ODR - Renata Alessandra Amaral

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PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
NÍVEL: MESTRADO
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO:
INSTITUIÇÕES SOCIAIS, DIREITO E DEMOCRACIA

RENATA ALESSANDRA AMARAL

PROCESSO DE GESTÃO DE CONFLITOS NO BRASIL: online dispute resolution uma


ferramenta de acesso à justiça na seara consumerista.

BELO HORIZONTE
2022
2

RENATA ALESSANDRA AMARAL

PROCESSO DE GESTÃO DE CONFLITOS NO BRASIL: online dispute resolution uma


ferramenta de acesso à justiça na seara consumerista.

Dissertação de mestrado, apresentada para ser


utilizada como requisito parcial na obtenção do
título de Mestra no Mestrado em Direito da
Universidade FUMEC.
Orientador: Prof. Dr. Daniel Firmato de
Almeida Glória.

BELO HORIZONTE
2022
3

AGRADECIMENTOS

Essa caminhada foi feita de inúmeros desafios, que por vezes me fizeram questionar
se eu suportaria continuar. Mas em todos os momentos eu fui fortalecida e guiada pela Mão
Divina, razão pela qual nutro meu sentimento mais profundo de gratidão.
Agradeço ao privilégio de ter meu pai William e meus filhos Pedro e João nessa
jornada que é a vida. Estamos construindo um caminho bonito e caminhar ao lado de vocês
fortalece e alegra meu coração. Vocês são a fonte de amor, carinho e compreensão, da qual sou
nutrida.
Aos meus queridos amigos, em especial ao Wagner, que estiveram comigo desde a
minha infância, compartilhando sonhos e momentos únicos, apoiando-me e torcendo por mim,
contribuindo para a minha jornada e conclusão dessa etapa.
Aos meus amigos, colegas e conhecidos que tive a oportunidade de conhecer, aprender
e compartilhar ensinamentos e experiências que foram essenciais para a minha trajetória.
Ao meu orientador, Professor Dr. Daniel Firmato de Almeida Glória, pela ajuda e
contribuição, fundamentais para a minha formação.
À FUMEC, incluindo a Cláudia, que sabe aliar com maestria profissionalismo e
humanidade no exercício do seu trabalho e que foi de fundamental importância para à minha
formação acadêmica.
4

RESUMO

As soluções consensuais de disputas ganham força frente à crise do sistema judiciário, através
dos métodos adequados de tratamento de conflitos. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento da
tecnologia impulsionada pela revolução tecnológica impactou significativamente todos os
setores da sociedade, incluindo o processo de gestão de conflitos. Nesse âmbito, o online
dispute resolution (ODR) surge como um mecanismo de resolução de conflitos, estimulando o
consensualismo, diálogo e acessibilidade e, ainda, conferindo maior velocidade, menos custos
e maior satisfação quanto ao processo de solução de disputas. Nesse contexto, a aplicação das
tecnologias de informação e comunicação ao processo de gestão de conflitos, a partir do online
dispute resolution (ODR) tem sido importante mecanismo de acesso à ordem jurídica justa. À
vista disso, o objetivo deste trabalho é analisar o uso do online dispute resolution (ODR) como
ferramenta de acesso à justiça, com ênfase nas políticas desenvolvidas no âmbito dos tribunais
voltadas para esse cenário adotadas no país, especificamente o desempenho da Plataforma
consumidor.gov.br, ferramenta do governo federal colocada à disposição para solução dos
conflitos na seara consumerista. Descreve-se a introdução das tecnologias aplicadas ao processo
de gestão de conflitos. Explica-se origem, evolução, conceito e relação entre os métodos
adequados de tratamento de conflitos e o online dispute resolution (ODR), e sua abrangência
aos tribunais e ampliação ao campo da inteligência artificial. Examina-se a relação do online
dispute resolution (ODR) com o direito fundamental do acesso à justiça no Brasil. A presente
pesquisa possuiu como objetivo a descrição e a finalidade básica de cunho teórico, voltada para
o aprofundamento do tema, tendo sido adotado o método indutivo e bibliográfico-documental,
através da técnica de coleta de busca de dados por meio de descritores e abordagem dos dados
através análise de conteúdo. Ao partir da análise feita, concluiu-se que a utilização das
tecnologias de informação e comunicação no processo de gestão de conflitos são indispensáveis
para se alcançar a solução de disputas, constituindo o online dispute resolution (ODR) uma
importante ferramenta para o acesso à ordem jurídica justa, aplicada ao caso do direito do
consumidor em solucionar os litígios

Palavras-chave: métodos adequados de tratamento de conflitos; tecnologias de informação e


comunicação; online dispute resolution (ODR); consumidor; acesso à justiça.
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ABSTRACT

Consensual dispute resolutions gain strength in the face of the crisis in the judicial system,
through adequate methods of handling conflicts. At the same time, the development of
technology driven by the technological revolution has significantly impacted all sectors of
society, including the conflict management process. In this context, online dispute resolution
(ODR) emerges as a conflict resolution mechanism, stimulating consensualism, dialogue and
accessibility, and also providing greater speed, lower costs and greater satisfaction with the
dispute resolution process. In this context, the application of information and communication
technologies to the conflict management process, based on online dispute resolution (ODR) has
been an important mechanism for accessing a fair legal system. In view of this, the objective of
this work is to analyze the use of online dispute resolution (ODR) as a tool for access to justice,
with emphasis on the policies developed within the courts aimed at this scenario adopted in the
country, specifically the performance of the Consumer Platform. gov.br, a federal government
tool made available to resolve consumer disputes. The introduction of technologies applied to
the conflict management process is described. The origin, evolution, concept and relationship
between the appropriate methods of conflict handling and online dispute resolution (ODR) are
explained, as well as its scope to the courts and expansion to the field of artificial intelligence.
The relationship between online dispute resolution (ODR) and the fundamental right of access
to justice in Brazil is examined. The present research had as objective the description and the
basic purpose of a theoretical nature, focused on the deepening of the theme, having been
adopted the inductive and bibliographic-documentary method, through the technique of
collecting data by means of descriptors and approach of the data through content analysis.
Based on the analysis carried out, it was concluded that the use of information and
communication technologies in the conflict management process are essential to achieve
dispute resolution, with online dispute resolution (ODR) constituting an important tool for
access to order. fair legal system, applied to the case of the consumer's right to resolve disputes.

Key-words: alternative dispute resolution, information and communication technologies,


online dispute resolution (ODR), access to justice.
6

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 7
2 NOVAS TECNOLOGIAS APLICADAS AO PROCESSO DE GESTÃO DE CONFLITOS ..... 11
2.1 SISTEMA JUDICIÁRIO POR MEIO DA ALTERNATIVE DISPUTE RESOLUTION (ADR) ........... 11
2.2 EVOLUÇÃO CIBERNÉTICA E NOVAS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO
NO ÂMBITO DAS RELAÇÕES JURÍDICAS .................................................................................... 16
3 MÉTODOS ADEQUADOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS - ONLINE DISPUTE
RESOLUTION (ODR) ....................................................................................................................... 21
3.1 BREVE RELATO DA ONLINE DISPUTE RESOLUTION (ODR)................................................... 21
3.2 APLICABILIDADE DOS MASCS E ODR NOS TRIBUNAIS .......................................................... 26
3.3 PRINCIPAIS DESTAQUES ÀS RESOLUÇÕES DE CONFLITOS PELO ODR .............................. 33
3.3.1 Processo de Arbitragem ....................................................................................................................... 35
3.3.2 Processo de Mediação .......................................................................................................................... 38
3.3.3 Processo de Conciliação ...................................................................................................................... 40
3.3.4 Processo da Negociação....................................................................................................................... 42
3.4 UTILIZAÇÃO DA TECNOLOGIA PARA SOLUÇÃO DOS LITÍGIOS ........................................... 43
4 NOVAS TECNOLOGIAS PARA O ACESSO À JUSTIÇA ........................................................... 48
4.1 ACESSO À JUSTIÇA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO ........................................ 48
4.2 UMA QUESTÃO DE POLÍTICA PÚBLICA ...................................................................................... 52
4.3 UTILIZAÇÃO DOS MÉTODOS ADEQUADOS DE TRATAMENTOS DE CONFLITOS E ONLINE
DISPUTE RESOLUTION (ODR) NO BRASIL ................................................................................... 56
4.4 A EVOLUÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO E O SISTEMA JUDICIAL BRASILEIRO .................... 62
4.4.1 O aumento da demanda judicial e medidas adotadas quanto ao desenvolvimento e utilização do online
dispute resolution (ODR)...................................................................................................................... 64
4.4.2 Online Dispute Resolution (ODR) como ferramenta de acesso à justiça no Brasil ............................. 67
4.4.3 Análise da aplicação da solução de litígios pela plataforma do consumidor ...................................... 71
5 CONCLUSÃO..................................................................................................................................... 77
REFERÊNCIAS .................................................................................................................................................. 81
7

1 INTRODUÇÃO

O desenvolvimento da tecnologia aliado ao direito de acesso à justiça ante a sobrecarga


do Poder Judiciário oriunda da alta demanda processual, como reflexo da cultura da sentença e
do litígio, permite refletir sobre a necessidade de mudança na gestão de conflitos no país com
a estimulação de métodos adequados de tratamento de conflitos, através da utilização de
tecnologias da informação e comunicação.
Conforme o relatório “Justiça em Número de 2020 (ano-base 2019)” (CNJ, 2020), 16ª
Edição, apurou-se que, até o final de 2019, cerca de 77,1 milhões de processos estavam em
tramitação, enquanto calcula-se que apenas cerca de 31,5% de todos os processos que
tramitaram no Poder Judiciário foram solucionados.
Destarte, por meio do presente trabalho se buscará estudar a aplicação das tecnologias
de informação e comunicação ao processo de gestão de conflitos, a partir do online dispute
resolution (ODR) como ferramenta de acesso à justiça, com ênfase nas políticas desenvolvidas
no âmbito dos tribunais adotadas no país, verificando os desdobramentos da utilização da
plataforma consumidor.gov.br e sua utilização para solução de conflitos na seara consumerista.
Desse modo, a problemática social que se pretende analisar é: o online dispute
resolution (ODR) pode atuar como importante ferramenta na garantia do direito fundamental
de acesso à justiça no Brasil?
O objetivo principal deste trabalho consiste em analisar o uso do online dispute
resolution (ODR) como ferramenta de acesso à justiça no Brasil, evidenciando o papel e atuação
dos tribunais nos últimos cinco anos.
Entre os objetivos específicos, então descrever a introdução da utilização de tecnologias
aplicadas ao processo de gestão de conflitos e o seu emprego como mecanismo de acesso à
justiça através da política do fórum múltiplas portas, indicando os conceitos de “multidoor
courthouse system”, “alternative dispute resolution” (ADR) e “information and communication
technology” (ICT).
Ademais, explicar a origem, evolução, conceito e relação entre os métodos adequados
de tratamento de conflitos e o online dispute resolution (ODR), bem como sua abrangência aos
tribunais e ampliação ao campo da inteligência artificial, indicando os aspectos relevantes dos
principais métodos adequados de resolução de conflitos desenvolvidos em plataformas online
(ODR).
8

Por último, examinar a relação do online dispute resolution (ODR) com o direito
fundamental do acesso à justiça, sobretudo, no Brasil, através da incorporação do fórum
múltiplas portas e da virtualização do poder judiciário, elencando os desafios da utilização dessa
ferramenta no país e as medidas adotadas no âmbito dos tribunais quanto ao desenvolvimento
de métodos adequados de tratamento de conflitos e utilização do online dispute resolution
(ODR), trazendo, ainda, os conceitos de “acesso à justiça”, “cultura do litígio e da sentença” e
“cultura da pacificação”.
No primeiro capítulo, a pesquisa aborda o início da utilização de tecnologias aplicadas
ao processo de resolução de disputas. É discorrido sobre o surgimento e adoção dos métodos
adequados de tratamento de conflitos ao ordenamento jurídico, por meio da política do fórum
múltiplas portas. Ademais, é tratado acerca do desenvolvimento e disseminação da rede de
comunicações — a criação da internet, e sua introdução ao sistema judiciário. Ademais, expõe-
se os conceitos dos termos “multidoor courthouse system” e “information and communication
technology” (ICT).
No segundo capítulo, é explicado a origem, evolução e conceito do online dispute
resolution (ODR), bem como sua relação com métodos adequados de tratamento de conflitos,
apontando-se os aspectos convergentes e divergentes dos modelos offline e online, discutindo-
se, ainda, a sua abrangência aos tribunais. Em seguida, são elencados os aspectos relevantes
acerca dos principais métodos utilizados em plataformas online. Além disso, é apresentado o
início da aplicação da inteligência artificial ao tratamento de conflitos a partir do
desenvolvimento de sistemas inteligentes.
No terceiro capítulo, é realizado uma análise acerca da relação entre o online dispute
resolution (ODR) e o acesso à justiça no Brasil. Inicialmente, é discorrido sobre o direito de
acesso à justiça no país a luz do ordenamento jurídico brasileiro, com a atualização do seu
conceito. Após, é abordado a incorporação do fórum de múltiplas portas no país, destacando-
se a política pública de tratamento adequado dos conflitos de interesses, desencadeada pelo
Conselho Nacional de Justiça. Ademais, são tratados os desafios relativos à utilização dos
métodos adequados de tratamento de conflitos e online dispute resolution (ODR) no país, sendo
apresentado os conceitos de “cultura do litígio e da sentença” e “cultura da pacificação”.
Outrossim, é explorado o processo de virtualização do poder judiciário e a sobrecarga do
sistema judicial brasileiro. Além disso, são exploradas as medidas adotadas no âmbito dos
tribunais quanto ao desenvolvimento de métodos adequados de tratamento de conflitos e
utilização do online dispute resolution (ODR). Por último, é examinado a utilização do online
dispute resolution (ODR) como uma ferramenta de acesso à justiça no Brasil, especificamente
9

na plataforma consumidor.gov.br, a evolução, aceitação e demandas submetidas às disputas por


meio da ferramenta disponibilizada pelo governo federal e incorporada aos Tribunais de Justiça,
como medida de acessibilidade à justiça.
A presente pesquisa será básica de cunho teórico voltada para o aprofundamento do
tema, que vem sendo estudado com maior ênfase nos últimos anos, no que tange a utilização
do online dispute resolution (ODR) como mecanismo de acesso à justiça, bem como acerca do
acesso à ordem jurídica justa no Brasil.
Além disso, adotará o método de abordagem indutivo, o qual se mostra adequado, tendo
em vista parte de dados particulares para se alcançar uma generalização a respeito do objeto
examinado, uma vez que se estuda, com base no referencial teórico escolhido, a aplicação da
tecnologia ao processo de resolução de conflitos, com ênfase na utilização do mecanismo de
resolução de litígios online (ODR) como ferramenta de acesso à justiça no Brasil nos últimos
cinco anos, de acordo com dados da utilização da plataforma consumidor.gov.br.
O objetivo da pesquisa será descritivo a partir da identificação e exame das
características da aplicação de tecnologias ao processo de resolução de conflitos, a fim de que
seja compreendido, de forma clara, a relação entre o uso dos mecanismos de online dispute
resolution (ODR) e o direito de acesso à justiça tendo como dados estatísticos os últimos cinco
anos.
O procedimento de coleta de dados será bibliográfico-documental, por meio da análise
de artigos científicos, publicações e livros que trataram sobre a aplicação de tecnologias ao
processo, implicando o desenvolvimento e uso dos mecanismos de online dispute resolution
(ODR). Ademais, também será examinado documentos e legislações pertinentes ao tema, no
que se refere ao alternative dispute resolution (ADR) e online dispute resolution (ODR), o
direito fundamental de acesso à justiça, e dados públicos disponibilizados na plataforma
consumidor.gov.br.
A técnica de coleta será a busca de dados através de descritores, por meio da procura
pelas palavras “multidoor courthouse system”, “information and communication technology”
(ICT), “online dispute resolution” (ODR), “alternative dispute resolution” (ADR), e palavras-
chaves relacionadas a “cultura da pacificação”, “cultura do litígio e da sentença”, “acesso à
justiça” em materiais bibliográficos, acervo do portal LexMl e livros, priorizando-se fontes
primárias.
A abordagem dos dados será por meio da análise de conteúdo, a partir da descrição,
processamento e interpretação de artigos científicos, publicações, livros, documentos e
legislações que tratam sobre a aplicação da tecnologia ao processo de resolução de conflitos,
10

principalmente, no uso e desenvolvimento de mecanismos de resolução de litígios online


(ODR), bem como quanto a sua relação com o direito de acesso à justiça no Brasil.
O presente estudo foi desenvolvido a partir das seguintes questões norteadoras: qual a
importância da aplicação das tecnologias de informação e comunicação ao processo de gestão
de conflitos para o acesso à justiça? A utilização do online dispute resolution (ODR) pode vir
a contribuir no asseguramento do direito acesso à justiça no Brasil?
Ao término da pesquisa, verificou-se que os objetivos aos quais se prestam o presente
trabalho foram atendidos. Através do levantamento de dados suficientemente analisados é
possível a elaboração de uma resposta ao problema. Desse modo, concluiu-se que a aplicação
das tecnologias de informação e comunicação ao processo de gestão de conflitos colabora
positivamente para o acesso à justiça. A adoção de métodos adequados de tratamento de
conflitos, em consonância com a política de pacificação social, mostra-se como uma via
necessária para se chegar à resolução de disputas, conforme índice de satisfação dos
consumidores que tiveram suas disputas resolvidas, sendo que a média é de 75% setenta e cinco
porcento de satisfação. Nesse sentido, o online dispute resolution (ODR) além de funcionar
como um eficiente mecanismo de solução de litígios, revela-se como uma significativa e
importante ferramenta para o acesso à justiça, sendo fundamental papel e atuação dos tribunais
nos últimos cinco anos.
11

2 NOVAS TECNOLOGIAS APLICADAS AO PROCESSO DE GESTÃO DE


CONFLITOS

2.1 SISTEMA JUDICIÁRIO POR MEIO DA ALTERNATIVE DISPUTE RESOLUTION


(ADR)

O aumento demasiado no número de demandas, somado a morosidade e ineficácia do


processo judicial ante os anseios da sociedade, evidenciaram a necessidade da adoção de outros
mecanismos de tratamento de conflitos que garantissem o acesso à justiça, sobretudo, que
melhor se adequassem as peculiaridades do conflito, por meio da estimulação do consenso,
diálogo e a participação das partes na busca pela resolução das disputas.
O princípio da ideia de um sistema no qual apresentasse outros meios de tratamentos
de conflitos remete a meados do século XIX, na américa do norte. Em 1848, Nova Iorque já
permitia julgamentos por um árbitro com direito a apelação para um juiz, bem como, em 1952,
as cortes da Pensilvânia passaram a deter o poder de estabelecer programas de arbitragem
compulsória (BARBOSA, 2003).
Contudo, em 1976, nos Estados Unidos da América, no contexto em que se buscava
outras formas de tratamento de conflitos além da via jurisdicional, principalmente, em virtude
da insuficiência do judiciário americano em atender a todas as demandas da sociedade,
sobretudo, de forma satisfatória, ocorreu a sistematização do Multidoor Courthouse System,
também conhecido como Fórum de Múltiplas Portas.
Tal sistema foi apresentado pelo professor da universidade de direito de Harvard,
Frank Sander, na Conferência Pound de 1976, convocada pelo presidente da Suprema Corte
dos Estados Unidos, Warren E. Burguer, a fim de discutir os problemas e dificuldades
enfrentadas na administração da Justiça americana.
Após reflexões e análises quanto ao sistema judiciário norte-americano, Sander expôs
a problemática existente na resolução de conflitos ao refletir que “o Poder o Judiciário, em um
sistema fechado composto de juízes, partes, promotores e advogados, é a única maneira de se
resolver conflitos entre os indivíduos que buscam por uma solução” (SALES; SOUSA, 2011,
p. 207), e, sobretudo, por justiça.
O professor universitário, à princípio, ressaltou a possibilidade de impedir o
surgimento de novas disputas dando-se ênfase a lei preventiva através da exploração de meios
12

adequados de tratamento de conflitos, afastando-se, assim, do procedimento contraditório


litigioso, bem como evidenciou a preocupação em buscar-se um sistema de justiça mais eficaz
para lidar com as diversidades e complexidade de disputas trazidas aos tribunais (OLIVEIRA,
SPENGLER, 2013).
A partir dessas premissas, Frank Sander propôs a ideia de introduzir no âmbito do
Poder Judiciário americano diferentes mecanismos de resolução de conflitos através de métodos
adequados, os quais poderiam ser utilizados antes do ajuizamento de uma ação judicial ou
mesmo durante o curso do processo (NUNES; SALES, 2010) por meio de um novo sistema.

Desse modo, naquele cenário, discutiu-se como uma solução às problemáticas


existentes a criação de um centro de tratamento de conflitos a partir da associação de métodos
adequados de resolução de conflitos com as características singulares de disputas e a reforma
dos procedimentos de julgamentos dos tribunais (OLIVEIRA, SPENGLER, 2013), surgindo,
assim, o Multidoor Courthouse System.

[...] o Multidoor Courthouse System apresenta-se como instrumento de tratamento de


conflitos, a fim encaminhar a demanda à abordagem mais adequada, considerando as
suas peculiaridades [...]. Dessa forma, ao invés de apenas uma porta (processo
judicial), o Tribunal Múltiplas Portas abrange um sistema mais amplo, com vários
tipos de procedimentos, aos quais as partes são direcionadas de acordo com a
particularidade de seu conflito (GIMENEZ; SPENGLER, 2015, p. 111-112).
Nesse contexto, portanto, o Fórum de Múltiplas Portas, compreende um sistema de
acesso ao tratamento de litígios por diferentes portas, cuja aplicação se dá conforme o caso,
pelo meio mais apropriado (GIMENEZ; SPENGLER, 2015). Ou seja, tal sistema consiste na
disponibilização de diversos mecanismos de resolução de conflitos ante as demandas trazidas
ao judiciário, buscando-se a utilização do método mais adequado à circunstância apresentada.

Outrossim, Valeria Ferioli Lagrasta Luchiari (2020) acentua que:

O Fórum de Múltiplas Portas ou Tribunal Multi Portas constitui uma forma de


organização judiciária, na qual o Poder Judiciário funciona como um centro
de resolução de disputas, com vários e diversos procedimentos, cada qual com
suas vantagens e desvantagens, que devem ser levadas em consideração, no
momento da escolha, em função das características específicas de cada
conflito e das pessoas nele envolvidas (LUCHIARI, 2020, p. 71).
Dessa forma, buscou-se integrar outros modos de tratamento de conflitos, nos quais as
partes são direcionadas de acordo com as características do litígio, da forma mais apropriada,
estimulando a consensualidade, garantindo, assim, maior efetividade, celeridade, razoável
custeio (SALES; SOUSA, 2011) e durabilidade na solução do conflito.

Nesse contexto, Ivan Machado Barbosa (2003) destaca que:


13

[...] a ideia desse mecanismo é racionalizar ainda mais a resolução das


controvérsias por meio da busca do procedimento mais adequado para tanto.
A solução mais adequada para controvérsias é aquela que combina menores
custos financeiros e emocionais, efeitos positivos para o relacionamento no
qual surgiu a controvérsia, maior satisfação das partes com os resultados
(incluindo aqui a satisfação dos interesses e a percepção de justiça na
composição da lide) e ademais impede o reaparecimento da questão, isto é,
assegura a durabilidade da solução e a capacidade de evitar que a mesma
controvérsia surja entre outras pessoas do mesmo meio (BARBOSA, 2003, p.
249).
Ademais, as características da adaptabilidade, voluntariedade, participação dos
envolvidos e a inclusão de terceiros são elementos essenciais nesse sistema (OLIVEIRA,
SPENGLER, 2013). Nesse limiar, observa-se que as partes, inicialmente, optam por participar
desse sistema, escolhendo o meio mais adequado entre os disponíveis, bem como, de igual
modo, os envolvidos possuem ampla liberdade em escolher o terceiro auxiliador (CALMON,
2008).

Insta salientar que quanto ao seu desenvolvimento, embora para Sander os principais
lugares de tratamento de conflitos sejam os fóruns, esse sistema não está necessariamente
vinculado ao interior dos tribunais, tendo em vista a ausência de relação intrínseca entre ambos,
de forma a permitir que a administração da justiça também ocorra separada das cortes
(OLIVEIRA, SPENGLER, 2013).
Desse modo, verifica-se que as portas de tratamento de conflitos, inclusive aquelas
presentes no sistema americano, identificadas por Sander (avaliação neutra, o summary jury
trial, a mini-trial, a court-annexed arbitration, a med-arb e arb-med e a ombudsman),
originaram os chamados métodos adequados de tratamento de conflitos, também denominados
métodos adequados de solução de conflitos (MASCs) (ou alternative dispute resolution (ADR),
no inglês).
Insta salientar que no que tange a abordagem dos conflitos ou controvérsias, embora
sejam comuns a utilização das expressões “resolução” e “solução”, inclusive como sinônimas,
entende-se que “nem sempre é possível que ele seja resolvido (no sentido de ser extinto) por
um ato isolado”, tendo em vista que “muitas vezes o impasse tem fases e só é efetivamente
superado após uma série de experiências vividas ao longo do tempo pelos envolvidos”
(TARTUCE, 2018, p. 18). Nesse sentido, a autora, bem como Oliveira e Spengler (2013)
defendem a utilização do vocábulo “tratamento”, uma vez que essa expressão “torna-se mais
adequada enquanto ato ou efeito de tratar ou medida terapêutica de discutir o conflito, em busca
de uma resposta satisfativa” (OLIVEIRA; SPENGLER, 2013, p. 76), cujo termo também é
14

utilizado pelo Conselho Nacional Justiça, sendo este o qual será adotado ao longo deste
trabalho.

Os métodos adequados de tratamento de conflitos, conforme Manual dos Juízes (2003),


nas cortes americanas, são compreendidos como:

Um conjunto de práticas, técnicas e abordagens para resolver e gerenciar em


larga escala pequenos conflitos levados às cortes judiciais. Os diferentes ADR
visam conflitos distintos utilizando diferentes abordagens para resolução dos
litígios. Os tribunais abordam os ADR de variados modos a fim de atingir
diferentes objetivos. Um tribunal pode determinar que um ADR é uma
resposta apropriada para as necessidades locais; outro, por sua vez, pode
concluir que o mesmo método é inadequado para as condições locais ou não
é capaz de promover a justiça em sua jurisdição. (PLAPINGER; SHAW;
STIENSTRA, 2003, p. 39).
Dentre os diversos meios, destacam-se a negociação, conciliação, mediação e
arbitragem, nos quais se faz necessário a identificação daquele mais adequado ao litígio
envolvendo as partes, cujo profissional responsável pela condução do caso poderá ser um
negociador, um conciliador, um mediador, um árbitro ou um juiz (NUNES; SALES, 2010).

Isto posto, após a sistematização do Fórum de Múltiplas Portas, em 1990, houve


grande ampliação de seu uso, em razão do chamado Civil Justice Reform Act. Tal ato
determinou à toda circunscrição federal americana que promulgasse um plano de redução de
despesas e diminuição da morosidade do sistema judiciário americano, o que implicou aumento
do uso de métodos alternativos nas cortes, estimando-se, já em 1992, a existência de 1.200
fóruns de múltiplas portas recebendo o encaminhamento de cortes estaduais americanas
(BARBOSA, 2003).
Em suma, consoante se analisou na experiência da Judiciário estadunidense, a
utilização do Sistema de Múltiplas Portas, além de priorizar a preservação das relações entre os
litigantes, reduzindo o tempo e custos na resolução do conflito, busca auxiliar as partes a obter
soluções satisfatórias que atendam a ambos os interesses através da construção do consenso,
cujos especialistas atuantes no procedimento são treinados para atuarem em diversos assuntos,
incluindo temas que envolvam questões cíveis ou aqueles de ordem estritamente familiar
(NUNES; SALES, 2010).
Desse modo, tem-se que o desenvolvimento de métodos adequados de tratamento de
conflitos surgiu em resposta às deficiências judiciais, tratando-se de uma espécie de reação aos
tribunais, cuja ideia fundamental era que os tribunais são os resolvedores de disputas, havendo,
contudo, outros métodos de solução de conflitos (KAUFMANN-KOHLER; SCHULTZ, 2004).
15

Destarte, ressalta-se a importância do desenvolvimento de outros mecanismos de


tratamentos de conflitos, porquanto, embora o método jurídico-tradicional seja eficiente na
resolução de demandas, as quais versem sobre direitos indisponíveis ou de desequilíbrio de
poder entre as partes, os métodos adequados de tratamento de conflitos permitem trabalhar de
maneira mais eficaz matérias emocionais ou mesmo técnicas com auxílio de um especialista.

Nesse sentido, Ivan Machado Barbosa (2003) esclarece que:

No modelo tradicional, o método jurídico é utilizado tanto para as questões


que são por ele melhor resolvidas, quanto para as que seriam compostas mais
eficazmente por outros métodos. Assim, não se aproveita as vantagens de cada
método nem se evita as suas desvantagens. A adoção apenas do método
jurídico-técnico expõe suas fraquezas, como o não-conhecimento de matérias
emocionais, muitas vezes o cerne da questão individual, e na impossibilidade
do juiz de conhecer todos os ramos do conhecimento humano em
profundidade (BARBOSA, 2003, p. 249).
Nesse contexto, ressalta-se que o principal aspecto desse sistema é justamente a
adaptação. Nesse sentido, analisa-se que o Fórum de Múltiplas Portas busca a adaptabilidade
processual em grau máximo no intuito de obter uma solução mais apropriada ao litígio, cuja
fase inicial é a característica chave desse sistema, na qual os litígios são avaliados conforme
diversos critérios, sendo posteriormente encaminhados para o método mais adequado
(BARBOSA, 2003).

Sobre o tema, Watanabe (2003) enfatiza que:

Quando se trata de solução adequada dos conflitos de interesses, insisto em


que o preceito constitucional que assegura o acesso à Justiça traz
implicitamente o princípio da adequação; não se assegura apenas o acesso à
Justiça, mas se assegura o acesso para obter uma solução adequada aos
conflitos, solução tempestiva, que esteja bem adequada ao tipo de conflito que
está sendo levado ao Judiciário.
À vista disso, portanto, o desenvolvimento do processo de tratamento de conflitos
implica a concretização do princípio processual da adaptabilidade, em virtude do atendimento
às individualidades do litígio de forma a conduzi-lo para o método mais adequado, conferindo
maior satisfação dos resultados conforme os anseios sociais, afastando-se do formalismo
judicial e da morosidade.

Desse modo, permite-se inferir que o princípio da adequação é inerente ao direito


constitucional de acesso à justiça, cujo processo de democratização, viabilizado pelos
mecanismos de tratamento de conflitos, cresceu exponencialmente a partir da criação e
disseminação das tecnologias de informação e comunicação aliado à sua aplicação ao processo
de gestão de conflitos.
16

2.2 EVOLUÇÃO CIBERNÉTICA E NOVAS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E


COMUNICAÇÃO NO ÂMBITO DAS RELAÇÕES JURÍDICAS

Os avanços tecnológicos trouxeram inúmeras mudanças no âmbito econômico, social


e político da sociedade contemporânea, impactando tanto no setor público quanto privado. As
transformações ocorridas tornaram-se possíveis em virtude, principalmente, do crescente
investimento em recursos tecnológicos e avanço das Tecnologias de Informação e
Comunicação (TICs) (em inglês, Information and Communication Technologies – ICT),
implicando aumento no processo de globalização a partir do acesso a diversas informações
através dos inúmeros meios de comunicação.
Na segunda metade do século XX, nota-se o início de grandes transformações quanto
ao desenvolvimento e aprimoramento da tecnologia, principalmente, no que diz respeito ao
início da difusão de tecnologias da informação e comunicação, impactando o comércio
eletrônico, instituições e relações sociais. Nesse sentido, Pereira e Silva (2010) pontuam que:
As modificações ocasionadas nos processos de desenvolvimento, e suas
consequências na democracia e cidadania, convergem para uma sociedade
caracterizada pela importância crescente dos recursos tecnológicos e pelo
avanço das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) com impacto
nas relações sociais, empresariais e nas instituições. É a denominada
Sociedade da Informação e do Conhecimento que cogita uma capacidade
constante de inovação (PEREIRA; SILVA, 2010, p. 152).

Historicamente, ao realizar uma breve análise do progresso da tecnologia, verifica-se


que as revoluções industriais atravessadas nos últimos séculos foram imprescindíveis para o
desdobramento das grandes transformações tecnológicas, difundindo-se por todo o sistema
econômico, uma vez que a geração e distribuição de energia atua como fator principal para o
desenvolvimento dos demais processos (CASTELLS, 1999).
Nesse limiar, no período pós-guerra, ao fim da Segunda Guerra Mundial, em razão do
demasiado investimento na ciência ante a geopolítica à época, inicia a chamada revolução
tecnológica, a qual proporcionou uma evolução exponencial no modo de vida das pessoas,
configurando-se a chamada “Sociedade de Informação”. Sobre o termo, Pereira e Silva (2010)
analisam que:
O conceito visa expressar as transformações técnicas, organizacionais e
administrativas, cujo ponto principal não são mais os insumos baratos de
energia, como na sociedade industrial, mas sim a informação – em
consequência dos avanços tecnológicos na microeletrônica e
telecomunicações. Essas tecnologias mudaram a quantidade, a qualidade e a
velocidade das informações nos dias atuais (PEREIRA; SILVA, 2010, p. 155).
17

Nesse contexto, consoante os estudos de Manuel Castells (1999), a revolução da


Tecnologia da Informação é caracterizada pela “aplicação dos conhecimentos em uma dinâmica
constante entre a inovação e seu uso” (PEREIRA; SILVA, 2010, p. 156) Desse modo, no que
se refere à geração, processamento e transmissão da informação, apresenta fatores de
transformações tecnológicas, dentre os quais se destacam: a criação da internet; as tecnologias
de rede e difusão da computação; e o contexto social e a dinâmica da transformação tecnológica
(CASTELLS, 1999).
Em primeiro lugar, verifica-se que a internet é resultado da soma do avanço científico,
da estratégia militar e da inovação tecnológica e contracultural no final do século XX, criada
pela Agência de Projetos de Pesquisa Avançada (ARPA) do Departamento de defesa norte-
americano (DoD) (CASTELLS, 1999). Tal ferramenta consistia em um sistema de
comunicação de rede de computadores, denominado originalmente ARPANET, na qual a
insustentabilidade da cumulação de pesquisas voltadas para fins militares, comunicações
científicas e conversas sociais implicaram encerramento de suas atividades na década de 80,
cedendo lugar à Internet, momento a partir do qual houve sua difusão internacional (PEREIRA;
SILVA, 2010).
Contudo, a nova tecnologia não era acessível a todos, seja pelo custo seja pela
dificuldade em utilizar o sistema de redes, em razão da limitação da capacidade de transmissão
de gráficos, a qual impedia a localização e recebimento de informações. À vista disso, a fim de
permitir a difusão da internet, foi criado um novo aplicativo, a teia mundial, a World Wide Web
(www), por meio do qual os sítios da internet passaram a ser organizados por informação,
facilitando a realização de pesquisas pelos seus usuários (CASTELLS, 1999). Tal invenção se
deu no Centro Europeu para Pesquisas Nucleares (CERN), na Europa, responsável pelas
criações do hypertex markup language (HTML), hypertext transfer protocol (HTTP) e uniform
resourse locador (URL).
A equipe do CERN criou um formato para os documentos em hipertexto ao
qual deram o nome de linguagem de marcação de hipertexto (hypertex markup
language — HTML), dentro da tradição de flexibilidade da Internet, para que
os computadores pudessem adaptar suas linguagens específicas dentro desse
formato compartilhado, acrescentando essa formatação ao protocolo TCP/IP.
Também configuraram um protocolo de transferência de hipertexto (hypertext
transfer protocol - HTTP) para orientar a comunicação entre programas
navegadores e servidores de WWW; e criaram um formato padronizado de
endereços, o localizador uniforme de recursos (uniform resource locator -
URL), que combina informações sobre o protocolo do aplicativo e sobre o
endereço do computador que contém as informações solicitadas. O URL
também podia relacionar-se com uma série de protocolos de transferência, e
não só o HTTP, o que facilitava a interface geral.
O CERN distribuiu o software WWW gratuitamente pela Internet, e os
18

primeiros sítios da web foram criados por grandes centros de pesquisa


científica espalhados pelo mundo (CASTELLS, 1999, p. 88).

Em segundo lugar, o uso da internet e o desenvolvimento de tecnologias de


comunicação semelhantes implicaram uma grande mudança tecnológica dos
“microcomputadores e dos mainframes descentralizados e autônomos à computação universal
por meio da interconexão de dispositivos de processamento de dados, existentes em diversos
formatos” (CASTELLS, 1999, p. 89).
Nesse limiar, Castells (1999) explica que:
[...] o extraordinário aumento da capacidade de transmissão com a tecnologia
de comunicação em banda larga proporcionou a oportunidade de se usar a
Internet, ou tecnologias de comunicação semelhantes à Internet, para
transmitir voz, além de dados, por meio da troca de pacotes, o que
revolucionou as telecomunicações e sua respectiva indústria (CASTELLS,
1999, p. 90).

Outrossim, no que tange o progresso das telecomunicações e da computação, analisa-


se que a rede de comunicações consistente na troca de pacotes, com a transmissão de dados,
responsável pelo volumoso compartilhamento de tráfego, exige uma infraestrutura global de
telecomunicações, sobretudo, com fibra óptica e transmissão digital (CASTELLS, 1999), na
qual, nesse novo sistema, a computação é distribuída numa rede montada ao redor de servidores
da web que usam os mesmos protocolos da Internet (PEREIRA; SILVA, 2010).
Em terceiro lugar, verifica-se que em decorrência do desenvolvimento tecnológico
impulsionado nos anos 60 e progresso alcançado em décadas anteriores, a primeira revolução
em Tecnologia da Informação, na década de 70, concentrou-se no vale do Silício, na Califórnia,
nos Estados Unidos da América, influenciado por vários fatores institucionais, econômicos e
culturais (PEREIRA; SILVA, 2010).
Nesse sentido, é possível observar que a disponibilização de “novas redes de
telecomunicação e de sistemas de informação preparou o terreno para a integração global dos
mercados financeiros e a articulação segmentada da produção e do comércio mundial”
(CASTELLS, 1999), de forma que toda a trajetória desenvolvida findou no surgimento da
sociedade em rede (PEREIRA; SILVA, 2010).
Nesse contexto, tem-se que o advento da tecnologia digital permitiu o
desenvolvimento da cibercultura dentro do campo do ciberespaço (LEVY, 1999), sendo aquela
definido como “conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de
modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do
ciberespaço” (LEVY, 1999, p. 16), o qual, por sua vez, compreende um “[...] espaço de
comunicação aberto pela interconexão mundial dos computadores e das memórias dos
19

computadores”, incluindo todos os meios eletrônicos de comunicação, “na medida que


transmitem informações provenientes de fontes digitais ou destinadas a digitalização” (LEVY,
1999, p. 92).
À vista disso, analisa-se que o progresso das tecnologias de transmissão de informação
e dados transformou definitivamente a maneira das pessoas se relacionarem na sociedade em
rede (AMORIM, 2017), de modo que a aplicação das Tecnologias de Informação e
Comunicação (TICs) passou a ser observada não apenas na esfera privada, mas também no
âmbito da Administração Pública, sobretudo, no Sistema Judiciário.
O advento da sociedade de informação em rede, proporcionada pelos avanços das
telecomunicações e tecnologias de integração de computadores em rede, com o
desenvolvimento das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), implicou o
surgimento de novas relações jurídicas e proporcionalmente o aumento de conflito de interesses
(FUJITA; ALMEIDA, 2019).
Com efeito, a gradativa implantação da era digital no Poder Judiciário fez-se
necessária a fim dar efetividade à economia processual, expandindo-se os limites geográficos,
de forma a facilitar o acesso à informação e à comunicação (BOFF, HASSE, 2017), ante a
incapacidade do sistema judiciário em solucionar os conflitos de forma célere e eficaz, tendo
em vista as inúmeras dificuldades estruturais e financeiras em razão, principalmente, do
aumento da demanda (JÚNIOR, 2017).
Em virtude da introdução das novas tecnologias na área jurídica, sobretudo, a
utilização da internet, “as relações jurídicas firmadas no ciberespaço instauram uma nova forma
de relacionamento com o real, criando outras fontes de normatividade e exigindo do Direito
uma revisão dos seus paradigmas” (AMORIM, 2017, p. 516).
Sobre o tema, Amorim (2017) enaltece que:
[...] a utilização das novas tecnologias de informação e transmissão de dados
mudou não apenas a economia mundial como transformou significativamente
a maneira como os indivíduos estabelecem relações jurídicas. Longe de ser
apenas mais uma ferramenta de comunicação, a Internet tornou-se o próprio
espaço no qual se constituem inúmeras relações jurídicas, o que exige dos
sistemas jurídicos nacionais uma nova abordagem sobre o velho problema da
resolução de litígios. De um lado, a ubiquidade e a velocidade da formação
das relações jurídicas no ciberespaço são a face mais evidente de uma ruptura
com os meios tradicionais de contratualização e comercialização. Doutro lado,
o desenvolvimento sem precedentes das novas tecnologias de transmissão de
dados alterou em definitivo o Direito (AMORIM, 2017, p. 515).

Desse modo, evidencia-se a transformação proporcionada pela rede mundial de


computadores – a internet, com rompimento de barreiras e criação de novos paradigmas,
20

sobretudo, quanto à forma como as pessoas celebram os negócios jurídicos, prescindindo


fronteiras físicas e limitação territorial dos contratos, de forma a permitir a utilização dos
recursos disponibilizados pelas tecnologias de informação aos usuários da internet no campo
da resolução de litígios (AMORIM, 2017).
Em razão disso, a partir da globalização, por meio da difusão do uso da internet, bem
como da interconexão e a intensificação das relações, a tecnologia passou a ser introduzida ao
Sistema Judiciário, proporcionando sua aplicação aos meios de tratamentos de conflitos e
demais partes do processo, dando origem, assim, a online dispute resolution (ODR).
21

3 MÉTODOS ADEQUADOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS - ONLINE DISPUTE


RESOLUTION (ODR)

3.1 BREVE RELATO DA ONLINE DISPUTE RESOLUTION (ODR)

Com efeito, o desenvolvimento da rede mundial de computadores, resultado da


revolução tecnológica com ênfase na década de 70, ocorreu simultaneamente ao início de
grandes mudanças no campo de gestão de conflitos, principalmente, com a sistematização do
Fórum de Múltiplas Portas, frente a adoção dos métodos adequados de tratamento de conflitos.
O progresso concomitante da tecnologia e da institucionalização dos meios adequados
de resolução de conflitos colaboraram para o crescimento e popularização das tecnologias de
comunicação e informação em relação a criação de novas ferramentas para a solução dos litígios
oriundos das relações jurídicas firmadas tanto no mundo físico quanto no ciberespaço.
À vista disso, passou-se a estudar a possibilidade da transposição de regras materiais
e procedimentais tradicionais característicos das relações jurídicas para o campo da resolução
dos litígios virtuais, sobretudo, na busca por uma resposta à solução dos conflitos originados
das relações entre indivíduos, estabelecidos na Internet e nas demais redes de transmissão de
dados e informação (AMORIM, 2017).
Nesse contexto, Wahab, Katsh e Rainey (2012) pontuam que:
A disseminação das TICs, como um fenômeno não linear, assimétrico e
altamente diferenciado, intensificou a interação sociocultural, política,
econômica e jurídica entre diversas sociedades e sistemas. A revolução
tecnológica trazida pela Internet alterou a escala de acordo com a qual os
assuntos humanos estão sendo conduzidos e promoveu um novo meio que
impactou concepções legais bem estabelecidas, especialmente com relação a
resolução de disputas. A aceleração da mudança, a crescente complexidade
dos relacionamentos e as transações e a redução dos custos de publicação e
organização são acompanhadas por disputas e, em resposta, há uma
necessidade crescente de tipos criativos de processos de resolução de disputas
assistidos pela tecnologia (WAHAB; KATSH; RAINEY, 2012).

Portanto, o avanço das tecnologias de informação e comunicação (TICs) proporcionou


significativa intensificação das relações humanas, principalmente, no ambiente virtual,
ensejando o desenvolvimento de ideias voltadas para resolução de litígios através de soluções
eficazes, simples, rápidas e de baixo custo (OLIVEIRA FORNASIER, SCHWEDE, 2021).
22

Desse modo, considerando que a tecnologia é frequentemente empregada para criar


novos ferramentas e novos ambientes, nos quais essas ferramentas podem vir a ser utilizadas,
analisou-se se, no campo dos métodos adequados de tratamento de conflitos, algumas das novas
ferramentas teriam valor, bem como, se os métodos adequados de tratamento de conflitos teriam
valor no novo ambiente que estava sendo criado (KATSH; RIFKIN, 2001).
Nesse contexto, em meio a evolução digital, surge o online dispute resolution (ODR),
consistente em uma forma de solução online na qual se utiliza os métodos adequados de
resolução de conflitos, cujo termo abrange disputas que são parciais ou totalmente resolvidas
através Internet, iniciadas no ciberespaço, mas com uma fonte externa (offline) (WAHAB;
KATSH; RAINEY, 2012), tendo como principais percursores Ethan Katsh e Janet Rifkin, os
quais buscaram verificar a existência de pontos de intersecção entre a tecnologia e os métodos
adequados de tratamento de conflitos.
Outrossim, o online dispute resolution (ODR) também pode ser caracterizado pela
“utilização dos recursos da tecnologia para a ADR, quer sejam estes decorrentes
exclusivamente das relações jurídicas firmadas no ciberespaço, quer sejam originários de
relações jurídicas constituídas no mundo dito “físico” (AMORIM, 2017, p. 515).
Sobre sua conceituação, Mohamed S. Abdel Wahab, Ethan Katsh e Daniel Rainey em
sua obra “Online Dispute Resolution: Theory and Practice” (2012), explicam que:
Embora reconheça-se a ODR como uma resolução de disputa e,
possivelmente, no campo de prevenção de disputas, parece abundantemente
claro que o termo 'ODR' é não está sujeito a um acordo universal sobre seu
significado e escopo. ODR é descrito por alguns como uma resolução de
litígios assistida por tecnologia, por outros, como uma resolução de litígios
facilitada por tecnologia e, ainda, por muitos como esquemas de resolução de
litígios baseados em tecnologia. A metáfora mais comumente utilizada para
explicar ODR, aquela que talvez englobe todas essas caracterizações do uso
de tecnologia na resolução de disputas, é a "Quarta Parte", uma frase destina-
se a indicar que o ODR faz da tecnologia uma presença, às vezes menor e às
vezes maior, em processos de resolução de disputas (...) Em termos de limites
conceituais entre os diferentes processos de ADR oferecidos, o surgimento do
ODR e, mais especificamente, a introdução da tecnologia no design do
processo na forma da “Quarta Parte”, ambos geraram tipos de processos
inimagináveis completamente novos na era cara-a-cara e separaram alguns
processos de resolução de disputas de qualidades e traços anteriormente
considerados significativos, se não essencial, para seu projeto e operação. Um
exemplo claro de um novo processo é o surgimento de esquemas ODR
baseados em negociação automatizada que incluem, conforme descrito acima,
processos de identificação de problemas (eBay), mecanismos para combinar
problemas e soluções (WAHAB; KATSH; RAINEY, 2012).

O desenvolvimento das plataformas online dispute resolution (ODR) divide-se,


essencialmente, em quatro fases distintas (MANIA, 2015): a primeira, compreendida entre
23

1990 a 1996, consiste em uma etapa, na qual os métodos de resolução de conflitos, por meio de
da utilização das tecnologias de informação e comunicação, compreendidas como soluções
eletrônicas, estavam em período de teste. Na segunda fase, entre 1997 a 1998, os sistemas
voltados para a resolução de litígios online se desenvolveram forma mais dinâmica, quando
buscou-se integrar ferramentas voltadas para a solução de conflitos online originários do meio
virtual aos primeiros portais comerciais da Web. Já na terceira fase, entre 1999 a 2000, dado o
favorável período de desenvolvimento econômico, principalmente em serviços de tecnologia
de informação, verificou-se que muitas empresas iniciaram projetos baseados na resolução
eletrônica de disputas, ainda que grande parte delas deixado de atuar no mercado. Por fim, a
quarta e última etapa, no ano de 2001 marcou o início de uma fase institucional, durante a qual
as técnicas de online dispute resolution (ODR) foram introduzidas nos tribunais e
administrações públicas.
Nesse limiar, verifica-se que, por volta de 1994, restou evidenciado que o ciberespaço,
no futuro, não seria um lugar harmonioso e que haveria necessidade de ferramentas, recursos e
expertise em responder às disputas que ocorreriam (WAHAB; KATSH; RAINEY, 2012).
Contudo, embora a idealização da resolução de litígios no âmbito online tenha surgido no início
dos anos 90, em fase inicial de estudos e testes, a online dispute resolution (ODR) veio a se
materializar com a elaboração de softwares facilitadores, ao fim da primeira metade da década,
quando essas plataformas estavam voltadas unicamente para à resolução de disputas originadas
do âmbito da internet (OLIVEIRA FORNASIER, SCHWEDE, 2021).
Desse modo, em razão do aprofundamento das relações acompanhada dos avanços
tecnológicos somada às mudanças trazidas pela era digital, a possibilidade de solucionar
conflitos online começou a tomar forma, principalmente, a partir do campo do comércio
eletrônico.
O aprimoramento do mundo digital permitiu, entre outras ferramentas, a utilização da
internet para realização de compras online, o que, por sua vez, originou diversos conflitos
consumeristas, os quais, em razão do seu aumento gradativo, ensejaram o desenvolvimento de
mecanismos que garantissem o atendimento da demanda, de maneira ágil e fácil.
Nesse contexto, um dos principais destaques quanto às primeiras utilizações do online
dispute resolution (ODR) foi a iniciativa do website americano E-bay, ao desenvolver uma
parceria com o site SquareTrade.com, uma plataforma de conciliação virtual, ante as inúmeras
reclamações por parte dos consumidores acerca das transições intermediadas pela empresa de
varejo (JUNIOR, 2017). O objetivo da colaboração era “a criação de uma plataforma digital
que configurasse um meio onde os conflitos gerados no comércio eletrônico pudessem ser
24

resolvidos virtualmente, num espaço digital específico para negociação entre fornecedores e
consumidores” (OLIVEIRA FORNASIER, SCHWEDE, 2021, p. 73), vindo a se tornar um
eficiente e inovador sistema de feedback com o intuito de avaliar a qualidade dos negócios
oferecidos pela sua plataforma (JUNIOR, 2017).
Por outro lado, no que tange ao desenvolvimento dos meios de resolução de conflitos
online no âmbito do sistema judicial, em 1996, nos Estados Unidos, além dos primeiros artigos
sobre ODR aparecerem nas revisões de lei, o Centro Nacional para Pesquisa de Informação
Automatizada (NCAIR) patrocinou a primeira conferência dedicada ao ODR, lançando os
primeiros projetos ODR significativos, quais sejam, o Virtual Magistrate, Ombuds Online
Office na Universidade de Massachusetts e um projeto de ODR de disputa familiar na
Universidade de Maryland (WAHAB; KATSH; RAINEY, 2012).
A plataforma Virtual Magistrate foi a percursora a lidar com noções de um “tribunal”
privado integralmente virtual, cuja ferramenta tinha como função principal solucionar os
conflitos registrados entre os usuários da internet e seus operadores (FUJITA; ALMEIDA,
2019, p. 23), contudo, o referido projeto não obteve sucesso em atrair disputantes interessados
ou em alcançar o seu objetivo de servir como um portal de resolução de conflitos para a
comunidade online (PONTE, 2002).
Nesse limiar, embora haja registros de projetos anteriores quanto à prestação de
serviços online na área privada, conforme mencionado, o primeiro tribunal público totalmente
virtual nos Estados Unidos da América a ser estabelecido consiste no “Michigan Cyber Court”
(PONTE, 2002), aprovado pela Suprema Corte de Michigan, através do Ato 262 de 2001, sendo
percursor do desenvolvimento da online dispute resolution (ODR) no país (FUJITA;
ALMEIDA, 2019).
Sobre o seu funcionamento, Fujita e Almeida (2019) esclarecem que:
De acordo com o ato, os juízes nomeados para serem integrantes do
cybercourt deveriam ter experiência em litígio comercial ou interesse em
tecnologia. A norma previa também que todas as ações instauradas no
cybercourt poderiam ser conduzidas por meios de “comunicações
eletrônicas”, que incluíam, mas não se limitavam, a conferências de vídeo e
áudio e conferência na internet entre o juiz e pessoal do tribunal, testemunhas
e outras pessoas necessárias ao processo. Desde então, a partir de 2005, a
American Arbitration Association, através do Model Standards of Conduct of
Mediators, disponibiliza em sua plataforma on-line serviços de reclamações,
promove transferência de documentos, serve como intermediária de eventuais
pagamentos e acordos e escolhe árbitros neutros, dentre outras conveniências
(FUJITA; ALMEIDA, 2019, p. 23).

Outrossim, o principal marco no que diz respeito a regulamentação da online dispute


resolution (ODR) no âmbito público internacional é a criação da Plataforma Online Dispute
25

Resolution Europeia, através da Diretiva nº 2013/11/UE do Parlamento Europeu e do Conselho


sobre a resolução de conflitos voltados para o consumo, seguida pelo Regulamento (UE)
524/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de maio de 2013.
A plataforma, criada e financiada pela Comissão Europeia, em vigor desde fevereiro
de 2016, tem como objetivo oferecer o sistema de resolução de conflitos online no campo do
comércio eletrônico aos consumidores e comerciantes da União Europeia, “recebendo
reclamações de ambas as partes, permitindo-lhes que possam resolver eletronicamente os seus
litígios através de procedimentos extrajudiciais” (FUJITA; ALMEIDA, 2019, p. 24), os quais
são conduzidos pelas entidades voltadas para o tratamento adequados dos conflitos em cada
Estado-membro, através de um website interativo, de fácil acesso e gratuito, disponível em
todas as línguas oficiais da União Europeia.
Insta salientar que, consoante Amorim (2017), na América Latina, tendo em vista a
inexistência de estudos consolidados quanto ao desenvolvimento do online dispute resolution
(ODR) na região, a tendência é a implementação desta junto a alternative dispute resolution
(ADR).
Embora não se possa afirmar de maneira categórica que os meios Alternativos
de Resolução de Controvérsias (ADR) são hoje uma realidade na América
Latina, o cenário que se descortina para o continente é bastante promissor. A
despeito da inexistência de uma literatura mais robusta sobre o tema, a
América Latina nada mais faz senão reproduzir uma tendência mundial de
utilização tantos dos meios Alternativos de Resolução de Litígios (ADR)
quanto, com o advento das novas tecnologias, dos meios de Resolução Online
de Conflitos (ODR) (AMORIM, 2017, p. 527).

Destarte, analisa-se que a existência de diferentes etapas de transição do online dispute


resolution (ODR) ao longo das últimas décadas. Tal mecanismo, conforme foi se
desenvolvendo, passou a ser cada vez mais utilizado, sendo introduzido na resolução de
conflitos tanto nas relações pessoais quando jurídicas oriundas do ambiente físico e virtual, no
âmbito dos tribunais, sofrendo alterações e adaptações consoante o progresso da era digital.
Sobre o tema, Fornasier e Schwede (2021) acentuam que:
Com o passar dos anos as plataformas de ODR sofreram algumas alterações,
incorporando uma série de inovações tecnológicas. À medida que a tecnologia
passa a apresentar novas funções e modalidades, abrem-se novas opções
gerando novas oportunidades. Assim, todos os sistemas desse tipo,
independentemente da área a que se relacionem, tendem a se atualizar, a
renovar e integrar novas ferramentas à sua disposição (OLIVEIRA
FORNASIER, SCHWEDE, 2021).

Contudo, embora, inicialmente, a utilização dos sistemas ODR tenham se concentrado


na resolução de disputas, as quais tenham se originado no mundo online, principalmente, em
26

relação ao comércio eletrônico, em razão da sua gradual utilização, o “potencial de uso dessas
plataformas começou a ser melhor observado em relação a litígios que não são fossem
especificamente de natureza patrimonial, nem mesmo que tivessem seu surgimento no mundo
online” (OLIVEIRA FORNASIER, SCHWEDE, 2021, p. 572).
Dessa forma, os sistemas de online dispute resolution (ODR), conforme o progresso
das tecnologias e a incapacidade do sistema judiciário tradicional em atender a demanda de
forma satisfatória ante as suas limitações, cada vez mais mostram-se como um viável e eficiente
mecanismo para a resolução de disputas, especialmente, quanto ao desenvolvimento dos
métodos adequados de resolução de conflitos.

3.2 APLICABILIDADE DOS MASCS E ODR NOS TRIBUNAIS

A criação e disseminação do uso da internet junto a sistematização do Sistema de


Múltiplas Portas, a partir introdução das tecnologias de informação no processo de gestão de
conflitos, de forma parcial ou total, permitiu o surgimento do online dispute resolution (ODR),
o qual pode ser visto como um nicho de área relevante, englobando as disputas entre as partes
que surgirem online ou que estão substancialmente conectadas a tecnologia.
Desse modo, ante a compreensão de que as novas tecnologias mudaram o mundo, as
interações, formas de comunicação e conflitos, o que implica alterar os caminhos e ferramentas
para lidar com disputas, fez-se necessário integrar a tecnologia aos métodos adequados de
tratamento de conflitos – entendido como uma área estreita e de forma limitada (WAHAB;
KATSH; RAINEY, 2012).
Tradicionalmente, os métodos adequados de tratamento de conflitos entre os quais
destacam-se a negociação, a conciliação, a mediação e a arbitragem, ao contrário dos processos
judiciais, baseiam-se na ideia de maximizar o contentamento dos disputantes a partir de seus
interesses, de forma a alcançar resultados que sejam satisfatórios para ambas as partes
envolvidas no conflito.
Acerca da utilização dos métodos de resolução de conflitos, analisa-se que os tribunais
e julgamentos podem ser mais atrativos nos casos em que os objetivos são proteger os direitos
de alguém, esclarecer um ponto da lei ou mesmo definir um padrão para o comportamento
público, principalmente, quando os querelantes buscam que uma das partes vença e a outra
27

perca, ou mesmo, quando o propósito seja de interesse pessoal, como almejar vingança ou a
derrota da parte adversária (KATSH; RIFKIN, 2001).
Por outro lado, consoante Katsh e Rifkin (2001), o crescimento pela busca por métodos
adequados de tratamento de conflitos se deu em virtude de muitas disputas envolverem mal-
entendidos, acidentes, ou outras situações nas quais a resolução rápida do problema se torna
mais importante do que achar um culpado. Nesse limiar, acentua-se que a popularidade desses
meios, se comparada a tradicional via judicial, deve-se a alguns aspectos também presentes nos
sistemas ODR, quais sejam, menor custo, maior velocidade, mais flexibilidade nos resultados,
menos estratégias adversas, mais informalidade, menos problemas jurisdicionais, cujo objetivo
é buscar uma solução, em vez de volta-se para a culpa.
Embora os mecanismos ADR e ODR compartilhem algumas características em
comum, este apresenta alguns recursos exclusivos, entre os quais incluem (i) a desnecessidade
os disputantes estarem cara-a-cara; (ii) o processo de resolução de disputas pode ocorrer a
qualquer momento, independentemente da distância geográfica e (iii) a possibilidade de
comunicação assíncrona (WAHAB; KATSH; RAINEY, 2012).
Nesse limiar, Lodder e Zeleznikow (2005) pontuam que embora há aqueles que
argumentem que o aspecto mais importante da alternative dispute resolution (ADR) é a
comunicação face a face, existem muitas circunstâncias, entretanto, em que a comunicação face
a face não é viável ou indesejável, como, por exemplo: (i) partes com histórico de conflito de
violência; (ii) partes para as quais os custos de estarem no mesmo local são exorbitantes; (iii)
partes que estão em fuso horários diferentes; (iv) partes que não conseguem chegar a um acordo
sobre um horário de reunião conjunta.
Nesse sentido, portanto, tem-se que a falta de interação pessoal do Online Dispute
Resolution (ODR) pode realmente ser uma vantagem para disputas em que o envolvimento
emocional das partes é tão alto que é preferível que eles não se vejam. Desse modo, além de
fornecer potencial de logística e benefícios emocionais, o ODR também ajuda as partes a serem
mais capazes de separar a pessoa do conflito (LODDER; ZELEZNIKOW, 2005).
Ademais, outra peculiaridade do online dispute resolution (ODR) consiste no número
e a natureza das partes envolvidas. Nos processos de ODR, ao contrário dos métodos offline de
resolução de conflitos, as tecnologias de informação e comunicação (TICs) estão sempre
presentes, razão pela qual é possível identificar elementos comuns em quaisquer sistemas ODR,
quais sejam, (i) as partes envolvidas; (ii) o "terceiro", chamado de pessoa neutra ou mediador,
conciliador ou árbitro; (iii) a chamada "quarta parte", a qual se refere, principalmente, à
28

tecnologia envolvida no processo e (iv) a "quinta parte", a qual diz respeito ao provedor de
TICs, o denominado ator técnico (WAHAB; KATSH; RAINEY, 2012).
Outrossim, um aspecto inerente aos mecanismos de ODR, conforme pontuam Wahab,
Katsh e Rainey (2012), é a capacidade única de estender a sua funcionalidade para o âmbito da
prevenção de litígios através gerenciamento dos meios de informações a fim de evitar mal-
entendidos e prevenir conflitos, o que não se observa nos processos tradicionais judiciais.
No que tange a aplicação das tecnologias de informação e comunicação ao Online
Dispute Resolution (ODR), tem-se que vários meios podem ser usados para a troca de
informações, incluindo e-mail, chats, mensagens, chamadas de telefone, videoconferências, as
quais podem ser em tempo real ou assíncrona, cabendo as partes decidirem se desejam estar
online simultaneamente (LODDER; ZELEZNIKOW, 2005). Portanto, este mecanismo pode
apresentar inúmeras qualidades, sendo elas a velocidade da web, a escolha e experiência de
neutros imparciais, a informalidade e flexibilidade, privacidade, economia e eficiência
(PERUGINELLI; CHITI, 2002).
Há diversas abordagens utilizadas para definir e descrever mecanismos de online
dispute resolution (ODR). Nesse limiar, diferentes formas ou métodos adequados de tratamento
de conflitos para ambientes eletrônicos têm sido apontados por doutrinas jurídicas. Entre elas,
tem-se que o ODR pode ser compreendido como qualquer método de resolução de disputas em
que, total ou parcialmente, uma rede aberta ou fechada é usada como um local virtual para
resolver uma disputa (KATSH; RIFKIN, 2001).
Outrossim, em uma concepção ampla sugere-se que os métodos ODR englobam todas
as alternativas aos processos judiciais que são desenvolvidos eletronicamente, enquanto em
uma perspectiva restritiva, compreende-se que se limitam a métodos consensuais de resolução
de disputas online (WAHAB; KATSH; RAINEY, 2012).
Sobre o tema, Kaufmann-Kohler e Schultz (2004), em sua obra “Online Dispute
Resolution: Challenges For Contemporary Justice”, ao discutirem sobre a dificuldade de definir
online dispute resolution (ODR), pontuam que o mesmo, embora seja geralmente definido
como uma forma sui generis de resolução de litígios ou como resolução alternativa de litígios
online (online ADR), para fins de conceituação não são inteiramente satisfatórios. Nesse
sentido, analisa-se que:
Quando ODR é percebido como ADR online, naturalmente se refere aos
instrumentos legais desenvolvidos para ADR. Alguns provedores de ODR
referem-se explicitamente a tais instrumentos como os padrões relevantes, os
quais devem ser atendidos ao resolver uma disputa online. Nesta abordagem,
as ferramentas de comunicação online devem ser desenvolvidas de forma a
atender aos requisitos desenvolvidos no domínio do ADR offline. O problema
29

de definir ODR como resolução alternativa de disputa online é que não


englobam métodos não alternativos de resolução de litígios, nomeadamente
tribunais cibernéticos, que são desenvolvidos por alguns dos mesmos motivos
da mediação ou arbitragem online - para facilitar o acesso, reduzir custos e
garantir rapidez. Consequentemente, apresentando ODR como uma mera
extensão do ADR não refletiria todas as suas aplicações e objetivos possíveis.
O movimento ODR surgiu não por causa de deficiências que afetam apenas
os tribunais, mas por causa das deficiências que enfrentam todos os métodos
de resolução de disputas offline. Sua ideia básica é que existem versões online
de quase todos os processos de resolução de disputas offline. ODR é uma
reação às restrições do mundo offline, não estritamente aos tribunais. Como
consequência, não há razão para excluir os tribunais cibernéticos do estudo do
ODR. É muito restritivo para caracterizar ODR como meramente ADR online.
O ODR tem apenas um recurso abrangente - ele ocorre online. A única
definição abrangente de ODR é que se refere aos processos de resolução de
disputas que operam online. Mas focar em seu caráter online revela outra
questão: quanta comunicação deve ocorrer online para que um processo de
resolução de disputa seja classificado como ODR? Se a resposta for todas as
comunicações relacionadas ao processo, a definição é subinclusiva, pois uma
arbitragem online onde a sentença e somente a sentença é enviada por o
correio postal não seria mais ODR. Se a resposta for que apenas algumas das
comunicações devem ocorrer online, então, quanto? No procedimento usual
de mediação ou arbitragem dure, muitos e-mails são trocados, mas certamente
não se qualificam como ODR para esta única razão. Isso leva a uma
abordagem de escala móvel: um processo de resolução de disputas que usa
mais ou menos comunicações online e, portanto, pode ser considerado mais
ou menos ODR. Mas isso dificilmente é uma definição viável (KAUFMANN-
KOHLER; SCHULTZ, 2004, p. 07).

Portanto, para Kaufmann-Kohler e Schultz (2004), considera-se que o principal e mais


importante aspecto para uma definição viável de online dispute resolution (ODR) é o fato desse
sistema se concentrar nas questões levantadas por sua característica abrangente, qual seja, ser
operado online, corroborando, assim, com a definição fornecida pela American Bar Association
Task Force sobre comércio eletrônico e ADR, a qual estende o conceito de ODR a tribunais
cibernéticos.
ODR é um termo amplo que abrange muitas formas de ADR e processos
judiciais que incorporam o uso da Internet, sites, comunicações por e-mail,
mídia de streaming e outras tecnologias de informação como parte do processo
de resolução de disputas. As partes nunca podem se encontrar cara a cara ao
participar do ODR. Em vez disso, eles podem se comunicar exclusivamente
online (KAUFMANN-KOHLER; SCHULTZ, 2004, p. 07).

Portanto, verifica-se que alguns autores preferem tratar a ODR como uma oposição à
resolução de disputas offline, sem, entretanto, referir-se ao alternative dispute resolution
(ADR), circunstância na qual o conceito de online dispute resolution (ODR) administrado pelos
tribunais torna-se completamente legítimo.
No que tange a relação do online dispute resolution (ODR) aos tribunais, analisa-se
que os sistemas ODR oferecem não apenas uma alteração processual, mas sim mudanças
30

tecnológicas aplicadas às resoluções de disputas, tendo em vista que ambientes online criaram
novas e únicas formas de solução, assíncrona ou síncrona, de maneiras mais econômicas, razão
pela qual o ODR pode ser visto como uma ferramenta concorrente e complementar para
esquemas judiciais tradicionais (WAHAB, KATSH E RAINEY; 2012).
Nesse sentido, Thomas Schultz (2005) ao tratar da abrangência dos sistemas ODR
explica que:
Os tribunais cibernéticos são simplesmente processos judiciais que usam
exclusivamente (ou quase exclusivamente) meios de comunicação
eletrônicos. Eles deveriam ser, e muitas vezes, são considerados parte do
movimento ODR, por duas razões. Primeiro, porque o movimento ODR
surgiu por causa do choque entre a onipresença do Internet e a territorialidade
dos mecanismos tradicionais de resolução de disputas off-line. O termo ODR
se opõe, portanto, aos mecanismos de resolução de disputas offline, não a
tribunais. O ADR online é apenas uma parte do ODR. Em segundo lugar, os
tribunais não fornecem apenas litigação. (...) Agora, se aceitarmos que o
tribunal pode fazer parte do movimento ODR se eles fornecerem resolução de
disputas online, podemos pensar sobre as vantagens que são específicas dos
tribunais. Os tribunais têm recursos que os sistemas privados de resolução de
disputas não possuem. Muitos desses recursos induzem confiança de uma
forma que as formas privadas de ODR não o fazem. (SCHULTZ, 2003, p. 05).

Desse modo, consoante Schultz (2005), o ODR baseado em tribunais poderia evitar
alguns dos problemas que muitos sistemas ODR atuais enfrentam, quais sejam (i) fonte
independente de financiamento; (ii) julgamento como serviço público, racionalidade na
resolução de disputas e capital simbólico; (iii) exigibilidade de resultados e (iv) previsão de um
sistema judicial online.
Quanto a primeira questão, tem-se que os provedores de ODR precisam garantir
alguma fonte de financiamento, o qual não deve criar ou indicar interesses adquiridos e, ao
mesmo tempo o processo deve permanecer acessível para as partes. Assim, existem
basicamente três modelos de financiamento para provedores de ODR: taxas de usuário (bilateral
ou unilateral), taxas de adesão e fontes externas de financiamento.
Nos primeiros dois modelos, há a possibilidade do surgimento de problemas de
independência, os quais podem interferir na confiança e consequentemente na qualidade da
justiça. Por outro lado, o terceiro modelo, normalmente é uma bolsa de pesquisa ou um fundo
governamental do sistema judicial nacional, sendo a primeira, por definição, limitada,
impossibilitando seu uso como uma solução duradoura, diferentemente do segundo, indicado
para negócios de terceiros para pequenas e disputas de médio porte. À vista disso, um tribunal
cibernético apresenta um modelo de financiamento ideal no que diz respeito à independência e
à viabilidade financeira, estendendo-se, ainda, à possibilidade de o sistema judicial financiar
31

um provedor privado de resolução de disputas, contudo, é questionável se um governo poderia


ser facilmente convencido a terceirizar a justiça (SCHULTZ, 2003).
Em relação à segunda questão, tem-se que, em razão dos tribunais se tratarem de um
serviço público e a alternative dispute resolution (ADR) privada não, há uma consequência
sobre como sua racionalidade na resolução de disputas é compreendida pelas potenciais partes,
cuja percepção tem consequências na confiança dos solucionadores de disputas. Isto poque a
responsabilidade democrática dos juízes na prestação do serviço público, a publicidade e o
capital simbólico (reputação, prestígio e status) implicam induzir confiança, diferentemente dos
resolvedores de disputas privadas, os quais podem vir a possuir interesses no processo de
resolução de disputas, por exemplo, em virtude da possibilidade de favorecerem aqueles que
são susceptíveis a nomeá-los (SCHULTZ, 2003). Por outro lado, Schultz (2003) analisa que
juízes e tribunais cibernéticos podem ter menos experiência no campo da resolução de disputas
online, porquanto lidam com diversos tipos de disputas e em virtude do fato de que os tribunais
não podem evoluir tão rapidamente quanto disputas privadas.
No que concerne à terceira questão, tem-se que a aplicabilidade dos acordos de
resolução de disputas pode ser fundamental para obter participação no processo tendo em vista
o questionamento de como proceder no caso de não cumprimento do mesmo. Nesse sentido, os
tribunais cibernéticos podem ter duas funções, quais sejam, facilitar a aplicação, bem como
fornecer acordos que são mais facilmente executáveis (SCHULTZ, 2003).
No tocante a quarta e última questão, conforme Thomas Schultz (2005), verifica -se
que ODR constitui, além de uma ferramenta de resolução de disputas, um importante
mecanismo de acesso à justiça — justamente, em razão de ser menos oneroso, mais rápido e
acessível. Portanto, trata-se de uma questão de disponibilidade, de ter a escolha de fazer a opção
de acesso à justiça tanto pela forma offline quanto online por meio dos tribunais cibernéticos,
ainda que seja apenas um pequeno número de pessoas e casos, porquanto uma decisão em tal
caso pode ter uma influência sobre todos os outros (SCHULTZ, 2003).
Desse modo, sob essa perspectiva do online dispute resolution (ODR), cuja definição
estende-se aos tribunais cibernéticos, Kaufmann-Kohler e Schultz (2004) apontam a arbitragem
como influencia na descrição da prática e propostas de soluções do atual online dispute
resolution (ODR), tendo em vista tal método apresentar uma importante herança intelectual,
bem como condições legais mais antigas e rigorosas que os demais meios adequados de
tratamento de conflitos.
À vista disso, o ODR pode ser analisado sob três abordagens distintas, quais sejam, o
ciberespaço, a alternative dispute resolution (ADR) não judiciais e a arbitragem. Cada aspecto
32

busca tratar um tipo específico de questão, sendo eles a transformação do direito pelos meios
eletrônicos, os requisitos de comunicação e os requisitos legais. Dessa forma, cada uma dessas
abordagens se concentra em uma categoria de questões de modo a fornecer um certo tipo de
solução, através de suas próprias características, teorias e regras, proporcionando, assim,
diferentes percepções e opiniões sobre a resolução de disputas no ciberespaço (KAUFMANN-
KOHLER; SCHULTZ, 2004).
Portanto, nesta concepção, tem-se que no momento em que um sistema de online
dispute resolution (ODR) está sendo implementado, ou ao promover iniciativas ou realizar
pesquisas neste campo, uma dessas abordagens é geralmente utilizada, na medida que cada
campo tem sua própria visão, o qual desenvolve suas próprias considerações, requisitos e
propostas, marcando, inclusive, sua própria arquitetura (KAUFMANN-KOHLER; SCHULTZ,
2004).
Nesse limiar, conforme pontuam Kaufmann-Kohler e Schultz (2004), o primeiro
campo está centrado na Internet, ciberespaço, alta tecnologia e comércio eletrônico, ou seja, nas
mudanças trazidas ao mundo, sobretudo, no âmbito da resolução de disputas e da lei, a partir
da criação da rede de computadores, os quais trouxeram inúmeras ferramentas que facilitaram
o processo e comunicação, proporcionando formas de disputas melhores, mais rápidas e baratas,
tendo como destaque a inteligência artificial. Este campo, ainda, gerou provedores de online
dispute resolution (ODR) na forma de “ponto com” startups como a SquareTrade, advinda do
e-commerce e da Internet, transformando-se em resolução de disputas.
Por outro lado, o segundo campo centra-se na alternative dispute resolution (ADR)
não judiciais, no qual as partes enfatizam as disputas, suas implicações e as formas de resolução,
através de uma abordagem baseada em comunicação, interesses, emoções e sentimentos, tendo
como destaque os meios de tratamento de conflitos negociação e mediação. Ademais, este
campo tem como princípio reconstruir uma arquitetura online que se assemelha à negociação e
mediação offline, de forma que, no mundo online, as partes tenham flexibilidade em se
expressarem, razão pela qual as ferramentas de comunicação adequadas devem ser fornecidas
para este fim (KAUFMANN-KOHLER; SCHULTZ, 2004).
Nesse sentido, Kaufmann-Kohler e Schultz (2004) pontuam que tal abordagem induz
acadêmicos e profissionais a conceberem maneiras de mover efetivamente as partes em direção
à resolução, garantindo, sobretudo, a capacidade de comunicação, o que pode vir a ajudar a
aliviar a agressão através da expressão e para gerenciar desequilíbrios de poder. À vista disso,
tem-se que este campo levou a provedores de serviços ODR — compreendidos como
empreendimentos que fornecem software para ODR, mas nenhum serviço real de resolução de
33

disputas —, a oferecem recursos de comunicação desenvolvidos a partir sites com


compartimentos de fácil acesso e utilização.
Por último, o terceiro campo está centrado alternative dispute resolution (ADR),
principalmente, na arbitragem, na qual enfatiza-se os direitos e a aplicação da lei para solucionar
uma disputa por meio de uma decisão. Nesse limiar, tem-se que em razão do bom desempenho
da arbitragem no âmbito offline, o referido método de tratamento adequado de conflitos deve
ser adaptado ao mundo online, alterando, assim, as regras de procedimento para sua adequação.
Nesta perspectiva, Kaufmann-Kohler e Schultz (2004) destacam que este campo gerou
provedores de ODR como o Chartered Institute of Arbitrators em Londres, os quais ofereciam
arbitragem offline há anos, tendo expandido suas atividades para incluir a Internet e o e-
commerce.
Em relação ao sistema de justiça, uma tendência positiva pode estar ocorrendo em um
futuro próximo. A eficiência e a eficácia dos conflitos tradicionais tratados pelos sistemas
judiciais estão sendo revistas a partir das inovações das tecnologias de informação e
comunicação (TIC) e a assistência do alternative dispute resolution (ADR), elementos cruciais
para a expansão do ODR. Nesse sentido, consoante Wahab, Katsh e Rainey (2012), as reformas
estruturais de TIC de uma localidade, harmonização da legislação cibernética e expansão da
Economia Digital são indicadores do preparo da região em termos de capacidade para uma
implementação bem-sucedida do ODR, destacando-se o contexto latino-americano.
Estima-se que as características do ODR irão aprofundar o processo de envolvimento
dos usuários em procedimentos de resolução de disputas, levando-os a esperar o mesmo tipo de
transparência e eficiência que se apresenta ao lidar com disputas no sistema tradicional, o que
implica melhores práticas no campo da resolução de disputas em geral, seja para conflitos
tratados pelo sistema de justiça tradicional, ou para mecanismos extrajudiciais (WAHAB;
KATSH; RAINEY, 2012).

3.3 PRINCIPAIS DESTAQUES ÀS RESOLUÇÕES DE CONFLITOS PELO ODR

Os avanços das tecnologias de informação e comunicação e a gradativa ampliação do


uso da internet alteraram significativamente a forma de estabelecimento das relações, levando
ao uso cada vez maior de meios eletrônicos de comunicação de armazenamento de dados ao
34

invés de meios de comunicação baseados em papel. Tais aplicações inovadoras estenderam-se


ao sistema de Justiça de modo a transformar (e continuar transformando) técnicas e esquemas
de resolução de litígios nos tribunais e extrajudiciais a fim de garantir a eficiência, a justiça e
celeridade à a resolução dos litígios, através do constante estudo do online dispute resolution
(ODR).
Nesse contexto, tem-se que, conforme Wahab, Katsh e Rainey (2012), de acordo com
o papel que a tecnologia desempenha no processo, os sistemas online dispute resolution (ODR)
podem ser agrupados em três categorias: (a) mecanismos de ODR assistidos por tecnologia,
onde a tecnologia é restrita ao fornecimento de um meio adequado e seguro de comunicação e
troca de informações; (b) Mecanismos ODR baseados em tecnologia onde uma aplicação
completa de tecnologia de ponta é utilizada para resolver disputas; e (c) garantias de prevenção
de disputas online facilitada por tecnologia ("ODP"), que ajudam reduz o risco de potenciais
disputas eletrônicas e aumenta a confiança e a segurança indiscutivelmente e-business.
Ao estudar os métodos adequados de tratamento de conflitos, é importante salientar
que a legislação nacional utiliza os vocábulos “conflito” e “controvérsia” como sinônimos, vide
a Lei de Mediação (Lei nº 13.140/2015) e o Código de Processo Civil de 2015, embora no
direito internacional, é comum a utilização do termo “disputas”, tendo como sinônimo, ainda,
a palavra “litígio”, cujo termo, no direito brasileiro, é mais comumente utilizado para se referir
a esfera judicial.
Dentre os procedimentos os quais podem adotar o sistema ODR, através de
ferramentas automatizadas, estão os métodos adequados de tratamento de conflitos, de modo
que inexiste de hierarquia ou prevalência entre eles, ou mesmo em relação ao poder judiciário
(NUNES; SALES, 2010), nos quais se destacam a arbitragem, mediação, negociação e
conciliação.
A arbitragem consiste em um procedimento contraditório, na qual um terceiro
independente decide o caso. Já a mediação, negociação e conciliação são procedimentos
consensuais em que os disputantes visam chegar a um acordo, seja por conta própria ou com a
ajuda de um terceiro chamado mediador, facilitador ou conciliador, na qual este terceiro não
impõe uma decisão sobre as duas partes em disputa, mas apenas orienta o procedimento
(LODDER; ZELEZNIKOW, 2005).
Insta salientar que “na perspectiva eminentemente jurídica, a doutrina clássica utiliza
o termo “composição” para abordar as possíveis formas de encaminhamento e trata mento de
controvérsias” (TARTUCE, 2018, p. 16), razão pela qual os meios adequados de tratamento de
conflitos podem ser classificados como heterocompositivos e autocompositivos.
35

Os denominados processos heterocompositivos, ou também nomeados heterotutela,


adjudicação ou meio adjudicatório (denominação inglesa), consistem nos meios de soluções de
conflitos “em que um terceiro imparcial define a resposta com caráter impositivo em relação
aos contendores” (TARTUCE, 2018, p. 57). Nesse sentido:
O estímulo a tal forma de solução de controvérsias foi marcado pela redução
paulatina de situações permissivas da autotutela (pela proibição da justiça
privada) e pelo fato de a via consensual ser um fenômeno eventual (por força
da intensa e acirrada litigiosidade). A heterocomposição pode se verificar por
duas vias: a arbitral, em que o terceiro, de confiança das partes, é por elas
escolhido para decidir o impasse; e a jurisdicional, em que uma das partes
acessa o Poder Judiciário para obter uma decisão proferida por uma autoridade
estatal investida de poder coercitivo. Na linguagem americana, tais hipóteses
constituem processos de adjudicação (adjudicative processes), gerando
resultados do tipo “ganha-perde” (win-lose) (TARTUCE, 2018, p. 57).

Por outro lado, os processos chamados de autocompositivos “compreendem tanto os


processos que se conduzem diretamente ao acordo” (...) “quanto às soluções facilitadas ou
estimuladas por um terceiro”, sendo que “em ambos os casos, existe a presença de um terceiro
imparcial, e a introdução deste significa que os interessados renunciaram parte do controle sobre
a condução da resolução da disputa” (AZEVEDO, 2016). Além disso, nos processos
autocompositivos:
(i) As partes podem continuar, suspender, abandonar e retomar as
negociações. Como os interessados não são obrigados a participarem da
mediação, permite- se encerrar o processo a qualquer tempo. (ii) Apesar de o
mediador exercer influência sobre a maneira de se conduzirem as
comunicações ou de se negociar, as partes têm a oportunidade de se comunicar
diretamente, durante a mediação, da forma estimulada pelo mediador. (iii)
Assim como na negociação, nenhuma questão ou solução deve ser
desconsiderada. O mediador pode e deve contribuir para a criação de opções
que superam a questão monetária ou discutir assuntos que não estão
diretamente ligados à disputa, mas que afetam a dinâmica dos envolvidos. (iv)
Por fim, tanto na mediação, quanto na conciliação, como na negociação, as
partes não precisam chegar a um acordo (AZEVEDO, 2016, p. 20 e 21).

3.3.1 Processo de Arbitragem

A arbitragem consiste em uma técnica para a solução de controvérsias pautada pela


intervenção “de uma ou mais pessoas que recebem seus poderes de uma convenção privada,
decidindo com base nesta convenção sem intervenção do Estado, sendo a decisão destinada a
assumir eficácia de sentença judicial” (CARMONA, 2009, p. 15), denominada sentença
arbitral.
36

Ademais, acerca de sua conceituação e funcionamento:


A arbitragem pode ser definida como um processo eminentemente privado–
isto porque existem arbitragens internacionais públicas –, nas qual as partes
ou interessados buscam o auxílio de um terceiro, neutro ao conflito, ou de um
painel de pessoas sem interesse na causa, para, após um devido procedimento,
prolatar uma decisão (sentença arbitral) visando encerrar a disputa. Trata-se
de um processo, em regra, vinculante, em que ambas as partes são colocadas
diante de um árbitro ou um grupo de árbitros. Como regra, ouvem-se
testemunhas e analisam-se documentos. Os árbitros estudam os argumentos
dos advogados antes de tomarem uma decisão. Usualmente, em razão dos
custos, apenas causas de maior valor em controvérsia são submetidas à
arbitragem e os procedimentos podem durar diversos meses. Apesar de as
regras quanto às provas poderem ser flexibilizadas, por se tratar de uma
heterocomposição privada, o procedimento se assemelha, ao menos em parte,
por se examinarem fatos e direitos, com o processo judicial (AZEVEDO,
2016, p. 23).

Outrossim, Azevedo (2016) esclarece que embora o procedimento decisório seja mais
parecido com um processo judicial — uma vez que o terceiro neutro, um árbitro, exercerá a
função de juiz, este método oferece como vantagens o controle das partes sobre o procedimento,
tendo em vista a possibilidade de escolha do direito ( material e processual) aplicável à solução
da controvérsia, “podendo optar pela decisão por equidade ou ainda fazer decidir o litígio com
base nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais do
comércio” (CARMONA, 2009, p. 15).
No que tange as peculiaridades da arbitragem, especialmente, quanto à sua diferença
em relação ao papel do terceiro imparcial, estão:
[...] arbitragem assemelha-se à decisão judicial, pois em ambos os casos um
terceiro, seja ele árbitro ou juiz, decide com autoridade acerca de uma
controvérsia. Existem diferenças, no entanto. Primeiro, o juiz é um
funcionário do Estado, que para decidir utiliza o ius imperium, não
necessitando da autorização de ambas as partes, ao contrário do que ocorre
com o árbitro. Segundo o juiz deve seguir os ritos processuais estatuídos na
lei, enquanto que o árbitro seguirá o procedimento determinado ou aceito pelas
partes. Terceiro, o juiz deve decidir com base na lei do Estado ao qual se
vincula, enquanto que o árbitro pode decidir com base na eqüidade ou em lei
alienígena conforme a convenção de arbitragem firmada pelas partes, que lhe
outorga poderes. Como o árbitro é um terceiro neutro ao qual as partes
outorgam poderes para decidir uma demanda, surge um grande benefício, que
é a possibilidade de escolha da pessoa que vai decidir a causa. Destarte, pode-
se escolher um árbitro especializado na área da controvérsia. (BARBOSA,
2013, p. 253).

Este método possui como principais características a voluntariedade, a coercibilidade


e a capacidade de pôs fim ao conflito, tendo como vantagens em relação ao processo judicial,
a privacidade e a informalidade do processo, bem como menores custos e celeridade, além de
37

destacar a experiência do tomador de decisões (OLIVEIRA, SPENGLER, 2013), que resulta


em uma decisão célere e especializada (BARBOSA, 2013, p. 254).
Insta salientar que, no Brasil, o instituto da arbitragem sempre esteve presente no
ordenamento jurídico brasileiro, embora pouco utilizado, circunstância esta que restou alterada
pelo advento da Lei nº 9.307/96, com alteração dada pela Lei nº 13.129/2015, a partir da qual
esse método passou a ser impulsionado, principalmente, em virtude de algumas mudanças,
como, por exemplo, a dispensa tanto da homologação da sentença arbitral e quanto da dupla
homologação para o reconhecimento e a execução das sentenças arbitrais estrangeiras, bem
como a garantia do efeito vinculante da cláusula compromissória para instaurar a arbitragem
(OLIVEIRA, SPENGLER, 2013).
Nesse limiar, entre as entidades dedicadas à arbitragem estão, no Brasil, o Tribunal
Arbitral da Câmara de Comércio Brasil–Canadá e a Câmara de Mediação e Arbitragem de São
Paulo e, em âmbito internacional, destacam-se a American Arbitration Association (AAA), a
International Chamber of Commerce (ICC) e a London Court of
International Arbitration (LCIA).
A arbitragem eletrônica (também nomeada como e-abitragem, em inglês e-arbitration)
pode ser compreendida como um mecanismo de ODR assisto pela tecnologia, por meio da
integração das tecnologias de informação e comunicação em procedimentos arbitrais, na
medida em que são conduzidos de forma total ou substancialmente online, incluindo, assim,
arquivamentos, apresentações, audiências e concessões feitas ou apresentadas online
(WAHAB; KATSH; RAINEY, 2012).
Dessa forma, comparada a arbitragem tradicional, a arbitragem eletrônica pode
oferecer inúmeras vantagens, entre as quais estão, geralmente, (i) ser um procedimento rápido;
(ii) ser mais econômico; (iii) oferecer acessibilidade e disponibilidade todo o dia; (iv) oferecer
uma gestão de casos mais eficiente e (v) ser adequada tanto para pequenas reinvindicações
quanto para mais complexas e de alto valor (WAHAB; KATSH; RAINEY, 2012).
O exemplo mais proeminente de uso da arbitragem eletrônica trata-se de disputas sobre
domínios na internet (MANIA, 2015). Sob recomendação da Internet Corporation for Assigned
Names and Numbers (ICANN), a Uniform Domain-Name Dispute Resolution Policy (UDRP)
foi desenvolvida como um procedimento online para lutar contra a apropriação de nomes de
domínio, a qual define as regras e regulamentos para a celebração de acordos em registro e
administração de domínios, razão pela qual um procedimento de resolução de disputas online
é oferecido por vários provedores indicados pela ICANN, incluindo a World Intellectual
38

Property Organization’s (WIPO) Arbitration and Mediation Center, criada em 1994, a qual
conduz procedimentos de arbitragem desde 2010 (LODDER; ZELEZNIKOW, 2005).

3.3.2 Processo de Mediação

A mediação pode ser definida como um “método de resolução de disputas no qual se


desenvolve um processo composto por vários atos procedimentais pelos quais o(s) terceiro(s)
imparcial(is) facilita(m) a negociação entre as pessoas em conflito”, de forma a habilitá-las “a
melhor compreender suas posições e a encontrar soluções que se compatibilizam aos seus
interesses e necessidades” (AZEVEDO, 2016).
Ademais, sobre a perspectiva da essencialidade da comunicação e do papel do
mediador no processo, também é definida como:
[...] mecanismo de solução de conflitos que tem como premissa o diálogo
inclusivo e cooperativo entre as pessoas e a participação de um terceiro
imparcial – o mediador – que, com a capacitação adequada, facilita a
comunicação entre as partes sem propor ou sugerir, possibilitando a
construção de uma solução satisfatória pelas próprias partes. A mediação
possibilita, por meio de técnicas próprias utilizadas pelo mediador, a
identificação do conflito real vivenciado e a sua solução (SALES, 2016, p.
967).

A referida porta de tratamento de conflitos, a qual consiste em um procedimento


consensual e voluntário, tem como objetivo a “conscientização do problema, transformação e
abertura do diálogo, sempre por intermédio do agir comunicativo do consenso” (OLIVEIRA,
SPENGLER, 2013, p. 87). Além disso, pode ser abordada sob vertentes distintas, dentre as
quais acentua-se a natureza disciplinar, ou unidisciplinar, quando o foco está na busca pela
resolução do conflito, e a natureza interdisciplinar, quando tem como finalidade transformar o
conflito (TARTUCE, 2018).
Quanto a relevância do papel do mediador, tem-se que:
Na mediação, os participantes contam com a contribuição de uma pessoa
imparcial para que a comunicação flua de modo eficiente; ao promover um
diálogo pautado pela clareza, o mediador contribui para que os envolvidos
possam ampliar a percepção sobre sua responsabilidade pessoal de modo a
encontrar respostas adequadas para os impasses. Em certa perspectiva, a
missão do mediador é aproximar as pessoas para que elas possam
compreender melhor diversas circunstâncias da controvérsia, proporcionando
alívio de pressões irracionais ou elementos emocionais complicadores que
impeçam a visualização realista do conflito; assim, elas estarão preparadas
39

para proceder a uma análise mais equilibrada da situação e, se o caso, atuar


para entabular um possível acordo (TARTUCE, 2018, p. 53-54).

No Brasil, a mediação passou a ser regida por lei própria com a edição da Lei nº
13.140/2015, a qual abordou, entre outros aspectos, sobre a abrangência desse método, da
gratuidade aos necessitados, estabelecimento prazo para finalização do procedimento de
mediação, suspensão da prescrição e ausências de custas judiciais finais e a possibilidade de
sua realização online.
Algumas das vantagens desse meio está em ser mais barato, rápido e sigiloso, bem
como, tendo em vista considerar os interesses das partes, tratar-se de um método mais
hospitaleiro, de modo a “educar as partes sobre as necessidades do outro e as de sua
comunidade” (OLIVEIRA, SPENGLER, 2013, p. 91).
Portanto, verifica-se que a mediação pode ser compreendida como um método
colaborativo de tratamento de conflitos, na qual as consequências da decisão são mutuamente
compartilhadas, porquanto a participação ativa das partes fortalece o sentimento de união, razão
pela qual “os mediadores exercem uma importante função de proteção da integridade do sistema
legal” (FRANCO, 2021, p. 06).
A mediação eletrônica (também nomeada como e-mediação, em inglês e-mediation)
também pode ser compreendida como uma ferramenta de ODR assista pela tecnologia
desenvolvida no ciberespaço, ainda distante das tecnologias de ponta em desenvolvimento para
resolução de disputas, tendo em vista que a necessidade de um terceiro imparcial, na condição
de facilitador do diálogo.
Não obstante isso, tal mecanismo pode oferecer algumas vantagens (WAHAB;
KATSH; RAINEY, 2012), entre elas, a conveniência da escolha de quando participar — no caso
de ser empregada a comunicação assíncrona; as partes ganharem acesso à experiência do
mediador, o qual poderá estar disponível em qualquer região geográfica e os registros são
preservados e revisáveis, permitindo processos mais contínuos e conjuntos. Ademais, na
comunicação assíncrona, além não haver a pressão do tempo, facilita o diálogo, de modo a
garantir mais conforto aos participantes, incluindo a percepção de nuances e sutilezas pelo
mediador. Além disso, outro destaque positivo está no fato de que existem diferentes modelos
de preços para os serviços de e-mediação, nos quais, muitas vezes, não são diferentes dos
serviços presenciais, existindo, assim uma melhor relação de custo benefício (WAHAB;
KATSH; RAINEY, 2012).
No campo da mediação eletrônica, destacam-se alguns sites que oferecem o
desenvolvimento de mecanismo de resolução de disputas, quais sejam, Internet Neutral,
40

SquareTrade e WebMediate para facilitar a resolução de disputas, os quais se utilizam da


tecnologia online, como e-mail, salas de bate-papo e mensagens instantâneas, sendo necessário,
ainda, o uso da incorporação de métodos de comunicação mais tradicionais ao processo
(GOODMAN, 2002).
No que tange ao procedimento de mediação nos tribunais, no Brasil, há alguns projetos
voltados para o desenvolvimento desse método em âmbito virtual, como o “Mediação e Mídia”,
do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, e o recente “Mediação Digital”, desenvolvido
pelo CNJ.

3.3.3 Processo de Conciliação

A conciliação compreende um processo breve “no qual as partes ou os interessados


são auxiliados por um terceiro, neutro ao conflito (...), por meio de técnicas adequadas, a chegar
a uma solução ou a um acordo” (AZEVEDO, 2016, p. 21). Além disso, pela perspectiva da
atuação do conciliador, tem-se que:
Por tal técnica de autocomposição, um profissional imparcial intervém para,
mediante atividades de escuta e investigação, auxiliar os contendores a
celebrar um acordo, se necessário expondo vantagens e desvantagens em suas
posições e propondo saídas alternativas para a controvérsia, sem, todavia,
forçar a realização do pacto. [...] No exercício de sua função o conciliador,
embora possa sugerir possibilidades de resolução, deve estimular as partes a
elaborarem soluções próprias (TARTUCE, 2018, p. 49).

Desse modo, analisa-se que embora no Código de Processo Civil de 1973 (BRASIL,
1973) a busca pela solução consensual do conflito era sempre designada como “conciliação”,
além da criação de uma lei voltada especialmente para a mediação, o novo Código de Processo
Civil 2015 (BRASIL, 2015) contempla expressamente a existência dos métodos adequados de
tratamento de conflitos conciliação e a mediação no processo judicial.
À vista disso, destaca-se que, conforme o Código de Processo Civil de 2015 (BRASIL,
2015), o conciliador atuará nos casos em que não houver vinculo anterior entre as partes, sendo
possível sugerir soluções para o litígio, porém, vedado constrangimentos ou intimidações para
que se realize a conciliação. Por outro lado, a atuação do mediador ocorrerá nos casos que
houver vínculo anterior entre as partes, auxiliando os interessados a compreender as questões e
os interesses em conflito, de modo que eles possam, por si próprios, através do diálogo, chegar
a soluções consensuais.
41

Outrossim, ressalta-se que a conciliação pode ser tanto extrajudicial ou judicial. Dessa
forma, “pode operar-se tanto no contexto de uma demanda judicial como no âmbito de
instituições privadas voltadas à resolução de controvérsias (a exemplo das denominadas
“câmaras de conciliação e arbitragem”) (TARTUCE, 2018, p. 49).
Nesse sentido, destaca-se que, no Brasil, há um estímulo no sentido de promover
audiências como forma de prevenir judicialização (ou mesmo no decorrer do processo) e buscar
a autocomposição. Diversas legislações, entre elas a Lei dos Juizados Especiais e Consolidação
das Leis do Trabalho vêm consagrando a conciliação um importante procedimento no
tratamento de conflitos, como também no Código de Processo Civil, no qual a tentativa de
autocomposição precede, inclusive, o oferecimento de defesa pelo réu (TARTUCE, 2018).
Além disso, ressalta-se, ainda, que a conciliação ganhou ênfase a partir do lançamento
do Movimento pela Conciliação, pelo Conselho Nacional de Justiça, partindo-se da premissa
de que “de que um poder judiciário moderno não poderia permitir a condução de trabalhos sem
técnica” (AZEVEDO, 2016, p. 22).
Nesse contexto, ressalta-se que, para a sua eficácia, tal método “requer o
comprometimento do tribunal, instalações adequadas, um coordenador responsável e um
treinamento de qualidade” (BARBOSA, 2003, p. 253).
A conciliação é o método alternativo mais utilizado no Brasil e nos Estados
Unidos. Na nossa pátria, a conciliação é plenamente aceita e até incentivada
por nosso ordenamento o que se pode perceber pela tentativa de conciliação
obrigatória para determinadas causas e ainda pela sua larga utilização nos
juizados especiais. [...] Além da função de pacificação social, a introdução da
conciliação nos tribunais mediante o fórum de múltiplas portas racionaliza a
aplicação da Justiça, reduz o congestionamento dos juízos, educa a população
a negociar por si própria suas disputas, aumenta a legitimidade do Poder
Judiciário (pois, na maioria dos casos, a satisfação com o processo é superior
à de outros procedimentos) e, por fim, intensifica a participação democrática
popular naqueles casos em que o conciliador é escolhido entre a comunidade
(BARBOSA, 2003, p. 252).

A conciliação eletrônica consiste em mais uma ferramenta de ODR também assistida


pela tecnológica a qual é desenvolvida no mundo virtual. Embora tal método se difere da
mediação, as vantagens de sua utilização no ciberespaço são similares, como as facilidades
proporcionadas pela comunicação assíncrona, a velocidade e a comodidade propiciada as
partes.
Em relação ao processo de conciliação no âmbito dos tribunais no Brasil, analisa -se
propositura de alguns programas pelo Poder Judiciário, como a “Conciliação Pré-Processual”,
do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que disponibiliza um e-mail como canal
virtual para a resolução de demandas; a “Conciliação Sem Fronteiras”, pela Defensoria Pública
42

do Pará e o “Fórum de Conciliação Virtual”, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, os


quais possibilitam que a audiência seja realizada virtualmente.

3.3.4 Processo da Negociação

A negociação, relacionada como um modelo de comunicação ligado a persuasão


(AZEVEDO, 2016), é conceituada como “a comunicação estabelecida diretamente pelos
envolvidos, com avanços e retrocessos, em busca de um acordo”, o qual se trata “do mais fluido,
básico e elementar meio de resolver controvérsias, sendo também o menos custoso”
(TARTUCE, 2018, p. 42).
Sobre a sua definição, Valeria Ferioli Lagrasta Luchiari (2020) esclarece que:
A negociação é o primeiro método de solução de um conflito, pois nele as
próprias partes envolvidas chegam a uma solução, sem que seja necessária a
intervenção de um terceiro facilitador, podendo, entretanto, contar com o
auxílio de profissional especialmente capacitado para o desenvolvimento de
negociações (negociação assistida) (LUCHIARI, 2020, p. 92).

Além disso, Tartuce (2018) destaca que através desse método, as partes podem chegar
a uma solução para a demanda, sem a intervenção de terceiros, através do diálogo e a exposição
dos benefícios, destacando-se como vantagem a preservação da autoria e autenticidade na
solução das demandas, bem como a durabilidade do acordo, tendo em vista o maior controle
sobre o processo. Desse modo, trata-se do método no qual as partes, com ou sem o auxílio de
advogados “buscam compor a controvérsia já instaurada sem a ajuda ou a assistência de uma
pessoa neutra e alheia ao conflito”, de modo que “a negociação retrata uma “mediação sem
mediador”, sob um enfoque de resolução colaborativa de disputas (collaborative law)
(FRANCO, 2021. p. 06).
Quanto ao seu funcionamento, Azevedo (2016) explica que as partes:
i) escolhem o momento e o local da negociação; ii) determinam como se dará
a negociação, inclusive quanto à ordem e ocasião de discussão de questões
que se seguirão e o instante de discussão das propostas; iii) podem continuar,
suspender, abandonar ou recomeçar as negociações; iv) estabelecem os
protocolos dos trabalhos na negociação; v) podem ou não chegar a um acordo
e têm o total controle do resultado (AZEVEDO, 2016, p. 20).

A negociação eletrônica (também nomeada como e-negociação, em inglês e-


negociation), entre todos os métodos adequados de tratamento de conflitos, é aquela que se
desenvolve mais rapidamente em virtude da grande demanda voltada para o e-commerce em
43

todo o mundo — cenário o qual permitiu justamente o surgimento dos primeiros sistemas ODR.
Em sua forma mais avançada, no campo da resolução de disputas extrajudiciais, é possível
verificar a aplicação da inteligência artificial ao processo, conforme será explorado um pouco
mais adiante.
Entre as vantagens da negociação eletrônica estão a redução dos custos comparada a
negociação tradicional, a velocidade, o assincronismo, e nos sistemas mais avançados, em que
possível a prática de casos hipotéticos ou mesmo simular o próprio caso antes da realização do
negócio, um resultado mais valioso pode ser alcançado (WAHAB; KATSH; RAINEY, 2012).
No Brasil, uma das plataformas digitais voltadas para negociação é o
“consumidor.gov.br”, cujo sistema foi desenvolvido pelo Banco do Brasil junto ao Ministério
da Justiça, na qual a pessoa faz uma reclamação em face da empresa credenciada que, por sua
vez, tem um período de resposta e outro para análise da proposta. Para tanto, destaca-se que o
TJDFT, por meio de convênio feito com o CNJ, integrou a plataforma ao sistema Processo
Judicial Eletrônico (PJe).
Nesse limiar, ao analisar alguns sites voltados para o desenvolvimento do online
dispute resolution (ODR) no campo do comércio eletrônico, tem-se como destaque, conforme
já citado, a criação da plataforma European Online Dispute Resolution (ODR), em atuação
desde 2016, o SquareTrade, que trata principalmente de conflitos entre os comerciantes do site
de leilões online eBay e o SmartSettle, que auxilia as partes na superação os desafios da
negociação convencional através de uma gama de ferramentas analíticas, é projetado para
esclarecer interesses, identificar trade-offs, reconhecer a satisfação das partes, e gerar ótimas
soluções. (LODDER; ZELEZNIKOW, 2005).

3.4 UTILIZAÇÃO DA TECNOLOGIA PARA SOLUÇÃO DOS LITÍGIOS

Os sistemas nos quais se desenvolvem o Online Dispute Resolution (ODR) apresentam


diversas técnicas distintas entre si, de modo que inexiste uma abordagem universalmente
melhor, mas sim, um conjunto eclético de métodos com propriedades e características de
desempenho que variam significativamente dependendo do contexto, entre os quais se destaca
a inteligência artificial.
A Inteligência Artificial (em inglês, Artificial Intelligence - AI), surgiu ao longo do
século XX, tendo como um dos principais responsáveis para o seu desenvolvimento o cientista
44

inglês Alan Mathison Turing. Considerado o fundador da ciência da computação, Turing ficou
famoso pela sua contribuição no campo da Inteligência Artificial, sobretudo, por criar o “teste
de Turing”. Neste experimento, uma pessoa se comunica sem saber se está conversando com
um ser humano ou um computador e se, após um certo período limitado de tempo, a pessoa
decide que provavelmente está conversando com um ser humano, tem-se que o programa
passou no teste e pode ser considerado “inteligente”.
O teste de Turing é conhecido como um trabalho precursor no âmbito da Inteligência
Artificial, a qual, embora tenha se desenvolvido ao longo das últimas décadas, na maioria dos
seus subcampos, seu progresso tem sido mais lento do que o inicialmente previsto, sendo este
o caso da área do Direito (LODDER; ZELEZNIKOW, 2005). Nesse sentido:
Inicialmente, muitos comentaristas esperavam que fosse possível colocar
todas as regras legais relevantes dentro de um domínio específico em um
computador e fazer com que o software resolvesse todos os casos possíveis.
Pesquisadores em domínios do direito civil consideraram essa realização uma
probabilidade. Enquanto alguns ainda acreditam, a maioria das pessoas
concorda que, não obstante nossa tecnologia de ponta, estamos muito longe
dos computadores ocupando os lugares de juízes. Para ser justo, estudiosos de
AI e Direito não visam projetar computadores que possam assumir a função
de juiz. A razão para isso, principalmente enunciada por advogados, é que
permitir que os computadores façam julgamentos é moralmente indesejável.
Uma objeção mais fundamental é que, porque as leis exigem interpretação,
não seria factível para sistemas de software tomarem decisões judiciais.
Sistemas de computadores são sistemas "fechados", enquanto argumentos em
ações judiciais não podem ser conhecidos com antecedência e, portanto, não
pode ser implementado em uma aplicação de computador: a lei é um sistema
“aberto” (LODDER; ZELEZNIKOW, 2005, p. 289).

Desse modo, verifica-se que o desenvolvimento da Inteligência Artificial (AI) no


campo do direito ganhou destaque após a conferência internacional sobre IA e Direito, realizada
em Florença, Itália, em 1981. Seis anos depois, foi organizada a Primeira Conferência
Internacional sobre Inteligência Artificial e Direito (ICAIL). Em 1991, a International
Association for AI & Law (IAAIL) foi criada, tendo como principal objetivo a organização das
conferências do ICAIL e a edição de um periódico (LODDER; ZELEZNIKOW, 2005).
Nesse contexto, tem-se que embora a maioria das pesquisas conduzidas de Inteligência
Artificial na área do Direito buscaram focar nas tomadas de decisões judiciais, analisou-se a
possibilidade do fornecimento de usos valiosos para a resolução de disputas fora do contexto
do tribunal, voltado para os meios adequados de tratamento de conflitos. Desse modo, enquanto
a alternative dispute resolution (ADR) representa uma mudança de um processo fixo e formal
para um mais flexível, o Online Dispute Resolution (ODR) estende este processo ainda mais
por mover ADR de um local físico para um local virtual (LODDER; ZELEZNIKOW, 2005).
45

Portanto, ao analisar-se de que forma os meios adequados de tratamento de conflitos,


como negociação, mediação, arbitragem ou conciliação podem ser transplantados ou adaptados
aos novos ambientes, considerando o aproveitamento de todos os recursos disponibilizados
pelas tecnologias de informação e comunicação, fez-se necessário, com o intuito de desenvolver
técnicas inteligentes e eficientes para dar suporte a disputa online, a integração de técnicas de
resolução de problemas baseadas em Inteligência Artificial ao Online Dispute Resolution
(ODR).
A Inteligência Artificial, conforme Lodder e Zeleznikow (2005), pode ser definida
como:
Inteligência Artificial envolve o estudo de inteligência humana automatizada.
Isso inclui tanto a pesquisa orientada para a prática, como a construção de
aplicativos de computador que realizam tarefas que exigem inteligência
humana e pesquisa fundamental, como determinar de que forma representar o
conhecimento de uma forma compreensível por computador. Na interseção da
Inteligência Artificial de um lado e a lei do outro, está um campo dedicado ao
uso de tecnologia informática avançada para fins jurídicos: Inteligência
Artifical e o Direito (LODDER; ZELEZNIKOW, 2005, p. 289).

Insta salientar que tal perspectiva permitiu a concepção da chamada “quarta parte”,
desenvolvida por Ethan Katsh e Janet Rifkin, na qual, verifica-se que, em um processo típico
de resolução de disputas online (ODR), há, pelo menos, duas partes, a terceira neutra e a
tecnologia de informação na condição de quarta parte. Um elemento importante que integra
esse quarto ator no processo será o desenvolvimento de sistemas especialistas e agentes de
software inteligentes com poderes para ajudar as partes e o mediador (ou árbitro) na busca por
uma solução justa (CARNEIRO; NOVAIS; ANDRADE, 2014). Além disso, há, ainda, a
chamada “quinta parte”, consistente nos prestadores de serviços, isto é, aqueles que fornecem
e entregam os elementos tecnológicos (WAHAB; KATSH; RAINEY, 2012).
Ou seja, no Online Dispute Resolution (ODR) deve ser considerado não apenas as
partes litigantes e o eventual terceiro (mediador, conciliador, árbitro), mas também os
elementos tecnológicos envolvidos, o que permite transformar o ODR em uma forma nova, um
tanto complexa (mas consequentemente e eventualmente mais rápida, menos onerosa e mais
vantajosa) de interação e de resolução de conflitos.
Desse modo, tem-se que tal abordagem pode ser considerada a partir de duas
perspectivas distintas: por um lado, como uma ferramenta para ajudar as partes e os tomadores
de decisão a obter a melhores resultados possíveis na resolução de disputas comerciais e, por
outro lado, considerando uma nova forma de resolução autônoma de disputas por meio do uso
46

de software autônomo e inteligente, apoiado por uma base de conhecimento e capacidades de


decisão (CARNEIRO; NOVAIS; ANDRADE, 2014).
O objetivo da pesquisa de IA neste campo é atingir um limiar tecnológico,
resultando em sistemas computacionais que são de fato terceiros. Nesta
abordagem abrangente, não há intervenção humana no resultado ou no
encaminhamento das partes para uma situação específica. Existe, por outro
lado, um sistema que desempenha esse papel principal. Isso geralmente é
conhecido como um mediador eletrônico ou árbitro. Deve ter habilidades para
se comunicar com as partes e compreender seus desejos e medos e ter a
capacidade de decidir sobre a melhor estratégia a ser seguida em cada possível
cenário. Esta é evidentemente a abordagem mais desafiadora a seguir, uma
vez que não é fácil implementar em um sistema de computador as habilidades
cognitivas de um especialista humano, bem como a capacidade de perceber as
emoções e desejos das partes envolvidas. Por outro lado, há um inerente risco
em permitir que as máquinas tomem decisões vinculativas que influenciam
nossas vidas (CARNEIRO; NOVAIS; ANDRADE, 2014, p. 04).

Os meios de Online Dispute Resolution (ODR), consoante Peruginelli e Chiti (2002),


podem ser divididos em dois grandes grupos distintos, conforme a função que o maquinário
pode desempenhar.
Os sistemas chamados de “primeira geração”, utilizados atualmente, são aqueles nos
quais os seres humanos permanecem como centro nos processos de planejamento e tomadas de
decisões, e as ferramentas computacionais, embora utilizadas, são tidas como equipamentos
sem autonomia ou protagonismo no decurso da ação (PERUGINELLI; CHITI, 2002). Assim,
as principais tecnologias usadas são chats, e-mails, mensagens instantâneas, fóruns, vídeos e
chamadas de telefone, videoconferência, entre outros. Outrossim, além de consistirem em
sistemas comuns nos dias atuais, geralmente tendo como suporte páginas de web, representam
uma primeira etapa necessária antes daqueles que podem ser considerados mais autônomos,
através do uso de sistemas inteligentes (CARNEIRO; NOVAIS; ANDRADE, 2014).
Por outro lado, a “segunda geração” é definida pelo uso mais eficaz das ferramentas
técnicas, as quais são utilizadas para geração de ideias, planejamentos, definição de estratégia
e tomadas de decisão (PERUGINELLI; CHITI, 2002). Nesse sentido, pode-se dizer que a
segunda geração de sistemas se estende a primeira geração com novos artefatos inteligentes e
autônomos, tendo como suporte tecnologias que permitem uma conectividade regular entre
todas as entidades envolvidas, permitindo-se olhar para diversos campos como Inteligência
Artificial, Matemática ou Filosofia. Assim, na interseção desses campos é possível encontrar
inúmeras tecnologias que irão capacitar significativamente a geração anterior de ferramentas
ODR, como redes neurais artificiais, agentes inteligentes de software, mecanismos de
raciocínio baseados em casos, métodos para representação de conhecimento e raciocínio,
argumentação, aprendizagem e negociação (CARNEIRO; NOVAIS; ANDRADE, 2014). Dessa
47

forma, observa-se avanços de um paradigma em que ferramentas de comunicação reativas são


usadas pelas partes para compartilhar informações, para um ambiente virtual, nos quais os
serviços de ODR auxiliam de forma proativa as partes em disputa.
À vista disso, verifica-se que muitas das ferramentas existentes de Online Dispute
Resolution (ODR) foram desenvolvidas, principalmente, para resolver disputas voltadas para o
comércio eletrônico ou outros problemas relacionados à internet, cujas princpiais razões para
tal popularidade consistem no fato de que (i) o acesso à Internet não é obstáculo, tendo em vista
que as partes envolvidas já possuíam contato online antes de a disputa surgir e que (ii) as
informações cruciais para sua disputa geralmente estão disponíveis eletronicamente (LODDER;
ZELEZNIKOW, 2005).
A negociação é método adequado de tratamento de conflitos mais analisado quando se
considera a aplicação da inteligência artificial a resolução de disputas. Para tanto, no campo da
negociação eletrônica, entre os sistemas os quais utilizam como método algoritmos de
otimização sofisticados para gerar soluções ideais para problemas complexos, estão
Family_Winner, Inspire, SmartSettle, (LODDER; ZELEZNIKOW, 2005), bem como, no
âmbito internacional, os sistemas Adjusted Winner, AssetDivider, MEDIATOR e GENIE,
cujos dois últimos utilizam outras técnicas em conjunto com a inteligência artificial (WAHAB;
KATSH; RAINEY, 2012).
Desse modo, analisa-se que, em geral, os sistemas Online Dispute Resolution (ADR)
buscam transportar os tradicionais métodos adequados de tratamento de conflitos para o meio
virtual, através da utilização das tecnologias de informação e comunicação. Com o passar dos
anos, entre outras ferramentas, a introdução da inteligência artificial na gestão de conflitos
passou a ser estudada, com o objetivo, om o objetivo de “replicar o comportamento que um
humano, perito em determinado domínio ou uma das partes no litígio teriam” (ANDRADE;
CARNEIRO; NOVAIS, 2010), de forma a resultar nos primeiros sistemas de suporte de
negociação inteligente.
Contudo, embora ainda esteja em desenvolvimento pesquisas voltadas para a garantia
de maior atuação e autonomia da “quarta parte” no processo, as características subjetivas
humanas necessárias ao desenvolvimento de métodos adequados de tratamento de conflitos,
como a capacidade de argumentação, raciocínio e diálogo, baseadas em comunicação,
permanece ainda podem figurar como um obstáculo a composição de ferramentas inteligentes
a serem aplicadas a gestão dos conflitos no âmbito do sistema jurisdicional.
48

4 NOVAS TECNOLOGIAS PARA O ACESSO À JUSTIÇA

4.1 ACESSO À JUSTIÇA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

O acesso à justiça é um princípio fundamental presente no Estado Democrático de


Direito, o qual tem como dever assegurar a isonomia aos cidadãos em todas as suas funções,
compreendendo tanto o acesso físico ao judiciário quanto a disponibilização de estrutura e
meios a fim de garantir a resolução de conflitos, de forma a assegurar o exercício democrático.
Sob a perspectiva do conceito clássico de acesso à justiça, tem-se que o Estado, por
meio da ordem constitucional, deve proporcionar um processo justo, que que se apresenta na
forma da garantia a todos de acesso a uma tutela jurisdicional efetiva (JUNIOR, 2014). Para
tanto, a Constituição Federal de 1988 assegura o acesso à justiça, através do devido processo
legal, dentro do prazo razoável, in verbis:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça
a direito;
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em
geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos
a ela inerentes;
LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a
razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua
tramitação (BRASIL, 1988).

Conforme a interpretação de André Tavares Ramos (2012, p. 731), “incumbe ao Poder


Judiciário o papel de se manifestar, como última instância, sobre as lesões ou ameaças de lesões
a direito”. À vista disso, ressalta que:
O princípio em questão significa que toda controvérsia sobre direito, incluindo
a ameaça de lesão, não pode ser subtraída da apreciação do Poder Judiciário.
Sob esse enfoque, o comando constitucional dirige-se diretamente ao
legislador, que não pode pretender, por meio de lei, delimitar o âmbito de
atividade do Poder Judiciário, até porque uma ocorrência dessas chocar-se-ia
frontalmente com o princípio maior da separação de poderes (TAVARES,
2012, p. 731).

Desse modo, o princípio do acesso à justiça pode ser compreendido como sinônimo
do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, também denominado princípio da
universalidade ou da ubiquidade da jurisdição, tendo em vista que a disposição constitucional
49

de que “nenhuma lei excluirá ameaça ou lesão a direito da apreciação do Poder Judiciário deve
ser entendida no sentido de que qualquer forma de “pretensão”, isto é, “afirmação de direito”
pode ser levada ao Poder Judiciário para solução” (BUENO, 2018, p. 126).
Portanto, nesta abordagem, sob o ponto de vista formal, a acesso à justiça pode ser
compreendido como sinônimo do acesso à jurisdição, a partir da atuação do Poder Judiciário.
Nesse contexto, importa salientar que o acesso à justiça por meio da tutela jurisdicional estatal
pode apresentar vantagens e desvantagens.
Entre os aspectos positivos, consoante Fernanda Tartuce (2018), estão ser pautado por
princípios e garantias constitucionais, como o devido processo legal, o contraditório e a ampla
defesa, assegurando, ainda, a isonomia entre as partes na proteção de interesses socialmente
relevantes. Além disso, destaca-se a publicidade dos atos, a imparcialidade do Juízo, a qual
pode ser atestada, junto ao controle dos seus atos por meio da motivação das decisões, a
imperatividade das decisões a partir da qualidade terminativa e obrigatória, a estabilidade da
decisão final em função da coisa julgada, bem como a coercibilidade a fim de dar cumprimento
às decisões.
Já os aspectos negativos são, primeiramente, quanto ao ingresso no sistema judicial,
além de problemas na gestão administrativa de aparatos judiciários complexos e o estímulo da
litigância voltada para obter vantagens diversas, a dificuldade de acesso daqueles que possuem
baixos poderes socioeconômicos contraposta pela excessiva facilidade de acesso pelas classes
de níveis mais altos. Tais fatores, aliados à cultura da litigiosidade, permitem o inchaço do
poder judiciário com demandas que destoam do asseguramento de direitos (TARTUCE, 2018).
Outrossim, conforme aponta Tartuce (2018), as demais desvantagens da administração
da justiça são as incertezas do direto, a lentidão do processo (morosidade) e seus altos custos.
O primeiro está relacionado tanto com os aspectos qualitativos no que se refere ao resultado da
demanda através da interpretação que será aplicada a situação concreta, quanto com os dados
temporais, ante a impossibilidade de previsão de quando ocorrerá a satisfação do direito. O
segundo diz respeito a delonga do processo, ocasionada pelo excesso de demandas, ausência de
estrutura, número reduzido de funcionários junto a qualidade duvidosa dos julgados, fatores os
quais levam diretamente ao terceiro apontamento, tendo em vista que a demora da tramitação
do processo poderá ensejar aumento dos custos de forma a prejudicar aqueles economicamente
mais fracos, bem como, em alguns casos, impossibilitar o cumprimento da decisão, ainda que
a parte vença a demanda processual.
Além disso, outro apontamento negativo consiste na falta de alcance da efetiva
pacificação das partes, tendo em vista que a sentença imposta pelo juiz não assegura a satisfação
50

dos integrantes do processo, uma vez que sempre haverá descontentamento com a decisão do
juiz por uma das partes ou até mesmo ambas, circunstância que pode ser agravada pelos demais
aspectos, sobretudo, pela morosidade (GRINOVER, 2007).
Por outro lado, analisa-se que o conceito de acesso à justiça sofreu uma atualização,
sobretudo a partir da década de 80, com grandes e revolucionárias transformações, como, por
exemplo, a criação dos Juizados Especiais de Pequenas Causas (1984) e a aprovação da Lei da
Ação Civil Pública (1985) — com posterior aprovação do Código de Defesa do Consumidor
(1990), passando a ser considerado a perspectiva material desse direito assegurado
constitucionalmente. Sobre o tema, Kazuo Watanabe (2017) ressalta que:
O conceito de acesso à justiça passou por uma importante atualização: deixou
de significar mero acesso aos órgãos judiciários para a proteção contenciosa dos
direitos para constituir acesso à ordem jurídica justa, no sentido de que os
cidadãos têm o direito de ser ouvidos e atendidos não somente em situação de
controvérsias com outrem, como também em situação de problemas jurídicos
que impeçam o pleno exercício da cidadania, como nas dificuldades para a
obtenção de documentos seus ou de seus familiares ou os relativos a seus bens.
Portanto, o acesso à justiça, nessa dimensão atualizada, é mais amplo e abrange
não apenas a esfera judicial, como também a extrajudicial (WATANABE, 2017,
p. 24).

Nesse limiar, Cândido Rangel Dinamarco (2004, p. 114) pontua que essa compreensão
acesso à justiça “abarca uma série de possibilidades de verificação e realização da justiça, o que
se coaduna com a nossa realidade multifacetada na configuração de um sistema jurídico
pluriprocessual”.
Portanto, é imprescindível ressaltar que o acesso a justiça não se confunde com o
acesso à jurisdição. Nesse limiar, Cappelletti e Garth (1988, p. 12) acentuam que o acesso à
justiça “pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos
humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas
proclamar os direitos de todos”, representado, assim, por um sentimento de equidade e razão,
diferentemente do acesso a jurisdição, que é uma função do Estado própria e exclusiva do Poder
Judiciário, na qual atua o direito objetivo na composição dos conflitos de interesses, tendo como
finalidade assegurar a paz jurídica (SANTOS, 1998).
Neste ponto, insta salientar que há hipóteses previstas na Constituição Federal, nas
quais a jurisdição não é exercida pelo próprio Poder Judiciário. Sobre o tema, André Tavares
Ramos (2012) explica que:
É que há casos — e necessariamente previstos na Constituição — nos quais
há jurisdição exercida por órgãos fora da estrutura orgânica própria do Poder
Judiciário. Como exemplos, há o caso do julgamento de impeachment,
realizado pelo Poder Legislativo, ou da jurisdição administrativa, onde uma
decisão pode, evidentemente, acabar assumindo o papel de definitiva (dada a
51

preclusão que ocorre para a Administração e, eventualmente, a prescrição da


ação judicial competente para proceder à revisão daquela decisão
administrativa). Há ainda a jurisdição “privada”, admitida que é a arbitragem
no Direito pátrio. O sentido de jurisdição, portanto, é o de “dizer o Direito”,
atividade que é desempenhada não apenas pelos órgãos judiciários. Pode-se
dizer, pois, que o Judiciário exerce função jurisdicional, mas nem toda função
jurisdicional é ditada pelo Judiciário (TAVARES, 2012, p. 732).

Desse modo, além de destacar o acesso à justiça, é necessário ressaltar a sua


efetividade, por meio da qual torna-se possível alcançar uma ordem jurídica justa. Sobre o tema,
Cappelletti e Garth (1998) estabelecem que:
A expressão “acesso à Justiça” é reconhecidamente de difícil definição, mas
serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico – o sistema
pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios
sob os auspícios do Estado. Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível
a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individualmente e
socialmente justos (CAPPELLETTI; GARTH, 1998, p. 08).

Nesse sentido, uma barreira importante do acesso à justiça está relacionada custos da
demanda, através das custas judiciais e honorários advocatícios, ante a presença de situação de
vulnerabilidade ou hipossuficiência de muitos jurisdicionados. Nesse limiar, verifica -se que a
Constituição Federal (BRASIL, 1998), em seu art. 5º, inciso LXXIV, instituiu a assistência
judiciária gratuita e integral, regulamentada pelo art. 98 a 102 do Código de Processo Civil
(BRASIL, 2015).
Além disso, importa salientar que, nos Juizados Especiais, consoante o art. 9º, §1º, da
Lei 9.099/1995 (BRASIL, 1995), nas causas de valor até vinte salários mínimos a assistência
por advogado é facultativa, bem como, no art. 54, do mesmo dispositivo, é assegurado o acesso
ao Juizado Especial, em primeiro grau de jurisdição, isento ao pagamento de custas, taxas ou
despesas.
Assim, conforme elucida Rodolfo de Camargo Mancuso (2011), fez-se necessário a
ressignificação do acesso à justiça, não sendo mais cabível a sua conceituação apenas sob a
perspectiva formal, transcendendo, assim, a definição clássica como sinônimo de acesso ao
Judiciário.
O conceito de acesso à justiça não pode mais se manter atrelado a antigas e
defasadas acepções – que hoje se podem dizer ufanistas e irrealistas – atreladas
à vetusta ideia do monopólio da justiça estatal, à sua vez assentado numa
perspectiva excessivamente elástica de “universalidade/ubiquidade da
jurisdição” e, também, aderente a uma leitura desmesurada da “facilitação do
acesso”, dando como resultado que o direito de ação acabasse praticamente
convertido em... dever de ação, assim insuflando a contenciosidade ao interno
da sociedade e desestimulando a busca por outros meios, auto ou
heterocompositivos. [...] A questão hoje transcende o tradicional discurso do
acesso ao Judiciário, para alcançar um patamar mais alto e mais amplo, qual
seja o direito fundamental de todos, num Estado de Direito, a que lhes sejam
52

disponibilizados canais adequados e eficientes de recepção e resolução dos


conflitos, em modo justo, tecnicamente consistente e em tempo razoável.
(MANCUSO, 2011, p. 24 e 33).

O acesso à justiça, portanto, não necessariamente coincide com o acesso ao Poder


Judiciário, tendo em vista que a garantia da inafastabilidade da prestação jurisdicional não obsta
o desenvolvimento e adoção de outras formas de tratamento dos conflitos (TARTUCE, 2018).
Nesse sentido, Watanabe (2017) salienta que:
Na esfera judiciária, a atualização do conceito de acesso à justiça vem
provocando repercussão na amplitude e qualidade dos serviços judiciários e
bem assim no elenco de técnicas e estratégias utilizadas pela Justiça na solução
dos conflitos de interesses. Vem se entendendo que o papel do Judiciário não
se deve limitar à solução dos conflitos de interesses, em atitude passiva e pelo
clássico método da adjudicação por meio de sentença, cabendo-lhe utilizar
todos os métodos adequados de solução das controvérsias, em especial os
métodos de solução consensual, e de forma ativa, com organização e oferta de
serviços de qualidade para esse fim (WATANABE, 2017, p. 24).

Destarte, faz-se necessário a organização tanto dos órgãos jurisdicionais quanto na


esfera extrajudicial para o oferecimento de todos os mecanismos adequados para a solução de
conflitos, incluindo a prestação dos serviços de informação e orientação, à população,
permitindo, assim, o acesso a uma ordem jurídica justa, de modo a concretizar em sua plenitude
o direito de acesso à justiça.
E esta nova concepção do acesso à justiça foi incorporada pelo Poder Judiciário, a
partir da consolidação do Estado Democrático de Direito, através da Constituição Federal de
1988, após a promulgação da Emenda Constitucional nº 45/2004, ganhando destaque com a
edição da Resolução nº 125/2010 pelo Conselho Nacional de Justiça, com ênfase na
implementação de políticas voltadas para o adequado tratamento de conflitos no sistema
judiciário brasileiro.

4.2 UMA QUESTÃO DE POLÍTICA PÚBLICA

O sistema judiciário tradicional vem enfrentando uma grandiosa crise em virtude do


aumento no número de demandas desacompanhado de uma estrutura que permita atender
satisfatoriamente os direitos constitucionais assegurados aos cidadãos no que tange o acesso à
justiça, principalmente, em razão da ausência de políticas voltadas para a efetiva pacificação
53

social, tendo em vista que tal circunstância leva ao inconformismo, que, por sua vez, implica o
crescimento da litigiosidade.
Desse modo, tal cenário exigiu do sistema jurisdicional, além de investimentos em
outras áreas, como em organização judiciária, informatização, capacitação de servidores e
magistrados, a busca por outras formas de atuação, sobretudo, por meio do incentivo ao estudo
e adoção de mecanismos autocompositivos de solução de conflitos, a fim de assegurar o acesso
a uma ordem jurídica justa, através do estímulo a pacificação social.
Embora os métodos adequados de tratamento de conflitos não tenham surgido
atualmente no ordenamento jurídico brasileiro, tendo em vista alguns exemplos legislativos que
tratam da mediação e conciliação, como a Lei dos Juizados Especiais Cíveis (Lei nº 9.099/95),
o próprio Código de Processo Civil de 1973 (Lei nº 5.869/73) e, ainda, no caso da arbitragem,
a criação da Lei da Arbitragem (Lei nº 9.307/1996), a preocupação e a institucionalização do
fórum múltiplas portas na busca pela efetiva solução de controvérsias da forma mais adequada,
estimulando-se a autocomposição na resolução de conflitos, é recente.
Insta salientar que, conforme pontuam Nunes e Sales (2010), o sistema judicial
brasileiro foi objeto de análise de um projeto piloto de uma pesquisa intitulada UST
International ADR Research Network, coordenada pela professora Mariana Hernandez da
Universidade de St. Thomas nos Estados Unidos, supervisionada pelo professor Frank Sander,
da Universidade de Harvard, e pelo professor Lawrence Susskind, da Universidade de Harvard
e do Massachusetts Institute of Technology, na qual se discutiu a viabilidade da implementação
do sistema de múltiplas portas no país, tendo as autoras integrado o projeto.
Nesse contexto, uma das principais ações do Estado relacionadas a implementação da
política de tratamento dos conflitos nos moldes do Fórum Múltiplas Portas foi a criação, através
da Emenda Constitucional nº 45/2004 (BRASIL, 2004), do Conselho Nacional de Justiça
(CNJ), cuja atuação, desde a sua instalação como instituição pública que visa controle e à
transparência administrativa e processual, esteve voltada para o incentivo a adoção de métodos
consensuais de conflitos.
À vista disso, considerando a conjuntura brasileira, uma importante evolução
normativa no Brasil, no que tange a incorporação do fórum múltiplas portas, é a Resolução nº
125/2010 do Conselho Nacional de Justiça, a qual instituiu a Política Judiciária Nacional de
tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário. A referida
norma dispõe acerca de orientações para implantação dos Núcleos Permanentes de Métodos
Consensuais de Solução de Conflitos (NUPEMEC), normas atinentes a criação dos Centros
Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC), bem como orientações para a
54

capacitação dos facilitadores, tendo estabelecido, ainda, o Código de Ética de Conciliadores e


Mediadores Judiciais (CNJ, 2010).
Para tanto, além de incorporar, de forma expressa, o direito de acesso à justiça como
aquele além da vertente formal perante os órgãos judiciários, no que diz respeito ao acesso à
ordem jurídica justa, expôs a necessidade de se consolidar uma política permanente de incentivo
e aperfeiçoamento dos mecanismos consensuais de solução de controvérsias, reconhecendo a
conciliação e mediação como instrumentos efetivos de pacificação social.
Outrossim, por meio dessa política buscou-se assegurar a todos o direito à solução dos
conflitos por meios adequados, bem como oferecer boa qualidade dos serviços, a partir da
disseminação da cultura da pacificação, por meio da centralização das estruturas judiciárias,
adequada formação e treinamento de servidores, conciliadores e mediadores, permitindo, ainda,
firmar parcerias com entidades públicas e privadas.
Dessa forma, a Política Judiciária Nacional passou a ser estruturada como um tripé: no
topo, há a atuação do Conselho Nacional de Justiça, com algumas atribuições de nível nacional;
logo abaixo, encontram-se os Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de
Conflitos (NUPEMECs) de cada Tribunal, responsáveis pela implementação da Política Pública
no âmbito dos Estados e fiscalização dos Centros Judiciários de Solução Consensual de
Conflitos (CEJUSCs), os quais compõe a base. Estes, por sua, vez, consistem em “células” de
funcionamento da Política Pública, nas quais atuam os conciliadores, mediadores e demais
facilitadores dos processos de tratamentos de conflitos, além de servidores do Judiciário, os
quais podem ser divididos em três sessões, sendo a primeira para solução de conflitos quando
“na fase pré-processual (antes da judicialização), outra para solução na fase processual (após a
judicialização) e a terceira de cidadania, para a prestação de serviços de informação e orientação
aos jurisdicionados em seus problemas jurídicos” (WATANABE, 2017, p. 26).
O Código de Processo Civil de 2015, Lei nº 13.105/2015 (BRASIL, 2015) também
incorporou o modelo de múltiplas portas de resolução de disputas, através do incentivo à
utilização de meios consensuais na gestão de conflitos, a partir da valorização desses
procedimentos dentro da atividade jurisdicional, tendo estabelecido a mediação e a conciliação
como importantes instrumentos de pacificação de litígios, além de reiterar a permissão legal da
arbitragem.
Nesse limiar, em seu texto, prevê a realização de sessão de conciliação ou mediação
na fase inicial do processo (artigo 334). Além disso, o código prevê a criação da CEJUSC
(artigo. 165, caput), em observância as normas estabelecidas pelo CN; a delimitação do papel
do mediador e conciliador (artigo. 165, §2º e 3º); os princípios que regem a conciliação e a
55

mediação e aspectos a eles relacionados (artigo 166 e parágrafos); disposições acerca da


inscrição dos facilitadores em um cadastro nacional e em cadastro de cada tribunal de justiça
(artigo 167) e a garantia da imparcialidade (artigo 170), entre outras disposições (BRASIL,
2015).
Outro marco legal a ser destacado nesse contexto é a criação da Lei de Mediação (Lei
nº 13.140/2015), que passou a ter regulamentação própria. O dispositivo legal dispõe acerca
dos princípios a serem seguidos e garantias a serem resguardadas pelos facilitadores, como a
imparcialidade do mediador, isonomia entre as partes, oralidade, informalidade, autonomia da
vontade, busca do consenso, confidencialidade e boa-fé, trazendo, ainda demais orientações e
regras do procedimento de mediação judicial e extrajudicial (BRASIL, 2015).
Insta salientar que o sistema jurídico brasileiro atual engloba os métodos adequados
de tratamentos de conflitos da mediação, conciliação, negociação e ainda, a arbitragem, mas
nada obsta a adoção de outras portas utilizadas em outros países, como o ombudsman e a
adjudicação e, ainda, os métodos híbridos, como a mediação e a arbitragem (med-arb ou arb-
med), o mini-trial, o summary jury trial e o case evaluation, principalmente, em virtude da
previsão contida no Código de Processo Civil de 2015, em seu art. 3º, §3º e na própria
Resolução nº 125/2010 do CNJ, em seu art. 4º, de que outros procedimentos voltados para as
soluções consensuais poderão ser adotados (OLIVEIRA; SPENGLER, 2013).
Importa ressaltar ainda que a adoção de procedimentos consensuais de solução de
controvérsias não é obrigatória, em virtude da inexistência de previsão legal nesse sentido
justamente em razão da característica intrínseca aos processos de soluções consensuais
consistente na voluntariedade, tendo em vista que “a imposição de um processo, distinto do
judicial, configura violação ao princípio da inafastabilidade da jurisdição” (LUCHIARI, 2020,
p. 72).
Nesse sentido, quanto ao sistema jurisdicional, Luchiari (2012) assevera que “a
jurisdição estatal é o meio ordinário para a solução do conflito, cabendo aos envolvidos optarem
por buscar a solução amigável (através de métodos autocompositivos) ou provocar a jurisdição
(e o poder que lhe é inerente)”, tendo em vista que ambos coexistem e integram uma finalidade
maior consistente na busca pela restauração da paz social.
Desse modo, analisa-se que o atual ordenamento jurídico processual é composto por
distintos processos, os quais são escolhidos a partir de suas características intrínsecas de modo
a permitir o direcionamento ao método mais adequado de acordo com o caso concreto, a fim de
reduzir as ineficácias inerentes aos mecanismos de solução de disputas, tratando-se, portanto,
de um sistema pluriprocessual (AZEVEDO, 2016).
56

Entretanto, não obstante os avanços no que tange a disponibilização de métodos


adequados de tratamento de conflitos aos cidadãos, para o bom funcionamento dessa forma de
organização judiciária, de maneira a garantir resultados positivos frente a adoção e utilização
resolução de procedimentos consensuais de disputas, é imprescindível a atuação do operador
do direito e a conhecimento do âmbito online, razão pela qual, em virtude do caráter inovador,
pode vir a ser um grande desafio.

4.3 UTILIZAÇÃO DOS MÉTODOS ADEQUADOS DE TRATAMENTOS DE


CONFLITOS E ONLINE DISPUTE RESOLUTION (ODR) NO BRASIL

A integração do fórum múltiplas portas ao ordenamento jurídico brasileiro, através da


implementação de métodos adequados de tratamento de conflitos ao sistema jurisdicional,
encontra alguns obstáculos que podem afetar o desempenho e a efetividade da nova política
nacional adotada pelo país, voltada para o estímulo de soluções consensuais como forma de se
alcançar o acesso a uma ordem jurídica justa.
Desse modo, baseando-se nos estudos do professor Kazuo Watanabe (2007) e Valeria
Ferioli Lagrasta Luchiari (2020), destacam-se três aspectos relacionados entre si, os quais
podem vir a interferir no desenvolvimento das técnicas consensuais de resolução de conflitos,
quais sejam, (a) a formação acadêmica voltada a instauração do processo judicial, (b) a cultura
da sentença e do litígio e (c) ausência de preparo do operador do direito.
A primeira questão está relacionada diretamente a formação acadêmica dos operadores
do direito, a qual está voltada para a solução contenciosa de disputas e conflitos de interesses.
Nesse sentido, Watanabe (2007) expõe que:
O grande obstáculo, no Brasil, à utilização mais intensa da conciliação, e
mediação e de outros meios alternativos de resolução de conflitos, está na
formação acadêmica dos nossos operadores do direito, que é voltada,
fundamentalmente, para a solução contenciosa e adjudicada dos conflitos de
interesses. Vale dizer, toda ênfase é dada à solução dos conflitos por meio de
processo judicial, onde é proferida uma sentença, que constitui a solução
imperativa dada pelo representante do Estado (...). É esse o modelo ensinado
em todas as faculdades de direito do país. Quase nenhuma faculdade oferece
aos alunos, em nível de graduação, disciplinas obrigatórias voltadas à solução
não-contenciosa dos conflitos (WATANABE, 2007, p. 06).
57

Dessa forma, no que tange à educação superior, sobretudo, na graduação, é evidente a


falta de incentivo ao desenvolvimento de técnicas autocompositivas, principalmente,
considerando que, embora a incorporação do fórum múltiplas portas seja recente, o
ordenamento jurídico brasileiro já apresenta mecanismos adequados de tratamento de conflitos
em sua estrutura há décadas, conforme visto anteriormente.
Para tanto, destaca-se que a ausência de orientação educacional no âmbito das
universidades e faculdades do país voltada para o incentivo à adoção de procedimentos
consensuais na resolução de disputas, tampouco ensinamentos e técnicas inerentes ao
desenvolvimento de métodos adequados de tratamento de conflitos, são fatores os quais
interferem diretamente na formação do profissional de direito. Sobre o tema, Watanabe (2005)
pontua que:
[...] E é esse, igualmente, o modelo de profissional do direito exigido pelo
mercado para as principais carreiras profissionais, como a advocacia, a
magistratura, o ministério público e as procuradorias públicas. Apenas alguns
cursos de pós-graduação oferecem disciplinas nessa área, mas sem uma ênfase
especial (WATANABE, 2005, p. 685).

À vista disso, Watanabe (2007) ressalta que tal entendimento no que diz respeito a
obtenção de soluções de conflitos de interesses tão somente por meio de decisões judiciais, deu
origem a intitulada “cultura da sentença”, também denominada de cultura do “litígio”.
Desse modo, o segundo ponto consiste na cultura da sentença e do litígio, a qual está
interligada a “mentalidade hoje predominante entre os profissionais do direito e também entre
os próprios destinatários dos serviços de solução consensual de litígios, que é a da submissão
ao paternalismo estatal” (WATANABE, 2017).
Há, ainda, a preferência pela solução adjudicada por terceiros, em especial
pela autoridade estatal, e grande parte da população não conhece os benefícios
da solução consensual dos conflitos de interesses. Os profissionais do direito,
mesmo conhecendo esses benefícios, não sabem como transformar em ganho
significativo a sua atuação na solução consensual dos conflitos de interesses
(WATANABE, 2017, p. 29).

Destarte, analisa-se que se os próprios profissionais do direito apresentam dificuldades


na adequação e utilização de técnicas voltadas para solução de conflitos pelas vias consensuais,
apresentando até mesmo certa resistência como ramo a ser estudado, a população em geral, na
condição de usuária e destinatária das normas, está ainda mais distante da mudança cultural
rumo a pacificação social.
Embora tal circunstância, ressalta-se que a cultura da sentença e do litígio está sendo
gradativamente substituída pela “cultura da pacificação”, através do estímulo a adoção de
procedimentos consensuais de conflitos em contraposição à solução contenciosa.
58

Nesse limiar, destaca-se importantes alterações legislativas com a finalidade incentivar


a adoção e utilização de métodos adequados de tratamento de conflitos, como, por exemplo,
por meio da Lei nº 9.307/96, com alteração dada pela Lei nº 13.129/15, a Resolução nº 125/10
do CNJ, a edição do Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/15) e a Lei da Mediação
(Lei nº 13.140/15).
Em virtude das alterações normativas desacompanhadas de uma formação acadêmica
e cultural quanto a solução não contenciosa de conflitos, o terceiro apontamento, por
consequência, diz respeito a ausência de preparo dos operadores do direito no desenvolvimento
e na utilização das técnicas relacionadas aos processos consensuais de resolução de disputas.
Neste ponto, faz-se necessário ressaltar a importância do preparo de serventuários,
servidores da justiça, magistrados, advogados, entre outros atores no processo, em razão das
suas atuações no procedimento, para a haja o efetivo funcionamento do fórum de múltiplas
portas como mecanismo de acesso à justiça.
O Tribunal Multi Portas apresenta como diferencial a triagem pela qual as
partes necessariamente devem passar antes de iniciarem qualquer um dos
procedimentos colocados à sua disposição pelo tribunal; ou seja, ao
procurarem o Poder Judiciário, e antes de iniciarem qualquer procedimento,
as partes são recebidas por serventuários treinados, que atendendo às
características do conflito, vão verificar qual procedimento apresenta-se como
o mais adequado ou recomendável no caso [...]. O juiz assume, então, nesse
sistema, um papel de administrador de processos de resolução de disputas ou
de “gestor de conflitos”, deixando de ser um mero prolator de sentenças. Isso
porque, além do atendimento direto das partes pelo serventuário treinado,
responsável pela triagem, e da fiscalização, tanto desse trabalho, quanto do
trabalho desenvolvido pelos terceiros facilitadores, pelo juiz, cabe a este,
mesmo nos processos judiciais já instaurados, verificar, diante das
circunstâncias dos casos concretos, quais devem ser encaminhados para um
procedimento autocompositivo (dentre os quais a mediação) e quais devem
ser resolvidos judicialmente (método heterocompositivo), sempre tendo em
vista a pacificação social, como escopo da jurisdição (LUCHIARI, 2020, p.
72).

Conforme apontado anteriormente, a Resolução nº 125/10 do CNJ estabeleceu normas


voltadas para criação de Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos
(NUPEMEC) e dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC), bem
como orientações para a atuação do facilitador no procedimento de adoção dos métodos
consensuais de conflitos, os quais são imprescindíveis para o êxito da política nacional de
tratamento de conflitos.
Sob essa perspectiva, Luchiari (2020) delineou informações básicas e instruções a
serem seguidas pelos operadores do direito, os quais pretendem atuar como negociadores,
mediadores e conciliadores, contribuindo para o acesso à justiça. Para tanto, de igual modo,
59

ressaltou as deficiências existentes no atual sistema jurídico nacional, tendo feito alguns
apontamentos acerca das medidas a serem tomadas para que ocorra a mudança desse cenário
fático. Nesse sentido, ressaltou que:
[...] a capacitação de terceiros facilitadores, entre os quais, conciliadores e
mediadores judiciais, deve partir de um ensino genérico dos métodos
consensuais de solução de conflitos, com informações sobre a Política
Judiciária Nacional de tratamento adequado de conflitos, instituída pela
Resolução nº 125, do Conselho Nacional de Justiça, seus objetivos e o
funcionamento das unidades judiciárias chamadas Centros Judiciários de
Solução Consensual de Conflitos; criando-se, em momento posterior, uma
pluralidade de especializações nas diversas áreas dos métodos consensuais.
Assim, depois da formação básica, que permitirá o início do trabalho com a
conciliação e a mediação e suas variações, seja no âmbito judicial, seja no
extrajudicial, pode-se ampliar o sistema de formação, através de cursos
específicos, como de mediação familiar, mediação empresarial, conciliação
cível, negociação etc. E, o aprofundamento no que diz respeito às técnicas de
conciliação, mediação e negociação, bem como à conduta ética pela qual
devem se pautar, através de reciclagem e atualização permanentes, por
seminários e cursos diversos, também é essencial para que o conciliador/
mediador/negociador se torne um bom profissional. Assim, pode-se concluir
que, não é adequado falar em capacitação plena em conciliação, mediação e
negociação, pois no trabalho com esses métodos, o aprendizado é permanente
e contínuo, aconselhando-se, além de novos cursos, a participação de
conciliadores e mediadores em grupos de supervisão, integrados por membros
mais experientes e pertencentes a diversas áreas do conhecimento
(LUCHIARI, 2020, p. 169).

Tais ponderações coadunam com o entendimento de Watanabe (2017) no que diz


respeito a necessidade de mudanças estruturais na formação acadêmica dos profissionais de
direito conjuntamente com a formação de uma nova mentalidade, voltada para a pacificação
social, em consonância a compreensão do acesso à justiça não como o acesso à jurisdição, mas
sim, à ordem jurídica justa.
Assim, para que esses mecanismos ganhem plena aceitação da sociedade
brasileira, está na hora de grandes estrategistas da divulgação conceberem e
colocarem em execução um grande projeto de formação de nova mentalidade
e de incentivo à utilização dos mecanismos de solução consensual dos
conflitos, tanto no plano judicial como na esfera extrajudicial, divulgando as
grandes e inegáveis vantagens das soluções amigáveis. Da execução desse
grande projeto, deverão participar a sociedade civil e o Poder Público, com o
envolvimento de todos seus segmentos, não somente os da área jurídica quanto
também das demais áreas, em especial a educacional, bem como todos os
setores mais importantes, como indústria, comércio, serviços, instituições
bancárias e financeiras, instituições de ensino, além de toda a mídia, desde a
escrita, a falada, a televisionada, até a digital. Somente com um movimento
assim organizado, implementado e monitorado conseguiremos transformar a
cultura da sentença, hoje predominante, em cultura da pacificação, da solução
amigável dos conflitos de interesses (WATANABE, 2017, p. 29).
60

Nesse contexto, ainda, Tartuce (2013) reflete sobre a importância do conhecimento e


da expansão da prática dos métodos consensuais de resolução de conflitos, por meio dos quais
poderão contribuir para a evolução desses mecanismos, considerando que os operadores do
direito, com destaque para os advogados no papel de assessores técnicos essenciais, possam
apresentar diferentes estratégias para melhor atender os assistidos, conforme o caso concreto,
comunicando-os sobre o procedimento e as vantagens desse meio.
Embora originalmente treinado para o esquema litigioso, o advogado pode
incrementar produtivamente o leque de sua atuação. Ampliar as possibilidades
de enfrentamento das controvérsias auxilia o advogado a contar com
diferenciadas estratégias para atender melhor os interesses de seus clientes.
Conhecer e difundir a pratica dos meios consensuais é de suma importância
porque a conscientização do advogado sobre os benefícios de tais mecanismos
é crucial para a evolução da utilização desses métodos e para que estes possam
produzir resultados benéficos no tecido social. Também as pessoas envolvidas
nos conflitos merecem ser comunicadas sobre as vantagens decorrentes de
uma abordagem não beligerante, dentre as quais se destacam a valorização da
autonomia, a celeridade, a possível manutenção do relacionamento em bases
melhores, o controle do procedimento, a economia de recursos e a sustentação
de uma boa reputação. A atuação eficiente nos meios consensuais exige a
preparação do advogado e das pessoas envolvidas para que a comunicação
flua de forma produtiva rumo ao encontro dos interesses subjacentes às
posições externadas. O advogado deve preparar seu cliente para as sessões
consensuais, assim como atuar, nas sessões de conciliação e mediação, para
orienta-lo na presença do terceiro imparcial. Incumbe-lhe ainda preparar o
acordo porventura entabulado em termos técnicos, podendo torna-lo um título
executivo judicial ou extrajudicial. A atuação do advogado, essencial assessor
técnico, pode e deve ser ampla, merecendo ser valorizada proporcionalmente
ao ganho de tempo e de vantagens para o cliente; isso repercute não só em
valores como a credibilidade e a fidelização, mas também em ganhos materiais
que podem ser percebidos celeremente pelo advogado. A conscientização
promovida pelos meios consensuais favorece a inclusão social, a empatia e a
razoabilidade no enfrentamento das controvérsias, “oxigenando” a abordagem
das controvérsias com novas pautas e ideias em prol de melhores resultados
(TARTUCE, 2013, p. 143-144).

Outrossim, no campo do online dispute resolution (ODR), além das adversidades


trazidas pela adoção dos métodos adequados de tratamentos de conflito, é possível identificar
outros obstáculos. No que tange às principais questões relacionados aos sistemas ODR,
principalmente voltado para o domínio do comércio eletrônico, Katsh e Rifkin (2001) destacam
as ferramentas, habilidades, reconhecimento de disputas e custos.
As ferramentas a serem utilizadas devem ser proporcionais ao nível de complexidade
das transações, sob pena de afastar os participantes, sendo imprescindível, para tanto, o
desenvolvimento e uso das habilidades no ambiente virtual. Ademais, o reconhecimento de que
transações levam disputas é essencial para atrair pessoas a realizarem operações, sendo
necessário as empresas assegurarem confiança aos consumidores quanto aos serviços prestados.
61

Outrossim, a análise do custo, a qual dependerá do mercado, é notável no tange a opção pela
adoção ou não de sistemas de ODR, considerando, ainda que o progresso do uso da tecnologia
também deve tornar a intervenção em algumas disputas comuns menos onerosa.
Ademais, Albornoz e Martín (2013) identificam três principais desafios a serem
enfrentados em relação a implementação do online dispute resolution (ODR) nos países em
desenvolvido no âmbito da América Latina, quais sejam (i) o desafio cultural; (ii) o desafio da
estrutura das tecnologias de informação e comunicação (TIC’s) e (iii) o desafio regulatório,
além de mais um aspecto subjacente que permeia os três: a falta de confiança.
O desafio cultural está relacionado ao fato de que as sociedades latino-americanas
ainda não assimilaram totalmente a ideia de usar as TICs tanto para atividades como compra e
venda quanto no campo da resolução de litígios, de modo que priorizam os relacionamentos
pessoais, destacando-se ainda o analfabetismo digital, sendo necessário uma política de
educação proativa e eficaz para esse campo, assegurando a inclusão digital.
O desafio tecnológico diz respeito a distância que separa a América Latina das demais
regiões no mundo, no que tange a infraestrutura das TICs. Para se atingir um ecossistema
robusto de internet é necessário em uma infraestrutura de qualidade, abrangendo o fornecimento
de eletricidade, realização de transações online de confiança, acesso à internet com conexão de
alta qualidade e o incentivo de profissionais locais experientes a se envolverem no
desenvolvimento do ODR, permitindo, assim, o estímulo a implementação de políticas de
pesquisa e desenvolvimento (P&D) pelos governos nacionais.
O desafio da regulamentação consiste na necessidade de uma estrutura coerente que
permita a construção de confiança no comércio eletrônico e no online dispute resolution (ODR),
tendo em vista a ausência de regulamentação aplicável à América Latina que trate sobre este
campo. Em virtude dessa lacuna legislativa, as autoras sustentam a possibilidade de análise da
aplicabilidade dos regulamentos sobre o alternative dispute resolution (ADR) aos
procedimentos online dispute resolution (ODR).
Além disso, ressalta-se, ainda, que a construção da confiança nos sistemas ODR é uma
tarefa importante, na qual todas as partes devem estar envolvidas, incluindo governos,
empresas, consumidores e provedores de ODR, cada qual com a sua parcela de
responsabilidade.
Dessa forma, analisa-se que os avanços tecnológicos por si só não são suficientes para
transformar antigas instituições e práticas, cujas mudanças podem ser afetadas tanto pela
tecnologia em si quanto pela cultura. É imprescindível que as pessoas também sejam capazes e
estejam prontas e dispostas a usar a tecnologia, tendo em vista que mecanismos poderosos não
62

trarão mudanças se não forem usados, e não serão utilizados se forem muito difíceis ou mesmo
se não forem confiáveis (KATSH; RIFKIN, 2001).

4.4 A EVOLUÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO E O SISTEMA JUDICIAL BRASILEIRO

O início de uma mudança de estrutura e organização no sistema judiciário brasileiro


ocorreu com a edição da Emenda Constitucional nº 45/2004, tendo como principal aspecto a
criação do Conselho Nacional de Justiça, instituído em 2005. A instituição é responsável pelo
controle das atividades administrativas e planejamento e elaboração de relatórios estatísticos,
bem como, pela formulação e execução de políticas judiciárias, programas e projetos que visam
à eficiência da justiça brasileira, sendo imprescindível a sua atuação na Reforma do Judiciário.
A Lei nº 11.419/2006 consiste no marco legal que regulamenta a utilização de meios
eletrônicos no âmbito do Poder Judiciário quanto à tramitação de processos judiciais,
comunicação de atos e transmissão de peças processuais relativos aos processos civil, penal e
trabalhista, bem como aos juizados especiais, em qualquer grau de jurisdição (Art. 1º, §1º),
além da previsão de criação do Diário da Justiça eletrônico (art. 4º) e do processo judicial
eletrônico, através de sistemas eletrônicos de processamento de ações judiciais por meio de
autos total ou parcialmente digitais, utilizando, preferencialmente, a rede mundial de
computadores e acesso por meio de redes internas e externas (art. 8º) (BRASIL, 2006).
Posteriormente, por meio da Resolução nº 90 de 2009, pelo CNJ, entre as medidas
determinadas voltadas para a valorização das TICs, incluindo o nivelamento mínimo do Poder
Judiciário, está o uso de sistemas de gestão de processos judiciais digital e a virtualização de
grande parte dos processos em tramitação (CNJ, 2009).
Ademais, destaca-se ainda a Resolução CNJ nº 185/2013, que além de instituir o PJe,
abriu a possibilidade de utilização de outro sistema de tramitação eletrônica em caso de
aprovação de requerimento proposto pelo tribunal, em plenário. Entre os mais utilizados estão
SAJ, ProJud, E-Proc, Themis (CNJ, 2013), bem como a Resolução nº 331/2020, que instituiu a
Base Nacional de Dados do Poder Judiciário – DataJud como fonte primária de dados do
Sistema de Estatística do Poder Judiciário – SIESPJ (CNJ, 2013).
Ao longo da última década, inúmeras foram as medidas adotadas, sobretudo de
iniciativa do CNJ, com o objetivo de garantir a incrementação das tecnologias de informação e
comunicação no âmbito do Poder Judiciário, colaborando para a sua virtualização em todos os
63

sentidos, desde procedimentos administrativos à judiciais, garantindo maior agilidade,


diminuição de custos e facilidade de acesso.
O relatório Justiça em Números, apresentado anualmente pelo CNJ, produzido pelo o
Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ), sob a supervisão da Secretaria Especial de
Programas, Pesquisas e Gestão Estratégica (SEP) do CNJ, traz dados estatísticos coletados pelo
CNJ em todos os noventa tribunais, colaborando assim, por meio da transparência, para
execução de uma política de administração judiciária fundada em dados técnicos voltada para
a aplicação da Justiça.
A edição mais recente, “Justiça em Número de 2020 (ano-base 2019)” (CNJ, 2020)
apurou que durante aquele ano, apenas 10% do total de processos novos ingressaram
fisicamente, do total de 23 milhões de casos novos eletrônicos, de forma que o percentual de
adesão ao formato eletrônico tenha atingido 90% do total de processos protocolados, enquanto
em 2009, era 11,2%.
Desse modo, conforme analisado pelo próprio CNJ (2020), a tendência da
virtualização da Justiça brasileira não apenas se confirmou, mas acelerou em 2019, tendo em
vista que nove em cada dez ações judiciais foram iniciadas em um computador, um celular ou
um tablet – dez anos antes, a proporção era de um a cada dez.
Embora os dados sejam otimistas quando a tramitação virtual dos processos judiciais,
ainda que tenha ocorrido o aumento da produtividade, a demanda pelo sistema judiciário na
solução dos conflitos permanece em alta. Até o final de 2019, cerca de 77,1 milhões de
processos estavam em tramitação, dos quais 14,2 milhões, equivalente a 18,5%, estavam
suspensos, sobrestados ou em um arquivo provisório, aguardando alguma situação jurídica
futura, enquanto calcula-se que apenas cerca de 31,5% de todos os processos que tramitaram
no Poder Judiciário foram solucionados.
Ademais, em relação ao acesso à justiça, tem-se que, em média, a cada grupo de
100.000 habitantes, 12.211 ingressaram com uma ação judicial no ano de 2019, considerando
os processos de conhecimento e de execução de títulos extrajudiciais cuja taxa de
congestionamento (percentual de processos que ficaram represados sem solução,
comparativamente ao total tramitado no período de um ano) atingiu o índice de 68,5% e “tempo
de giro e serviço”, aproximadamente 2 anos e 2 meses.
Nesse sentido, ressalta-se que do total dos processos em trâmite no ano de 2019, apenas
12,5% foram solucionados via conciliação, não obstante a disposição do Código de Processo
Civil (CPC), que, em vigor desde 2016, tornou obrigatória a realização de audiência prévia de
conciliação e mediação. Nesse sentido, verifica-se que em três anos, o número de sentenças
64

homologatórias de acordo cresceu 5,6%, passando de 3.680.138 no ano de 2016 para 3.887.226
em 2019.

4.4.1 O aumento da demanda judicial e medidas adotadas quanto ao desenvolvimento e


utilização do online dispute resolution (ODR)

No ano de 2020, a notícia do surgimento do vírus SARS-CoV-2 ganhou destaque,


tendo a Organização Mundial de Saúde (OMS), em janeiro, declarado emergência de saúde
pública de importância internacional (ESPII) (OMS, 2020) e, em março de 2020, que a Covid-
19 havia se tornado uma pandemia (OMS, 2020).
No Brasil, o primeiro ato normativo a fim de alertar a população acerca da emergência
da saúde pública nacional foi a publicação pelo Ministério da Saúde da Portaria nº 188/2020,
em fevereiro de 2020, seguido da Lei nº 13.979/20 e da Portaria nº 356, do Ministério da Saúde,
publicada em março, a qual dispôs, entre outras ações, sobre as medidas para enfrentamento da
pandemia de covid-19.
Tal circunstância, portanto, ensejou a adoção, com urgência, de medidas político-
sanitárias ao redor do mundo, incluindo o Brasil, a fim de conter a disseminação do vírus e
evitar o aumento no número de contaminados, como isolamento, quarentena e distanciamento
social, bem como higienização pessoal e incentivo a adoção de procedimentos de forma virtual,
afetando diretamente o acesso à justiça, em destaque, quanto as atividades desempenhadas pelos
órgãos do Poder Judiciário. Em consequência, houve uma série de alterações em todos os níveis
e áreas no que tange ao cotidiano e o modo de vida das pessoas, interferindo, de igual modo,
no processo de gestão de conflitos.
Desse modo, analisa-se que, em virtude da necessidade enfrentada e de algumas
medidas tomadas, como o estabelecimento de trabalho remoto e a realização de audiências
virtuais, o processo de virtualização do sistema judiciário foi acelerado ainda mais de forma a
buscar a continuidade das funções do Poder Judiciário, assegurando a manutenção do
atendimento à população.
Nesse sentido, a primeira norma editada pelo CNJ no que tange a adoção de
procedimentos em virtude da pandemia foi a Portaria nº 52/2020, de março de 2020, a qual
estabeleceu a possibilidade de trabalho remoto. Em seguida, os tribunais editaram normas
próprias voltadas para regulamentação do trabalho remoto durante a pandemia.
65

Neste ponto, importa destacar que ainda no primeiro semestre de 2020, contabilizou-
se um significativo aumento no número de ingressos judiciais, em especial, quanto às demandas
voltadas para área de saúde, direito de família, direito empresarial, trabalhista e consumerista.
Desse modo, tal circunstância implicou o fenômeno da “judicialização da pandemia”, termo
utilizado para caracterizar, além da sobrecarga preexistente, o abarrotamento do judiciário no
período em virtude do acúmulo dos litígios, evidenciando ainda mais a necessidade de se adotar
normas voltadas para a solução consensual de conflitos.
No que tange as medidas voltadas para uso das tecnologias de informação e
comunicação (TIC), ao desenvolvimento dos métodos adequados de tratamento de conflitos e,
sobretudo, quanto a utilização do online dispute resolution (ODR) pelo Poder Judiciário,
destacam-se (CNJ, 2020): (i) a Resolução 329/2020, que regulamenta e estabelece critérios para
a realização de audiências e outros atos processuais por videoconferência, em processos penais
e de execução penal, durante o estado de calamidade pública, reconhecido pelo Decreto Federal
nº 06/2020, em razão da pandemia mundial por Covid-19; (ii) Portaria nº 61/2020, que institui
a plataforma emergencial de videoconferência para realização de audiências e sessões de
julgamento nos órgãos do Poder Judiciário, no período de isolamento social, decorrente da
pandemia Covid-19; (iii) Recomendação nº 70/2020, que recomenda aos tribunais brasileiros a
regulamentação da forma de atendimento virtual aos advogados, procuradores, defensores
públicos, membros do Ministério Público e da Polícia Judiciária e das partes no exercício do
seu Jus Postulandi (art. 103 do NCPC), no período da pandemia da Covid-19 e (iv)
Recomendação nº 71/2020, que dispõe sobre a criação do Centros Judiciários de Solução de
Conflitos e Cidadania – CEJUSC Empresarial e fomenta o uso de métodos adequados de
tratamento de conflitos de natureza empresarial.
Além disso, destaca-se que a Resolução nº 345, que autoriza os tribunais brasileiros a
adotarem o “Juízo 100% Digital”, com mais de 900 varas judiciais. Tal programa consiste na
possibilidade de o cidadão valer-se da tecnologia para ter acesso à Justiça sem precisar
comparecer fisicamente nos Fóruns, uma vez que, no “Juízo 100% Digital”, todos os atos
processuais serão praticados exclusivamente por meio eletrônico e remoto, pela Internet,
estendendo-se, ainda, às audiências e sessões de julgamento, que vão ocorrer exclusivamente
por videoconferência.
O principal marco no que tange a incorporação do online dispute resolution (ODR) é
a Resolução nº 358/2020, que regulamenta a criação de soluções tecnológicas para a resolução
de conflitos pelo Poder Judiciário por meio da conciliação e mediação.
66

Aprovado na 322ª sessão ordinária do CNJ, em novembro de 2020, o ato foi proposto
pela Comissão de Solução Adequada de Conflitos, tendo sido pensado considerando a lei de
proteção de dados. A norma estabelece que, no prazo de 18 (dezoito meses), os tribunais
deverão disponibilizar sistema informatizado para a resolução de conflitos por meio da
conciliação e mediação (SIREC) (Art. 1º), conferindo liberdade na confecção de projetos que
forem mais adequados a cada região, contudo, sob a coordenação, supervisão e fiscalização do
CNJ (CNJ, 2020).
Ressalta-se, ainda, a edição da Lei nº 13.994/2020, em abril de 2020, a qual trouxe
uma inovação legislativa ao implementar a possibilidade da realização das audiências de
conciliação por meio de videoconferência no Juizado Especial Cível. Dessa forma, deixou de
se fazer necessário o comparecimento presencial a um órgão judiciário, possibilitando a
participação das partes de qualquer lugar no mundo, desde que conectadas à rede a qual permita
a transmissão de áudio e vídeo em tempo real.
Ademais, no que tange a legislação estadual, ressalta-se que, através da Instrução
Normativa Conjunta 01/21, o TJPE regulamentou e padronizou o aplicativo WhatsApp
Business e WhatsApp Messenger, em conjunto com a ferramenta do WhatsApp Web, como
meio de comunicação institucional dando maior segurança aos usuários (PERNANBUCO,
2021).
No que tange a inteligência artificial, insta salientar que, consoante a publicação
“Inteligência Artificial aplicada à gestão dos conflitos no âmbito do Poder Judiciário”,
produzido pela Fundação Getúlio Vargas, por meio do Centro de Inovação, Administração e
Pesquisa do Judiciário (CIAPJ/FGV), em 2020 apurou-se a existência de 72 projetos de
inteligência artificial no âmbito do Poder Judiciário. Entre eles, destacam-se os sistemas (i)
Sócrates 1.0; (ii) O robô Athos, (iii) O robô Hórus; (iv) robô Secor, (BRAGA, 2020).
[...] o Sócrates 1.0, que é desenvolvido no âmbito do Superior Tribunal de
Justiça, que conta com uma assessoria específica de inteligência artificial com
projetos de ponta. O Sócrates 1.0 pode identificar grupos de processos
similares em 100 mil processos, em menos de 15 minutos, bem como os
demais processos que tratam da mesma matéria em um universo de dois
milhões de processos e de oito milhões de peças processuais, que abrangem
todos os processos em tramitação no STJ em mais 4 anos de histórico, em 24
segundos. O robô Athos, criado também pela assessoria de inteligência
artificial do STJ, realizou agrupamento de acórdãos similares, e cerca de 29%
foram incluídos de forma automática; em junho, já foram incluídos 19,42%.
O robô Hórus foi implementado no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e
Territórios, numa Vara de Execução Fiscal, e já realizou a distribuição de
275.000 processos de forma automatizada em menos de 10 segundos para cada
processo. O TRF da 1a Região possui um robô chamado Secor, que realiza a
sistematização de dados a serem enviados para o CNJ. Tal atividade era
67

realizada por cinco servidores em uma semana, e o robô realizou em apenas


29 minutos (SALOMÃO, 2020).

Por fim, destaca-se o Projeto de Lei 21/20 (BRASIL, 2020), em tramitação na Câmara
dos Deputados, o qual cria o marco legal do desenvolvimento e uso da Inteligência Artificial
(IA) pelo poder público, por empresas, entidades diversas e pessoas físicas, estabelecendo
princípios, direitos, deveres e instrumentos de governança para a AI.

4.4.2 Online Dispute Resolution (ODR) como ferramenta de acesso à justiça no Brasil

O desenvolvimento e difusão das tecnologias de informação e comunicação,


principalmente, através da criação da rede de computadores possibilitou o acesso da população
à internet, cuja evolução se deu de forma proporcional à sua utilização. O aumento desse nicho
resultou no surgimento de diversos conflitos consumeristas no âmbito virtual, o que evidenciou
a necessidade de elaboração de medidas atinentes a solução de disputas voltadas para o
comércio eletrônico no campo do ciberespaço.
Frente a essa realidade, no cenário mundial, a Comunicação da Comissão Europeia
sobre a Resolução Extrajudicial de Litígios de Consumo de 1998 formulou um escopo sobre os
desafios que os consumidores enfrentam, tendo reconhecido a existência três maneiras
possíveis de melhorar o acesso à justiça, sendo elas: (i) simplificação e melhoria dos
procedimentos legais, (ii) melhoria da comunicação entre profissionais e consumidores, (iii) e
a utilização de procedimentos extrajudiciais para resolver disputas de consumo.
Destarte, nota-se que os processos alternative dispute resolution (ADR) ganharam
destaque na resolução de disputas durante as últimas décadas. Contudo, verificou-se que tais
métodos necessitavam não apenas de profissionais qualificados, mas também de sistemas que
auxiliassem o atendimento através da identificação das causas dos conflitos e direcionamento
para o meio de tratamento mais adequado, em virtude do aumento no número de demandas.
Dessa forma, a partir da introdução das tecnologias de informação e comunicação ao processo
de gestão de conflitos, a qual permitiu o surgimento do online dispute resolution (ODR),
constata-se que cada vez mais estão sendo desenvolvidas ferramentas online para auxiliar os
profissionais e as partes a solucionarem conflitos da forma mais apropriada, de acordo com as
especificidades das demandas.
68

Nesse contexto, dada as características inerentes aos métodos adequados de tratamento


de conflitos, estes se deslocaram para o campo online, traçando o início do desenvolvimento do
online dispute resolution (ODR). Em virtude dos resultados satisfatórios alcançados na solução
de disputas consumeristas originadas online, o potencial desses mecanismos passou a ser
estudado em outros campos de solução de disputas, principalmente, no que tange a sua
incorporação ao sistema jurídico.
Para tanto, foram criadas diversas plataformas ODR voltadas para a solução
consensual de disputas, sobretudo no campo extrajudicial. As vantagens propiciadas por esses
mecanismos se tornaram um grande fator atrativo para utilização dessas ferramentas, resultando
em um grande nicho de investimento, desde utilização de meios digitais para a realização dos
procedimentos até incorporação da inteligência artificial.
À vista disso, após estudos voltados para sua aplicação no âmbito do ordenamento
jurídico, houve o início das experiências do online dispute resolution (ODR) no âmbito dos
tribunais, razão pela qual esse mecanismo deixou de ser abordado como tão somente a
utilização dos métodos adequados de tratamento de conflitos online, passando a incorporar os
tribunais cibernéticos.
Insta salientar que, consoante Amorim (2017), na América Latina, tendo em vista a
inexistência de estudos consolidados quanto ao desenvolvimento do online dispute resolution
(ODR) na região, a tendência é a implementação desta junto ao alternative dispute resolution
(ADR).
Embora não se possa afirmar de maneira categórica que os meios Alternativos
de Resolução de Controvérsias (ADR) são hoje uma realidade na América
Latina, o cenário que se descortina para o continente é bastante promissor. A
despeito da inexistência de uma literatura mais robusta sobre o tema, a
América Latina nada mais faz senão reproduzir uma tendência mundial de
utilização tantos dos meios Alternativos de Resolução de Litígios (ADR)
quanto, com o advento das novas tecnologias, dos meios de Resolução Online
de Conflitos (ODR) (AMORIM, 2017, p. 527).

No Brasil, a incorporação da política do Fórum de Múltiplas Portas se consagrou após


a edição dos atos normativos, quais sejam, a Resolução nº 125/2010 do CNJ, Novo Código de
Processo Civil de 2015, Lei nº 13.105/2015, e Lei de Mediação Lei nº 13.140/2015, os quais
convergem para busca pelo acesso à justiça, a partir do incentivo à solução consensual de
disputas, dentro e fora dos tribunais
O acesso à justiça é um direito constitucional garantido aos cidadãos, o qual
compreende não apenas o acesso à jurisdição, mas sim, a uma ordem jurídica justa. Ademais,
engloba, ainda, a disposição de meios e mecanismos proporcionados pelo Estado, além da
69

razoável duração do processo e aos litigantes, o contraditório e ampla defesa. Embora tenha
passado por uma recente atualização, culturalmente, a mentalidade voltada para a solução
contenciosa como única forma de solução do conflito ainda é predominante.
Pautado nesse direito, a partir de 2004, com a Emenda Constitucional nº 45, no país,
inicia-se no país um gradual e importante processo de virtualização do poder judiciário,
orquestrado pelo Conselho Nacional de Justiça. Ao longo de mais de 15 anos, foram
implementadas medidas voltadas para garantir o maior controle dos atos relativos à desse poder,
objetivando melhorar os serviços propiciados pelas atividades administrativas e jurisdicionais.
Nesse contexto, um dos principais destaques foi necessidade de adaptação do sistema
judiciário como um todo para que pudesse assegurar a continuidade das atividades
jurisdicionais, circunstância a qual somente foi possível em virtude das medidas voltadas para
a virtualização do poder judiciário realizadas pelo CNJ, desde a sua criação.
A gestão processual e atendimento ao público nos Tribunais de Justiça, ressalta-se que
do total, 27% do acervo ainda é físico, por outro lado, uma parcela significativa dos tribunais
já está atuando com 100% dos processos em andamento na forma eletrônica, de modo que 20%
do acervo tramita no PJe, 19% no SAJ, 9% no ProJud, 7% no E-Proc, 2% no Themis, e 17%
em outros sistemas eletrônicos, tendo sido protocolados, ao longo de 11 anos (2009 - 2020),
131,5 milhões de casos novos em formato eletrônico no Poder Judiciário.
Dessa forma, analisa-se que a adoção das tecnologias de informação e comunicação
foram e estão sendo essenciais na manutenção da prestação jurisdicional, seja pela utilização
eletrônicos portáteis, seja por plataformas de encontros ou mesmo sistemas processuais.
No entanto, nota-se que a busca pela solução litigiosa restou prejudicada, com a
situação de isolamento social pela crise sanitária, sendo que o desenvolvimento dos métodos
adequados de tratamento de conflitos, em virtude das suas características intrínsecas, sobretudo,
em razão de ser operado presencialmente, através de instrumentos offline, também contribuiu
para uma redução de demandas nesse período pandêmico.
Tal contexto político-sanitário exigiu a adoção de medidas voltadas para a realização
processos litigiosos e dos métodos adequados de tratamento de conflitos, permitindo, assim,
um cenário favorável para o desenvolvimento do online dispute resolution (ODR) no âmbito
do sistema jurídico brasileiro, como forma de assegurar o acesso à uma ordem jurídica justa.
Destaca-se também que a tecnologia, nessa forma de resolução de litígios,
funciona como peça essencial, pois através dos seus meios as partes poderão
se comunicar de forma assíncrona ou síncrona, pela utilização de chats de
texto, de voz, ou de vídeo, bem como o envio de documentos, dentre inúmeras
formas de compartilhamento de informações. Essas plataformas apresentam
bons espaços de interatividade entre as partes litigantes e um conciliador,
70

mediador ou árbitro. Ainda é necessário salientar que, embora nessas


plataformas exista algum terceiro humano para realizar a facilitação da
negociação, a mediação ou a decisão, já se discute a possibilidade dessas
plataformas serem totalmente automatizadas com o uso de IA (DE OLIVEIRA
FORNASIER; SCHWEDE, 2021, p. 592).

Entre os dispositivos legais quanto ao início da implementação do modelo online


dispute resolution (ODR), estão a Resolução 329/2020, Portaria nº 61/2020; Recomendação nº
70/2020, Recomendação nº 71/2020, Lei nº 13.994/2020, Instrução Normativa Conjunta
01/21/TJPE, destacando-se a Resolução nº 345 e sobretudo, Resolução nº 358/2020, que trata
da incorporação do online dispute resolution (ODR) no âmbito do Poder Judiciário.
Entretanto, assevera-se que para o sucesso desse sistema, a implementação das
tecnologias de informação e comunicação devem ser acompanhas de políticas voltadas para a
inclusão digital, tendo em vista que o mero fornecimento de equipamentos, por si só, não
implica a garantia do acesso às ferramentas disponibilizadas, considerando, ainda, os desafios
culturais, de infraestrutura e regulatórios apresentados pelo país, os quais devem ser também
superados.
Ademais, o desenvolvimento do online dispute resolution (ODR) baseado em tribunais
poderia apresentar diversas vantagens. Entre elas estão um modelo de financiamento ideal no
que diz respeito à independência frente às partes e à viabilidade financeira de recursos, a maior
percepção quanto ao sentimento de confiança pelas partes do que nos procedimentos privados,
além disso, por essa via, a aplicabilidade dos acordos é mais facilitada, de modo que a previsão
de um sistema judicial online configura um importante mecanismo de acesso à justiça,
principalmente, sob a perspectiva de que se trata de uma questão de disponibilidade. Ou seja,
diz respeito a uma escolha a qual deve ser conferida aos cidadãos no que tange fazer a opção
de acesso à justiça tanto pela forma offline quanto online por meio dos tribunais cibernéticos.
Além disso, verifica-se que, em geral, no contexto da América Latina, ressaltando-se
o Brasil, os sistemas Online Dispute Resolution (ADR) visam transportar os tradicionais
métodos adequados de tratamento de conflitos do meio offline para o meio online, através da
utilização das tecnologias de informação e comunicação, razão pela qual o desenvolvimento da
inteligência artificial aplicada às disputas, no cenário atual, está relacionado desempenho de
atividades auxiliares na administração dos processos, distante (por enquanto) da atuação da
“quarta parte” como centro no processo de planejamento e tomada de decisões.
Portanto, é possível verificar que online dispute resolution (ODR) está diretamente
relacionado a virtualização do Poder Judiciário, ante a necessidade de ferramentas propiciadas
pelas tecnologias de informação e comunicação, desde a utilização de instrumentos e
71

mecanismos auxiliares na solução do conflito, quanto ao desenvolvimento de sistemas


inteligentes, tendo em vista que, mesmo quando o ODR não é empregado como meio de
resolução de conflitos, ele pode inspirar mudanças na concepção de meios tradicionais de
resolução de disputas (RABINOVICH-EINY, 2009).
Por outro lado, ante a profunda crise ultrapassada pelo sistema judicial brasileiro e sua
estrutura, mostrando-se incapaz de responder integralmente e satisfatoriamente às demandas
que lhe são postas, somado a pandemia da COVID-19 e a necessidade de conter a disseminação
do vírus por meio da adoção de medidas de isolamento social, o desenvolvimento e utilização
online dispute resolution (ODR) tornaram-se imprescindíveis para que o Estado continuasse a
assegurar o acesso à justiça, atuando como uma importante ferramenta (ainda em
desenvolvimento) na garantia a uma ordem jurídica justa.

4.4.3 Análise da aplicação da solução de litígios pela plataforma do consumidor

A plataforma consumidor.gov.br foi desenvolvida para realizar uma ponte de diálogos


entre consumidores e empresas com intuito de solucionar conflitos de consumo por meio da
internet, controlado pelos órgãos de defesa do consumidor e também Secretaria Nacional do
Consumidor do Ministério da Justiça (SENACON).
Nesse sentido, além de facilitar o acesso e reduzir distâncias para discussão e resolução
dos conflitos, tem-se como modo inovador de lidar com as disputas:
A expansão de meios on-line para resolver controvérsias de consumo busca
sobretudo encontrar formas inovadoras de lidar com disputas que, de outra
forma, permaneceriam sem solução devido aos altos custos do litígio, aos
desafios transfronteiriços ligados ao conflito de leis e à exigência de presença
física em certos mecanismos; embora todos reconheçam que os meios on-line
para consumidores devam ser facilmente acessíveis, amigáveis e econômicos,
a tarefa de atribuir-lhes tais características não é fácil principalmente em
disputas transfronteiriças, onde novos desafios afetam o paradigma da
resolução on-line de disputas (TARTUCE, 2020,P. 185).

Com fundamento no Decreto 8.573/2015, trata-se de um “sistema alternativo de


solução de conflitos de consumo, de natureza gratuita e alcance nacional” para estimular de
modo autocompositivo a solução de conflitos entre consumidores e fornecedores. E instituída
pela Portaria 1.184/2014, a plataforma consumidor.gov.br é uma ferramenta tecnológica de
72

informação, interação e compartilhamento de dados, devidamente monitorada pelos órgãos de


fiscalização de controle dos direitos do consumidor.
É um ambiente virtual onde consumidor e fornecedor fazem contato direto, há um
preenchimento de termo de compromisso realizado pelas empresas para responderem as
demandas num prazo específico e buscar solucionar as demandas de consumo reclamadas na
plataforma e também de melhorar a prestação dos serviços. Resultado de uma política pública
para a defesa do consumidor e que presta auxílio com informações que subsidiarão processos
decisórios na temática consumerista, auxiliando na mitigação e resolução de conflitos nessa
seara (SOUSA, 2014, p.14).
Além de ferramenta de solução de litígio, promove transparência e possibilita melhor
controle social, com destaque estratégico para os consumidores ao acessar as informações
disponibilizadas que contribuem para a escolha dos cidadãos ao escolher um bem ou serviço. É
um serviço público e gratuito, disponibilizado a todos e devidamente controlado pelo Ministério
da Justiça, por meio da SENACON (ULISSES, 2021, p.97).
Para a utilização da plataforma é necessário apenas efetuar o cadastro para registrar as
reclamações, as empresas também cadastradas ao receber a demanda têm o prazo de dez dias
para que então apresentem a sua manifestação, nesse interregno a empresa pode interagir com
o consumidor antes de protocolar a resposta final, após o envio da resposta o consumidor pode
comentar a resposta recebida e classificar se a demanda foi resolvida ou não e indicar o grau de
satisfação do atendimento resolvido.
No primeiro semestre de 2022, pode-se observar os seguintes dados:
Figura 1 - Reclamações resolvidas 2022-1
73

Fonte: elaborado a partir do banco de dados https://www.consumidor.gov.br/pages/dadosabertos/externo/

No primeiro semestre de 2022 totalizaram 720.362 demandas submetidas na


plataforma, sendo que dessas demandas, apenas 185.595 foram classificadas como
“resolvidas”, indicando um percentual de 25,76% apenas do total das reclamações, nota-se que
embora representar ¼ da solução atingida, a avaliação dos consumidores, o grau de satisfação
dos que conseguiram solucionar a sua demanda é alto, representando 73% que classificaram
com índice 4 e 5 de satisfação de um universo de 1 a 5.
Observando os últimos cinco anos 2017-2021, com dados consolidados, considerando
que se inicia o segundo semestre de 2022, foi possível constar um aumento na procura pela
solução das demandas pela plataforma do consumidor, seja pelo nível de satisfação dos que já
conseguiram solucionar suas demandas, seja pela adesão e fomento pelas instituições, conforme
se observa no gráfico a seguir:
Figura 2 - Demandas na Plataforma Consumidor.gov.br

Fonte: elaborado a partir do banco de dados https://www.consumidor.gov.br/pages/dadosabertos/externo/

Gradativamente nos últimos cinco anos, foi sendo incrementada a adesão por parte das
empresas se credenciando, bem como dos consumidores buscando cadastrar suas reclamações,
fomentado também por algumas imposições institucionais que determinaram o cadastramento
de algumas empresas específicas e também com as adesões seguidas pelos direcionamentos do
Conselho Nacional de Justiça, aumentando ainda mais, após a pandemia de Covid-19.
74

Observou-se também, um comportamento perene no ano de 2021, ao analisar os dados


consolidados e disponíveis entre as demandas de reclamações cadastradas e a sua resolução,
conforme se observa na demonstração a seguir:

Figura 3 - Reclamações x Resoluções

Fonte: elaborado a partir do banco de dados https://www.consumidor.gov.br/pages/dadosabertos/externo/


Destaca-se que o mesmo comportamento dos dados de 2021, repetem-se no primeiro
semestre de 2022 também analisado pelo quantitativo de demandas cadastradas e o número de
demandas resolvidas, o que gera uma média de aproximadamente 25% (vinte e cinco por cento)
das resoluções das demandas na plataforma.
No entanto, considerando que não há parâmetros fixos, que definam o que é uma
demanda solucionada de fato, o que representaria a satisfação da reclamação, por vezes por
falta de orientação ou esclarecimento do consumidor demandante, que tem autonomia de fazer
o próprio registro em demanda finalizada, solucionada. Os dados dessa estatística de demanda
resolvida, pode não representar a realidade da solução dos conflitos.
Sendo assim, um ponto a ser considerado, a falta de definição ou abertura para
preenchimento de campos mais específicos que possam identificar se a reclamação atingiu o
objetivo de solução do conflito.
A plataforma oportuniza um painel estatístico que permite observar o desempenho das
demandas e seus desdobramentos, conforme segue.
75

Figura 4 - Painel Estatístico - consumidor.gov.br

Fonte: CONSUMIDOR.GOV.BR (Brasil). Ministério da Justiça e Segurança Pública. Painel Estatístico.


Disponível em: https://www.consumidor.gov.br/pages/conteudo/publico/62 Acesso em: 08/07/2022

Os dados permitem verificar por ano a maior frequência por segmento, quais os
assuntos com mais reclamações, os tipos de problema com maior incidência, até mesmo o
gênero dos consumidores e nos últimos cinco anos foram do sexo masculino os que mais
procuraram ofertar demandas, a faixa etária e demais assuntos disponibilizados no painel
interativo.
Os conflitos tratados na plataforma têm a dinâmica de ser um caminho facilitador para
o processo de comunicação entre consumidores e fornecedores, em razão de haver determinada
insatisfação na relação de consumo entre as partes, sendo assim um vetor que oferta às partes
um ambiente virtual de negociação entre as partes, sem interferir ou direcionar alguma
intermediação do conflito, configurando assim a autocomposição entre partes. Trata -se de um
espaço público para realização de negociações privadas (BELEN,2021 p.52).
Destaca-se que a plataforma consumidor.gov.br tem sido amplamente utilizada pelos
Procons, bem como pelos CEJUSCs e NUPEMECs nos Tribunais de Justiça de modo inserido
no sistema de Processos Judiciais Eletrônicos (PJEs), no momento da apresentação da
reclamação, sendo uma ferramenta utilizada para a solução do litígio.
Pelos números expressivos que tem demonstrado nas reclamações registradas, pode se
considerar a plataforma consumidor.gov.br um agente militante na promoção da cultura do
consenso, fomentando a autonomia das partes na solução de conflitos.
76

Em contrapartida, com o fornecimento de dados pela política de transparência pública,


oportuniza informações pelos bancos de dados, um ranqueamento pelo índice de satisfação, o
que gera um diferencial competitivo de mercado para as empresas envolvidas, o que influencia
um consumidor a contratar a empresa bem classificada.
Ressalta-se ainda que a plataforma é um instrumento oficial da administração pública,
com cadastro voluntário de empresas e consumidores, destinada a administrar conflitos
consumeristas por meio da negociação direta entre as partes demandantes. Assim, não se trata
de uma “via paralela” para solução de litígios, mas uma ferramenta a mais disponibilizada para
atender o consumidor em sua demanda, que para se garantir o total acesso à justiça pode ser
auxiliado por todo o aparato institucional desde dos PROCONS, Defensoria Pública, Advocacia
Pública e Popular, Núcleos de Prática Jurídica das Instituições de Ensino, escritórios de
advocacia e demais atores, considerando que grande parte da população não possui acesso à
internet e equipamentos eletrônicos para utilização da plataforma, bem como alguns não
conseguem compreender a dimensão de seus direitos enquanto consumidores e como elaborar
a reclamação a contento, para a satisfação plena de sua demanda.
Há que se considerar a possibilidade de ampliação de postos de atendimentos ao
consumidor, seja em espaços municipais ou centros comunitários, que disponibilizariam
equipamentos e orientações para que os consumidores pudessem apresentar suas demandas e
reclamações, com o intuito de contribuir para a evolução da administração dos conflitos,
ofertando maior autonomia para o cidadão comum praticar o diálogo e consenso.
77

5 CONCLUSÃO

O desenvolvimento dessa pesquisa permitiu traçar aspectos relevantes do panorama


do online dispute resolution (ODR) no contexto internacional, bem como possibilitou a
demonstração dos principais elementos que compõem o quadro desse mecanismo no cenário
nacional. Entretanto, observou-se que a ausência de uma regulamentação voltada para o âmbito
da américa latina, sobretudo, no que tange a uma teoria pensada para o Brasil, obsta uma análise
mais profunda acerca do desempenho dessa ferramenta no país.
O presente estudo teve como objeto a aplicação das tecnologias de informação e
comunicação ao processo de gestão de conflitos, sobretudo, do online dispute resolution (ODR)
como ferramenta de acesso à justiça e a utilização da plataforma consumidor.gov.br e pode se
verificar que há plena utilização, fomentada pelas instituições para que seja utilizada e os dados
demonstram um grau de satisfação pelos usuários.
O sistema judiciário como um todo vem enfrentado uma crise que se acentuou nos
últimos anos. A sobrecarga do sistema judicial, considerando ainda problemas como a
morosidade, complexidade e insatisfação, é resultado do aumento do número de demandas,
ocasionado tanto pela acessibilidade quanto pela da cultura sentença e do litígio, a partir da
mentalidade de que soluções somente podem ser obtidas através da ação judicial.
A utilização de métodos adequados de tratamento de conflitos começou a ganhar forma
ainda na década de 70, principalmente, nos Estados Unidos da América, com o surgimento do
Fórum de Múltiplas Portas. A partir da sua sistematização, iniciou-se a utilização e exploração
de soluções consensuais de demandas dentro e fora dos tribunais. Ao mesmo tempo, houve o
impulsionamento da tecnologia, ante a revolução tecnológica, sobretudo, com o
desenvolvimento da rede de computadores, os quais passaram a ser introduzidos no processo
de gestão de conflitos.
Tal cenário propiciou o surgimento de uma grande demanda voltada para a resolução
de disputas no campo do comércio eletrônico, dando origem ao online dispute resolution
(ODR). O êxito observado na resolução de disputas online chamou a atenção quanto ao
potencial dessa ferramenta em outros campos, sobretudo, no âmbito do sistema judiciário, razão
pela qual passou-se a desenvolver mecanismos próprios voltados para solução de litígios no
âmbito dos tribunais.
A crise sanitária ocasionada pela pandemia da Covid-19 ensejou a adoção de políticas
preventivas voltadas para o isolamento e distanciamento social, tornando-se necessária a
78

adequação do Poder judiciário a essa nova realidade, a partir de medidas que garantissem, ao
mesmo tempo, a preservação da saúde da população e o acesso à justiça, por meio da
manutenção das atividades desempenhadas.
No Brasil, esse contexto possibilitou a aceleração do processo de virtualização do
sistema judiciário, cenário o qual apresentou um grande potencial de extensão dos métodos
adequados de tratamento de conflitos, no âmbito online, em função do desenvolvimento e
utilização do online dispute resolution (ODR).
A metodologia utilizada na pesquisa teve como finalidade o cunho teórico, tendo sido
adotado o método de abordagem indutivo. Além disso, utilizou-se o procedimento de coleta de
dados bibliográfico-documental, através da abordagem de análise de conteúdo.
O primeiro objetivo foi cumprido, uma vez que no primeiro capítulo descreveu-se
acerca da introdução a utilização de tecnologias aplicadas ao processo de gestão de conflitos e
sobre a política do fórum múltiplas portas como mecanismo de acesso à justiça, trazendo-se os
conceitos dos termos “multidoor courthouse system”, “alternative dispute resolution” (ADR) e
“information and communication technology” (ICT).
O segundo objetivo foi atingido, tendo em vista que no segundo capítulo foram
explicados a origem, a evolução, o conceito do online dispute resolution (ODR), além de ter
sido tratado acerca da relação entre os métodos adequados de tratamento de conflitos e o online
dispute resolution (ODR), incluindo a sua abrangência aos tribunais e ampliação ao campo da
inteligência artificial, indicando-se, ainda, os aspectos relevantes dos principais métodos
adequados de resolução de conflitos desenvolvidos em plataformas online (ODR).
O terceiro objetivo foi alcançado, considerando que no terceiro capítulo examinou-se
a relação do online dispute resolution (ODR) com o direito fundamental do acesso à justiça no
Brasil, por meio da incorporação do fórum múltiplas portas e das políticas voltadas para a
virtualização do poder judiciário. Além disso, foram apresentados os conceitos de “acesso à
justiça”, “cultura do litígio e da sentença” e “cultura da pacificação”. Ademais, elencou-se os
desafios da utilização dessa ferramenta no país e as principais medidas adotadas no âmbito dos
tribunais quanto ao desenvolvimento de métodos adequados de tratamento de conflitos e
utilização do online dispute resolution (ODR).
O objetivo principal foi completado, tendo em vista que ao longo do trabalho, analisou-
se o uso do online dispute resolution (ODR) como ferramenta de acesso à justiça, evidenciando
o papel e atuação dos tribunais nos últimos cinco anos, bem como os desdobramentos e
utilização da Plataforma consumidor.gov.br.
79

Ao longo da última década, inúmeras foram as medidas adotadas no âmbito dos


tribunais, sobretudo de iniciativa do CNJ, com o objetivo de garantir a incrementação das
tecnologias de informação e comunicação no âmbito do Poder Judiciário, colaborando para a
sua virtualização em todos os sentidos, desde procedimentos administrativos à judiciais,
garantindo maior agilidade, diminuição de custos e facilidade de acesso.
Entre os resultados obtidos, destacam-se: (i) a ampliação da utilização dos métodos
adequados de tratamento de conflitos, bem como a disseminação do uso do online dispute
resolution (ODR), a partir da difusão das tecnologias de informação e comunicação e uso das
redes de comunicação; (ii) a atualização do conceito de acesso à justiça integrada ao
ordenamento jurídico brasileiro e ruptura com a cultura da sentença e do litígio, a qual está
sendo gradualmente substituída pela cultura da pacificação, tendo em vista o aumento, ainda
que pouco expressivo, na resolução de conflitos através de soluções consensuais; (iii) o quadro
favorável à expansão do online dispute resolution (ODR), tendo em vista a intensificação da
virtualização do poder judiciário, sobretudo, no período da pandemia, caminhando-se para o
enfretamento de obstáculos culturais, de infraestrutura e regulatórios; (iv) ao desenvolvimento
de projetos relacionados a utilização da inteligência artificial ao processo, em meio a pandemia
da Covid-19 (v) o início incorporação do online dispute resolution (ODR) e criação de medidas
regulatórias, tanto no setor público quanto privado no Brasil, dentro e fora dos tribunais, como
medida de acesso à justiça.
Ao término da pesquisa, obteve-se como resposta que o online dispute resolution (ODR)
além de funcionar como um eficiente mecanismo de solução de litígios, atua como uma
significativa e importante ferramenta para o acesso à justiça, com análise dos desdobramentos
da plataforma consumidor.gov.br, como ferramenta de utilização do ODR, no exercício da
negociação entre partes envolvidas em um meio virtual público, para realização das demandas
privadas entre consumidor e fornecedor.
O presente trabalho poderá contribuir para campo da aplicação da tecnologia de
informação e comunicação ao processo de gestão de conflitos, no que tange ao desenvolvimento
e utilização do online dispute resolution (ODR) pelo poder público, no Brasil, sobretudo, no
âmbito dos tribunais brasileiros, diante dos benefícios apresentadas por esse método como uma
ferramenta de acesso à ordem jurídica justa.
Na opinião desta autora, ressalta-se que o uso das tecnologias de informação e
comunicação estão se tornando cada vez mais indispensáveis, de forma que, ao inseri-las no
campo da gestão dos conflitos, apresentam resultados otimistas no que tange a ampliação de
acesso à justiça, em especial nas relações de consumo, posto que os números de reclamações
80

realizadas por meio da plataforma apresentam um número considerável de demandas, bem


como o índice de satisfação dos envolvidos é relevante.
A análise da plataforma consumidor.gov.br concluiu que são possíveis gerar tanto a
promoção da gestão dos conflitos das relações de consumo por meio do online dispute
resolution (ODR), quanto também fornece dados dessas demandas e seus desdobramentos.
Também foi possível identificar a plataforma do consumidor como um militante na promoção
da cultura do consenso, sendo uma ferramenta pública que fomenta o diálogo, concedendo
poder de negociação entre as partes para que formem consenso do que é mais adequado para o
tratamento dos conflitos da relação de consumo.
Destarte, considera-se uma importante ferramenta para redução de demandas
judicializadas nos tribunais e promove a cultura do consenso, embora ainda carecer de certas
adequações e melhores capacitações dos consumidores e maior integração entre os demais
sistemas institucionais, o que possibilitaria sua ampliação e disseminação como relevante
mecanismo voltado para a pacificação social.
Por fim, considerando o cenário brasileiro atual, recomenda-se para pesquisas futuras
a análise e viabilidade do desenvolvimento do online dispute resolution (ODR) aliado à
inteligência artificial, quanto a atuação da máquina como centro nos processos de planejamento
e tomada de decisões, nas demais especialidades da atuação jurisdicional, com a criação de
tribunais cibernéticos, bem como a implementação mecanismos e sistemas nacionais ou mesmo
de parcerias firmadas entre o setor público e privado na melhoria da prestação dos serviços
oferecidos pelo Poder Judiciário, sobretudo, no campo dos tribunais.
81

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