Dissertação Hiran Monteiro

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 160

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

ESCOLA DE MÚSICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA

HIRAN SANTOS MONTEIRO

COMPOSIÇÃO VOCAL CONTEMPORÂNEA A PARTIR


DE DITOS POPULARES DO NORDESTE

Salvador
2018
HIRAN SANTOS MONTEIRO

COMPOSIÇÃO VOCAL CONTEMPORÂNEA A PARTIR


DE DITOS DO NORDESTE

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em música, Escola de Música,
Universidade Federal da Bahia, como requisito
parcial para obtenção do grau de Mestre em Música.
Área de concentração: Composição

Orientador: Prof. Dr. Paulo Costa Lima

Salvador - BA
2018
COMPOSIÇÃO VOCAL CONTEMPORÂNEA A PARTIR DE DITOS
POPULARES DO NORDESTE

HIRAN SANTOS MONTEIRO

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do


título de Mestre em Música, Escola de Música da Universidade
Federal da Bahia.

Aprovada em 17 de dezembro de 2018.

Paulo Costa Lima – Orientador


Doutor em Artes pela Universidade de São Paulo, Brasil

Ângelo Tavares Castro


Doutor em Música pela Universidade Federal da Bahia

Wellington Gomes da Silva


Doutor em Música pela Universidade de Federal da Bahia
AGRADECIMENTOS

A Deus por me conceder o dom da vida e da música, e a todas as pessoas que


contribuíram de alguma forma para a realização deste trabalho.

À minha amada esposa Analécia, que esteve ao meu lado, me apoiando em tempo
integral, incentivando e oferecendo um aporte definitivo em todos os momentos da
pesquisa. Te amo.

À minha filha Lara, a quem devo muito (além dos infinitos motivos), por ter sido a
pessoa que me sugeriu o desafio do mestrado, me incentivando de forma tão
inteligente, madura e visionária.

Aos meus pais, Ezequiel Monteiro (In Memorian) e Celene Angélica Monteiro, pela
educação, pela herança de dignidade, integridade e amor.

Aos meus amados irmãos, Midian, Acácia, Ezequiel (In Memorian) e Poliana, pelo
suporte em todos os sentidos.

Aos meus cunhados, Fábio, Arno Jr e Rivas, pelo carinho, amizade e apoio.

A Paulo Costa Lima, meu orientador, pelos ensinamentos preciosos, pelo dedicação
e gentileza. De certo, uma convivência transformadora.

A Wellington Gomes, pela generosidade tão característica dos bons mestres, pelo
conhecimento compartilhado e amizade.

Aos professores Guilherme Bertissolo, Pedro Dias, Diana Santiago e Conceição


Perrone, pelos ensinamentos dados nos seminários ao longo desta pesquisa.

Aos amigos Sérgio Sampaio e Luciana Sampaio, pelo carinho dedicado. Grato
sempre.
Aos colegas compositores, Vinícius Amaro e Kedson Siva.

À Banda de Boca: Poliana Monteiro, Fábio Eça, Táric Marins, Simei Ferreira e Arno
Hübner, pelas belíssimas vozes que compõem as gravações desse trabalho.

À Diana Santiago, Heinz Schwebel, José Mauricio Brandão, Laila Rosa, Flavia
Candusso, Maísa Santos e Selma Magalhães.

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB), pelo apoio


financeiro.

À Coordenação do Programa de Pós-Graduação em Música (PPGMUS) – UFBA.

Muito obrigado.
.
“A natureza está constantemente a misturar-se com a arte”.

Ralph Waldo Emerson


MONTEIRO, Hiran Santos. Composição vocal contemporânea a partir de ditos
populares do Nordeste. 159 fl. 2018. Dissertação (Mestrado) – Escola de Música,
Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2018.

RESUMO

O presente trabalho de pesquisa é o resultado de uma investigação sobre princípios


fundamentais de relações que conectam ditos populares e música como um horizonte
metodológico para a criação de música vocal contemporânea. Em um percurso que
ajusta perspectivas analíticas e a produção artística, trazendo o aspecto cultural,
social, musical e hermenêutico, como objetos representativos e modificadores, nos
quais as noções de processos e gesto procedentes desse entrelaçamento de
significados, são utilizados como impulsos gerativos, alimentando a produção de
quatro obras musicais, Miniatura I, Miniatura II, Miniatura III e Mas será o Benedito,
Suassuna ou Lampião?, juntamente com o memorial de todo processo composicional,
identificando materiais, estratégias e procedimentos.

Palavras-Chave: Composição. Dito Popular. Música Vocal.


MONTEIRO, Hiran Santos. Contemporary vocal composition from Northeast popular
sayings. 159 pp. 2018. Masters Dissertation - Escola de Música, Universidade Federal
da Bahia, Salvador 2018.

ABSTRACT

The present research work is the result of an investigation about fundamental


principals of the relation that connect popular sayings and music as a methodological
horizon for creation of contemporary vocal music. In a course that adjusts analytic
perspectives and artistic production, introducing the cultural, social, musical and
hermeneutic aspects as representative objects and modifiers. Where the notions of
processes and precedent gestures of these intertwined meanings are utilised as
generative impulses, fuelling the production of four musical pieces Miniatura I,
Miniatura II, Miniatura III and Mas será o Benedito, Suassuna ou Lampião?, together
with the memorial of all compositional process, identifying material, strategies and
procedures.

Keywords: Composition. Popular Saying. Vocal Music.


LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Atitudes presentes na música pós-moderna. ........................................... 65


Tabela 2 - Regiões da audição por faixas de frequências. ...................................... 103
Tabela 3 - Características de cada oitava do espectro de frequências. .................. 104
Tabela 4 - Gestos Antagônicos. .............................................................................. 120
Tabela 5 - Outros Gestos. ....................................................................................... 120
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Trecho da canção O Mar de Dorival Caymmi. .......................................... 21


Figura 2 - A Compadecida (José Siqueira). Primeiro ato, compassos 295 a 307 ..... 22
Figura 3 - Relação Texto e Música na Canção ......................................................... 23
Figura 4 - Trecho de Anos Dourados de Antônio Carlos Jobim e Chico Buarque de
Holanda. .................................................................................................................... 25
Figura 5 - Trecho de Todo Azul do Mar de Flávio Venturini e Ronaldo Bastos. ........ 25
Figura 6 – Diagrama.................................................................................................. 28
Figura 7 - Crescendo e decrescendo como intensificação ........................................ 35
Figura 8 - Caminho formante da metáfora primária e congruente ............................. 37
Figura 9 - Fonemas onomatopaicos em Le Chant des Oiseaus de Clément Janequin
.................................................................................................................................. 44
Figura 10 – Trecho de Le Chant des Oiseaus de Clement Janequin. ....................... 45
Figura 11 – Primeiros compassos de Moro, lasso, al mio duolo. .............................. 46
Figura 12 - Sprechgesang em Pierrot Lunaire de Arnold Schoenberg. ..................... 49
Figura 13 - Recitado em Charlie Rutlage de Charles Ives. ....................................... 52
Figura 14 - Assovio em Memories de Charles Ives. .................................................. 54
Figura 15 - Respiração audível em Sequenza III de Luciano Berio........................... 55
Figura 16 - Sussurro rápido em Sequenza III de Luciano Berio ................................ 56
Figura 17 - Modulação tímbrica em Sequenza III de Luciano Berio .......................... 58
Figura 18 - Opções de notação para o recurso grito. ................................................ 58
Figura 19 - Grito em Eight songs for a Mad King de Peter Maxuell Davies. .............. 58
Figura 20 - Glissando em For viola and 6 voices de George Friederich Haas. ......... 60
Figura 21 - Microtons em Labia Mea de Vahram Sarkissian ..................................... 61
Figura 22 - Ordem de ocorrência do Conjunto fonêmico na Miniatura I. ................... 88
Figura 23 - Primeiro gesto como ruptura. .................................................................. 89
Figura 24 - Conjunto fonêmico sequencial. ............................................................... 90
Figura 25 - Gesto final da Miniatura I. ....................................................................... 91
Figura 26 - Cadeia de imagens a partir da palavra "gota". ........................................ 97
Figura 27 - Apoio das notas em cada uma das 3 unidades da divisão do tempo...... 98
Figura 28 - Apoio das notas em cada uma das 3 unidades da divisão do tempo. (Forma
reduzida) ................................................................................................................... 98
Figura 29 - Dimensões do áudio na mixagem, representados nos eixos cartesianos.
................................................................................................................................ 102
Figura 30 - Leitura do Analisador de Espectro sobre a gravação 01....................... 106
Figura 31 - Leitura do Analisador de Espectro sobre a gravação 02....................... 106
Figura 32 - Leitura do Analisador de Espectro sobre a gravação 03....................... 107
Figura 33- Volume, obstáculo na emissão e sonoridade textual na linha do tempo da
Miniatura III.............................................................................................................. 108
Figura 34 - Cultura nordestina como fonte .............................................................. 112
Figura 35 – Iluminogravura e poema "O Sol de Deus" – ambos por Ariano Suassuna.
................................................................................................................................ 115
Figura 36 - Lampião e seu bando............................................................................ 117
Figura 37 - Nordeste - fonte de múltiplas imagens .................................................. 117
Figura 38 - Percurso por níveis de subjetividade .................................................... 119
Figura 39 - Sistema Trimodal .................................................................................. 121
Figura 40 - Modo IV (Sintético)................................................................................ 121
Figura 41 - Conjunto Intervalar de 2ª menor ou 7ª maior ........................................ 121
Figura 42 - Acordes gerados por conjuntos intervalares ......................................... 122
Figura 43 - Tríades maiores do Modo IV ................................................................. 122
Figura 44 - Forma da obra "Mas será o Benedito, Suassuna ou Lampião?" ........... 124
Figura 45 - Intervalos de segundas consecutivas como dubiedade em "Mas será o
Benedito, Suassuna ou Lampião?" ......................................................................... 125
Figura 46 - Primeira declamação em "Mas será o Benedito, Suassuna ou Lampião?"
................................................................................................................................ 126
Figura 47 - Gesto 01 (parte B) "Mas será o Benedito, Suassuna ou Lampião?". .... 126
Figura 48 - Manipulações fonéticas sugestivas a partir do dito "Mas será o Benedito!".
................................................................................................................................ 127
Figura 49 - Quatro estratégias para simular o som da viola sertaneja nas vozes. .. 128
Figura 50 - Acordes a partir do modo IV (sintético). ................................................ 128
Figura 51 - Sprechgesang e vozes simulando instrumentos de cordas com arco... 129
Figura 52 - Terceiro momento de declamação. ....................................................... 130
Figura 53 – Representação da passagem da terra ao céu. Clímax da obra. .......... 131
Figura 54 - Repetição como rito. ............................................................................. 132
Figura 55 - Amém final da obra "Mas será o Benedito, Suassuna ou Lampião?". .. 133
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 14

1 A RELAÇÃO ENTRE TEXTO, MÚSICA E SIGNIFICADOS ........................ 17

1.1 PERSPECTIVA DE AGAWU ........................................................................ 18

1.1.1 Representação por Assimilação ................................................................... 19

1.1.2 Representação por Interação ....................................................................... 20

1.1.3 Representação por Interpretação Semântica ............................................... 21

1.1.4 Representação por Coexistência .................................................................. 22

1.1.5 Text-setting ................................................................................................... 25

1.2 METÁFORA .................................................................................................. 26

1.2.1 Metáfora por Aristóteles................................................................................ 26

1.2.2 Metáfora por Lakoff e Johnson ..................................................................... 29

1.2.3 Metáfora em Contexto Cultural ..................................................................... 32

2 RECURSOS SONOROS DA VOZ NO SÉCULO XX.................................... 41

2.1 INÍCIO DAS EXPERIMENTAÇÕES.............................................................. 43

2.2 AMPLIANDO POSSIBILIDADES TÉCNICAS ............................................... 47

2.2.1 Sprechgesang (canto falado)........................................................................ 49

2.2.2 Recitado ....................................................................................................... 52

2.2.3 Assoviando ................................................................................................... 53

2.2.4 Respiração audível ....................................................................................... 54

2.2.5 Grito .............................................................................................................. 58

2.2.6 Glissando...................................................................................................... 59

2.2.7 Microtons ...................................................................................................... 60

3 BREVE REFLEXÃO SOBRE O COMPOR E SEUS CAMINHOS ................ 63

3.1 PÓS-MODERNO E MULTIPLICIDADE ........................................................ 64


3.2 DUAS POÉTICAS......................................................................................... 68

3.3 ECONOMIA DE MEIOS................................................................................ 70

3.3.1 Um breve percurso sobre Grundgestalt ........................................................ 71

3.3.2 Em contexto baiano ...................................................................................... 77

4 COMPOSIÇÕES: MEMORIAL ANALÍTICO-DESCRITIVO ......................... 83

4.1 MINIATURA I: DA GOTA SERENA (ANÁLISE – CONJUNTO FONÊMICO) 87

Miniatura I – Da gota serena (Partitura)........................................................ 92

4.2 MINIATURA II: DA GOTA SERENA (ANÁLISE - DESCRITIVA) .................. 97

Miniatura II – Da gota serena (Partitura)....................................................... 99

4.3 MINIATURA III: DA GOTA SERENA (ANÁLISE - PROPORÇÃO


PERTO/LONGE)......................................................................................... 102

4.3.1 Eixo Y (espectro de frequências). ............................................................... 103

4.3.2 Eixo Z (Profundidade). ................................................................................ 105

4.3.3 Estratégias de controle de frequências....................................................... 105

4.3.4 O Aspecto Textual. ..................................................................................... 107

Miniatura III – Da gota serena (Partitura).................................................... 109

4.4 “MAS SERÁ O BENEDITO, SUASSUNA OU LAMPIÃO?” (ANÁLISE) ...... 112

4.4.1 Cultura Nordestina como Fonte .................................................................. 112

4.4.2 Construção de gestos ................................................................................. 119

4.4.3 Em direção ao Material Sonoro .................................................................. 120

4.4.4 Desconstrução textual ................................................................................ 122

4.4.5 Análise das partes ...................................................................................... 124

Mas será o Benedito, Suassuna ou Lampião? (Partitura) .......................... 134

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................... 147

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................... 150


14

INTRODUÇÃO

Nenhum processo é compartimentalizado, na verdade, os procedimentos


nascem de engendramentos. É, pois, na trama da complexidade, que é possível
afirmar que a leitura do objeto estético, mais especificamente no presente estudo, da
música, deve pressupor entrelaçamentos, uma tessitura, muitas vezes, de processos
culturais e históricos. Nesse sentido, a composição é um produto de múltiplas e
complexas conexões, que refletem, em forma de arte, a percepção e relação do
compositor com o mundo. Desta forma, o compositor estabelece links entre o que é
palpável e o abstrato, entre o que é senso comum e o pessoal, entre experiências
existenciais e elaborações ficcionais. Apesar da indissociabilidade da obra com o
contexto externo, a composição envolve criação de mundos.1
Composição vocal e ditos populares. A investigação traz como proposta a
composição musical relacionada à música vocal de concerto, tendo como ponto de
partida, elementos estruturais característicos, identificados e extraídos em textos de
ditos populares do Nordeste. Consequentemente, neste percurso se faz necessário
estabelecer uma linha de aproximação entre vias de contextos populares, étnicos ou
eruditos.
Visando possíveis associações entre texto e música, os ditos populares
poderiam contribuir para a obtenção de gestos e processos composicionais? Um
mesmo dito popular poderia servir de fonte geradora de gestos e processos
diversificados? É possível criar um conjunto de obras originais partindo de processos
e gestos adquiridos em um único dito popular?
Como objetivo principal, propomos traçar possíveis caminhos de interação
entre composição vocal e ditos populares, estabelecendo uma rede de conectividade
fecunda entre essas duas instâncias.
Para tanto, definimos ações específicas com o objetivo de alcançar respostas
claras sob forma de análises e criação musical: 1) Nesse processo selecionamos duas
expressões populares como objetos principais para delineamento conceitual, a
servirem como células germinativas: “Da gota serena” e “Mas será o Benedito”. Além

1 Paulo Costa Lima em seu livro Teoria e Pática do Compor II, 2014, p. 214, reflete sobre a
indissociabilidade entre teoria e prática e apresenta uma elaboração sobre Os Vetores da
Compocicionalidade, onde assinala a Criação de Mundos como um dos vetores.
15

de identificação dos símbolos forjados pela cultura e pelos significados advindos do


exame etimológico das palavras, procuramos também reconhecer características
sonoro-musicais ligadas ao conjunto fonêmico, fonético e por meio de perspectivas
subjetivas presentes nas referidas expressões idiomáticas; 2) Identificar e refletir
sobre modos da utilização da voz na música contemporânea, através de exemplos
extraídos das obras Pierrot Lunaire (1912) de Arnold Schoenberg, Charlie Rutlage e
Memories (1922) de Charles Ives, Sequenza III (1965) de Luciano Berio, Officium
Sepulchri: Diálogo do Anjo com as Três Mulheres (1966) de Ernst Widmer, O Fim do
Mundo (1966), A Procissão das Carpideiras (1969), Caleidoscópio (1975) e
Chromaphonetikos (1978) de Lindembergue Cardoso, Eight songs for a Mad King
(1969) de Peter Maxuell Davies, Rumos (1972) de Ernst Widmer, (Im)previstus (1973)
de Agnaldo Ribeiro, Revoada de Memórias (2001) de Wellington Gomes, For viola and
6 voices (2006) de George Friederich Haas e Labia Mea (2016) de Vahram Sarkissian;
3) Propomos estabelecer processos e estratégias compositivas relacionados ao
potencial musical encontrados nos ditos populares; 4) Criar obras que respondam ao
percurso investigativo; 5) Organizar um memorial analítico-descritivo e apresentar
respostas artísticas às questões pertinentes à pesquisa, apresentadas sob forma de
composições musicais e análises das mesmas.
A pesquisa está dividida em 4 capítulos. Na primeira seção do capítulo 1 se
insere a discussão sobre a relação entre texto e música, apoiada no enfoque analítico
proposto por Agawu (1992), de classificação e hierarquização dos dois elementos –
textual e musical – presentes na canção. Na segunda seção deste mesmo capítulo,
são abordados alguns aspectos estruturais na elaboração metafórica, com enfoque
em argumentações sobre o sistema conceitual, os significados léxicos, etimológicos,
bem como, símbolos e variações por interferência cultural. Para tal, faremos uma
abordagem cognitiva baseada nos conceitos de Aristóteles, Lakoff & Johnson e
Kövecses.
O segundo capítulo é dedicado à apresentação de uma série de recursos
vocais característicos do século XX, com recortes de algumas obras que datam de
1912 à 2016, no caso Pierrot Lunaire de Arnold Schoenberg, que aqui tomamos como
marco referencial, e Labia Mea de Vahram Sarkissian, respectivamente. Este capítulo
apresenta uma seção introdutória e destaca dois compositores do período
renascentista - Clement Janequin (1485 -1558) e Carlo Gesualdo (1561-1613) -
situando um início profícuo de experimentações concernentes a recursos vocais
16

atípicos e tratamentos harmônicos complexos em composições vocais, assim como,


à ruptura desse processo no início do período barroco.
O terceiro capítulo se destina a uma breve reflexão sobre o compor e seus
caminhos, onde é posta, em um primeiro momento, a discussão sobre as principais
características pós-modernas, observando as definições dispostas por Ricardo
Tacuchian (1995) e Jonathan D. Kramer (2000). Num segundo momento, trazemos a
reflexão do compositor Fernando Cerqueira (1992), sobre um pensamento que
sintetiza as duas principais ideologias do compor atual. No terceiro momento desse
capítulo, teço uma incursão sobre economia de meios. Nele expomos um painel
referencial, formado pelos autores: Stein (1930), Rufer (1954), Epstein (1979),
Carpenter (1984) e Schmalfeldt (1991), onde discutem sobre o conceito de
Grundgestalt. No último tópico deste capítulo, referenciado por Lima (1999), Silva
(2002) e Castro (2004), abordo o pensamento composicional ligado ao movimento de
Composição na Bahia, mais especificamente, o que se refere a economia de meios,
construção de coerência, unidade e profundidade dentro de uma obra.
No quarto e último capítulo é disposto um memorial analítico-descritivo onde
verso sobre quatro peças, destas, três miniaturas e uma obra maior compostas no
sentido de materializar conceitos alcançados durante todo percurso investigativo.
Além dos recortes de trechos das obras para fins analíticos, as partituras são
apresentadas integralmente neste capítulo.
Nessa pesquisa, almejamos contribuir na percepção da relevância dos atributos
inerentes às expressões idiomáticas como ferramentas a serviço da composição, e
demonstrar possibilidades criativas, aproximando o contexto popular da música vocal
de concerto.
Anexado a esta dissertação, apresento um CD de áudio com as gravações das
obras “Miniatura I”, “Miniatura II”, “Miniatura III” e “Mas Será o Benedito, Suassuna ou
Lampião?”.
17

CAPÍTULO 1

1 A RELAÇÃO ENTRE TEXTO, MÚSICA E SIGNIFICADOS

Observe-se que não há muito sentido em se escrever uma tese de


semiótica musical se não pudermos, em algum momento, estabelecer
paralelos entre a música e outras semióticas, a semiótica verbal em
particular. (CARMO JR., 2007, p.13).

O referido autor mostra o interesse na adaptação do método já experimentado


com eficiência descritiva na linguística em seus procedimentos e categorias, para o
estudo da semiótica musical.
Um princípio necessário para analisar, compreender a música de forma ampla,
é estabelecer conexões com outros domínios, interligar parâmetros extra-musicais,
relacionar contextos históricos, culturais, ir além dos próprios métodos de análise
musical.
Estudos e publicações, no campo da musicologia, concentrados principalmente
nos anos de 1980, desenvolvem reflexões sobre a relação entre o texto e a música, a
exemplo de autores como Don Hárran, Steven P. Scher, Lawrence Kramer, Leo
Treitler.
As obras literárias de Agawu (1992), Stein & Spillman (1996) e Kimball (2006),
abordam sobre a relação entre texto e música sob múltiplos pontos de vista. Para os
referidos autores, há semelhanças estruturais entre as duas linguagens, texto e
música.
Como primeiro tópico abordado nesse capítulo, está um panorama sobre a
relação entre texto e música sob a perspectiva do musicólogo Kofi Agawu, tendo como
base seu artigo Theory and Practice in the Analysis of Nineteenth-Century ‘Lied’
(AGAWU, 1992). Um segundo tópico versa sobre significados presentes em metáforas
e suas possíveis variações.
18

O termo “texto”, carrega em seu bojo uma infinidade de entrelaçamentos de


códigos, que podem sofrer variações de acordo com o tempo histórico, a cultura e a
situação contextual, essa percepção está conciliada com o seu significado
etimológico:

Texto vem do latim texere (construir, tecer), cujo particípio passado


textus também era usado como substantivo, e significava “maneira de
tecer”, ou “coisa tecida”, e ainda mais tarde, “estrutura”. Foi só lá pelo
século 14 que a evolução semântica da palavra atingiu o sentido de
“tecelagem ou estruturação de palavras”, ou “composição literária”, e
passou a ser usado em inglês, proveniente do francês antigo texte.
(SHÜTZ, 2009, p. 2).

As metáforas são exemplo dessa rica forma linguística de carregar significados.


O estudo propõe um olhar através dos conceitos sobre metáforas, abordados por
Aristóteles em Poética2 e Lakoff e Johnson em Metaphors We Live By, de 1980.

1.1 PERSPECTIVA DE AGAWU

No campo da análise e teoria, Agawu (1992) sugere métodos de observação e


procedimentos na música vocal, buscando perspectivas de relação e
proporcionalidade entre estes dois sistemas - textual e musical. Conforme Agawu
(1992), a música vocal com texto é um gênero a ser analisado a partir da dinâmica,
possibilidades de graduação entre os dois sistemas semióticos. Consoante com esse
pensamento, compreende-se que, música e linguagem são medulares na essência da
canção.
Quatro possibilidades de interação entre os sistemas como modelo de análise
são sugeridas por Agawu (1992): assimilação, interação, interpretação semântica e
coexistência, que podem ser entendidos como ferramentas analíticas ou mesmo como
caminhos de criação musical.

2 Poética é o mais antigo dos trabalhos conhecidos de Aristóteles. Trata-se de uma compilação
realizada por volta de 335 a.C., que busca sistematizar o formato e a estética dos gêneros literários
gregos.
19

1.1.1 Representação por Assimilação

De acordo com modelo de análise, a canção é construída conectando partes


independentes - texto e música. Nesse processo, a música sobrepuja a palavra, ou
seja, considera-se a canção como parte de uma criação apenas musical, como
recurso de tornar musical, materiais “não musicais”.
Segundo a filósofa Suzane K. Langer, em seu livro Sentimento e Forma (1953),
“quando as palavras entram para a música, elas não são mais poesia ou prosa, são
elementos da música”. A autora afirma que o texto exerce a tarefa de cooperar na
elaboração dos sentidos primários da música, o tempo virtual, caraterísticas comuns
à música. Desta forma, o texto adquire atribuições musicais e se desvincula da sua
esfera literária. (LANGER, 1953, p. 156)
Nesse modelo, a música é a força maior que engloba a palavra. O produto, a
canção, não é resultado da ação conjunta entre poesia e música, não há um condutor
musical senão a própria música.
As canções com estrofes se enquadram nos conceitos desse modelo de
análise, onde o texto se modifica a cada repetição, porém a melodia permanece
sempre igual.
Agawu aponta alguns problemas com esse princípio por assimilação:

No entanto, existem problemas com o princípio da assimilação. Como


as palavras permanecem na música final, como o ouvinte separa seu
novo modo de existência (como elementos musicais) do seu anterior
(como elementos não musicais)? O que acontece com a musicalidade
inerente de certos poemas durante o processo de assimilação? É
talvez o caso que o ouvinte ouça, simultaneamente, a música do
poema, a não-música do poema e a música transformada do que
costumava ser um poema? (AGAWU, 1992, p. 6)

Essas questões apresentadas por Agawu, demonstram a fragilidade de se


considerar a ausência de cooperação do texto na canção. As canções estróficas
podem apresentar um domínio maior da música sobre o texto, no entanto, é possível
destacar canções, com essas características, nas quais o texto é percebido como eixo
principal, o motor que faz girar a canção, como ocorre, por exemplo, em Construção
de Chico Buarque de Holanda. Nesse exemplo, a melodia se repete, sempre da
mesma forma, nas suas nove primeiras estrofes, concedendo, assim, espaço para
20

que o texto exerça seu protagonismo. Na poesia, observa-se um jogo de alternância


entre as últimas palavras das frases, que atribui ritmo e sentido à canção. Dessa
forma, apesar da melodia da canção Construção ser rígida, diante da mudança
textual, compreende-se que não há coerência em analisá-la sob o prisma do princípio
da assimilação. Será mais adequado proceder ao uso do modelo por Interpretação
Semântica.

Trecho da canção Construção de Chico Buarque de Holanda:

Ergueu no patamar quatro paredes flácidas


Sentou pra descansar como se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E se acabou no chão feito um pacote bêbado

Sentou pra descansar como se fosse um príncipe


(...)E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido

1.1.2 Representação por Interação

Este modelo propõe uma relação inflexível entre texto e música, onde a canção
é uma estrutura em que palavras e texto coexistem, andam lado a lado, porém, sem
perder a individualidade.
O pensamento de Lawrence Kramer sobre a relação texto e música foi matriz
para a concepção do modelo de análise por interação, nele se expressa o papel das
palavras como elementos formativos na criação da canção. Nessa relação argumenta,
“um poema nunca é assimilado numa composição; ele é incorporado, e mantém sua
própria identidade, seu próprio ‘corpo’, dentro do corpo da música”.3 (KRAMER, 1984,
p. 127)

3A poem is never really assimilated into a composition; it is incorporated, and it retains its own life, its
own “body”, within the body of the music.
21

Um exemplo de canção formulada por interação está na coleção “Canções


Praieiras” de Dorival Caymmi. No exemplo abaixo temos um trecho do O Mar de
Caymmi, onde a sinuosidade na linha melódica demonstra o traço significativo do
tema também contido no texto.

Figura 1 - Trecho da canção O Mar de Dorival Caymmi.

Esse modelo evidencia a forma de conexão entre os dois sistemas, enfatizando


o sentido de interação.

1.1.3 Representação por Interpretação Semântica

Este modelo de análise, apesar de admitir coexistência de forças entre o texto e


música, pressupõe uma hierarquia quando propõe a imagem de uma pirâmide como
estrutura, onde a música se encontra na base e o texto no topo. A música está na
base e dá apoio à significação do texto, enquanto o texto, no topo, confere acesso ao
significado, sendo assim, a canção é interpretada como uma estrutura composta.
Agawu (1992) argumenta que nesse modelo há uma formulação dualista que
dá prioridade a um ou a ambos os sistemas: Para a estrutura da canção, a “parte
música” é um fundamento indispensável, porém, a canção só terá alcance ao
significado pelas palavras, pelo acesso à dimensão semântica.
Apesar de não questionar a significância da música, a análise por interpretação
semântica não acolhe essa competência diretamente. A aplicação do modelo é
adequada às análises de canções que são totalmente demarcadas pelas palavras, de
modo que há poucos elementos de música que não estão ligados ao texto. É
22

frequente, compositores empregarem o processo composicional conhecido como


durchkomponiert4, um tipo de canção composta de forma inteira, não particionada,
não repetitiva, organicamente disposta no tempo, diferente da canção estrófica que
tem como base a repetição, apesar das mudanças de texto. Embora a compreensão
do analista nem sempre seja definida pelas palavras, a existência do texto precisa os
termos do conceito final.
Podemos observar um exemplo que pode ser amoldado nesse modelo analítico
na obra A Compadecida do compositor José Siqueira, sobre o texto de Ariano
Suassuna:

Figura 2 - A Compadecida (José Siqueira). Primeiro ato, compassos 295 a 307.

Nesse exemplo podemos observar um estilo mais declamatório, com fraseado


irregular, seguindo o texto em prosa. As mudanças musicais são comandadas pelo
próprio texto. Uma espécie de recitativo.

1.1.4 Representação por Coexistência

O modelo por coexistência propõe que a canção seja uma sobreposição de três
sistemas independentes que se ligam. O diagrama exposto por Agawu demonstra
essa representação de forma clara:

4Segundo ISAACS e MARTIN no Dicionário de música Zahar (1985), durchkomponiert é a “canção em


que a música é diferente para cada verso (verso = estrofe) do poema, por oposição à canção estrófica;
mas o uso do termo ampliou-se para abranger qualquer peça ‘inteiramente composta’, por oposição
àquela que tem seções repetidas”.
23

Figura 3 - Relação Texto e Música na Canção

No diagrama acima vemos a sobreposição de três círculos que representam o


texto, a música e a canção. O círculo do meio, possui três áreas de conexões, uma
área conectada com o texto, outra área conectada com a música, e uma terceira área
autônoma, representando a área da canção. No modelo de coexistência, tanto a
poesia quanto a música, podem ser explicadas de forma independente e externa à
canção. Num estudo sobre o ciclo de Lieds de Schumann - opus 48, Fernando
Tomimura em sua tese Robert Schumann e o Dichterlieb - Aproximação e
distanciamento na unidade poético-musical (2011), observa variados procedimentos
composicionais na construção dos lieds, que revelam complexas conexões entre
propriedades poética e musical. Tomimura escreve:

A complexidade desta tarefa reside em vários aspectos. A primeira e


mais óbvia, é a da união de dois léxicos, o musical e o poético, duas
linguagens de natureza diversa que se descaracterizam em parte,
cada uma delas, para servir a um novo gênero, a canção, forma que
está entre o texto poético e a música “pura”. É o ponto de aproximação
viável na concomitância destas duas naturezas. Porém, em
Schumann, essa complexidade é o princípio de uma outra maior. Em
suas canções, os pontos de aproximação da palavra cantada com a
parte instrumental, muitas vezes se distanciam e buscam na natureza
própria de cada léxico uma nova maneira de se relacionar.
(TOMIMURA, 2011, p. 118)
24

A complexidade descrita por Tamimura, como resultado da interação de dois


léxicos - a poesia e a música - torna as canções de Schumann um terceiro elemento
de natureza singular. Podemos observar esta grandeza na obra 5 Orchesterlieder, Op.
4, do compositor Alban Berg com texto do poeta vienense Peter Altenberg5.
Para Schoenberg, a compreensão mais abrangente do texto, estava justamente
na relação amalgamada entre o texto e música, onde a unidade não alcançaria
amplitude na desagregação:

Há alguns anos atrás eu fiquei profundamente envergonhado quando


descobri em várias canções de Schubert, já conhecidas por mim, que
eu não fazia a menor ideia do que acontecia nos poemas em que
elas foram baseadas. Mas quando eu li os poemas, ficou claro que
eu não tinha ganhado absolutamente nada para a compreensão das
canções, deste modo, uma vez que o poema não tornou necessário
para mim a mudança da minha concepção de interpretação musical.6
(SCHÖENBERG, 1950, p. 4)

A direção que o método de representação por coexistência formula, demonstra


uma experiência mais representativa do produto, a canção, e das forças individuais
advindas da poesia e da música. O Beba Coca-Cola ou Motet em Ré menor de
Gilberto Mendes, para coro misto, representa de maneira determinante a força da
relação e indissociabilidade do texto e a música, onde o conceito não se fixa em suas
unidades, mas na obra.7 Apesar da adjunção e relação entre os domínios, a música
não necessariamente precisa ser justificada diretamente à esfera semântica da
palavra, da mesma forma, a poesia nem sempre precisa estar amarrada a alguma
configuração musical. A canção detém uma identidade inflexível ao se observar a
relação do texto e música, mas admite a influência de ambos.

5 Alban Berg teceu suas canções orquestrais no Op. 4, sobre algumas poesias aforísticas escritas em
cartões postais e pedaços de papel pelo poeta e escritor vienense Peter Altemberg. A obra foi estreada
em 1913.
6 A few years ago I was deeply ashamed when I discovered in several Schubert songs, well-known to

me, that I had absolutely no idea what was going on in the poems on wich they were based. But when
I had read the poems it became clear to me that I had gained absolutely nothing for the understanding
of the songs thereby, since the poems did not make it necessary for me to change my conception of the
musical interpretation.
7 Beba Coca-Cola ou Motet em Ré menor, obra composta em 1967 por Gilberto Mendes, sobre o poema

concreto de Décio Pignatari.


25

1.1.5 Text-setting

Próximo às formulações presentes nas Representações por Coexistência e


Interpretação semântica, um conceito concernente à relação entre texto e música é
apresentado No The New Grove: Dictionary of Music and Musicians, (2001), vol. 23,
p. 319-320, o Text-setting. Tal conceito se refere a uma simbiose na construção
textual, que parte das propriedades comuns ao texto para se reconhecer aspectos
musicais.
O The New Grove define o Text-setting como “a composição de música vocal
para um determinado texto8” (KING, 2001, p. 319). O autor descreve que o Text-setting
construído com uma nota por sílaba é denominado de “configuração silábica” (figura
4), elaborado com muitas notas por sílaba, é conhecido como “configuração
melismática” (figura 5), e o texto em que sílabas aparecem em intervalos temporais
regulares, é referido como “isocrônico” (figura 4).

Figura 4 - Trecho de Anos Dourados de Antônio Carlos Jobim e Chico Buarque de Holanda.

Figura 5 - Trecho de Todo Azul do Mar de Flávio Venturini e Ronaldo Bastos.

8 The composition of music to a given text. (KING, 2001, p. 319)


26

O trecho da canção de Antônio Carlos Jobim e Chico Buarque de Holanda,


expõe um Text-setting de configuração silábica e isocrônico, todo o trecho apresenta
uma nota por sílaba, e as silabas nas duas frases apresentam intervalos rítmicos
regulares, não considerando a diferença de notas. A configuração melismática é vista
no compasso 6 do exemplo em Todo Azul do Mar de Flávio Venturini e Ronaldo
Bastos.
O Text-setting se divide em duas áreas de estudos: sintática e semântica.
Estudos na área sintática abrangem a relação entre a canção e as estruturas
específicas das frases musicais e textuais, como suas acentuações. Na área
semântica, o Text-setting envolve primordialmente o sentido do texto, neste caso,
direcionando ao sentido musical. (KING, 2001, p. 319)

1.2 METÁFORA

No intuito de compreendermos um pouco mais os significados que envolvem


as relações entre texto e música, concentraremos nestes próximos tópicos em discutir
sobre a metáfora, já que os ditos populares – foco dessa pesquisa - são em grande
parte formados por construções metafóricas. Nesse caso abordaremos os autores
Aristóteles em Poética e Lakoff e Johnson em Metaphors We Live By, de 1980.

1.2.1 Metáfora por Aristóteles

É importante observar a diferença entre o sentido da metáfora tradicional e a


metáfora conceptual9. Aristóteles desenvolve a mais antiga e conhecida teoria sobre
metáfora, que até hoje serve como referência. Ribeiro (2017) explana que na metáfora
acontece o uso de uma palavra distante do seu sentido básico por outra, em
detrimento a algum tipo de correspondência. O conceito aristotélico de metáfora
transcrito da obra Poética, diz que “a metáfora é a transferência de uma palavra que

9 Ver tópico 5.2, Metáfora por Lakoff e Johnson (Metáfora Conceptual).


27

pertence a outra coisa, ou do gênero para a espécie ou da espécie para o gênero ou


de uma espécie para outra ou por analogia.” (ARISTÓTELES, Poética, pg. 83).
Aqui, Aristóteles especifica quatro modos de como a metáfora se realiza:

1 – De gênero a espécie;
2 – De espécie a gênero;
3 – De espécie a espécie;
4 – Analogia.

Os dois primeiros modos consistem na substituição de palavras com contextos


semânticos diferentes, por terem conexões próximas. Os dois últimos modos
receberam maior atenção nos escritos de Aristóteles, são eles as metáforas que se
dão de espécie para espécie e por analogia. Vejamos, por exemplo, o recorte de um
poema das Purificações de Empédocles:10 “Tendo-lhe arrebatado a vida com o
bronze” e “cortando com o vigoroso bronze”.11 Nessas frases, os termos “arrebatar” e
“cortar”, apesar de raízes semânticas distantes, se encontram em um mesmo ponto
dentro do contexto da frase “tirar a vida”, é esse ponto de confluência de significado.
Utilizando por base a elaboração de diagrama sugerido por ECO (1994, p. 211),
podemos imaginar o diagrama expandido dessa ideia, onde o contexto atua como
catalisador, compreendendo sentido a partir do ponto de intercessão entre espécies
diferentes de palavras:

10 Empédocles, filósofo pré-socrático originário da Sicília (c. 492-432 a.C.), escreveu em verso Sobre a
Natureza e Purificações. Influenciou o pensamento ocidental com a teoria comogênica dos quatro
elementos clássicos, em que toda matéria é constituída de água, terra, ar e fogo.
11 Citações das Purificações de Empédocles.
28

Figura 6 – Diagrama

De acordo com Aristóteles, a metáfora por analogia se organiza sobre trocas e


correlações entre quatro termos, onde o segundo termo está para o primeiro como o
quarto está para o terceiro. Neste exemplo de Empédocles, podemos observar essas
correlações: “A velhice é o crepúsculo da vida.”12 A analogia é essa:

velhice está para vida


crepúsculo está para dia

Apesar do processo de observação ou construção desse tipo de metáfora dar-


se sempre pelo mesmo procedimento, nem todos os casos de analogia encontram
palavras correspondentes. Por exemplo, a frase “Semeando a discórdia”13 pode ser
lida como “espalhando a discórdia”. A palavra semear, nomina o ato de “espalhar a
semente”, já para o termo “espalhar discórdia” não existe designação própria. A
construção de uma metáfora, pressupõe entendimento de sentidos conexos e
abstração, uma habilidade intrínseca dos poetas e oradores.
O alto valor dado à arte da oratória na Grécia antiga, estava intrinsicamente
ligado ao poder da persuasão do discurso. A metáfora linguística não fugia a este
princípio, o seu papel na retórica era persuadir. Aristóteles enfatizou essa importância
quando escreveu:

12 Citação das Purificações de Empédocles. Sobre esse filósofo, vide supra, nota 1.
13 Não é conhecida a fonte desta citação.
29

É importante aplicar convenientemente cada um dos modos de


expressão mencionados, tanto as palavras compostas como as
palavras raras, e ser, acima de tudo, bom nas metáforas. De fato, esta
é a única coisa que não se tira de outrem e é sinal de talento, porque
construir bem uma metáfora é o mesmo que percepcionar as
semelhanças. (ARISTÓTELES, Poética, p. 90)

Tais mecanismos expressivos da linguagem estão em conformidade com a


metáfora clássica, que, desta forma, são empregados no intuito de amplificar imagens
e significados em textos como recurso estilístico e poético. Por essa força que a
metáfora insere à poesia, é comum ouvir que metáfora é um termo poético.

1.2.2 Metáfora por Lakoff e Johnson

O conceito tradicional sobre metáfora tem sido substituído nos últimos anos por
um novo enfoque, saindo de um entendimento exclusivamente linguístico oratório,
para uma abordagem que integra mecanismos de cognição conceptual. A obra
Metaphors We Live By, de 1980 – Metáfora da Vida Cotidiana14, versão em português
- é um marco nos estudos da Linguística Cognitiva, abriu um amplo espaço para
discussão sobre o pensamento metafórico e os sistemas conceituais humanos. O livro
surge de estudos em comum, direcionados à metáfora por George Lakoff, professor
de Linguística da Berkeley na Universidade da Califórnia, e Mark Johnson, professor
de Filosofia na Universidade de Oregon. A ideia inicial da teoria consiste em que, a
metáfora está inserida nas experiencias da vida cotidiana, e não somente como forma
de ornamento expressivo. A proposta de Lakoff e Johnson se diferencia do
entendimento comum sobre a metáfora, que geralmente é concebida como um artifício
retórico, ou simplesmente para elaborações de imagens poéticas, deste modo, vista
como uma questão de linguagem ocasional, não relacionada à questão de
pensamento e ação.

14Metáfora da Vida Cotidiana – Lakoff e Johnson, tradução do Grupo de Estudos da Indeterminação e


da Metáfora, 2002.
30

Lakoff e Johnson afirmam que, nosso sistema conceitual, a forma que agimos
e pensamos, é estruturalmente metafórico:

Os conceitos que governam nosso pensamento não são meras


questões do intelecto. Eles governam também a nossa atividade
cotidiana até nos detalhes mais triviais. Eles estruturam o que
percebemos, a maneira como nos comportamos no mundo e o modo
como nos relacionamos com outras pessoas. Tal sistema conceptual
desempenha, portanto, um papel central na definição de nossa
realidade cotidiana. Se estivermos certos, ao sugerir que esse sistema
conceptual é em grande parte metafórico, então o modo como
pensamos, o que experienciamos e o que fazemos todos os dias são
uma questão de metáfora. (LAKOFF E JOHNSON, Metáfora da Vida
Cotidiana, tradução de Vera Maluf, 2002, p. 45)

A partir dessa compreensão, observamos que a comunicação está alinhada a


um mesmo sistema conceitual referente ao comportamento e raciocínio. A linguagem
é um importante indicador para observação dos modos como esse sistema transcorre.
De acordo com Miranda (2009, p. 82), a trama discursiva promove uma série de
complexas elaborações cognitivas. Essas elaborações se conectam por domínios,
definidos como conjuntos de conhecimentos estruturados, adquiridos socialmente e
culturalmente, que estão disponíveis em eventos discursivos. Salomão (1998)
corrobora o mesmo pensamento sobre domínio conceptual quando diz: “O princípio
nuclear da cognição humana corresponde à projeção entre domínios, desta forma
operando produção, fracionamento da informação, transferência e processamento do
sentido.” (SALOMÃO, 1998, p. 82). Vejamos alguns exemplos de metáforas comuns
ao nosso cotidiano, segundo Lakoff e Johnson (2002):

- Ele contratacou com fortes argumentos!


- Vencemos o debate!
- Mirei nos pontos fracos e derrubei seus argumentos!

Em cada frase acima, podemos destacar os dois domínios conceptuais -


discussão e guerra – a ideia final dessa junção, nos mostra a metáfora conceptual que
as envolve – discussão é guerra.

Domínios conceptuais: Discussão / Guerra


Metáfora Conceptual: Discussão é guerra.
31

Seguem outros exemplos:

Domínios conceptuais: Tempo / Dinheiro


Metáfora Conceptual: Tempo é dinheiro.

- Você gasta seu tempo com bobagens.


- Economize horas trabalhando mais.
- Essa dor de cabeça me custou três horas do meu dia.

Domínios conceptuais: Mente / Máquina


Metáfora Conceptual: A mente é uma máquina.

- Neste momento minha mente parou de funcionar.


- Esqueço de tudo, estou enferrujado.
- Vamos parar, minha cabeça aqueceu.

Como visto nos exemplos acima, metáfora conceptual é o resultado da conexão


entre dois domínios, esse link metafórico é nominado de mapping ou mapeamento
(LAKOFF, 2006, p.190). Para a Linguística Cognitiva, a metáfora é um evento
conceitual de mapeamento interdomínios, isto é, integra dois domínios distintos da
vivência, escrevendo a natureza de um domínio-fonte em uma estrutura de outra
natureza de um domínio-alvo. De acordo com Camargos e Faria (2011, p. 14), “o
conceito de fonte relaciona-se ao sentido mais físico, concreto e de movimento. Dessa
forma, existe uma tendência na língua, em que a metáfora usa uma fonte mais
concreta para descrever um alvo mais abstrato.” Da mesma forma, afirma Damasceno
(2006), em que as experiências estão vinculadas aos processos na esfera física,
assim sendo, há um caminho mais natural em projetar atributos do campo físico para
o campo imaterial, que o contrário.
Há possibilidade de domínios atuarem com suas funções trocadas, o que antes
era alvo transformar-se em fonte, e o que era fonte funcionar como alvo. A metáfora
conceptual “Máquinas são pessoas”, pode inverter seus domínios e combinar uma
32

nova metáfora – “Pessoas são máquinas”15. Andrade (2008, p.42), escreve sobre este
processo: “Duas metáforas diferentes podem, em suma, compartilhar dois domínios e
diferenciarem-se em qual deles é fonte e qual deles é alvo, e podem também
diferenciar-se em seus mapeamentos.”
Usando como exemplo a frase “O telefone está mudo”, a metáfora estrutural
“Maquinas são pessoas”, estende o mau funcionamento do aparelho ao estado
humano de não fala, os atributos humanos são conferidos à máquina.
Algumas questões que pairam neste momento são: Como se dá o mapeamento
metafórico? Existe uma precisa conexão de um domínio para outro? Como as
correspondências de sentidos são desenvolvidas? Para essas questões, recorro a
Marcos Nogueira (2015), quando discorre sobre a teoria do sentido incorporado de
Johnson:

Para isso a estratégia proposta pela teoria de Johnson é a


investigação das estruturas internas dos esquemas de imagem em
que se baseiam aquelas projeções e então determinar por que um
determinado mapeamento de domínio-fonte para domínio-alvo ocorre
do modo que ocorre. As conexões neurais se se estendem de um lado
a outro do cérebro entre as áreas dedicadas às experiências sensório-
motoras e as áreas dedicadas às experiências subjetivas.
(NOGUEIRA, 2015, p. 158)

1.2.3 Metáfora em Contexto Cultural

Neste momento se faz apropriado incorporar exemplos a partir dos ditos


populares recorrentes da região Nordeste do Brasil, para a finalidade mais objetiva
desta pesquisa em questão.
A metáfora engendrada no termo composto “gota serena”, que é, aqui neste
trabalho, intensamente explorada como mote nas composições, coloca à disposição
uma série de sentidos procedentes da análise etimológica de cada palavra e dos
significados do termo integral. O significado mais comum da expressão “gota serena”,
se refere a um estado de impaciência, irritabilidade ou exaltação, porém a expressão
surge a partir da junção de duas palavras de sentidos amenos, brandos. A palavra

15Exemplos similares à esse tipo de metáfora (Pessoas são máquinas) foram colocados acima (Mentes
são máquinas).
33

“gota” tem origem no latim, definida literalmente como fragmento globular de um


líquido, comumente usada como significado de delicadeza, quantidade mínima ou
insignificância. Como por exemplo, a expressão “Gota a gota” comunica o tempo lento
dos acontecimentos, aos poucos, um passo a passo. A frase “Uma gota no oceano”
diz de algo insignificante em contraste ao contexto em que se encontra. A expressão
“Foi a gota d’água” é utilizada para se referir ao último elemento que completa um
processo anterior, provocando um transcender. O adjetivo “serena”, derivada do
substantivo masculino “sereno” – humidade fina, que cai à noite – etimologicamente
descende do Latin serenus, é sinônimo de calma, tranquilidade, brandura, mansidão,
equilíbrio, discrição, sensatez, etc.
É interessante perceber que na junção das duas palavras “gota” e “serena”,
poderia haver uma amplificação dos sentimentos de brandura imanentes delas. Se de
alguma forma pudéssemos separar as ações do contexto sociocultural na expressão
“Gota serena”, a tal amplificação dos sentimentos de brandura se realizaria, e a
imagem do termo poderia ser percebido como “Uma partícula líquida mínima, caindo
levemente”. Vindo para o “mundo real” onde nada permanece ileso depois das
experimentações do meio, o resultado vigente é o antagônico. Diante desta
observação, pode-se compreender a expressão popular “Gota serena” como uma
unidade de vocábulos indissociáveis, solidificados por variados fatores do meio.
Tomando por suporte os diversos conceitos e teorias lexicais, Xatara (1998) propõe
uma seguinte definição para o que seria expressão idiomática: “(...) é uma lexia
complexa indecomponível, conotativa e cristalizada em um idioma pela tradição
cultural.” (Xatara, 1998, p. 149).
Apesar das unidades formadoras do todo estarem restritas ao sintagma, existe
espaço para análise numa perspectiva etimológica ou histórica, como diz Xatara
(1998). Vale ressaltar que em 1924, o linguista dinamarquês Otto Jespersen, já
abordava também a presença do sintagma fixo na resultância da oralidade informal
em seu livro The Philosophy of Grammar. Suporte para a ideia de que as expressões
idiomáticas como identidade única, seriam “estruturas fixas”, invariáveis, que não
comportam modificações flexionais do ponto de vista sintático-semântico. Sobre esta
restrição conferida aos sintagmas nas expressões idiomáticas, Xatara (1998, p. 149)
argumenta que “quase nenhuma característica das associações paradigmáticas pode
ser normalmente aplicada”. De acordo com a autora, os exemplos abaixo demostram
bem esta rigidez nas operações:
34

No caso, a expressão COM A GOTA SERENA, nos exemplos que se seguem,


detém o sentido de FURIOSO. Sintaticamente é um sintagma preposicionado que
funciona como predicativo do sujeito.

ELE ESTÁ COM A GOTA SERENA. = ELE ESTÁ FURIOSO.

Modificações experimentadas:

“Ele está com a gota do sereno.”


“Ele está com uma gota serena.”
“Ele está com sua gota serena.”
“Ele está com o pingo sereno.”
“Ele está com a terrível gota serena.”

Tais modificações se tornam inviáveis, pois promovem um comprometimento


quanto à interpretação da expressão original. Pode-se pensar, em alguns casos, numa
aproximação estilizada da expressão com o original, como na frase (4) onde se troca
a palavra “gota” por “pingo”, ou na primeira frase onde se modifica o termo “serena”
pelo “do sereno”. Segundo Xatara (1998), nesses casos se obtém uma
composicionalidade16 fraca.
Outra forma possível de emprego para o termo “Gota serena”, está na aplicação
do mesmo como objeto de intensificação sob a forma frasal “Da gota serena”. O termo
atua como adjunto adverbial de intensidade.
É comum, em grande parte das imagens formadas mentalmente sobre o termo
“intensificação”, que sejam percebidas numa projeção de crescimento ou acúmulo por
um vetor positivo, porém, a propriedade de um intensificador, é exacerbar o significado

16 Composicionalidade segundo Hugo Mari: “Segundo esse princípio, o significado que atribuímos a
objetos, em geral, não representa uma totalidade a priori, mas decorre de um processo de aglutinação
de unidades, resultando em matrizes conceituais, com graus diferentes de especificidade, mas capazes
de selecionar aspectos da realidade. A base da construção de uma matriz conceitual é um conjunto de
categorias atômicas, de base semântica distinta, que podem ser submetidas a uma forma de
organização particular[...]. Afinal, procuramos demonstrar que predicação e composicionalidade são
instrumentos formais, através dos quais podemos definir parte da nossa atividade de perceber e de
pensar.” (Mari, 1998, pgs. 51 – 65).
35

no sentido em que o vetor (adjetivo) aponta, como por exemplo, nas frases: “Que
rapaz forte da gota serena!” ou “Que rapaz fraco da gota serena!”
Com base nessas referências, podemos de forma simples, relacionar duas
imagens da grafia musical com o termo intensificação:17

Crescendo Decrescendo

Figura 7 - Crescendo e decrescendo como intensificação

A forma contraída do termo “Da gota serena” resultando em “Da gota”, não é
somente possível, mas costumeira, e reage sintaticamente do mesmo modo que a
forma extensa. As frases “Que cachaça da gota serena!” e “Que cachaça da gota!”,
são equivalentes. Neste último exemplo frasal, apesar da palavra “gota” carregar todo
o sentido do sintagma, se vista como parte isolada, peça formante, não seria capaz
de fornecer o significado do todo. Bolinger (1976) ratifica esse pensamento, afirmando
que:

[...] os idiomatismos tem significados que não podem ser auferidos a


partir dos significados de suas partes. [...] unidades lexicais maiores
que palavras [...] expressões idiomáticas [...] das quais as teorias
reducionistas da linguagem não alcançam [...] [trata-se de] um
fenômeno muito mais persuasivo do que jamais imaginamos.18
(BOLINGER, 1976, p. 3-5).

Bolinger sugere primordialmente a observação através de pontos de vista


idiomáticos antes de qualquer perspectiva analítica: sintática e fonológica.
É certo de que as expressões idiomáticas são resultado de transformação da
linguagem por ação das experiências comuns por meio de uma comunidade com
identidade linguística, num processo cognitivo metafórico. Métodos analíticos

17 Correspondências entre texto e gestos musicais serão vistos mais detalhadamente no capítulo
dedicado aos Processos Composicionais.
18 “[...] Idioms... have meanings that cannot be predicated from the meanings of the parts. [...] Lexical

inits larger than words...idioms...where reductionist theories os linguage break down...a vastly more
persuasive fenômenos than we ever imagined.” (Bolinger, 1976, p. 5) (tradução nossa).
36

estruturais fraseológicos não são capazes de pormenorizar o fenômeno destas


transformações. Nesse sentido, Lodovici (2007) assinala que:

O segundo movimento em curso na cena atual dos estudos


idiomáticos diz respeito ao fato de que atualmente há um forte debate
no campo relativamente ao recorte deste objeto – o idiomatismo – e
sua pertinência (ou não) ao campo da Linguística ou, mais
especificamente, a suas subáreas. Reivindica-se não mais o
abarcamento do idiomático/fraseológico pela Lexicologia/Fraseologia,
mas situá-lo num outro domínio autônomo de investigação,
correspondente a uma nova área do conhecimento, alegando-se
terem os fraseologismos especificidades próprias. (LODOVICI, 2007,
p. 176).

A apreensão de uma expressão idiomática, não corresponde à uma abordagem


monodimensional de análise. Bem mais expressivas, estão as considerações
concebidas a partir do falante e seu entorno, elas dizem muito à dinâmica discursiva.
Nesse contexto, Lodovici (2007, p. 178) declara sobre uma concepção binária de
signo linguístico, “que envolve simetria e fixidez do significado – e considerações
iniciais sobre a necessária inclusão do falante no âmbito desta reflexão”. Nessa
mesma perspectiva, porém de forma mais enfática, Durán e Pozas - catedráticos de
Linguística na Universidade de Granada na Espanha - discorrem que “[...] os
fraseologismos tem mais carne e sangue do que palavras normais e muito mais
diretamente integrados e ligados a fenômenos culturais e ideológicos.” (DURÁN;
POZAS, 1998, p. 43).19
A Linguística Cognitiva oferece avanços para a ciência da linguagem, ao
abarcar a ideia de que a linguagem se manifesta por relações entre mente e corpo,
como algo intrinsicamente conectado ao modo que os indivíduos vivem e percebem o
mundo. Nessa direção, Silva (1997) descreve que:

As unidades e as estruturas da linguagem são estudadas, não como


se fossem entidades autônomas, mas como manifestações de
capacidades cognitivas gerais, da organização conceptual, de
princípios de categorização, de mecanismos de processamento e da
experiência cultural, social e individual. (SILVA, 1997, p. 59)

19Podria decirse que los fraseologismos tienen más carne y sangre que las palavras normales y que
están mucho más diretamente integredos y vinculados a fenómenos culturales e ideológicos. (Luque
Durán e Manjon Pozas, 1998, p. 43) (tradução nossa).
37

O fato de posicionar os estudos linguísticos no campo da cognição, permitiu um


grande passo em direção ao entendimento dos sistemas linguísticos, principalmente
ligados às expressões idiomáticas, por assim conferir às experiências corpóreas como
áxis que carregam o processo de construção da linguagem. A exemplo das projeções
metafóricas. (MEDEIROS, 2015).
Se presume que a construção de uma metáfora, demande uma singular
percepção e subjetividade de conceptualização, visto que implica em relacionar coisas
diferentes, a gerar um produto de operação mental que faça sentido dentro de um
grupo sociocultural.
Um dos pontos debatidos por estudiosos da área linguística, em torno da
relação entre metáfora conceitual e cultura, tem sido a distinção entre dois tipos de
metáforas: a de caráter restrito à determinada cultura, e a compreendida como
universais. Nesse sentido, há uma sugestão de Lakoff e Johnson (1999), reiterada por
Kövecses (2005), onde sugerem um modelo de identificação que compreende na
classificação entre duas qualidades de metáforas conceptuais, dispostas como
metáforas primárias (GRADY, 1997)20 e metáforas congruentes (KÖVECSES, 2005).
De acordo com Kövecses, as duas classes de metáforas apresentadas, dispõem de
um complexo jogo de integração das experiências corpóreas básicas, sendo que a
metáfora congruente se distingue por estar moldada também por variedades culturais.
O esquema abaixo tenta mostrar o caminho formante dessa distinção:

Figura 8 - Caminho formante da metáfora primária e congruente

20A Hipótese da Metáfora Primária foi proposta por Grady em 1997, em sua dissertação de PhD
Fondations of meaning: primary metaphors and primary scenes, na Univercidade da Califórnia,
Berkeley.
38

As metáforas primárias são consideradas unidades universais, pois decorrem


das experiências sensório-motoras e processamentos cognitivos, adquiridos
naturalmente na prática do comportamento humano. Deste modo, contendo pouca ou
nenhuma interferência da feição cultural. Por outro lado, a metáfora congruente inclui
entrecruzamentos de interferência cultural.
Zoltán Kövecses em seu livro Metaphor in Culture (2005) explica esta diferença
observando a metáfora “A pessoa zangada é um contêiner com pressão”. O autor diz
que a lógica seria posicioná-la como uma metáfora universal, por constatar evidências
desta mesma metáfora em variadas línguas, a exemplo do chinês, japonês, húngaro,
wolof, zulu e polonês. No entanto, a concepção generalizada, atribuída à metáfora
descrita anteriormente, pode acomodar alterações e adquirir lugares específicos, a
partir do ponto em que surgem questões inerentes às suas unidades, desse modo,
possibilitando variadas conformações de respostas que só fazem sentido ao grupo
que a responde. Por exemplo, apesar desta metáfora ser autossuficiente como
metáfora, não especifica detalhes sobre a forma do contêiner, o tamanho do contêiner,
se a pressão provocaria uma explosão de impactos benéficos ou maléficos, etc. Ulrike
Schröder (2008) argumenta sobre esse tema, formulando que “a metáfora constitui
um esquema genérico que é preenchido por cada cultura que dele dispõe em
congruência com essa metáfora primária. Quando isso acontece, o esquema genérico
recebe um conteúdo cultural único em um nível específico.” Kövecses (2005, p. 68-
70) apresenta algumas variações da metáfora primária “A pessoa zangada é um
contêiner com pressão”, sob a perspectiva de outras línguas.21 No caso da língua
japonesa, Kövecses observa que as palavras que caracterizariam o sentido de “raiva”,
seriam “ikari” e “hara”, esta última sendo menos típica. Onde Matsuki (1995, p. 145)
avalia o termo, levando em consideração o sentido da metáfora no inglês americano:
“O cenário se aplica à ira japoneja, embora o estágio três seja mais elaborado do que
no inglês”. Apesar da palavra “irakiri” ser a primeira na descrição do sentido de raiva,
o uso dela no termo, traz mais elaboração de significados que no inglês, pois no
contexto nipônico, o “hara” - que significa estômago - é o primeiro lugar onde a raiva
se instala, depois seguindo para mais dois estágios, mune (peito) e atama (cabeça).

21 Além do processo de caracterização da metáfora primária “A pessoa zangada é um contêiner com


pressão” aqui apresentada sob a ótica da língua japonesa, Kövecses em seu livro Metaphor in Culture:
Universality and Variation (2005), apresenta outras variações da mesma, tomando por base alguns
idiomas, no caso o chinês, húngaro, wolof, zulu e o polonês.
39

Segundo Matsuki (1995), o hara (estômago) é um recipiente. Neste caso, a metáfora


“A pessoa zangada é um contêiner com pressão”, em significado, converte-se em
“Raiva está no estômago (hara)”.
A transcrição de uma metáfora genérica, atrelando-a a uma específica cultura,
a transporta do nível universal para o congruente. Esse processo tanto pode ser
experimentado em relações entre culturas distantes, como em variações dentro da
própria cultura.
Sperandio e Assunção (2011) ressaltam que:

A variação também é possível dentro de uma mesma cultura, sendo


essa variação resultante de dimensões que incluem social, regional,
étnico, estilo, subcultural, diacrônico e individual. A dimensão social
inclui a diferenciação da sociedade entre homem e mulher, jovem e
velho, entre outras, e as diferentes metáforas que são utilizadas por
cada grupo. A dimensão regional refere-se às novas metáforas que
são desenvolvidas quando há o movimento da linguagem de seu local
de origem; são os dialetos locais e os nacionais. A dimensão
subcultural engloba as metáforas próprias de cada subcultura que
constitui uma cultura particular. Dimensão individual consiste do uso
criativo que cada indivíduo faz da linguagem, cada indivíduo possui
suas metáforas idiossincráticas e, por último, a dimensão estilística
que é determinada por fatores como o interlocutor, o assunto e o
contexto que determinarão a escolha pelo estilo padrão ou informal.
(SPERANDIO; ASSUNÇÃO, 2011, p. 14)

Corroborando a abordagem de Sperandio e Assunção (2011), está a ideia do


filtro cultural, apresentada por Yu (2008), tendo em vista o conceito da metáfora
corporificada e cultura, onde a cultura atua como filtro, na função de selecionar
determinados aspectos das experiências sensório-motoras e interligar com as
experiências subjetivas, para a estruturação do mapeamento metafórico.
Diante disso, podemos elaborar tentativas de variações metafóricas,
reutilizando a metáfora “A pessoa zangada é um contêiner com pressão”, observando
as implicações apresentadas diante o contexto regional brasileiro. Neste caso, serão
demarcados dois lugares: a cultura popular nordestina (dimensão regional) e a cultura
popular da cidade de Salvador (dimensão subcultural).
Sob uma perspectiva nordestina, uma possibilidade de construção da frase em termos
populares, seria: “O cabra quando pega ar, fica de quengo quente!”
No contexto cultural nordestino, o termo “cabra” se refere a uma pessoa do
sexo masculino. “Pegar ar” significa ficar com raiva, contém a ideia de que a raiva
40

cresce na proporção em que se pega mais ar. “De quengo quente” se refere a pessoa
com muita raiva.
Em Salvador especificamente seria: “Nego quando se reta é barril!” ou “Nego
quando está virado no estopô é barril!”.
No recorte do contexto soteropolitano, o termo “nêgo” é usado genericamente
para se referir a pessoas, independentemente da sua cor. O termo “barril” –
proveniente de barril de pólvora - possui uma coleção de significados, podendo
significar algo difícil, impressionante, perigoso ou algo de bom.
Apesar destas duas últimas formações frasais se referirem especificamente ao
sistema de fala popular em Salvador, existes traços expressivos advindos do âmbito
regional, relativos ao contexto cultural maior, no caso, a cultura nordestina. A palavra
“reta” utilizada na metáfora, descende do termo “arretado”, muito usado nos falares
nordestinos. A sentença “virado no estopô”, é uma variante da expressão “virado na
gota serena” ou de outras expressões habituais como “virado no mói de coentro”,
“virado no cão”, “virado no diabo”, etc.
41

CAPÍTULO 2

2 RECURSOS SONOROS DA VOZ NO SÉCULO XX

.
A partir da década de 1950, novas possibilidades referentes a técnicas vocais
foram desenvolvidas na música ocidental, principalmente através de compositores
que se dedicaram a experimentos com enfoque numa nova estética para a voz
humana. O empreendimento de elaboração musical, inevitavelmente, se associa a
novas áreas, como a linguística (fonologia), ao conceito de obra aberta, à validação
científica, à eletrônica e outros. Compositores como Luciano Berio (1925-2003), John
Cage (1912-1992), George Crumb (1929-), György Ligeti (1923-2006) entre outros
exploram timbres atípicos da voz em música, modelos alternativos de notação e
técnicas vocais estendidas.
Sobre as características da escrita moderna para a voz, Berio (2006) descreve
que:

A música vocal mais significativa das últimas décadas tem investigado


exatamente isso: a possibilidade de explorar e absorver musicalmente
a face completa da linguagem. Além da articulação puramente silábica
de um texto, a música vocal pode lidar com a totalidade de suas
configurações, incluindo a fonética e os gestos vocais sempre
presentes. Isto pode ser útil para que o compositor se lembre que o
som de uma voz é sempre uma citação, sempre um gesto. A voz, o
que quer que expresse, até mesmo um simples ruído, é
inevitavelmente significativa: ela sempre promove associações,
sempre carrega em si um modelo, seja ele natural ou cultural. (BERIO,
2006, p. 50)22

22 The most significant vocal music of the last few decades has been investigate exactly that: the
possibility of exploring and absorbing musically the full face of language.Stepping out of the purely
syllabic articulation of a text, vocal music can deal with the totality of its configurations, including the
phonetic one and including the ever-present vocal gestures. It can be useful for a composer to remember
that the sound of a voice is always a quotation, always a gesture. The voice, whatever it does, even the
simplest noise, is inescapably meaningful: it always triggers associations and it always carries with itself
a model, whether natural or cultural. (BERIO, 2006, p. 50).
42

De acordo com esta visão, o texto é absorvido da forma mais abrangente em


seus significados e sonoridades, identificados a partir da semântica, fonética,
fonemas, sons formantes, respirações, e contextos de ordem cultural.
A música experimental dedicada à voz se amplificou no Brasil, impulsionada
por compositores como Gilberto Mendes (1922), Ernst Widmer (1927), Willy Correa
de Oliveira (1938) e Linderberg Cardoso (1939), dentre outros.
Nick Strimple (2005), em seu livro Choral Music In The Twentieth Century,
menciona relevantes obras vocais brasileiras do segundo período do século XX, tais
como A Floresta do Amazonas (1958), de Heitor Villa-Lobos, as Missas (1962-1968),
de Francisco Mignone, a Sinfonia Nº 5 (1977), de Camargo Guarnieri, destacando a
obra Beba Coca-Cola (1967), de Gilberto Mendes, como uma marcante composição
de vanguarda. Strimple também reflete sobre a importância do surgimento do Grupo
de Compositores da Bahia, em 1966, no desenvolvimento da área de composição
coral:

Após a morte de Villa-Lobos, um importante desenvolvimento na


composição da música coral ocorreu com a formação do Grupo Bahia
em 1966.23 Dentre os membros, incluíam Ernrt Widmer (n. 1927) e seu
aluno Lindembergue Cardoso (1939-1989), ambos compositores
talentosos e prolíficos de música coral em um estilo cosmopolita
incorporando serialismo e várias técnicas vanguardistas. A obra mais
conhecida de Cardoso é a cantata Procissão das Carpideiras (1969).
Obras adicionais incluem o colorido Caleidoscópio (1975),
Chromaphonetikos (1978), Minimalisticamixolidicosaxvox (1988), e
numerosas obras sacras. Widmer produziu a Cerimony after a Fire
Raid (1962), e Rumo Sol-Espiral para coro, orquestra, fita pré-gravada,
participação do público e instrumentos especiais, desenvolvidos por
seu colega do Grupo Bahia Walter Smetak (1913-1984), além de

23 De acordo com o Primeiro Boletim Informativo do Grupo – em 1967, o Grupo de Compositores da


Bahia era constituído por: Carmen Mettig Rocha, Antônio José Santana Martins (Tomzé),
Lindembergue Rocha Cardoso, Nikolau Kokron Yoó, Milton Gomes, Fernando Barbosa de Cerqueira,
Jamary Oliveira, Carlos Rodrigues de Carvalho, Rinaldo Rossi e Ernst Widmer. Referenciado em LIMA,
Ernst Widmer e o ensino de Composição Musical na Bahia (1999), p. 33.
43

várias outras peças seculares e muitas obras sacras em português,


inglês e latim.24 (STRIMPLE, 2005, p. 214)
Como resultado, começou a se esculpir um novo paradigma de escrita para
vozes no Brasil, incorporando técnicas composicionais alinhadas às vertentes atuais,
gerando novas sonoridades.

2.1 INÍCIO DAS EXPERIMENTAÇÕES

Considerar a relação entre som e o corpo, bem como as naturais emissões


vocais das ações cotidianas, nos leva a refletir sobre a importância expressiva da voz
na linguagem universal e, consequentemente, na música. É natural (e na maioria das
vezes inconsciente) emitir alguns sons vocais quando se está alegre, chateado,
espreguiçando, pensando ou simplesmente respirando. Estes sons produzidos pelo
aparelho fonador, que naturalmente acontecem no dia a dia, apontam para uma série
de possibilidades sonoras dentro da amplitude elástica da voz.
Wisnik (1989), em seu livro O Som e o Sentido, descreve uma identificação
entre funções orgânicas corporais e aspectos musicais, no intuito de evidenciar a
íntima conexão entre corpo e música.

[...] podemos usar uma metáfora corporal: a onda sonora obedece a


um pulso, ela segue o princípio da pulsação. Bem a propósito, é
fundamental pensar aqui nessa espécie de correspondência entre as
escalas sonoras e as escalas corporais com as quais medimos o
tempo. Porque o complexo corpo/mente é um medidor freqüencial (sic)
de freqüências (sic). Toda a nossa relação com os universos sonoros
e a música passa por certos padrões de pulsação somáticos e
psíquicos, com os quais jogamos ao ler o tempo e o som. (WISNIK,
1989, p. 19)

24 After the death of Villa-Lobos, na important development in the composition of choral music occurred
with the formation of the Bahia Group in 1966. Members included Ernert Widmer (b. 1927) and his
student Lindembergue Cardoso (1939-1989), both gifted and prolific composers of choral music in a
cosmopolitan style incorporating serial and various avant-garde techniques. Cardoso’s best-known work
is a cantata about grieving women entitled Procissão das Carpideiras (1969). Additional Works include
the colorful Caleidoscópio (1975), Chromaphonetikos (1978), Minimalisticamixolidicosaxvox (1988),
and numerous sacred Works. Widmer produced the unaccompanied Cerimony after a Fire Raid (1962),
and Rumo Sol-Espiral (Direction to the Sun Spiral) for choir, orchestra, prerecorded tape, audience
participation, and special instruments developed by his Bahia Group colleague Walter Smetak (1913-
1984), in addition to various other secular pieces and many sacred Works in Portuguese, English, and
Latin.
44

Os sons primários, tais como sussurros, ruídos, gritos, arrotos, sons da


respiração e os demais sons naturais emitidos pelo homem, estiveram sempre
presentes na linguagem da voz humana. O uso desses elementos sonoros em música,
bem como a imitação dos sons da natureza, já era um recurso experimentado em
composições vocais na renascença. Alguns compositores deste período avançaram
em experiências dedicadas à voz, principalmente no que tange a variedades de efeitos
sonoros, inovações harmônicas e texturais, a exemplo de Clément Janequin25 com a
Le Chant des Oiseaus, na qual - em determinados momentos- a voz é utilizada no
intuito de simular sons de pássaros a partir do uso de fonemas onomatopaicos (figura
9).

Figura 9 - Fonemas onomatopaicos em Le Chant des Oiseaus de Clément Janequin

O texto da canção de Janequin traz um convite à celebração da primavera, ao


amor pela vida, a alegria, como podemos observar em um trecho da primeira estrofe:

Texto traduzido: “Acorde, corações sonolentos

25Clement Janequin (1485 -1558) se tornou bem conhecido por suas canções programáticas, próximas
às formas das caceie italianas do século XIV, que usualmente apresentavam imitações de sons naturais
e artificiais, como sons de aves, gritos, pregões etc. Dentre suas chansons descritivas estão Le chant
des oiseaux, que imita cantos de pássaros; La chasse, que simula sons de uma caça; e La bataille, a
mais conhecida delas e, segundo a tradição, escrita para celebrar a vitória francesa sobre os
Habsburgos na Batalha de Marignano, em 1515, a qual contém imitação de ruídos de batalha, tiros de
canhão e gritos dos feridos. Suas 250 canções seculares e seus 150 salmos e chansons spirituelles, o
equivalente francês dos madrigais espirituais italianos, foram seu principal legado. (GROUT; PALISCA,
2007, p. 227, e informações obtidas em http://www.fundacaoculturaldecuritiba.com.br/agenda/musica-da-
renascenca-francesa-concerto-cenico/, 15 abr. 2018)
45

O deus do amor chama você. “Reveillez vous, coeurs endormis


Neste primeiro dia de maio, Le dieu d’amour vous sonne.
Os pássaros farão maravilhas. A ce premier jour de may,
Para sair do desânimo, Oyseaulx feront merveillez,
Desobstrua seus ouvidos. Pour vous mettre hors d’esmay
Et farirariron (etc…)” Destoupez vos oreilles.
Texto original: Et farirariron (etc…)”

A Le Chant des Oiseaus é uma canção polifônica a quatro vozes, na qual a


música e a poesia se harmonizam num caráter jocoso, com trinados, saltos
característicos, notas curtas sequenciais e o uso de fonemas onomatopaicos.
No exemplo abaixo, podemos identificar um efeito próximo ao trêmulo,
produzido pelo rebatimento da língua no palato durante o fluxo de ar, na prolongação
dos “rr”. Efeito que passa de voz em voz, a fim de representar gorjeios de pássaros.

Figura 10 – Trecho de Le Chant des Oiseaus de Clement Janequin.

O compositor italiano Carlo Gesualdo (1561-1613)26, representante do último


estágio da música do renascimento e príncipe de Venosa, se tornou conhecido

26 O compositor italiano Carlo Gesualdo está inserido na fase final do Renascimento. Sua produção
musical concentrou-se em motetos sacros e madrigais italianos. Nestes últimos, temos as obras que
o tornaram mais conhecido. Seus seis livros de madrigais a cinco vozes apresentam a sofisticação de
uma linguagem musical específica desse compositor e alguns de seus contemporâneos.
46

principalmente por seus seis livros de madrigais. Sua escrita dedicada a grupo de
vozes apresentou uma sofisticação que o distinguiu do estilo da época. A obra Moro,
lasso, al mio duolo, faz parte do sexto e último livro de madrigais, peça que reflete
procedimentos relacionados ao domínio técnico e maturidade do compositor. Os
primeiros compassos da obra já apresentam um bom exemplo dessa escrita
experimentada de Gesualdo:

Figura 11 – Primeiros compassos de Moro, lasso, al mio duolo.

Gesualdo inicia a peça com um gesto homofônico, que chama a atenção pelo
caráter exótico advindo dos movimentos cromáticos das vozes, gerando inesperados
encadeamentos harmônicos. Os quatro primeiros compassos exprimem um caráter
profundo e sombrio alinhado ao significado de morte procedente do texto, ao qual as
vozes dispostas nas suas regiões graves adicionam densidade, realçando o sentido
expressivo.
Se por um lado a música descritiva e inovadora de Janequin se certificou como
o principal motivo do seu sucesso na época, a produção musical de Gesualdo foi cada
vez mais caindo em esquecimento por estar em constante evolução e,
consequentemente, mais incompreendida. Garbuio e Fiorini (2012) descrevem a
dificuldade de classificar o repertório de Gesualdo no contexto renascentista:

A obra de Gesualdo apresenta características técnicas que a distingue do repertório mais conhecido
deste período. Sua escrita virtuosística, suas inovações harmônicas e a constante ousadia na escrita
vocal fizeram de Gesualdo um estilo à parte do Renascimento.
47

Nomear a obra de Gesualdo simplesmente como música do


Renascimento gera uma série de dúvidas estilísticas, principalmente
devido a suas características musicais repletas de excessos
expressivos e do tratamento harmônico não usual. Ao passo que,
tentar antecipar no seu repertório características do período Barroco
torna ainda mais confusa a tarefa, por conta das bases polifônicas
presentes na formação do compositor e por sua influência humanista.
O caminho teórico para a solução deste problema começou a ser
encontrado há pouco mais de 40 anos, quando alguns estudiosos do
assunto, como Glenn Watkins, Maria Rika Maniates e Edward
Lowinsky, passaram a classificar o repertório final do Renascimento
em um segmento à parte do período, com uma escrita mais tardia e
procedimentos mais complexos. (GARBUIO; FIORINI, 2012, p. 104)

Até então, os instrumentos eram vistos com menos importantes do que as


vozes, e as composições, em geral, eram baseadas nas estruturas vocais. Roy
Bennett (1986, p. 39) descreve que “durante o período barroco, a música instrumental
passa a ter, pela primeira vez, a mesma importância que a vocal”. Neste período, a
fabricação de instrumentos avançava consideravelmente, fazendo com que os
compositores da época se direcionassem para uma escrita mais idiomática, um
caminho que considerava timbres e recursos técnicos particulares dos instrumentos.
Neste sentido, foi-se construindo uma tendência à valorização do desenvolvimento
técnico, recuando no experimentalismo.

2.2 AMPLIANDO POSSIBILIDADES TÉCNICAS

O Bel Canto é um estilo e técnica vocal que teve sua origem na Itália, no final
do século XVII, e alcançou seu auge no início do século XIX. Trata-se de uma técnica
vocal que tem como princípio básico a beleza do som, o controle da respiração, o
aperfeiçoamento do legato, a ênfase na precisão rítmica e textual, a flexibilidade da
extensão vocal, a ausência de transições bruscas entre registros, a expressividade da
performance dramática no controle sobre uma longa extensão e a capacidade de
construir a situação dramática pela própria linha melódica e pelos atributos vocais.
Os Lieder, oratórios e, principalmente, as óperas contribuíram para o
desenvolvimento técnico do canto até o final do século XIX. Neste período, os
elementos cênicos se incorporaram fortemente à música, fazendo parte de um
conjunto de unidades com grande valor expressivo. No entanto, foi a partir da segunda
48

metade do século XX que essas unidades não textuais foram “despojadas de seus
valores afetivos e encarados como elementos expressivos de uma linguagem musical
de horizontes mais amplos" (VALENTE, 2002, p. 5).
A busca por novos caminhos sonoros para a música de concerto por parte dos
compositores trouxe, para a experiência do canto, um vocabulário sonoro mais
abrangente, que possibilitava, além da técnica do bel canto, outros tipos técnicos e
efeitos provenientes da voz.
De acordo com o que diz Schafer (2001, p. 132), o ambiente sonoro no século
XX agregou, de forma crescente, uma quantidade de ruídos advindos do processo
industrial e revolução elétrica acontecida no século anterior, especialmente com a
primeira guerra mundial. Além disso, a possibilidade de gravar sons através do
fonógrafo e a comunicação à distância com o telégrafo e o telefone foram
determinantes para uma nova concepção e sensibilidade sobre espaço e tempo.
O desenvolvimento da música sofre transformações, o conceito de melodia
começa a se modificar, os compositores sentem a necessidade de novos
experimentos também em relação ao potencial sonoro da voz. Acerca disso, é
relevante o que aponta a autora Sharon Mabry:

Os compositores do século XX começavam a pensar em voz como


"apenas mais um instrumento" capaz de criar uma infinidade de
extraordinárias cores, texturas, e articulações contrastantes, que eles
reorganizaram no domínio das definições do texto em novas
configurações27. (MABRY, 2002, p. 105)

Nesse contexto, o trabalho com timbres foi valorizado e os ruídos tornam-se


elementos importantes incorporados em muitas obras, bem como a tecnologia
começa a tomar espaços na estética musical vocal.
Das técnicas vocais exploradas no século XX, algumas serão observadas tendo
como foco as obras Pierrot Lunaire (1912), de Arnold Schoenberg; Charlie Rutlage
(1921) e Memories (1922), de Charles Ives; Sequenza III (1965), de Luciano Berio;
Officium Sepulchri: Diálogo do Anjo com as Três Mulheres (1966), de Ernst Widmer;
O Fim do Mundo (1966), A Procissão das Carpideiras (1969), de Lindembergue

27 Twenty-century composers began to think of the voice as “just another instrument”, capable of
creating a multitude of extraordinary and contrasting colors, textures, and articulations, they reorganized
the realm of text settings into novel configurations. (MABRY, 2002, p 105)
49

Cardoso; Eight songs for a Mad King (1969), de Peter Maxuell Davies; Rumos (1972),
de Ernst Widmer; (Im)previstus (1973), de Agnaldo Ribeiro; Caleidoscópio (1975) e
Chromaphonetikos (1978), de Lindembergue Cardoso; Revoada de Memórias (2001),
de Wellington Gomes; For viola and 6 voices (2006), de George Friederich Haas; e
Labia Mea (2016), de Vahram Sarkissian.

2.2.1 Sprechgesang (canto falado)

Se o dodecafonismo representa a anulação completa e definitiva da


tonalidade, experimentos anteriores realizados por Schoenberg
contribuíram em grande medida para que o reino da tonalidade fosse
derrubado. É precisamente nesse particular que o tratamento da voz
terá um papel fundamental. Refiromo-nos, pois, ao sprechgesang.
(VALENTE, 1999 - p. 158)

Sprechgesang consiste na técnica vocal que se encontra entre o canto e a fala.


A tradução seria uma forma de “canto falado” ou “fala cantada”. A notação desta
técnica, está em acrescentar um “x” na haste ou acima da figura musical, também é
comum indicar o Sprechgesang usando o “x” substituindo a cabeça da nota.
Schoenberg introduziu a técnica do canto falado em algumas de suas obras como
Gurrelieder (1910-1911) e Die Gluckliche Hand (1910), porém sistematizou
definitivamente o uso do Sprechgesang em Pierrot Lunaire (1912). Observemos este
recorte da obra:

Figura 12 - Sprechgesang em Pierrot Lunaire de Arnold Schoenberg.


50

Com esta técnica, o efeito é de uma afinação aproximada da nota especificada,


porém mantendo a exatidão do ritmo escrito.

Figura 13 - Pierrot Lunaire ensemble at the first performance, 16 October 1912: left to right, K.
Essberger, clarinet and bass clarinet; Jakob Malinak, violin and viola; Schoenberg; Albertine Zehme,
Sprechstimme; Eduard Steuermann, piano; Hans Kindler, cello; H.

No uso desse recurso técnico, em contexto local da Bahia e em diferentes


épocas, podemos destacar as obras O Fim do Mundo (1966), de Lindembergue
Cardoso, e Revoada de Memórias (2001), de Wellington Gomes.
51

Figura 14 - Obra O Fim do Mundo (1966) de Lindembergue Cardoso.

Figura 15 - Revoada de Memórias (2001) de Wellington Gomes, para orquestra e duas vozes solistas.

Gomes, nesse trecho da obra, revela a importância da técnica associada aos


propósitos composicionais. Ele constrói um contraponto entre as duas vozes,
inserindo maior personalidade e destaque para cada linha, utilizando recursos
adicionados: das alturas, ritmos e técnicas de emissão distintas para as vozes, no
caso, o Sprechgesang (soprano 1) e a voz cantada (soprano 2).
52

2.2.2 Recitado

O recitado, diferentemente do Sprechgesang, não apresenta nenhuma


sugestão melódica, os contornos da fala e os aspectos interpretativos dão as nuances
da linha vocal. A experimentação, a intuição, e os instintos decorrentes da cultura
pessoal geram uma diversidade de interpretação das obras relacionadas com o
recurso das recitações. É evidente que, se o intuito do compositor for uma maior
precisão entre performance e sua ideia, mais diretrizes devem ser mencionadas além
da escrita musical.
Comenta-se que os intérpretes tiveram que contar com seus instintos nativos e
com a experimentação criativa na realização dessas obras. Evidentemente, embora
muitos tenham conseguido bons resultados, a maioria sempre precisou de diretrizes
mais eficazes para a execução de repertórios que incluíam recitações. Sobre isso,
Mabry (2002, p. 87) ensina que, mesmo que a notação e as explicações do compositor
sejam precisas, dois cantores não executarão as idênticas articulações e não atingirão
o mesmo resultado sonoro, devido às variadas especificidades de cada executante;
às suas características de timbre, alcance vocal, ressonância natural, habilidade de
interpretação e improvisação.
O exemplo a seguir é um recorte da canção Charlie Rutlage (1921), de Charles
Ives. A canção, feita com solo vocal e acompanhamento de piano, apresenta uma
temática sobre a vida de um cowboy, cujo ambiente específico tem interferência
especialmente na expressividade da fala, sobretudo no sotaque e no aspecto rústico
da interpretação.

Figura 16 - Recitado em Charlie Rutlage de Charles Ives.


53

O próximo exemplo é retirado da obra Officium Sepulchri: Diálogo do Anjo com


as Três Mulheres (1966), de Ernst Widmer. É o mesmo recurso visto anteriormente,
agora aplicado a um coro.

Figura 17 - Officium Sepulchri: Diálogo do Anjo com as Três Mulheres (1966), de E. Widmer.

2.2.3 Assoviando

A notação mais adequada para esse recurso é a instrução verbal junto ao


trecho musical escrito, abaixo ou acima das notas específicas.
O assovio na música é frequentemente usado para criar uma atmosfera
informal, infantil, cômica, delicada ou, até mesmo, para adicionar uma aura nostálgica,
melancólica ou enigmática à canção.
A peça Memories (1897), de Charles Ives, especialmente a primeira parte da
canção intitulada de "Very Pleasant", descreve duas crianças na “Casa da Ópera”,
esperando ansiosamente que a cortina suba. O texto é jocoso e tem indicação para
ser executado “o mais rápido possível”. A sessão é curta, porém cheia de pontos de
surpresas, como os assovios.
54

Figura 18 - Assovio em Memories (1897) de Charles Ives.

Ernst Widmer utilizou o efeito com assovios de forma surpreendente ao


designar essa função ao público.

Figura 19 - Rumos (1972) de Ernst Widmer (comp. 190).

A obra Rumos tem uma formação orquestral com acréscimo de alguns


instrumentos e elementos não convencionais. Segundo Wellington Gomes (2002, p.
100), “a expansão da instrumentação, com base nos meios utilizados na participação
do público, se constitui num fator fundamental na estratégia orquestral desta obra.”
Como verificado nos exemplos anteriores, o assovio na música é um elemento
que pode servir como recurso que remete às sensações de graciosidade, simplicidade
e pode ainda servir como artifício sonoro na elaboração de uma trama orquestral.

2.2.4 Respiração audível


55

A notação para esses efeitos vocais costumam vir acompanhada de


instruções verbais, dinâmicas ou sinais para poder especificar mais diretamente a
expressividade que foi desejada pelo compositor.
Em muitos casos, a respiração audível ou tom ofegante é usada em obras
que amplificam a voz com um microfone e, nesse caso, sua eficácia é potencializada
e frequentemente usada para trazer uma qualidade misteriosa, emocionalmente
carregada, ou erótica para a música. Esse efeito deve sempre ser usado com
parcimônia, pois é diretamente ligado ao ato da respiração e, além de cansar com o
uso prolongado, pode ter como resultado o ressecamento da boca e garganta.
Apesar de a respiração audível ou tom ofegante não ter ressonância natural
para projeção em um auditório, o efeito também pode ser encontrado em trabalhos
não amplificados, porém é mais difícil de realizá-lo de maneira tão eficiente. (MABRY,
2002, p. 131)
O símbolo mais usado para expressar a inspiração audível é o . Luciano
Berio utiliza a inspiração audível na obra de maneira rápida e pontual, colocando a
expressão gasping (ofegante) sobre a notação do efeito. Não é um recurso
conveniente para ser usado como nota longa, mas sim como notas curtas, justamente
como Berio manipula em Sequenza III, de forma eficaz.

Figura 20 - Respiração audível em Sequenza III (1965) de Luciano Berio.

2.2.4.1 Sussurro Rápido


56

Os sons sussurrados, como o nome já expressa, são frágeis e de pouca


intensidade, tendo característica de uma sonoridade soprosa. O símbolo é utilizado
por Berio para caracterizar o sussurro rápido em Sequenza III (figura 21).

Figura 21 - Sussurro rápido em Sequenza III (1965) de Luciano Berio

Neste exemplo, Berio utiliza o efeito de sons sussurrados o mais rápido


possível. Apesar da notação livre de tempo rígido e altura definida, existe um contorno
sutil nas frases e, também, algumas indicações com relação à métrica importantes
para o cantor. A indicação de aspecto emocional e a observação de pulsos e
respiração são imprescindíveis para diferenciar a expressividade desse efeito que é,
de certa forma, limitado na amplitide com relação à intensidade sonora.
Em Caleidoscópio (1975) e Chromaphonetikos (1978), de Lindembergue
Cardoso, as indicações do efeito é sob o modo de instrução verbal, posta sobre o
trecho musical. Os textos são formados por fonemas vocálicos, consonantais e sílabas
onomatopaicas.
57

Figura 22 – Caleidoscópio (1975) de L. Cardoso.

Figura 23 - Chromaphonetikos (1979) de L. Cardoso.

2.2.4.2 Modulação Tímbrica

Esse efeito é produzido a partir de uma nota entoada, modulada para o sussurro
sem que haja uma quebra. O timbre se transforma a partir de uma nota específica,
chegando a um som de altura não definida ou vice-versa. Tanto em canto solo quanto
em densos conjuntos de vozes, a modulação tímbrica resulta num efeito de grande
expressividade. Um exemplo deste efeito é visto na obra Sequenza III, de Luciano
Berio.
58

Figura 24 - Modulação tímbrica em Sequenza III (1965) de Luciano Berio

2.2.5 Grito

O grito é um recurso expressivo, bastante dramático. Mabry (2002) demonstra


três possibilidades de notação, sendo que a terceira forma, com a indicação verbal,
apresenta maior clareza:

Figura 25 - Opções de notação para o recurso grito.

Peter Maxuell Davies faz uso desse recurso na obra Eight songs for a Mad King
(1969), como demostrado na figura abaixo.

Figura 26 - Grito em Eight songs for a Mad King (1969) de Peter Maxuell Davies.
59

Podemos encontrar também outros exemplos desse recurso nas obras


Caleidoscópio (1975) e Chromaphonetikos (1978), de Lindembergue Cardoso, ou na
(Im)previstus (1973), de Agnaldo Ribeiro, disposta abaixo:

Figura 27 - (Im)previstus (1973) de Agnaldo Ribeiro.

2.2.6 Glissando

O glissando é um recurso natural da voz falada, incorporado à música, o qual


leva a entoação de uma nota à outra ou desenha contornos sem exata afinação.
Podemos ver um exemplo de vozes em glissando no trecho da peça For viola and 6
voices (2006), de George Friederich Haas.
60

Figura 28 - Glissando em For viola and 6 voices (2006) de George Friederich Haas.

Apesar desse recurso ser natural para a voz, o seu efeito é marcante na música,
podendo ser exótico, principalmente se executado com grupos de vozes pela
imprecisão da afinação. Cardoso usa esse efeito associado ao limite de registro agudo
e grave de cada cantor do coro em Chromaphonetikos (1978).

Figura 29 - Glissando em Chromaphonetikos (1978) de L. Cardoso.

2.2.7 Microtons

A vocalização microtonal possui sonoridade exótica e tem relação intrínseca


com a música oriental. Alguns compositores ocidentais foram pioneiros na música
61

microtonal moderna, como Krzysztof Penderecki (1933), Charles Ives (1879-1954),


entre outros. Como exemplo desta escrita, podemos observar a obra Labia Mea
(2016) do compositor armênio Vahram Sarkissian.

Figura 30 - Microtons em Labia Mea (2016) de Vahram Sarkissian

Lindembergue Cardoso, em A Procissão das Carpideiras (1969), utiliza vários


recursos de indeterminação, o glissando em nível microtonal é um deles. Esse recurso
se apresenta no trecho do exemplo a seguir, principalmente na linha do soprano IV.
62

Figura 31 - Procissão das Carpideiras (1969) de L. Cardoso (comp. 57-62).


63

CAPÍTULO 3

3 BREVE REFLEXÃO SOBRE O COMPOR E SEUS CAMINHOS

Talvez, umas das observações mais frequentes em literaturas diversas que


incidem sobre o compor seja a constatação da multiplicidade de estilos, técnicas e
processos. Nesse quadro característico da pluralidade pós-moderna, possivelmente,
o grande desafio relacionado ao fazer composicional esteja no domínio da noção de
liberdade versus unidade, visto que a fragmentação, a confluência de técnicas e
citações fazem parte do pluralismo inerente ao pensamento pós-moderno, como
podemos constatar em Kramer (2000)28.
Nesse contexto, onde existe o acordo entre abrangência e singularidade, é
possível observar a latente força de expansão através da delimitação e
estabelecimento da multiplicidade a partir da unidade.
Essa consideração aponta para o campo da teoria composicional, mais
diretamente ao conceito da economia de meios, junto com o correlato princípio da
Grundgestalt29 e da variação progressiva30, que tem a finalidade de gerar coerência,
unidade e profundidade na totalidade da obra musical. Segundo Josef Rufer (1954, p.
7-10), o conceito de “ideia básica” (Grundgestalt), consolidado por Schoenberg, teria
sido formalizado teoricamente por volta de 1913 a 192331, período em que
desenvolveu e estabeleceu seu método dodecafônico. O conceito abrange
designações que antecedem ideias musicais concretas, dessa forma, se constata que
o mesmo também se relaciona a um pensamento mais abstrato, e a definição de ideia
e material se confundem.
Apesar de o material/ideia possibilitar um nível indeterminado de abstração e
entrelaçamento, segundo Cerqueira (1992), é possível categorizar estilos de

28 Jonathan D. Kramer (2000), em seu artigo The Nature and Origins of Musical Postmodernism, texto
que será abordado no tópico seguinte, discute sobre uma série de questões referentes à música pós-
moderna, em torno da tonalidade, da citação, da unidade, da temporalidade, da autoria e pluralidade.
29 Princípio decorrente da concepção organicista na criação musical, elaborada por Arnold Schoenberg

(1874-1951), tendo por base práticas composicionais provindas especialmente de Johann Brahms
(1833-1897). Grundgestalt é definido como a “configuração básica” ou “ideia básica” de uma obra, e
que serve como gerador de material temático. (RUFER, 1954, p. 85)
30 A variação progressiva refere-se a ações sucessivas de mutações do Grundgestalt, com a finalidade

de gerar materiais temáticos.


31 Mais detalhes em LEIGH (1998), BURTS (2004), AUERBACH (2005) e EMBRY (2007).
64

pensamentos composicionais, partindo do propósito analítico em distinguir esses dois


elementos como pontos opostos: material (que se baseia na configuração ordenada
do próprio material) e ideia (que se serve de elementos com significados subjetivos –
culturais ou históricos).

3.1 PÓS-MODERNO E MULTIPLICIDADE

Estudos atuais e discussões no campo da teoria da composição nos


possibilitam acesso a diversificados enfoques sobre os processos da criação musical.
Lima (2012), em Música Popular e outras Adjacências, nos apresenta um panorama
de multiplicidade, no qual mapeia diversos campos da teoria musical por ele
identificados como Horizontes Temáticos32 e, em seu artigo Composicionalidade:
teoria e prática do compor no horizonte da atualidade, destaca a importância de se
observar as variadas vertentes e domínios como pontos mananciais:

Diversificação alude à multiplicação de enfoques – há teorias


particulares, opostas, divergentes, conflitantes... – na verdade, trata-
se de um processo e de suas dinâmicas. Implica, por sua vez, em
potencialização dos limites, como zonas ativas de criação – e não
apenas entre territórios disciplinares, mas também entre perspectivas
culturais e epistêmicas. A diversificação também expõe lacunas e
distâncias.33 (LIMA, 2012, p. 118)

Se por um lado, Lima relaciona a variedade de conceitos, teorias, perspectivas


históricas e culturais como um dínamo criativo, por outro, chama a atenção para
prováveis consequências da diversificação, como a falta de unidade, por exemplo.
A liberdade e diversidade musical proclamadas nos ideais do século XX, estão
confortavelmente acolhidas pelo pensamento pós-moderno. Sobre a ideia de
liberdade no campo da composição no momento atual e a diferença entre perspectivas
do moderno e o pós-moderno, Maria L. Pascoal (2009), em seu ensaio Notas sobre o
moderno e pós-moderno nas técnicas de compositores brasileiros, declara que

32 Paulo Costa Lima, em Música Popular e Outras Adjacências, descreve de forma despretensiosa o
que denomina por “horizontes temáticos”: “anotações para lembrar a mim mesmo e a meus alunos
direções importantes a seguir”. Esta coleção de “janelas” se configura numa listagem de vinte e seis
áreas de análise e da teoria composicional, e cada referida área com suas principais referências
bibliográficas. (LIMA, 2012, p. 145-150)
33 Texto citado do livro Teoria, Crítica e Música na Atualidade – Série Simpósio Internacional de

Musicologia da UFRJ, do artigo escrito por Paulo Costa Lima, 2012, p. 118.
65

enquanto o pensamento musical do que é Moderno seria radical no rompimento com


o passado, em especial no que diz respeito à tonalidade, na procura do novo e defesa
de ideais, o Pós-moderno não revelaria tais preocupações, porém, em decorrência de
todo percurso até aqui, poderia voltar “à sua maneira” ao passado e, desta forma,
estaria rompendo limites e mais preocupado com a comunicação, as diferenças e a
variedade de manifestações. (PASCOAL, 2009, p. 119)
Apesar de expressar as diferenças claras entre os dois contextos, Pascoal
reflete que o pós-moderno não significa o abandono definitivo do pensamento
moderno, mas a amplificação do mesmo, por adoção de múltiplas possibilidades de
pensamentos que antes eram negados.
Essa fala corrobora as doze atitudes referentes à música pós-moderna, exposta
por Ricardo Tacuchian (1995):

Tabela 1 - Atitudes presentes na música pós-moderna.

01 Superação da polaridade nacional/universal;


02 Superação da polaridade tradição/renovação;
03 Transformação das estéticas composicionais do século XX em técnicas
composicionais pelo pleno domínio do material manipulado, para a construção
de uma linguagem expressiva.
04 Superposição original de diferentes técnicas composicionais e elementos
culturais.
05 Necessidade de uma formação mais sólida para o compositor, visando uma
maior excelência profissional.
06 Retorno da supremacia da manipulação do resultado sonoro final sobre os
metadiscursos.
07 Adoção tanto de técnicas minimalistas, eletroacústicas e de computer music
como de técnicas tradicionais.
08 Alternância de expressão lírica com impulso rítmico.
09 Valorização de parâmetros textuais, timbrísticos, dinâmicos e espaciais.
10 Atitude despretensiosa, sem apelo elitista nem populista, comunicativa, mas
sem recorrer a clichês massificados.
11 Expressão do mundo contemporâneo cosmopolita, em que o urbano é
valorizado por manter suas características regionais.
12 Síntese estética conciliada com a individualidade criativa.
Fonte: TACUCHIAN, R. “Música pós-moderna no final do século.” Pesquisa e Música, nº 2 (1995): 25-
40.

Algumas características do pensamento musical pós-moderno nesta amostra


de Tacuchian ficam evidenciadas por alguns termos, como “superação”,
66

“transformação”, “superposição”, “adoção”, em que os mesmos não refletem uma


noção de estanque ou rompimento, mas uma ideia de acolhimento, de incorporação,
resgate e diversidade.
Jonathan D. Kramer (2000), em seu artigo The Nature and Origins of Musical
Postmodernism, apresenta uma série de questões referentes à música pós-moderna,
em torno da tonalidade, da citação, da unidade, da temporalidade, da autoria e
pluralidade.
Dentro deste discurso, Kramer discute duas estéticas presentes no contexto
atual: a estética pós-modernista (antielitista) e a antimodernista (elitista). Segundo o
autor, um primeiro ponto para a compreensão do pós-modernismo é desassociá-lo de
obras nostálgicas, composições que empregam sonoridades tradicionais, gestos,
conformações e procedimentos que readotam representações e estilos antigos. Como
exemplos de música antimoderna, Kramer menciona os Concertos para flauta, de
Lowell Lieberman, a Ricordanza e Sonata para viola, de George Rochberg e o
Concerto para piano “Bronze”, de Michael Torke. Como exemplo de música pós-
moderna, cita: 2º. Concerto para piano, de Zygmunt Krauze; o Concerto para violino,
de John Adams; a 3ª. Sinfonia, de Henryk Górecki; a 1ª. Sinfonia, de Alfred Schnittke;
o Quarteto no. 3, de George Rochberg; Tehillim, de Steve Reich; a 1ª Sinfonia, de
John Corigliano; Body and Shadow, de Bernard Rands; e a Sinfonia, de Berio.
Kramer argumenta que uma atitude importante para uma percepção mais clara
do pós-moderno está no fato de considerá-lo uma atitude e não como um período
histórico, e que isto não só influenciaria no processo de criação, mas na maneira que
percebemos e usamos os elementos e representações musicais de outros tempos.
De acordo com Kramer, a descontinuidade, os variados estilos como
referências, a intertextualidade fazem parte de um conjunto de atitudes adotadas por
compositores pós-modernos. Desta forma, a unidade estrutural seria apenas uma
possibilidade, mas não uma exigência. Vejamos uma lista de 16 características pós-
modernas na música, relatada por Kramer:

01. Não é simplesmente um repúdio ao modernismo ou sua continuação, mas


tem aspectos de ambos;
02. É, em algum nível e de alguma forma, irônico;
03. Não respeita fronteiras entre sonoridades e procedimentos do passado e do
presente;
67

04. Desafia barreiras entre high style e low style (estilos erudito e popular);
05. Mostra desdém pelo valor, muitas vezes inquestionável, da unidade
estrutural;
06. Questiona a mútua exclusividade entre valores elitistas e populares;
07. Evita formas totalizantes (peças inteiras tonais ou seriais);
08. Não considera a música como autônoma, mas relevante aos contextos
culturais, sociais e políticos;
09. Inclui citações ou referências de música de várias tradições e culturas;
10. Considera a tecnologia não somente como um meio de preservar e
transmitir música, mas, também, profundamente implicada na sua produção
e essência;
11. Integra contradições;
12. Desconfia das oposições binárias;
13. Inclui fragmentações e descontinuidades;
14. Engloba o pluralismo e o ecletismo;
15. Apresenta múltiplos significados e múltiplas temporalidades;
16. Localiza os significado e estrutura nos ouvintes, mais do que em partituras,
performances ou compositor.

Observando as definições dispostas por Tacuchian e Kramer, podemos


destacar que o ecletismo (ou pluralismo) emerge como uma das principais
características pós-modernas e compreende a mistura estilística, a citação, o pastiche
como formas indiferenciadas resultante da coexistência. Outro ponto importante está
na relevância do resultado sonoro sobrepujando a forma e técnica estrutural. Isto está
diretamente associado ao pensamento de condicionar o produto (música) à
interpretação sensorial do ouvinte, e não reflexiva, devido à multiplicidade e
fragmentação.
Sobre esta técnica, Peres34 (2008) explicita um aspecto contraditório no
contexto pós-moderno, em que a fragmentação produziria uma desorganização do
estado perceptivo temporal que, paradoxalmente, não se oporia à continuidade, mas
ao mesmo tempo a destruiria. Tal pensamento é apoiado em Eric Hoppenot (2001),

34PERES, Véra Lucia Rocha Pedron. As características pós-modernas na obra de Rimsky, de Gilberto
Mendes. 2008. Dissertação (Mestrado em Processos de Criação Musical) - Escola de Comunicações
e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.
68

no Maurice Blanchot et l´écriture fragmentaire, onde o autor expressa que “cada


fragmento é uma totalidade que nega a totalidade”, desta forma, a cada porta que se
abre, o ouvinte é atraído para um recomeço, seguindo variadas reiterações.
A relação antagônica entre fragmentação e continuidade, rupturas e concisão,
não descreve uma adoção por parte do conceito pós-moderno ao caos estrutural, mas,
de certa forma, relata uma via diferenciada de designação para conceitos formais da
composição. Esta observação nos reporta à Silvia Berg (2009), em Texturas do Pós-
Modernismo, quando discorre sobre o caráter de integralidade na Sinfonia de Berio
(para oito vozes amplificadas e orquestra), apesar de ser uma obra de referência no
uso da metalinguagem, citações tonais, gêneros tradicionais e pluralismo de estilo.

A Sinfonia de Berio, em 1968, é tida como um dos marcos do pós-


modernismo [...]. Uma análise mais minuciosa, no entanto, nas notas
de introdução da “Sinfonia” do próprio Berio estabelece o quanto essa
obra tem caráter de síntese e de integração de texturas instrumentais
das suas obras da década de 50 e dos exuberantes recursos vocais
da produção da década de 60. No entanto, a “Sinfonia”, longe de ser
um simples sumário retrospectivo, é uma obra geradora de técnicas
que se desenvolveriam em muitas obras subsequentes (sic). (BERG,
2009, p. 124)

O caráter pós-moderno, apesar de demostrar refutação aos conceitos inerentes


ao pensamento modernista – como verdade absoluta, singularidade, elitismo – é, à
sua maneira, “acolhedor”, visto que integra e ressignifica técnicas sem distinção
estética, histórica e cultural.

3.2 DUAS POÉTICAS

Num enfoque oposto ao caminho da diversidade, Cerqueira (1992), em artigo


intitulado Técnicas Composicionais e Atualização, sintetiza o fazer composicional em
duas atitudes ou “poéticas”, que, segundo o autor, “fundamentam as principais
filosofias da composição na modernidade”.
A primeira atitude identificada por Cerqueira (1992) toma por base a captura de
elementos com demarcação de significados culturais ou históricos, a partir de obras
expressivas, a servir como fontes de densidades sígnicas na composição de novas
69

obras. Consiste na ideia de transformação, desenvolvimento de algo com fortes


referências no passado.
A segunda atitude encontra foco no contraste, na surpresa e se legitima na
rejeição do “já usado”. Por esta atitude, o compositor valora os materiais por observar
suas possibilidades sonoras e estruturais, dispostos através de ordenação e seleção.
Todo o conteúdo expressivo, o significado artístico surge do próprio material
sistematicamente manipulado.
Com referência a essas duas atitudes supracitadas e observadas de forma
antagônica, Cerqueira (1992) destaca a importância de se analisar processos
composicionais por uma delimitação rígida, a fim de uma compreensão maior dos
aspectos de uma obra.

Ambas as “poéticas” buscam os fundamentos (“universais”?) da


criação musical: a primeira, no nível histórico, na diacronia do
repertório acumulado; a segunda, no nível artesanal, na descoberta do
próprio código, sincronia da percepção do material em processo. Por
outro lado, apesar de teoricamente viáveis essas duas possibilidades,
aparentemente opostas, aqui levantadas, é difícil encontrar um
compositor importante que tenha se restringido à primeira, ou
radicalizado com sucesso na segunda, no conjunto de sua obra.
Entretanto, a redução “binária” da multiplicidade de tendências
composicionais do séc. XX, polarizando suas técnicas, é
imprescindível para o nosso entendimento de aspectos comuns entre
obras aparentemente contraditórias, se analisadas isoladamente, ou
se comparadas sob rótulos (às vezes justos) do tipo neo-classicismo,
neo-romantismo. (CERQUEIRA, 1992, p. 26)

Essa demarcação se torna necessária para a compreensão estilística de obras


modernas, entretanto, no campo aberto, “permissivo” dos processos composicionais
dos séculos XX e XXI, cada vez mais se percebe o ponto referencial da música voltado
para o seu próprio discurso. A delimitação, nesse caso, serve como auxiliar para o
entendimento de aspectos musicais e não outorga à música um caráter hermético. O
sistema de referenciais está intrinsicamente ligado aos processos criativos, assim
como as teias de conexões na demanda do compor.
70

3.3 ECONOMIA DE MEIOS

“A nova partícula que pode mudar o que sabemos sobre o universo!”35 (BBC
Mundo, 21/03/2016)

Como a descoberta de uma “simples” partícula, com massa ínfima e realidade


microscópica pode mudar todo um entendimento sobre o universo?
Elaborar uma resposta para essa questão em termos científicos não seria tão
simples, pelo menos para a maioria das pessoas. De certo, é que o fato nos conduz a
um pensamento sintético de que o mínimo pode conter o todo.
Em direção ao campo da teoria da composição, a ideia sugerida associa-se a
vários pontos que envolvem economia de meios, como a “noção de Grundgestalt,
elemento gerador de todos os eventos musicais, e pode ser usada como um conceito
que explica, em termos lógicos, a unidade orgânica de uma obra musical” (DUDEQUE,
2005, p. 138). A reflexão sobre o produto como resultante de um processo fluido
pressupõe o agenciamento de uma unidade coerente, o qual é decisivo para a
organicidade. Nesse horizonte, os conceitos schoenberguianos de Grundgestalt,
variação progressiva e desenvolvimento motívico se aliam.
O princípio da Grundgestalt foi concebido por Schoenberg em 191936 (RUFER,
1954) - período inicial da formulação do seu método serial - o termo expressa a
existência da ideia primordial que delineia a estrutura material e a coerência da
composição musical. Porém, análises de suas obras, anteriores a esse período, como
as de Neff (1984), Frisch (1993) e Almada (2011), indicam que a construção musical
orgânica já fazia parte da sua característica composicional de forma minuciosa, a
exemplo do Quarteto de Cordas op.7 (1905) e a Primeira Sinfonia de Câmara op.9
(1906). Segundo Rufer (1954), os conceitos da Grundgestalt e variação progressiva
foram idealizados para respaldar seu novo sistema teórico e demonstrar uma

35 Enunciado da BBC Mundo em 21/03/2016, referente a possível descoberta de uma nova partícula
por Gian Giudice – Físico da CERN Genebra Suíça, 2015.
36 Desirée Mayr (2015) mostra divergências entre pesquisadores com relação à data em que o princípio

da Grundgestalt teria sido citado pela primeira vez: em 1919 (RUFER, 1954), “por volta de 1915”
(LEIGH, 1998), 1913 (DUDEQUE, 2005) ou “no início da década de 1920” (COLLEEN, 2009). Segundo
Carpenter & Neff (2006), o termo “Grundgestalt” só seria nomeado de forma definitiva em 1934.
71

continuidade entre os processos composicionais da escola vienense clássico-


romântica e a sua própria música, seja ela tonal, atonal ou serial.37
Schoenberg em seus escritos teóricos, nunca concedeu uma definição exata
para o termo Grundgestalt. Dudeque observa o quão vaga é a definição por parte do
compositor, possibilitando variadas interpretações.
Alguns escritores publicaram análises e discussões sobre o assunto, a exemplo
de Erwin Stein (1930), Rufer (1954), Phipps (1978), Epstein (1979), Neff (1984),
Carpenter (1984), Schmalfeldt (1991), Frisch (1993), Leigh (1998), Pye (2000), Burts
(2004), Dudeque (2005), Colleen (2009) e Taruskin (2010), na finalidade de identificar
e aclarar pontos específicos dentro da abrangência do conceito.
Para o nosso propósito, tomaremos como referência de um panorama geral os
autores Stein, Rufer, Epstein, Carpenter e Schmalfeldt. Para uma abordagem
contextualizada na Bahia, abordaremos trabalhos dos autores Paulo Costa Lima38,
Ângelo Castro39 e Alexandre Reche e Silva40.

3.3.1 Um breve percurso sobre Grundgestalt

3.3.1.1 Erwin Stein

37 Vide Walter Frisch (1993, p. xv).


38 Ver em Paulo Costa Lima: O ensino de composição musical na Bahia. Salvador: Prêmio Fazcultura
/ Braskem, 1999; Paulo Costa Lima: Crítica e Criatividade a partir de uma imagem Criada por Ernest
Widmer, em O Pensamento musical criativo, ed. I. Nogueira and F. Borém, 2015. Salvador: UFBA, p.
19-39; Paulo Costa Lima: Música Popular e outras Adjacências. Salvador, Editora da Universidade
Federal da Bahia, 2012; Paulo Costa Lima: Teoria e prática do compor I: diálogos de invenção e ensino.
Salvador: EDUFBA, 2012; Paulo Costa Lima: Teoria e Prática do Compor II – Diálogos de invenção e
ensino. Salvador: Editora da Universidade Federal da Bahia, 2014; Paulo Costa Lima: Teoria e Prática
do Compor III – Lugar de fala e memória. Salvador: Editora da Universidade Federal da Bahia, 2014.
39 Consultar o livro de Ângelo Castro: O Pensamento Composicional de Fernando Cerqueira: Memórias

e Paradigmas. Salvador: EDUFBA, 2007.


40 Ver dissertação de Alexandre Reche Silva: Lindembergue Cardoso: identificando e ressignificando

procedimentos composicionais a partir de seis obras da década de 80. 2002. Escola de Música,
Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2002.
72

Aluno de Schoenberg durante os anos de 1906 a 1910, posteriormente


colaborou em sua gestão na Society for Private Performance41 (1920). Em seu ensaio
New Formal Principles (1924 e 1953)42, Erwin Stein expõe de forma mais direta o
conceito de Grundgestalt, o qual considerou um princípio relacionado à estrutura de
alturas, como uma série dodecafônica, que geraria as ideias musicais consequentes,
os motivos e temas.
O ensaio apareceu pela primeira vez em 1924, mais tarde em 1953, em Orfeu
in New Guises, devido à necessidade de elucidação do seu pensamento em relação
ao Grundgestalt, que sugeria uma fundamentação direta com o método dodecafônico
e terminologias confusas. Para elucidar as várias questões, Stein explica que “o
presente ensaio não descreve a composição de Schoenberg com doze notas, mas a
fase imediatamente anterior finalmente cristalizada”43, e afirma que o desenvolvimento
do conceito se deu a partir de práticas já utilizadas no passado (STEIN, 1953, p. 57).
Stein preferiu considerar o Grundgestalt como um conjunto, não um motivo
tradicional, porém representado por ritmos e contornos melódicos. (SCHIANO,
2004)44

3.3.1.2 Josef Rufer

Rufer foi aluno de Schoenberg de 1919 a 1922, tornando-se seu assistente em


Berlim de 1925 a 1933, conhecendo de perto o pensamento do mestre diante da
elaboração do princípio da Grundgestalt e do sistema serial. Um ano após a morte de

41 A Society for Private Musical Performances foi criada em Viena, no outono de 1918, por Arnold
Schoenberg, Alban Berg e Anton Webern, para apresentações musicais privadas, com a intensão de
levar performances mais compreensíveis da música nova para o público da época. A dificuldade era
grande em se formar plateia, especialmente se a música em foco fosse de vanguarda. Poucas músicas
de vanguarda eram executadas, o compositor mais tocado era Max Reger (suas composições
prolongaram o movimento romântico até o século XX). Em sequência, estavam Claude Debussy, depois
Bela Bartok. Schoenberg só permitiu que sua música fosse inserida nas apresentações depois de um
ano. Obras sinfônicas geralmente tinham que ser tocadas em forma de reduções para um ou dois
pianos. Schoenberg, Berg e Webern faziam arranjos e, posteriormente, Erwin Stein. GILLILAND,
Norman. The Society for Private Musical Performance, 2015. Disponível em:
<https://www.wpr.org/society-private-musical-performance>. Acesso em: 26 out. 2018.
42 Em Orfeu in New Guises (Londres, 1953).
43 “The present essay does not describe Schoenberg's composition with twelve notes, but the stage

immediately before it had finally crystallised.” (STEIN, Erwin. Orpheus in New Guises. trans. Hans Keller
(London: Rockliff, 1953, p. 57)
44 Em Michael J. Schiano, “Grundgestalt,” Grove Music Online, Oxford Music Online, Oxford University

Press, <http://www.oxfordmusiconline.com.ezproxy.uky.edu/subscriber/article/grove/music/11868>.
Acesso em: 26 out. 2018.
73

Schoenberg, lança seu livro Die Komposition mit Zwölftone (1952), traduzido para o
inglês como Composition with twelve notes (1954). Nele, Rufer aborda de maneira
significativa e pormenorizada a técnica composicional dodecafônica de Schoenberg e
destaca o vínculo desse sistema com práticas composicionais do passado e o
conceito da Grundgestalt.45

Em seu ensino de composição, Schoenberg formou o conceito do


Grundgestalt (forma básica) já em 1919 e o usou com o significado
exato que ele tem em meu livro – como sendo a forma musical (ou
frase) que é a base de uma obra e o seu “primeiro pensamento
criativo” (para usar as palavras de Schoenberg). Tudo o mais é
derivado disso – em todos os tipos de música, não apenas na música
de doze notas; e não é originado meramente da conjunto serial básico
que está contida na forma básica, mas também de todos os elementos
juntos com a série, como o elemento melódico, lhe concede sua forma
atual, isto é, ritmo, frases, harmonia, partes subsidiárias, etc. Nesse
contexto, é importante notar que Schoenberg, desde os primeiros dias
trabalhando em seu método, aplicou os resultados de sua composição
com doze notas à composição em geral, escolhendo os conceitos que
ele usou para a formulação teórica de seu método, de tal forma que
também pudessem ser aplicados à música de qualquer tipo (tonal,
clássico etc.) ... Em minhas anotações, muito completas de seu
ensino, entre 1919 e 1922, encontro essas definições: um motivo é a
mais pequena forma musical, consistindo em pelo menos um intervalo
e um ritmo. A seguinte maior forma é o Grundgestalt ou frase, “como
regra de 2 a 3 barras de compassos” (o número de compassos
dependendo do andamento, entre outras coisas), e consistindo da
“conexão firme de um ou mais motivos e suas repetições mais ou
menos variadas”. A forma do próximo tamanho, o tema, “surge da
necessidade de conectar várias formas em conjunto”, e consiste “da
conexão (aqui ele não diz firme) do Grundgestalt (forma básica) com
as suas repetições mais ou menos variadas.” (RUFER, 1954, p. vi-ix)46

No texto acima, Rufer declara a importância da Grundgestalt para todos os


parâmetros estruturais da música, afirmando como base de toda a obra, e que tudo
provém dessa “ideia prima”. Numa perspectiva mais material, baseado em notas de
aulas com Schoenberg, apresenta este conceito, localizando-o sob forma de motivo e
tema, consistindo em conexões e variações. O autor deixa claro o vínculo do conceito
com o método dodecafônico, no objetivo de firmar fundamentos teóricos capazes de

45 Segundo Martin Leigh (1998), a contribuição mais importante de Rufer para a compreensão do
Grundgestalt não estaria no texto principal do seu livro, mas em uma carta escrita ao tradutor da edição
em inglês, Humphrey Searle, e inserida no prefácio da edição. Ver Leigh, Martin. Grundgestalt, multi-
piece, and intertextuality in Brahams's opp. 117, 118, and 119. PhD thesis, University of Nottingham,
1998, p. 58.
46 Trecho da carta de Rufer para Humphrey Searle. (RUFER, 1954, p. vi-ix)
74

responder também a qualquer tipo de música. Rufer reafirma o discurso em The Works
of Arnold Schoenberg (I962), no qual cita o próprio Schoenberg apontando que “em
seus ensinamentos, conscientemente absorveu as novas concepções delineadas na
composição de doze notas, em análises de Mozart, Beethoven, Brahms, mas de forma
camuflada.”47 (RUFER, 1962, p. 148)

3.3.1.3 David Epstein

Em 1968, Epstein apresenta a tese intitulada O grundgestalt e o serialismo total


de Schoenberg: sua relevância para a análise homofônica, na qual emprega o
conceito de Grundgestalt direcionado à exploração das noções de unidade musical,
como a derivação de movimentos48 a partir do motivo principal, examinados em parte
nas obras de Beethoven, cuja ideia é amplificada em seu livro Beyond Orpheus:
Studies in music struture (1979). Nesse extenso e influente trabalho, Epstein afirma
que a Grundgestalt:

[...] era um conceito fundamental para Schoenberg, um que


promoveria ideias subsequentes. Sua utilidade para ele era
principalmente a de uma influência de fundo para um procedimento
composicional mais preciso e sistemático, que evoluíram como uma
teoria de doze tons”.49 (EPSTEIN, 1979, p. 21)

Além de salientar a proficuidade do pensamento em objetivar uma


sistematização clara e orientada, o autor aponta que o conceito também seria um
agente favorável para a incorporação das ideias metafóricas (germes básicos) de
Schoenberg sobre unidade orgânica musical.

47 Schoenberg “mentioned himself that in his teaching he quite consciously absorbed the newly-born
perceptions drawn from twelve-note composition in analyses of Mozart, Beethoven, Brahms, but in
camouflaged form.” Ver em Josef Rufer: The Works of Arnold Schoenberg. (D. Newlin, trad.). Londres:
1962, p. 148.
48 Derivação de movimentos como significado que abarca além de consequências temáticas melódicas,

outros parâmetros como ritmos, harmonias, progressões harmônicas, relações-chave, etc. (EPSTEIN,
1968, p. 92). David Epstein: Schoenberg's Grundgestalt and Total Serialism: their Relevance to
Homophonic Analysis, (unpublished Ph. D dissertation, Princeton 1968).
49 (...) “was a fundamental concept for Schoenberg, one from which subsequent ideas would emerge.

Its usefulness to him was mostly that of a background influence for the more precise and systematic
compositional procedures that evolved as twelve-tone theory". Em D. Epstein, Beyond Orpheus: Studies
in Musical Structure, Cambridge, Mass., 1979, p. 21.
75

Segundo Stephen J. Collisson (1994)50, Epstein constrói sua teoria a partir de


Schoenberge; Josef Rufer, porém, destaca uma percepção mais ampla da
Grundgestalt, com ênfase na unidade da obra e as influências de múltiplos parâmetros
em sua estrutura.

3.3.1.4 Patricia Carpenter

Patricia Carpenter foi aluna de Schoenberg entre 1942 e 1949 nos Estados
Unidos. Enquanto Rufer e Stein estiveram ao lado de Schoenberg em sua fase inicial
de elaboração das suas ideias, Carpenter esteve presente no período em que ele já
havia formatado os princípios fundamentais do seu método dodecafônico. Esse fato
foi essencial para Carpenter apresentar uma visão mais abrangente e original para a
teoria da Grundgestalt, através do artigo Musical Form and The Musical Idea:
Reflections on a theme of Schoenberg, Hanslick and Kant (1984), em que reflete sobre
um tema de Schoenberg, Hanslick e Kant, na consideração desse último. De acordo
com Carpenter, as reflexões de Kant sobre cognição e música51 influenciaram
profundamente a compreensão de Schoenberg sobre ideia musical, como um trabalho
completo que teria origem em seu sentimento platônico, além da experiência
sensorial.
Carpenter considera a ideia como “um único pensamento musical concreto”.52
Nesse contexto, a autora coloca frente a frente a discussão sobre estética e lógica,
subjetivo e objetivo. Na análise do Quarteto de Cordas Op. 95 de Beethoven, presente
no seu estudo, a autora discute o assunto enfocando o domínio das relações tonais e
apresenta os fatores de desequilíbrio e ambiguidade como questão central. Carpenter
se concentra em posicionar o aspecto abstrato e o objetivo numa mesma dimensão,
como visto nesta afirmação:

50 Em Stephen Collisson: Grundgestalt, Developing Variation and Motivic Processes in the Music of
Arnold Schoenberg. Diss. King’s College, 1994, p. 26.
51 Immanuel Kant: Critique of Judgement, trans. James Creed Meredith (Oxford University Press, 1952).
52 Patricia Carpenter: Musical Form and The Musical Idea: Reflections on a theme of Schoenberg,

Hanslick and Kant. Music and Civilisation: Essays in Honour of Paul Henry Lang, ed. Strainchamps and
Maniates, New York, 1984, p. 418.
76

Eu acredito que ele [Schoenberg] concordaria com seu amigo Karl


Kraus que, embora a fonte da ideia esteja na fantasia, a verdade está
na reconciliação da fantasia e da razão - que não apenas o criador,
mas também o observador, na verdadeira experiência da arte, é "um
ser humano dolorosamente agitado pela busca da harmonia interior".
(CARPENTER, 1984, p. 427)

Segundo Brent Lawrence Auerbach, “muitos escritores cometem o erro de


assumir que o Grundgestalt e a Ideia Musical são a mesma coisa. Dada a ampla
discrepância de tamanho e função entre o Gedanke e a Gestalt nos escritos de
Schoenberg, sabemos que isso não pode ser”. Só pela reunião total das relações
musicais na obra, que uma ideia musical é adequadamente expressa. (AUERBACH,
2005, p. 7)53 Carpenter (1983, p. 15) define a Grundgestalt como “o aspecto concreto
e técnico da ideia”.

3.3.1.5 Janet Schmalfeldt

Janet Schmalfeldt apresenta um ensaio analítico do Grundgestalt sobre a


Sonata para Piano de Berg (Op. 1)54, com o objetivo de relacionar a obra de Berg à
influência pedagógica de Schoenberg, examinando o princípio da variação
progressiva. Sua definição específica de Grundgestalt nesse trabalho tem relevância
com a compreensão da variação e desenvolvimento, como podemos observar na
declaração a seguir:

[...] Proponho que a frase inicial da Sonata de Berg possa ser


entendido como o Grundgestalt deste trabalho, e que a sua influência
sobre o movimento completo será realizado por meio da variação
progressiva. Para começar, devo salientar que a minha noção de
Grundgestalt não se aplica ao motivo inicial da Sonata, mas sim a sua
frase inicial. Com isso em vista, afasto-me radicalmente das inúmeras
análises de Grundgestalt do passado; e, dependendo de qual das
próprias observações de Schoenberg sobre Grundgestalt, ou "ideia",

53 Brent Lawrence Auerbach: The analytical Grundgestalt: a new model and methodology based on the
music of Johannes Brahms. Thesis (Ph. D) - Department of Theory Eastman School of Music, University
of Rochester, New York, 2005, p. 7.
54 J Schmalfeldt, 'Berg's Path to Atonality: The Piano Sonata, Op. 1' in Alban Berg: Historical and

Analytical Perspectives, (Oxford, 1991), pp. 79-109.


77

alguém deseja levar mais a sério, pode-se dizer que eu parti do próprio
Schoenberg.55 (SCHMALFELDT, 1991, p. 84)

Diferentemente de Epstein (1979), Carpenter (1983), Phipps (1983), Frisch


(1984) e Neff (1984), autores que consideram o conceito de variação progressiva e
Grundgestalt como duas noções independentes, Schmalfeldt diz que a variação
progressiva proveria os meios para a realização de uma Grundgestalt.
(SCHMALFELDT, 1991, p. 84).

3.3.2 Em contexto baiano

De acordo com Lima (1999), essa tradição de unidade-coerência-variação


chega na Bahia através, por exemplo, da obra de Widmer.
O compositor suíço Ernst Widmer chega à Bahia em 1956, começa a lecionar
composição em 1953 e, em 1966 cria o Grupo de Compositores da Bahia (GCB)56
juntamente com seus alunos, associação que permanece até 1974. Na afirmativa do
compositor Wellington Gomes (2002, p. 1), “falar desse Grupo é falar de um dos mais
atuantes e mais importantes grupos que se dedicaram à música contemporânea
brasileira, influenciando uma grande quantidade de adeptos e compositores de
gerações posteriores”.
Ilza Nogueira (1999, p. 2) destaca seis aspectos que notabilizaram o Grupo de
Compositores da Bahia, dada sua atuação como movimento de vanguarda na Bahia
e a produção de música contemporânea.

55 ...”I propose that the initial phrase of Berg's Sonata may be understood as the Grundgestalt of this
work, and that its influence upon the complete movement will be accomplished by means of developing
variation. To begin with, I must stress that my notion of Grundgestalt applies not to the initial motive of
the Sonata but rather to its initial phrase. With this view, I depart radically from the numerous motive-
oriented Grundgestalt analyses of the past; and, depending upon which of Schoenberg's own remarks
about Grundgestalt, or ‘idea', one wishes to take most seriously, it could be said that I depart from
Schoenberg himself.” (SCHMALFELDT, p. 84)
56 O Grupo de Compositores da Bahia era formado por Widmer e seus alunos de então: Fernando

Cerqueira (1941), Rinaldo Rossi (1945-1984), Milton Gomes (1916-1973), Jamary de Oliveira (1944),
Nicolau Kokron (1936-1971) e Antônio José Santana Martins (1936) - mais conhecido como Tom Zé -
Lindembergue Cardoso (1939-1989), Carlos Rodrigues de Carvalho (1951), Carmen Mettig Rocha
(1947) e posteriormente, Walter Smetak (1913-1984), Rufo Herrera (1935), Agnaldo Ribeiro (1943),
Marco Antônio Guimarães (1948), Lucemar de Alcântara Ferreira (1933), Alda de Jesus Oliveira (1995),
Ilza Nogueira (1948) e Paulo Costa Lima (1954). (LIMA, 1999; TACUCHIAN, 2001; GOMES, 2002)
78

1 – A quantidade de produção;
2 – Originalidade do produto;
3 – Compromisso com a novidade e com a tradição;
4 – Envolvimento com a cultura baiana;
5 – Abertura a toda e qualquer expressão cultural;
6 – Influência exercida nos programas de ensino, pesquisa e difusão.

Para Widmer, “a percepção da importância da diversidade cultural era fator de


sobrevivência” (LIMA, 1999, p. 34), além do compromisso com a invenção e o acordo
com os princípios da “tradição analítica do tematicismo – Reti (1951), Epstein (1979),
Schoenberg (1995) - algo que é bastante coerente com o verdadeiro fascínio de
Widmer pelos procedimentos variacionais.” (LIMA, 1999, p. 51). Esses termos
enfatizam o pensamento de economia de meios acolhido por Widmer e difundido em
suas obras, consequentemente, em seus ensinamentos.
Todo o trabalho motívico demonstrado na tese de Lima (1999) sublinha o
completo interesse de Widmer por “economia de meios” e processos derivativos. Essa
questão entra como evidência quantitativa e qualitativa através das várias análises
presentes na tese. Nas sínteses descritas por Lima (1999), das mais de trinta obras
analisadas de Widmer, vemos o compromisso intrínseco com uma visão orgânica
musical que envolve coerência, unidade e profundidade, desencadeadas a partir da
ideia básica (Grundgestalt), variação, derivação e todo trabalho motívico. Vejamos
alguns tópicos dessas sínteses:

 “Ideia básica e trabalho motívico como fonte de energia composicional.”


(Suite para piano op. 6)
 “Contraste e diálogo entre duas direções distintas de derivação da célula
básica como processo gerador de forma.” (Bahia concerto op. 17 – para
piano, 5 instrumentos de sopro e cordas)
 “Forma de arco aparece como decisão composicional estruturante.”
(Partita I op. 19 – para oboé solo)
 “O conjunto 5-1 [01234] usado como motivo clusterificado na ideia básica
da peça.” (Partita II op. 23 para flauta e cembalo)
79

 “Variações aplicadas à melodia nordestina.” (Divertimento III – Coco, op.


22)
 “Soluções seriais, pentatônicas e de desenvolvimento livre integradas
pela lógica motívica.” (Bloco I op. 27 para conjunto misto)
 “Utilização do conjunto 5-1 como motivo ideia básica da peça.” (Concerto
de câmera op. 33 para violino e orquestra de cordas)
 “Variação e ambiente rítmico-melódico brasileiro.” (Lundus brasiliensis
op. 37 para piano solo)
 “Acorde inicial (agregado) resume material melódico-harmônico da
peça.” (Sinopse op. 64 para orquestra, coro e solistas)
 “Ressignificação de elementos palestrianos no universo composicional
motívico widmeriano.” (Trilemma op. 80 para sexteto vocal)

Nesses tópicos, por exemplo, percebemos o pensamento de uma lógica


composicional atrelada à construção orgânica, que denota a importância do
desenvolvimento operando o próprio material, a estrutura adquirida através da ideia
básica, o tecido complexo a partir do simples e outros vários elementos que apontam
a economia de meios. Os conceitos disseminados por Widmer durante seu percurso
como professor de composição foram assimilados e ampliados por seus alunos,
motivando, dessa forma, a “produção de novas técnicas composicionais”, como
expressa o próprio Widmer (1988, apud LIMA, 1999, p. 52). Isso ocorre devido ao seu
ideal pedagógico aberto a inserções, trocas de experiências com alunos, à relatividade
e incertezas, apesar da conexão explícita com a teoria composicional
schoenberguiana. Nesse ponto, as regras podem ser relativizadas, tendo como
mestre, a escolha.

O que me parece mais importante[...] a postura de Widmer como


compositor que escolhe uma determinada lógica e aplica-a
consistentemente, mas que está disposto também a brincar com suas
próprias regras. Essa será uma dimensão fundamental no âmbito do
ensino de composição. É fácil demonstrar consequências dessa
atitude na produção dos alunos de Widmer (um exemplo que me
ocorre de imediato é a peça Monódica de Lindembergue Cardoso), até
porque essa é uma atitude fundamental para o próprio ato de compor.
(LIMA, 1999, p. 214)
80

O pensamento composicional apresentado por Widmer, seja por formulações


teóricas, composição, textos ou vivências em sala de aula, encontrou terreno fértil em
seus alunos, os quais, por sua vez, se tornaram também referências como
compositores, professores no que se diz respeito ao avanço das técnicas
composicionais, orquestrais e pesquisa na área.
Alexandre Reche e Silva (2002) tece sua dissertação identificando e
comparando procedimentos composicionais em obras de Lindembergue Cardoso. Um
dos objetivos de Silva foi refletir sobre a construção de coerência, observando a lógica
das escolhas do compositor nas sucessões de acontecimentos dentro das
composições. A partir das análises, foram identificados seis procedimentos
recorrentes, e desses destacamos dois que orientam mais diretamente o fator de
coerência.

 “Coerência alcançada através de princípios de ritmo e/ou altura que se


revelam como sementes composicionais.”
 “Uso de repetição variada como processo de elaboração
composicional.”

Outros pontos observados por Silva, “demonstram um leque de recursos


estratégicos para a prática composicional de Lindembergue Cardoso” (SILVA, 2002,
p. 32), porém destacamos as práticas relacionadas à economia de meios, embasando
os objetivos pertinentes a esta dissertação.
Outro trabalho relevante de pesquisa no campo da composição, é a tese O
pensamento composicional de Fernando Cerqueira: memórias e paradigmas, de
Ângelo Castro (2004).57 O trabalho traça uma investigação sobre o pensamento
composicional de Fernando Cerqueira, tendo como referências textos, análises de
obras e entrevistas com o referido compositor. Castro, ao longo da tese, ressalta
alguns aspectos que se relacionam com economia de meios que fazem conexão com
Cerqueira, como a lei da organicidade e relativização, princípios ligados à prática
composicional e pedagógica, orientados por Widmer.58

57 A tese de doutorado do professor e compositor Ângelo Castro, foi publicada como livro pela EDUFBA,
em 2007.
58 Ver em: LIMA, Paulo Costa. Ernst Widmer e o ensino de composição musical na Bahia. Salvador:

Prêmio Fazcultura / Braskem, 1999, p. 327.


81

Em primeiro lugar, organicidade e relativização estão aí representados


como um ciclo antagônico complementar conduzindo a dinâmica da
composição ou os seus conflitos; e o conflito é a liberdade de mudança
contida na incompatibilidade, no antagonismo e, principalmente, na
complementaridade. Por outro lado, nos parece que a organicidade
retém a sistemática que regula a escolha de processos
composicionais abrangentes, aqueles que alavancam procedimentos
capazes de suportar uma crítica interna mais severa. Um outro
aspecto interessante a se notar é que existe em paralelo a essa
relação organicista a destreza da inclusividade como ponto de atração
para as diversidades temáticas, comportando-se como um misturador
natural de variedades culturais, além de promover a abertura para
novas experiências estéticas. Dessa maneira, é a inclusividade que
promove a revolução nos processos tradicionais do fazer
composicional. (CASTRO, 2004, p. 56-57)

Nesse sentido, a organicidade comporta o sistema que tende a orientar uma


coesão no todo, guiando processos em vários níveis que decorrem da construção da
obra. O contraponto disso está na relativização, o aspecto que libera regras,
movimenta confrontos, que incorpora variedades e promove o novo.
Castro (2004, p. 149) destaca outros seis aspectos “importantes no processo
composicional de Cerqueira”, e aqui distinguimos quatro que fazem contato com
economia de meios:

 “A transformações de materiais e as derivações motívicas geradas pela


metamorfose (micro e macro) no âmbito das células”;
 “As relações de horizontalidade contrapontística desenhando a
condução vertical”;
 “A construção de novas texturas utilizando o mesmo material”;
 “A implementação do texto.” (“texto atuando como gerador de ideias
composicionais”).

Todo trabalho motívico, a produção de novos materiais a partir do próprio


material, a ideia de sistema integrando as partes ao todo, elementos da cultura popular
como sementes composicionais, a organicidade e a relativização, tem relação direta
com os princípios ideológicos e estéticos da produção do Grupo de Compositores da
Bahia. Essa linha de pensamento que versa sobre economia, unidade, abrangência,
coerência, resulta numa representação significativa de teoria da composicionalidade.
82

Ao longo de nossa formação no curso de graduação e dos trabalhos de


composição durante o Mestrado, essa noção se fez presente como parâmetro de
qualidade musical, de construção de coerência e unidade.
83

CAPÍTULO 4

4 COMPOSIÇÕES: MEMORIAL ANALÍTICO-DESCRITIVO

A partir deste ponto, traremos os conceitos discutidos anteriormente como parte


ferramental disposta a uma abordagem prática no âmbito composicional, uma prática
que perpassa as relações entre ditos populares, seus significados mais abrangentes,
tanto os de representações recorrentes aos mais abstratos, com o planejamento
musical. Esse transcurso entre ditos populares, significados, cultura, fonética,
hermenêutica, subjetividade, história, demarca etapas por todo o processo, que, em
primeira instancia, se destina ao levantamento de materiais composicionais a servir a
uma ou várias obras. Neste laboratório musical dedicado à composição de música
vocal, foram elaboradas três miniaturas - ou exercícios composicionais - e uma obra
maior. O objetivo foi conduzir a construção de cada miniatura por um único parâmetro
gestual, adquirido através da expressão popular “Da gota serena”. Já, a obra maior,
intitulada “Mas será o Benedito, Suassuna ou Lampião?” foi elaborada por
entrelaçamentos mais complexos, através de um sistema de relações mais
abrangente.
Na figura abaixo, é exposto um modelo de circuito de relações sígnicas e
criativas, como possível gerador de materiais e gestos musicais, partindo de um
elemento, o dito popular.
84

Figura 32 – Circuito gerador de materiais e gestos musicais.

Fonte: o autor.

O modelo identifica a cultura como um fator que abarca o processo por inteiro,
e que pode acolher outros elementos externos através da intertextualidade. O filtro
interpretativo está diretamente ligado ao confronto entre hermenêutica e criação, lugar
onde o compositor define escolhas, guiado pela razão interna.59
O circuito corresponde às estratégias de criação de gestos e escolhas de
elementos textuais e simbólicos, bem como ao diálogo entre eles, empregados nas
obras destinadas à esta pesquisa.60
Na Miniatura I, o caminho das relações se apresenta por um único gesto
provindo diretamente do dito popular, de igual modo, o elemento textual advém do
conjunto fonético presente no dito.

59 Paulo Costa Lima em seu livro Teoria e Prática do Compor II, escreve sobre ética e criação, nele
argumenta sobre o entrelaçamento entre teoria e prática: “na medida em que a capacidade criadora,
especialmente no campo das artes, depende dessa ‘razão interna’ capaz de guiar escolhas”. (LIMA,
2014, p. 73)
60 As análises detalhadas e partituras completas das obras musicais que compõem esta pesquisa, estão

incorporados neste capítulo.


85

Figura 33 - Circuito na Miniatura I.

Fonte: o autor.

Dito popular: DA GOTA SERENA.


Gesto proveniente do dito popular: INTENSIFICAÇÃO.
Elemento textual: CONJUNTO FONÉTICO ADVINDO DO DITO PUPULAR.

Na Miniatura II, o gesto é o mesmo da representação anterior, porém o


elemento textual é adquirido a partir da imagem criada na relação do significado
etimológico da palavra “gota” presente no dito, com o filtro interpretativo.

Figura 34 - Circuito na Miniatura II.


86

Fonte: o autor.

Dito popular: DA GOTA SERENA.


Gesto proveniente do dito popular: INTENSIFICAÇÃO.
Elemento textual: ETIMOLOGIA + FILTRO INTERPRETATIVO.

Na Miniatura III, o gesto permanece o mesmo das representações anteriores.


O conjunto textual advém do conceito gestual na relação com o filtro interpretativo.

Figura 35 - Circuito na Miniatura III.

Fonte: o autor.

Dito popular: DA GOTA SERENA.


Gesto proveniente do dito popular: INTENSIFICAÇÃO.
Elemento textual: GESTO + FILTRO INTERPRETATIVO.

A obra Mas será o Benedito, Lampião ou Suassuna?, possui uma trama mais
complexa de fluxos e refluxos dentro do circuito de relações. O dito popular “Mas será
o Benedito” foi escolhido como ponto de partida para a elaboração composicional. O
gesto principal é decorrente do trânsito e entrelace de três vias: 1) o significado
etimológico do nome Benedito, presente no dito popular; 2) a relação intertextual com
outra obra e seus símbolos agregados; 3) e a referência sociocultural Nordestina. Os
elementos textuais tanto advêm do conjunto fonético encontrado no dito popular, como
87

de fontes externas por caminho intertextual, no caso, um poema de Suassuna e um


texto bíblico.

Figura 36 - Circuito na Mas será o Benedito, Suassuna ou Lampião?.

Fonte: o autor.

Dito popular: MAS SERÁ O BENEDITO.


Gesto principal, proveniente do dito popular: ANTAGONISMO.
Elemento textual: CONJUNTO FONÉTICO ADVINDO DO DITO POPULAR,
INTERTEXTUALIDADE.

4.1 MINIATURA I: DA GOTA SERENA (ANÁLISE – CONJUNTO FONÊMICO)

A MINIATURA I para 5 vozes mistas (SATBB) é construída sobre o conceito


de “intensificação”, gesto identificado no dito popular “da gota serena”. A peça possui
uma forma linear e simples, seguindo o princípio de agregação, incorporando
elementos em direção a uma meta final. O elemento textual é advindo do conjunto
fonêmico a partir do dito popular: Da, Go, Ta, Se, Re, Na. As ocorrências das unidades
do conjunto fonêmico na peça, são dispostas de maneira gradual, como pequenos
88

impulsos a gerar avolumamento, e ordenadas observando a sequência que forma a


frase do dito:

Figura 37 - Ordem de ocorrência do Conjunto fonêmico na Miniatura I.

Durante o percurso da peça, duas ocorrências são apresentadas como rupturas


da linearidade, a primeira intervenção como ruptura aparece no compasso 17, e se
estende aos compassos 18 e 19, através de um gesto descendente, contrário ao
movimento crescente de até então. A ação é uma interferência súbita, que precede e
anula a entrada da última unidade fonética “NA”, que dessa forma, aparecerá a partir
do compasso 24. A simulação de sons de trombones com a dinâmica forte, torna o
evento ainda mais disruptivo:
89

Figura 38 - Primeiro gesto como ruptura.

A partir desse ponto se reinicia o processo por uma amplificação mais intensa,
agregando percussão vocal, linha de baixo e melodias harmonizadas:

Figura 39 - Adensamento.
90

Uma segunda intervenção como ruptura aparece no compasso 32, essa


intervenção age ratificando o discurso corrente, e formando o dito com todas as partes
do conjunto fonético sequenciadas e distribuídas pelas vozes:

Figura 40 - Conjunto fonético sequencial.

A partir destas observações, podemos identificar uma meta de intensificação


com constantes micro impulsos, decorrentes da progressiva incorporação de
elementos textuais e musicais. Numa visão macro, dois momentos de ruptura estão
dispostos como impulsos maiores.
O final da peça revisita o gesto das “vozes como trombone”, porém numa
intenção crescente para o alcance da meta conceitual de intensificação, significado
presente no dito “Da gota serena”:
91

Figura 41 - Gesto final da Miniatura I.


92

MINIATURA I – DA GOTA SERENA (PARTITURA)

Para vozes mistas – SATBB


93
94
95
96
97

4.2 MINIATURA II: DA GOTA SERENA (ANÁLISE - DESCRITIVA)

A MINIATURA II para 6 vozes mistas (SATTBB) é uma peça descritiva,


construída sobre duas percepções imagéticas, gotejamento e ondas sequenciais,
emergidas a partir de uma parte isolada da unidade lexical “da gota serena”,
considerando exclusivamente o termo “gota”. A princípio foi elaborada uma cadeia de
imagens partindo da palavra gota, onde cada imagem disposta foi sequenciada
observando a relação de significados com a palavra anterior. Esta elaboração, a cada
ponto avançado, fornece uma nova representação, uma imagem mais distante em
relação ao ponto inicial, no entanto, preserva o vínculo com o todo, norteado pelo eixo
de orientação “água”:

Figura 42 - Cadeia de imagens a partir da palavra "gota".

A peça possui uma forma linear, movimento cíclico sem rupturas, induzindo à
imagem de ondas sequenciais. O gesto final, a partir do compasso 13, inicia um
processo de desagregação de vozes. Esta decomposição do impulso contínuo,
conduz à sensação de intensificação de escassez, sugestionando a imagem de
gotejamento.
Visando a viabilidade de execução da peça, as notas são apoiadas em cada
uma das 3 unidades da divisão do tempo, como demonstrado nas figuras abaixo.
98

Figura 43 - Apoio das notas em cada uma das 3 unidades da divisão do tempo.

Figura 44 - Apoio das notas em cada uma das 3 unidades da divisão do tempo. (Forma reduzida)
99

MINIATURA II – DA GOTA SERENA (PARTITURA)

Para vozes mistas – SATTBB


100
101
102

4.3 MINIATURA III: DA GOTA SERENA (ANÁLISE - PROPORÇÃO


PERTO/LONGE)

A MINIATURA III para 4 vozes mistas (SATB), também é um experimento a


partir do gesto de intensificação proveniente da expressão “da gota serena”. Para a
elaboração do movimento gestual da peça, tomamos três parâmetros por base: (a)
conceitos da mixagem de áudio, (b) a construção textual e o (c) resultado na
percepção espacial.
Foram observados três eixos cartesianos61, representando as dimensões por
onde o áudio pode ser agenciado numa mixagem, como disposto na figura abaixo.

Figura 45 - Dimensões do áudio na mixagem, representados nos eixos cartesianos.

Eixo X (Panorama): Distribuição espacial no plano entre direita e esquerda;


Eixo Y (Espectro): Amplitude de frequências;
Eixo Z (Profundidade): Proporção perto/longe.

61Representação apresentada por David Gibson em seu livro The Arte Of Mixing – Visual Guide to
Recording, Engineering and Production, 1997.
103

Nos interessa para esse experimento, um olhar específico para os eixos Y


(espectro de frequências) e Z (profundidade).

4.3.1 Eixo Y (espectro de frequências).

O ouvido humano é capaz de perceber uma faixa de frequências entre 20Hz a


20000Hz. Essa extensão se divide em regiões:

Tabela 2 - Regiões da audição por faixas de frequências.

Faixa Região
20 a 60 Hz Subgrave
60 a 250 Hz Graves
250 a 2000 Hz Médio-Graves
2000 a 6000 Hz Médio-Agudos
6000 a 20000 Hz Agudos

Para designar alguns efeitos auditivos provocados pela falta ou pelo excesso
de determinada faixa de frequência pelo ouvinte, usaremos como referência a tabela
exposta por Henriques em seu Guia de Mixagem, em que resume alguns atributos
identificados em cada oitava de frequência, e alguns termos usuais no dia a dia no
trabalho em estúdio de áudio para definir a falta e o excesso dessas faixas de
frequências em mixagens.62

62É natural o uso de termos técnicos, e não raramente, termos não técnicos em ambiente de estúdio
para definir uma intervenção com relação a mixagem musical, visto que, o diálogo geralmente se firma
entre o especialista e o leigo, aquele que percebe os eventos acústicos e traduz por sentimentos.
104

Tabela 3 - Características de cada oitava do espectro de frequências.

8ª Hz EXCESSO FALTA

1 20-40 FLÁCIDO RARAMENTE PERCEBIDO

2 40-80 FROUXO LEVE

3 80-160 PESADO - “U” MAGRO

4 160-320 CAVERNOSO - “Ô” APERTADO

5 320-640 FANHO - “Ô PRESO

6 640-1K2 TELEFONE – “Ó” OCO

7 1K2-2K5 METÁLICO – “É” ESTRANGULADO

8 2K5-5K ESTRIDENTE – “Í” VELADO

9 5K-10K SIBILANTE – “S” ABAFADO / DISTANTE

10 10K-20K SOPRADO POUCO PERCEBIDO

A faixa de frequências mais significativa da voz se encontra entre 3 KHz e 5


KHz, não é por acaso que nesta específica região o ouvido humano é mais sensível,
especialmente em 3 KHz. É nesta faixa de frequência que atuam os sons fricativos (f,
v, z, j, s...), importantes para a inteligibilidade. A região entre 3 KHz a 8 KHz é outra
faixa importante para a claridade, sibilância e definição das palavras. A empresa
alemã Behringer, especifica no manual do seu produto/equalizador, que “reduções a
partir de 5kHz tornam o som mais "distante e transparente". Os harmônicos altos e o
“ar” na voz, se encontram nas frequências acima de 10 KHz. Outras faixas de
frequências podem afetar a sonoridade da voz, de 150 a 250 se encontram as
105

fundamentais da voz, ou como por exemplo de 700 Hz a 1400 Hz, onde a sua
acentuação atribui à voz, um timbre anasalado.

4.3.2 Eixo Z (Profundidade).

O eixo Z, a percepção de perto e longe em relação à fonte sonora dentro de


uma mixagem, é uma variável resultante da combinação de fatores de interferência,
como por exemplo o uso do delay, reverb, volume e manipulação de frequências
(equalização), sobre o áudio. Em nosso experimento, a Miniatura III, o Eixo Z é
orientado através de um único fator de interferência, o controle de frequências.

4.3.3 Estratégias de controle de frequências.

No transcorrer da peça Miniatura III, elaboramos um suposto controle de


frequências específicas da voz visando a performance ao vivo, com o uso ou não de
captação por microfone. Dois procedimentos foram analisados e adotados como filtros
de frequências: a mão em frente à boca, e as mãos em formato de concha sobre o
nariz e boca. Para verificação de resultados sobre estes procedimentos em relação à
quantidade e qualidade de frequências atingidas no momento do canto, dispomos de
uma sessão de testes de gravações em estúdio, com a performance de um cantor
barítono. A experiência constituiu em gravar um determinado trecho musical por três
situações, a primeira com o cantor posicionado a 30 centímetros do microfone sem
obstáculos, a segunda o cantor com a mão posicionada em frente à boca, na terceira
situação o cantor executa o trecho musical com as mãos em concha sobre o nariz e
boca.63
Na primeira situação, na qual o cantor executa o trecho musical sem
interferência, a faixa de frequências a partir de 100 Hz exibe um contorno equilibrado,
com variações dentro dos limites de -20 dB a -40 dB:

63O posicionamento diante do microfone e a distância de 30 centímetros, não foram alteradas durante
todo o processo. Em todas as gravações do experimento, foi utilizado um microfone padrão AKG-414,
sem equalização, somente um o filtro High-Pass em 100Hz.
106

Figura 46 - Leitura do Analisador de Espectro sobre a gravação 01.

Na segunda situação, aquela onde o cantor executa o trecho musical com a


mão à frente da boca, a partir de 700Hz o Analizer demonstra uma queda acentuada
de frequências, outra queda acontece a partir de 3000Hz, frequências importantes
para a inteligibilidade da voz, ficando abaixo da faixa linha de -40 dB:

Figura 47 - Leitura do Analisador de Espectro sobre a gravação 02.

Na terceira situação, o canto é emitido com a mão em concha sobre o nariz e


boca. O resultado mostrado no Analiser é bem particular, percebe-se uma queda
específica em 250Hz (frequência onde se encontra os harmônicos fundamentais da
voz), um pico entre 500Hz e 800Hz (faixa de frequência que atribui uma característica
anasalada à voz), e uma queda brusca a partir de 800Hz, que percorre uma faixa de
-35 dB, uma grande perda a partir de 1000Hz:
107

Figura 48 - Leitura do Analisador de Espectro sobre a gravação 03.

Além da avaliação das representações visuais apresentadas pelo Analisador


de frequências, as três amostras gravadas foram observadas através da escuta
comparativa.
A segunda gravação (mão à frente da boca) apresentou a sonoridade da voz
menos articulada e inseriu uma sensação de deslocamento da fonte sonora para um
ponto mais distante em comparação com a primeira gravação (sem obstáculos).
A terceira gravação (mãos em concha sobre nariz e boca) apresentou um
comprometimento maior na inteligibilidade da voz, adicionando a mesma sensação de
distância percebida na segunda gravação, porém uma forma bem mais acentuada.
Esta sensação de distanciamento da fonte sonora, percebida nas amostras gravadas,
é atribuído à perda de frequências onde se localiza o pico de sensibilidade auditiva
humana, faixa de frequências que evidenciam as consoantes fricativas e a sibilância,
essas, importantes na definição das palavras.

4.3.4 O Aspecto Textual.

O conjunto fonêmico (uh, ah) e o conjunto fonético (nu, nô, in), foram escolhidos
no propósito de acentuar a sensação auditiva de distância gradativa, por suas
características sonoras e tipo de emissão. A sílaba “nu” tem pouco ataque por possuir
uma consoante não plosiva integrada à uma vogal fechada “u”, moldada através de
108

uma pequena abertura de boca, deste modo, não privilegiando a projeção de


harmônicos da região aguda.64
A linha temporal da peça desenha um fluxo crescente por três processos
distintos: do volume sonoro crescente, acentuação de cortes de frequência pela
estratégia do obstáculo entre fonte emissora e ouvinte, e a composição textual, que
percorre das projeções vocais mais fechadas para as mais abertas. Juntos, estes
procedimentos corroboram a formação da imagem mental de deslocamento da fonte
sonora que parte de um ponto inicial mais distante, uma intensificação relativa ao eixo
Z (profundidade), para um ponto mais próximo, como demonstrado na figura abaixo:

Figura 49- Volume, obstáculo na emissão e sonoridade textual na linha do tempo da Miniatura III.

64 Tomamos como referência de conceitos, os trabalhos Perception of singing, de Johan Speech


Sundberg (Royal Institute of Technology, Stockholm), 1979, p. 1-48, Analysis, synthesis, and perception
of voice quality variations among female and male talkers, do autor Dennis H. Klatt e Laura C. Klatt para
o Journal of the Acoustical Society of America 87, 1990, p. 820-857 e o artigo Uma introdução à acústica
da voz cantada, de Maurílio Nunes Vieira, para o I Seminário Música Ciência Tecnologia: Acústica
Musical, 2004, p. 70-79.
109

MINIATURA III – DA GOTA SERENA (PARTITURA)

Para vozes mistas – SATB


110
111
112

4.4 “MAS SERÁ O BENEDITO, SUASSUNA OU LAMPIÃO?” (ANÁLISE)

A obra se inscreve por diferentes fontes, amalgamando discursos da literatura


oral e escrita, aspectos sociocultural e musical.
O número 3 nesta experiência composicional vem situado como importante eixo
simbólico cristão, não é à toa que a princípio escolhemos três unidades de um mesmo
território cultural, para nos servir como fonte de materiais sígnicos. É importante
pontuar que, cada unidade por si só já proporcionaria um vasto contingente de
imagens, signos, expressividades, subjetivismos advindos da cultura e das
possibilidades léxicas para o propósito composicional.

4.4.1 Cultura Nordestina como Fonte

As três partes que consistem em um dito popular, um poema e um personagem,


foram pinçadas de uma fonte maior, a cultura nordestina.

Figura 50 - Cultura nordestina como fonte.


113

A - O dito popular, “Mas será o Benedito”65.

Podemos destacar alguns significados intrínsecos no dito:

 Significado da expressão: reagir a situações inesperadas ou


indesejáveis.

 Significado do nome próprio Benedito: o nome Benedito surgiu a partir


do latim antigo Benedictus, que deriva de benedico que quer dizer “pedir
proteção divina em favor de alguém”, significa "bendito", "abençoado",
"louvado".

B – O poema escolhido tem por título “O sol de Deus”66, de Ariano Suassuna.

O poema e a iluminogravura apresentam uma série de personagens e figuras


míticas que se expressam por sentidos dúbios. Observando algumas recorrências
destes signos dentro da coleção literária de Suassuna, podemos relacionar alguns
significados. Como, por exemplo, o sol: símbolo do masculino e de morte.
Essa relação de significado no poema coincide com sentimento do sertanejo
em relação à terra seca, consequência do sol austero, inclemente.
Os símbolos femininos são: Pantera, Jaguapardo, romã, a mulher vestida de
sol (a face feminina de Deus, como Nossa Senhora).
Estes símbolos femininos carregam uma ideia de dualidade, como visto na
efigie do sagrado diante da mulher com o manto, e o encontro sexual descrito no
terceiro verso do poema: “Ela virá – Mulher – aflando as asas, com o mosto da Romã”.

65 Apesar do dito popular “Mas será o Benedito”, não ter uma possível explicação da sua origem
desvinculada da cultura nordestina, a expressão é recorrente na linguagem sertaneja. Uma provável
versão para a origem do termo, está no livro De onde vem as palavras do escritor Deonísio da Silva. O
autor explica que “Em 1933, Getúlio Vargas estava indicando novos governadores, e chefes políticos
mineiros temiam que o presidente nomeasse alguém indesejado. Para não desagradar seus
apoiadores, dizia-se que o escolhido de Getúlio seria Benedito Valadares, jornalista, político local e
candidato neutro. Muitos, surpresos com a provável escolha, que acabou acontecendo, perguntavam-
se: Será o Benedito?”.
66 Soneto extraído do CD A poesia viva de Ariano Suassuna, lançado em 1998. O CD conta com a

participação musical do compositor Antônio Madureira. As escolhas dos temas são inspiradas em
autores que Suassuna admirava, a exemplo de Augusto dos Anjos, Fernando Pessoa, o poeta popular
Lino Pedra-Azul e Renato Carneiro Campos, a este último citado, é creditado o tema do poema “O sol
de Deus”.
114

Podemos observar esta mesma correlação no poema “A tigre negra -


Suassuna”, onde explicita o simbolo masculino do “sol”, e a representação feminina
na “romã” e no “felino”: “Gata negra, Pantera-extraviada, abres ao sol tua Romã felina”.
O gavião simboliza o ente que se faz presente no momento da morte, como o
Espírito Santo.67
A figura do cervo ao lado da imagem de Nossa Senhora ou “mulher vestida de
sol” na iluminogravura, é uma referência ao masculino, e ao próprio escritor do poema,
visto que o nome Suassuna, significa “cervo negro” na língua tupi.
A visão poética de Suassuna no poema “O Sol de Deus”, percorre por linhas
tênues que divide o profano e o sagrado, apresentando um universo mitológico,
intangível, e ao mesmo tempo humano, real por ser sertanejo.

67Quaderna, um dos personagens mais emblemáticos de Ariano Suassuna, escolhe o Gavião como
representante do Espírito Santo no que denomina de Religião Católica Sertaneja. O gavião e a cobra,
neste contexto, também tem a responsabilidade de vigiar os homens e mulheres cujas mortes estão
próximas. Referenciado na dissertação A morte, o feminino e o sagrado de Ester Suassuna Simões,
2016, p. 79.
115

Figura 51 – Iluminogravura e poema "O Sol de Deus" – ambos por Ariano Suassuna.
116

O SOL DE DEUS

Mas eu enfrentarei o Sol divino,


O olhar sagrado em que a Pantera arde.
Saberei porque a teia do Destino
não houve quem cortasse ou desatasse.

Não serei orgulhoso nem covarde,


que o sangue se rebela ao som do Sino.
Verei o Jaguapardo68 e a luz da Tarde,
Pedra do Sonho e cetro do Divino.

Ela virá-Mulher- aflando as asas,


com o mosto da Romã, o sono, a Casa,
e há de sagrar-me a vista o Gavião.

Mas sei, também, que só assim verei


a coroa da Chama e Deus, meu Rei,
assentado em seu trono do Sertão.

C - O personagem Lampião69, foi escolhido avaliando um quadro de opções


desenhado a partir da fonte “Nordeste”.

68 O jaguapardo é o resultante do cruzamento entre uma onça macho e um leopardo fêmea.


Fonte: Livro: Guinness World Records 2013.
69 O Lampião – Virgulino Ferreira da Silva – nascido em 12 de fevereiro de 1900. Ficou conhecido como

Rei do Cangaço.
117

Figura 52 - Lampião e seu bando

Figura 53 - Nordeste - fonte de múltiplas imagens

Os três elementos que emergem deste processo de identificação e escolhas, o


poema “O sol de Deus” (elemento 1), o dito popular “Mas será o Benedito” (elemento
2) e o personagem “Lampião” (elemento 3), carregam um traço de identificação entre
si, uma simbologia associada à idéia do “divino”, do “sagrado”, do “louvado”. Por essa
associação em comum, observamos cada elemento:
118

O elemento 1 (o poema) expõe esta identidade do “sagrado” de forma material


através das imagens da iluminogravura e em todo o discurso textual nas metáforas
que trilham por significados de “adoração”, “castigo irremediável do sol” e a
“onipresença, onipotência e onisciência divina”.
O elemento 2 – o dito popular apresenta de forma mais “protegida” a sua
correlação com o sagrado. A interpretação requerida não é determinada pelo sintagma
que forma a expressão idiomática, nem por seus símbolos conexos, mas de uma parte
formante observada isoladamente, no caso, o elemento “Benedito”. À vista disto, o
caminho de interpretação requer um teor de abstração maior.
O elemento 3 (Lampião) corresponde a um símbolo rico de contradições, com
referências sociais, política e cultural. Portando, se faz necessário uma observação
mais detalhada no que envolve os seus significados.
Uma ambiguidade de representações foi construída sobre Lampião, onde
suscitava medo e admiração, como escreve Marques e Villela (1999):

[...] Após os anos 30 e 40, passou a ser empregado sobretudo para designar
homens como Lampião. A passagem da significação generalizante a uma
específica de bandido salteador foi, a rigor, consequência da enorme
celebridade alcançada por Lampião, conhecido como "rei do cangaço",
durante as duas décadas em que ele foi chefe de um bando de cangaceiros.
Seu nome, o relato de seus atos, a história de sua vida ultrapassou as
fronteiras regionais e nacionais, atingindo o exterior, invadindo os palcos de
teatros, as telas de cinema, as páginas da literatura, tornando-se, desde os
anos 60, tema de debates sociológicos. (MARQUES e VILLELA, 1999, p. 130)

Um destaque sobre a questão da representatividade polissêmica de Lampião é


apresentado por Lira Neto em seu livro Padre Cícero: Poder, fé e guerra no sertão
(2009), onde descreve a reação das pessoas em torno da chegada do cangaceiro na
cidade:

As moçoilas do Juazeiro, igualmente alvoroçadas, obviamente sem o


consentimento dos pais, espreitavam pelas frestas da porta de casa,
na esperança de pôr a vista naquele homem tão admirado quanto
temido, o chapéu enfeitado com espelhos e patacões de ouro. (NETO,
2009, p. 288)

Inscrever Lampião no cânon dos santos seria uma incongruência se entendido


de forma ipsis litteris. Se por um lado a figura do Lampião é a representação do ser
com o mais alto nível de crueldade, por outro, despertaria orgulho no pertencimento.
119

Buscando uma resposta através de caminhos mais escondidos das afeições


humanas, Lampião seria uma espécie de herói adequado à metáfora do “altar”. O “Rei
do cangaço” é como o Sol descrito por Suassuna, que castiga, mas obtém devoção e
está “assentado em seu trono do Sertão”.
A partir destas observações, levando em consideração a relação de cada
elemento com o sagrado, podemos traçar uma linha de identificação sígnica e
interpretação, que parte de um polo mais concreto para um mais subjetivo, um
percurso conceitual em três níveis.

Figura 54 - Percurso por níveis de subjetividade

O poema já se constitui num elemento íntegro, uma obra finalizada. Por esse
olhar e uma escolha estética resultante, o poema não passará por transformação,
servirá como componente para declamação.

4.4.2 Construção de gestos

A correlação através dos elementos 2 (Benedito) e 3 (Lampião), supostamente


antagônicos, “o bem” e “o mal”, expõe um circuito de forças expressivas, sugerindo
gestos, como mostrados nas tabelas a seguir.
120

Tabela 4 - Gestos Antagônicos.

LEVEZA AUSTERIDADE

SENSÍVEL RUDE

ACOLHIMENTO REPULSÃO

CELESTE TERRENO

TÊNUE MARCANTE

Tabela 5 - Outros Gestos.

CADENCIADO PERCUSSIVO

DENSO ESPARÇO

MAGESTOSO DESPROVIDO

SOLENE INFORMAL

RITUAL INSUBORDINAÇÃO

4.4.3 Em direção ao Material Sonoro

A simbologia numérica e os estudos ligados às estruturas escalares na música


nordestina, nos levaram a adotar por base o Sistema Trimodal abordado por Siqueira
(1981), que consiste em um sistema que opera a partir de três modos: o mixolídio (1),
o lídio (2) e um modo híbrido (3) concebido pela integração dos dois primeiros modos.
121

Figura 55 - Sistema Trimodal

No intuito de possibilitar formações de acordes dúbios e tensos, o modo III terá


uma nota incorporada, sintetizando um novo modo.

Figura 56 - Modo IV (Sintético)

Com o acréscimo da nota ré bemol, o novo modo adquire um conjunto de quatro


segundas menores (ou sétimas maiores se invertidos), e acordes a partir desse
conjunto.

Figura 57 - Conjunto Intervalar de 2ª menor ou 7ª maior


122

Figura 58 - Acordes gerados por conjuntos intervalares

Além do conjunto intervalar de segundas menores do modo IV, foram


escolhidos para compor o material sonoro, as quatro tríades maiores disponíveis do
modo, como representação sonora de divindade.

Figura 59 - Tríades maiores do Modo IV

4.4.4 Desconstrução textual

A manipulação textual a partir do dito popular “Mas será o Benedito” nos


fornece algumas possibilidades sonoras através da desconstrução textual e
agrupamentos fonéticos, além do conjunto textual integral.

Inventário fonético:

 Conjunto fonêmico [a, e, i , o] – quase nenhum som percussivo;

 Conjunto fonético [ma, se, ra, be, ne, di, to] – variação de percussividade;

 Consoantes oclusivas [b, d, t] – percussivo;

 Consoantes nasais [m, n];


123

 Consoante glotal70 [h] – determinada como ofegância.

 Conjunto textual:

- Mas será o Benedito (original);

- Et erit Benedictus (Latim)71;

- Otideneb o ares sam (texto reverso do original).

Texto bíblico com ênfase na expressão “Bendito seja” (Benedictus):

Deuteronômio 28: 1 a 6.

1. E será que, se ouvires a voz do SENHOR teu Deus, tendo cuidado de guardar
todos os seus mandamentos que eu hoje te ordeno, o SENHOR teu Deus te
exaltará sobre todas as nações da terra.

2. E todas estas bênçãos virão sobre ti e te alcançarão, quando ouvires a voz do


Senhor teu Deus:

3. Bendito serás na cidade, e bendito serás no campo.

Texto bíblico em latim:

1. Sin autem audieris vocem Domini Dei tui ut facias atque custodias omnia
mandata eius quae ego praecipio tibi hodie faciet te Dominus Deus tuus
excelsiorem cunctis gentibus quae versantur in terra.

2. Venientque super te universae benedictiones istae et adprehendent te si


tamen praecepta eius audieris:

70 Consoantes glotais: são consoantes pronunciadas através da vibração da glote. Não há consoantes
glotais em português e em praticamente nenhum dos idiomas ocidentais. Exemplos de idiomas com
consoantes glotais são o hebraico e o árabe. (Formação de Escritor do Dr. João Domingos Soares de
Oliveira, Editora Clube dos Autores, 2010, p. 146)
71 “Et erit Benedictus” consiste numa tradução literal nossa, sem considerar o conteúdo significativo do

termo em português.
124

3. Benedictus tu in civitate et benedictus in agro.

4.4.5 Análise das partes

O experimento composicional 1, disporá dos elementos:

A – Modo IV (sintético);
B – Conjunto intervalar de segundas e os acordes gerados por esse conjunto
(representação do profano);
C – Tríades maiores dispostos no modo IV (representação do divino);
D – Gestos percebidos pelo antagonismo entre os elementos “Benedito” e “Lampião”.
E - Poema “O sol de Deus” recitado.
F – Segmentação e agrupamento fonético vocálico e consonantal a partir do dito
popular “Mas será o Benedito”.
G – Texto bíblico em latim.

A obra “Mas será o Benedito, Suassuna ou Lampião” tem a ambiguidade como


eixo, como o título já sugere. A organização formal é constituída de quatro partes
entremeadas por declamações.

Figura 60 - Forma da obra "Mas será o Benedito, Suassuna ou Lampião?"

A parte A é construída por textura homofônica como canto litúrgico, valorizando


o texto, o encadeamento de vozes e o aspecto harmônico. Os acordes são extraídos
do modo II (lídio) como representação do divino. O sentido de dubiedade é inserido
através das segundas menores sequenciais entre contralto e soprano nos compassos
12, 13 e 14.
125

Figura 61 - Intervalos de segundas consecutivas como dubiedade em "Mas será o Benedito,


Suassuna ou Lampião?"

O primeiro momento de declamação tem por suporte sonoro um momento


árido e lamentoso nos compassos de 15 a 20. A imagem é criada através de um
uníssono em boca chiusa, que se separa lentamente até uma segunda menor, gesto
que se repete depois de um compasso de silêncio.
126

Figura 62 - Primeira declamação em "Mas será o Benedito, Suassuna ou Lampião?"

A parte B remete ao castigo, à austeridade sofrida pelo nordestino através da


insígnia do Sol causticante e Lampião. Esta parte é enérgica e contrasta com o
andamento lento anterior, e está dividida em três gestos:

 O gesto 01 é movido por ritmos complementares entre as vozes graves e


agudas, notas que atacam em momentos diferentes, fazendo um jogo de
desencontros no tempo linear, podendo assim ser lido como uma fuga do “cara
a cara”, essa representação está disposta na figura abaixo.

Figura 63 - Gesto 01 (parte B) "Mas será o Benedito, Suassuna ou Lampião?".


127

O texto é elaborado a partir do conjunto fonético do dito “Mas será o Benedito”,


formando junções sugestivas que remetem à violência, como as junções “ma-di-to”,
“ma se-ra ma-di-to” “ma-to”, conforme figura abaixo.

Figura 64 - Manipulações fonéticas sugestivas a partir do dito "Mas será o Benedito!".

 O gesto 02 apresentado na figura abaixo, busca simular o toque da viola do


sertanejo por quatro estratégias: a mudança de timbre da voz (voz anasalada),
o fonema onomatopaico, o glissando que é característico no toque da viola
sertaneja e o oitavamento das vozes, fazendo menção as cordas duplas da
viola.
128

Figura 65 - Quatro estratégias para simular o som da viola sertaneja nas vozes.

Este gesto é construído sobre o modo III (híbrido) e alguns acordes


sobre o modo IV (sintético) nos compassos 30 e 32:

Figura 66 - Acordes a partir do modo IV (sintético).


129

 O Gesto 03 é uma ruptura na linearidade, um elemento novo com a função de


apresentar algo inesperado e dramático com sons onomatopaicos e ruídos, é
composto por quatro compassos de percussão vocal (sem altura definida) e
dois compassos polirrítmicos com notas de alturas definidas.

O segundo momento de declamação ainda reverbera o pontilhismo da parte


B, porém de uma maneira branda, como pizzicato que vai se somando às notas
longas, esse evento percorre do compasso 64 ao 77.
A parte C A estreita relação entre o prazer em contemplar a figura feminina
representada pelo jaguapardo, animal híbrido, e a angustia do decreto à morte pelo
“cetro divino” adensa ainda mais a acepção de ambiguidade. Esta ambiguidade é
representada na música com o dito “Mas será o benedito” em forma reversa, “Otideneb
o áres sam”, entoado por meio da técnica Sprechgesang (entre a fala e o canto). Todo
o gesto musical é leve, cadenciado e lírico, as vozes extremas simulam instrumentos
de corda com arco:

Figura 67 - Sprechgesang e vozes simulando instrumentos de cordas com arco.


130

O terceiro e último momento de declamação apresenta a morte


ressignificada como um desejo erótico. Aos olhos do personagem/narrador, a Mulher
o levará ao deleite, ao descanso e ao lugar protegido. Neste sentido, a figura celeste
em forma de felino alado, agora Mulher, insufla de forma ambígua o sagrado/carnal,
a morte/prazer, a mulher/animal.
Essa representação musical é realizada do compasso 100 ao 107. As linhas
sinuosas do baixo e ora articulado também com o barítono, traz uma esfera de
expectativa e uma referência ao bater das asas. Os movimentos repetitivos
ascendentes e descendentes das linhas gerais das vozes, representam o encontro do
ser celeste com o humano.

Figura 68 - Terceiro momento de declamação.

O trecho final do verso declara a aceitação à morte e a devoção ao Deus todo


poderoso que reina sobre o sertão.
A parte D imprime a mesma feição do início da obra, reverente e hierático.
Elaborada com base textual em Deuteronômio (latim), indo do compasso 108 ao 121.
O ápice da obra se encontra no compasso 117, momento de representação da morte
e ascensão do “ser terreno” ao céu, sua nova morada, saindo da palavra “terra” em
direção ao “Benedictus” com a nota mais aguda da obra.
131

Figura 69 – Representação da passagem da terra ao céu. Clímax da obra.

Os compassos 119, 120 e 121 descrevem um beneplácito de santidade com a


repetição do termo “Benedictus” em tom grave, uma espécie de rito de consagração:
132

Figura 70 - Repetição como rito.

A Coda inicia no compasso 122, faz referência ao gesto lírico apresentado na


parte C da peça, as vozes agudas simulam instrumentos de corda com arco, enquanto
as graves simulam o pizzicato.
O Amém final inicia induzindo uma tonicalização com a fixação da nota dó na
voz mais aguda por quatro compassos, porém a cadência direciona e finaliza no
acorde de “fá híbrido”, como representação feminina de Deus, formado por duas notas
do acorde de fá (fá e dó) e duas notas do acorde de sol (ré e si). A parte final do Amém
se assenta em um acorde perfeito maior, representando um reinado perene,
inarredável e inexorável de Deus.
133

Figura 71 - Amém final da obra "Mas será o Benedito, Suassuna ou Lampião?".


134

MAS SERÁ O BENEDITO, SUASSUNA OU LAMPIÃO? (PARTITURA)

(com Poema de Ariano Suassuna e texto de Deuteronômio 28:1 e 3)

Para vozes masculinas – TTBB


135
136
137
138
139
140
141
142
143
144
145
146
147

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo desse trabalho, focamos na proposta de levantar discussões sobre


pontos relevantes direcionados ao campo do fazer musical, a partir do diálogo entre
texto e música, considerando os aspectos sonoro-musicais, estruturais, culturais e
históricos, identificados em textos de ditos populares do Nordeste. Tal proposta foi
desenvolvida nas obras e conceituadas como estratégias compositivas, mostrando-se
um campo fértil para investidas composicionais e para consequentes pesquisas.
Desde o início do projeto, a motivação principal sempre esteve vinculada ao
desejo da produção de música vocal contemporânea, porém, além dessa aspiração,
seria necessário o auxílio de um elemento catalisador, que desse amplitude e
significado à pesquisa, consequentemente às composições. Uma sugestão simples -
por meio do nosso orientador - em se construir composições vocais a partir de ditos
populares, veio transportar a pesquisa para um lugar rico de fundamentos e
significados. Naquele momento, a sugestão nos soou simples e despretensiosa,
porém, mais à frente desvendou que os intentos eram maiores, e a sugestão continha
o conhecimento das possíveis consequências desse diálogo entre música e aspectos
textuais, principalmente, se tratando de elementos encravados de teores
socioculturais.
No objetivo de compreender o que cada parte das duas temáticas (texto e
música) carregam, e a dinâmica que envolve o seu entrelaçamento, propusemos uma
revisão teórica por autores como Agawu (1992), que discorre sobre texto e música na
canção; Aristóteles72, Lakoff & Johnson (1980) e Kövecses (2005), que argumentam
sobre aspectos estruturais na elaboração metafórica; Tacuchian (1995), Jonathan D.
Kramer (2000), Cerqueira (1992), Stein (1930), Rufer (1954), Epstein (1979),
Carpenter (1984) e Schmalfeldt (1991) e Lima (1999), que abordam pontos de reflexão
sobre o compor na atualidade e seus caminhos. No que tange a recursos e
sonoridades vocais contemporâneas, buscamos refletir através de exemplos retirados
em obras vocais importantes, que datam de 1912 a 2016.

72Baseado na compilação (Poética - Aristóteles) realizada por volta de 335 a.C., que busca sistematizar
o formato e a estética dos gêneros literários gregos.
148

Sobre o enfoque prático-criativo, a princípio escolhemos dois caminhos


distintos e sequenciados para conceituar e/ou constatar processos de elaboração
musical, tendo escolhido um dito popular como elemento gerador:

1. Extrair conceitos estruturais compositivos a partir de exercícios livres de


composição;
2. Construir composições a partir de conceitos colhidos no processo anterior.

No andamento dessas duas atitudes, produzimos uma série de experimentos


composicionais, e dentre essas, quatro obras originais para grupo de vozes, três
miniaturas e uma obra maior, aqui integradas à nossa dissertação.
Nesse caminho, sempre propondo o diálogo entre os universos da literatura
popular e composição, observamos inúmeras possibilidades de articulações e
desdobramentos, promovidos pela dinâmica interativa de cada elemento e seus
significados. Essa dinâmica se mostrou muito eficiente para o compor, e a
denominamos como “Circuito gerador de materiais e gestos musicais”, uma
organização de relações orgânicas que se movimentam através de alguns elementos:

1. Elemento central (dito popular);


2. Elemento externo ao círculo cultural (intertexto);
3. Filtro interpretativo (hermenêutica x criação);
4. Círculo (contorno) cultural.

O circuito nos serviu como uma estratégia de criação de gestos e escolhas de


elementos textuais e simbólicos, destinadas à construção orientada e criativa nas
obras próprias aqui contidas.
As análises, discussões e os processos de produção musical desenvolvidos
durante todo trabalho de pesquisa, nos levaram a constatar que os ditos populares se
firmaram como uma fonte de fartos símbolos históricos, sociais e culturais, onde a
partir deles, pudemos ler lugares, características representativas singulares, registros
de épocas, vestígios de lutas, cicatrizes, etc. Além dos significados do texto
transformados pelo tempo e lugar, os ditos também nos trouxeram conteúdos
distantes, nesse caso, pela observação da etimologia das palavras.
149

A partir dessas observações, respondo as questões iniciais dizendo que, o dito


popular nos serviu e pode servir em momento posterior, como ferramenta de alto grau
gerativo em todas as suas instâncias. Desse modo, o consideramos efetivo como
fonte geradora de ideias, gestos e processos, contribuindo assim, ao campo da
composição musical.
Em nossas obras “Miniatura I”, “Miniatura II”, “Miniatura III” e “Mas será o
Benedito, Suassuna ou Lampião?”, foi possível aplicar os conceitos e estratégias
apreendidos na pesquisa, que deste modo, absorveram características relevantes de
um processo unificador. Processo esse, propiciador de profundidade de conteúdo,
ideias, conexões, coerência, e ao mesmo tempo não hermético, aberto a qualquer
interferência externa desejada.
Com isso, esperamos contribuir para que outras pesquisas e/ou composições
se desenvolvam a partir do que trouxemos sob forma de discussões, teorias, análises
e criações.
150

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ADORNO, T.W. Analytical study of the NBC music appreciation


hour. The Musical Quarterly, Oxford, v. 78, n. 2, p. 326-377, 1994.

ADORNO, T. W.; SIMPSON, G. “Sobre música popular”. In: COHN, G. (Org.). T. W.


Adorno - Sociologia. Trad. Flávio R. Kothe. São Paulo: Ed. Ática, 1986[1941]. p. 115-
146.

AGAWU, Kofi. Theory and Practice in the Analysis of Nineteenth-Century ‘Lied’.


Music Analysis. Blackwell Publishing. Vol.11, nº 1, p. 3-36, março, 1992. Disponível
em: http://www.jstor.org/stable/854301 Acesso em: 20 jan. 2017.

ALMADA, Carlos. Derivação temática a partir da Grundgestalt da Sonata para


Piano op. 1, de Alban Berg. [Thematic variation from the Grundgestalt of Berg's Piano
Sonata Op. 1]. Anais do II Encontro Internacional de Teoria e Análise Musical. UNESP,
São Paulo, 2011a.

ANDRADE,Viviane Lucy Vilar de. Sobre a identidade da metáfora literária: uma


análise do romance d’a Pedra do reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta. 2008.
85 fls. Dissertação. (Mestrado em Letras). Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro, 2007.

ARISTÓTELES. Poética. Tradução Ana Maria Valente. 3. ed. Fundação Calouste


Gulbenkian – Serviço de Educação e Bolsas. Lisboa, 2008.

AUERBACH, Brent Lawrence. The analytical Grundgestalt: a new model and


methodology based on the music of Johannes Brahms. Thesis (Ph. D) - Department
of Theory Eastman School of Music, University of Rochester. New York, 2005.

BARBOSA, Lucas de Paula; BARRENECHEA, Lúcia. A intertextualidade musical


como fenômeno. In: Per Musi: Revista de Performance Musical. Belo Horizonte:
Escola de Música da UFMG, v. 8, p. 125−136, jul−dez, 2003.

BARBOSA, Rogério Vasconcelos. Escuta / escritura: entre olho e ouvido, a


composição. Tese (Doutorado em Música) – Programa de Pós-Graduação em Música
do Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre,
2008.

BARRENECHEA, L. S.; BARBOSA, L. P. A intertextualidade musical como


fenômeno. Per Musi (UFMG), Belo Horizonte-MG, v. 8, p. 125-136, 2003.

BECKER, S. A Voz Contemporânea. Dissertação de mestrado, USP, São Paulo,


2008.

BENNETT, Roy. Uma breve história da música – Cadernos de música da


Universidade de Cambridge. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1986.
151

BERG, Silvia. Texturas do pós-modernismo: Uma reflexão sobre os percursos,


processos e escolhas em uma sociedade cognitiva. In: Sekeff, Maria de
Lourdes; Zampronha, Edson. (org.). Arte e Cultura V. São Paulo: Annablume, p. 123-
144, 2009.

BERIO, Luciano. Agnus. Para dois sopranos, três clarinetes e órgão elétrico.
Partitura. Milão: Universal Edition no13755 Mi, 1976.

BERIO, Luciano. Remembering the Future. Cambridge, Massachusetts / London,


England: Harvard University Press, 2006.

BERTISSOLO, Guilherme. Composição e capoeira: dinâmica do compor entre


música e movimento. Tese (Doutorado em composição). Programa de Pós-
Graduação em Música, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2013.

BOLINGER, Dwight. “Meaning and Memory”. Forum Linguisticum 1.1., Harvard:


Harvard University, 1976: 1-14.

BRINDLE, Reginald Smith. Agnus by Luciano Berio. Music & Letters, Vol. 58, no 4.
New York: Oxford University Press, 1977.

BUTLER, Judith. Giving an Account of Oneself. New York: Fordham University


Press, 2005.

CAMARGOS, Q. F.; FARIA, D. da S. Verbos polissêmicos no Português: uma breve


análise semântica. Revista Gatilho (PPGL/ UFJF. Online), v. 14, p. 1-17, 2011.

CARMO JR., José Roberto do. Melodia & prosódia: um modelo para a interface
música-fala com base no estudo comparado do aparelho fonador e dos instrumentos
musicais reais e virtuais. 192f. Tese (Doutorado em Linguística). Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas, USP, São Paulo, 2007.

CARPENTER, Patricia. Musical Form and Musical Idea: Reflections on a Theme


of Schoenberg, Hanslick and Kant. Music and Civilization: Essays in Honor of Paul
Henry Lang, ed. E. Strainchamps, M.R. Maniates and C. Hatch. New York, 1984, p.
394–427.

CARPENTER, Patricia. Grundgestalt as tonal function. Theory Spectrum, vol. 5,


1983, pp. 15-38.

CASTRO, Ângelo de. O Pensamento Composicional de Fernando Cerqueira:


Memórias e paradigmas. 2004. 264 f. Tese (Doutorado em Música) – Escola de
Música, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2004.

CELLETTI, Rodolfo. A History of Bel Canto. Trad. de Frederick Fuller. Clarendon


Press, Oxford, 1991.

CERQUEIRA, Fernando. Técnicas composicionais e atualização. Revista da


Escola de Música. Salvador: UFBA, 1992.
152

COLLISSON, Stephen. Grundgestalt, Developing Variation and Motivic


Processes in the Music of Arnold Schoenberg. Diss. King’s College, 1994.

DAMASCENO, M. A. Verbos polissêmicos: propriedades semânticas e processos


metafóricos. 2006. 128f. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Faculdade de
Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006.

DANTAS, W. R. S.; Pitombeira, Liduino. Planejamento Musical a partir de


Referenciais Extra-Musicais e Intertextuais. Uberlândia: Anais do XXI Congresso
da ANPPOM, 2011.

DURAN, J. de D. L.; POZAS, F. J. M. Fraseología, metáfora y lenguaje taurino.


In: LUQUE DURÁN, Juan de Dios; PAMIES BERTRÁN, Antonio (eds.) Léxico y
Fraseología. Granada: Método Ediciones, 1998, p. 43-70.

Eco, Umberto. Metáfora in Enciclopédia Einaudi, vol. 31: Signo, Lisboa: Imprensa
Nacional Casa da Moeda, 1994, p: 200-246.

EPSTEIN, David: Schoenberg's Grundgestalt and Total Serialism: their Relevance


to Homophonic Analysis, (unpublished Ph. D dissertation, Princeton 1968).

FERREIRA, E. S.; Pitombeira, Liduino; SANTOS, R. S.; LIMA, F. F. Sistema


etnomatemático: uma metodologia probabilística para geração de repositórios
composicionais a partir de transformações em intertextos de tradição oral. Natal: Anais
do XXIII Congresso da ANPPOM, 2013.

FRISCH, Walter. The early works of Arnold Schoenberg (1893-1908). Los Angeles:
University of California Press, 1993.

GARBUIO, Rafael; FIORINI, Carlos. A relação entre a música e texto nos madrigais
de Carlo Gesualdo – um estudo sobre seu amadurecimento ao longo da obra. Música
em perspectiva - revista do programa de pós-graduação em música da Universidade
Federal do Paraná, vol. 5/n.2, p. 103-119, 2012.

GILLILAND, Norman. The Society for Private Musical Performance, 2015.


Disponível em: <https://www.wpr.org/society-private-musical-performance>. Acesso
em: 26 out. 2018.

GOMES, Wellington Gomes. Grupo de Compositores da Bahia: Estratégias


Orquestrais. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2002.

GRADY, J. Foundations of meaning: primary metaphors and primary scenes. Tese


(Doutorado em Linguística). University of California, Berkeley, 1997.

GROUT, Donald Jay; PALISCA, Claude V. História da Música Ocidental. Lisboa:


Gradativa, 2007.

HENRIQUES, Fábio. Guia de Mixagem. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora Música &
Tecnologia, 2007.
153

HENRIQUES, Fábio. Guia de Mixagem 2: Os Instrumentos. 1ª ed. Rio de Janeiro:


Editora Música & Tecnologia, 2008.

JESPERSEN, Otto. The Philosophy of Grammar. London: Allen and Unwin,


1924/1965.

KIMBALL, CAROL. Song – A Guide to Art Song Style and Literature. Milwaukee,
WI: Hal Leonard Corp., 2006.

KING, Jonathan. The New Grove: dictionary of music and musicians. 2 ed. vol. 23,
Londres: Oxford University Press, 2001, p. 321-320.

KLATT, D. H.; KLATT, L. C. Analysis, synthesis, and perception of voice quality


variations among female and male talkers. Journal of the Acoustical Society of
America 87, 1990. p. 820-857.

KÖVECSES, Z. Metaphor in culture: universality and variation. Nova York:


Cambridge University Press, 2005.

KRAMER, Jonathan Donald. The Nature and Origins of Musical


Postmodernism. In: LOCHHEAD, Judy & AUNER, Joseph (Eds.), Postmodern Music
/ Postmodern Thought. New York: Garland, 200, p. 13-26.

KRAMER, Lawrence. In Search of Music: Analysis, Language, and Care. Keynote


speech delivered at the First Conference of the Brazilian Association for Music Theory
and Analysis (TeMA): Salvador-BA, 11/9-12/2014. Translation into Portuguese by Alex
Pochat in O Pensamento musical criativo, ed. I. Nogueira and F. Borém, 2015.
Salvador: UFBA, p. 19-39.

LAKOFF, G.; JOHNSON, M. Metaphors we live by. London, Unirversity of Chicago


Press, 1980.

LANGER, Susanne K. Sentimento e forma. Trad. Ana M. Goldberger e J. Guinsburg.


São Paulo: Perspectiva, 1980.

LEMARCHAND, Anaik. Música da Renascença Francesa: Concerto Cênico.


Disponível em: <http://www.fundacaoculturaldecuritiba.com.br/agenda/musica-da-
renascenca-francesa-concerto-cenico/>. Acesso em 15 abr. 2018.

LIBANIO, Daniella. A arte segundo Ariano Suassuna: a intermidialidade e a poética


armorial. 114f. Dissertação (Mestrado em Teoria da Literatura e Literatura
Comparada) - Programa de Pós-Graduação Em Estudos Literários - Pós-Lit,
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2015.

LIGETI, G. Aventures. Para três cantores e sete instrumentistas. Editora C.F. Peters,
Frankfurt, 1962.

LIMA, Flávio Fernandes de. Desenvolvimento de sistemas composicionais a partir


da intertextualidade. 2011. 240 f. Dissertação (Mestrado em Música) - Universidade
154

Federal da Paraíba, João Pessoa, 2011. Disponível em:


<http://tede.biblioteca.ufpb.br:8080/handle/tede/6602>. Acesso em: 20 jan. 2017.

LIMA, F. F.; PITOMBEIRA, Liduino. Desenvolvimento de Sistemas


Composicionais a partir da Intertextualidade. In: XX Congresso da ANPPOM,
2010, Florianópolis, SC. Anais do XX Congresso da ANPPOM, 2010.

LIMA, F. F.; PITOMBEIRA, Liduino. Fundamentos Teóricos e Estéticos do uso da


intertextualidade como Ferramenta Composicional. In: Anais do XXI Congresso
da ANPPOM, n. 21, 2011, Uberlândia. Música, Complexidade, Diversidade e
Multiplicidade: Reflexões e Aplicações Práticas. Uberlândia: ANPPOM, p. 99–104,
2011.

LIMA, Paulo Costa. “Baião de dois: Composição e Etnomusicologia no forró da


pós-modernidade (em 6 passos)”. In: Invenção e memória: navegação de palavras
em crônicas e ensaios sobre música e adjacências. Salvador: EDUFBA, 2005.

______. Crítica e Criatividade a partir de uma imagem Criada por Ernest Widmer.
Keynote speech delivered at the First Conference of the Brazilian Association for Music
Theory and Analysis (TeMA): Salvador-BA, 11/9-12/2014. Translation into Portuguese
by Alex Pochat in O Pensamento musical criativo, ed. I. Nogueira and F. Borém, 2015.
Salvador: UFBA, p. 19-39.

LIMA, Paulo C. Música Popular e outras Adjacências. Salvador, Editora da


Universidade Federal da Bahia, 2012.

______. Ernst Widmer e o ensino de composição musical na Bahia. Salvador:


Prêmio Fazcultura / Braskem, 1999.

______. Teoria e prática do compor I: diálogos de invenção e ensino. Salvador:


EDUFBA, 2012.

______. Teoria e Prática do Compor II – Diálogos de invenção e ensino. Salvador:


Editora da Universidade Federal da Bahia, 2014.

______. Teoria e Prática do Compor III – Lugar de fala e memória. Salvador: Editora
da Universidade Federal da Bahia, 2014.

LODOVICI, Flávia Manzano Moreira. O idiomatismo como lugar de reflexão sobre


o funcionamento da língua. In:Sínteses (UNICAMP. Online), v. 13, p. 168 – 197,
2008. Disponível em:
http://www.iel.unicamp.br/revista/index.php/sinteses/article/viewFile/830/591>.
Acesso em: 07 jan. 2018.

MABRY, S. Exploring Twentieth-Century vocal music. A practical Guide to


Innovations in Performance and Repertoire. New York: Oxford University Press,
2002.
155

MATSUKI, Keiko. Metaphors of anger in Japanese. In: TAYLOR, John R. &


MACLAURY, Robert E. (Org.). Language and the cognitive construal of the world.
Berlin: Mouton de Gruyter, p. 137-151. 1995.

MAYR, Desirée. O conceito da Grundgestalt em suas múltiplas perspectivas.


COLÓQUIO DE PESQUISA EM MÚSICA DA UFRJ. RIO DE JANEIRO. Anais do 14º
Colóquio de Pesquisa do PPGM/UFRJ – Vol. 2 – Processos Criativos – p. 261. Rio de
Janeiro: UFRJ, 2015.

MANFRINATO, Ana Carolina; QUARANTA, Daniel; DUDEQUE, Norton. Tempo e


música: considerações a respeito de influência e intertextualidade. In: III Encontro
Internacional de Teoria e Análise Musical. São Paulo: ECA-USP, 2013.

MARI, Hugo. Entre o conhecer e o representar: para uma fundamentação das


práticas semióticas e das práticas linguísticas. Belo Horizonte, 1998. 277f. Tese
(Doutorado em Linguística Textual e Análise do Discurso) – Faculdade de Letras,
Universidade Federal de Minas Gerais.

MARQUES, A. C. D. R. ; VILLELA, J. L. M. . O Poder e o Território do Bandido:


Reflexões sobre Lampião, o Rei do Cangaço. Ilha. Revista de Antropologia
(Florianópolis) , Florianópolis, v. 1, n.0, p. 119-138, 1999.

MEDEIROS, I.; Santos, R. O processo cognitivo de construção das metáforas


conceptuais: Ressignificando a aprendizagem. QUIPUS - ISSN 2237-8987, v. 4, n.
1, p. 23-31, 2015. Disponível em:
<https://repositorio.unp.br/index.php/quipus/article/view/916>. Acesso em 19 jul.
2017.

MIRANDA, Neusa Salim. Domínios conceptuais e projeções entre domínios: uma


introdução ao Modelo dos Espaços Mentais. In: Veredas: revista de estudos
linguísticos, v. 3, n. 1. Juiz de Fora, 2009, p. 81-95. Disponível em:
<http://www.ufjf.br/revistaveredas/files/2009/12/artigo45.pdf>. Acesso em 11 dez.
2017.

MOTET EM RÉ MENOR – BEBA COCA-COLA. Gilberto Mendes. Vídeo com a


execução da peça de Gilberto Mendes de 1968, com regência de Mara Campos na
28ª Oficina de Música de Curitiba. 2010. Disponível em:
<http://www.youtube.com/watch?v=qpSV_BoJtRk>. Acesso em 25 jun. 2018.

NETO, Lira. Padre Cícero: Poder, fé e guerra no sertão. São Paulo: Companhia das
Letras, 2009.

NOGUEIRA, Ilza Maria Costa. Grupo de compositores da Bahia: Implicações


culturais e educacionais. In: Brasiliana, Revista da ABM N.º 1, ano 1, Jan. 1999, Rio
de Janeiro: ABM, p. 28-35.

NOGUEIRA, Marcos. O Imaginário Metafórico da Escuta. 2011. Disponível em:


http://ade-bergson.blogspot.com.br/2011/04/o-imaginario-metaforico-da-escuta.html
Acesso em: 20 jun. de 2018.
156

OLIVEIRA, Antônio Marcos Vieira de. Ditos populares e metáfora conceptual.


UERG, 2012.

OLIVEIRA, Laiana Lopes de. A escrita vocal nas obras Aventures de György
Ligeti, Agnus e o King de Luciano Berio. Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Música do Instituto de Artes da Universidade
Estadual de Campinas, na Área de Concentração: Processos Criativos. CAMPINAS
2014.

OLIVEIRA, Laiana Lopes de. O Fonema Como Gerador De Material


Composicional. In: XIII SEMPEM - Seminário Nacional de Pesquisa em Música da
UFG, 2013, Goiânia - GO. Seminário Nacional de Pesquisa em Música da UFG.
Goiânia - GO: Editora UFG, 2013. v. 13.

PASCOAL, Maria Lúcia. Notas sobre o moderno e o pós-moderno nas técnicas


de compositores brasileiros. In: SKEFF, Maria de L.; ZAMPRONHA, Edson. (Org.).
Arte e Cultura V: estudos interdisciplinares. São Paulo: Annablume; Fapesb, p. 97–
122, 2009.

PERES, Véra Lucia Rocha Pedron. As características pós-modernas na obra de


Rimsky de Gilberto Mendes. 2008. Dissertação (Mestrado em Processos de Criação
Musical) - Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo,
2008.

PERSICHETTI, V. Twentieth-Century Harmony: Creative Aspects and


Practice. New York: W. W. Norton & Company, 1961.

PITOMBEIRA, Liduino. Publicação de capítulo de livro 'A Produção de teoria


composicional no Brasil' no livro 'O Pensamento musical criativo: teoria, análise e
os desafios interpretativos da atualidade', organizado por Nogueira, Ilza; Borém,
Fausto, Salvador: UFBA, 2015, p.61-. In: Ilza Nogueira; Fausto Borém. (Org.). O
Pensamento musical criativo: teoria, análise e os desafios interpretativos da
atualidade. 1ed.Salvador: UFBA, 2015, v. , p. 61-89.

PUERLING, Gene. The Best Of Gene Puerling. Alfref Archive Edition, 1993.

PUERLING, Gene. The Gene Puerling Sound. Pensilvania: Shawnee Press, Inc,
1975.

PUERLING, Gene. The Sound of the Singers Unlimited. Pensilvania: Shawnee


Press, Inc, 1977.

RIBEIRO, Manoel Pinto. Gramática aplicada da língua portuguesa. 17 ed. Rio de


Janeiro: Metáfora, 2007.

ROIG-FRANCOLÍ, M. Harmonic and Formal Process in Ligeti's Net-Structure


Compositions. Music Theory Spectrum, vol 17, n 2. 1995, pg 242-267.

RUFER, Joseph. Composition with twelve notes. (Humprey Searle, trad.). Londres:
Rocklife, 1954.
157

______. The Works of Arnold Schoenber. (D. Newlin, trad.). Londres: 1962, p. 148.

SABBE, H. Musique de la voix chez Ligeti: Sens et Signifiance. Revue belge de


Musicologie, vol. 58, Belgica, 2004. pg 301-305.

SCHAFER, Murray. A Afinação do Mundo. SP: Editora Unesp, 2001.

SCHIANO, MICHAEL JUDE. Arnold Schoenberg's Grundgestalt and Its Influence,


Ph.D. diss. (Brandeis University, 1992).

______. Grundgestalt. Grove Music Online, Oxford Music Online, Oxford University
Press,
<http://www.oxfordmusiconline.com.ezproxy.uky.edu/subscriber/article/grove/music/1
1868>. Acesso em: 26 out. 2018.

SCHOENBERG, Arnold. Fundamentos da composição musical. Org. Gerald


Strang. Trad. Eduardo Seincman. 3rd ed. São Paulo: Edusp, 1996.

______. Style and Idea. New York: Philosophical Library, 1950.

SCHRÖDER, U. A. Da teoria cognitiva a uma teoria mais dinâmica, cultural e


sociocognitiva da metáfora. São Paulo: Revista Alfa, 52: 39-56, 2008.

SCHÜTZ, Ricardo. Text. Word Histories. Atualizado em: out. 2009. Disponível em:
<http://www.sk.com.br/sk-hist.html >. Acesso em: 26 de Set. 2018.

SILVA, Augusto Soares da. A linguística cognitiva. Uma breve introdução a um novo
paradigma em linguística, Universidade Católica, Faculdade de Filosofia de Braga,
1997.

SILVA, A. D. V. ; Pitombeira, Liduino . Coerência Sintática no Sistema Trimodal de


José Siqueira. In: XXI Congresso da ANPPOM, 2011, Uberlândia. Anais do XXI
Congresso da ANPPOM, 2011.

SILVA, Alexandre Reche e. Lindembergue Cardoso: Identificando e


ressignificando procedimentos composicionais a partir de seis obras da década
de 80. 205 f. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Música,
Escola de Música, Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA, 2002. Disponível em:
<https://repositorio.ufrn.br/jspui/handle/123456789/21399>. Acesso em: 24 ago. 2018.

SILVA, Ricardo Ribeiro da. Metáfora e composição musical: aspectos semióticos


do processo criativo. 170 p. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de
Campinas, Instituto de Artes, Campinas, 2013. Disponível em:
<http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=000918263>. Acesso em:
10 abr. 2017.

SIQUEIRA, José. Sistema modal na música folclórica do Brasil. João Pessoa:


Secretaria de Educação e Cultura, 1981.
158

SPERANDIO, Natália Elvira; ASSUNÇÃO, Antônio Luiz. Pensando a metáfora por


um viés cognitivo. ReVeLe, n.3, p.1-16, ago. 2011.

STEIN, Deborah; SPILLMAN, Robert. Poetry into Song: Performance and Analysis
of Lieder. New York: Oxford University Press, 1996.

STEIN, Erwin. Orpheus in New Guises. trans. Hans Keller (London: Rockliff, 1953).

______. Schoenberg's New Structural Form. Modern Music 7/4 (June–July 1930):
3–10.

STRAUS, Joseph Nathan. Introdução à Teoria Pós-Tonal. Salvador-São Paulo:


Edufba, 2013.

STRIMPLE, Nick. Choral Music In The Twenth Century. New Jersey: Amadeus
Press, 2002.

SUASSUNA, Ariano. Dez Sonetos com Mote Alheio. Recife: edição manuscrita e
iluminogravada pelo autor, 1980.

______. História do rei degolado nas catingas do sertão – ao sol da Caetana. Rio
de Janeiro: José Olympio, 1977a.

______. Sonetos de Albano Cervonegro. Recife: edição manuscrita e


iluminogravada pelo autor, 1985.

SUNDBERG, J. Perception of singing. Speech Transmission Laboratory Quarterly


Progress and Status Report 1 (Royal Institute of Technology, Stockholm), 1979, pp. 1-
48.

TACUCHIAN, R. “Música pós-moderna no final do século.” Pesquisa e Música, nº


2 (1995): pp. 25-40.

______. Widmer em foco por dois de seus ex-alunos. DEBATES - Cadernos do


Programa de Pós-Graduação em Música n. 5. Centro de Letras e Artes - UNIRIO.
2001, p. 107-111.

TOMIMURA, Fernando. Robert Schumann e o Dichterliebe: Aproximação e


distanciamento na unidade poético-musical. Dissertação (Mestrado em Artes) –
Departamento de Música da Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São
Paulo. São Paulo, 2011.

VALENTE, Heloísa de Araújo Duarte. As várias vozes da voz: sobre o


experimentalismo na obra de Gilberto Mendes. II Encontro de Música e Mídia.
MUSIMID. 2006. Disponível em:
<http://www.musimid.mus.br/2encontro/files/2%BA%20Encontro%20Helo%EDsa%2
0Valente%20completo.pdf>. Acesso em: 01 dez. 2017.

______. Os cantos da voz: entre o ruído e o silêncio. 1 ed. São Paulo: Annablume
Editora – Comunicação, 1999.
159

VIEIRA, Maurílio Nunes. Uma introdução à acústica da voz cantada. I Seminário


Música Ciência Tecnologia: Acústica Musical, p. 70-79, 2004.

WISNIK, José Miguel. O Som e o Sentido. São Paulo: Companhia das


Letras, 1989.

XATARA, CM. A tradução para o português de expressões idiomáticas em


francês. Araraquara, 1998, 253p. Tese (Doutorado em Letras) - Faculdade de
Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, 1998.

YU, Ning. Metaphor from body and culture. In Raymond Gibbs (ed.), The Cambridge
Handbook of Metaphor and Thought, 247-261. New York: Cambridge University Press.
2008.

Você também pode gostar