode ser introduzida por meio da lei. O interprete não
pode introduzir essa desigualdade. Atos da administração pública não podem introduzir
essas desigualdades. Nem as DISCRIMINAÇÕES POSITIVAS (também conhecidas como
ações afirmativas, consistem em políticas públicas ou programas privados desenvolvidos
com a finalidade de reduzir as desigualdades decorrentes de discriminações ou de uma
hipossuficiência, econômica ou física, por meio da concessão de algum tipo de vantagem
compensatória de tais condições) nem as DISCRIMINAÇÕES NEGATIVAS (aquelas que
prejudicam determinado grupo ou cidadão pela criação de situações injustas). Se alguma
forma de discriminação houver para certos casos e pessoas, só pode ser feita se houver
lei que fundamente essa distinção.
114 Generalidade também tem a ver com SEGURANÇA JURÍDICA. Ou seja, nós cidadãos te-
mos que ter uma certa possibilidade de previsibilidade sobre o Direito. Nós não pode-
mos ser sobressaltados pelo Direito, seja porque uma mudança da lei nos pegue despre-
venidos, seja porque a sua aplicação se faz de modo aleatório. Cria-se todo um sistema
de normas para que o Direito seja PREVISÍVEL. Para que os cidadãos possam planejar
sua vida com um certo grau de previsibilidade. Generalidade das normas tem a ver com
segurança jurídica para evitar casuísmos. Em bom português, as leis, ou o império das
leis, têm a ver com o Estado de Direito porque não é o governo da vontade imperial de
alguém que, da noite para o dia, muda a sua decisão, causando instabilidade, insegu-
rança e imprevisibilidade. O Estado de Direito tem a ver com a ideia de governo sob
leis, limitado pelas leis, que só atua mediante leis. As leis valem para todos. E elas só
valem para todos se tiverem aquela generalidade da qual nós estamos falando. As leis
devem ser gerais, devem valer para todos. E as exceções devem ser introduzidas no Di-
reito apenas e tão somente por meio de leis ou normas especiais que ressalvem certos
casos, pessoas e situações. Os chamados privilégios jurídicos ou são constitucionais ou
são legais. Não podem ser criados arbitrariamente, casuisticamente. Existe um debate
sobre a validade de uma norma quando ela está manchada pelo que se chama de desvio
de finalidade legislativa. É um conceito do Direito Administrativo para invalidação de um
ato administrativo que não foi praticado visando uma finalidade pública, mas um inte-
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resse privado. O administrador faz um ato aparentemente legal, mas a motivação é des-
viada não para atender o interesse público, mas interesses particulares. Também have-
ria a possibilidade de uma invalidação da lei se houvesse esse desvio de finalidade legis-
lativa.
115 E a ABSTRAÇÃO? As normas gerais, as leis gerais, são formuladas de modo abstrato. O
que quer dizer? Que elas não se referem a um caso concreto, a uma situação determi-
nada X ou Y. Elas se referem a um conjunto HIPOTÉTICO de situações. Qual a fórmula
abstrata com que é formulada essa norma? Exemplo: todo aquele que, por ação ou
omissão dolosa, ou mediante negligência ou imprudência, causar dano, ainda que de
natureza meramente moral, pratica ato ilícito. Veja que se enquadra nisso aí uma série
enorme de possibilidade de ações e omissões que potencialmente são lesivas. Imagine
que você tem um caso concreto. Esse caso concreto se ajusta àquela hipótese abstrata.
O PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO de Direito é o processo pelo qual as normas abstra-
tas vão se aplicar aos casos concretos. Vejam que o nosso sistema, o sistema romano-
germânico, parte sempre da norma geral para o caso particular. Por isso, alguns profes-
sores dizem que o nosso sistema adota um MÉTODO SILOGÍSTICO no qual a norma é a
premissa maior, o fato, a menor, e a aplicação da norma ao fato, a conclusão. Contudo,
o processo de interpretação da norma envolve VALORAÇÃO. É impossível você eliminar
valoração no momento de interpretar a norma (valoração sobre a conduta e sobre a
própria norma). Portanto, não existe silogismo jurídico. O interprete faz juízo de valor.
Valor sobre o FATO OCORRIDO e valor sobre a NORMA A SER APLICADA. Exemplo: Caso
da proibição de circulação de veículos no reviver (porém, de maneira específica, acabam
abrindo algumas exceções, como por exemplo para ambulâncias e carros da polícia).
Veja bem, não se pode dizer que o raciocínio jurídico é o silogismo porque a aplicação
do Direito envolve valoração. No exemplo dado, à ambulância e ao carro de polícia não
se aplica a regra. Por quê? Por causa da vida e da segurança. Portanto, a aplicação do
Direito envolve fazer estimativas de valor. Qual é o valor preponderante? É a conserva-
ção do centro histórico ou a vida? Ressalto que não estou falando de valor moral, estou
falando de VALOR JURÍDICO.
116 Os ingleses e americanos fazem o inverso. Aqui no Brasil, temos a norma de caráter geral
e abstrata e a concretizamos na hora de aplicá-la ao caso concreto. A NORMA GERAL
ABSTRATA que proíbe a circulação dos veículos, na hora que ela tiver que se materializar
em exceção e permitir a circulação de ambulâncias ou carros de polícia, vai ser TRANS-
FORMADA de um mandamento geral, impessoal e abstrato de uma norma para um
CASO CONCRETO. A gente sai do geral para o particular. E como é o sistema inglês? Eles
têm um caso, por exemplo. Esse caso vai ser resolvido pelo juiz ou tribunal, e a partir
daquela decisão, que eles chamam de PRECEDENTE, eles vão construir uma regra apli-
cável a outros casos semelhantes. Ou seja, a partir do caso concreto, eles podem extrair
uma regra geral. Todos os juízes que, posteriormente, forem examinar casos parecidos
com aquele, serão obrigados a seguir aquele precedente. Se não seguirem, terão que
mostrar qual é a diferença entre um e outro.
117 Imagine que eu fiz uma INTERPRETAÇÃO da lei que a torne inconstitucional – ou seja, a
lei em si não é exatamente inconstitucional, mas ela pode ser interpretada de modo que
os efeitos dessa interpretação gerem uma inconstitucionalidade. Nesta hipótese, o STF
e vários outros tribunais brasileiros, usam a chamada TÉCNICA DA INTERPRETAÇÃO
CONFORME: “Para ser constitucional, essa norma deve ser interpretada assim. Qual-
quer outra interpretação da norma vai torná-la inconstitucional”. Ou então eles fazem
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Anotações das aulas referentes à disciplina de Introdução ao Direito – Aluno: Pablo Fernando Aires Santos
imagina que o sujeito queira morrer, mas não tem coragem de se matar. Ele pode con-
tratar um pistoleiro para atirar nele? Não. Aliás, de poder, pode. Mas não vai adiantar
muito o pistoleiro apresentar na delegacia uma carta do falecido pedindo para que ele
o matasse. O médico pode atender o pedido de um paciente terminal para desligar as
máquinas? Não. Ah, mas a vida é dele, ele faz o que ele quiser da vida dele! Não. Não
pode. Porque a vida é um direito indisponível. Se alguém chegar na casa de alguém, na
fazenda, no sítio, e chegar para o proprietário desse lugar e disser: Por favor, você deixa
eu trabalhar como escravo para o senhor? Não pode. Porque a liberdade também é um
direito indisponível. Ressalta-se que existem exceções à indisponibilidade. Enfim, as nor-
mas COGENTES tratam de proteger direitos subjetivos indisponíveis. As normas DIS-
POSITIVAS, que são facultativas ou permissivas, tratam de assegurar direitos disponí-
veis.
120 O direito de votar é um direito do cidadão, mas também é um dever. É como se a gente
estivesse diante de um direito indisponível. A norma que obriga o voto também garante
o direito ao voto. Ela é uma norma que cria, ao mesmo tempo, um direito e uma obri-
gação. Em alguns livros, o conceito de NORMAS COGENTES é identificado com o con-
ceito de direito objetivo. E o conceito de NORMAS DISPOSITIVAS é identificado com o
conceito de direito subjetivo. Eu discordo. Lembram-se da discussão sobre Direito e mo-
ral, que a moral é unilateral e o Direito é bilateral? Isso quer dizer basicamente o se-
guinte: quando alguém tem um direito, por decorrência lógica, outro alguém tem um
dever. O Direito é um conjunto de normas que criam relações jurídicas entre as pessoas.
Nós estabelecemos diversas maneiras de relação humana (econômicas, familiares, soci-
ais, amizade, etc.) e existem aquelas relações que são mediadas por normas do Direito
(relações jurídicas). Toda vez que uma pessoa está ligada a outra por uma norma do
Direito, ali se tem uma RELAÇÃO JURÍDICA. Em uma relação jurídica, ambas as partes
estão vinculadas uma a outra por um conjunto de direitos e obrigações recíprocos. A
relação entre pais e filhos é uma relação afetiva, familiar, social, mas também uma rela-
ção jurídica. Porque a Constituição Federal e o Código Civil estabelecem quais são os
direitos e deveres inerentes a essa relação. Então quando eu digo que Fulano tem direito
a tal coisa, no outro polo, numa eventual relação jurídica, aquela outra pessoa tem o
dever ou a obrigação de satisfazer aquele direito. Se eu digo que o credor tem o direito
de receber a dívida, eu estou dizendo que, na outra ponta, o devedor tem o dever de
pagar a dívida. Portanto, a mesma norma que dá ao credor o direito ao crédito – direito
disponível, pois o credor pode renunciar, pode não exercer, ele apenas tem a faculdade
juridicamente garantida de cobrar a dívida – e cria para o credor um direito subjetivo,
para o devedor gera um dever, e um dever inevitável. Se para o credor é uma permissão,
para o devedor é uma imposição. Então, não dá para dizer que norma dispositiva é
direito subjetivo, visto que norma dispositiva contém direitos subjetivos e obrigações
jurídicas. Essa é a primeira razão pela qual eu discordo. Do mesmo modo, a gente pode
fazer o raciocínio para normas cogentes. Se eu tenho um direito, ainda que indisponível,
o conceito de normas cogentes não pode ser simplesmente equiparado ao conceito de
direito objetivo. Porque na medida em que eu sou titular de um direito, uma outra pes-
soa é titular de uma obrigação. Por exemplo: eu tenho direito à saúde. A saúde é dever
do Estado. Nasce uma criança. Ela precisa de uma vaga na UTI neonatal. Na rede pública
não há vagas. A criança vai morrer? Os pais da criança têm o direito de interná-la em
uma UTI neonatal privada às expensas do Estado. Em diversas decisões, a justiça já tra-
tou sobre isso. A saúde é um direito indisponível. Sem dúvidas. Mas do outro lado, há
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121 Como falei em aulas anteriores, alguns juristas entendiam que a interpretação norma-
tiva, a aplicação do Direito, seria um processo silogístico no qual a norma é a premissa
maior, o fato, a premissa menor, e a conclusão, a aplicação da norma ao fato. Mas eu
disse também que essa visão é uma visão errônea, porque o processo de interpretação
e de aplicação do Direito está envolvido em todo um PROCESSO DE VALORAÇÃO, no
qual o intérprete envolve a estrutura normativa, o seu processo interpretativo, em
valores. Não para que ele possa fazer uma mescla (mistura) do Direito com a moral, mas
é inevitável, no processo de interpretação e de aplicação do Direito, um certo grau de
valoração. Falamos disso e passamos a falar da obrigatoriedade das normas jurídicas.
122 Quero dizer que todas as normas são, evidentemente, OBRIGATÓRIAS. Entretanto, há
algumas que são inevitavelmente obrigatórias, porque essas impõem condutas ou pro-
íbem condutas. Nós chamamos de NORMAS COGENTES, cuja aplicação envolve a pro-
teção aos direitos indisponíveis. Ao lado de outras que nem impõem nem proíbem, mas
apenas permitem. O que é permitido juridicamente, a gente pode chamar de faculdade,
mas de uma FACULDADE QUALIFICADA, visto que é garantida. O exercício de determi-
nados direitos não é obrigatório. Mas se eu optar pelo exercício desses direitos, eu te-
nho a garantia de que eu poderei exercer tais direitos. Haverá sempre outras caracterís-
ticas das normas jurídicas, como a própria noção de IMPERATIVIDADE do Direito, no
sentido de que as normas jurídicas são imperativas, contêm comando, e que esse co-
mando é garantido coercitivamente. É o império que determina aquilo que deve ser
feito.
123 Hoje eu queria dar início àquilo que eu entendo ser o núcleo, o cerne, a questão funda-
mental de uma teoria da norma jurídica, e por consequência, de uma teoria do Direito.
É o conceito de VALIDADE das normas jurídicas. Queria que começássemos a examinar
a questão da validade das normas jurídicas a partir da ideia de que válida é uma norma
que se qualifica como parte do ordenamento jurídico. E uma norma só se qualifica
como parte do ordenamento jurídico quando ela é COMPATÍVEL, formal e material-
mente, com uma norma superior que funciona como o seu fundamento de validade. De
uma tal maneira que nós poderíamos, inclusive na companhia de Hans Kelsen, dizer que
uma norma só é válida se for compatível com a norma superior que é o seu fundamento.
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124 Eu já falei que norma e lei NÃO são sinônimos. Porque existem normas que estão abaixo
das leis, como por exemplo os contratos celebrados entre as partes, as sentenças deter-
minadas por um juiz ou tribunal, os atos administrativos expedidos pela administração
pública (quando eles tiverem uma estrutura de ato normativo), etc. Estes são exemplos
de normas jurídicas que estão abaixo da lei (INFRALEGAIS). Por outro lado, nós temos
normas jurídicas que estão acima das leis, que podemos chamar de SUPRALEGAIS. Por
exemplo: o STF tem, na sua jurisprudência, um entendimento de que os tratados inter-
nacionais dos quais o Brasil seja parte entram, quando ratificados no Brasil pelo Con-
gresso Nacional, no ordenamento jurídico como uma espécie de norma supralegal. Ou
seja, elas não necessariamente integrarão a Constituição, mas também não estarão no
mesmo nível das leis ordinárias. A Constituição também é um tipo de norma supralegal.
125 Se a gente pensa nessa estrutura, nesse conjunto de normas que podem ir se hierarqui-
zando, a gente vai dizer assim: uma norma só é válida se ela for formal e materialmente
compatível com a norma superior que é o seu fundamento. Sei ainda que há normas
infralegais, que estão abaixo da lei, como os contratos. Então, por dedução lógica, se os
contratos forem ilegais, aquelas partes do contrato que contrariem a lei não possuem
VALIDADE. Da mesma forma, se eu digo que uma norma só é jurídica, ou se qualifica
como jurídica, se ela for compatível, formal e materialmente, com a norma superior que
é o seu fundamento de validade e eu digo que a Constituição está acima das leis, uma
lei que seja incompatível com a Constituição não tem validade.
126 A COMPATIBILIDADE FORMAL é a observância dos requisitos procedimentais para que
uma norma seja produzida. Um ordenamento regula o meio pelo qual se produzem as
suas normas. Quem pode propor leis? Os parlamentares revestidos de mandato eletivo.
O chefe do Poder Executivo das três esferas governamentais pode apresentar projetos
de leis ao Poder Legislativo. Os membros dos tribunais superiores, na esfera federal, e
dos tribunais de justiça, nas esferas estaduais, têm o que a gente chama de iniciativa
legislativa privativa para, por exemplo, propor leis de organização do Poder Judiciário:
quantos juízes terão, quais cidades vão ser sede de comarca, qual será o número de
funcionários em cada cidade, etc. Isso deve ser regulamentado por meio de lei. Portanto,
tem que passar pela Assembleia Legislativa. Porém, a proposta da lei tem que vir do
Poder Judiciário. Outro exemplo: o chefe do Poder Executivo tem a privativa iniciativa
de lei sobre remuneração dos servidores públicos. Portanto, o aumento de salários e
vencimentos dos servidores públicos dependem de lei aprovada pelo Poder Legislativo,
sendo que essa lei tem que ser de iniciativa do chefe do Poder Executivo. Agora imagine
que um deputado proponha uma lei para reajustar os salários dos servidores públicos
estaduais sem que o governo do estado tenha tomado a iniciativa. Nessa hipótese, ha-
verá um VÍCIO FORMAL, visto que o procedimento para a sua elaboração não foi corre-
tamente observado.
127 Há certas matérias que o legislador constituinte reservou à LEI COMPLEMENTAR, como
por exemplo, a lei que venha regulamentar a proteção aos trabalhadores contra dis-
pensa imotivada ou sem justa causa (art. 7, I, CF – são direitos dos trabalhadores urba-
nos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: relação de
emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei
complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos). Uma
lei complementar é um pouquinho diferente de uma lei ordinária, pois exige, para a sua
aprovação, a MAIORIA ABSOLUTA – maioria dos membros de um determinado colegi-
ado. Há 513 deputados na Câmara dos Deputados. Portanto, para aprovar lei comple-
mentar, são necessários os votos de 50% + 1 dos membros – não dos presentes, porque
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se fosse dos presentes, seria MAIORIA SIMPLES. Qual é a metade de 513? 256,5. Por-
tanto, a metade absoluta é o primeiro número inteiro acima da metade. Portanto, 257.
Para aprovação de lei ordinária é suficiente a maioria simples. E o que aconteceria com
uma lei ordinária que tratasse de matéria reservada a lei complementar? INCONSTITU-
CIONALIDADE FORMAL. Porque a norma seria formalmente incompatível com a norma
superior que é o seu fundamento.
128 Ora, do mesmo modo que se exige a compatibilidade formal, exige-se, também, a COM-
PATIBILIDADE MATERIAL. Então, se o conteúdo – e é disso que se trata quando se fala
em compatibilidade material – de uma norma inferior contraria o conteúdo de uma
norma superior, a norma inferior é inválida. Por exemplo, o Código de Defesa do Con-
sumidor diz que nos contratos não pode haver cláusulas que coloquem uma das partes
em excessiva desvantagem, criando obrigações desproporcionais ou até obrigações uni-
laterais para uma das partes, como se, por exemplo, eu tivesse que pagar uma taxa qual-
quer mesmo que eu não utilizasse um determinado serviço (nesse caso, eu teria uma
prestação, mas não teria uma contraprestação por essa obrigação). O Código diz que
tais clausulas são abusivas. Por isso, se um determinado contrato, no âmbito das rela-
ções de consumo, tiver uma dessas cláusulas abusivas, a sua INCOMPATIBILIDADE MA-
TERIAL com o Código faz com que o contrato seja ilegal. O Código de Processo Civil tem
uma norma que diz que é nula uma sentença proferida por um juiz incompetente ou
absolutamente incompetente. Por exemplo: eu tenho um processo que é da competên-
cia da justiça do trabalho. Esse processo foi posto perante a justiça comum estadual e é
julgado por um juiz que não seja juiz do trabalho. O Código de Processo Civil diz que essa
sentença é nula. Ora, se o juiz não tinha competência para julgar aquele caso, a sua
sentença é nula, inválida. Trata-se de uma INCOMPATIBILIDADE FORMAL. Já quando o
juiz tem competência, mas profere uma sentença ilegal, aquela sentença possui incom-
patibilidade material – quando, por exemplo, a sentença produzida pelo juiz se choca
com a Constituição ou com as leis. Nesta hipótese, a possibilidade não é nem de uma
anulação da sentença, mas de um novo julgamento dado por meio de um recurso.
129 Junto com a validade de uma norma jurídica vem uma outra coisa chamada EFICÁCIA da
norma jurídica. Por que essas duas senhoras, a validade e a eficácia, andam juntas? Por-
que norma inválida não produz efeitos jurídicos. De atos nulos não nascem direitos. O
primeiro elemento indispensável para que uma norma seja considerada eficaz é a vali-
dade. Normas inválidas não produzem efeitos. Isto posto, vamos entender o que signi-
fica eficácia. Eficácia pode ser entendida como APLICABILIDADE. Ainda que a norma não
seja efetivamente aplicada, ela é aplicável. Como ela nasceu válida e está em vigor, ela
pode ser aplicada. Portanto, poderíamos definir a eficácia como a aptidão de uma
norma jurídica para a produção de seus efeitos jurídicos. Pode até ser que os destina-
tários não a obedeçam. Nesse momento, quando os destinatários não a obedecem, ela
tem a sua EFICÁCIA SOCIAL diminuída. Porém, elas não perdem a sua EFICÁCIA JURÍ-
DICA. Não é o fato de nós termos um número escandaloso de homicídios que torna ine-
ficaz a norma do art. 121 do Código Penal (matar alguém: pena – reclusão, de seis a vinte
anos). A norma é válida, tem eficácia, pode ser aplicável a qualquer caso de homicídio.
Segundo dados recentes, menos de 9% das notícias de crimes que chegam às delegacias
do Brasil chegam ao Poder Judiciário e terminam com um julgamento. Nós temos a
quarta maior população carcerária do mundo. Metade dos presos está preso sem julga-
mento.
130 EFICÁCIA, então é a aptidão da norma jurídica para produzir efeitos jurídicos. Peguemos
uma norma constitucional: o direito à saúde. É óbvio que essa norma, do ponto de vista
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válida. O tempo em que uma norma permanece válida, fica em vigor, chamamos de
vigência.
134 Ingressaremos um pouquinho no Direito positivo brasileiro. Esses são conceitos gerais –
VALIDADE, EFICÁCIA, EFETIVIDADE, VIGÊNCIA – que você pode utilizar para compreen-
der qualquer tipo de ordenamento jurídico. Mas como é que uma norma passa a ter
vigência no Brasil? Primeiramente, preciso observar aqueles FUNDAMENTOS FORMAIS
para sua elaboração, para sua produção. Depois de ter obedecido a esses elementos
formais, ela precisa ter o CONTEÚDO COMPATÍVEL com a norma superior. Como vimos,
a vigência é o TEMPO em que uma norma permanece válida. Há uma lei no Direito bra-
sileiro que antigamente era chamada de Lei de Introdução ao Código Civil. Recente-
mente, houve uma mudança no nome dessa lei, que passou a ser chamada de Lei de
Introdução as Normas do Direito Brasileiro. Essa lei mudou de nome porque, na verdade,
ela não era um conjunto de conceitos gerais sobre o Direito Civil, e sim, sobre todo o
ordenamento jurídico. Essa lei tem um dispositivo que diz: salvo disposição em contrá-
rio, uma lei entra em vigor em 45 (QUARENTA E CINCO) DIAS após a sua publicação.
135 A primeira coisa que a gente pode afirmar é que, para que uma lei tenha vigência, ela
precisa de PUBLICIDADE. Isso é um princípio do Direito brasileiro – princípio da publici-
dade (art. 37, CF; art. 93, IX, CF). Uma norma tem que ser publicada por uma razão um
tanto quanto evidente: como vou cumprir a lei se eu nem sei se ela existe? Como vou ser
acusado de descumpri-la se eu não soube da existência dela? Ressalta-se, entretanto,
que um dos efeitos da publicação da lei é que a partir desta publicação, PRESUME-SE o
conhecimento da lei. Ninguém se escusa de cumprir a lei alegando ignorância ou desco-
nhecimento. O conhecimento da lei é uma presunção absoluta. É óbvio que na hora da
aplicação da lei, o juiz terá que levar em consideração a condição da pessoa que está
envolvida no processo (por exemplo, um processo envolvendo um analfabeto / um pro-
cesso envolvendo um empresário que cometeu uma fraude fiscal e sonegação). Uma
vez publicada, a lei passa a ter possibilidade de entrar em vigor. Ela passa a ser de co-
nhecimento presumido.
136 Como foi digo, salvo disposição em contrário, uma lei entra em vigor em 45 dias após a
publicação. Esse período, que vai da publicação até a entrada em vigor, chama-se VA-
CATIO LEGIS. Esse é o tempo necessário para que as pessoas:
a) tomem conhecimento do conteúdo da norma. Hoje, a gente tem conheci-
mento, em tempo real, do que está sendo discutido ou aprovado. Em quase
todas as normas, hoje em dia, lá no final das suas disposições finais, têm escrito
assim: esta lei entra em vigor na data de sua publicação. Quer dizer, são leis
que não esperam aquele período de vacatio legis.
b) se adaptem à nova lei, à nova legislação. Esse tempo é necessário para que os
procedimentos, os negócios, as ações, possam se adaptar à nova disciplina le-
gal. O Código de Defesa do Consumidor, que é de 1992, teve um período de
vacatio legis de 6 meses. Outro exemplo: o Código Civil de 2002 entrou em
vigor depois de 1 ano, ou seja, teve um 1 ano de vacatio legis. O Código de
Processo Civil de 2015 só passou a ter vigência a partir de 2016 porque os juí-
zes, os tribunais, os advogados, o Ministério Público, todo mundo precisava se
adaptar ao novo Código. No novo Código de Processo Civil houve uma mu-
dança fundamental no que diz respeito ao processo. Como era antes? O autor
da ação entrava com uma petição inicial e juntava nela todas as provas que ele
tinha sobre determinada questão jurídica. Exemplo: Joao quer se separar de
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Maria e para provar que ele tinha razão para se separar, juntou alguns docu-
mentos comprobatórios, arrolou algumas testemunhas, etc. Depois da petição
inicial, o juiz mandava citar Maria (“cite-se”). Então saía um oficial de justiça
com um mandato de citação embaixo do braço e o entregava para Maria junto
com a cópia da petição inicial. A partir daí, Maria procuraria um advogado e
faria uma contestação (termo técnico para defesa no processo civil). Maria,
então, contestava a ação de João. O juiz juntava suas provas ao processo e
designava uma audiência. Mas antes, fazia-se uma tentativa de conciliação en-
tre Maria e João. No novo Código de Processo Civil, o autor faz a petição inicial
com as provas que ele julga ter e, antes de citar o réu, o juiz já marca a audi-
ência prévia de conciliação. A CONCILIAÇÃO se dá quando o litigio surge de
uma relação jurídica anterior. A MEDIAÇÃO se faz quando não há uma relação
jurídica anterior ao litígio (exemplo: briga de vizinhos). Antes de receber a con-
testação, antes de citar o réu, o juiz marca a audiência de conciliação. O novo
Código diz que todos os tribunais do país teriam que criar uma espécie de
banco de conciliadores e mediadores. Tinham que credenciar firmas especiali-
zadas, credenciar pessoas que tivessem em seu currículo o curso de conciliador
e mediador, ou eles mesmos fariam concursos para os cargos de mediadores
e conciliadores. Para que essa norma do Código de Processo Civil pudesse ser
aplicável, os tribunais tinham que tomar providências administrativas razoa-
velmente complexas. Precisava-se, portanto, de um tempo para que essas pro-
vidências pudessem ser tomadas. Essa é uma das razoes pelas quais certas nor-
mas jurídicas têm períodos de VACÂNCIA LEGISLATIVA maior do que outras. A
vacatio legis é justamente aquele período que media a publicação e a entrada
em vigor. Uma vez em vigor, a norma começa a produzir seus efeitos.
137 Acabamos de ver como uma lei entra em vigor. E como ela perde vigência? No Direito
brasileiro, uma lei perde vigência quando é REVOGADA formalmente. Lá na Lei de Intro-
dução às Normas do Direito Brasileiro, a gente retira uma disposição que diz assim: se
não se destinar à vigência temporária, uma lei permanece em vigor até que outra lei a
modifique ou revogue. Nessa mesma lei, há outro dispositivo que diz: uma lei revoga a
outra quando:
a) expressamente o declara;
b) traga disposições novas incompatíveis com as disposições da lei anterior; e
c) regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
138 Há quatro formas de revogação. A revogação pode ser EXPRESSA ou TÁCITA (implícita;
uma revogação em decorrência de uma incompatibilidade lógica da lei nova com a lei
antiga). Uma lei revoga outra quando expressamente o declara (revogação EXPRESSA)
ou quando traga disposições novas incompatíveis com as disposições da lei anterior
(TÁCITA ou implícita). Neste último caso, o que gera a revogação da lei anterior não é
uma expressa definição (“está revogado o artigo tal da lei tal”). É que, por exemplo, o
artigo 2º da lei 9 é incompatível com o artigo 3º da lei 4. Portanto, se a lei nova é incom-
patível com a lei antiga, não é necessário que a lei nova diga expressamente: “está re-
vogada a lei antiga”; ela estará logicamente, tacitamente revogada.
139 As outras duas formas de revogação são: TOTAL ou PARCIAL. Quando a lei regula intei-
ramente a matéria antes regulada por outra lei, ela faz uma revogação TOTAL. O Código
Civil de 2002 revogou de modo total e expresso o Código Civil de 1916. Mas era preciso
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estar lá no Código Civil escrito: “fica revogado...”? Não, pois estava logicamente revo-
gado. Nesse caso, mesmo assim, o legislador optou por uma revogação total e expressa.
140 Como foi dito, se não for destinada à vigência temporária, uma lei permanece em vigor
até que outra lei a modifique ou a revogue. Agora note bem essa pergunta: uma LEI
NOVA pode modificar ou revogar uma norma da CONSTITUIÇÃO? Não. Um DECRETO
presidencial (ato administrativo expedido pelo chefe do Poder Executivo) pode modificar
ou alterar uma LEI? Claro que não. Os decretos são espécies normativas que estão
abaixo da lei e, portanto, não podem alterar leis. O que diz a Lei de Introdução às Normas
do Direito Brasileiro? Uma lei revoga outra. Só uma lei da mesma hierarquia da anterior
pode revogar a anterior. O contrário, todavia, não é verdadeiro. Uma mudança na Cons-
tituição (emenda constitucional) que traga uma disposição nova que seja incompatível
com os dispositivos legais pré-existentes revoga a lei? Claro! Outro exemplo: imagine
que não existisse nenhuma lei regulamentando determinada matéria. Aí o Presidente
da República resolve estabelecer algo acerca dessa matéria. Posteriormente, entra em
vigor uma lei que diz algo contrário ao que o Presidente disse. Essa lei teria qual efeito?
Iria revogar o decreto do Presidente, afinal, as leis têm eficácia revogatória sobre os
decretos, sobre os atos administrativos. Então aquela CADEIA DE HIERARQUIA da qual
falei para vocês não é REQUISITO apenas para a validade, mas também para a vigência.
Só uma norma que tenha pela menos a mesma hierarquia pode alterar ou revogar uma
norma anterior. A Constituição Federal só pode ser alterada por emendas à Constituição
que, uma vez promulgadas, passam a integrar o próprio texto da Constituição. Uma lei
só pode ser revogada por uma norma superior a ela (emenda constitucional) ou por uma
outra lei, mas nunca por um ato administrativo inferior. Um decreto mais novo revoga
um decreto mais antigo? Sim, pois tem o mesmo patamar hierárquico e a norma mais
nova prevalece sobre a norma mais antiga. Uma norma só revoga a outra se tiver, pelo
menos, a MESMA HIERARQUIA NORMATIVA. Se for superior, a norma superior revoga
norma inferior. Se houver incompatibilidade entre uma inferior e uma superior, mesmo
que a inferior seja mais nova, prevalece a superior. E, finalmente, quando estivermos
diante de um conflito de normas da mesma hierarquia, aí você tem a regra da norma
mais nova – a posterior revoga a anterior.
141 Uma norma perde VIGÊNCIA se perder EFICÁCIA? Existe a revogação por desuso da
norma jurídica? Esse é um problema controvertido na doutrina. O que é DESUSO? Nin-
guém mais aplica a norma e ninguém mais obedece a norma. Na prática, em termos
teóricos, os juízes, os aplicadores de Direito, terão sempre a possibilidade de negar a
aplicabilidade de uma norma que entrou em desuso. Mas pelo Direito positivo, a norma
só está formalmente revogada naquelas hipóteses que eu mencionei anteriormente. Se
nós considerarmos que a perda de eficácia leva à revogação, então o desuso é uma das
hipóteses de revogação; se, ao contrário, nós considerarmos que somente a revogação
formal leva à perda da vigência, então não, o desuso não é uma das hipóteses de revo-
gação. Como afirmei, esta é uma questão controvertida na nossa doutrina. Para BOB-
BIO, validade, eficácia e justiça são critérios INDEPENDENTES, ou seja, pode, sim, haver
normas válidas que não tenham eficácia – então ele expressa ali um entendimento for-
mal de que a lei só não terá mais validade se for revogada formalmente. Já MIGUEL
REALE entende ser um REQUISITO DA VALIDADE a validade social ou eficácia (eficácia
social). Ele diz, ainda, que, para ser válida, a norma deve ter validade ética, ou seja,
aquela dimensão axiológica que integra a estrutura tridimensional do Direito também
tem que estar presente no critério de validação das normas jurídicas (validade formal,
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validade social, validade ética; vigência, eficácia e justiça). Portanto, para Reale, são ne-
cessárias as três coisas. Pode-se deduzir disto que, no ponto de vista de REALE, uma
norma que perdeu completamente eficácia já não terá mais validade.
142 E quais são os EFEITOS produzidos por uma norma que nasceu INVÁLIDA? Nenhum. Por-
tanto, todos aqueles efeitos e atos que foram produzidos a partir da vigência de uma lei
que depois é declarada inconstitucional são automaticamente desfeitos. É importante
destacar que quando nasce uma norma jurídica PRESUME-SE A VALIDADE dela. Mas
depois, quando se faz uma análise da legalidade de um ato, ou da constitucionalidade
de uma lei, a gente pode chegar à conclusão de que desde a origem esse ato é ILEGAL
ou essa lei é INCONSTITUCIONAL. Mesmo que essa norma alcance eficácia social, não
terá eficácia normativa. Quando o STF declara que uma lei é inconstitucional, como foi
dito, todos os efeitos produzidos por essa lei são automaticamente desfeitos. Algumas
vezes, contudo, por razão de SEGURANÇA JURÍDICA, o STF faz o que a gente chama de
“modulação dos efeitos da decisão”. Vimos que se ele declarar inconstitucional a
norma, todos os efeitos dela são desfeitos. Agora imaginem que essa norma tenha pas-
sado 15 anos em vigência e que diversos atos tenham sido praticados com base nela. Se
todos atos tivessem que ser desfeitos, seria gerado um caos. Por isso, em alguns casos
excepcionais, o STF pode modular os efeitos, dizendo, por exemplo, que a norma é in-
constitucional, mas que ela não vai mais poder ser aplicada somente daqui para frente.
O que foi feito até agora fica convalidado, mas o que for feito daqui para frente não
pode mais ser feito com base nessa lei.
143 Em princípio, uma NORMA INVÁLIDA não produz qualquer efeito. A declaração de sua
INVALIDADE equivale à declaração de sua NULIDADE, ou seja, todos os efeitos produzi-
dos por essa norma devem ser desfeitos. É o que a gente chama de “eficácia desconsti-
tutiva”. Algo diferente acontece com a NORMA REVOGADA, afinal, neste último caso,
a norma era VÁLIDA, produzia seus efeitos no período da sua vigência, e depois perdeu
vigência. Portanto, os efeitos que ela produziu são preservados. Significa dizer que os
fatos que aconteceram na vigência de uma lei válida continuam regidos por essa lei,
mesmo após a sua revogação. Essa capacidade que uma norma tem de continuar pro-
duzindo seus efeitos após a sua revogação sobre aqueles fatos que aconteceram du-
rante a sua vigência chama-se de ULTRATIVIDADE.
144 A ULTRATIVIDADE da norma jurídica é justamente essa possibilidade que ela tem de
continuar produzindo seus efeitos mesmo depois de sua revogação. Sempre se aplica
o fato à norma vigente no momento da sua ocorrência. Qual é a norma aplicada sobre
um contrato celebrado em 2001? É o Código Civil de 2002 ou é o Código Civil de 1916? O
de 1916, pois o fato aconteceu antes do Código Civil de 2002. O novo Código de Processo
Civil, no art. 14, diz assim: as normas deste código aplicam-se imediatamente aos pro-
cessos em andamento, ressalvados os atos processuais já praticados. Então, imagine
que você tinha um processo em curso que ainda não tinha sido julgado, mas já tinha
sido feita a petição inicial, a contestação, uma audiência de conciliação e uma audiência
preliminar na qual o juiz fixou os pontos controvertidos da causa. Aí, nesse momento,
entra em vigor o novo Código de Processo Civil de 2015. Nesse caso, os atos que forem
realizados dali para frente já não serão mais regidos pelo CPC de 1973, mas pelo de
2015. Os atos já praticados estão praticados, estão livres da incidência, da eficácia do
novo código. Por isso é que a gente tem algo bastante importante no nosso sistema de
Direito, que é o princípio da IRRETROATIVIDADE das leis: nenhuma norma jurídica pode
alcançar o passado (salvo três exceções). Mas a regra geral é: leis não retroagem. O
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senso comum diz por aí: as leis não retroagem para prejudicar. O pensamento está equi-
vocado. Elas não retroagem e ponto final. As exceções começam pela lei penal mais
benéfica, passam pela lei de anistia, mas como eu disse, são exceções. A regra geral é
que as leis não retroagem. Ponto. A gente precisa aprender a pensar que o Direito é
bilateral. Se há alguém obrigado a algo, existe alguém que tem o “direito de”. Se eu faço
uma lei retroativa para beneficiar quem está obrigado a algo, eu estou prejudicando
quem tem “direito de”. Então, salvo exceções, a regra é a irretroatividade das normas
jurídicas.
145 Todo mundo já ouviu alguma vez isso: a lei não RETROAGE para prejudicar. Como falei
na aula anterior, há um senso comum sobre o Direito. E uma das coisas que faz parte
desse imaginário é esse pensamento de que a lei não retroage para prejudicar, só para
beneficiar. Na verdade, a lei não retroage. Ponto final. Esse é o princípio. Existem basi-
camente três exceções:
a) A lei penal mais benéfica. Há um dispositivo da Constituição que diz que nin-
guém será punido por fato que lei posterior deixe de considerar um crime.
Então vamos dizer que João praticou um fato hoje. Suponha que João usou
hoje uma substancia entorpecente, uma maconha, uma cocaína. Pela lei vi-
gente hoje, isso é um crime, certo? Sim. Mas está havendo um debate na nossa
sociedade acerca da descriminalização do uso da droga. Não o tráfico, o uso.
Então se amanhã a lei mudar e isso deixar de ser crime, mesmo que João já
estivesse condenado, os efeitos da condenação cessariam. A lei penal não re-
troagirá, salvo em benefício do réu. Por que isso é uma exceção? Eu disse na
aula passada que temos que sempre nos lembrar que o Direito é pelo menos
BILATERAL. Uma RELAÇÃO JURÍDICA é qualquer relação social, humana, que
esteja regulada ou mediada por uma norma do Direito. Essa norma do Direito
pode ser decorrente da lei, de um contrato, da Constituição, etc. O que im-
porta é que essa relação social esteja regulada pelo Direito. Existem relações
humanas e sociais que são vínculos de natureza estritamente moral ou social
(a amizade, por exemplo, não é regulada pelo Direito). Mas se eu estabeleci
um contrato com uma pessoa, esse contrato é um VÍNCULO de natureza jurí-
dica. E se é um vínculo de natureza jurídica, uma relação jurídica é estabele-
cida. Uma relação jurídica pressupõe pelo menos dois sujeitos. Contudo, exis-
tem relações jurídicas com mais de dois sujeitos, por exemplo: na relação jurí-
dica processual, existem as partes (o autor e o réu) e o juiz (portanto, pelo
menos 3 sujeitos). Existem, ainda, relações jurídicas nas quais uma pessoa está
vinculada a uma gama indeterminada de pessoas, por exemplo: se eu sou o
fornecedor de um produto e anuncio esse produto, faço um comercial desse
produto dizendo quais são as suas características, funções e preço, eu fiz uma
propaganda, e isso criou uma obrigação para mim, visto que o Código de De-
fesa do Consumidor estabelece que as condições da oferta vinculam o forne-
cedor. Portanto, eu não sei quem são os consumidores que irão atrás de mim
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para comprarem o produto que eu anunciei, mas caso alguém vá, eu sou obri-
gado a fornecer aquele produto nas mesmas condições que eu anunciei. Por-
tanto, nesse caso, os sujeitos da relação jurídica acabam sendo, pode-se dizer
assim, indeterminados. Voltando ao raciocínio, há pelo menos dois sujeitos em
uma relação jurídica. A doutrina diz que há o SUJEITO ATIVO e o SUJEITO PAS-
SIVO. Conforme o sujeito ativo esteja na condição de exigir uma faculdade do
Direito e o sujeito passivo esteja na condição de cumprir um dever ou uma
obrigação, naturalmente, como as relações jurídicas são dinâmicas, não está-
ticas, as partes estão RECIPROCAMENTE OBRIGADAS, de uma tal maneira que
se eu tomar como base um contrato de empréstimos, é verdade que o credor
tem o direito de exigir o pagamento, mas é também verdade que o devedor
tem o direito de só fazê-lo no prazo combinado. Uma relação jurídica tem,
além dos sujeitos, um OBJETO, por exemplo: em uma relação de emprego, os
sujeitos são o empregado e o empregador. Ambos têm seus direitos. Conforme
o momento da relação jurídica, esses sujeitos estão numa situação de sujeito
ativo ou de sujeito passivo. Qual é o objeto da relação jurídica? A prestação do
trabalho, do serviço. Além dos sujeitos e do objeto, há, também, o VÍNCULO
DA ATRIBUTIVIDADE, que é precisamente a norma jurídica que vincula os su-
jeitos de uma relação jurídica. No caso da relação de emprego, a CLT (Consoli-
dação das Leis do Trabalho) e outras normas trabalhistas. Em uma relação ju-
rídica, nós teremos sempre uma bilateralidade. O Direito é bilateral. Portanto,
se eu digo que uma norma pode retroagir em benefício de A, que está vincu-
lado a B, sendo que A é sujeito de uma relação jurídica, ela vai retroagir em
prejuízo de B. Por conta disso, as normas não retroagem. A exceção da norma
penal, que retroage porque o Direito considera que é PRIMORDIAL a proteção
do benefício em face do possível ARBÍTRIO do Estado. É aquela tese iluminista
que VOLTAIRE reduziu naquela famosa e célebre frase: todo aquele que tem o
poder, tende a abusar dele. Por isso é que o Direito estabelece mecanismos de
freio ao arbítrio estatal. Por isso que a norma penal mais benéfica é retroativa.
Exemplo: cometi um crime hoje. Pela lei de hoje, essa minha conduta é um
crime. A pena máxima para esse crime é de 4 anos. Posteriormente, vem um
legislador e acha que a pena está muito branda e faz uma lei para aumentar o
mínimo e o máximo da pena. Se esse aumento legal da pena for posterior à
minha conduta, como a lei penal é mais prejudicial, então ela não se aplicará
retroativamente ao meu caso, mas só aos fatos que vierem em seguida.
b) Leis de anistia. A Constituição prevê que o Congresso Nacional pode promover
anistia (que é uma espécie de perdão). O perdão e a anistia são uma modali-
dade normativa que se aplica a fatos do passado, por sua própria natureza,
por um ato da soberania do estado. O legislador pode, por uma decisão que
decorre diretamente da sua SOBERANIA, fazer com que um determinado fato
ilícito seja, vamos dizer assim, apagado. Por que os crimes praticados durante
a ditadura militar não foram punidos? Justamente por causa de uma lei de
anistia. Em 1979, o regime militar já estava em declínio. Havia uma grande mo-
bilização popular por democracia. Havia vários brasileiros exilados. Houve uma
grande mobilização em torno do que se chamava na época de anistia ampla,
geral e irrestrita, para que todos os crimes de natureza política praticados na-
quele período fossem anistiados. E foi justamente por isso que os crimes co-
metidos durante a ditadura não foram punidos. Isto gerou um paradoxo, pois,
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Anotações das aulas referentes à disciplina de Introdução ao Direito – Aluno: Pablo Fernando Aires Santos
cheio a ideia de proteção à confiança. Portanto, por esses dois motivos – por-
que as leis de interpretação violariam a separação de poderes e o princípio da
segurança jurídica –, eu digo: não pode haver leis de interpretação no modelo
constitucional vigente no Brasil. Seriam leis claramente inconstitucionais, no
meu ponto de vista. Sobretudo, seriam leis inconstitucionais que prejudica-
riam o princípio da segurança jurídica. Mas, professor, e qual seria a solução
para isso? Se não pode haver leis de interpretação e um legislador discorda do
judiciário e da administração pública quanto à interpretação de um determi-
nado diploma legal, como ele poderia resolver isso? Simples. Caberia ao poder
legislativo, então, mudar a lei, fazer uma nova lei, com um novo conteúdo, de
modo mais claro. Mas essa nova lei será uma lei nova e não uma lei de inter-
pretação retroativa ao momento da vigência da lei interpretada. Portanto,
como lei nova, ela só se aplicaria dali por diante e não dali para trás.
146 Do princípio da irretroatividade das normas decorre as chamadas SITUAÇÕES JURÍDICAS
CONSOLIDADAS. Todos nós, em cada momento da nossa vida, ostentamos determinada
situação jurídica, um determinado status jurídico. Por exemplo: eu estou em uma situa-
ção jurídica na qual eu sou investido do exercício de uma função pública – a função do
magistério. Uma situação jurídica pode estar CRISTALIZADA, CONSOLIDADA, ESTABILI-
ZADA ou não. Quais são essas situações jurídicas que estão consolidadas? A Constituição
e a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro dizem que a lei nova não prejudi-
cará: o ATO JURÍDICO PERFEITO, a COISA JULGADA e o DIREITO ADQUIRIDO. Estas são
as situações jurídicas consolidadas.
a) Ato jurídico perfeito. É definido na Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro como o ato que se consumou, que se realizou, que se aperfeiçoou,
no sentido de ser perfeito e acabado durante a vigência da lei que o regia. Já
falei para vocês a diferença entre fato e ato jurídico? Bem, todo ATO é um
FATO, mas nem todo fato é um ato. Há fatos da sociedade e da natureza que
não decorrem de uma atuação humana. Por exemplo: a morte de alguém é um
fato que não necessariamente decorre da ação de alguém. Pode ter aconte-
cido o que a gente chama de morte natural. Esse fato tem consequências jurí-
dicas – por exemplo, a morte de alguém abre a sucessão; a partir da morte é
que os herdeiros passam a ter direitos à herança. Diferentemente dos fatos,
os atos dependem de uma atuação humana. A atuação dos seres humana, a
ação humana, pode ser qualificada, pelo Direito, de duas maneiras: ATO LICITO
ou ATO ILÍCITO. Quando falamos de ato JURÍDICO, nós estamos sempre fa-
lando de atos lícitos. Por quê? Porque os atos ilícitos são atos antijurídicos.
Aqui na locução “ato jurídico”, o adjetivo “jurídico” tem o sentido de “con-
forme o Direito” e não “aquilo que é atribuído ao Direito”. Eu posso praticar
um ato plenamente licito que ainda não se consumou, ainda não se aperfei-
çoou. Se esse ato ainda não se aperfeiçoou, se ele ainda não se realizou na sua
inteireza e houver uma mudança na legislação, a lei nova se aplicará a esse ato.
Todavia, se esse ato já estiver PLENAMENTE REALIZADO, então a lei nova não
modificará o ato. Exemplo: o Código Civil é de 2002, mas é óbvio que teve
gente que se casou e continua casado segundo as regras vigentes no Código
Civil anterior, de 1916. Portanto, esse casamento não vai sofrer a regência do
Código Civil de 2002, mas sim, permanecerá sendo regido pelo Código de 1916.
Por quê? Porque é ato jurídico perfeito. Ah, professor, então quer dizer que se
esse casal que se casou antes de 2002 quiser se separar, a separação deles vai
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ser regido pelo Código de 1916? Não, pelo de 2012, porque o ato que se con-
sumou foi o casamento. A separação vai ser um outro ato, já sob a incidência
da nova regra; o que continua regido pela lei antiga é o regime de bens, a regra
sobre o uso do nome, as regras sobre os deveres entre os cônjuges, etc. Ato
jurídico perfeito, portanto, é o ato que se realizou totalmente, inteiramente
segundo a lei vigente ao tempo de sua prática. Acerca da reforma trabalhista
que vai entrar em vigor agora, no dia 11 de novembro: o contrato de trabalho
é um tipo de contrato que a gente chama de RELAÇÃO JURÍDICA DE TRATO
SUCESSIVO. Por quê? Porque ela não se dá de modo instantâneo, não se dá
em um único ato. Ela se prolonga no tempo por sucessivos atos e aconteci-
mentos. É uma relação jurídica continuativa. Pois bem, tem havido um debate
doutrinário muito interessante, por exemplo, para saber se as mudanças na lei
trabalhista se aplicam aos contratos anteriores. Até mesmo porque, no Direito
do trabalho, vigora um princípio chamado princípio da prevalência da norma
mais favorável ao trabalhador. A norma mais favorável, ainda que seja norma
inferior, prevalece sobre norma menos favorável superior – por exemplo, a
Constituição diz que as horas extras serão remuneradas com o valor de 50% a
mais do que as horas normais de trabalho, mas uma convenção coletiva pode
dizer que as horas extras serão calculadas com base em 75% de acréscimo so-
bre as horas normais; sabemos que a convenção coletiva é inferior à Constitui-
ção, mas como ela é mais benéfica, ela PREVALECE sobre a Constituição. Em
todos os ramos do Direito, a lei nova revoga a lei antiga. Mas existe essa ques-
tão do ato jurídico perfeito. Eu fui contratado antes da entrada em vigor da
norma da reforma trabalhista e, quando fui contratado, a lei dizia que eu tinha
direito a, pelo menos, 1 hora de intervalo para almoço e descanso. Com a nova
lei, esse tempo mínimo foi diminuído para meia hora. O meu empregador pode
agora exigir que o meu intervalo intrajornada seja de apenas meia hora? Essa
nova norma se aplica a meu contrato? Esse assunto ainda não está resolvido.
Mas eu suspeito que essa norma vai se aplicar a todos os contratos, por se
tratar de uma relação jurídica trabalhista de trato sucessivo.
b) Coisa julgada. No Código de Processo Civil, uma das mais importantes leis do
nosso ordenamento jurídico, existe um artigo que diz que a coisa julgada é a
eficácia que torna imutável a sentença. Então, quando alguém leva ao judici-
ário uma demanda, o que está se fazendo é pedir ao Estado que, no exercício
de sua função jurisdicional, função de aplicar o Direito, decida qual das partes
de um determinado litigio tem razão; pede-se que o Estado tome uma decisão
sobre quem tem razão naquele conflito; “quem é que está certo?”. A decisão
estatal que resolve esse litígio é justamente a SENTENÇA – que é a decisão do
juiz. Essa sentença, quando proferida, pode ser revista, modificada, alterada,
caso seja impugnada por meio de um RECURSO. Contudo, se a parte que tiver
interesse em recorrer para modificar a sentença não tomar essa providência,
não recorrer da sentença, essa sentença TRANSITA EM JULGADO – ou seja,
com ela ocorre o fenômeno da coisa julgada. Suponha que a parte interessada
recorra da sentença, mas, ao fim e ao cabo, depois de todas as instâncias de
julgamento, a sentença transita em julgado, se transforma em coisa julgada.
Nesse caso, a mudança da lei não vai mais alterar essa sentença. Nenhuma
mudança na legislação vai ter eficácia sobre os casos já julgados e cujo julga-
mento já tenha transitado em julgado. Qual é a exceção a essa regra? A coisa
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julgada penal. Por quê? Porque se houver uma inovação legislativa mais favo-
rável ao condenado, essa lei mais favorável será aplicada a ele. As sentenças
civis, regidas pelo Código de Processo Civil, uma vez transitadas em julgado,
não sofrem qualquer impacto da mudança da lei. Elas só podem ser alteradas
por meio de uma ação chamada “AÇÃO RESCISÓRIA”, no prazo de 2 anos, e
em hipóteses muito especificas em que se pode fazer a revisão da coisa jul-
gada – as hipóteses estão elencadas no artigo 966 do Código de Processo Civil.
É o próprio Poder Judiciário que detém o poder de fazer a revisão da coisa
julgada quando, por exemplo, há uma gritante VIOLAÇÃO DA LEI na sentença;
quando o juiz foi INDUZIDO A ERRO por fraude processual praticada por uma
das partes; quando a sentença é proferida por força de CORRUPÇÃO OU CON-
CUSSÃO do juiz; etc. Nessas hipóteses, é possível fazer a rescisão da sentença,
a anulação da sentença – desde que essa rescisão se dê por meio de ação res-
cisória em até, no máximo, 2 anos. E a sentença criminal condenatória, apenas
ela, pode ser desfeita através de uma ação chamada REVISÃO CRIMINAL. Já a
sentença penal ABSOLUTÓRIA – a que absolve o réu –, quando transitada em
julgado, não pode sofrer qualquer tipo de revisão.
INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES
Não existe prisão por dívida em nenhum lugar do mundo moderno. As sanções pelo inadim-
plemento das obrigações civis alcançam apenas o patrimônio. Não alcançam nem o corpo,
nem a liberdade das pessoas. No passado, a sanção simples por dívidas civis alcançava o corpo
do próprio devedor, que virava, muitas vezes, escravo, ou podia ser preso. No Brasil, nem a
falta de pagamento de tributos leva à prisão. Veja bem, sonegação de tributos é diferente de
não pagamento de tributos. Eu sonego quando mascaro o fato gerador do tributo para não
pagar esse tributo. Diferentemente disso é quando eu digo: eu realmente tive essa renda, mas
eu não tenho condições de pagar agora o tributo incidente sobre ela – eu sou devedor desse
tributo, vou ser inscrito na dívida ativa, vou sofrer uma execução fiscal por parte da fazenda,
mas não vou ser preso Agora se eu, ao contrário, quando for fazer a declaração de imposto de
renda, em vez de declarar que ganhei 200 mil em determinado ano, declarar que só ganhei
100 mil, aí sim eu soneguei; não só soneguei, como fiz uma declaração em falso, e isso sim é
crime. Mas o mero débito tributário não. Então, em suma, não existe nenhum tipo de prisão
civil por dívidas no Brasil, a não ser em decorrência da falta de pagamento da pensão alimen-
tícia – que é uma medida coercitiva para tentar obrigar o devedor da pensão a pagar a pensão.
c) Direito adquirido. Já falei com vocês sobre direito subjetivo? Todos nós, por
exemplo, temos direito subjetivo à alimentação, à vida, à educação, à saúde,
os credores têm direito subjetivo a seu credito, os devedores têm o direito
subjetivo de não serem cobrados além do valor da dívida. Enfim, todos nós,
em determinadas situações da nossa vida social, temos direitos subjetivos. Os
direitos adquiridos são aqueles que se incorporam definitivamente ao nosso
patrimônio jurídico, que não podem ser excluídos do nosso Direito com base
em uma mudança da legislação. Por exemplo: suponha que qualquer cidadão,
neste momento e segundo as regras atuais, já possa se aposentar: já tem seus
60 anos (que, atualmente, é a idade mínima para se aposentar voluntaria-
mente), já acumulou 35 anos de contribuição para a previdência social, já ex-
perimentou todos os requisitos necessários para a sua aposentadoria voluntá-
ria, mas é aquele tipo de cidadão que ainda não quer se aposentar, embora já
possa. Imagine, agora, que amanhã é promulgada a reforma da previdência.
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Qual é a regra que vai passar a vigorar? Idade mínima de 62 para mulheres e
de 65 para homens. Tempo de contribuição mínimo de 25 anos. E qual é a
regra de hoje? 60 anos para homens e 55 pra mulheres; e mínimo de 15 anos
de contribuição. Se o cara já tiver todos os requisitos para a aposentadoria
implementados hoje, a reforma da previdência alcançará ele? Não. Porque
aquele direito SE INCORPOROU AO PATRIMÔNIO DELE. Segundo a lei vigente
hoje, ele já contemplou, preencheu todos os requisitos. Então a mudança da
legislação não vai retirar o direito dele. Ele preservará esse direito mesmo se a
nova norma disser que ele teria que trabalhar mais tempo, ter uma idade
maior, ou seja, essas mudanças não vão mais alcança-lo. Isso é o que chama-
mos de direito adquirido. A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro
diz assim: Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou al-
guém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha
termo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.
Não é preciso que o exercício do direito se faça pelo próprio TITULAR. Pode se
fazer por alguém que o represente. Não é preciso que o direito adquirido já
esteja sendo exercido. Basta que o titular desse direito possa a qualquer
tempo exercer. Não é a vontade de outra pessoa que poderá alterar o exercício
do direito. É um direito que se incorpora ao rol dos nossos direitos subjetivos
e que não pode mais ser retirado pela vontade de ninguém, nem mesmo pela
vontade da lei. JOSÉ AFONSO DA SILVA diz que na configuração do direito ad-
quirido existem TRÊS elementos básicos: um fato que ocorreu de acordo com
a lei vigente no tempo de sua ocorrência, um fato idôneo que a gente pode
chamar de FATO AQUISITIVO DO DIREITO; uma NORMA DE DIREITO que as-
segura que aquele fato produz aquele efeito de aquisição do direito; e o SU-
JEITO DE DIREITOS que vai incorporar aqueles direitos ao seu patrimônio e que
poderá exercer esse direito a qualquer momento. Então, por exemplo: férias
anuais remuneradas. Todo trabalhador tem direito a um período de férias de
30 dias. Esse período é contínuo. Pela reforma trabalhista, esse período vai
poder ser parcelado em até 3 períodos, sendo que um deles não pode ser in-
ferior a 14 dias. Ora, eu já trabalhei 12 meses esse ano – vamos dizer que em
outubro eu completei 1 ano de trabalho. Ainda não está em vigor a lei da re-
forma trabalhista. Ao completar o período de 1 ano, adquiri o direito de perí-
odo de férias de 30 dias contínuos. A lei trabalhista nova, que entrará em vigor
no dia 11 de novembro, permite o parcelamento das férias em até 3 etapas,
porém, esta regra não será aplicada ao período de 30 dias de férias que eu já
adquiri. Mas ao mesmo tempo que em outubro eu completo um período aqui-
sitivo de férias, eu começo outro período aquisitivo de férias, e as minhas fé-
rias do ano que vem já serão regidas pela nova lei. Por isso, as minhas férias
deste ano de 30 dias são um direito adquirido, mas as férias do ano que vem
não, pois aquele fato que geraria o meu direito ainda não ocorreu.
147 TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JUNIOR aponta que, na era moderna, o Direito moderno se
tornou uma forma bastante técnica de resolver CONFLITOS DE INTERESSES. Na moder-
nidade, a dogmática jurídica, que é essa forma de abordar o Direito que visa resolver
questões práticas, se configura como um mecanismo apto a fornecer para os intérpretes
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situação, que fica mais difícil, ocorre não quando há um problema de, vamos dizer assim,
ABUNDÂNCIA DE NORMAS, mas sim, de ESCASSEZ DE NORMAS. Não há norma para
resolver o caso. Ou a norma que, aparentemente, caberia ao caso, não traz uma solução
adequada, não traz uma solução justa ou correta para aquele caso concreto. Por quê?
Pode ser porque o tempo passou, a realidade se transformou muito, e aquela norma
que regia aquele tipo de fato já é uma norma que a gente não considera eficaz, por
exemplo. Então, nesta hipótese, eu tenho um vazio normativo. Se eu tenho um vazio
normativo, não poderei resolver o conflito. Mas, como eu disse no início, eu não posso
não decidir. O ordenamento jurídico torna obrigatória a tomada de decisão. Portanto,
eu primeiro tenho que superar o problema da omissão legislativa, das lacunas normati-
vas, para depois conseguir resolver os conflitos de interesses.
150 A teoria do ordenamento jurídico está baseada em três postulados fundamentais, que
são: a UNIDADE, a COERÊNCIA e a COMPLETUDE. O que significa unidade do ordena-
mento jurídico? Existem várias ordens normativas – existe aquele conjunto de regras da
moral, da religião, do trato social, etc. Portanto, não existe só o Direito como instância
reguladora da nossa conduta na sociedade. Ou seja, nem todas essas normas são nor-
mas do Direito. Eu posso até admitir que existem diversos ordenamentos normativos na
sociedade, mas só existe um ordenamento jurídico. Não existem vários ordenamentos
jurídicos. E por que só existe um ordenamento jurídico? Porque todo ordenamento jurí-
dico está fundamentado em uma primeira fonte, que BOBBIO chama de fonte das fon-
tes. Vocês ouviram falar dessa primeira fonte quando eu falei de Kelsen: é a NORMA
FUNDAMENTAL. Essa primeira fonte é a base de todo o sistema normativo, é o ponto
de unificação do sistema normativo. Existem quase 14 mil leis federais no Brasil, sem
contar as leis estaduais e municipais, os decretos, as resoluções e todas as outras mo-
dalidades de atos normativos. Todas essas normas integram o ordenamento jurídico.
Qual é a condição sine qua non para uma norma integrar o ordenamento jurídico? Deve
estar de acordo com as outras normas do sistema normativo, e, em última análise, ainda
que indiretamente, deve estar de acordo com a fonte das fontes que, no nosso Direito
positivo, é a Constituição.
INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES
Vocês já ouviram falar que a Constituição da Inglaterra é flexível? Qual a diferença de uma
Constituição rígida para uma flexível. As rígidas são como supernormas, que não podem ser
alteradas senão por um conjunto de ritos e solenidades muito mais difíceis do que os procedi-
mentos necessários para modificar ou aprovar uma lei comum. Então, eu tenho um texto da
Constituição e eu só posso alterá-lo a partir de condições muito mais difíceis do que para apro-
var ou alterar uma lei comum. Por exemplo, no Brasil, para aprovar uma lei ordinária basta a
maioria dos presentes em uma determinada sessão do Congresso Nacional. Aprovou na Câ-
mara, vai para o Senado, aprovou no Senado, vai para a Comunicação e entra em vigor. E para
aprovar uma emenda à Constituição? Primeiro, que só algumas pessoas podem propor emen-
das à Constituição; segundo, que uma proposta de emenda constitucional, para ser aprovada,
precisa de maioria de 3/5 dos votos, ou seja, 60% dos membros de cada uma das Casas do
Congresso Nacional, em dois turnos de votação. Então, é muito mais difícil fazer uma mudança
na Constituição do que fazer uma lei ordinária. A nossa Constituição ainda tem um núcleo que
não pode ser alterado de jeito nenhum, só pode ser alterado se for feita uma nova Constituição
– são as chamadas cláusulas pétreas (art. 60 da Constituição Federal – Não será objeto de
deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: a forma federativa de Estado; o voto
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direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; os direitos e garantias indivi-
duais). Então, esse núcleo não pode ser alterado de jeito nenhum. Quando a Constituição é
substituída por uma nova Constituição é como se, naquele momento, todo o Direito anterior
tivesse sido abolido. E a partir dali surge uma nova ordem jurídica. As leis anteriores, em tese,
foram todas revogadas. Só não foram revogadas aquelas que forem compatíveis com o novo
regime constitucional. Vamos entender por partes. Qual é a norma mais importante do sis-
tema de normas? A norma fundamental, que no nosso caso é a Constituição. Se uma norma
anterior à Constituição estiver contra a Constituição, o que acontece com a norma anterior? É
revogada. Norma revogada é diferente de norma inválida. A que nasceu inválida não produ-
ziu efeitos, nunca teve eficácia; aquela, ao contrário, produziu seus efeitos.
151 Primeiro postulado lógico da teoria do ordenamento jurídico: unidade – só existe uma
ordem jurídica. E só existe uma ordem jurídica porque qualquer norma desse ordena-
mento só poderá ser considerada parte desse ordenamento se for COMPATÍVEL com
aquela primeira fonte. Isso exclui qualquer conflito entre normas do Direito e normas
que não sejam jurídicas. Não há antinomia entre normas do Direito, do ordenamento
jurídico e normas, por exemplo, da religião. Por exemplo: o casamento é indissolúvel
pelas leis da igreja, mas não pelas leis do Direito. A norma da religião está em conflito
com a norma do Direito? Não, porque essas normas participam de sistemas normativos
distintos. A norma da religião só vincula quem se sente obrigado a ela e não quem não
se sente obrigado. Portanto, quando eu tenho CONFLITO DE NORMAS, devo saber, pri-
meiramente, se essas normas pertencem ao mesmo ordenamento, em decorrência do
postulado lógico e formal da unidade. Elas só pertencem ao mesmo ordenamento se
forem compatíveis com a norma fundamental.
152 Normas de calibração, de TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JUNIOR: se você pensar no sistema
jurídico como uma espécie de organismo, de unidade, você pode compará-lo, por exem-
plo, a uma máquina. As suas diversas partes se unem para formar um todo. Mas esse
todo só funciona se essas partes estiverem, cada uma delas, desempenhando adequa-
damente suas funções nessa máquina. Quando essas engrenagens não estiverem funci-
onando, você precisa calibrar a máquina, precisa fazer ajustes. O Direito tem certas nor-
mas que não são propriamente normas de conduta, servem para ajustar o sistema nor-
mativo. Tércio diz que o que tem de novidade no Direito moderno é a positivação dos
mecanismos de mudança do Direito. Em vez de toda vez que eu quiser mudar o Direito
eu precisar derrubar o ordenamento todo, eu crio, dentro do ordenamento, mecanis-
mos para MUDANÇA DOS CONTEÚDOS das normas, sem que eu tenha que derrubar o
sistema inteiro. De uma forma que a mesma conduta dentro do mesmo ordenamento
pode ter sido proibida e agora ter sido admitida. O que não pode é haver uma conduta
que seja proibida e permitida ao mesmo tempo.
153 Segundo postulado básico da teoria do ordenamento jurídico: coerência (consistên-
cia). Duas normas do mesmo ordenamento não podem estar em contradição. Não pode
haver CONTRADIÇÃO entre as normas. Notem que o pressuposto é que as normas se-
jam do mesmo ordenamento. Se as normas estiverem em contradição, uma das duas
não é mais válida, ou seja, uma das duas não é mais parte do ordenamento, já foi revo-
gada. Quando a gente pensa em normas, a gente pensa em regras, em leis. Dificilmente
a gente pensa em um contrato ou em uma sentença. Mas também o contrato é um tipo
de normas. E nas sentenças há uma parte que a gente chama de parte dispositiva, que
é normativa. Quando vocês estiverem estudando Direito Processual, verão que toda
sentença é composta necessariamente por três partes: o relatório, na qual o juiz faz uma
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espécie de história do caso; a fundamentação, que mostra por que o juiz vai tomar a sua
decisão – ele vai decidir a favor ou contra o réu? Ele tem que explicar, motivadamente,
cada fundamento da decisão dele; e, por fim, o dispositivo, que é a norma jurídica da-
quelas partes. Pode haver conflito entre uma sentença e uma lei? Pode. O juiz pode pro-
duzir uma sentença que contrária à lei. Mas essa violação à lei pode permanecer? Não.
Ela deve ser corrigida. Para isso existem meios de recurso para impugnação de decisões
judiciais. Mas, professor, tu disseste na aula passada que a coisa julgada torna imutável
uma sentença. E se uma sentença for ilegal e transitou em julgado? Aí não tem mais
como corrigir. Já é coisa julgada. Mas, professor, isso não produz uma antinomia no or-
denamento? Não, porque não há uma incompatibilidade abstrata, por exemplo, entre
uma norma e a sentença. Existe uma norma que só se aplica àquelas duas partes daquele
processo e a mais ninguém. Então ela não causa uma perturbação em todo o sistema
normativo. Algo diferente ocorre quando há uma lei que se choca diretamente com a
Constituição. Nesse caso, você não tem um problema localizado, particular, pois a lei
tem eficácia geral (erga omnes) – as sentenças e os contratos tem eficácia inter-partes.
Portanto, teremos um problema grave para resolver, pois você passa a ter uma norma
com eficácia geral que é INVÁLIDA. Você não pode admitir a presença dessa norma in-
válida no ordenamento. Então, quando duas normas estão em aparente conflito, é ne-
cessário, antes de tudo, verificar se não há nenhuma interpretação que dê para ade-
quar, harmonizar as duas normas. Se esse conflito for realmente insolúvel, se não tiver
jeito, aí sim, você deverá reconhecer que existe, de fato, uma ANTINOMIA. Os critérios,
os métodos para solução das antinomias são:
a) CRITÉRIO HIERÁRQUICO – norma superior prevalece sobre norma inferior.
No conflito entre a lei e a Constituição, prevalece a Constituição. No conflito
entre a lei e atos administrativos normativos, prevalece a lei;
b) CRITÉRIO CRONOLÓGICO – lei mais nova prevalece sobre a lei mais antiga,
desde que sejam da mesma hierarquia. No conflito entre uma nova superior
mais velha e uma norma inferior mais nova, prevalece a norma superior,
mesmo que mais antiga. Neste caso, a norma inferior já nasceria inválida. Caso
fosse o contrário, se a norma inferior fosse mais antiga, e a nova superior fosse
mais nova, a antiga seria revogada;
c) CRITÉRIO DA ESPECIALIDADE – lei geral não revoga nem modifica lei especial.
Lembram-se da metáfora da praia? O sol é a lei geral e a barraquinha, lei es-
pecial. A lei especial tem um âmbito de incidência distinto do âmbito de inci-
dência da lei geral. É como se a lei especial pegasse certas pessoas ou situações
e excluísse do raio de incidência da lei geral. Então a Lei de Introdução às Nor-
mas do Direito Brasileiro diz: a lei nova, que estabeleça disposições gerais ou
especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior. Por-
tanto, no conflito entre duas normas, geral e especial, quem prevalece? Ne-
nhuma, porque, na verdade, o conflito só é APARENTE. Porque como a lei es-
pecial tem um âmbito de incidência normativo distinto do âmbito de incidên-
cia da norma geral, o que você tem são duas normas, sendo que uma delas
exclui da incidência da outra certas pessoas e situações. O conflito, aparente-
mente existe, mas, no fundo, não. Exemplo: fumar maconha é crime? Sim. E
fumar maconha medicinal é crime? O Brasil já tem uma lei que diz que o uso
de substâncias entorpecentes é crime, não tem? E se o Congresso Nacional,
amanhã, aprovasse uma lei que acrescentasse nesse dispositivo que proíbe o
uso de substâncias entorpecentes a seguinte exceção: “salvo para tratamento
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médico”? Esta seria uma norma especial. Todo mundo poderia fumar maco-
nha? Não. Mas quem tivesse alguma doença para a qual o médico receitasse
a maconha, poderia fazer o uso dela. Qual é a norma geral? Proibição do uso
de drogas. E qual é a norma especial? Uso medicinal. Há conflito entre as nor-
mas? Aparentemente, sim. Mas só aparentemente. Porque quando eu crio
uma exceção, eu excluo da incidência da regra geral aquelas pessoas que estão
em situação especial.
154 O critério mais forte é o HIERÁRQUICO e o mais fraco é o CRONOLÓGICO. Vejam bem,
entre uma norma especial mais velha e uma norma geral mais nova, qual prevalece? A
norma especial. Norma geral nem revoga, nem modifica norma especial. Qual é o crité-
rio mais forte: especialidade ou cronológico? Especialidade. E entre uma norma superior
geral e uma norma inferior especial? Qual é a mais forte? A ESPECIAL, salvo no caso de
inconstitucionalidade. Uma norma superior geral cede para norma inferior especial,
salvo em caso de violação à Constituição. A teoria do ordenamento jurídico afirma que
o ordenamento jurídico é um sistema escalonado de normas jurídicas que nasce a partir
de uma primeira norma, e esse sistema escalonado é coerente e completo.
155 Terceiro postulado básico da teoria do ordenamento jurídico: completude (ou pleni-
tude, ou completitude). Significa que não existem lacunas no ordenamento jurídico.
Caso existam lacunas, elas não podem ficar abertas. Elas devem ser suprimidas, comple-
tadas, para poder permitir a solução da situação jurídica concreta. Tudo o que não está
previsto como PROIBIÇÃO e IMPOSIÇÃO, está previsto como PERMISSÃO. Porém, há
muitas situações concretas nas quais o uso dessa ideia é insuficiente, pois os conflitos
sociais se instalam, precisam de uma solução, e não é possível, ao aplicador do Direito,
deixar de resolver os conflitos, embora não haja regra para resolvê-los. O conflito está
instalado, a gente precisa resolver, mas não temos lei sobre a matéria. Nessas hipóteses,
nós teremos que apelar para os mecanismos de INTEGRAÇÃO do sistema jurídico. Inte-
gração no sentido de tornar íntegro, completo. Os mecanismos ou meios de integração
do Direito são os chamados de mecanismos de AUTO-INTEGRAÇÃO ou HETEROINTE-
GRAÇÃO.
a) AUTO-INTEGRAÇÃO: Quando é que eu faço um processo de auto-integração
do sistema? Quando eu utilizo elementos do próprio sistema jurídico para
fechar a lacuna. Por exemplo: a aplicação analógica de uma lei. Não existe ne-
nhuma previsão normativa para que os juízes ou os cartórios judiciários façam
atos de comunicação processual. O mais comum deles é a intimação – por
meio da qual o juiz comunica uma das partes que ela está sendo chamada ao
processo para tomar determinadas providências. Não há nenhum dispositivo
que preveja a intimação por Whatsapp. Mas já existe na lei dispositivo que
prevê a intimação por meio de correspondência eletrônica. O Whatsapp é um
tipo de correspondência eletrônica? Quando menos, é análogo ao e-mail. É
possível aplicar uma analogia? Sim. E quando eu busco, por exemplo, um PRIN-
CÍPIO do sistema jurídico? Os princípios são supernormas. A teoria do Direito
evoluiu no sentido de que, os princípios, no passado, praticamente só tinham
essa função integrativa, supletiva. Onde faltava regra, poderia ser dada aplica-
bilidade aos princípios. Atualmente, exige-se uma HERMENÊUTICA DE PRINCÍ-
PIOS, ou seja, no processo de aplicação das normas do ordenamento jurídico,
a interpretação tem que estar, todo o tempo, informada pelo princípio que
rege aquela norma. Eu tenho que CONECTAR as regras com os princípios por
meio da hermenêutica. Portanto, eu tenho que, em tudo, aplicar os princípios.
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outras palavras: o Direito se fecha a partir de suas normas, essas normas são a base para
a criação de soluções jurídicas, ou de decisões jurídicas, portanto, o Direito se reproduz
a partir de elementos internos ao próprio Direito, mas, ao mesmo tempo, o Direito tem
que se abrir para incorporar novas regras que são produzidas em razão das necessidades
apresentadas pelos outros subsistemas. Por exemplo, transformações econômicas
acontecem. Essas transformações levam à necessidade de uma reformulação do Direito.
O Direito vai ser reformulado? Sim. Como? A partir de elementos internos ao próprio
sistema. Vou ter que fazer uma lei nova. E como eu faço uma lei nova para adaptar a
nossa legislação às novidades econômicas? No sistema jurídico há regras que determi-
nam como deve ser produzida uma lei nova. Mas por que vou produzir leis novas? Por-
que as mudanças do sistema econômico vão ter impacto sobre o sistema jurídico. O que
não se admite é que eu faça uma gambiarra, vamos dizer assim, para adaptar o Direito
à economia. A economia influencia o Direito, mas a tomada de decisão no Direito não
pode ser com base em critérios econômicos, e sim, com base em critérios do próprio
sistema do Direito.
159 O sistema jurídico é fechado? Sim. Ele tem que trabalhar com seus elementos próprios.
Mas ele não é um sistema fechado no sentido de que ele não sofre os IMPACTOS das
transformações sociais, políticas e econômicas. Ele é fechado no sentido de que quando
nós vamos trabalhar o Direito, resolver os conflitos sociais, não podemos apelar para
elementos estranhos ao Direito. Temos que utilizar critérios jurídicos. Mesmo no caso
de lacunas, para eu resolver o problema da omissão do legislador, eu tenho elementos,
critérios jurídicos para resolver esse problema.
160 Apesar da gente saber que o Direito possui PRINCÍPIOS, temos que ter em mente que
esses princípios, em decorrência de sua alta abstração, têm uma estrutura lógica total-
mente diferente das regras. As regras são normas do “se–então”. Os princípios não têm
essa estrutura. São normas muito mais ABSTRATAS. Elas se aplicam aos fatos por uma
questão de peso. Em um conflito entre as regras, caso duas regras estejam em choque,
uma perde e a outra ganha, prevalece a norma superior sobre a inferior, a especial sobre
a geral, e a mais nova sobre a mais velha. Quando há CONFLITO ENTRE PRINCÍPIOS, a
questão deve ser resolvida por meio do peso, da ponderação: deve-se verificar qual dos
princípios, para determinada situação concreta, tem mais peso. Não dá para dizer assim:
o principio X foi revogado pelo princípio Y. Não dá para você dizer, por exemplo, que a
dignidade da pessoa humana foi revogada pela liberdade de expressão. Quando houver
uma aparente colisão de princípios, não dá para resolver assim: prevalece o superior.
Qual é o superior? Todos estão na Constituição. Também não dá para dizer assim: pre-
valece o especial. Nenhum dos dois é especial, todos são gerais. Em suma, eu tenho que
decidir, para cada situação concreta, qual princípio tem o maior peso, visto que a colisão
de princípios não se resolve como um conflito de regras, e sim, por meio de uma dimen-
são do peso, de modo a definir qual princípio é mais importante em cada caso concreto.
161 As FONTES DO DIREITO, segundo Norberto Bobbio, são os meios e os processos dos
quais um ordenamento jurídico faz depender o aparecimento de suas normas. Nessa
frase, vocês conseguem desde logo perceber o claro entrelaçamento que há entre as
teorias da norma, do ordenamento e das fontes do Direito.
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162 Cada ORDENAMENTO tem o seu próprio sistema de fontes do Direito. Ou seja, para
cada ordenamento jurídico há mecanismos específicos sobre o modo como o Direito é
produzido, positivado.
163 No mundo ocidental contemporâneo, existem dois grandes sistemas jurídicos em ter-
mos do modo como eles se mostram, se manifestam. Podemos designar esses dois gran-
des sistemas a partir das suas origens históricas: o DIREITO ANGLO-SAXÔNICO e o DI-
REITO ROMANO-GERMÂNICO.
164 De um lado, você tem um conjunto de países que adotam uma forma de Direito em que
a lei é a principal fonte; o Direito produzido por um parlamento, por uma câmara legis-
lativa é a principal fonte do Direito.
165 De outro lado, você tem um outro sistema de Direito no qual a norma consuetudinária,
a norma que é produzida pela sociedade, é reconhecida como fonte principal do direito
a partir de precedentes jurisprudenciais.
166 Então, de um lado, o Direito é especificamente legislado, e de outro, o Direito é tipica-
mente jurisprudencial e baseado nos costumes. Nós, do brasil, que somos da tradição
romano-germânica, temos um Direito em que a principal fonte do Direito é a lei. Quem
é que faz o Direito? Quem é que produz o Direito? A partir dessa distinção entre esses
dois grandes modelos, sistemas de Direito, nós podemos ver que no sistema civil law
(romano-germânico) quem faz a lei é o poder legislativo. Nos modelos baseados nos
costumes e precedentes, quem faz a lei, primeiramente, é a sociedade e depois são os
juízes. Aqui no Brasil, não é o juiz que faz a lei. Ele é quem aplica a lei.
167 Existem, em cada sistema de Direito, fontes distintas e organizadas de diversas manei-
ras. Quando a gente diz sobre a primazia da lei como fonte do Direito, estamos dizendo
assim: no nosso modelo de fontes do Direito, no presente momento, vigente esse orde-
namento no Brasil, a principal fonte do Direito é a lei, o conjunto de normas produzidas
formalmente pelo poder legislativo. Professor, mas o que o poder legislativo estabelece
como norma jurídica decorre do que a sociedade precisa, reivindica, pede, pressiona
para estabelecer como norma. Bem, às vezes isso é verdade, às vezes não. É a partir das
relações sociais concretas que são feitas escolhas legislativas. Portanto, o legislador não
atua sobre um zero social, e sim, sobre uma determinada realidade social. E a partir
dessa realidade social, escolhe os conteúdos que vão estar estabelecidos nas normas
jurídicas. De uma certa maneira, aquilo que nós chamamos de fontes do Direito são me-
ras formas jurídicas daquilo que se realiza na base da sociedade como relação social
concreta. Daí porque muitos podem se lembrar, podem até já ter lido, que há uma dis-
tinção entre fontes formais e fontes materiais do Direito.
168 As FONTES MATERIAIS do Direito seriam precisamente as bases históricas, políticas,
econômicas, enfim, as bases sociais que determinam o aparecimento de uma determi-
nada ordem jurídica. As transformações da realidade social, da base concreta da vida da
sociedade, levam a uma transformação do conteúdo daquilo que formalmente está es-
tabelecido como Direito. A estas condições concretas para o aparecimento, para a for-
mação de um determinado de Direito positivo, nós chamamos de fontes materiais do
Direito.
169 E as FONTES FORMAIS? As fontes formais são aqueles procedimentos que levam à for-
mação de um Direito positivo. As fontes formais são as próprias normas formalmente
estabelecidas no interior do Direito positivo.
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170 A expressão FONTES DO DIREITO foi utilizada pela primeira vez por FRIEDRICH CARL
VON SAVIGNY. Ele, que, como vocês sabem, foi um dos mais importantes expoentes da
chamada escola histórica do Direito, criou a ideia de que são três fontes as fontes prin-
cipais do Direito.
171 A primeira delas, os COSTUMES, que ele chamava de espírito do povo, como vocês bem
sabem. Os costumes, todavia, estão postos pela sociedade, mas de uma maneira não
sistemática. Era preciso, então, que esses costumes fossem interpretados e explicados
a partir de conceitos formais, que formam o que SAVIGNY chamava de segunda fonte,
ou a fonte DOUTRINÁRIA. Então, qual seria a primeira fonte? Os costumes (fonte ma-
terial). A segunda fonte seria a doutrina – trabalharia exatamente a partir daquele ma-
nancial de normas consuetudinárias e, a partir dali, extrairia os conceitos fundamentais
para o Direito, como uma ciência. A partir desses conceitos emitidos sobre o Direito
haveria, então, uma mediação entre os costumes e as leis por meio da doutrina. As leis
aparecem então como uma terceira fonte, e vejam que uma fonte, naturalmente, sub-
metida aos costumes.
172 Na doutrina de SAVIGNY, as fontes materiais se sobrepõem às fontes formais. Essa dua-
lidade entre fontes formais e fontes materiais não será aceita nem por KELSEN nem por
BOBBIO. E nem, muito menos, por MIGUEL REALE. Para esses pensadores do Direito,
somente há fontes formais do Direito. As fontes materiais, sejam elas costumes, sejam
elas relações econômicas, etc., ainda são, vamos dizer assim, um dado social, que não
se converteu em Direito, que ainda não se transformou em norma de Direito. Portanto,
ainda não são, necessariamente, parte do Direito. São as condições essenciais nas quais
o Direito existe.
173 As fontes formais, para BOBBIO, dividem-se em (uma das possíveis classificações):
a) FONTES DELEGADAS: São fontes delegadas aquelas que são produto de uma
delegação. BOBBIO explica mais ou menos assim: visto de cima para baixo, o
ordenamento jurídico é um conjunto de delegações; visto de baixo para cima,
o ordenamento jurídico é um conjunto de limitações. Conjunto de delegações
por quê? Qual é a primeira fonte? É aquele ponto de unidade do sistema jurí-
dico que discutimos na aula passada: a norma fundamental ou fonte das fon-
tes. Vamos tomar como exemplo a Constituição. A constituição determina a
quem o poder de fazer leis? Ao poder legislativo. Mas o poder legislativo pode
fazer qualquer tipo de lei? Quais são os limites do poder legislativo? Ou seja,
visto de cima para baixo, o constituinte delegou ao poder legislativo o poder
de fazer leis. Mas, ao mesmo tempo, visto de baixo para cima, o legislador sabe
que não pode violar a Constituição. A quem a Constituição atribuiu o poder de
aplicar a lei? Ao juiz. O juiz deve decidir todos os casos. Mas só pode decidi-los
de acordo com a Constituição. O que a Constituição deu aos juízes? O poder de
aplicar a lei. O juiz, na hora de decidir, deve decidir de acordo com as leis. Visto
de cima para baixo, a Constituição deu ao poder judiciário o poder de julgar,
mas julgar dentro de certos limites. O poder judiciário não tem o poder de fa-
zer um julgamento arbitrário. O Código Civil diz assim: as partes podem con-
tratar sobre tudo o que não contraria a lei e a boa-fé. Ou seja, o ordenamento
jurídico delegou a todos nós, particulares, um poder, um direito: o poder ne-
gocial, o direito de fazer contratos. Mas qual o limite desse direito? Eu não
posso fazê-los contrariamente à lei ou à boa-fé. Do mesmo modo que a lei
delega aos particulares o poder e o direito de celebrar contratos, limita esse
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poder e esse direito. Quais são as fontes que eles chamavam de fontes delega-
das? Precisamente, as fontes que decorrem dessa cadeia de delegações do or-
denamento jurídico. Portanto, as sentenças dos juízes ou a jurisprudências dos
tribunais são fontes delegadas de Direito, pois decorrem de um poder recebido
pelos juízes ou pelos tribunais, do ordenamento jurídico, para aplicar a lei e a
Constituição. As leis são fontes delegadas do Direito porque elas decorrem de
um poder delegado ao poder legislativo pela Constituição para produzir leis.
b) FONTES RECONHECIDAS: As outras fontes, que não são produtos dessas dele-
gações são as chamadas fontes reconhecidas do Direito, e aqui entram os cos-
tumes. Por quê? Porque os costumes, para se transformarem em fontes de
Direito, precisam de um processo formal de reconhecimento. É preciso que ou
eles sejam reconhecidos por decisões judiciais, por atos da administração pú-
blica, ou por meio de leis. Eles precisarão, portanto, passar por um processo
formal de reconhecimento.
174 Vocês ainda vão encontrar outras classificações sobre as fontes do Direito (diretas e in-
diretas / primarias e secundarias / mediatas e imediatas):
a) FONTES DIRETAS: Aquelas que são imediatamente acionadas para o regra-
mento de uma determinada situação jurídica. Assim, por exemplo, as leis se-
riam fontes diretas.
b) FONTES INDIRETAS: Aquelas que estariam na base ou num condicionamento
do aparecimento daquelas fontes diretas. Por exemplo, a doutrina, porque ela
não tem caráter vinculante. Ninguém está obrigado a seguir os ensinamentos
dos doutrinadores. O art. 926 do novo Código de Processo Civil estabelece que
os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra
e coerente. O Direito com coerência e com integridade é a base da doutrina de
um sujeito chamado RONALD DWORKIN (citam-se duas de suas obras: Le-
vando o Direito a sério e O império do Direito). A sua clássica divisão entre
normas-regra e normas-principio daria aos princípios um caráter normativo e
isso foi meio que incorporado ao Direito positivo brasileiro. Revela-se aqui uma
influência da doutrina sobre a decisão legislativa. De uma tal maneira que po-
demos dizer que a doutrina foi uma fonte indireta.
175 FONTES PRIMARIAS são a base para a elaboração das FONTES SECUNDÁRIAS. Os con-
tratos são fontes do Direito? Os contratos vinculam as partes? Sim. Mas eles só vinculam
as partes e só são fontes do Direito se não forem ilegais. Ora, então para que um con-
trato possa ser feito, possa valer, não pode contrariar a lei. Nessa hipótese, a fonte pri-
mária seria a lei e o contrato, fonte secundária.
176 Para MIGUEL REALE, as fontes do Direito são apenas as fontes formais do Direito. Para
ele, toda fonte do Direito tem que preencher três requisitos fundamentais:
a) Tem que ser PRODUTO DE UMA DECISÃO. Seja uma decisão das partes de um
negócio jurídico, de um juiz, do poder legislativo, etc.
b) Essa decisão tem que ter CARÁTER VINCULANTE, obrigatório. Quando a gente
fala em caráter ou eficácia vinculante, nós estamos falando na necessária obri-
gatoriedade daquele comando. O juiz está vinculado à lei. Quando a gente diz
isso a gente quer dizer que o juiz não pode se manifestar fora dos limites do
Direito positivo. Em princípio, ele tem a obrigação de aplicar a lei. Quando o
juiz pode deixar de aplicar a lei? Nós já vimos algumas hipóteses, quando a
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gente estudou ordenamento jurídico. A gente viu que pode haver uma situa-
ção, por exemplo, em que o juiz verifique a existência de uma antinomia, e
então uma das duas normas ele não pode aplicar. Ele não pode aplicar uma lei
que contrarie a Constituição, etc. Ou seja, o juiz pode deixar de aplicar a lei,
mas só em hipóteses específicas. Em princípio, ele está obrigado a aplicar a lei,
está vinculado. Portanto, para REALE, toda fonte do Direito tem que ser pro-
duto de uma decisão e tem que ter caráter vinculante.
c) Tem que guardar COERÊNCIA SISTÊMICA. Ou seja, não pode haver fontes do
Direito válidas dentro de um mesmo ordenamento e que produzam nesse or-
denamento aquelas antinomias que não podem existir. Por isso é que, por
exemplo, na teoria das fontes do Direito não se admite a existência de costu-
mes contra legem – aqueles que estão em desacordo com as leis.
177 No nosso sistema de Direito, há a primazia da lei. A expressão lei está aplicada em seu
sentido amplo. Lei, aqui, é DIREITO ESCRITO, legislado, que envolve a Constituição e
também as suas emendas. No nosso sistema normativo, há uma hierarquia entre as leis.
178 Lá em cima, a Constituição e as emendas constitucionais. Todas as normas de emendas
constitucionais, quando aprovadas, com a observância do art. 60 da Constituição, assu-
mem hierarquia constitucional. Ou seja, as emendas são parte da Constituição. Mas
existe, dentro da Constituição, um núcleo imutável, chamado de CLÁUSULAS PÉTREAS.
Cláusulas de pedra. Por que esse núcleo é declarado imutável? Porque ele é a base da
ordem jurídica constitucional. É a base de toda a organização do sistema jurídico. Pode
mudar tudo na Constituição, só não pode mudar esse núcleo. Para mudar esse núcleo,
só se mudar a Constituição toda. Esse núcleo, no Brasil, é formado:
a) Pelos direitos e garantias individuais;
b) Pela separação dos poderes;
c) Pelo voto direto, secreto, universal e periódico; e
d) Pela forma federativa do Estado.
179 Este é o núcleo essencial da Constituição. Não pode haver emendas tendentes a abolir
essas cláusulas. Qualquer uma delas.
180 Abaixo da constituição estão as leis. Mas entre as leis existem diversas modalidades,
diversos tipos. As leis complementares, as leis ordinárias, as medidas provisórias, os de-
cretos legislativos e as resoluções do Congresso Nacional.
a) LEIS COMPLEMENTARES: Existem matérias que a Constituição reservou a lei
complementar. Exemplo: lei complementar disporá sobre a proteção dos tra-
balhadores contra a despedida a arbitrária ou sem justa causa. Portanto, o
único diploma normativo que pode regular sobre esse assunto é a lei comple-
mentar. Essas leis dependem de uma solenidade maior para serem aprovadas
(maioria absoluta dos membros do congresso).
b) LEIS ORDINÁRIAS: Leis mais comuns. Ordinárias no sentido de não serem ex-
traordinárias. São as formas mais comuns de leis. Código civil, Código de de-
fesa do consumidor, Código de processo civil, Estatuto da criança e do adoles-
cente, Código penal, etc. Precisa passar pelas duas casas, mas é aprovada por
maioria simples.
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184 Do outro lado, a grande maioria dos doutrinadores reconhece e aponta a doutrina como
fonte do Direito. Quando menos, como FONTE INDIRETA do Direito. BARROSO é dou-
trinador, mas se ele fundamenta uma decisão dele na sua doutrina, então, quando me-
nos, a doutrina funcionou como fonte indireta daquela decisão e aquela decisão passa
a ser fonte direta de Direito.
185 A doutrina pode, sim, ser vista como fonte do Direito. A gente então, vai falar de dou-
trina de LEGE LATA e doutrina de LEGE FERENDA. A primeira é a doutrina sobre o Di-
reito posto, vigente, que existe. A segunda é a doutrina sobre o Direito que será feito,
aprovado, referendado. Portanto, a doutrina pode ser sobre o Direito que já está posto,
que já existe, ou pode ser uma doutrina que pregue a adoção de certas medidas legisla-
tivas.
186 Os COSTUMES nada mais são do que certas práticas reiteradas da comunidade. De tal
modo reiteradas, repetidas, duradouras que a própria comunidade reconhece e acredita
na sua obrigatoriedade.
187 Existem alguns elementos caracterizadores do que seria o Direito consuetudinário. Um
deles é a sua EXTERIORIDADE, ou seja, para que uma determinada regra de conduta
seja vista como costume é preciso que ela se manifeste exteriormente. Não são apenas
aquelas regras e costumes que servem para a nossa conduta individual como forma de
consciência, mas também deve ser uma prática compartilhada por membros de uma
sociedade.
188 Além de exterioridade, é preciso que os costumes tenham DURABILIDADE, ou seja, não
é coisa de momento ou coisa passageira.
189 Os costumes precisam ser acreditados como obrigatórios. Para isso, é preciso que as
pessoas acreditem que se não cumprirem aquelas regras serão, de alguma forma, pena-
lizadas. Por isso, também, é preciso que os costumes sejam dotados de uma certa CO-
ERCITIVIDADE.
190 E uma certa CONSTÂNCIA, ou seja, é preciso que a comunidade pratique aquele cos-
tume da mesma maneira durante um bom período para que isso seja tido realmente
como um costume jurídico.
191 Além dessas características citadas, podemos citar outras, como a GENERALIDADE, por-
que todo mundo de determinada comunidade compartilha desse costume. Os costumes
têm essa característica.
192 Para que os costumes que tenham essas características sejam reconhecidos formal-
mente, basta que, por exemplo, alguém do legislativo transforme o costume em uma
lei. A partir disso, ele não é mais costume, agora já é lei. Mas pode ser também que os
juízes e tribunais reconheçam e apliquem o costume como critérios para resolver con-
flitos de interesses submetidos a seu julgamento. Quando? Quando não houver lei sobre
a matéria.
193 As normas consuetudinárias podem ser classificadas em costumes SECUNDUM LEGEM
(segundo a lei, de acordo com a lei), PRAETER LEGEM (para além da lei. Aquelas regras
e costumes que alcançam fatos que não são regulamentados em lei), e, por último, os
CONTRA LEGEM (ou seja, regras de caráter consuetudinário que são contrárias à lei).
Exemplo destas últimas: a vaquejada (o Supremo declarou a vaquejada inconstitucional,
porém ela continua ocorrendo no Brasil).
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194 Para que a gente possa reconhecer o costume como fonte do Direito, a gente precisa
primeiro verificar se ele tem aqueles requisitos de durabilidade, constância, exteriori-
dade, generalidade, etc. Em seguida, a gente precisa verificar se ele está de acordo ou
contra a lei. Admite-se a validade dos costumes segundo a lei e para além da lei. Não se
admite, teoricamente, a validade dos costumes contra a lei. Por que eu digo teorica-
mente? Para explicar isso, eu sempre cito dois exemplos de costumes contrários à lei,
mas que, apesar disso, são largamente praticados e reconhecidos no judiciário:
a) CHEQUE PRÉ-DATADO: muitos comerciantes aceitam pagamento por meio de
cheque para 30 dias, por exemplo. Mas isto é ilegal. Por quê? Porque a lei do
cheque define o cheque como uma ordem de pagamento à vista. Contudo, os
tribunais, por exemplo, dizem que se o fornecedor anunciou que aceitaria ven-
der o seu produto ou serviço mediante pagamento com cheque pré-datado,
as condições da oferta vinculam o fornecedor. Ou seja, o judiciário tem reco-
nhecido a validade desse tipo de pagamento, não obstante a lei do cheque não
tenha mudado nada acerca disso.
b) O chamado CONTRATO DE GAVETA: por exemplo, contratos de “passa-se a
chave do apartamento”. O financiamento é passado também, sem que o banco
tenha participado do negócio jurídico entre as partes. São contratos ilegais. A
prática é absolutamente disseminada na sociedade brasileira, ao ponto de, por
duas vezes – pelo que me lembro –, por meio de medidas provisórias, o go-
verno federal abrir uma janela (um prazo) para que quem tivesse um contrato
de gaveta fosse à Caixa Econômica para regularizar os seus contratos nas mes-
mas condições do financiamento original. Ou seja, foi um caso de uma prática
claramente ilegal que foi, inclusive, reconhecida pelo próprio governo.
195 Quando a gente falou sobre a teoria das fontes do Direito, fiz questão de mencionar
para vocês que todo ORDENAMENTO JURÍDICO tem que ter o seu próprio sistema de
fontes. Falei do conceito de fontes do Direito, de algumas classificações das fontes. Fiz
questão de mencionar que toda fonte do Direito precisa ser produto de uma decisão,
ter caráter vinculante e ter consistência com as demais fontes do ordenamento jurídico.
196 Em seguida, falamos das FONTES LEGAIS, das fontes do Direito formalmente estabele-
cidas como leis, que são produto de uma decisão legislativa, que tem caráter vinculante
e eficácia erga omnes. Além disso, não pode haver contradições entre as leis de um
mesmo ordenamento jurídico.
197 Falei das FONTES NEGOCIAIS, de um negócio jurídico, produto de uma decisão tomada
pelas partes, que vincula essas partes, obriga essas partes. Falei das FONTES REGULA-
MENTARES, que são os atos normativos que estão abaixo das leis, emitidos, expedidos
pela administração pública para regulamentar a aplicação das leis.
198 Falamos da DOUTRINA. Eu até disse que MIGUEL REALE não a reconhece como fonte do
Direito, visto que a doutrina não tem eficácia vinculante, não é produto de uma decisão,
e é permitido se fazer doutrina contra a lei. Falamos da doutrina de LEGE LATA, que é
aquela que se faz sobre o Direito que já existe, e a doutrina de LEGE FERENDA, aquela
doutrina que se faz sobre o Direito que ainda vai ser criado.
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199 Falamos dos COSTUMES como fontes do Direito. Falamos de algumas de suas caracte-
rísticas típicas que os tornam fonte do Direito, como a exterioridade, a constância, a
durabilidade, etc. Falamos dos costumes SECUNDUM LEGEM, PRAETER LEGEM e CON-
TRA LEGEM, destacando o fato de que somente os costumes que estão de acordo com
a lei ou que forem além do que a lei dispõe podem ser reconhecidos como fonte do
Direito. Aqueles que contrariam a lei, em princípio, não podem ser reconhecidos como
fontes do Direito, embora eu tenha mostrado a vocês que já houve situações excepcio-
nais em que costumes contra a lei (contrato de gaveta e cheques pré-datados) foram
reconhecidos.
200 Hoje reservaremos um tempo para falar sobre a JURISPRUDÊNCIA.
201 No nosso sistema jurídico, as fontes mais importantes são as LEIS. Isso decorre do pro-
cesso histórico de formação do nosso Direito, que provém da colonização portuguesa.
Aliás, quase todos os sistemas jurídicos da Europa Continental têm um sistema de Di-
reito que é baseado em leis, que têm as leis como principal fonte do Direito.
202 Há um francês chamado RENÉ DAVID, que tem uma obra muito interessante chamada
“Os grandes sistemas do Direito contemporâneo”, na qual ele mostra as diferenças entre
o Direito continental europeu, baseado na lei, com o protagonismo do legislativo na
produção do Direito, e o sistema de Direito decorrente das tradições anglo-saxônicas,
que é baseado nos costumes e se transformam em leis por conta dos precedentes juris-
prudenciais. Neste último, o protagonismo é dos juízes e dos tribunais na produção, na
elaboração do Direito. Por isso que quando vocês veem filmes americanos de tribunais,
é muito comum que os advogados argumentem com base em casos anteriores. Isto por-
que a principal, talvez, marca de distinção entre os sistemas que decorrem da tradição
anglo-saxônica e os que decorrem da tradição romano-germânica é que nesta a lei é
feita pelo legislativo e o juiz está submetido à aplicação da lei. No outro caso, os juízes
criam os seus precedentes, as soluções que vão se tornar paradigmáticas para a resolu-
ção de outros casos semelhantes.
203 Então, no Brasil, bem como na maior parte dos países que vêm dessa tradição romano-
germânica, as jurisprudências, ou seja, o conjunto de precedentes dos tribunais, de ca-
sos já julgados, essas decisões do Poder Judiciário, em regra, tem eficácia apenas para
as partes do processo. Elas NÃO VINCULAM ninguém além das partes do processo. Nem
os próprios juízes que vão julgar outros casos semelhantes. De uma maneira geral, essas
decisões não têm eficácia para fora do processo.
204 Ah, professor, mas já tem jurisprudência no caso assim, assim, assado. Qual o efeito
disso no Direito brasileiro? Em princípio, o efeito disso, a eficácia disso é exclusivamente
PERSUASIVA. Ou seja, é mais um elemento para convencer alguém de que, por exemplo,
o seu cliente está certo. Eu vou apresentar um conjunto de postulações, de pedidos ao
juiz e eu vou fundamentar esse conjunto de pedidos na Constituição, nas leis que regem
aquela matéria. Mas eu também tenho a possibilidade de utilizar decisões anteriores,
precedentes jurisprudenciais para tentar convencer o juiz, o tribunal, e até mesmo a
outra parte, que nós estamos certos. Portanto, em princípio, a eficácia da jurisprudência
é tão somente persuasória. Eu quero convencer alguém de que eu estou certo, então eu
utilizo o precedente.
205 O que começou a aparecer no Brasil a partir da Emenda Constitucional nº 45, de 2004?
Ela tratou da REFORMA DO PODER JUDICIÁRIO. E a partir daquele marco temporário,
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começaram a surgir, no Direito brasileiro, alguns tipos (não são todos) de decisões judi-
ciais que passaram a ter eficácia vinculante, que não se restringem àqueles casos con-
cretos, mas que passarão, a partir daquele momento que a decisão é formada, a ser
aplicados a quaisquer casos concretos.
206 Em regra, no sistema brasileiro, juízes, advogados, administradores públicos, represen-
tantes do Ministério Público, todos estão vinculados à lei. O elemento central do sistema
jurídico é a legislação. São as fontes leges latas. Esse é o centro. Excepcionalmente, o
próprio legislador resolveu estabelecer, para algumas decisões, esse CARÁTER VINCU-
LANTE. Quais são, no Direito brasileiro, as decisões com caráter vinculante? A Constitui-
ção estabelece que as decisões do STF, no julgamento de Ações Diretas de Inconstitu-
cionalidade (ADI), no julgamento de Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC)
e no julgamento das Ações (Arguição) de Descumprimento de Preceito Fundamental
(ADPF).
207 A Constituição determina que quando o Supremo decide essas ações, a decisão tomada
pelo STF tem EFICÁCIA VINCULANTE, erga omnes e caráter vinculante. Quer dizer, todos
os demais órgãos do Poder Judiciário e da administração pública têm que seguir, obri-
gatoriamente, aquelas decisões. E se não seguirem? Haverá possibilidade de reclama-
ções diretamente ao Supremo contra as autoridades que descumprirem aquelas deci-
sões.
208 Aqui cabe uma pequena e rápida explicação, a qual vocês terão que estudar mais pro-
fundamente quando forem estudar Direito Constitucional. Os sistemas jurídicos da con-
temporaneidade não só criaram as Constituições como normas superiores a todas as
normas do ordenamento jurídico, como também criaram vários mecanismos de defesa
da Constituição. Uma Constituição, como qualquer outra norma, pode ser violada.
Quando você viola a Constituição, você comete uma inconstitucionalidade. A violação
da Constituição pode ser FORMAL, quando procedimentos previstos na Constituição
para cotação de certos textos legais são violados, ou pode ser MATERIAL, quando o con-
teúdo dos textos legais se choca, viola as normas e os princípios da Constituição.
209 A violação da Constituição pode ser POR AÇÃO, isto é, o Poder Legislativo faz uma lei
que viola a Constituição. Ele agiu, e ao agir, fazer a lei, violou a Constituição. Ou pode
haver inconstitucionalidade POR OMISSÃO, quando por exemplo uma norma constitu-
cional fica sem aplicabilidade porque o legislador não fez a lei que dará aplicabilidade à
norma constitucional.
210 Quando se viola a Constituição, ela própria cria mecanismos para que as normas nela
contida sejam respeitadas. Esses mecanismos são os mecanismos de CONTROLE DE
CONSTITUCIONALIDADE. Ou seja, é possível que as violações da Constituição sejam
apontadas diante de um órgão ou tribunal encarregado de afastar do mundo do Direito
normas inconstitucionais.
211 No Brasil, nós temos um sistema que mistura o modelo americano de CONTROLE DI-
FUSO DE CONSTITUCIONALIDADE com o modelo europeu. Nos EUA todos os juízes po-
dem declarar invalido um texto de lei que viola a Constituição. No Brasil, essa também
é uma possibilidade. Todos os juízes no Brasil podem, diante de um caso concreto e
para aquele caso concreto, declarar a invalidade de uma lei que viola a Constituição.
212 Como foi dito, o Brasil mistura o modelo norte americano com o modelo austríaco, o
modelo europeu, no qual existe um único tribunal, normalmente chamado de TRIBU-
NAL CONSTITUCIONAL, encarregado de concentrar só para ele o chamado controle de
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constitucionalidade. No Brasil, a gente tem o MODELO MISTO. A gente tem tanto a pos-
sibilidade do que a gente chama de controle difuso, feito por todos os juízes e tribunais,
como a possibilidade de controle concentrado, que é feito pelo STF exclusivamente. O
controle concentrado de constitucionalidade, no nosso país, se dá por meio dessas três
Ações: ADI, ADC e ADPF.
213 No julgamento dessas Ações, o Supremo atua como CORTE CONSTITUCIONAL, e a sua
decisão serve para declarar que uma determinada lei é válida, porque não colide com a
Constituição, ou inválida, porque viola a Constituição.
214 Por que essas decisões do Supremo têm eficácia erga omnes e efeito vinculante? Ora, se
eu digo que uma lei é válida e que ela não viola a Constituição, o que é que todo mundo
tem que fazer? Aplicar a lei, seguir a lei, obedecer a lei. Se, por outro lado, eu digo, que
determinada lei é inconstitucional, estou dizendo que essa lei é invalida. Por ser inválida,
não tem eficácia. Se não tem eficácia, não pode ser obedecida, aplicada. Então, se o
Supremo, no exercício da jurisdição constitucional, diz que uma determinada lei é in-
constitucional, por óbvio, ninguém pode aplicar essa lei.
215 Como foi dito anteriormente, a reforma do poder judiciário introduziu no Brasil, além
dessas três decisões do Supremo que já existiam, outros modelos de decisões vinculan-
tes. Uma delas é a SUMULA VINCULANTE. Salvo engano, a sumula vinculante está no
artigo 103, a, da Constituição. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por pro-
vocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões
sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na im-
prensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário
e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal,
bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. Ou
seja, súmulas de efeitos vinculantes.
216 O que são súmulas? SÚMULAS são enunciados que sintetizam o entendimento reite-
rado, repetido, pacificado, consolidado de um tribunal sobre uma determinada maté-
ria. A jurisprudência do Supremo, como a jurisprudência de todos os tribunais, deve ser
previsível, estável. A jurisprudência, em princípio, não tem efeito vinculante. É só um
argumento a mais. Quando eu digo isso, eu digo que, em tese, duas situações ou duas
pessoas iguais podem sofrer tratamentos jurídicos diferentes. Ou seja, casos idênticos
podem receber soluções diferentes. Isso é muito ruim para o sistema jurídico, pois afeta
os princípios da segurança e da isonomia. Por quê? Porque a ideia básica de você ter um
Direito legislado, escrito, é que sejam PREVISÍVEIS as decisões dos tribunais acerca da
aplicação desse Direito. Ora, mas a experiência mostra para nós que diante de um
mesmo texto legal, haverá muitas interpretações diferentes. Diante de um mesmo pro-
blema jurídico, haverá várias possíveis soluções. Umas melhores, outras piores. Umas
corretas, outras erradas. Há possibilidade de situações idênticas serem resolvidas de
formas diferentes, às vezes até opostas. Isso gera insegurança. O Direito fica, meio as-
sim, lotérico. Dependendo de quem vai ser o juiz que decidirá a matéria, a gente vai ter
uma decisão diferente. E vários fatores influenciam na interpretação das leis. O fato de
o juiz ser ou não religioso. Se for religioso, qual a religião dele. O fato de ele ser liberal,
conservador ou de esquerda. O fato de ele ter personalidade, comportamento mais
firme, duro, rígido, versus o fato de a pessoa ser mais flexível na sua conduta individual
e na sua relação com outros seres humanos. Tudo isso influencia no processo de inter-
pretação e aplicação do Direito. E isso pode produzir resultados imprevisíveis na inter-
pretação da lei.
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217 Por isso que a teoria do Direito tenta nos fornecer CRITÉRIOS mais objetivos possíveis
para que a decisão jurídica não seja uma questão arbitrária, um posicionamento do tipo
“eu posso, eu acho que é assim”. As disparidades da jurisprudência geram uma insegu-
rança jurídica e um problema de isonomia, pois como é que as pessoas que estão em
situação equivalente vão receber tratamentos jurídicos distintos? Em tese, para casos
iguais, regras iguais. A regra tem q ser uniforme. Por isso é que foram introduzidas essas
formulas de uniformização da jurisprudência. As súmulas vinculantes são uma dessas
formulas.
218 Ao lado da súmula vinculante, a reforma do judiciário também criou um negócio cha-
mado REPERCUSSÃO GERAL. O que é isso? O STF funciona como Corte Constitucional
quando julga ADI, ADC e ADPF. Mas o Supremo também funciona como um TRIBUNAL
RECURSAL. Quando decisões dos tribunais estaduais, regionais ou mesmo de outros tri-
bunais superiores, como o STJ, TST, TSE, violarem a Constituição ou derem à Constitui-
ção interpretação divergente, é possível discutir a questão, rever a questão, através de
um recurso extraordinário. Contudo, com a Emenda nº 45, além de haver uma matéria
constitucional debatida na causa, é preciso que essa questão constitucional tenha re-
percussão geral. Ou seja, é preciso que a decisão sobre essa matéria constitucional
transcenda os interesses subjetivos das partes. É preciso que ela envolva uma questão
de grande relevância econômica, política, social, cultural ou jurídica para que se justi-
fique um pronunciamento do STF. As decisões do STF, em recursos extraordinários com
repercussão geral, têm eficácia vinculante para todos os demais órgãos do Poder Judici-
ário.
219 Assim, são tipos de precedentes jurisprudenciais com efeito vinculantes:
a) as decisões do Supremo em ADI, ADC e ADPF;
b) as súmulas vinculantes; e
c) as decisões do Supremo em recurso extraordinário com repercussão geral.
220 O novo Código de Processo Civil, estabeleceu no art. 926 um negócio interessante. Ele
disse que os tribunais vão manter a sua JURISPRUDÊNCIA INTEGRA, COERENTE E ESTÁ-
VEL. Estabeleceu que todos os tribunais do País devem fazer súmulas de suas jurispru-
dências. Estabeleceu que as decisões dos órgãos superiores do Poder Judiciário devem
ser observadas pelos órgãos inferiores. Assim, as decisões do STF devem ser obedecidas
por todos os juízes e órgãos do Poder Judiciário. As decisões do STJ, por todos os tribu-
nais regionais e estaduais e juízes. As decisões do TST por todas as cortes trabalhistas.
As do TSE por toda a justiça eleitoral.
221 O CPC criou, ainda, três outras hipóteses de decisões com caráter vinculante. Uma delas
são as decisões do STJ nos recursos especiais com efeitos repetitivos. É muito comum
haver várias causas, milhares de processos sobre o mesmo tema jurídico. O STJ pode
pegar um caso representativo da controvérsia. Quando ele seleciona esse caso, manda
paralisar todas as decisões sobre essa matéria em todos os tribunais do País. E aí ele vai
decidir aquele caso e aquela decisão daquele caso será obrigatoriamente aplicada a to-
dos os outros casos.
222 A mesma coisa se pode fazer com o chamado incidente de resolução de demandas re-
petitivas. Aqui mesmo no TJ-MA eu participei do julgamento sobre o caso dos 21,7%
(demanda salarial de servidores estaduais). Havia decisões de uma das Câmaras do tri-
bunal que negavam esse reajuste. E havia várias outras decisões da Segunda Câmara
que concediam o reajuste. Portanto, havia uma divergência jurisprudencial dentro do
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próprio TJ-MA. Um caso foi selecionado e foi suscitado, nesse caso, o IRDR, que foi de-
cidido pelo tribunal na sua composição plenária. Decidiu, assim, que os servidores pú-
blicos estaduais não têm direito. Ressalta-se que quem ganhou, ganhou, por causa da
chamada coisa julgada. Mas quem ainda não teve sua decisão transitada em julgada não
vai mais ter esse direito reconhecido, visto que a decisão do TJ-MA no julgamento desse
IRDR (ou no julgamento da assunção de competência) vai ter efeito vinculante para to-
dos os juízes vinculados a esse caso no Maranhão.
223 Foram, assim, criadas, no Brasil, espécies de PRECEDENTES: súmula vinculante, decisão
de controle concentrado de constitucionalidade (ADI, ADC, ADPF), recurso extraordiná-
rio com repercussão geral, recurso especial perante o STJ de caráter repetitivo, incidente
de resolução de demandas repetitivas e assunção de competência. Junto com esses pre-
cedentes jurisprudenciais de caráter vinculantes, o próprio CPC introduziu no Brasil ele-
mentos muito típicos do Direito inglês. Por exemplo, foi colocado no Direito brasileiro a
exigência de que o juiz, ao aplicar o precedente, uma súmula ou uma decisão de outra
Corte, demonstre de que forma aquele precedente também se aplica àquele caso. O
juiz pode não aplicar sumula vinculante, por exemplo? Pode, desde que ele faça a distin-
ção entre os casos. Ele deve mostrar que tal caso é diferente por tais motivos.
224 Do mesmo modo que as mudanças na lei só têm efeitos para o futuro (não retroage), a
mudança da jurisprudência só vai passar a ter efeito para o futuro. Então, a jurisprudên-
cia, a partir dessas mudanças no Direito brasileiro, assumiu um caráter de FONTE quase
do mesmo peso e da mesma importância da própria lei. De uma tal maneira que hoje
somos forçados a interpretar o Direito não apenas com base no que está estabelecido
em lei, mas também com base naquilo que vem sendo decidido pelos tribunais.
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