O Ruido Dos Trios Eletricos

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 19

O ruído dos trios elétricos

no Carnaval da Bahia

Camila Lessa de Almeida


Analista MPU – Perícia – Engenharia de Segurança do
Trabalho. Arquiteta. Mestre em Saúde, Ambiente e Trabalho
pela Universidade Federal da Bahia. Especialista em
Engenharia de Segurança do Trabalho.

Fernando Martins Carvalho


Médico. Professor titular do Departamento de Medicina
Preventiva e Social da Universidade Federal da Bahia (apo-
sentado). Mestre em Saúde Comunitária pela Universidade
Federal da Bahia. Doutor em Occupational Health na
University of London. Pós-doutor pela Universidade de
Massachusetts em Lowell.

Resumo: O Carnaval da cidade de Salvador, na Bahia, mobiliza


mais de dois milhões de foliões baianos e turistas durante os seis
dias de festa, em aproximadamente 25 quilômetros de avenidas,
ruas e praças do circuito carnavalesco. O trio elétrico, principal
palco musical do Carnaval, é um sofisticado caminhão com potên-
cia sonora entre 100.000 e 500.000 watts. Este artigo aborda o
ruído produzido por trios elétricos durante o Carnaval na cidade de
Salvador, considerando os possíveis impactos na saúde dos músicos
e dos moradores nos circuitos carnavalescos. A legislação brasileira
regulamenta a exposição ocupacional e de comunidades ao ruído.
Os valores máximos estabelecidos pelo decreto municipal são mais
permissivos que os da norma federal. Um decreto da Prefeitura
Municipal de Salvador estabelece níveis máximos de emissão
sonora admitidos no percurso e nos locais dos festejos de Carnaval,
para trios elétricos. No Carnaval de 2011, o órgão fiscalizador do
município de Salvador avaliou o ruído produzido por 86 trios elé-
tricos (dois de blocos infantis). Todos os 86 trios elétricos supera-
ram o limite máximo de 100 decibéis de pressão sonora, sendo que

Boletim Científico ESMPU, Brasília, a. 16 – n. 50, p. 147-165 – jul./dez. 2017 147


dois ultrapassaram o limite máximo de 110dB(A), estabelecido pelo
decreto municipal. O ruído produzido por cada um dos 86 trios
elétricos excede amplamente os limites estabelecidos pela Norma
Regulamentadora n. 15 do Ministério do Trabalho e Emprego.
Esse ruído dos trios elétricos no Carnaval de Salvador pode afetar
a saúde e a qualidade de vida dos espectadores, dos moradores do
circuito e dos trabalhadores da festa, sobretudo dos músicos.

Palavras-chave: Ruído. Medição de ruído. Controle de ruídos.


Aglomeração. Carnaval.

Abstract: Carnival in Salvador City, State of Bahia, Brazil mobi-


ziles more than two million people, natives and tourists, for six
days, along 25km of streets, avenues and places that comprise the
event circuits. A peculiar kind of bandwagon, called trio elétrico, is
a sophisticated truck, sound power of 100,000 to 500,000 watts.
This article focuses on the noise produced by trios elétricos during
the Carnival in Salvador City, considering its possible impacts
on the health of musicians and dwellers exposed in the feast cir-
cuits. Brazilian legislation regulates occupational and community
exposure to the noise. Maximum threshold limits established by
the municipal decree are more permissible than the federal ones.
A Salvador Prefecture decree has set maximum levels for noise
produced by trios elétricos during the Carnival. During the 2011
Carnival, the municipality regulatory organ has measured the
noise produced by 86 trios elétricos, two of these for children carni-
val groups. Two of the 86 have surpassed the maximum limit of 110
dB(A) (decibels), established in the municipality decree. However,
all of them have surpassed the value of 100 dB(A). The noise pro-
duced by each one of the 86 trios elétricos easily exceeded the limits
established by the federal regulation (Norma Regulamentadora nº15
do Ministério do Trabalho e Emprego) for noise in the workplace. The
noise produced by trios elétricos during the Salvador Carnival can
be hazardous to the health and quality of life of the merrymakers,
dwellers in the carnival circuits and those who work during the
feast, particularly the musicians.

Keywords: Noise. Noise Monitoring. Noise Control. Crowding.


Carnival.

Sumário: 1 Introdução. 2 O ruído ocupacional no Carnaval. 3 O


ruído ambiental no Carnaval. 4 Conclusões.

148 Boletim Científico ESMPU, Brasília, a. 16 – n. 50, p. 147-165 – jul./dez. 2017


1 Introdução
O crescimento e a evolução das cidades trouxeram consigo uma
série de modificações na estrutura urbana, no estilo e na qualidade de
vida das pessoas, o que, consequentemente, acarretou o surgimento
de diversos problemas conhecidos no mundo moderno. A poluição
sonora tem sido um problema enfrentado pela população mundial e
vem sendo amplamente discutida pela sociedade e pela comunidade
científica. Os grandes centros urbanos tornaram-se fontes geradoras
de ruído, afetando diretamente a saúde de seus moradores.
A população brasileira está sujeita à poluição sonora no
ambiente das grandes cidades, assim como a população de qual-
quer cidade grande no mundo. Porém, no Brasil, as múltiplas festas
populares têm contribuído consideravelmente para o aumento do
ruído urbano. O Carnaval é a maior festa popular do Brasil, mobi-
lizando milhares de pessoas do próprio País e do mundo inteiro, e
vem sendo amplamente estudado sob o ponto de vista socioantro-
pológico, mas é muito pouco considerado quanto aos aspectos de
saúde e meio ambiente.
O capítulo seguinte aborda a questão do ruído no Carnaval na
cidade de Salvador, considerando os impactos na saúde dos músi-
cos, os impactos ambientais nos circuitos da festa e as possíveis
implicações na saúde dos moradores desses circuitos.

2 O ruído ocupacional no Carnaval


O Carnaval baiano sofreu inúmeras mudanças ao longo dos
anos. No início do século XX, essa festa na Bahia ainda guardava
características semelhantes às das primeiras manifestações carnava-
lescas no Brasil, momento em que as brincadeiras eram similares ao
antigo entrudo e disseminavam-se os blocos, os cordões, as socie-
dades e os corsos (Diniz, 2008, p. 17-24). O entrudo, que desde o
século XVII era característico dos países da Península Ibérica, con-
sistia em uma espécie de brincadeira bastante desordenada, muitas
vezes de gosto duvidoso, de atirar ovos crus, pós de todos os tipos,

Boletim Científico ESMPU, Brasília, a. 16 – n. 50, p. 147-165 – jul./dez. 2017 149


cinzas, farinha, polvilho e limões de cheiro (que eram limões reche-
ados com água, urina e líquidos diversos) nos transeuntes, o que se
assemelha muito às espingardas de água e sprays de espuma da atua-
lidade (Valença, 1996, p. 13). Por sua vez, os cordões, as sociedades
e os corsos tratavam-se de manifestações mais organizadas, represen-
tando uma alternativa de festejo mais “civilizada” em relação à bal-
búrdia do entrudo, nos quais os foliões desfilavam seu luxo e beleza
(Diniz, 2008, p. 21-22; Ferreira, 2004, p. 67-69). Os cordões eram
manifestações do “povão” e as sociedades e os corsos representavam
a elite branca, porém ambos possuíam algo em comum: a música.
A trilha sonora no período inicial do século XX eram as cantigas
de cordões e ranchos e, nos bailes, chorinhos lentos, polcas-chulas,
marchas, fados, polcas-tangos, toadas e canções. Atualmente, a música
escutada durante o Carnaval é bastante distinta daquelas do século
passado, merecendo destaque o surgimento da denominada Axé
Music, um misto de diversos ritmos musicais: frevo, samba-reggae,
fricote, galope, merengue e salsa. O termo Axé provém do Ioruba,
linguagem utilizada no Candomblé, e quer dizer “espaço sagrado de
tambores e ritmos”, significando a presença marcante da musicalidade
negra percussiva na música baiana (Guerreiro, 2000, p.16).
Aliado ao sucesso da nova musicalidade da Axé Music, a tec-
nologia de som avançou bastante desde a invenção do trio elétrico
por Dodô e Osmar, em 1950, a qual revolucionou e mudou defini-
tivamente as características do festejo baiano (Góes, 2000, p.12). A
potencialização do som, que proporcionou o aumento do volume
em muitos decibéis, tem levado os músicos à exposição excessiva a
níveis de pressão sonora elevados. A evolução da cultura sonora dos
trios elétricos, hoje dotados de modernas caixas de som e poder de
autonomia elétrica, tem contribuído definitivamente para a ampli-
ficação sonora e para o surgimento de agravos à saúde na atividade
profissional dos músicos do Carnaval da Bahia.
Essa constatação, em alguma medida, tem preocupado às auto-
ridades competentes, bem como especialistas das áreas da otorrino-
laringologia e da segurança e medicina do trabalho. Ficam muito
evidentes os potenciais efeitos nocivos à audição e à qualidade de

150 Boletim Científico ESMPU, Brasília, a. 16 – n. 50, p. 147-165 – jul./dez. 2017


vida, tanto dos que executam como daqueles que apreciam a música
eletronicamente amplificada. Diversos autores (Maia; Russo, 2008,
p. 50; Mendes; Morata, 2007, p. 63) referem que a exposição à
música eletronicamente amplificada é um problema de saúde pública.
Miranda e Dias (1998, p. 495) realizaram estudo de prevalên-
cia com dados audiométricos de 187 trabalhadores em 18 bandas e
trios elétricos de Salvador, Bahia. Constataram que 40,6% dos tra-
balhadores apresentavam perda auditiva induzida pelo ruído (Pair).
Os autores destacam a importância da implantação dos Programas
de Conservação Auditiva, a fim de prevenir a instalação ou evolu-
ção de perdas auditivas em trabalhadores das bandas e trios elétricos.
Andrade e colaboradores (2002, p. 718) relataram que músicos de
frevo e maracatu de Pernambuco estavam expostos a níveis de pressão
sonora elevados, de 107 a 117 dB(A) e 107 a 119 dB(A), respectiva-
mente, o que comprova a necessidade de adoção de medidas preven-
tivas que reduzam a exposição ao risco ambiental, visando prevenir a
ocorrência de perda auditiva induzida por ruído ocupacional (Pairo).
Monteiro e Samelli (2010, p.16) identificaram perda auditiva
neurossensorial em 40% dos ritmistas de escola de samba de São
Paulo, com características sugestivas de perda auditiva induzida por
ruído. Acrescentam que esse fato evidencia a necessidade de cria-
ção de programas de conservação auditiva para músicos e de uma
legislação específica que regulamente programas de saúde ocupa-
cional direcionada para essa categoria profissional.
Os estudos científicos realizados com músicos do Carnaval
versam, em sua maioria, sobre os impactos auditivos devido à expo-
sição a elevados níveis de pressão sonora, partindo do pressuposto
de que este seria o efeito mais esperado. Entretanto, os efeitos do
ruído à saúde humana são diversos, podendo ser auditivos ou extra-
-auditivos. A perda auditiva induzida por ruído (Pair), a alteração
temporária de limiares auditivos, o trauma acústico e o zumbido são
alguns efeitos auditivos em consequência da exposição a elevados
níveis de pressão sonora. Os efeitos extra-auditivos classificam-se
em fisiológicos e de desempenho; os primeiros incluem alterações
no padrão dos batimentos cardíacos, alterações no diâmetro dos

Boletim Científico ESMPU, Brasília, a. 16 – n. 50, p. 147-165 – jul./dez. 2017 151


vasos sanguíneos, modificações do ritmo respiratório, tensão mus-
cular como forma de proteção, alterações endócrinas, entre outros;
os segundos incluem alterações no sono, incômodo, fadiga, irri-
tabilidade, estresse, interferências na concentração, na conversação
e no relaxamento do indivíduo, modificando o estado de alerta e
vigilância (Bistafa, 2006, p. 15; Santos, 2004, p. 24).
A legislação brasileira regulamenta aspectos da exposição
ocupacional ao ruído. O Anexo n. 1 da Norma Regulamentadora
n. 15 – Atividades e Operações Insalubres –, aprovada pela Portaria
n. 3.214, de 8 de junho de 1978, do Ministério do Trabalho e
Emprego (Brasil, 1978a), apresenta uma tabela com Limites de
Tolerância (LT) para exposição ao ruído contínuo ou intermitente,
que associa os níveis de pressão sonora em dB(A) ao tempo de
exposição máximo diário permissível. Na NR-07 – Programa de
Controle Médico de Saúde Ocupacional –, Anexo I do Quadro II
(Brasil, 1978), estão estabelecidos diretrizes e parâmetros míni-
mos para a avaliação e o acompanhamento da audição do traba-
lhador mediante a realização de exames audiológicos de referência
e sequenciais. Essa norma versa sobre aspectos da perda auditiva
induzida por ruído ocupacional (Pairo). Na Pairo há alterações
dos limiares auditivos, do tipo neurossensorial, as quais são irrever-
síveis e ocorrem gradualmente, em caso de exposição continuada,
e acometem inicialmente os limiares auditivos em uma ou mais
frequências da faixa de 3.000 a 6.000 Hz.

Tabela 1 – Limites de tolerância para ruído contínuo ou


intermitente segundo a legislação brasileira

Máxima exposição diária


Nível de ruído dB (A)
permissível
85 8 horas
86 7 horas
87 6 horas
88 5 horas

152 Boletim Científico ESMPU, Brasília, a. 16 – n. 50, p. 147-165 – jul./dez. 2017


Máxima exposição diária
Nível de ruído dB (A)
permissível
89 4 horas e 30 minutos
90 4 horas
91 3 horas e trinta minutos
92 3 horas
93 2 horas e 40 minutos
94 2 horas e 15 minutos
95 2 horas
96 1 hora e 45 minutos
98 1 hora e 15 minutos
100 1 hora
102 45 minutos
104 35 minutos
105 30 minutos
106 25 minutos
108 20 minutos
110 15 minutos
112 10 minutos
114 8 minutos
115 7 minutos

Fonte: Brasil, MTE, 1978b

O Decreto n. 20.505, de 28 de dezembro de 2009, da Prefeitura


Municipal de Salvador (Salvador, 2009) estabelece níveis máxi-
mos de emissão sonora admitidos no percurso e nos locais dos fes-
tejos de Carnaval, no período compreendido entre as 18 horas da
quinta-feira, data oficial da abertura, e 8 horas da Quarta-Feira de
Cinzas, data oficial de encerramento, a saber: 80 dB(A) (oitenta
decibéis) para trio elétrico e carro de som de bloco infantil, medi-

Boletim Científico ESMPU, Brasília, a. 16 – n. 50, p. 147-165 – jul./dez. 2017 153


dos à distância de 5 m (cinco metros) e à altura de 1,5 m do solo
da fonte emissora; 85 dB(A) (oitenta e cinco decibéis) para clube,
medidos à distância de 5 m do imóvel onde se encontra a fonte
emissora; 85 dB(A) (oitenta e cinco decibéis) para barraca e balcão,
medidos no limite do equipamento; 100 dB(A) (cem decibéis) para
palco, medidos na casa de som (house mix); 110 dB(A) (cento e dez
decibéis) para trio elétrico e carro de som, medidos nas laterais a 5
m de distância e à altura de 1,5 m do solo.
A Lei n. 8.675, de 6 de outubro de 2014, da Prefeitura
Municipal de Salvador (Salvador, 2014) criou zonas específicas
na cidade e enumerou eventos, entre os quais o Carnaval, em que
os níveis máximos de emissão sonora podem ser de 85 dB(A) a 110
dB(A), excluindo a obrigatoriedade do cumprimento da “lei do
silêncio” do município de Salvador, Lei n. 5.354, de 28 de janeiro
de 1998. No caso específico do Carnaval, essa lei ampliou o perí-
odo ruidoso, que começa 25 dias antes de seu início e se prorroga
10 dias após o seu encerramento.
Medidas de pressão sonora de 86 trios elétricos foram feitas pela
Superintendência de Controle e Ordenamento do Uso do Solo do
Município (Sucom), órgão fiscalizador do município de Salvador,
durante o Carnaval de 2011, de 3 a 8 de março de 2011. Usou-se um
medidor de nível de pressão sonora (“decibelímetro”) para realiza-
ção de medidas à frente, atrás e nas laterais dos trios, a uma distância
aproximada de 5 metros. A Tabela 2 apresenta os valores mínimo,
máximo e mediana das medições feitas, para cada trio elétrico.

Tabela 2 – Avaliação ambiental de ruído dos trios


elétricos no Carnaval de Salvador, 2011

Entidade Mínimo Mediana Máximo


Timbalada 106 107,5 115
Nana Banana 108 109,0 112
Alô Inter 100 109,0 110
Camaleão 109 109,0 110

154 Boletim Científico ESMPU, Brasília, a. 16 – n. 50, p. 147-165 – jul./dez. 2017


Entidade Mínimo Mediana Máximo
Pra Ficar 104 109,0 110
Balada 106 108,0 110
Traz a Massa/É Massa 105 107,5 110
Cocobambu 102 109,0 109
Me Ama 108 109,0 109
Nu Outro 105 109,0 109
Papa 108 109,0 109
Pinel 108 109,0 109
Q Felicidade 108 109,0 109
Yes Bahia Club 107 109,0 109
Abuse e Use 108 108,5 109
As Marisqueiras 108 108,5 109
Commanche do Pelô 103 108,5 109
Fecundança/Tô Bacana 107 108,5 109
Mania de Sambar/As Gostosas 108 108,5 109
Mel 107 108,5 109
Alvorada 106 108,0 109
As Kuviteiras 106 108,0 109
As Muquiranas 106 108,0 109
Aviões Elétrico 107 108,0 109
Beijo/Coco Pileque 103 108,0 109
Bloco Jaké 107 108,0 109
Cheiro de Amor 106 108,0 109
Coruja 103 108,0 109
Eu Vou 107 108,0 109
Gangazumba 107 108,0 109
Malê Debalê 101 108,0 109
Amigos do Cajá 106 107,5 109
Ara Ketu 106 107,5 109
Sertanejo 106 107,5 109
Água de Coco 105 107,0 109

Boletim Científico ESMPU, Brasília, a. 16 – n. 50, p. 147-165 – jul./dez. 2017 155


Entidade Mínimo Mediana Máximo
Apaches 105 107,0 109
Eva 105 107,0 109
Mutantes 104 107,0 109
Reggae - O Bloco 105 107,0 109
Bola Cheia 100 106,5 109
Filhos de Gandhy 104 106,0 109
Internacionais 104 106,0 109
Okámbí 102 106,0 109
Filhos do Congo 101 105,5 109
Muzenza 102 104,5 109
Filhos de Marujo 108 108,0 108
Me Abraça 106 108,0 108
Polimania 107 108,0 108
Reduto do Samba 107 108,0 108
Samba Popular 107 108,0 108
Voa Voa 106 108,0 108
Clube do Samba na Avenida 107 107,5 108
Meu e Seu 103 107,5 108
Soweto 106 107,5 108
Trimix Caldeirão/Exaltamaníacos 103 107,5 108
Boka Louka 105 107,0 108
Trio Armandinho, Dodo e Osmar 104 107,0 108
Amuleto 106 106,5 108
Bankoma 106 106,5 108
Olodum 103 106,5 108
Samba do P 105 106,0 108
100 Censura 103 105,5 108
Ilê Aiyê 100 105,5 108
Baby Léguas – Bloco Infantil 101 105,0 108
Cerveja & Cia 100 105,0 108
Camarote Andante 103 104,0 108

156 Boletim Científico ESMPU, Brasília, a. 16 – n. 50, p. 147-165 – jul./dez. 2017


Entidade Mínimo Mediana Máximo
É o Tchan/Bicho 103 107,0 107
Ijexá da Bahia 106 106,5 107
A Mulherada 103 106,0 107
Os Negões 105 106,0 107
Universitário 103 106,0 107
Filhas de Ghandhy 102 105,0 107
Filhos de Jhá 100 104,0 107
As Kengas 105 105,5 106
Os Mascarados 102 103,5 106
Gera Dois - O Bloco 104 104,5 105
Acar Afoxé 98 99,5 105
As Sapatonas 100 103,5 104
Samba & Folia 102 103,5 104
Tô Ligado 99 103,5 104
Vem Sambar 101 103,0 104
Filhas de Olorum 102 102,5 104
Ibéji – Bloco Infantil 102 102,5 104
Algodão Doce – Bloco Infantil 98 102,0 104
Cortejo Afro 101 102,0 103
Rathaplan – Bloco Infantil 100 101,5 102

Fonte: Sucom, Salvador, 2011

Os níveis de pressão sonora aferidos pela Sucom foram, em


grande maioria, acima de 100 dB(A), aos quais os músicos ficam
expostos de 4 a 6 horas por dia, que é o tempo aproximado dos des-
files, de acordo com o site oficial do Carnaval de Salvador. Não é
difícil ultrapassar os limites de tolerância estabelecidos pelo Anexo
n. 1 da Norma Regulamentadora n. 15, visto que para 100 dB(A)
o tempo máximo de exposição é de apenas 1 hora. Há de se obser-
var, ainda, que os valores máximos estabelecidos pela Prefeitura
Municipal de Salvador são mais permissivos em relação à referida
norma, o que proporciona, portanto, riscos à saúde dos músicos.
Boletim Científico ESMPU, Brasília, a. 16 – n. 50, p. 147-165 – jul./dez. 2017 157
A ausência do uso de protetores auriculares, pela falta forne-
cimento por parte do empregador ou pela inadaptabilidade dos
músicos (Mendes; Morata; Marques, 2007, p. 790), agrava a situ-
ação de risco ocupacional, embora, visando a proteção do traba-
lhador, a Norma Regulamentadora n. 06 (Brasil, 1978) apresente
regulações em relação ao uso do EPI (Equipamento de Proteção
Individual), bem como o Decreto Municipal n. 20.505 (Salvador,
2009), em seu art. 42, exige a garantia e fiscalização do uso da pro-
teção auditiva dos que trabalham em bloco de trio e/ou carro de
som e seguranças de cordas.
Apesar de toda a discussão em torno dos elevados níveis de
pressão sonora aos quais estão submetidos os músicos do Carnaval,
observou-se na literatura que alguns autores questionam a res-
peito da aplicação da NR-15 para músicos, considerando-se que
essa norma fora elaborada com base no ruído industrial. As baixas
frequências são predominantes no som produzido pela música,
enquanto que na indústria predominam as altas frequências
(Mendes; Morata; Marques, 2007, p. 790), sendo estas as que
mais afetam inicialmente a audição (Maia, 2008).
Ainda existe muito a ser estudado e discutido a respeito da
exposição ocupacional ao ruído pelos músicos. Esforços devem ser
empreendidos para minimizar ou eliminar os riscos de agravos à
saúde, sejam os efeitos auditivos ou extra-auditivos. Nesse sentido,
é adequada a aplicação de medidas de proteção coletiva (revesti-
mentos acústicos, distância da fonte de ruído), medidas de caráter
administrativo ou de organização do trabalho (redução do tempo
de exposição do trabalhador, programas educativos, redução da
amplificação do som, elaboração de Programa de Conservação
Auditiva – PCA) e utilização de equipamento de proteção indi-
vidual – EPI (Brasil, 1978; Monteiro; Samelli, 2010, p. 17;
Mendes; Morata; 2007, p. 68). Por outro lado, é preciso consi-
derar que nas apresentações musicais não somente os profissionais
estão expostos ao ruído mas todos os espectadores e também aque-
les que estão no entorno próximo.

158 Boletim Científico ESMPU, Brasília, a. 16 – n. 50, p. 147-165 – jul./dez. 2017


3 O ruído ambiental no Carnaval
O ruído ambiental tem contribuído sistematicamente para
a degradação dos grandes centros urbanos. No Brasil, a falta de
planejamento urbano, o crescimento desordenado das cidades e a
falta de políticas efetivas que direcionem ao desenvolvimento sus-
tentável são fatores que colaboram para a precarização do meio
ambiente urbano (Ventura et al., 2008, p. 1), afetando direta ou
indiretamente a saúde e o bem-estar de seus habitantes.
As origens do ruído são diversas: os bares e restaurantes, os
templos religiosos, a construção civil, as casas noturnas, as casas de
eventos, as sirenes, o tráfego, os vizinhos, os animais, os carros de
som, entre outros (Campos; Cerqueira; Sattler, 2003, p. 24-25).
O trânsito de veículos tem sido estudado no meio científico como
a fonte de poluição ambiental que mais causa incômodo às pessoas,
visto que a aquisição de veículos automotores aumentou enorme-
mente nos últimos anos, sem que houvesse planejamento urbanístico
das cidades para comportar essa nova demanda. O ruído produzido
pelo motor e pelo escapamento dos veículos, juntamente com a impa-
ciência dos motoristas durante os longos engarrafamentos, tornam
esse problema ambiental cada vez mais crescente. Zannin e cola-
boradores (2002, p. 522-523) realizaram estudo sobre o incômodo
causado pelo ruído à população de bairros residenciais da cidade de
Curitiba, estado do Paraná, tendo encontrado que 73% apontavam
o trânsito como fonte perturbadora e 38% indicavam os vizinhos,
considerando as fontes isoladamente, em resposta à pergunta: “quais
são os ruídos que incomodam?”. As pessoas incomodadas pelo ruído
urbano referiram alguns efeitos à sua saúde e qualidade de vida, pre-
dominando a irritabilidade e a dificuldade de concentração.
Em 2008, o número de queixas à Sucom chegou a 37.074;
de janeiro a junho de 2011, foram feitas 30.626 reclamações. No
período da alta estação, o problema do ruído parece multiplicar-se
por toda a cidade pelos inúmeros ensaios, festas e Carnaval, criando
uma sensação de que a produção de ruído está totalmente liberada
(A Guerra..., 2009). Por esses motivos, o ruído produzido nos
festejos soteropolitanos, sobretudo no Carnaval, deve ser tratado
como um problema de saúde pública.

Boletim Científico ESMPU, Brasília, a. 16 – n. 50, p. 147-165 – jul./dez. 2017 159


Tabela 3 – Relatório quantitativo da Sucom por fonte
sonora, Salvador, de 1.1.2011 a 27.6.2011

Atendidas
Fonte de Denúncias
pela Sucom
Emissão Sonora
Número % Sim Não
Veículo particular 14.162 46,2 2.304 11.858
Residência 6.155 20,1 760 5.395
Bar /restaurante / boate 4.531 14,8 1.064 3.467
Estabelecimento comercial 1.189 3,9 443 746
Igreja / culto 1.034 3,4 236 798
Área pública 853 2,8 177 676
Construção 726 2,4 387 339
Outros 539 1,8 165 374
Barraca 514 1,7 121 393
Carro de som 169 0,6 77 92
Escola 151 0,5 57 94
Clube 140 0,5 36 104
Academia 121 0,4 42 79
Oficina 106 0,4 41 65
Rádio comunitária 64 0,2 30 34
Trio elétrico / bloco 53 0,2 17 36
Animais 49 0,2 9 40
Espaço cultural 31 0,1 8 23
Fábrica 17 0,06 13 4
Estúdio 10 0,03 4 6
Barraca de praia 10 0,03 4 6
Pedreira 2 0,01 0 2
Total 30.626 100,0 5.995 24.631

Fonte: Sucom, Salvador, 2011

160 Boletim Científico ESMPU, Brasília, a. 16 – n. 50, p. 147-165 – jul./dez. 2017


Existem diversos instrumentos de gestão do ruído no Brasil,
porém estes não têm sido utilizados e exigidos pelo poder público
de forma efetiva.
A Resolução n. 001 do Conama (Brasil, 1990) dispõe que
a emissão de ruídos, em decorrência de quaisquer atividades indus-
triais, comerciais, sociais ou recreativas, inclusive as de propaganda
política, obedecerá, no interesse da saúde, do sossego público, aos
padrões, critérios e diretrizes estabelecidos nesta Resolução.

A resolução também versa que “são prejudiciais à saúde e ao


sossego público [...] os ruídos com níveis superiores aos considera-
dos aceitáveis pela norma NBR 10.152 da ABNT”, datada de 1987
e atualizada em 2000 (ABNT, 2000).
A Norma NBR 10.151, da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT, 2000), fixa limites de aceitabilidade do ruído em
comunidades, estabelecendo os valores de 55 dB(A) para o período
diurno e 50 dB(A) para o período noturno, em áreas mistas com
predominância residencial, e de 60 dB(A) para o período diurno
e 55 dB(A) para o período noturno, em áreas mistas com vocação
comercial e administrativa. Os circuitos do Carnaval baiano pos-
suem características residenciais e comerciais e, por isso, os seus
espaços urbanos deveriam ser avaliados conforme a citada norma.
O Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV), previsto no
Estatuto da Cidade, Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001 (Brasil,
2001), é um instrumento de gestão para avaliação dos impactos
na qualidade de vida da população residente na área do empreen-
dimento ou atividade urbana e suas proximidades. A questão da
poluição sonora deveria estar inclusa no EIV, no entanto, de fato,
desconsidera-se este fator de risco à população (Ventura et al.,
2008, p. 2-3). Conforme versa o Estatuto, todos os empreendi-
mentos e as atividades urbanas causadoras de ruído deveriam obri-
gatoriamente elaborar o EIV (Ventura et al., 2008, p. 2-3). Isso
inclui o Carnaval, já que a festa mais popular do Brasil tornou-se
também foco de investimentos empresariais.

Boletim Científico ESMPU, Brasília, a. 16 – n. 50, p. 147-165 – jul./dez. 2017 161


Portanto, o ruído ambiental no Carnaval é um problema de
gestão do poder público. A Prefeitura Municipal de Salvador tem
realizado ações fiscalizadoras e campanhas educativas contra a
poluição sonora, objetivando amenizar o problema. Entretanto, os
esforços empreendidos ainda são incipientes. A população acaba se
resignando diante do problema, obrigando-se a conviver com os
elevados níveis de pressão sonora durante a festa ou a retirar-se de
sua habitação, durante os dias de folia.

4 Conclusões
O ruído produzido por trios elétricos no Carnaval de Salvador
pode afetar a saúde e a qualidade de vida dos espectadores, dos
moradores do circuito e dos trabalhadores da festa, sobretudo dos
músicos. Não existem políticas de sustentabilidade voltadas para
esse período específico, que, apesar de acontecer apenas uma vez ao
ano, causa transtornos aos cidadãos soteropolitanos e pode afetar,
temporária ou definitivamente, a saúde das pessoas. As interven-
ções públicas têm sido insuficientes, restringindo-se a campanhas
educativas contra a poluição sonora, e não há aplicação dos ins-
trumentos reguladores disponíveis na legislação brasileira. Por esse
motivo, músicos laboram em condições de insalubridade, expondo-
-se a níveis de pressão sonora acima dos limites legais estabelecidos.
A sociedade, o Poder Público e a comunidade científica devem
estar atentos a esse problema e atuar a favor da promoção de um
ambiente urbano confortável.

Referências

ABNT. Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR 10.151.


Avaliação do ruído em áreas habitadas, visando o conforto da comunidade
– Procedimento. Rio de Janeiro, 2000. 4 p.
. NBR 10.152. Níveis de ruído para conforto acústico. Rio
de Janeiro, 2000. 4 p.

162 Boletim Científico ESMPU, Brasília, a. 16 – n. 50, p. 147-165 – jul./dez. 2017


Andrade, A. I. A. et al. Avaliação auditiva de músicos de frevo e
maracatu. Revista Brasileira de Otorrinolaringologia, São Paulo, v. 68,
n. 5, p. 714-720, set./out. 2002.
A Guerra contra o axé em Salvador. Revista Época, n. 558, 2009.
Bistafa, S. R. Acústica aplicada ao controle do ruído. São Paulo: Edgard
Blücher, 2006.
Brasil. Ministério do Meio Ambiente. Resolução Conama n. 001,
de 8 de março de 1990. Diário Oficial da União, Seção I, p. 6.408,
2 de abr. 1990.
. Norma Regulamentadora n. 15 – Atividades e Operações
Insalubres, Portaria n. 3.214, de 8 de junho de 1978. Diário Oficial
da União, 6 jul. 1978a.
. Ministério do Trabalho e Emprego. Norma
Regulamentadora n. 09 – Programa de Prevenção de Riscos
Ambientais, Portaria n. 3.214, de 8 de junho de 1978. Diário Oficial
da União, 6 de jul. 1978b.
. Presidência da República. Casa Civil, Subchefia para
Assuntos Jurídicos. Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001. Diário
Oficial da União, Seção I, p. 1, 11 jul. 2001.
Campos, A. C. A.; Cerqueira, E. A.; Sattler, M. A. Ruídos
urbanos na Cidade de Feira de Santana. Sitientibus, Feira de Santana,
n. 28, p. 21-35, jan./jun. 2003.
Diniz, A. Almanaque do Carnaval: a história do carnaval, o que
ouvir, o que ler, onde curtir. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
Ferreira, F. O livro de ouro do carnaval brasileiro. Rio de Janeiro:
Ediouro, 2004.
Maia, P. A. O ruído nas obras da construção civil e o risco de surdez ocu-
pacional. São Paulo: Fundacentro, 2008.

Boletim Científico ESMPU, Brasília, a. 16 – n. 50, p. 147-165 – jul./dez. 2017 163


Góes, F. 50 anos de Trio Elétrico. Salvador: Corrupio, 2000.
Guerreiro, G. A trama dos tambores: a música afro-pop de Salvador.
Rio de Janeiro: Editora 34, 2000.
Maia, J. R. F.; Russo, I. C. P. Estudo da audição de músicos de
rock and roll. Pró-Fono Revista de Atualização Científica, São Paulo,
v. 20, n. 1, p. 49-54, jan./mar. 2008.
Mendes, M. H.; Morata, T. C.; Marques, J. M. Aceitação de
protetores auditivos pelos componentes de banda instrumental e
vocal. Revista Brasileira de Otorrinolaringologia, São Paulo, v. 73, n. 6,
nov./dez. 2007.
Mendes, M. H.; Morata, T. C. Exposição profissional à música:
uma revisão. Revista da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia, São
Paulo, v. 12, n. 1, p. 63-69, jan./mar. 2007.
Miranda, C. R.; Dias, C. R. Perda auditiva induzida pelo ruído
em trabalhadores de bandas e trios elétricos de Salvador. Revista
Brasileira de Otorrinolaringologia, São Paulo, v. 64, n. 5, p. 495-504,
1998.
Monteiro, V. M.; Samelli, A. G. Estudo da audição de ritmistas
de uma escola de samba de São Paulo. Revista da Sociedade Brasileira
Fonoaudiologia, São Paulo, v. 15, n. 1, p. 14-18, 2010.
Salvador. Prefeitura Municipal. Decreto n. 20.505, de 28 de
dezembro de 2009. Diário Oficial do Município, p. 14, 29 dez. 2009.
. Lei n. 8.675, de 6 de outubro de 2014. Diário Oficial do
Município, p. 5, 7 out. 2014.
Santos, D. C. J. V. Avaliação da aplicação da Norma de ruído ambiental
em municípios da região de São João da Boa Vista. 2004. Dissertação
(Mestrado) – Faculdade de Engenharia, Arquitetura e Urbanismo,
Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2004.

164 Boletim Científico ESMPU, Brasília, a. 16 – n. 50, p. 147-165 – jul./dez. 2017


Valença, R. T. Carnaval: para tudo se acabar na quarta-feira. Rio
de Janeiro: Relume-Dumara, 1996.
Ventura, A. N. et al. Uma contribuição para o aprimoramento do
estudo de impacto de Vizinhança: gestão do ruído ambiental por
mapeamento sonoro. In: Encontro da Sociedade Brasileira de
Acústica, 22. Anais... Belo Horizonte, 2008.
Zannin, P. H. T. et al. Incômodo causado pelo ruído urbano à
população de Curitiba, PR. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v.
36, n. 4, p. 521-524, 2002.

Boletim Científico ESMPU, Brasília, a. 16 – n. 50, p. 147-165 – jul./dez. 2017 165

Você também pode gostar