Junia Marise Matos Sousa

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA


NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

JÚNIA MARISE MATOS DE SOUSA

DO ACAMPAMENTO AO ASSENTAMENTO: UMA ANÁLISE DA


REFORMA AGRÁRIA E QUALIDADE DE VIDA EM SERGIPE

SÃO CRISTÓVÃO – SERGIPE


2009
JÚNIA MARISE MATOS DE SOUSA

DO ACAMPAMENTO AO ASSENTAMENTO: UMA ANÁLISE DA


REFORMA AGRÁRIA E QUALIDADE DE VIDA EM SERGIPE

Tese apresentada à Universidade Federal de Sergipe,


como parte das exigências do Núcleo de Pós-
Graduação em Geografia, para obtenção do título de
Doctor Scientiae em Geografia.

Área de Concentração: Organização dos Espaços


Agrário e Regional.

Orientador: Prof. Dr. Celso Donizete Locatel.

SÃO CRISTÓVÃO – SERGIPE


2009
ii
Ao Mestre Jesus, presença de amor incondicional em todos os momentos da vida.

Aos meus pais, Marisa e Alberto, que sempre acreditaram no meu potencial e incentivaram
minhas lutas.

Ao meu grande amor, Bruno, exemplo de paciência, companheirismo, pai-mãe e


colaborador incansável para a construção deste trabalho.

Ao meu filho Gabriel, pela existência abençoada.

À minha filha Joana, presente Divino que


veio alegrar nossos dias.

Dedico.

iii
AGRADECIMENTOS

À Universidade Federal de Sergipe (UFS), pela oportunidade de ampliar meus


conhecimentos.
Ao Programa de Pós-Graduação em Economia Doméstica da Universidade Federal de
Viçosa, pela concessão do Estágio de Intercâmbio.
À CAPES, pela concessão da bolsa de estudo.
Ao professor Celso Donizete Locatel, pela orientação, pela amizade e pelo
compartilhamento em todos os momentos desta pesquisa. Acima de tudo, por ter acreditado no
meu potencial, do início ao fim deste trabalho.
Às professoras Maria Geralda e Alexandrina Luz, por aguçarem o “olhar geográfico”.
Aos membros da Banca Examinadora, prof. Francisco Fransoaldo de Azevedo, profa
Mônica Cristina Silva Santana, profa Maria das Dores S. Loreto e prof. José Eloísio da Costa, pela
atenção dedicada à leitura deste trabalho e por suas contribuições.
Aos professores Genésio Tâmara , Mário Jorge, Juninho, Laura, Givaldo, Pedro e demais
dos Núcleos de Engenharia Florestal e Agronomia da Universidade Federal de Sergipe, pela
convivência e amizade de sempre.
À amiga Márcia Fontes (UFV), que, mesmo sem saber, foi de fundamental importância
para a conclusão deste trabalho.
Às famílias acampadas e assentadas em Sergipe, por partilharem suas histórias e
auxiliarem no desvelar da realidade agrária de Sergipe.
À Superintendência do INCRA de Sergipe, nas pessoas do sr. Jorge Tadeu Jatobá,
Leonardo Góes, Nelson Moura e Gilmar Rosa, por possibilitarem, através da parceria, a
realização do trabalho de campo.
Aos queridos amigos da Câmara Técnica, Rui, Emanuel, Helvécio, Cirano, Ricardo, Luiz
Carlos, André Bonfim, Dalmo, Geraldo e Ronaldo, pela partilha de conhecimentos sobre a
realidade agrária de Sergipe e pela amizade e atenção dispensadas.
Aos motoristas, Givaldo, “o Poeta”; Jorge Alves, o “Radiola”; Ailton; Elmo; e Jorge Cruz,
pela disposição em auxiliar na pesquisa exaustiva de campo.
Aos amigos do COEP/UFS, Celso, Núbia, Alvanira, Adriana, Regimarie, Josivaldo e
demais integrantes, pela viabilização da primeira etapa desta pesquisa na região do Sertão.
Aos estudantes dos cursos de Engenharia Florestal, Agronomia, Serviço Social e Direito
da UFS, que na condição de meus alunos contribuíram efetivamente para a realização deste

iv
trabalho, seja com as dúvidas e inquietações apresentadas ou com a preciosa colaboração para a
pesquisa de campo.
Às minhas amigas, Letícia, Verônica, Acácia, D. Alda, D. Socorro, Alessandra, Claudinha,
Rosa, Dilmaria, Regina e Márcia, por sempre incentivarem a minha caminhada , pelos bons
momentos e pela amizade sincera.
Ao Instituto de Cultura Espírita, pelos momentos de paz, pelo incentivo e pela
perseverança na caminhada.
Aos meus pais, pelo apoio certo nas horas incertas e pela oportunidade do estudo.
Às minhas irmãs, Gisele e Gláucia, e às minhas sobrinhas, Phlypolla e Luana, por
viabilizarem a minha ausência durante a pesquisa de campo.
Ao meu companheiro, Bruno, por todo o apoio técnico para a realização desta tese e,
sobretudo, pelo amor, pelo carinho, pela compreensão e pela dedicação.
Aos meus filhos, Gabriel e Joana , pela existência e pelo incentivo diário para a caminhada.
A todos aqueles cujos nomes não mencionei, por esquecimento repentino, mas que, de
alguma forma, passaram pela minha vida neste período e deixaram suas marcas. Meu muito
obrigado por tudo.

v
BIOGRAFIA

JÚNIA MARISE MATOS DE SOUSA, filha de Alberto Mendes de Sousa e de


Antônia Marisa Matos de Sousa, nasceu em 9 de janeiro de 1975, na cidade de Januária, Estado
de Minas Gerais.
Em 1994, ingressou no Curso de Economia Doméstica da Universidade Federal de
Viçosa (UFV), onde se dedicou a estágios nas diversas áreas de atuação do Curso, tendo
concluído o bacharelado e a licenciatura em março de 1999.
No mesmo ano, iniciou suas atividades profissionais no município de Carauari, AM,
exercendo a função de Coordenadora de Programas Sociais, da Secretaria Municipal de
Assistência Social daquele município.
Em abril de 2001, ingressou no Programa de Pós-Graduação, em nível de Mestrado, em
Economia Familiar da UFV, concluindo-o em abril de 2003. O projeto de pesquisa intitulado
“Descontinuidade nas políticas públicas: o caso do Programa Criança Cidadã/Cunhantã &
Curumim” analisou a criação e extinção do Programa e seus impactos sobre as famílias atendidas.
Em 2004, iniciou suas atividades profissionais como Consultora Técnica da ONG
Ambiente Brasil Centro de Estudos, em Viçosa, MG, onde exerceu atividades de elaboração de
projetos, captação de recursos, implementação e coordenação de projetos de educação ambiental
e similares.
Em 2005, foi aprovada , em concurso público, para o cargo de Extensionista da
EMATER-MG, optando pelo não ingresso na referida empresa.
Em setembro de 2006, foi aprovada, em concurso público, para atuar como professora
substituta do Departamento de Engenharia Agronômica da Universidade Federal de Sergipe,
ingressando na atividade de docência com as disciplinas “Fundamentos de Sociologia Rural”,
“Sociologia e Extensão Rural” e “Movimentos Sociais no Campo”.
Em 2007, ingressou no Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFS, em nível de
Doutorado, com projeto de pesquisa intitulado “A reorganização do espaço agrário e a qualidade
de vida nos assentamentos de reforma agrária em Sergipe”, que analisa a questão agrária e a
política de reforma agrária implantada sob o recorte da qualidade de vida.

vi
SUMÁRIO

Página

LISTA DE FIGURAS ...................................................................................................... xi


LISTA DE TABELAS...................................................................................................... xv
LISTA DE QUADROS .................................................................................................... xvii
LISTA DE ABREVIATURAS.......................................................................................... xviii
RESUMO ......................................................................................................................... xx
ABSTRACT...................................................................................................................... xxi
RESUMEN....................................................................................................................... xxii
1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 1
2. OS CAMINHOS DA PESQUISA ................................................................................ 7

2.1. Reforma Agrária, Família e Qualidade de Vida: a Motivação para a Pesquisa em


Geografia Agrária ................................................................................................... 7
2.2. O Delineamento da Proposta Metodológica para a Pesquisa................................... 8
2.3. Estado da Arte: um Recorte.................................................................................... 9
2.4. A Seleção dos Assentamentos e Acampamentos..................................................... 10
2.5. A População e a Amostra Selecionada para a Pesquisa............................................ 11
2.6. Os Instrumentos para a Coleta dos Dados.............................................................. 14

2.6.1. A Aproximação da Realidade ............................................................................ 14


2.6.2. Os Dados Secundários...................................................................................... 14
2.6.3. Os Dados Primários.......................................................................................... 15
2.6.4. Os Dados Complementares .............................................................................. 22

2.7. Os Instrumentos para a Análise dos Dados ............................................................ 23

3. A QUESTÃO AGRÁRIA BRASILEIRA DA ORIGEM À


ATUALIDADE: UMA ANÁLISE DOS VELHOS E NOVOS
DILEMAS ................................................................................................................. 25

3.1. Os Aspectos Históricos da Origem do Latifúndio e da Propriedade Camponesa .... 25


3.2. Os Debates Clássicos da Questão Agrária (Década de 1960)................................... 31

3.2.1. As Contribuições de Alberto Passos Guimarães................................................ 32


3.2.2. As Teses de Caio Prado Júnior.......................................................................... 33
3.2.3. As Ideias de Ignácio Rangel .............................................................................. 36
3.3. Os Debates da Questão Agrária na Década de 1980 ............................................ 38

3.4. Os Debates Recentes Sobre a Questão Agrária e a Reforma Agrária no Brasil ........ 43

4. UM OLHAR SOBRE A POLÍTICA NACIONAL DE REFORMA


AGRÁRIA E SUA TERRITORIALIZAÇÃO NO ESTADO DE SERGIPE... 52

4.1. A Política de Reforma Agrária no Brasil.................................................................. 52

vii
Página

4.1.1. A Origem e os Desdobramentos do Debate Sobre a Reforma Agrária: Da Lei


de Terras (1850) à Ditadura Militar (1964) ........................................................ 52
4.1.2. A Reforma Agrária na Ditadura Militar (1964-1984).......................................... 57
4.1.3. A Reforma Agrária no Governo Sarney (1985-1989)......................................... 61
4.1.4. A Reforma Agrária no Governo Collor e Itamar Franco (1990-1994) ............... 64
4.1.5. A Reforma Agrária no Governo FHC (1995-1998 e 1999-2002) ....................... 69
4.1.6. A Reforma Agrária no Governo Lula (2003-2006 e 2007-2009) ........................ 74

4.2. A Política de Reforma Agrária em Sergipe e seus Impactos na Estrutura Fundiária. 82

4.2.1. A Política de Reforma Agrária em Sergipe......................................................... 82


4.2.2. A Política Nacional de Reforma Agrária em Sergipe e seus Reflexos na
Estrutura Fundiária........................................................................................... 93

5. A DEMANDA POR TERRA EM SERGIPE: SUA CARACTERIZAÇÃO


E ESPACIALIZAÇÃO .......................................................................................... 105
5.1. A Luta pela Terra em Sergipe.................................................................................. 105
5.2. Um olhar Sobre os Acampamentos......................................................................... 112
5.3. O Retrato dos Acampamentos: os Lugares da Sobrevivência e Resistência da Luta
pela Terra................................................................................................................ 117

5.3.1. Breve Caracterização do Acampamento Amigos para Sempre........................... 118


5.3.2. O Acampamento D. José Brandão de Castro .................................................... 120
5.3.3. O Acampamento Mochila................................................................................. 121
5.3.4. Acampamentos: os Lugares da Sobrevivência e Resistência na Luta pela Terra 123

5.4. Caracterização das Famílias Acampadas.................................................................. 140

5.4.1. O Perfil das Famílias Acampadas ...................................................................... 140


5.4.2. A Origem das Famílias Acampadas ................................................................... 143
5.4.3. Reforma Agrária e Perspectivas: Qualidade de Vida, Sonho ou Realidade?........ 149

5.5. Os Beneficiários da Reforma Agrária ...................................................................... 155


5.6. A Real Demanda por Terra em Sergipe: Quantificar ou Qualificar? ........................ 162

6. UM OLHAR SOBRE OS ASSENTAMENTOS DE REFORMA


AGRÁRIA EM SERGIPE........................................................................................ 174

6.1. A Realidade dos Assentamentos Rurais................................................................... 174

6.1.1. Os Assentamentos Rurais e suas Territorialidades............................................. 175


6.1.2. Os assentamentos Pesquisados e o Contexto da Pesquisa ................................. 180

6.1.2.1. As Regiões e os Assentamentos.................................................................... 181

6.1.3. O Perfil e Composição das Famílias Assentadas................................................ 184

viii
Página

6.1.3.1. O Perfil e a Composição das Famílias Assentadas da Mesorregião Agreste... 186


6.1.3.2. O Perfil e Composição das Famílias Assentadas na Mesorregião Sertão ....... 189
6.1.3.3. O Perfil e a Composição das Famílias Assentadas da Mesorregião Leste ...... 191

6.2. A Origem das Famílias Assentadas ......................................................................... 194


6.3. O Retrato dos Assentamentos na Concepção dos Assentados ................................ 196

6.3.1. A Preparação das Oficinas Diagnósticas de DRPE ............................................. 197


6.3.2. O Retrato dos Assentamentos no Sertão Sergipano .......................................... 199
6.3.3. O Retrato dos Assentamentos no Agreste Sergipano ........................................ 204
6.3.4. O Retrato dos Assentamentos no Leste Sergipano ............................................ 208

7. A QUALIDADE DE VIDA EM ASSENTAMENTOS RURAIS SERGIPANOS:


CONCEPÇÕES E REFLEXÕES ................................................................................ 215

7.1. Conceituações e Proposições sobre Qualidade de Vida ........................................... 215


7.2. Qualidade de Vida: Uma Base Teórica .................................................................... 221

7.2.1. Indicadores e Parâmetros da Qualidade de Vida................................................ 222


7.2.2. Estudos sobre Qualidade de Vida em Assentamentos Rurais ............................ 227

7.3. Domínio da Qualidade de Vida nos Assentamentos em Sergipe ............................. 236

7.3.1. Uma Proposta Metodológica para o Estudo da Qualidade de Vida nos


Assentamentos em Sergipe................................................................................ 236
7.3.2. As Concepções de Qualidade de Vida e sua Relação com a Reforma Agrária.... 238
7.3.3. A Caracterização dos Domínios da Qualidade de Vida nos Assentamentos....... 242

7.3.3.1. As Condições de Moradia e do Microambiente Familiar.............................. 243


7.3.3.2. Refletindo sobre as Condições de Saúde...................................................... 249
7.3.3.4. Educação, Direito de Todos........................................................................ 254
7.3.3.5. O Trabalho e a Renda ................................................................................. 257
7.3.3.6. Os Serviços e Equipamentos Comunitários, Lazer e Segurança................... 276
7.3.3.7. A Vida Familiar, a Integração Social e a Religiosidade ................................. 282

7.4. Os Domínios de Qualidade de Vida Priorizados pelas Famílias Assentadas ............ 293

7.4.1. Reflexão Sobre os Domínios da Vida Priorizados ............................................. 298

7.5. O Nível de Satisfação das Famílias com os Indicadores Priorizados........................ 302

8. CONCLUSÕES............................................................................................................ 314

8.1. Novos Cenários, Velhos Atores: a Luta e a Demanda por Terra em Sergipe........... 314
8.2. A Reforma Agrária e a Estrutura Fundiária em Sergipe........................................... 318
8.3. A Reforma Agrária e a Qualidade de Vida das Famílias Assentadas ........................ 320
8.4. A Reforma Agrária em Sergipe: Promoção da Autonomia ou Reafirmação da
Dependência? ......................................................................................................... 326

ix
Página

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................................. 330


ANEXOS ......................................................................................................................... 357

ANEXO 1 - QUESTIONÁRIO PARA OS MORADORES DOS ASSENTAMENTOS


DO ESTADO DE SERGIPE ....................................................................... 358
ANEXO 2 - QUESTIONÁRIO PARA AS FAMÍLIAS ACAMPADAS EM SERGIPE.. 365
ANEXO 3 – MAPA DA REFORMA AGRÁRIA ............................................................ 358

x
LISTA DE FIGURAS

Página

1 Assentado utilizando as fichas para representar a qualidade de vida. PA “Paraíso


do São Pedro”. São Miguel do Aleixo, SE ............................................................... 17

2 Encontro diagnóstico, oficina de DRPE, no PA “Dorcelina Folador”, Itaporanga


D’Ajuda, SE ............................................................................................................ 19

3 Visita orientada para georreferenciamento e diagnóstico da realidade local, no PA


“Caio Prado”. Santo Amaro, SE.............................................................................. 20

4 Encontro diagnóstico com as famílias acampadas, no PA “Amigos para Sempre”.


Estância, SE............................................................................................................ 21

5 Aplicação de questionário a acampada, no PA “Amigos para Sempre”. Estância,


SE........................................................................................................................... 22

6 Implantação de assentamentos no governo José Sarney .......................................... 64

7 Comportamento da reforma sgrária no governo José Sarney................................... 65

8 Comportamento da reforma agrária no governo Collor/Itamar .............................. 68

9 Implantação de assentamentos no governo Collor/Itamar...................................... 68

10 Implantação de assentamentos no governo FHC .................................................... 73

11 Comportamento da reforma agrária no governo FHC............................................. 74

12 Implantação de assentamentos no governo Lula ..................................................... 78

13 Comportamento da reforma agrária no governo Lula.............................................. 79

14 Evolução da implantação de assentamentos no Brasil ............................................. 80

15 Comportamento da reforma agrária no Brasil, 2006 ................................................ 81

16 Evolução dos assentamentos em Sergipe................................................................. 86

17 Formas de aquisição dos assentamentos pelo INCRA. Sergipe, 1982 a abril de


2009 ........................................................................................................................ 90

18 Mapa dos assentamentos de reforma agrária. Sergipe, 1980 a 2008.......................... 92

19 Número de estabelecimentos agropecuários. Brasil, 1970 a 2006............................. 96

xi
Página

20 Área dos estabelecimentos. Brasil, 1970 a 2006 ....................................................... 96

21 Índice de Gini referente ao acesso à terra. Brasil, 1985 a 2006 ................................. 97

22 Número de estabelecimentos agropecuários, por grupo de área. Sergipe, 1970 a


2006 ........................................................................................................................ 100

23 Área dos estabelecimentos agropecuários. Sergipe, 1970 a 2006 .............................. 101

24 Número de estabelecimentos agropecuários, por tipo do produtor. Sergipe, 1970


a 2006 ..................................................................................................................... 102

25 Área dos estabelecimentos agropecuários, por condição do produtor. Sergipe,


1970 a 2006............................................................................................................. 103

26 Índice de Gini referente ao acesso a terra. Sergipe, 1985 a 2006 .............................. 103

27 Cultivo de cana-de-açúcar no Platô de Neópolis, SE............................................... 109

28 Acampamento Padre Nestor, no Platô, extinto após decisão judicial. Neopólis, SE ... 110

29 Início do acampamento Padre Nestor II. Neópolis, SE........................................... 111

30 Acampamento Amigos para Sempre. Estância-SE .................................................. 119

31 Acampamento D. José Brandão de Castro. Brejo Grande, SE................................. 121

32 Acampamento Mochila. Itaporanga D’ Ajuda, SE.................................................... 122

33 Acampamento Luis Silveira D’Ávila. Indiaroba, SE ................................................ 124

34 Interior do barraco no acampamento Luis Carlos Bispo. Estância, SE .................... 124

35 Acampamento Guerrilha do Araguaia. Umbaúba, SE.............................................. 125

36 Acampamento Cepete Araju. Indiaroba, SE............................................................ 125

37 Tipos de atividades sem registro dos acampados sergipanos pesquisados................ 126

38 Renda familiar dos acampamentos sergipanos pesquisados ..................................... 128

39 Fontes de renda das famílias sergipanas pesquisadas ............................................... 129

40 Localização dos acampamentos sergipanos em relação ao imóvel pleiteado ............ 131

41 Localização dos acampamentos sergipanos que estão fora do imóvel pleiteado....... 132

42 Vista parcial do Acampamento Santa Rita de Cássia. Estância, SE .......................... 133

xii
Página

43 Vista parcial do Acampamento 19 de Junho. Poço Verde, SE ................................. 133

44 Vista parcial do povoado Novo Horizonte. Neópolis, SE ....................................... 134

45 Permissão quanto à localização dos acampamentos sergipanos pesquisados............ 134

46 Cartaz com as normas dos acampamentos do MST em Sergipe .............................. 138

47 Nível de escolaridade dos acampados sergipanos pesquisados................................. 141

48 Estado civil dos acampados sergipanos pesquisados................................................ 142

49 Situação atual dos acampados sergipanos pesquisados............................................. 142

50 Moradia anterior dos acampados sergipanos pesquisados........................................ 144

51 Ligação com a terra apresentada pelos acampados sergipanos, através dos pais....... 147

52 Experiência com o cultivo da terra apresentada pelo acampados sergipanos,


através dos pais ....................................................................................................... 147

53 Situação anterior dos acampados sergipanos pesquisados........................................ 149

54 Desejo dos acampados sergipanos que seus filhos sejam agricultores ...................... 154

55 Mapa dos territórios sergipanos reconhecidos pelo MDA ....................................... 167

56 Distribuição dos acampamentos e das famílias acampadas nos territórios


sergipanos ............................................................................................................... 167

56 Distribuição dos acampamentos e das famílias acampadas nos territórios


sergipanos ............................................................................................................... 167

57 Mapa da localização dos acampamentos de sem-terra em Sergipe ........................... 171

58 Modelo de qualidade de vida ................................................................................... 237

59 Moradia no PA José Gomes da Silva. Lagarto, SE................................................... 245

60 Cisterna para coleta da água pluvial no PA José Ribamar. Nossa Senhora da Glória,
SE........................................................................................................................... 247

61 Unidade de Saúde da Família no PA Cuyabá. Canindé do São Francisco, SE .......... 250

62 Escola no PA José Gomes da Silva. Lagarto, SE ..................................................... 255

63 Grau de instrução dos membros das famílias assentadas, por região sergipana ........ 257

64 Área dos lotes dos PAs estudados, por região sergipana .......................................... 258

xiii
Página

65 Sistema Mandala no PA Cuyabá. Canindé do São Francisco, SE ............................. 262

66 Recebimento de financiamento para a produção, por região sergipana .................... 263

67 Recebimento de assitência técnica para a produção nos PAs, por região sergipana .. 264

68 Tipo de comercialização da produção, por região, Sergipe....................................... 265

69 Recebimento de rendas governamentais pelos assentados, por região sergipana ...... 272

70 Diferentes rendas governamentais recebidas pelos assentados, por região


sergipana ................................................................................................................. 273

71 Empréstimo, financiamento ou prestação a serem quitados, por região sergipana ... 274

72 Desejo dos assentados sergipanos de ter outro tipo de lazer.................................... 279

73 Percepção de segurança dos assentados dentro do PA, por região sergipana ........... 281

74 Ocorrência de violência com membros da família, por região sergipana .................. 281

75 Ocorrência insegurança dentro do PA, por região sergipana ................................... 282

76 Ocorrência de parentes no próprio PA, por região sergipana .................................. 283

77 Tipos de parentes assentados no próprio PA, por região sergipana ......................... 284

78 Percepção dos assentados sobre a importância dos parentes no PA, por região
sergipana ................................................................................................................. 285

79 Compartilhamento dos trabalhos domésticos nos PAs, por região sergipana........... 286

80 Participação dos assentados sergipanos em associações do PA, por região,


sergipana ................................................................................................................. 288

81 Percepção dos assentados sergipanos sobre a força da associação do PA, por


região...................................................................................................................... 288

82 Permanência da ligação dos assentados sergipanos ao MST, por região................... 289

83 Filiação dos assentados sergipanos ao sindicato de trabalhador rural, por região ..... 290

84 Participação dos assentados sergipanos filiados as reuniões do sindicato, por


região...................................................................................................................... 291

85 Relação dos tipos de religiões praticadas pelos assentados sergipanos, por região.... 292

86 Prática da religião pelos assentados sergipanos, por região ...................................... 293

87 Nível de satisfação, por regiões sergipanas .............................................................. 310

xiv
LISTA DE TABELAS

Página

1 Projetos de Assentamentos (PAs) selecionados para o estudo. Sergipe, 2007 ............ 13

2 Acampamentos selecionados para o estudo. Sergipe, 2008 ........................................ 14

3 Evolução dos assentamentos de reforma agrária em Sergipe, 1980/2009 .................. 86

4 Área do lote sugerida pelos acampados pesquisados. Sergipe, 2008........................... 130

5 Número de acampamentos por movimento social. Sergipe, 2009 .............................. 168

6 Número de famílias acampadas por movimento social. Sergipe, 2009 ....................... 170

7 Caracterização das mesorregiões sergipanas .............................................................. 181

8 Perfil do assentado na mesorregião Agreste. Sergipe, 2008 ........................................ 186

9 Perfil e composição das famílias assentadas na mesorregião Agreste. Sergipe, 2008... 187

10 Perfil do assentado na mesorregião Sertão. Sergipe, 2008.......................................... 190

11 O perfil e composição familiar dos assentamentos da mesorregião Sertão. Sergipe,


2008 .......................................................................................................................... 191

12 Perfil do assentado na mesorregião Leste. Sergipe, 2008 ........................................... 192

13 O perfil e a composição familiar dos assentamentos na mesorregião Leste. Sergipe,


2008 .......................................................................................................................... 193

14 Condições de moradia dos assentamentos por região. Sergipe, 2008 ......................... 245

15 O acesso a água e energia elétrica, por região. Sergipe, 2008 ...................................... 246

16 Disposição do lixo e dejetos, por região. Sergipe, 2008.............................................. 248

17 Rendimentos detectados no PAs estudados no Agreste. Sergipe, 2008...................... 269

18 Rendimentos detectados no PAs estudados no Sertão sergipano, 2007 ..................... 270

19 Rendimentos detectados no PAs estudados no leste sergipano, 2008 ........................ 271

20 Rendimentos detectados nas regiões do Estado de Sergipe, 2007/2008 .................... 272

21 Relação das infraestruturas dos PAs sergipanos pesquisados, por região, 2008.......... 277

xv
Página

22 Tipos de lazer individual dos assentados sergipanos, por região, 2008 ....................... 278

23 Tipos de lazer coletivo dos assentados sergipanos, por região, 2008 .......................... 279

24 Tipos de lazer identificado pelos assentados sergipanos em seu respectivo PA,


2008 .......................................................................................................................... 280

25 Pontuação e estatística descritiva de um domínio. Sergipe, 2008 ............................... 297

26 Nível de satisfação quanto aos domínios da qualidade de vida. Sergipe, 2008............ 306

27 Nível de satisfação de uma dimensão da QVT. Sergipe, 2008.................................... 311

28 Valor ponderado das dimensões da qualidade de vida, por região, conforme nível
de satisfação. Sergipe, 2008 ....................................................................................... 312

xvi
LISTA DE QUADROS

Página

1 Público potencial para a reforma agrária. Brasil, 2009 .............................................. 164

2 Origem das famílias, segundo assentamento e região de Sergipe .............................. 195

3 Relação dos motivos da migração dos assentados sergipanos................................... 196

4 Transcrição do painel “O que temos, o que queremos e o que fazer”, PA José


Ribamar. Nossa Senhora da Glória, SE.................................................................... 200

5 Transcrição do Painel “O que temos, o que queremos e o que fazer”, PA Cuyabá.


Canindé do São Francisco, SE................................................................................. 201

6 Transcrição do painel “O que temos, o que queremos e o que fazer”. PA Pioneira,


Poço Redondo, SE .................................................................................................. 203

7 Transcrição do painel “O que temos, o que queremos e o que fazer”. PA José


Gomes da Silva, Lagarto, SE ................................................................................... 205

8 Transcrição do painel “O que temos, o que queremos e o que fazer”. PA Caípe,


Nossa Senhora das Dores, SE ................................................................................. 206

9 Transcrição do painel “O que temos, o que queremos e o que fazer”. PA Paraíso


do São Pedro. São Miguel do Aleixo, SE ................................................................. 207

10 Transcrição do painel “O que temos, o que queremos e o que fazer”. PA


Dorcelina Folador. Itaporanga D’Ajuda, SE ............................................................ 209

11 Transcrição do painel “O que temos, o que queremos e o que fazer”. PA Roseli


Nunes, Estância, SE ................................................................................................ 210

12 Transcrição do Painel “O que temos, o que queremos e o que fazer”. PA Treze de


Maio, Japaratuba, SE ............................................................................................... 211

13 Significado de qualidade de vida ao longo da história............................................... 216

14 Principais limitações técnicas, econômicas e sociais da região do Sertão sergipano .. 266

15 Principais limitações técnicas, econômicas e sociais da região Agreste. Sergipe,


2008 ........................................................................................................................ 267

16 Principais limitações técnicas, econômicas e sociais da região Leste. Sergipe, 2008 .. 268

17 Ranking das prioridades elencadas pelos assentados sergipanos quanto aos


domínios da vida, por região.................................................................................... 297

xvii
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

UFS Universidade Federal de Sergipe


MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário
PNRA Política Nacional de Reforma Agrária
DRPE Diagnóstico Rural Participativo Emancipador
(INCRA/SE) Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária de Sergipe
SIPRA Sistema de Informações sobre Projetos de Reforma Agrária
FETASE Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Sergipe
MST Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
MDS Ministério do Desenvolvimento Social
PCB Partido Comunista Brasileiro
CEPAL Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe
ONU Organização das Nações Unidas
ABRA Associação Brasileira de Reforma Agrária
BIRD Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento
FHC Fernando Henrique. Cardoso
CPT Comissão Pastoral da Terra
CONTAG Confederação dos Trabalhadores da Agricultura
MAB Movimento dos Atingidos por Barragens
SUPRA Superintendência da Reforma Agrária
PSD Partido Social Democrático
PND Plano Nacional de Desenvolvimento
MIRAD Ministério da Reforma Agrária e do Desenvolvimento
PROCERA Programa de Crédito Especial para Reforma Agrária
TDA Títulos da Dívida Agrária
DATALUTA Banco de Dados da Luta pela Terra
UDR União Democrata Ruralista
CF Constituição Federal
PRONAF Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
IBRA Instituto Brasileiro de Reforma Agrária
CODEVASF Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco
POLONORDESTE Programa de Desenvolvimento de Áreas Integradas do Nordeste
PROCANOR Programa Especial de Apoio às Populações Pobres das Zonas Canavieiras
do Nordeste
COOPERTREZE Cooperativa Mista dos Trabalhadores dos Treze
COOPERGRESTE Cooperativa Agropecuária Mista e de Colonização do Agreste Ltda .
COOPAME Cooperativa Agrícola Mista de Estância
STR Sindicato dos Trabalhadores Rurais
PA Projeto de Assentamento
MEB Movimento Eclesial de Base
SEPLAN Secretaria Estadual de Planejamento
MAPA Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
RDH/PNUD Relatório de Desenvolvimento Humano, do Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento
MLC Madeira Laminada Colada
IBAMA Instituto Brasileiro de Meio Ambiente
xviii
GRPU Gerência Regional do Patrimônio da União
FETAPE Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Estado de Pernambuco
CONA Companhia de Abastecimento
FETASE Federação dos Trabalhadores Rurais de Sergipe
ADHB Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil
PNAD Programa Nacional de amostragem Domiciliar
PIB Produto Interno Bruto
CNA Confederação Nacional da Agricultura
PTDRS Planos do Território para o Desenvolvimento Rural Sustentável
NE Norma de Execução
CNPJ Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica
IPEADATA Banco de Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
FJP Fundação João Pinheiro
COEP Comitê de Entidades no Combate à Fome e pela Vida
CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

xix
RESUMO

A reforma agrária é um tema instigante que, por ser uma página ainda não virada na
história brasileira, persiste nos debates acadêmicos, sendo, portanto, objeto de estudo neste
trabalho. A realidade agrária de Sergipe, marcada pela concentração histórica de terras e pela luta
dos movimentos sociais no campo, é aqui analisada com o intuito de verificar quais os resultados
da reforma agrária realizada e suas implicações sobre a qualidade de vida das famílias assentadas,
num recorte histórico e global, do acampamento ao assentamento. Neste sentido, optou-se pela
conjugação de elementos-chave que pudessem, de forma articulada, permitir a melhor análise
desta política pública, quais sejam: a trajetória de luta pela terra, seus cenários e dilemas; o
contexto da reforma agrária realizada da década de 1980 até 2009; a demanda e os demandatários
de terra, suas estratégias de sobrevivência e seu perfil; a estrutura fundiária; e a qualidade de vida
das famílias assentadas e sua relação com a reforma agrária. A proposta metodológica combinou
técnicas e instrumentos quantitativos e qualitativos, de forma a obter dados que pudessem
retratar a realidade na concepção dos envolvidos e, ao mesmo tempo, permitir inferências sobre a
política pública de reforma agrária. Os resultados revelam que a luta pela terra tem sido o motor
propulsor para a realização da reforma agrária em Sergipe. Esta não desconcentrou a terra, mas
provocou a sua minifundiarização, devido à distribuição de lotes que comprometem a viabilidade
dos assentamentos. As famílias assentadas estão satisfeitas com a qualidade de vida atual,
comparada à vida anterior à reforma agrária. Entretanto as limitações são percebidas, o que indica
que a reforma agrária ainda não foi capaz de atender à demanda por terra, sendo necessário
investir na qualidade dos assentamentos, via promoção da autonomia dos assentados, relações de
forças e disputas pelo poder. Enfim, a reforma agrária em Sergipe é um problema político, e
justamente por isso é que caminha a passos lentos. Caso fosse uma política pública, cujos
processos de avaliação e monitoramento contínuo proporcionassem os redirecionamentos
necessários à sua eficiência e eficácia, certamente a questão agrária não continuaria sendo um dos
graves problemas brasileiros.

Palavras-Chave: reforma agrária, qualidade de vida, estrutura fundiária, assentamentos rurais,


acampamentos.

xx
ABSTRACT

The land reform is an instigate theme that because it is not a bygone fact in the Brazilian history
and persists in the academicals debates, for this reason this theme is the object of studying in this
project. The agrarian reality in Sergipe is marked by an historic concentrations of land and by the
contest of the social movements in the fields are analyzed in his project with the purpose of
checking the results of the land reform that has being carrying out and the implications in the
quality of life of the families that were settled. So we choose the conjugation of the key elements
that in an articulated form makes possible better analyses of the public policy above mention.
The trajectory of the contest for land, its dilemma and sceneries; the context of the land and their
strategies for survive and the fundiary strategies; the quality of life of the settled families and their
relationship with the land reform. The methodological proposal ha ve combined the techniques
and the instruments ,quantitative and qualitative ,a way to get the data that could show the reality
in the conception of the people involved and at the same time make possible an interference in
the public policy of land reform. The results we got reveals that the contest for land have been
the main reason for carrying out the land reform at Sergipe, it has not unconcentrated the land
due to the “minifundiarização” by the distribution of lots that compromise the viability of the
assessment. The families who are living on the assessments are all satisfied with the present
quality of life when compared to the life they had before the land reform. The limitations are
noticed ,indicating that the land reform has not been able yet to attend the demand for land, it
have to invest in the quality of life at the assessment , what compromise the forces and the
dispute of power. The land reform at Sergipe is a political problem and just for this it walks in
very slow paces. In case if it were a political policy which the process of evaluation and
continuous checking could provide the necessary redirections to the efficiency and efficacy,
certainly the agrarian question wouldn’t continue as one of the serious Brazilian problems.

Keywords: agrarian reforma, calidad de vida, estructura agraria, asentamientos rurales,


campamentos.

xxi
RESUMEN

La Reforma Agraria es un tema incitante que, por tratarse de una página que todavía no se
pasa en la historia brasileña, persiste en los debates académicos, siendo por lo tanto el objeto de
estudio en este trabajo. La realidad agraria de Sergipe, marcada por la concentración histórica de
tierras y por la lucha de los movimientos sociales en el campo, es analizada con el propósito de
verificar cuáles son los resultados de la Reforma Agraria llevada a cabo y sus implicaciones sobre
la calidad de vida de las familias asentadas, en un contexto histórico y global, del campamento al
asentamiento. En este sentido, se optó por la interacción de elementos claves que pudieran de
forma articulada, permitir un mejor análisis de esta política pública, los cuales son: la trayectoria
de lucha por la tierra, sus dilemas y escenarios; el contexto de la reforma agraria realizada en la
década de 1980 hasta el año de 2009; la demanda y los demandantes de tierras, sus estrategias de
sobrevivencia y perfil; la estructura agraria; la calidad de vida de las familias asentadas en relación
con la reforma agraria. En la propuesta metodológica se combinaron técnicas e instrumentos
cuantitativos y cualitativos, con el fin de obtener datos que pudieran retratar la realidad en la
conceptualización de los involucrados y al mismo tiempo, inferir sobre la política pública de la
reforma agraria. Los resultados obtenidos revelan que la lucha por la tierra ha sido el motor
propulsor para la realización de la Reforma Agraria en Sergipe. Esta no desconcentró la tierra,
pero sí provocó minifundios, debido a la distribución de lotes que comprometen la viabilidad de
los asentamientos. Las familias asentadas están satisfechas con la calidad de vida actual, con
respecto a la vida antes de la reforma agraria, las limitaciones son percibidas, indicando que si la
reforma agraria aún no es capaz de atender la demanda por la tierra, debe invertir entonces en la
calidad de los asentamientos, por medio de promoción de la autonomía de los asentados, lo cual
compromete la relación de fuerzas y disputas por el poder. La Reforma Agraria en Sergipe es un
problema político y justamente por eso es que camina a pasos lentos. En caso de que fuera una
política pública, cuyos procesos de evaluaciones y monitoreos contínuos, proporcionaran los
redireccionamientos necesarios para la eficiencia y eficacia, ciertamente la cuestión agraria no
continuaría siendo uno de los graves problemas brasileños.

Palabras-claves: reforma agraria, calidad de vida, estructura agraria, asentamientos rurales,


campamentos.

xxii
JÚNIA MARISE MATOS DE SOUSA

DO ACAMPAMENTO AO ASSENTAMENTO: UMA ANÁLISE DA


REFORMA AGRÁRIA E QUALIDADE DE VIDA EM SERGIPE

Tese apresentada à Universidade Federal de Sergipe,


como parte das exigências do Núcleo de Pós-
Graduação em Geografia, para obtenção do título de
Doctor Scientiae em Geografia.

Área de Concentração: Organização dos Espaços


Agrário e Regional.

Orientador: Prof. Dr. Celso Donizete Locatel.

SÃO CRISTÓVÃO – SERGIPE


2009
1

1. INTRODUÇÃO

Muito já se falou e escreveu sobre a luta pela reforma agrária. Prós e contras.
Escreveu-se sobre sua viabilidade econômica, sobre a trajetória histórica dos
movimentos camponeses e suas lideranças. Sobre a necessidade de superar a
gritante concentração de terra existente em nosso País. Sobre o poderio
econômico, social e político dos coronéis do campo. Sobre os promissores
resultados obtidos pelas famílias assentadas. Não faltam até mesmo registros
sobre os diferentes governos que, demagogicamente, sempre prometeram fazer
a – nunca realizada – reforma agrária. E correndo o risco de parecer contraditório,
é exatamente por nunca ter sido realizada que a reforma agrária escreve uma
das páginas mais ricas da história de nosso País (STÉDILE, 1998, p. 9).

Diante desta expressão concreta da materialidade da reforma agrária e sua relevância


como investigação científica, no mínimo torna-se desafiador para o pesquisador que se propõe a
enveredar pelos caminhos que desvelam esta realidade. Foram vários os fatores que influenciaram
a realização desta pesquisa, entre eles estão os momentos vivenciados, tanto nos aspectos
teóricos e práticos, da realidade agrária de Sergipe, seja no espaço da academia ou no contato
direto com a realidade agrária do Estado; seja no curso de Doutorado em Geografia da
Universidade Federal de Sergipe (UFS), durante o qual muitos desafios, indagações e reflexões
proporcionaram a trajetória profissional; seja na participação nos projetos de pesquisa e extensão,
que permitiram ampliar o conhecimento desta realidade; ou seja nos questionamentos dos
estudantes das Ciências Agrárias da UFS, que aliados aos da pesquisadora formavam um
turbilhão de ideias e inquietações. Todas estas nuances da realidade agrária de Sergipe, ora no
espaço da academia, ora no campo, no ir e vir das observações, indagações, reflexões e na riqueza
deste universo agrário, incentivaram, instigaram e motivaram o estudo da reforma agrária neste
Estado, com a pretensão de acrescentar mais uma página desta rica história.
O acesso à terra representa, para milhares de camponeses brasileiros, o início de uma
nova caminhada rumo à sobrevivência e reprodução familiar, uma vez que esta luta se estende na
busca de condições favoráveis para , juntamente com a terra conquistada, garantir a reprodução
simples (manutenção) ou ampliada das famílias e, consequentemente, a elevação da sua qualidade
de vida.
O acesso a um lote de terra, via reforma agrária (ou política de assentamento rural), tem
sido um processo marcado por lutas, violência e poucas conquistas, uma vez que o número de
famílias que ainda não tiveram acesso à terra (acampados em torno do latifúndio, às margens das
rodovias ou marginalizados nas cidades) é superior ao número dos que alcançaram este sonho.
2

Entretanto, a conquista da terra pelas famílias, que se materializa no direito à terra via
assentamentos, nem sempre significa a conquista da vida digna com qualidade1. É preciso que a
reforma agrária possa extrapolar os limites do acesso à terra e prever o acesso às condições de
produzir, gerar renda e garantir os demais direitos como saúde, educação e saneamento básico,
considerando ainda a sustentabilidade ambiental, visando a sustentabilidade do desenvolvimento
rural.
Assim, a Política Nacional de Reforma Agrária deve atuar em dois níveis, igualmente
importantes e complexos. Em um momento inicial, prima-se pelas ações que garantam o acesso à
terra aos milhares de trabalhadores rurais que se encontram em situação de risco e
vulnerabilidade social, seja nos acampamentos à beira das fazendas e rodovias, ou mesmo nas
periferias das cidades, para onde foram obrigados a migrar em busca da sobrevivência.
No momento seguinte, a mesma política deve garantir as condições necessárias ao
recomeço de vida dessas famílias nos assentamentos, de forma que as elas possam alcançar a sua
reprodução e o almejado desenvolvimento rural. De modo geral, espera-se que essas famílias
tenham uma qualidade de vida melhor que a anterior.
Considerando que a Política Nacional de Reforma Agrária prima por ações e estratégias
para alcançar o desenvolvimento rural sustentável, a partir da articulação harmoniosa entre os
domínios econômicos, sociais, ambientais, políticos e culturais2, subentende-se que a qualidade de
vida das famílias assentadas é o produto final desejável. Assim, considera -se fundamental para a
eficiência e eficácia da política em questão o conhecimento da realidade dessas famílias nos dois
momentos descritos, antes e depois dos assentamentos. Entretanto, este conhecimento não deve
se restringir aos aspectos quantitativos ou objetivos da realidade, mas deve igualmente considerar
os aspectos qualitativos e subjetivos que são priorizados pelas famílias envolvidas, aqueles que
são os verdadeiros agentes da transformação social do mundo rural.
Neste sentido, percebe-se que a maior preocupação com relação às famílias acampadas
são os números que elas representam em termos de demanda por terra a ser atendida pela
reforma agrária. Entretanto, não se investigam quais são as condições a que estão submetidas e
quais as expectativas a serem atingidas por elas, no que se refere ao acesso à terra. Da mesma
forma, alguns estudos sobre a reforma agrária, restrita aos números, não consideram de fato os
seus resultados como transformação da estrutura fundiária, que representa, em seu sentido
estrito, o sentido da reforma agrária.

1
Neste trabalho foi adotado o modelo conceitual de Qualidade de Vida proposto por Metzen et al. (1980), já que
neste a qualidade de vida deve abranger, além das condições concretas de vida dos indivíduos, das famílias e da
comunidade, as percepções ou avaliações subjetivas dos indivíduos, em termos de importância e satisfação, com
respeito a um conjunto de componentes ou domínios da vida.
2 Conforme descrito no II Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), apresentado em MDA (2003).
3

Por outro lado, estudos sobre a qualidade de vida das famílias em assentamentos de
reforma agrária já estão sendo realizados no Brasil, com o objetivo de identificar a realidade
destes assentamentos e apresentar sugestões para que eles possam ser melhorados. Entretanto,
esses estudos utilizam indicadores tradicionais, sem considerar os aspectos subjetivos, que é a
própria concepção de qualidade de vida por parte dos agricultores familiares.
A grande preocupação deste estudo não foi aprofundar em um único aspecto da reforma
agrária, mas alcançar uma percepção global desta realidade a partir da articulação dos aspectos
considerados mais relevantes, que juntos fossem capazes de explicar como ela se processa em sua
amplitude, envolvendo, sobretudo, os seus beneficiários. Assim, o estudo da reforma agrária em
Sergipe se apresenta como uma possibilidade de descortinar a realidade de uma política pública
em termos dos seus resultados e suas implicações na qualidade de vida dos seus beneficiários,
cujas percepções são altamente relevantes para a validação desta política. Por isto, há uma
preocupação em alcançar os seus aspectos subjetivos e objetivos, a realidade observada e a
realidade compreendida, o quantitativo e o qualitativo, envolvendo a percepção daqueles que dela
fazem parte.
E por que Sergipe? Estado marcado pelos conflitos históricos de terra, que em sua área
geográfica tão limitada possui a diversidade e complexidade de um espaço agrário que, de um
lado, clama pela reforma agrária nos acampamentos, e de outro, empenha-se na busca da garantia
de sobrevivência nos assentamentos rurais.
É notória a importância e relevância da reforma agrária para as milhares de famílias
brasileira s que aguardam, em situações de extrema miséria e à margem da sociedade, um “pedaço
de chão” para plantar e colher no que é “seu”. Se por um lado as famílias acampadas nos
chamam atenção pela luta e persistência, por outro nos instigam a responder às seguintes
questões: Quem são e como vivem os acampados em Sergipe? Serão legalmente beneficiários em
potencial desta política pública? Quais as suas origens? Onde estão localizados os seus
acampamentos? Quais as estratégias de sobrevivência utilizadas para a permanência na luta pela
terra? Quais as expectativas quanto à reforma agrária? Além disso, o que se pode afirmar com
relação à demanda por terra; quantos de fato aguardam a interminável fila da reforma agrária?
E as famílias que já conquistaram a terra via reforma agrária, que se materializa no
assentamento, o que se pode dizer sobre elas? Qual a concepção de qualidade de vida e o que de
fato a reforma agrária proporcionou para a sua melhoria? Como entender e identificar a qualidade
de vida das famílias assentadas em seus aspectos subjetivos e objetivos? O acesso à terra significa
o fim ou a continuidade da luta dos camponeses? Todos estes questionamentos nos levam a uma
4

análise profunda da reforma agrária. E diante deles, como estudar a reforma agrária em Sergipe
em sua complexidade?
Ao propor o estudo da reforma agrária como uma política pública entende-se que o seu
objetivo primordial é a promoção ou o aprimoramento do bem-estar e da qualidade de vida
almejada pelas famílias rurais, dentro dos objetivos, da meta e da atuação preestabelecidos. Assim,
optou-se por um estudo da reforma agrária a partir da investigação e articulação de elementos
fundamentais para a sua compreensão global, através de conjugações entre eles para o seu
entendimento, quais sejam: a luta e a demanda por terras; a reforma agrária realizada e seus
resultados com relação à sua estrutura fundiária; e à qualidade de vidas de seus beneficiários.
Neste contexto, o objetivo geral da pesquisa foi analisar a política de reforma agrária
brasileira e sua territorialização no Estado de Sergipe, através dos acampamentos existentes, e a
implantação dos assentamentos rurais, a partir da década de 1980, e as suas interfaces e resultados
relacionados à estrutura fundiária e à qualidade de vida das famílias assentadas, bem como a
viabilidade do modelo de reforma agrária implementada.
Para a operacionalização da pesquisa, o objetivo principal foi desdobrado em outros, de
caráter secundário, quais sejam:
a) Discutir a questão agrária brasileira, com ênfase nos novos e velhos dilemas.
b) Analisar a Política Nacional de Reforma Agrária, diante da Questão Agrária atual,
verificando sua territorialização no Estado de Sergipe, bem como seus impactos sobre a estrutura
fundiária.
c) Examinar a demanda por terra em Sergipe, sua caracterização e espacialização,
buscando identificar a trajetória de luta pela terra e a realidade do acampamento e das famílias
acampadas.
d) Analisar as condições e características gerais dos assentamentos, por mesorregião, o
contexto no qual estão inseridos, bem como a sua percepção a partir das famílias assentadas.
e) Analisar o acesso à terra e a qualidade de vida das famílias assentadas, a partir da
concepção e de indicadores validados por elas, buscando compreender a relação teórico-prática e
os resultados concretos da Política de Reforma Agrária no Estado.
Para a construção de uma metodologia que fosse capaz de dar conta de todos os
questionamentos da pesquisa, longo foi o caminho, que se concretiza na apresentação final deste
trabalho. Neste sentido, o segundo capítulo se dedica à apresentação dos caminhos da pesquisa,
que possibilitaram a sua execução e o alcance dos objetivos inicialmente propostos.
No terceiro capítulo, buscou-se resgatar a história da questão agrária brasileira como
sendo o ponto de partida deste estudo. A análise da formação da pequena propriedade e do
5

latifúndio no Brasil, das políticas de reforma agrária e seus enfoques até os dias atuais, da atuação
dos movimentos sociais no campo, bem como dos principais impasses e discussões ao longo da
história proporcionou explicações históricas da questão agrária e da reforma agrária, necessárias
ao entendimento global. Além desses aspectos gerais da realidade agrária brasileira, verticaliza-se a
análise, buscando evidenciar a territorialização em Sergipe dos processos a ela relacionados, em
que são discutidos ainda os aspectos da estrutura fundiária e os impactos da reforma agrária sobre
essa parte do território nacional.
No quarto capítulo, aprofunda-se a discussão sobre a demanda por terra em Sergipe, sua
caracterização e territorialização, buscando identificar a trajetória de luta pela terra, a realidade do
acampamento e das famílias acampadas, bem como as perspectivas quanto à reforma agrária a ser
realizada.
No quinto capítulo, são discutidos o acesso à terra, via implantação dos assentamentos, e
a qualidade de vida alcançada pelas famílias assentadas, no qual se apresenta um estudo
quantitativo e qualitativo da qualidade de vida, segundo as concepções e prioridades estabelecidas
pelos próprios assentados.
No sexto capítulo, examinam-se os assentamentos de reforma agrária pesquisados em
Sergipe, a partir da sua caracterização geral por mesorregião e do contexto no qual estão
inseridos. Em seguida, apresenta-se o “retrato dos assentamentos” na concepção dos assentados,
buscando contextualizar a sua realidade e a de suas famílias.
No sétimo capítulo, estão a análise da qualidade de vida nos assentamentos em Sergipe,
sendo apresentadas as conceituações e as proposições sobre a qualidade de vida, sua base teórica
e conceitual (modelo de Metzen et al.), e o detalhamento da metodologia adotada para esta
pesquisa. Com base neste modelo e suas adaptações, a análise é apresentada em quatro etapas
articuladas: a análise das concepções da qualidade de vida por parte das famílias; a caracterização
da qualidade de vida a partir dos domínios ou elementos que compõem a qualidade de vida; a
priorização dos domínios por parte das famílias por ordem de importância; e o nível de satisfação
com os domínios.
Por fim, são apresentadas algumas conclusões do estudo realizado, em que todos os
elementos são articulados para uma análise da reforma agrária e sua territorialização em Sergipe,
no intuito de identificar os seus resultados e quais são os aspectos identificados, como viáveis e
inviáveis desta política de reforma agrária.
Ao buscar identificar a real demanda por terra no Estado, concentrada nos
acampamentos, as condições a que estas famílias estão submetidas e quais as expectativas com
relação à reforma agrária a ser realizada, será traçado um perfil da demanda numérica e qualitativa
6

da reforma agrária pretendida. Por outro lado, ao identificar a qualidade de vida das famílias já
assentadas, suas limitações e potencialidades no que se refere à reprodução pretendida, será
obtido um perfil da reforma agrária já realizada no Estado, ultrapassando os limites dos números.
A articulação desses dados permitirá uma análise global, quantitativa e qualitativa, da
reforma agrária realizada no Estado de Sergipe, bem como a identificação de seus aspectos
potenciais e limitantes, permitindo assim novas reorientações das ações em busca da
maximização e efetivação da Política de Reforma Agrária, que possam de fato proporcionar
melhoria da qualidade de vida das famílias beneficiadas.
Essa é a essência desta pesquisa: fazer o exercício do “ir e vir” entre o acampamento e o
assentamento, buscando analisar, a partir da qualidade de vida almejada (acampamentos) e da
atingida pelas famílias (assentamentos), os resultados, os impasses, as limitações e as
potencialidades da reforma agrária implantada no Estado de Sergipe. No âmbito da Geografia
Agrária, este estudo representa um outro olhar sobre os aspectos relevantes do desenvolvimento
rural, na concepção não apenas do pensamento geográfico em si, mas, sobretudo, dos atores
sociais que configuram e conferem formas a este espaço agrário.
Portanto, este estudo torna-se relevante por seu caráter inovador, ao propor a análise da
reforma agrária a partir da perspectiva da qualidade de vida das famílias assentadas sob a sua
própria concepção e em momento oportuno, tendo em vista que as políticas públicas têm
concebido, com maior ênfase, a qualidade de vida como elemento fundamental do
desenvolvimento rural. Momento político este em que se alcançaram metas ponderáveis em
termos de números de assentamentos rurais e agora prioriza para que eles possam ganhar
qualidade. Além dos aspectos citados, ressalta-se que ainda não foram realizados estudos desta
natureza no estado de Sergipe, cuja metodologia poderá, futuramente, servir de modelo a ser
replicado em outros estudos nas demais regiões do Brasil.
7

2. OS CAMINHOS DA PESQUISA

Este capítulo tem por objetivo apresentar os procedimentos metodológicos adotados para
a pesquisa. Inicialmente, são apresentados os motivos que instigaram o desenvolvimento da
pesquisa, o seu delineamento e o estado-da-arte sobre o tema de investigação. Na sequência, são
descritos os procedimentos para a seleção dos assentamentos e acampamentos e suas respectivas
amostras pesquisadas. Posteriormente, discutem-se as técnicas e os instrumentos utilizados na
coleta e análise dos dados, bem como as proposições adotadas para a análise dos resultados
obtidos.

2.1. Reforma Agrária, Família e Qualidade de Vida: a Motivação para a Pesquisa em


Geografia Agrária

A autora desta pesquisa é Economista Doméstica de formação, cujas bases da Extensão


Rural, Sociologia Rural, Desenvolvimento de Comunidades e Políticas Públicas, com enfoque no
bem-estar e na qualidade de vida das famílias rurais e urbanas, proporcionaram, ao longo da
trajetória profissional, o interesse e a afinidade com a questão agrária e a reforma agrária
brasileira. Ao pensar em reforma agrária como política pública, remete-se de imediato à
necessidade de refletir sobre as famílias envolvidas e a sua qualidade vida, o que certamente uniu
estas premissas a um norte balizador que pudesse dar suporte a esta análise tão rica e instigante
que ora se propõe.
Nesse sentido, a Geografia, em especial a Geografia Agrária, tornou-se esse horizonte, no
qual foi possível compreender não apenas com o “olhar geográfico” implícito nas ciências
humanas, mas com todos os recursos que ela oferece para o entendimento e a compreensão do
espaço agrário brasileiro. Era o campo do saber mais apropriado para subsidiar tal discussão, de
forma a não perder a essência de Economista Doméstica, mas de ampliar o seu universo de
conhecimentos, para promover uma discussão sobre reforma agrária e qualidade de vida em
Sergipe, de modo global, ainda não aventurada por outros pesquisadores.
Essa concepção do espaço agrário sob o olhar sociológico e geográfico pode ser validada
na concepção apresentada por Valverde (2006), ao considerar que a Geografia Agrária não deve
se restringir a uma simples classificação dos sistemas agrícolas. Deve ir além, tratando de todos os
elementos culturais que repercutem na paisagem agrícola. Ainda para o autor, a Geografia Agrária
é, em última análise, a interpretação dos vestígios que o homem do campo deixa na paisagem, na
8

sua luta cotidiana e silenciosa, pela vida. Só assim, bem caracterizada no seu aspecto qualitativo e
quantitativo, a Geografia Agrária adquirirá cunho científico e terá utilidade prática. Amputada de
uma de suas partes, ela poderá proporcionar matéria para elegantes conferências, cheias de
erudição, mas jamais contribuirá para a solução de qualquer dos problemas que afligem o
homem.
Ressalta-se que esta é uma pesquisa geográfica que se enquadra na Geografia Agrária,
com enfoque nas questões sociais do campo. Segundo Ferreira (2001), este é o mais recente
paradigma de análise da história agrária brasileira que se preocupa com a interação e ação sobre o
espaço. Como características teórico-metodológicas, destacam-se o caráter pragmático e a análise
da agricultura no contexto do desenvolvimento rural. Entre as temáticas estudadas, destacam-se a
transformação do espaço rural, as relações de trabalho, o desenvolvimento rural da pequena
produção e a produção familiar.
É nesta perspectiva de articulação de reforma agrária, família, qualidade de vida e
Geografia Agrária, ancorada nos aspectos quantitativos e qualitativos, que se motiva e se norteia
este estudo sobre a reforma agrária e a qualidade de vida em Sergipe.

2.2. O Delineamento da Proposta Metodológica para a Pesquisa

Para atender aos objetivos propostos nesta pesquisa, optou-se pela combinação de
abordagens metodológicas qualitativas e quantitativas, em face da particularidade destes
procedimentos e da complementaridade permitida, uma vez associados. Nesta perspectiva, o
enfoque quantitativo fornece resultados que, de acordo com a proposta de análise da política
pública de reforma agrária, podem ser generalizados. Entretanto, compreendendo que estes
resultados quantitativos não exprimem as motivações, as percepções e os valores dos seus
envolvidos, considerou-se ainda o enfoque qualitativo, que não se traduz em resultados
generalizáveis, mas que é essencial e enriquecedor para a compreensão da realidade da pesquisa.
Assim, para esta pesquisa objetivou-se construir uma metodologia que fosse adequada
para identificar a realidade dos assentamentos e acampamentos em Sergipe, que contemplasse
aspectos subjetivos e objetivos e que pudesse contribuir efetivamente para uma leitura global
desta realidade. Para tanto, foram elaboradas propostas específicas para a coleta dos dados, que
incluem desde a aplicação de questionários estruturados às famílias assentadas, Oficinas
Diagnósticas junto à comunidade, com base nos fundamentos e instrumentos do Diagnóstico
Rural Participativo Emancipador (DRPE), a construção do Mapa dos Acampamentos e do Mapa
9

da Reforma Agrária em Sergipe, a partir do georreferenciamento dos acampamentos, e ainda


Encontros Diagnósticos com aplicação de questionário estruturado às famílias acampadas.
A base teórica que sustenta a análise empírica proposta resgata a construção do espaço
agrário brasileiro, a discussão da questão agrária clássica até a atualidade, bem como o recorte da
qualidade de vida como análise da reforma agrária implantada no Estado, seus resultados e suas
interfaces.

2.3. Estado da Arte: um Recorte

No intuito de construir o embasamento teórico e conceitual para a ancoragem desta


pesquisa, buscou-se examinar o estado da arte do conhecimento sobre as temáticas reforma
agrária, qualidade de vida e demais aspectos correlacionados à pesquisa.
Para análise da reforma agrária e suas implicações sobre a qualidade de vida das famílias
assentadas, considerou-se de fundamental importância a compreensão da questão agrária
brasileira a partir da sua origem, levando em conta o processo de formação das pequenas e
grandes propriedades, bem como os dilemas, impasses e direcionamentos conferidos em termos
de reforma agrária até a atualidade. A revisão bibliográfica a respeito considerou os autores
clássicos da discussão da questão agrária brasileira, entre eles Caio Prado Júnior, Alberto Passos
Guimarães e Ignácio Rangel, bem como aqueles autores que discutem o tema na atualidade,
como José Graziano da Silva, Ariovaldo Umbelino de Oliveira, Bernardo Mançano, José de
Souza Martins, Leonilde Sérvulo de Medeiros, Rosane Balsan, Antônio Buainain, Ângela
Kageyama, Zander Navarro, José Eli da Veiga , entre outros.
Para compreensão dos acampamentos como lugar da materialização da luta pela terra,
buscou-se embasamento nos trabalhos de Maria Garcia Franco, Gonçalves Honório, Euard
Relph, Mônica Iha, Ligia Sigaud, Loera e Maria Cecília Turatti, e muitos outros. Para leitura dos
assentamentos como territórios, consideraram-se autores como Milton Santos, Haesbaert,
Raffestin, Michel Focault e David Caume.
No intuito de elaborar uma metodologia para o estudo da qualidade de vida nos
assentamentos, considerou-se a discussão histórica sobre a qualidade de vida e suas proposições
de análise, a partir de autores como Solon Guerreiro Gutierrez, Eleonora Cebotarev, Metzen et
al., dentre outros.
Especificamente em relação aos estudos sobre assentamentos e qualidade de vida no
Brasil, foram considerados os trabalhos de Sônia Bergamasco, Sérgio Leite, Beatriz Heredia, Gerd
Sparoveck e outros.
10

Considerando que a luta pela terra e a atuação dos movimentos sociais no campo são
elementos que permeiam este trabalho em todos os momentos, os estudos de Ariovaldo
Umbelino de Oliveira, José de Sousa Martins e Leonilde Sérvulo de Medeiros constituíram
referência fundamental desse processo no Brasil. E para o conhecimento desta realidade em
Sergipe, foram considerados de grande relevância os estudos realizados por Eliano Sérgio Lopes
e Rosemiro Magno da Silva.

2.4. A Seleção dos Assentamentos e Acampamentos

Para pesquisa de campo, optou-se por estudar assentamentos e acampamentos, de forma


a obter uma visão global da realidade agrária de Sergipe, a partir do contexto da qualidade de
vida. Assim, foram selecionados três assentamentos por regiões geográficas sergipanas (Sertão,
Agreste e Leste), com base em critérios relevantes à pesquisa, totalizando nove assentamentos,
visitados nos meses de fevereiro, março e abril de 2008. Nesses assentamentos foram
selecionadas amostras aleatórias de famílias, que participaram da entrevista individual e também
das Oficinas Diagnósticas no coletivo.
De acordo com os dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária de
Sergipe (INCRA-SE), até 2008 foram assentadas 8.042 famílias, em 160 assentamentos
localizados nas três mesorregiões: Leste, Agreste e Alto Sertão. Ressalta-se ainda que, apesar de
estarem numa mesma realidade geográfica, os assentamentos trazem em si a diversidade. Para
captá-la, optou-se por selecionar os assentamentos com base nas suas características relacionadas
à sua história de luta pela terra, ao número de famílias assentadas e ao movimento social
envolvido.
Cada assentamento possui uma história diferenciada não apenas pelos movimentos sociais
que os coordenaram como processo de luta e aquisição da terra. O tempo de existência de cada
um também constitui elemento importante para a análise, além da própria localização em cada
uma das mesorregiões, que também os diferencia.
Cada acampamento foi visitado pela mesma equipe, composta pela pesquisadora e pelos
servidores do INCRA-SE. Nessas visitas, foram registradas as coordenadas geográficas para
construir o mapa de sua localização, analisada a situação do imóvel pleiteado pelos acampados,
registrado o número de famílias existentes, além de observações e aproximação da realidade com
relação às estratégias de sobrevivência nos acampamentos. No total, foram visitados 101
acampamentos.
11

Para os acampamentos, foram considerados dois momentos complementares de seleção


para a pesquisa. Numa primeira fase, a proposta foi visitar todos os acampamentos do Estado de
Sergipe, com o objetivo de realizar o seu georreferenciamento e a posterior elaboração do mapa.
Ademais, essas visitas semiorientadas contribuíram para a aproximação da realidade dos
acampamentos, a ser aprofundada posteriormente.
No momento seguinte, o aprofundamento da realidade do acampamento foi realizado a
partir da seleção de três acampamentos, localizados na região sul do Estado, cujos critérios de
seleção foram a viabilidade de acesso (distância, deslocamento, etc.) e a contemplação dos
diversos movimentos sociais envolvidos na luta pela terra em Sergipe.

2.5. A População e a Amostra Selecionada para a Pesquisa

Para realização desta pesquisa, que objetiva a análise da política pública de reforma agrária
e da qualidade de vida das famílias envolvidas, considerou-se relevante a seleção de amostras
probabilísticas das famílias a serem entrevistadas, para caracterização da sua realidade. Isto
porque toda política pública, ao ser analisada, prevê um aspecto quantitativo, inerente à sua
concepção, gestão e avaliação. Como fazer inferências objetivas sobre as condições de vida das
famílias assentadas a partir de um estudo de caso? Como não perceber as diferenças existentes
entre as regiões de um Estado geograficamente pequeno, mas bastante amplo em sua diversidade
relacionada à questão agrária?
Por essas questões, optou-se por selecionar amostras das famílias assentadas com base em
critérios estatísticos e por assentamentos em diferentes regiões, visando identificar as diferenças e
semelhanças dessa realidade. Com relação aos acampamentos, o objetivo maior foi retratar a
realidade das famílias, sem a preocupação de selecionar amostras, mas contar com as famílias
encontradas no acampamento no momento da pesquisa, uma vez que a sua realidade dinâmica e
dos processos migratórios existentes não permitiria uma seleção estatística de mostras.
De acordo com Gil (2008), para que uma amostra represente com fidedignidade as
características do universo, deve-se levar em consideração a extensão do universo, os recursos
existentes, o nível de confiança estabelecido, o erro máximo permitido e a porcentagem com a
qual o fenômeno se verifica. Assim, para o cálculo do tamanho da amostra é preciso saber:
n = tamanho da amostra (o que desejo saber);
o2 = nível de confiança escolhido, expresso em número de desvios-padrão;
p = porcentagem com a qual o fenômeno se verifica;
q = porcentagem complementar (100 - p);
12

e = erro máximo permitido; e


N = tamanho da população.

Ainda de acordo com as proposições do autor, vejamos os significados de cada


componente para o cálculo da amostra.
a) Amplitude do universo: consideram-se como Universos Finitos aqueles cujo número
de elementos não excede a 100.000, que é o caso dos assentamentos em estudo.
b) Nível de confiança estabelecido: é aquele que indicará os desvios-padrão em relação
à sua média. Numa curva normal, a área compreendida por um desvio-padrão, um à direita e um
à esquerda da média, corresponde a 68% de seu total.
- 1 desvio-padrão = 68% de nível de confiança;
- 2 desvios-padrão = 95,5% de nível de confiança; e
- 3 desvios-padrão = 99,7% de nível de confiança.
c) Erro máximo permitido: os resultados de uma pesquisa obtidos por meio de uma
amostra não são rigorosamente exatos em relação ao universo de onde foram extraídos. Esses
resultados apresentam sempre um erro de medição, que diminui na proporção em que aumenta o
tamanho da amostra. É expresso em porcentuais, e nas pesquisas sociais usualmente utiliza-se
uma estimativa de erro entre 3 e 5%. No caso desta pesquisa, foi utilizado o erro de 5%.
d) Porcentagem com a qual o fenômeno se verifica: é a estimação prévia da
porcentagem com que se verifica um fenômeno. Quanto menor o porcentual, maior o tamanho
da amostra. O valor máximo é de 50%. Para verificar a porcentagem com que o fenômeno-
padrão se verifica, considerou-se uma questão-base para as famílias assentadas, que é a sua
origem principal, detectando-se uma homogeneidade nessa população, para o qual assumimos
então o valor de 95%.
Diante do exposto, para o cálculo das amostras utilizou-se a seguinte fórmula, cujos
componentes foram descritos anteriormente:

σ2 p.q.N
n= 2
e ( N − 1) + σ2 p.q

Ressalta-se que na fórmula em questão, para o cálculo da amostra nos assentamentos,


considerou-se N (universo ou número de famílias de cada assentamento) com base nos dados de
cada assentamento, registrados no Sistema de Informações sobre Projetos de Reforma Agrária -
SIPRA, fornecidos pelo INCRA, no momento da pesquisa. Entretanto, de acordo com as
observações in loco, verificou-se que o número de famílias existentes nos assentamentos, em sua
maioria, é superior ao registrado pelo INCRA. A explicação para este fato pode estar no aumento
13

das famílias pela formação de novas, que são desmembradas, ou seja, os filhos dos assentados
que se casam e constituem nova família, residindo, na maioria, no mesmo lote dos pais.
Entretanto, pela impossibilidade de precisar o número total de famílias, optou-se por utilizar o
fornecido inicialmente pelo INCRA, considerando ainda que apenas eses assentados foram
beneficiários diretos da reforma agrária.
De acordo com as proposições e os procedimentos estatísticos adotados, identificaram-se
as seguintes amostras por assentamento (Tabela 1).

Tabela 1 – Projetos de Assentamentos (PAs) selecionados para o estudo. Sergipe, 2007

Projeto de Número de
Região Município Amostra
Assentamento (PA) Famílias no PA
Caípe Nossa S. da Glória 20 15
Agreste Paraíso do São Pedro São M. do Aleixo 70 30
José Gomes da Silva Lagarto 40 23
Subtotal 130 68
Roseli Nunes Estância 30 20
Leste 13 de Maio Japaratuba 41 24
Dorcelina Folador Itaporanga 51 27
Subtotal 122 71
Canindé do São
Cuyabá 200 42
Francisco
Sertão Pioneira Poço Redondo 21 16
Nossa Senhora da
José Ribamar 32 21
Glória
Subtotal 253 79
Total 505 218
Fonte: INCRA/SIPRA (2007a), organizado por Sousa (2009).

Para aprofundar a realidade observada, selecionaram-se três acampamentos, com


características diferentes, em especial quanto à vinculação a movimentos sociais, conforme pode
ser observado na Tabela 2.
No caso dos acampamentos não foi considerada a amostra probabilística, mas sim aquela
identificada por Gil (2008) como amostragem por acessibilidade, que constitui o menos rigoroso
de todos os tipos de amostragem, destituída de qualquer rigor estatístico. Neste caso, o
pesquisador seleciona os elementos a que tem acesso, admitindo que estes possam, de alguma
forma, representar o universo. Normalmente, esse tipo de amostragem é utilizado em estudos
exploratórios ou qualitativos, que é o caso da pesquisa nos acampamentos.
14

Tabela 2 – Acampamentos selecionados para o estudo. Sergipe, 2008

Acampamentos Município Movimento Social Famílias


Amigos para Sempre Estância MST 46
D. José Brandão de Castro Brejo Grande Cáritas 47
Mochila Japaratuba FETASE 25
Total 118
Fonte: INCRA/Ouvidoria Agrária (2008a), organizado por Sousa (2009).

2.6. Os Instrumentos para a Coleta dos Dados

2.6.1. A Aproximação da Realidade

O interesse em estudar a questão agrária no Estado de Sergipe surgiu a partir da


experiência com a docência, no Departamento de Engenharia Agronômica, no qual pude
lecionar, como professora substituta, as disciplinas da área de Fundamentos de Sociologia Rural,
Sociologia e Extensão Rural e Movimentos Sociais do Campo. Essa atividade proporcionou a
oportunidade de contatos com o INCRA e com os Movimentos Sociais (FETASE e MST), por
meio dos quais pude me aproximar um pouco da realidade agrária sergipana.
Nesse processo, foi fundamental o acompanhamento de noticiários da mídia local, em
que, por vários momentos, a questão agrária foi levada a debate, seja reportando os processos de
desapropriação ou de conflitos ambientais, bastante presentes no Estado.
Posteriormente, as viagens técnicas das disciplinas proporcionaram o contato direto com
as famílias assentadas e acampadas, ampliando o leque de informações e também de
questionamento sobre a realidade em questão. Considera -se ainda o contato direto com técnicos
do INCRA, que em suas várias áreas de atuação contribuíram com informações relevantes sobre
as questões agrárias e reforma agrária em Sergipe. Todos esses momentos, aliados às disciplinas
da área agrária cursadas durante o Doutorado, contribuíram para uma aproximação da realidade.

2.6.2. Os Dados Secundários

Utilizaram-se dados de fontes secundárias para dar o embasamento necessário à pesquisa,


sendo aqueles relacionados à estrutura fundiária no Brasil e em Sergipe obtidos a partir do Censo
Agropecuário, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. No que se refere aos
resultados da reforma agrária brasileira, os dados foram reelaborados a partir da apresentação de
15

outros autores, a exemplo de Bernardo Mançano e Eraldo Ramos Filho. Os dados relacionados à
demanda por terra e à reforma agrária em Sergipe foram obtidos no Instituto Nacional de
Reforma Agrária e Colonização – INCRA, Superintendência de Sergipe (SR 23), especificamente
do Sistema de Informações sobre Projetos de Reforma Agrária (SIPRA), Sistema de Informações
Rurais (SIR) e Ouvidoria Agrária. Outros dados secundários com relação à reforma agrária foram
obtidos através da mídia local, de revistas e de jornais.

2.6.3. Os Dados Primários

Para obtenção dos dados primários da pesquisa foram utilizados instrumentos ou


ferramentas específicas, conforme os objetivos a serem atingidos em cada etapa da pesquisa.
Estes podem ser apresentados da seguinte maneira:
a) aplicação de questionários (assentamentos).
b) oficinas diagnósticas de DRPE (assentamentos);
c) visitas orientadas para georreferenciamento (acampamentos);
d) encontros diagnósticos/grupos focais (acampamentos); e
E) entrevistas com o uso de questionários (assentamentos).

a) Aplicação de questionários (assentamentos)

Com o objetivo de caracterizar a realidade dos assentamentos e das famílias assentadas e


contemplar as variáveis de pesquisa relacionadas aos componentes da qualidade de vida, utilizou-
se da aplicação de questionários às famílias assentada s. De acordo com Babbie (2003), o
questionário é um conjunto de questões preelaboradas, sistemática e sequencialmente dispostas
em itens que constituem o tema da pesquisa, com o objetivo de suscitar dos informantes
respostas por escrito ou verbalmente acerca do assunto sobre o qual saibam opinar ou informar.
Entretanto, para que o questionário obtenha êxito nos seus objetivos, são necessários alguns
cuidados não apenas na sua elaboração, mas também na sua aplicação.
De acordo com Gil (2008), devem ser considerados o formato e o teor das questões, a
formulação e o número de perguntas, a ordem das perguntas, entre outros. No que se refere à sua
aplicação, é necessário propiciar o momento adequado e estabelecer confiança para que o
entrevistado possa se sentir seguro para responder as questões. Assim, para fins desta pesquisa foi
elaborado um questionário, pontuando tanto o perfil familiar quanto os indicadores de qualidade
de vida (educação, habitação, saúde, moradia, religiosidade, segurança, lazer, integração social,
trabalho, situação financeira e família) (Anexo 1).
16

Para captar cada um dos indicadores, foram elaboradas questões específicas, de forma a
identificar tanto as condições concretas de cada domínio da vida quanto o nível de satisfação com
a qualidade de vida. No que diz respeito aos aspectos subjetivos da qualidade de vida, foram
examinadas a satisfação e a importância de cada domínio (ou indicador) e a sua prioridade para
cada família entrevistada, bem como a concepção do que significa ou representa qualidade de
vida. Foram elaboradas ainda algumas questões para aprofundar a discussão com as famílias, que
pudessem trazer suas percepções e o nível de satisfação com cada indicador. Neste sentido,
foram elaboradas fichas com desenhos que representassem os indicadores de qualidade de vida
(saúde, moradia, trabalho, religião e outros), para facilitar as famílias atribuir a importância de
cada indicador e, ainda, o seu nível de satisfação com cada um deles, conforme ilustra a Figura 1.
Inicialmente, a realidade é captada pelas questões gerais, por meio das quais se tem um
retrato do assentamento e o resultado da reforma agrária implantada. No segundo momento,
essas famílias atribuem nível de importância de cada indicador, colocando em ordem de
prioridade cada “ficha”, que corresponde aos indicadores. Em seguida, as famílias manifestam o
seu nível de satisfação com cada um dos indicadores (muito satisfeito, satisfeito, indiferente,
insatisfeito e muito insatisfeito). Nesta proposta, é possível identificar as condições reais de cada
indicador da qualidade de vida, como também analisar a percepção das famílias assentadas com
base no nível de importância que elas atribuem a cada um deles, bem como o seu nível de
satisfação, o que proporciona um estudo mais aprofundado e válido da qualidade de vida.

b) Oficinas Diagnósticas de DRPE (Assentamentos)

As Oficinas Diagnósticas foram realizadas em 2007, com o objetivo de aprofundar as


questões sobre a realidade dos assentamentos, buscando identificar a percepção dos envolvidos
sobre a reforma agrária realizada, a partir das experiências anteriores, de modo a comparar a
qualidade de vida percebida antes e depois do assentamento. Além disso, buscou-se identificar, na
percepção dos mesmos, quais são as principais limitações e potencialidades da realidade atual,
bem como os caminhos a serem percorridos para atingir a qualidade de vida almejada. De modo
geral, buscaram-se respostas para os seguintes questionamentos:
- Qual a qualidade de vida percebida antes e depois da reforma agrária?
- Quais as limitações e potencialidades percebidas nos assentamentos?
- Quais são os gargalos da reforma agrária que devem ser superados?
- Como podem ser superados?
17

Fonte: fotografia do acervo pessoal da pesquisadora (2008).

Figura 1 – Assentado utilizando as fichas para representar a qualidade de vida. PA “Paraíso do


São Pedro”. São Miguel do Aleixo, SE.

Para embasar esta proposta, fez-se uso dos princípios do Diagnóstico Rápido
Participativo Emancipador (DRPE), especificamente da ferramenta Matriz Realidade, Processo e
Desejo (PEREIRA, 2001). Os objetivos do DRPE estão voltados para os processos de
conscientização dos assentados que lhes permitam mover-se de um estado de ser para um estado
de ser mais, ou seja, saírem de uma situação de dependência ou tutoria para uma situação
sustentada ou emancipada, dentro da perspectiva educativa de Paulo Freire. São objetivos:
identificar temas geradores (problematização); levantar informações qualitativas (estratégias de
ação); e identificar limitações e potencialidades. Nesse sentido, o DRPE procura valorizar e
reconhecer o saber local, identificando o ponto de partida estrutural dos assentamentos, como
princípio de um processo de intervenção educativa no qual a equipe responsável pela pesquisa e
os assentados cumprem papéis distintos. A equipe incentiva a discussão com base nos temas
geradores e os assentados continuam a discussão, apresentando suas concepções sobre as
limitações e potencialidades percebidas.
De acordo com Pereira (2001), a Matriz de Realidade/Processos/Desejos é uma técnica
que consiste na elaboração de uma matriz onde são cruzadas as informações sobre os problemas,
suas causas e as possíveis soluções apresentadas pelos assentados.
Eis uma síntese da realização dessas oficinas com base na ferramenta apresentada:
- Inicialmente, as lideranças foram contatadas, bem como as famílias que já participaram
dos questionários, para que estivessem mobilizadas a participar de um encontro na comunidade.
18

- Preparou-se um ambiente propício à discussão, utilizando dinâmicas de grupo de


entrosamento e abertura.
- Em seguida, apresentou-se o objetivo da reunião, que foi conhecer os anseios e
problemas da comunidade e o que poderia ser feito para melhorar sua vida. Todos foram
convidados a identificar os problemas e as potencialidades e a buscar, em conjunto, as soluções.
- A primeira etapa consistiu em discutir um pouco, no grupo geral, a reforma agrária e o
que ela proporcionou, buscando comparar a vida antes e depois do assentamento.
- Depois, os participantes foram divididos em grupos, disponibilizando-se material
didático e o interlocutor da equipe para que pudessem, em cada grupo, discutir a Matriz
Realidade, Processo e Desejo. A discussão, que foi depois transcrita ou ilustrada, obedeceu à
seguinte ordem: Quais são os nossos principais problemas na atual realidade, para ter uma vida
melhor (as limitações, REALIDADE)? Depois, qual a vida melhor que queremos ou desejamos
(DESEJO)? Em seguida, quais são os caminhos a seguir para atingir os objetivos que desejamos e
superar as limitações (as potencialidades, PROCESSO)?
- Então, cada grupo apresentou as discussões e a matriz confeccionada, de modo que, ao
final, todos os olhares pudessem ser representados.
- Aproveitou-se ainda o momento para gravar os depoimentos dos mais antigos no
assentamento, convidados principalmente com este objetivo, para registrar, através da história
oral, a trajetória de lutas no acampamento e o histórico do assentamento.
- Ao final da experiência com os grupos, foram realizadas dinâmicas de encerramento e
fez-se o agradecimento pela colaboração com a pesquisa.
- Todos os dados foram registrados (fotos, relatórios, matriz e gravações), de modo que
pudessem ser analisados posteriormente.
Seguindo esse programa, foram realizadas as Oficinas Diagnósticas nos assentamentos,
conforme ilustra a Figura 2.

c) Visitas orientadas para georreferenciamento (acampamentos)

Com o objetivo de conhecer a realidade dos acampamentos e das famílias acampadas e de


registrar a localização desses acampamentos e suas espacializações em Sergipe, foram visitados
101 acampamentos no período de julho a setembro de 2008, conforme descrição a seguir:
- Território Centro-Sul: 48 acampamentos.
- Território Baixo São Francisco: 19 acampamentos.
- Território Sertão Ocidental: 16 acampamentos.
- Território Agreste: 2 acampamentos.
- Território Vale do Cotinguiba: 16 acampamentos.
19

Fonte: Fotografia do acervo pessoal da pesquisadora (2008).

Figura 2 – Encontro diagnóstico, oficina de DRPE, no PA “Dorcelina Folador”, Itaporanga


D’Ajuda, SE.

A proposta inicial da pesquisa era visitar todos os acampamentos do Estado de Sergipe,


conforme cronograma de atividades proposto no Plano de Trabalho, elaborado a partir da
parceria entre a Universidade Federal de Sergipe e o INCRA, para excussão desta etapa da
pesquisa. Entretanto, em virtude de problemas políticos e relações de poder observadas entre
MST e INCRA, a pesquisa foi interrompida por determinação do INCRA. Neste sentido, ainda
faltavam visitar 83 acampamentos, conforme descrição a seguir:
- Território Centro-Sul: 1 acampamento;
- Território Sertão Ocidental: 7 acampamentos; e
- Território Alto Sertão: 75 acampamentos.
Durante as visitas, as famílias que se encontravam presentes, expressaram as dificuldades
em permanecer na luta, as duras condições de sobrevivência e as estratégias utilizadas por elas. As
famílias foram convidadas a registrar suas percepções sobre a reforma agrária, e cada um
partilhou, oralmente, os seus anseios e suas expectativas quanto em relação a ela (Figura 3).
Os acampamentos visitados foram georreferenciados e registrou-se o número de famílias
que faziam parte de cada um deles, tendo sido considerados mesmo aqueles membros que não
estavam presentes no momento (em virtude do rodízio normal a realidade do acampamento).
No início da pesquisa, o INCRA forneceu a lista dos acampamentos, contendo o nome
de cada acampado cadastrado. Nesta fase, procedeu-se a uma “chamada”, com base nessa lista,
momento em que o servidor representante da Ouvidoria Agrária conferia os casos de desistências
e similares, para os quais deveriam ser efetuados os ajustes necessários e o cancelamento de
20

Fonte: Fotografia do acervo pessoal da pesquisadora (2008).

Figura 3 – Visita orientada para georreferenciamento e diagnóstico da realidade local, no PA


“Caio Prado”. Santo Amaro, SE.

cadastros, ou seja, atualização de cadastros. Esse recadastramento era efetuado para distribuição
de cestas básicas, que faz parte do Programa Fome Zero, do Ministério do Desenvolvimento
Social. Entretanto, em virtude da pressão dos movimentos sociais, a lista deixou de ser fornecida
pelo INCRA, o que impossibilitou continuar a conferência dos dados em questão. Diante disso, a
pesquisa nos acampamentos continuou, mas não foi mais possível saber o número de acampados.
Entretanto, buscou-se identificar qual seria o número aproximado de famílias em cada
acampamento.

d) Encontros Diagnósticos/Grupos Focais (Acampamentos)

Para aprofundar a realidade observada, realizaram-se Encontros Diagnósticos nos


acampamentos, com base nos princípios da ferramenta Grupo Focal.
De acordo com Neto et al. (2006), ao optar por abordar a técnica de Grupos Focais na
pesquisa social, é preciso enfatizar que esse debate recebe destaque por sua importância para o
futuro da pesquisa social, que demanda, cada vez mais, uma postura crítica e dialética, visando à
superação dos pontos contraditórios, tornando-os públicos para que possam também ser
submetidos a outras críticas.
Os mesmos autores definem os grupos focais como sendo uma técnica de pesquisa na
qual o pesquisador reúne, num mesmo local e durante certo período, uma determinada
quantidade de pessoas que fazem parte do público-alvo de suas investigações, tendo como
21

objetivo coletar, a partir do diálogo e do debate com e entre eles, informações acerca de um tema
específico. Foi nesta perspectiva que foram construídos os encontros diagnósticos, realizados nos
acampamentos, conforme descrição a seguir.
Esses Encontros Diagnósticos foram previamente agendados com os acampados, nos
quais esteve presente a maior parte deles, com o objetivo de identificar a trajetória de luta pela
terra e as expectativas quanto à reforma agrária. No primeiro momento, os acampados puderam
relatar, de forma coletiva, a história do acampamento desde a sua origem, bem como as
percepções e expectativas quanto à reforma agrária (Figura 4). De forma coletiva, resgatou-se a
história de luta pela terra naquele acampamento.

Fonte: Fotografia do acervo pessoal da pesquisadora (2008).

Figura 4 – Encontro diagnóstico com as famílias acampadas, no PA “Amigos para Sempre”.


Estância, SE.

e) Entrevistas com o uso de questionários (acampamentos)

No segundo momento, cada família acampada foi entrevistada, segundo um roteiro


semiestruturado (Figura 5).
Nessa visita, objetivou-se identificar as seguintes questões: a origem da família e os
processos migratórios; o perfil do demandante de terra; a situação socioeconômica da família; as
estratégias de sobrevivência; as expectativas quanto à reforma agrária; e as percepções sobre a
qualidade de vida.
22

Fonte: Fotografia do acervo pessoal da pesquisadora (2008).

Figura 5 – Aplicação de questionário a acampada, no PA “Amigos para Sempre”. Estância, SE.

Os questionários foram aplicados às famílias que se encontravam presente no


acampamento após o encontro diagnóstico, sendo o responsável pela família o seu entrevistado.
A aplicação desses questionários ocorreu justamente após o diagnóstico para que os acampados
estivessem descontraídos e propícios a ter uma relação mais abertas com a equipe de pesquisa,
conforme indica Gil (2008). Assim, o questionário abrangia diversas questões socioeconômicas,
além das estratégias de sobrevivência e perspectivas sobre a reforma e a qualidade de vida
(Anexo 2).

2.6.4. Os Dados Complementares

Algumas entrevistas e conversas informais realizadas com a liderança estadual do


Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra – MST, Coordenação de Sergipe, foram
consideradas como dados complementares, assim como as conversas informais realizadas com
funcionários do INCRA (Câmara Técnica, Ouvidoria Agrária, Superintendência, Transporte), por
ocasião da realização do trabalho de campo, conforme a parceria estabelecida. Estes últimos
dados, ainda que em cará ter informal, contribuíram para ampliar o conhecimento da realidade da
reforma agrária em Sergipe e dos processos de desapropriação de imóveis e conflitos
relacionados.
23

2.7. Os Instrumentos para a Análise dos Dados

Para cada instrumento de pesquisa utilizado, procedeu-se à análise mais pertinente e


adequada à natureza dos dados, conforme descrição a seguir:

a) Aplicação de questionários (assentamentos e acampamentos): os dados obtidos


através dos questionários foram tabulados e analisados por meio de métodos estatísticos
descritivos (medições de frequências simples e média). Este procedimento foi adotado, tendo em
vista a própria natureza descritiva-exploratória do estudo em questão. As frequências foram
discutidas, apresentando-se e discutindo aquelas de maior expressividade, sendo as médias
também descritas. As questões abertas foram, categorizadas pela sua frequência e agrupada s
conforme a semelhança entre elas, sendo, então, relatadas na pesquisa. Os depoimentos tomados
foram utilizados como forma de “ilustrar” a realidade apresentada pelas famílias.

b) Oficinas Diagnósticas de DRPE (assentamentos): os dados obtidos no DRPE,


especificamente da Matriz Realidade, Processo e Desejo, foram transcritos na íntegra, agrupados
de acordo com suas semelhanças e sua representatividade, de modo a apresentar a realidade do
assentamento. Os depoimentos também foram registrados e são utilizados para ilustrar as
temáticas da pesquisa.

c) Visitas orientadas para georreferenciamento (acampamentos): as coordenadas


geográficas, registradas em cada acampamento visitado, foram submetidas a tratamento
cartográfico, em parceria com o INCRA, sendo possível a construção de base cartográfica
contendo a localização dos acampamentos em Sergipe, o que possibilitou não apenas a sua
visualização, mas também a sua espacialização, aliada ao número de famílias acampadas,
resultando no Mapa dos Acampamentos de Sergipe. Este mapa foi sobreposto ao Mapa dos
Assentamentos em Sergipe, já existente, mas que foi atualizado por ocasião da pesquisa,
resultando assim no Mapa da Reforma Agrária em Sergipe, que contém informações sobre os
assentamentos e acampamentos no Estado.

d) Encontros diagnósticos/grupos focais (acampamentos): do mesmo modo que


nas Oficinas Diagnósticas de DRPE, as informações obtidas no Encontro Diagnóstico/Grupo
Focal nos acampamentos foram sistematizadas e transcritas na íntegra, de forma a relatar a
história de luta pela terra e do acampamento em questão, bem como as expectativas quanto à
reforma agrária e aos impasses vivenciados. Os depoimentos marcantes foram utilizados para
ilustrar as questões de pesquisa.
24

e) Documentos e demais dados secundários: os documentos foram analisados,


considerando a sua procedência e o seu conteúdo, sendo as informações relevantes descritas na
pesquisa.

Assim, a análise enfatizou os dados obtidos de todas as fontes utilizadas, inter-


relacionando-os de forma a proporcionar uma visão global das questões avaliadas. Ressalta-se,
porém, que o principal foco de análise desta pesquisa se concentra no posicionamento das
famílias, sendo as outras categorias complementares.
25

3. A QUESTÃO AGRÁRIA BRASILEIRA DA ORIGEM À ATUALIDADE:


UMA ANÁLISE DOS VELHOS E NOVOS DILEMAS

Quando se faz referência à questão agrária brasileira, basicamente se está fazendo alusão a
uma questão histórica, política e persistente ao longo da história do nosso País. Neste sentido,
optou-se por uma análise da questão agrária3, a partir da história econômica e política do Brasil,
sobre a origem do problema agrário e da análise dos clássicos que discutiram o tema na década de
1960, por exemplo, Ignácio Rangel (1962), Caio Prado Júnior (1979) e Alberto Passo Guimarães
(1981), priorizando elementos de discussão sobre a fundamentação do problema agrário e as
soluções propostas por cada um deles. Na sequência, discutem-se os debates posteriores (década
de 1980) e atuais sobre a questão agrária, buscando relacionar a questão agrária e os
direcionamentos da política nacional de reforma agrária.

3.1. Os Aspectos Históricos da Origem do Latifúndio e da Propriedade Camponesa

Compreende-se que a análise da questão agrária possui vários elementos, dos quais se
priorizou, a partir dos autores mencionados, a origem do latifúndio, da concentração de terras e
da propriedade camponesa no Brasil, bem como as relações sociais de produção estabelecidas,
considerando estes elementos como fundamentais para a compreensão da realidade agrária
brasileira.
É unânime entre os estudiosos da questão agrária que a sua origem remonta à colonização
brasileira, momento em que a Coroa Portuguesa se apossa do território, que hoje corresponde a
uma parte do que é o Brasil, conferindo novos arranjos produtivos e a instauração da propriedade
da terra, anteriormente considerada como “bem comunal” entre os nativos. A esse respeito,
Guimarães (1981) comenta que era pacífica a vida brasileira, segundo os registros dos primeiros
cronistas sobre as condições de existência encontradas pelos conquistadores: “A terra era um
bem comum, pertencente a todos, e muito longe se achavam seus donos de suspeitar que pudesse
alguém pretender transformá-la em propriedade privada” (GUIMARÃES, 1981, p. 5).

3
Segundo Stédile (1997), a expressão questão agrária foi introduzida pelos primeiros estudiosos da Economia Política,
os chamados clássicos, que começaram a analisar como se desenvolvia o capitalismo na agricultura, sendo
precursores nos estudos fundamentais sobre a forma de o capital se desenvolver nos diferentes modos de
produção, em especial no capitalismo.
26

Para o autor, os colonizadores iniciaram, através de contatos amistosos com os gentios, o


processo de exploração das diversas riquezas encontradas nesta terra e de aliciamento da mão-de-
obra nativa. Em momento posterior, essa relação deixa de ser tão amistosa, resultando em
conflitos marcados por violência entre os colonizadores e os nativos, caracterizados pela
apropriação das terras e bens. De acordo com Guimarães (1981), os colonizadores portugueses
utilizavam as colônias, a exemplo do Brasil, para fins exclusivamente de exploração, tendo por
base a riqueza extrativa, os índios e o tráfico de escravos. Para o autor, esse período é
caracterizado como o monopólio feudal da terra (o que é controverso), com base nas relações de
domínio sobre as coisas e as pessoas. Neste sentido, percebe-se a necessidade de transformar a
terra conquistada em colônia de exploração, exigindo instituições jurídicas e novas formas de
propriedade da terra.
Esses aparatos jurídicos sobre a propriedade da terra podem ser evidenciados na análise
histórica da questão agrária realizada por Medeiros (2003). De acordo com a autora, a primeira
forma de distribuição das terras foi o sistema de Capitanias Hereditárias, por meio do qual a
Coroa Portuguesa destinava grandes extensões de terra a donatários, que eram sempre membros
da nobreza portuguesa ou prestadores de serviços à Coroa. Esses donatários tinham o direito de
repartir e distribuir parcelas de suas capitanias, entregues àqueles que, além de interesse,
apresentassem recursos para explorá-la, produzindo gêneros comercializáveis e gerando tributos e
lucros para a Coroa. Assim, para ter acesso à terra, era condição essencial “ser amigo do rei”,
pertencer à nobreza e ter posses suficientes para pagar os tributos e gerar divisas (MEDEIROS,
2003).
Guimarães (1981) salienta que as terras distribuídas no regime de sesmarias deveriam ser
medidas, registradas e cultivadas. Entretanto, pela escassez de técnicos e pelo elevado custo para
a medição, isto não era cumprido, ocasionando a posse desordenada de terras. Nesse panorama,
nasceram mais demandas por terra do que se tinha em sesmarias:

[...] As demandas, pois, à proporção que a população ia crescendo e se


movendo para o interior, recresceram e chegaram as coisas ao ponto que em
1822 se julgasse melhor não fazer concessões de terras por título de sesmaria,
porque a experiência havia mostrado que produziam elas mais desordens entre
os cultivadores e punham cada vez mais duvidosa a propriedade territorial
(GUIMARÃES, 1981, p.59).

A ocupação, em escala cada vez maior, de terras não cultivadas ou devolutas por grandes
contingentes da população rural seria, na opinião do autor, um acontecimento de maior
significação para a história do monopólio da terra no Brasil. Esses posseiros ou intrusos
pressionaram as autoridades do Brasil Colônia a tomarem outro caminho para acautelar e
defender os privilégios da propriedade fundiária. Esta luta por novas formas de apropriação da
27

terra foi o que tornou possível, mais tarde, o aparecimento da propriedade capitalista e da
propriedade camponesa.
No século XIX, o Brasil passava por grandes transformações sociais e a luta pelo fim da
escravidão era aspecto internacionalmente discutido, gerando pressões para que ela fosse
eliminada no Brasil. De acordo com Guimarães (1981), essa é outra questão que merece destaque
no que se refere ao monopólio da terra no País. É neste contexto que é promulgada a Primeira
Lei de Terras4 (Lei no 601, de 18 de setembro de 1850), que definiu a forma como seria
constituída a propriedade privada da terra. Dentre as suas atribuições, a lei determinava que
somente poderia ser considerado proprietário da terra aquele que legalizasse sua propriedade nos
cartórios, pagando certa quantia em dinheiro para Coroa. Medeiros (2003) relata esse momento
histórico, afirmando que

Em meados do século XIX, quando começaram a surgir dificuldades para a


continuidade do uso de mão-de-obra escrava, uma vez que o tráfico negreiro
passou a ser publicamente condenado e duramente perseguido no plano
internacional, o debate sobre novas formas de trabalho para as grandes lavouras
também passou a ser uma discussão sobre o uso da terra e as condições de sua
apropriação. O resultado da polêmica em torno da apropriação e do uso da
terra foi a Lei de Terras, aprovada em 1850. Por meio dela, garantiram-se
mecanismos que possibilitaram a manutenção da concentração fundiária e da
disponibilidade de mão-de-obra (MEDEIROS, 2003, p. 10).

Na verdade, a análise que a autora faz da criação da Lei de Terras é que esta foi uma
estratégia para evitar que os pobres e os escravos tivessem acesso à terra. Se o fim da escravidão
era fato inevitável, o Império tratou de legislar o processo de posse, para que o acesso à terra
fosse mais restrito, assegurando a disponibilidade de mão-de-obra, já que os escravos libertos, por
não possuírem recursos para registrarem terras, tenderiam a permanecer nas fazendas como
trabalhadores assalariados (e muitas vezes permaneciam nas fazendas realizando as mesmas
tarefas, sem serem remunerados).
Nota-se que o trabalhador rural, aqui representado pelos negros e libertos pobres (os
primeiros antes se encontravam escravizados sob o domínio coercivo e violento dos senhores de
terras, destituídos dos direitos humanos básicos, e os segundos expropriados de terras e outros
meios de produção), agora se submete a outras formas de dominação pela necessidade do
trabalho, da sujeição das suas forças produtivas ao proprietário da terra. Essa questão pode ser

4
A Lei de Terras regulamentou a situação de posse e propriedade das terras após o vazio legal que se seguiu à
extinção do regime de sesmarias, depois da Independência do Brasil em 1822. Ela legitimava o direito de posse em
terras ocupadas com culturas efetivas, recompensava o cultivo eficiente, concedendo ao posseiro outro tanto do
que possuísse, garantindo, dessa forma, as condições preexistentes de acesso à terra. Sua face mais importante era a
que se voltava para o futuro, determinando que ficavam proibidas as aquisições de terras devolutas por outro título
que a a compra (MEDEIROS, 2003, p. 11).
28

evidenciada nas argumentações de Oliveira (1991), ao afirmar que o desenvolvimento do


capitalismo no campo aconteceu de forma desigual e contraditória, no processo que ele
denomina de metamorfose da renda da terra em capital.
Martins (1991) amplia essa discussão ao comentar que a questão agrária brasileira tem
duas faces combinadas: a expropriação e a exploração. Por expropriação entende-se a separação
do trabalhador dos seus meios de produção, sobretudo o acesso à terra. Assim, para trabalhar ele
precisará vender sua força de trabalho ao capitalista, que detém esses meios, e se sujeitar às regras
do capital, que lhe dita às leis.
Dessa forma, percebe-se que a própria origem dessa distribuição de terras, considerando a
Lei de Terras, ocasionou a exclusão de muitos trabalhadores do campo, a começar pelos
escravos, recém-libertos, mas que não tinham a mínima condição de adquirir terras. E mesmo em
liberdade, continuaram escravos dos novos senhores de engenho e dos barões do café, os
latifundiários, conforme salienta Martins (1990). Para o autor,

a Lei de Terras e a legislação subsequente codificaram os interesses combinados


de fazendeiros e comerciantes, instituindo as garantias legais e judiciais de
continuidade da exploração da força de trabalho, mesmo que o cativeiro
entrasse em colapso. Na iminência de transformações do regime escravista,
criavam as condições que garantissem, ao menos, a sujeição do trabalho.
Importava menos a garantia de um monopólio de classe sobre a terra do que a
garantia de uma oferta compulsória de força de trabalho à grande lavoura.
(MARTINS, 1990, p. 59).

Outra consequência social dessa Lei foi a consolidação do grande latifúndio como
estrutura básica da distribuição de terras no Brasil, pois os que receberam as sesmarias
regularizaram suas posses e transformaram-nas em propriedade privada, assegurando o domínio
da principal riqueza do País: suas terras. O latifúndio vai sendo consolidado através dos ciclos
econômicos brasileiros, a exemplo da cana-de-açúcar e do café, que fortaleceram e ampliaram as
grandes propriedades e o poder dos senhores de terra, além de legitimar as relações de trabalho
desiguais.
Guimarães (1981) argumenta que a partir da extinção do regime sesmeiro iria
desenvolver-se, com um pouco mais de liberdade, a ocupação das terras, possibilitando seu
acesso a amplas camadas mais modestas da população. Para o autor, esses posseiros ou intrusos
não chegaram a fazer fazendas, não indo suas posses além da categoria dos sítios, precursores
como forma de um novo tipo de repartição da terra – a pequena propriedade. Mas somente no
século XIX, após muitas lutas das populações pobres do campo, é que despontam os embriões
da classe camponesa. Para o autor, durante 388 anos o latifúndio colonial (para o autor, feudal), o
29

sistema escravista e a plantation5 lançaram mão dos mais variados meios para impedir que as
massas oprimidas, que vegetavam à ourela das sesmarias ou se agregavam aos engenhos e
fazendas, tivessem acesso à terra e nela se fixassem em caráter permanente com suas pequenas ou
médias explorações.
Uma característica observada é que havia casos em que eram concedidas a esses
despossuídos pequenas áreas de terra para a agricultura necessária ao sustento. Entretanto, o
objetivo maior dos fazendeiros era mantê-los subjugados, garantindo reserva de mão-de-obra aos
latifúndios.
Apesar de o aparecimento da pequena propriedade no Brasil, como instituição
consolidada, ter ocorrido durante o primeiro quartel do século XIX, após a vinda dos imigrantes
europeus para as regiões meridionais, houve a gestação da classe camponesa, derivada
inicialmente da incorporação aos engenhos de açúcar de uma multidão de trabalhadores livres
miseráveis, desprovida de todos os meios de produção e sem qualquer função importante na
estrutura produtiva (GUIMARÃES, 1981). Não se concorda que estes trabalhadores não tiveram
importância, uma vez que foram eles os responsáveis pela reserva de mão-de-obra.
Assim, os intrusos e os posseiros foram os precursores da pequena propriedade
camponesa, e a posse foi o elemento decisivo para obtenção de terras. Segundo Guimarães
(1981), a posse passa à história como a arma estratégica de maior alcance e maior eficácia na
batalha secular contra o monopólio da terra. Inicialmente, limitavam-se às terras de ninguém, nos
intervalos das sesmarias, depois expandiram-se para as sesmarias abandonadas e, por fim, para as
terras devolutas.
Mas é no período da colonização estrangeira, a partir da imigração iniciada no século
XIX, que se consolida a propriedade camponesa, que não é constituída apenas de imigrantes, mas
por todos aqueles que não tiveram acesso à terra nesse processo histórico: os posseiros, os
intrusos, os colonos e demais destituídos de terra. É essa grande massa que constitui os
camponeses, com suas características na agricultura e no modo de produção diferenciado do
capitalista. Nesse sentido, Oliveira (1991) ressalta que

o que podemos concluir desse processo de desenvolvimento desigual e


contraditório do capitalismo, particularmente no campo, é que estamos diante
da sujeição da renda da terra ao capital. O que significa dizer que o capital não
expande de forma absoluta o trabalho assalariado, sua relação de trabalho típica,
por todo canto e lugar, destruindo de forma total e absoluta o trabalho familiar
camponês. Ao contrário, ele, o capital, o cria e recria para que sua produção

5
O termo plantation refere-se à grande exploração agrícola de monocultura, que engloba atividades de cultivo e
beneficiamento às explorações escravistas coloniais no continente americano, "sobretudo" no Brasil, nas Antilhas e
nos Estados Unidos, cuja produção se destinava basicamente à exportação de gêneros dos trópicos (algodão, fumo,
café e açúcar, etc.).
30

seja possível, e com ela possa haver também a criação de novos capitalistas
(OLIVEIRA, 1991, p.20).

Os capitalistas são todos aqueles que, possuidores de capital, destinam-no à produção. Na


agricultura adquirem terras e outros meios de produção e contratam mão-de-obra para trabalhar
para eles em troca de um salário, que caracteriza relação de trabalho e de produção baseada na
exploração do trabalho alheio, diferente daquela baseada na família, numa unidade camponesa
(OLIVEIRA, 1991).
Guimarães (1981, p. 217) conceitua a propriedade camponesa típica como

aquela que, sendo explorada exclusiva ou principalmente à base do trabalho


familial, basta para proporcionar a subsistência da família do seu possuidor ou
para lhe fornecer pequeno excedente, cuja venda ou realização no mercado lhe
dá o necessário para atender às outras necessidades essenciais (habitação,
vestuário, recreação, etc.).

Oliveira (1991) acrescenta que alguns elementos são típicos dessa produção camponesa: a
força de trabalho familiar, a ajuda mútua e a parceria, o trabalho acessório em algumas épocas do
ano; a socialização do jovem camponês para reprodução social; e a propriedade da terra, a
propriedade da terra e dos meios de produção, como também a jornada específica de trabalho.
Um aspecto interessante apresentado por Oliveira (1991) é que, ao mesmo tempo em que
há o aumento dos latifúndios capitalistas, há o aumento das unidades camponesas de produção.
Ou seja, ao mesmo tempo em que aumenta a concentração de terras nas mãos do latifúndio,
aumenta o número de camponeses na luta pela recuperação das terras expropriadas. Porém,
Guimarães (1981) ressalta que nas épocas promissoras para a atividade agrícola o latifúndio
agrega novas propriedades, e em épocas de crise agrícola as pequenas propriedades tendem a
aumentar. Este fato pode ser explicado pela necessidade de equalizar produção e mão-de-obra.
Assim, a expansão do capitalismo no País passa, necessariamente, pelo domínio do
trabalho assalariado nas grandes e médias propriedades e pelo predomínio do trabalho familiar
camponês nas pequenas propriedades.
De acordo com Stédile (1997), os problemas agrários que podem ocorrer em uma
sociedade compreendem diversos aspectos e características, mas quando nos referimos à questão
agrária, ao problema agrário ou à questão fundiária de determinado País, estamos nos referindo à
existência de problemas basicamente na forma de propriedade e posse da terra. O autor
complementa ainda que a existência de problemas agrários pode ser constatada em qualquer país,
sempre que a forma de distribuição da terra, seu uso e a propriedade se constituem num
empecilho para o aumento da produção, para o abastecimento satisfatório de toda a população e
para o progresso social e econômico da sociedade.
31

Dessa forma, a compreensão dos elementos discutidos, como a origem da propriedade


privada da terra, dos latifúndios capitalistas e suas grandes concentrações de terra, da propriedade
camponesa e as das relações de trabalho observadas nesse processo histórico, fomenta a análise
da questão agrária brasileira e dos debates que se travaram em torno dela ao longo da história.

3.2. Os Debates Clássicos da Questão Agrária (Década de 1960)

Na década de 1960, o Brasil vivenciou intenso debate sobre a necessidade de reformas na


estrutura socioeconômica e na estrutura fundiária do País. Os autores que contribuíram para o
debate da questão agrária nessa década se pautam na análise histórica, com base no contexto
político da época, já que possuíam percepções políticas partidárias, que em alguns momentos
convergiam e em outros divergiam entre si. O pensamento político de cada um e as suas
interpretações da realidade agrária brasileira estavam diretamente relacionadas à sua filiação
partidária.
Stédile (2005), ao tratar da biografia dos autores, comenta que Alberto Passos Guimarães,
nascido em 1908 na cidade de Maceió, foi um economista e historiador atento ao debate político
sobre a questão agrária, no início da década de 1960. Em 1963, publicou seu livro “Quatro
Séculos de Latifúndio”, no qual procurou elucidar alguns aspectos desse tema a partir de uma
interpretação histórica sobre o campo brasileiro. Ele peertencia a um grupo de esquerda, o
Partido Comunista Brasileiro (PCB).
Caio Prado Júnior, também de esquerda e do mesmo partido de Guimarães, mas
dissidente, discordava nos aspectos da interpretação da formação histórica do Brasil. Membro do
PCB desde o início da década de 1930, este historiador caracterizou-se tanto pela militância
política quanto pela produção intelectual, geralmente voltada para a realidade brasileira.
Ignácio Rangel, historiador e considerado um dos maiores economistas brasileiros,
participou, em 1950, do famoso curso da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe
– CEPAL, tornando-se discípulo e continuador dos grandes nomes da escola, possuindo uma
vasta obra de reflexão teórica.
Para melhor entender a contribuição de cada um desses autores para a compreensão da
questão agrária brasileira, faz-se necessário ressaltar alguns aspectos de suas obras.
32

3.2.1. As Contribuições de Alberto Passos Guimarães

Para Guimarães (1981), o problema agrário da época estava relacionado à origem histórica
do território brasileiro, que resultou na concentração de terras e cristalizou as relações feudais.
Para ele, a concentração de terras e a distribuição de renda daí resultante seriam empecilhos para
um desenvolvimento capitalista mais democrático, uma vez que impediria a criação de um amplo
mercado interno de massas para a indústria nascente no País. O autor parte da gênese da colônia
brasileira para explicar a estrutura agrária vigente.
A colonização brasileira, como discutida anteriormente, ocorreu através da divisão do
território conquistado em imensas extensões de terras doadas a indivíduos com condições de
produzir e mantê-las. O autor denominou essas grandes extensões de terra de latifúndios.

Como latifúndios, temos conceituado as unidades agropecuárias por demais


extensas para serem exploradas exclusiva ou predominantemente pelo trabalho
do núcleo familiar, como a propriedade camponesa, ou exclusiva ou
predominantemente pelo trabalho assalariado, como a propriedade do tipo
capitalista (GUIMARÃES, 1981, p. 223-224).

A grande propriedade fundiária tornou-se o principal meio de produção no campo,


impondo a outros setores econômicos seus interesses e objetivos, principalmente a manutenção
de uma estrutura agrária desigual. No que se refere às relações sociais de produção no campo, o
autor afirmou que o monopólio da terra nas condições pré-capitalistas em que a agricultura foi
submetida assegurou à classe latifundiária um poder que se perpetuou ao longo do tempo: o
poder extraeconômico. Esse poder representou o domínio dos latifundiários sobre as coisas e as
pessoas, exercido dentro ou em torno das grandes propriedades fundiárias (GUIMARÃES, 1981).
Era a partir dessas relações coercitivas entre latifundiários e seus moradores, agregados,
meeiros, colonos, camaradas, assalariados e vizinhos, que viviam alguns milhões de trabalhadores
brasileiros, à margem das garantias legais e sujeitos aos senhores da terra. Para o autor, o
monopólio feudal da terra explica esta questão:

Todas essas e outras relações extra-econômicas derivam do monopólio feudal


da terra e correspondem a um tipo de exploração pré-capitalista que consiste
em coagir os trabalhadores a lavrarem a terra que não lhes pertence, por
processos primitivos ou rotineiros e mediante uma ínfima participação no
produto de seu trabalho (GUIMARÃES, 1981, p. 36).

Na concepção do autor, essa dinâmica social perpetuou os fatores regressivos e atrasados


existentes na estrutura fundiária do País, reforçando as interligações com as formas primitivas de
capital comercial e, a partir do século XIX, a dependência de trustes internacionais, os novos
compradores da produção latifundiária.
33

Assim, Guimarães (1981) defendia a tese de que era preciso uma reforma agrária
redistributiva, que pudesse quebrar a concentração de terras nas mãos de poucos e o poder
político de seus proprietários, apresentando algumas medidas que considerou adequadas para a
solução da questão agrária a partir de sua interpretação sobre o campo. Um aspecto marcante
dessa interpretação foi a defesa da existência do feudalismo no País. Para o autor,

a simples eliminação em nossa História da essência feudal do sistema


latifundiário brasileiro e a consequente suposição de que iniciamos nossa vida
econômica sob o signo da formação social capitalista significa, nada mais nada
menos, considerar uma excrescência, tachar de supérflua qualquer mudança ou
reforma profunda de nossa estrutura agrária (GUIMARÃES, 1981, p. 33).

Segundo Guimarães (1981), o não reconhecimento de um passado feudal tinha como


consequência a defesa de um passado capitalista, politicamente não reformista e não
revolucionária para a solução dos problemas do campo, e sim evolucionista: desenvolvimento
gradual e sem reformas, no qual negar o feudalismo significava retirar da reforma agrária seu
conteúdo dinâmico e revolucionário.

Esse conteúdo dinâmico e revolucionário, na presente etapa da vida brasileira,


se expressa pelo objetivo principal do movimento pela reforma agrária, que é o
de extirpar e destruir, em nossa agricultura, as relações de produção de tipo feudal e
não as relações de produção do tipo capitalista (GUIMARÃES, 1981, p. 34).

A reforma agrária seria medida indispensável para a solução da questão agrária em face
dos efeitos que viria proporcionar à agricultura, aos trabalhadores rurais e ao País, de modo geral,
entre elas o romper e extirpar as relações semicoloniais de dependência ao imperialismo e os
vínculos semifeudais de subordinação ao poder extra-econômico, político e “jurídico” da classe
latifundiária. Com estas medidas seria possível libertar as forças produtivas e abrir novos
caminhos à emancipação econômica e ao progresso de nosso País (GUIMARÃES, 1981).
Diante das discussões apresentadas, entende-se que a reforma agrária preconizada por
Alberto Passos Guimarães passava necessariamente por um processo redistributivo das terras,
que contemplasse não apenas a quebra dos latifúndios, mas do poder dos seus senhores, bem
como uma nova dimensão para as relações sociais de produção.

3.2.2. As Teses de Caio Prado Júnior

Com o objetivo de compreender a realidade agrária, Caio Prado Júnior também buscou a
gênese da formação econômica brasileira, concluindo que a concentração de terras era resultado
do processo de colonização, que trouxe consequências sociais para os trabalhadores rurais.
34

Para esse autor, a essência da estrutura agrária brasileira legada pela colônia se encontrava
como que predeterminante no próprio caráter e nos objetivos da colonização. A grande
propriedade fundiária constituiria a regra e o elemento central e básico do sistema econômico da
colonização, que precisava desse elemento para realizar os fins a que se destinava, a saber: o
fornecimento em larga escala de produtos primários aos mercados europeus (PRADO JÚNIOR,
1979, p. 48).
O autor argumenta ainda que a exclusão de uma grande parcela da população rural que
não possuía terra, nem recursos e possibilidades para ocupar e explorar terras a título de
arrendatários obrigava a busca de emprego dentro e fora do setor agropecuário.

Ora, a presença de tão considerável massa de trabalhadores sem outro recurso


que alienar sua força de trabalho, faz pender a balança da oferta e procura de
mão-de-obra decisivamente em favor da procura, que se encontra assim em
situação de impor suas condições, quase sem limitações, nas relações de
trabalho. Essa é a razão principal dos ínfimos padrões do trabalhador rural
brasileiro, inclusive nas regiões mais desenvolvidas do País (PRADO JÚNIOR,
1979, p. 17-18).

Prado Júnior (1979) comenta a diversificação das atividades econômicas com a inserção
de um setor industrial, assim como uma progressiva urbanização e constituição de um mercado
interno, com a formação, no País, de uma nacionalidade autônoma, com existência e aspirações
próprias. Entretanto, adverte que

essa nova e tão mais complexa estrutura social brasileira, apesar das
consideráveis diferenças que a separam do passado, não logrou ainda superar
inteiramente esse passado, e ainda assenta, em última instância, nos velhos
quadros econômicos da colônia, com seu elemento fundamental que
essencialmente persiste, e que vem a ser a obsoleta forma de utilização da terra
e organização agrária que daí resulta (PRADO JÚNIOR, 1979, p. 49).

Outra característica mencionada pelo autor, também resultante dessa dinâmica agrária, foi
o desenvolvimento de uma dualidade nas atividades rurais, onde surgiu, por um lado, uma
atividade voltada para obtenção de um produto de alta expressão comercial e, por outro lado,
atividades subsidiárias voltadas para a produção de gêneros de subsistência para uma população
local.
Nesse sentido, o autor comenta que a grande propriedade fundiária se consolidou a partir
de dois elementos: a disponibilidade de terras e de força de trabalho, condições estas que
resultaram nos baixos padrões de vida da população rural, que sem muitas alternativas e sem o
acesso à terra sujeitava seu trabalho à grande propriedade.
35

No que se refere às relações sociais de produção, Prado Júnior (1979) discute a questão da
remuneração dos trabalhadores rurais, na lógica da propriedade fundiária, com base no mercado e
no lucro. Para o autor,

podem-se distinguir nessa remuneração três formas diferentes que se


combinam conforme o lugar e o momento, de maneira variável. São essas
formas: o pagamento em dinheiro (salário); em parte do produto; e finalmente
com a concessão ao trabalhador do direito de utilizar com culturas próprias, ou
ocupar com suas criações, terras do proprietário em cuja grande exploração ele
está empregado (PRADO JÚNIOR, 1979, p. 60).

As formas de remuneração tinham o caráter de locação de serviços, sendo essa a essência


das relações de trabalho na agropecuária brasileira. O caráter de locação de serviços foi visto por
Prado Júnior (1979) como uma forma similar ao assalariado, uma vez que sua principal finalidade
era a prestação de serviços. As relações de trabalho estavam circunscritas à lógica da exploração
efetuada na grande propriedade fundiária, ou seja, obtenção de lucro por parte do grande
proprietário de terra também sobre os seus trabalhadores.
Além das formas de remuneração, Prado Júnior (1979) argumentava que as relações de
trabalho no campo não se caracterizavam como feudais, tal qual defendia a grande parte da
esquerda.
O emprego da designação “feudal” ou “restos feudais” atribuída as relações de
trabalho na agricultura brasileira, implica a ideia de que se trata de situações
institucionais, isto é, implantadas se não no direito positivo consuetudinário e
em relações jurídicas institucionais não escritas. Ora não é isso que ocorre. (...)
Certas relações de trabalho presentes na agropecuária brasileira, embora se
revistam formalmente de caracteres que as assemelham a instituições que
encontramos no feudalismo europeu onde se foi buscar a designação, não
constituem senão modalidades de pagamento que correspondem ao salário. Isto
é, são formas de retribuição de serviços prestados em que por um motivo ou
outro – mas sempre motivo de ordem circunstancial – o pagamento em
dinheiro é substituído por prestações de outra natureza (PRADO JÚNIOR,
1979, p. 65-66).

Para Prado Júnior (1979), as relações de produção predominantes em nossa agropecuária


sempre foram capitalistas desde o período colonial, ao contrário do que argumentava Alberto
Passo Guimarães sobre o caráter feudal do latifúndio.
Nesse sentido, a reforma agrária preconizada pelo autor deveria atuar no sentido de
democratizar as relações de produção no campo, em favor dos trabalhadores rurais, até então
desorganizados, através de uma legislação que garantisse os mesmos direitos conquistados pelos
trabalhadores urbanos, além do seu acesso à terra. Nesse sentido, o autor afirma que

para que a utilização da terra deixe de ser o grande negócio de uma reduzida
minoria, e se faça em benefício da população trabalhadora rural que tira dessa
terra o seu sustento, é preciso que se favoreça e fomente por medidas
36

adequadas o acesso da mesma população trabalhadora à propriedade fundiária


(PRADO JÚNIOR, 1979, p. 82-83).

Nas argumentações de Prado Júnior (1979), percebe-se que a sua proposta de reforma
agrária deveria atuar no sentido de proporcionar o acesso à terra para os milhares de
trabalhadores rurais expropriados, ressaltando também a importância de uma legislação
trabalhista para os trabalhadores rurais como um instrumento de mudança social no campo.

3.2.3. As Ideias de Ignácio Rangel

Ignácio Rangel (2000), não se prendeu a uma análise histórica do processo de colonização
do Brasil, mas às questões de ordem econômica e social que a permeavam, sobretudo nas
relações sociais de produção. Neste sentido, a modificação na estrutura agrária no Brasil tinha um
caráter mais econômico.
Para o referido, o excedente populacional decorrente da rápida modernização da nossa
agricultura era o problema agrário. Além disso, o crescimento da produtividade do trabalho no
interior dos complexos rurais liberava força de trabalho muito rapidamente, gerando uma
capacidade ociosa nos campos, não mais necessária à produção e nas cidades, de uma mão-de-
obra que não encontrava ocupação nos novos setores criados pela industrialização (RANGEL, 1962).
Para Rangel (1962), a crise agrária se pautava na formação simultânea de superprodução e
superpopulação. Suas ideias interpretavam a dualidade da agricultura brasileira pela coexistência
de relações de produção arcaicas e modernas na agricultura.
Nas suas obras “A questão agrária brasileira”, de 1962, e “Questão Agrária, Industria-
lização e Crise Urbana no Brasil”, de 2000, Ignácio Rangel destaca o papel que a agricultura deve
cumprir durante o processo de industrialização, que seria

suprir, na quantidade e nas especificidades necessárias, os bens agrícolas de que


carece o sistema, consideradas as necessidades do seu comércio exterior e
liberar, reter ou mesmo reabsorver mão-de-obra, conforme as circunstâncias,
de acordo com as necessidades das próprias atividades agrícolas e dos demais
setores do sistema econômico (RANGEL, 2000, p. 109).

Para o autor, o modelo de substituição de importações que objetiva a industrialização da


economia era um excesso de mão-de-obra e de produção. Assim, o centro da questão agrária para
Rangel é a superpopulação que a indústria não consegue absorver e a superprodução que o
mercado também não consegue absorver, acreditando que o desenvolvimento do capitalismo põe
em evidência esses problemas.
37

Rangel (1962) não considera que a questão agrária está no problema fundiário, mas sim
no excedente de tempo de trabalho rural – um excesso de força de trabalho em relação ao tempo
de ocupação necessário – gerado pela transição do complexo rural para agricultura industrializada,
afirmando que não é preciso mudar a estrutura, que não adianta fazer reforma agrária,
considerando-a politicamente inadequada. Assim,

a questão agrária poderia ser resolvida através da modernização de nossos


campos e não necessariamente por uma reforma agrária. (...) um descompasso
entre os dois processos – de liberação de mão-de-obra pelo complexo rural ou
autarquia familiar e de integração dessa mesma mão-de-obra no quadro da
economia e social (de mercado ou socialista) é precisamente o traço dominante
do fenômeno estudado como crise agrária (RANGEL, 1962, p. 174).

Na proposta para a correção dessas distorções na agricultura, Rangel (1962) propunha


juntar os dois recursos ociosos: terra e mão-de-obra. Mas o alto preço da terra impedia isso, pois
em um País sem mercado financeiro as terras se transformaram na forma tradicional de poupança
das classes dominantes. Terra representava reserva de valor, e a expectativa de sua futura
valorização funcionava como mecanismo de realimentação da inflação crônica.
Para Rangel (1962), os problemas identificados são impróprios (relacionados à oferta de
certos bens agrícolas e escassez de mão-de-obra em certas atividades) e próprios (ocasionados
pela oferta global da superpopulação agrícola, desmantelando os complexos rurais). Para os
problemas impróprios a solução seria a criação de trabalho em propriedade minifundiária
familiar, fora das fazendas, mas próximo delas, para garantir trabalho assalariado aos
trabalhadores temporários, envolvendo ainda a recomposição da economia natural através dos
lotes familiares, fortalecendo a posição do agricultor através de garantia de preços mínimos,
crédito e infraestrutura. Para os problemas próprios a solução seria o incremento do comércio
exterior para dar vazão à superprodução.
Diante do que foi exposto a partir das obras de Caio Prado Júnior, Alberto Guimarães e
Inácio Rangel, pode-se perceber que se tratava de visões diferentes sobre a questão agrária. No
entanto deve-se ressaltar que, na perspectiva em que se está abordando tal questão neste trabalho,
não cabe aqui concordar com as ideias defendidas por Rangel. Sobre a tese da existência da
propriedade feudal defendida por Guimarães (1981), cabe aqui também discordar, porém
aceitando a ideia da necessidade de realização da reforma agrária e de destruição do latifúndio e
das relações extraeconômicas, sociais e políticas que conferiam poder a classe dos latifundiários.
Assim, feitas essas ressalvas, verifica-se que há uma complementaridade entre as ideias de Alberto
Passos Guimarães e Caio Prado Júnior.
38

A partir das ideias apresentadas pelos autores, compreende-se que a questão agrária atual
tem suas raízes históricas na formação da pequena propriedade e do latifúndio no Brasil, que,
aliada às relações desiguais de trabalho, promoveu a concentração dos latifúndios e a exclusão de
milhares de agricultores.

3.3. Os Debates da Questão Agrária na Década de 1980

A partir da década de 1970, ocorreram as mais profundas transformações no meio rural


brasileiro, estimuladas e conjugadas a um largo espectro de modificações pela qual passa a
estrutura econômica da sociedade e que tem início em anos anteriores (GONÇALVES NETO,
1997). Até então, a agricultura se manteve com um papel secundário no desenvolvimento,
subordinado à indústria. Desta forma, as políticas de governo para a agricultura visavam
promover a modernização, sem, entretanto, tocar nos padrões de acumulação. Segundo
Gonçalves Neto (1997), o Estado se estabelece como mediador dos conflitos de classe, muito
embora ao defender a ordem capitalista suas decisões são pautadas nos privilégios concedidos à
classe dominante, às elites do poder:

[...] a política agrícola colocada em prática pelo governo brasileiro terá por
objetivo básico manter inalteradas as formas de acumulação dominantes na
sociedade, compatibilizando interesses díspares de setores que lutam pelo
controle dos principais fatores econômicos. Promove, portanto, a
modernização de grande parte da agricultura, sem contudo, tocar nos padrões
de acumulação (GONÇALVES NETO, 1997, p. 122).

Ainda de acordo com o autor, a partir do conceito de eficiência da agricultura pós-1964, à


medida que se esvai a força das propostas transformadoras da estrutura agrária do País vão
tomando cada vez mais força as propostas modernizantes para a política agrícola. Neste contexto,
para analisar a questão agrária na década de 1980 optou-se por compreendê-la no contexto da
agricultura brasileira, que é marcada pelo processo de modernização e seus impactos sobre o
setor agrícola e as relações de trabalho no meio rural.
O processo de modernização da agricultura pode ser compreendido, a partir do conceito
de Kageyama (1996), como a mudança na base técnica da produção agrícola, com a introdução de
máquinas na agricultura (tratores importados) e de elementos químicos (fertilizantes e defensivos),
mudanças de ferramentas e de culturas; uma mudança na base técnica da produção, que
transforma a produção artesanal em uma agricultura moderna, intensiva e mecanizada.
39

De acordo com Balsan (2006), somente a partir de meados da década de 1960, a


agricultura brasileira inicia o processo de modernização, com a chamada Revolução Verde6.
Emergem, nessa década, com o processo de modernização da agricultura, novos objetivos e
formas de exploração agrícola, originando transformações tanto na pecuária, quanto na
agricultura.
A autora complementa que, como consequências do processo, são apontadas, além da
acirrada concorrência no que diz respeito à produção, os efeitos sociais e econômicos negativos
sofridos pela população envolvida com atividades rurais. Assim, a expansão da agricultura
“moderna” ocorre concomitante à constituição do complexo agroindustrial, modernizando a base
técnica dos meios de produção, alterando as formas de produção agrícola e gerando efeitos sobre
o meio ambiente. No que se refere às transformações no campo, a autora afirma que estas
ocorrem, porém heterogeneamente, pois as políticas de desenvolvimento rural, inspiradas na
“modernização da agricultura”, são eivadas de desigualdades e privilégios.
Para Buainain e Pires (2005), a partir dos anos de 1960 a conjugação dos fortes interesses
das oligarquias rurais e da burguesia industrial resultou em uma estratégia de modernização
conservadora da agricultura . A agricultura era vista como um setor “atrasado”, fonte de
obstáculos ao crescimento da indústria. A estratégia adotada foi modernizar o latifúndio,
ocasionando mudanças relevantes em diversos aspectos. Para tanto,

um pacote de incentivos e a mobilização de vultosos recursos subsidiados


promoveram a substituição de mão-de-obra por máquinas e implementos. A
posse da terra condicionou o acesso aos meios de produção e financiamentos,
reforçando o papel da terra como reserva de valor e fonte de poder econômico.
Os incentivos à utilização de tecnologias poupadoras de mão-de-obra e as
políticas de crédito seletivas em favor dos grandes produtores reforçaram a
concentração da propriedade da terra e o crescimento econômico excludente.
Além disto, representaram a ampliação do mercado para as indústrias e a
diminuição da dependência em relação ao trabalho temporário, ainda que com
baixos salários (BUAINAIN ; PIRES, 2005, p. 6).

Esses autores ressaltam ainda que esta visão limitada da inserção da agricultura na
economia ignorava não apenas os efeitos sociais negativos de um crescimento com base na
modernização do latifúndio, como também a correlação positiva entre crescimento econômico e
distribuição de renda. Este fato pode ser evidenciado a partir da análise dos autores sobre o
desenvolvimento rural no Brasil e suas consequências.

6 Quando nos referimos à Revolução Verde, estamos fazendo referência à década de 1960, em que vários Países
latino-americanos engajaram-se num processo de produção fundado no aumento da produtividade através do uso
de insumos químicos, de variedades de alto rendimento, devido a suas particularidades geneticamente modificadas,
da irrigação e da mecanização. Sobre este aspecto, ver: Cleaver Jr.; Harry M. As contradições da Revolução Verde.
Monthly Review, v. 24 (jun. 1972), p. 80-111.
40

O Brasil se destaca entre os Países onde esta estratégia urbana de desenvolvimento rural
resultou em um desastre social de grandes proporções, por causa da enorme disponibilidade de
terras ociosas, que poderiam ter sido apropriadas pelos pequenos produtores familiares sem
ameaçar a expansão das áreas ocupadas produtivamente pelos produtores comerciais
nãofamiliares. O País ostenta os piores indicadores de desenvolvimento humano dentre os Países
de igual nível de renda per capita , tendo-se tornado um caso paradigmático de desenvolvimento
desigual. Esta estratégia de modernização levou ao esvaziamento do campo e à concentração da
propriedade da terra, alimentou a pobreza urbana e bloqueou o desenvolvimento local
(BUAINAIN; PIRES, 2005, p. 7).
Na análise crítica da questão agrária realizada por Graziano da Silva (1994), observa-se
que uma das grandes consequências da modernização da agricultura foi o seu direcionamento
para que ganhassem os grandes capitais, e não os pequenos produtores.
Sobre esta discussão, Martins (2000) acrescenta que

desde os anos 70 a modernização forçada do campo e o desenvolvimento


econômico tendencioso e excludente nos vêm mostrando que esse modelo
imperante de desenvolvimento acarretou um contradesenvolvimento social
responsável por formas perversas de miséria antes desconhecidas em muitas
partes do mundo. As favelas e cortiços desta nossa América Latina, e de outras
partes, constituem enclaves rurais no mundo urbano, transições intransitivas,
desumanos modos de sobreviver mais do que viver. O mundo rural está
também aí, como resíduo, como resto da modernização forçada e forçadamente
acelerada, que introduziu na vida das populações do campo um ritmo de
transformação social e econômica gerador de problemas sociais que o próprio
sistema em seu conjunto não tem como remediar (MARTINS, 2000, p. 32-33).

Uma consequência relevante da modernização agrícola, apresentada por Graziano da Silva


(1982), é a situação dos trabalhadores rurais. O autor esclarece que se a modernização da
agricultura fez-se acompanhar de unidades de produção cada vez maiores, com consequente
deterioração da distribuição da renda do setor agrícola. A mecanização e o uso de fertilizantes e
defensivos, à medida que aumentariam a produtividade da terra, aumentam também as exigências
de mão-de-obra não qualificada por ocasião da colheita. Quando a mecanização atinge outras
atividades que não a colheita, acentua a sazonalidade de ocupação dessa mão-de-obra. Assim, a
modernização aumenta as exigências e diminui o período de ocupação da mão-de-obra não
qualificada, tornando-se mais econômico para o proprietário modernizado substituir o
trabalhador permanente pelo volante, com consequente aumento da sazonalidade do emprego
dos trabalhadores rurais.
41

O autor destaca também que é uma “modernização conservadora” que privilegia apenas
algumas culturas e regiões, assim como alguns tipos específicos de unidades produtivas (médias e
grandes propriedades).
Nesse contexto, a questão agrária se apresenta na década de 1980 não mais como uma
análise de suas origens no processo de colonização do Brasil, a exemplo das discussões clássicas
do debate na década de 1960. Agora a análise implica a avaliação do panorama social, econômico
e político, ocasionado pela modernização da agricultura, bem como suas repercussões sobre as
populações rurais.
Se antes o debate agrário privilegiava a discussão sobre as possibilidades de inclusão dos
expropriados desde a colonização, os despossuídos das terras ou com pouca terra, bem como a
quebra do latifúndio e da concentração de terras, para o qual se preconizava a reforma agrária,
agora estes mesmo problemas reaparecem de forma acentuada.
O agravamento da questão agrária pode ser explicado por algumas mudanças ocorridas na
agricultura brasileira, como as apontadas por Graziano da Silva:

a) O fechamento de nossas fronteiras agrárias, envolvendo as questões de


colonização da Amazônia e da participação da grande empresa agropecuária
deslocando a pequena produção agrícola;
b) O processo acelerado de modernização da agricultura do Centro-Sul do
País; e
c) A crescente presença do capitalismo monopolista no campo, ou seja, de
grandes empresas industriais que passaram a atuar tanto diretamente na
produção agropecuária propriamente dita, como fortaleceram sua presença no
setor da comercialização e fornecimentos de insumos para a agricultura
(GRAZIANO DA SILVA, 1994, p. 44).

Como consequências do fechamento das fronteiras, o autor comenta que as terras da


Amazônia foram apropriadas como reserva de valor. A modernização parcial da agricultura
(Centro-Sul) trouxe disparidades regionais, especialização de algumas áreas e crescimento da
sazonalidade do trabalho rural, e a presença do grande capital na agropecuária aumentou o seu
poder e controle. Registrou-se ainda o aumento do grau de concentração fundiária, sobretudo
pela utilização da terra não como meio de produção, mas como reserva de valor, meio de acesso
ao crédito ou especulação imobiliária.
Diante desse cenário, as reivindicações dos trabalhadores rurais são por melhores
condições de vida e de trabalho. Para Graziano da Silva (1994), se isso é possível obter
trabalhando num pedaço de chão que não seja de outro, ou recebendo altos salários, pouco
importa: o fundamento é que ele obtenha os frutos do seu trabalho.
42

De acordo com o autor, a reivindicação mais geral dos trabalhadores rurais brasileiros é a
reforma agrária. Ela aparece como solução para os problemas apresentados. Nesse sentido, o
autor afirma que a reforma agrária

é a reivindicação maior de todos aqueles que poderiam ser chamados de


“operários-camponeses”, os quais, por terem terra insuficiente e, ou, condições
precárias de acesso à mesma, são obrigados a assalariar temporariamente para
garantir a sua sobrevivência. Mas não são apenas os operários camponeses que
a reivindicam: também os trabalhadores rurais assalariados têm na reforma
agrária sua bandeira de luta. (...) Neste sentido, esta reforma agrária deve partir
da redistribuição da renda, de poder e de direitos e contemplar alternativas
viáveis para o não-fracionamento da propriedade (GRAZIANO DA SILVA,
1994, p. 92-93).

Em resumo, não desejam os trabalhadores a mera distribuição de pequenos lotes, o que


apenas os habilitaria a continuarem sendo uma forma de barateamento na mão-de-obra para as
grandes propriedades. Mas almejam a mudança na estrutura política e social no campo, sobre a
qual se assenta o poder dos grandes proprietários de terras. A reforma agrária é para os
trabalhadores uma estratégia para romper o monopólio da terra e permitir que possam se
apropriar um dia dos frutos do seu trabalho. Para tal é necessário eliminar o latifúndio e incidir
sobre a dominação parasitária da terra.
Assim, na década de 1980 os trabalhadores rurais organizaram as suas lutas, como forma
de garantir a sua reprodução social, espalhando-se por todo o território nacional. De acordo com
Muritiba e Alencar (2007), a luta pela terra se territorializa em todo o espaço nacional, através da
estratégia dos movimentos sociais, que consiste na ocupação de latifúndios produtivos e órgãos
públicos, evidenciando a questão agrária brasileira e os conflitos que dela advém.
Oliveira (2001) corrobora ao afirmar que as profundas transformações pelas quais a
agricultura brasileira passou no século XX revelam suas contradições, presentes no interior da
estrutura agrária, e sua componente contemporânea: a luta pela reforma agrária.
Convém destacar que é ainda nessa década que o Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem-Terra (MST) se consolida como entidade autônoma. Laureano (2007) enfatiza que não há
como falar de reforma agrária e de movimento social sem falar do MST. De acordo com o autor,
o mérito deste e de outros movimentos que mantiveram a luta pela ocupação da terra reside em
conseguir obrigar o governo a colocar a reforma agrária como prioridade na pauta de discussão e
estabelecer metas a serem alcançadas.
Conforme Graziano da Silva (1994), a reforma agrária é na década de 1980 uma questão
política. É a expressão da reivindicação dos trabalhadores rurais pela apropriação dos frutos do
seu trabalho, e é neste sentido que ela não é mais apenas uma reivindicação dentro da “legalidade
43

capitalista”: não é mais o direito de cada um à sua propriedade, mas os direitos dos trabalhadores
ao resultado da sua produção. Eis o sentido do debate da questão agrária nessa década.

3.4. Os Debates Recentes Sobre a Questão Agrária e a Reforma Agrária no Brasil

A questão agrária, expressa nas discussões sobre a reforma agrária em si, tem, despertado
interesse de diversos segmentos da sociedade, ultrapassando os limites dos movimentos sociais
no campo e dos formuladores das políticas públicas, atingindo a sociedade como um todo.
Entretanto, nem todas as discussões possuem fundamentos necessários à sua compreensão.
Conforme argumenta Martins (2000), o tema da reforma agrária é, seguramente, um dos mais
equivocados nos embates políticos e partidários no Brasil.

Equivocado pelo modo como é comumente proposto em diversos meios;


equivocado pela enorme carga de subinformação que o acompanha, pelas
descabidas paixões que desperta, pela real ignorância do tema que se manifesta
em muitas das opiniões a respeito: todos parecem ter um palpite a dar sobre o
assunto, da apresentadora de televisão ao dirigente estudantil, e acham que sua
ocupação já os qualifica para opinar e opinar de maneira contundente e
definitiva (MARTINS, 2000, p. 87).

Nesse sentido, compreende-se a necessidade de se aprofundar os estudos sobre a questão


agrária, de forma a alcançar interpretações válidas nos aspectos teóricos e práticos em que se
manifesta a realidade agrária brasileira. Apesar das diversas opiniões existentes sobre a questão
agrária na atualidade, algumas percepções são comuns, a exemplo das desigualdades sociais e
miséria existente no campo e da necessidade de uma reforma agrária como possibilidade de
melhoria das condições de vida das famílias camponesas.
Optou-se por discutir os aspectos mais relevantes quanto à questão agrária e à reforma
agrária na atualidade, buscando-se identificar qual o cerne da questão agrária atual, bem como da
reforma agrária neste contexto.
Para compreender a questão agrária atual, é necessário contextualizá-la no cenário de
desenvolvimento adotado pelo País, bem como suas implicações para a agricultura brasileira e
para o trabalhador rural.
A princípio, remontamos a discussão sobre desenvolvimento preconizada pelo Governo
(meados da década de 1970), que estava centrada no aumento da produção e portanto na
necessidade de industrialização do País, sobretudo do campo. Políticas públicas naquele
momento priorizavam o desenvolvimento rural como sendo o alvo da modernização a partir da
44

adoção de tecnologias e insumos diversos que pudessem proporcionar aumento da


produtividade, conforme destaca Navarro:

[...] no Brasil, por exemplo, já nos anos 70, sob a condução dos governos
militares, um conjunto de programas foi implementado nas regiões mais
pobres, o Nordeste em particular. Em tal contexto, a transformação social e
econômica – e a melhoria e o bem-estar das populações rurais mais pobres –
foi entendida como o resultado natural do processo de mudança produtiva na
agricultura. Este último foi meramente identificado como a absorção das novas
tecnologias do padrão tecnológico então difundido, acarretando aumentos da
produção e produtividade e, assim, uma suposta e virtuosa associação com
aumentos de renda familiar, portanto, desenvolvimento rural (NAVARRO,
2001, p. 84).

Entretanto, mais do que resultados produtivos satisfatórios, esta modernização forçada,


que seria a base do desenvolvimento rural, condenou à miséria e exclusão milhares de famílias,
que ora se sujeitaram a migrar para as grandes cidades e formar as favelas e outros aglomerados
urbanos precários, ora vendiam sua força de trabalho a preços irrisórios no campo, uma vez
destituídos de terra e das condições de produzir.
Além desses impactos sociais, outros impactos de ordem ambiental também foram
observados, frutos do processo desordenado de buscar produtividade a qualquer preço, sem que
se tivesse a devida preocupação com o uso racional dos recursos naturais. Segundo Ehlers (1999),
surgiram preocupações relacionadas tanto aos problemas socioeconômicos quanto ambientais
provocados por este padrão. Dentre os padrões ambientais, a destruição das florestas, a erosão e
a contaminação dos recursos naturais e dos alimentos tornaram-se consequências quase inerentes
à produção agrícola. Se por um lado a modernização da agricultura brasileira aumentou a
produtividade, por outro, além de danos ambientais, aumentou a concentração de terras e de
riquezas, como também o desemprego e o assalariamento sazonal, provocando intensos
processos migratórios para os centros urbanos mais industrializados.
É neste contexto que surge a discussão sobre a sustentabilidade do desenvolvimento, que
se refere inicialmente à inclusão da dimensão ambiental como fundamental ao processo. De
acordo com Veiga (2005), desde 1987 um intenso processo de legitimação e institucionalização da
expressão “desenvolvimento sustentável” começou a se afirmar, a partir da Assembleia Geral da
ONU, que caracterizou o desenvolvimento sustentável como um “conceito político” e um
“amplo conceito para o progresso econômico e social”.
Compreende-se assim que o desenvolvimento rural sustentável, com base na agricultura
familiar, deve aumentar os níveis de eficiência produtiva e combater a pobreza e a exclusão social.
Deve-se também respeitar os limites ambientais, adotar estratégias de segurança alimentar para
melhorar a qualidade de vida (com base na diversificação da produção para atender à demanda de
45

consumo das famílias rurais e urbanas), diminuir a dependência externa quanto aos gêneros
alimentícios básicos e, no mesmo passo, inserir-se de modo competitivo no mercado (ZEE-AC,
2001-2).
Porém, entende-se que o desenvolvimento sustentável da agricultura familiar envolve
aspectos que perpassam os limites da produção de alimentos e sustentabilidade econômica das
famílias, pois, de acordo com Shettino e Braga (2000), a sustentabilidade incorpora, além do
econômico, o ambiental e o social. Entretanto, considera-se o discurso da sustentabilidade como
sendo incompatível com a lógica do desenvolvimento capitalista, pois ao considerar as dimensões
econômicas e sociais esta lógica promove a acumulação do lucro com base na expropriação de
outros, ocasionando grandes desigualdades sociais. Ou seja, o sistema capitalista é, de modo geral,
incompatível com a sustentabilidade das famílias.
Mesmo após todo este processo de discussão sobre os direcionamentos para o
desenvolvimento e a necessidade de repensar o modelo de desenvolvimento adotado,
incorporando o princípio da sustentabilidade e mediante os efeitos da modernização, verifica-se
que o processo de modernização da agricultura, anteriormente comentado, evoluiu para a
constituição de complexos de alta tecnologia e com enfoque na exportação, voltado para o
agronegócio brasileiro.
Segundo Fernandes (2005), o agronegócio é um novo tipo de latifúndio, ainda mais
amplo, que não apenas concentra e domina a terra, mas também a tecnologia de produção e as
políticas públicas, vendendo a ideia de que seu modelo de desenvolvimento é a única via possível.
Diante da pobreza no campo, do desemprego e das tensões, o agronegócio se apresenta como a
perspectiva de desenvolvimento para geração de empregos e aumento da produtividade, tal qual
se apresentava a modernização.
De acordo com a Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA) (2007), o
agronegócio tem contribuído para a baixa qualidade da alimentação, principalmente pela
expansão das monoculturas, com uso cada vez maior de agrotóxicos e produção de alimentos
transgênicos. Entretanto, do ponto de vista das relações sociais, o agronegócio apresenta um
conjunto de problemas para o País:

[...] Por causa de sua lógica concentradora de terras, de tecnologia e de riquezas


associada às questões ambientais, gera poluição, destruição das florestas e uso
indevido da água para irrigação. Seu caráter concentrador tem expropriado
milhares de famílias agricultoras e intensificado o desemprego no campo.
Mesmo ali onde cria empregos, intensifica a superexploração dos trabalhadores
assalariados, criando tensão social e aumentando o nível de enfermidade no
trabalho (ABRA, 2007, p. 8).
46

Esse é o modelo de desenvolvimento com base na integração da economia em escala


mundial, segundo os princípios neoliberais, referendado por organismos internacionais. De
acordo com Muritiba e Alencar (2007), instala-se aí um grande paradoxo: ao mesmo tempo em
que se efetiva uma distribuição de terras, concentra-se a terra e a renda, alimentando a exclusão
econômica e política da classe agrária dominada. Eis o debate da questão agrária atual.
Ainda nessa perspectiva, Sauer e Pereira (2006) apresenta a discussão sobre a reforma
agrária de mercado, que se inicia nos anos de 1990, a partir do Banco Mundial (BIRD), que
estimula os governos nacionais a criarem políticas agrárias ajustadas aos parâmetros neoliberais,
especialmente na América Latina. Entretanto, esta discussão sobre a reforma agrária de mercado
é mais complexa. Considera-se que este modelo não é uma modalidade de reforma agrária
redistributiva, pois tem como princípio a compra e venda voluntária de terra entre agentes
privados, diferente da reforma agrária redistributiva que consiste em:

uma ação do Estado que, num curto espaço de tempo, redistribui uma
quantidade significativa de terras privadas apropriadas por uma classe de
grandes proprietários. Seu objetivo é democratizar a estrutura agrária e
promover o desenvolvimento nacional, o que pressupõe transformar as
relações de poder econômico e político responsáveis pela reprodução da
concentração fundiária. Enquanto política redistributiva, implica, antes de tudo,
a desapropriação “punitiva” (isto é, mediante indenização abaixo do preço de
mercado) de terras privadas que não cumprem sua função social (SAUER;
PEREIRA, 2006, p. 2).

Montenegro Gómez (2004) comenta que, após a década de 1990, houve uma mudança
considerável na forma em que o Estado brasileiro vai enfrentar os problemas estruturais do
campo. A tradicional questão agrária, paradigma de interpretação desses problemas em termos de
conflitos entre capital e trabalho, começa a ser substituída por programas centrados no
desenvolvimento rural e no consenso entre os diferentes grupos sociais que o habitam. O Estado
elimina, sem solucionar, a questão agrária da agenda de intervenção do meio rural e a substitui
pelo discurso dos programas de desenvolvimento que se configuram em eficazes formas de
controle social.
Nessa perspectiva política, o governo de FHC tentou implantar o que denominou de
“Novo Mundo Rural”.

Nesse programa, o governo reconhece a importância dos pequenos agricultores


para o desenvolvimento do campo e cria um conjunto de políticas para tratar da
questão agrária. Todavia essas políticas têm o capital e o mercado como
principais referências, de modo que procura destituir de sentido as formas
históricas de luta dos trabalhadores. A luta pela terra que tem como princípio o
enfrentamento ao capital, defronta-se com esse programa, através do qual
pretende-se convencer os pequenos agricultores e os sem-terra a aceitarem uma
política em que a integração ao capital seria a melhor forma de amenizar os
efeitos da questão agrária (FERNANDES, 2000, p. 2).
47

Esse programa contém a “nova reforma agrária”, que além da desapropriação de terras
inclui a compra de terra, procurando incutir essa referência no conceito de reforma agrária,
descaracterizando-a. Através do programa, com a implantação de um conjunto de medidas para
desmobilizar e enfraquecer os trabalhadores organizados, o governo tenta redirecionar a questão
agrária e impedir que a luta pela terra continue crescendo. Para Muritiba e Alencar (2007), os
projetos do Banco Mundial se contrapõem às lutas históricas dos movimentos sociais, que
resistem, ocupando áreas improdutivas, concentrando suas ações em territórios do latifúndio,
reterritorializando-se a partir da desapropriação e alterando a correlação de forças em
determinados municípios.
Ao analisar a questão agrária atual, percebe-se que ela ultrapassa os limites dos problemas
internos, indicando a necessidade de avançar a sua interpretação no contexto mundial. Neste
sentido, não apenas no que se refere à questão agrária, como nas demais políticas nacionais, há a
tendência em seus direcionamentos de favorecer o capital em detrimento dos trabalhadores
rurais, como comenta Oliveira.

As ações políticas no campo brasileiro transparecem a estratégia territorial cuja


meta é responder quantitativamente à inserção subalternizada e dependente do
Brasil no capitalismo monopolista. Para manter uma balança comercial
favorável transforma-se a “agricultura em um negócio rentável regulado pelo
lucro e pelo mercado mundial (OLIVEIRA, 2004, p. 13)

De acordo com Fernandes (2000), no final do século XX o debate a respeito da questão


agrária contém antigos e novos elementos que têm como referências: as formas de resistência dos
trabalhadores na luta pela terra e a implantação de assentamentos rurais, simultaneamente à
intensificação da concentração fundiária. No centro desse debate desdobra-se a disputa política
por diferentes projetos de desenvolvimento do campo. O autor complementa ainda que esta
visão da agricultura camponesa está presente no conjunto de políticas do Banco Mundial, criadas
na década de 1990, para o “desenvolvimento rural” dos Países pobres, no entanto ela
desconsidera os conflitos políticos e as possíveis soluções para a questão agrária, que estariam nas
políticas econômicas ditadas por esse banco.
É importante analisar, neste contexto, o discurso da agricultura familiar, pois, como
mencionado, ele faz parte de uma estratégia de reprodução do capital em detrimento da luta de
classes, conforme argumenta Fernandes:

(...) O paradigma da agricultura familiar é direcionada para dentro, para a


valorização das relações capitalistas. De fato, essas ideias representam uma
mudança, pois reconhecem a inerência do trabalho familiar no
desenvolvimento do capitalismo. É um avanço em relação à visão de que
somente as relações capitalistas predominariam na agricultura. Mas é um atraso,
48

ao entender que esteja somente nas políticas formuladas pelo Estado a garantia
de uma integralidade, entre trabalho familiar e relações capitalistas,
desconsiderando a essenciabilidade da luta contra o capital (FERNANDES,
2000, p. 10).

Numa percepção econômica, Buainain e Pires (2005) afirmam que, atualmente, a maioria
dos economistas reconhece que não é apenas o combate à pobreza rural que legitima as políticas
redistributivas de renda e riqueza. Para os autores, na estrutura fundiária brasileira parte da terra
encontra-se alocada de forma deficiente e o acesso à terra continua negado aos pobres rurais,
justamente àqueles para quem a terra é a melhor possibilidade de melhorar suas condições de
vida, saindo da situação de miséria na qual se encontram. Argumentam ainda que a questão
agrária no Brasil contemporâneo tem várias dimensões, entre as quais: a concentração da
propriedade da terra, minifúndios e terras improdutivas (má utilização dos recursos produtivos);
situação da agricultura familiar; expulsão de mão-de-obra; mercado de terras restrito e problemas
jurídicos; famílias sem-terra (pobreza rural e urbana); conflitos sociais e agrários; e problemas
sociais.
Outro aspecto relevante na discussão da reforma agrária atual se refere à sua viabilidade.
A reforma agrária é analisada por Graziano da Silva (2001) como sendo uma política única no
meio rural, ou seja, não haveria outra política que proporcionasse o que a reforma agrária
proporciona às populações rurais. Segundo Navarro (1997), a reforma agrária é importante no
âmbito econômico, não tanto pelo lado da oferta de alimentos e de matérias-primas, mas,
principalmente, pela notável repercussão dos novos assentamentos originados, já que têm um
poder dinamizador nas áreas reformadas na direção do rejuvenescimento econômico das regiões.
Além disso, há uma demanda histórica de substituição da grande propriedade patronal pela
agricultura familiar como a unidade dominante no meio rural, substituição que ocorreu, por via
de diversos mecanismos, em todas as economias que atualmente fazem parte do chamado
“capitalismo avançado”, em que, sem nenhuma exceção, prevalecem as unidades de produção
agrícolas centradas no trabalho e no controle da família rural.
Discutem-se ainda, com relação à questão agrária atual, os atores sociais envolvidos no
processo. Nesse sentido, em tais discussões, em especial nas esferas governamental e acadêmica
mais conservadora, a agricultura familiar tem sido privilegiada como categoria, em que se tomam
todos os pobres do campo numa única percepção assistencialista, alvo das políticas públicas. Ao
enfatizar a agricultura familiar, há um discurso que, na essência, tende a desmobilizar a luta de
classe, que passa a ser considerada como “a luta dos pobres do campo”, conforme a
argumentação de Fernandes:
49

[...] Defende-se que o produtor familiar que utiliza os recursos técnicos e está
altamente integrado ao mercado não é um camponês, mas sim um agricultor
familiar. Desse modo, pode-se afirmar que a agricultura camponesa é familiar,
mas nem toda a agricultura familiar é camponesa, ou que todo camponês é
agricultor familiar, mas nem todo agricultor familiar é camponês. Criou-se
assim um termo supérfluo, mas de reconhecida força teórico-política. E como
eufemismo de agricultura capitalista, foi criada a expressão agricultura patronal. O
que está em questão nesses estudos é a defesa da tese em que a agricultura
familiar está inserida na lógica do desenvolvimento do capitalismo; que a sua
existência deve-se muito mais às políticas criadas pelo Estado para garantir a
produção de alimentos do que aos interesses políticos e às lutas dos pequenos
agricultores (FERNANDES 2000, p. 7).

No que se refere às relações de poder e participação dos trabalhadores, Martins (2000)


argumenta que há um impossível diálogo na reforma agrária, sobretudo no que se refere aos
grupos de mediação, a exemplo do MST e da Comissão Pastoral da Terra - CPT, salientando que
estes foram construídos permeados da ideologia da classe média. Segundo o autor, esses
mediadores da luta pela terra são integrantes da classe média, cujos interesses e visões de mundo
se afastam dos verdadeiros protagonistas da questão agrária, que são os trabalhadores rurais sem-
terra, posseiros, meeiros, minifundiários, pequenos arrendatários, etc.; havendo assim um
desencontro entre a reforma agrária almejada por cada um desses grupos, isto é, tornando
impossível o diálogo para uma reforma agrária possível.
Pelo fato de a questão agrária ser um conjunto de problemas inerentes ao capitalismo,
para serem amenizados é necessário que sejam realizadas simultaneamente medidas de caráter
político e socioeconômico. Efetuá-las é a questão da questão agrária, porque somente as lutas
pela terra e pela reforma agrária não são suficientes para amenizar os problemas. Portanto, apenas
as políticas governamentais também não são eficientes, pois a questão não é só a distribuição da
terra, mas também construir novas relações de poder com a participação dos trabalhadores na
efetivação das políticas públicas (FERNANDES, 2000, p. 4).
Muritiba e Alencar (2007) ressaltam que para a reforma agrária é imprescindível as
políticas complementares, a exemplo dos preços mínimos, de crédito, de universalização efetiva
da saúde, da educação e de assessoria técnica, ambiental e social, respeitando as diferentes
realidades construídas pelas diferentes trajetórias de vida do homem e da terra, e, principalmente,
que os trabalhadores e trabalhadoras rurais sejam respeitados como protagonistas de seu
processo.
Na avaliação da ABRA (2007, p. 7),

a proposta específica para o enfrentamento da questão agrária compreende


basicamente duas linhas de ação da política agrária: ações para obtenção e
redistribuição de terra, demandantes por reforma agrária, em ritmo
substancialmente mais forte; Fomento técnico produtivo e comercial aos
50

assentamentos de reforma agrária já constituídos, de sorte a viabilizar seu


desenvolvimento em bases de produtividade social distintas do modelo agrário
convencional.

Enquanto isso, verificam-se também os discursos contrários, que desqualificam a


necessidade da implantação de uma política de reforma agrária. Graziano Neto (2002) analisa
alguns aspectos dessa discussão, afirmando que a reforma agrária não é viável, pois não existe um
estoque de terras ociosas para programas de redistribuição agrária. Mesmo que houvesse
abundância de terras, não haveria tantos interessados nos lotes. E, ainda que houvesse terras
ociosas e pretendentes, a reforma agrária não resolveria o problema da miséria no País. O autor
comenta também acerca do público, destacando que ele é distorcido, pois nem todos os que
demandam terra e são considerados beneficiários em potencial pelo programa de fato o são, a
exemplo daqueles que possuem pequenas propriedades. Ao pequeno agricultor bastariam
investimentos públicos que garantissem a sua sustentabilidade ou mesmo a sua integração aos
complexos agroindustriais. Além destes, os parceiros e meeiros seriam formas necessárias para
facilitar, via parcerias, incrementos e vantagens em suas produções.
Graziano Neto (2002) considera ainda que os boias-frias não são sem-terra e não
necessitam de terras, mas de oportunidades de emprego no campo, como também os outros
públicos que não são necessariamente trabalhadores rurais, mas incham os acampamentos por
falta de oportunidades. Na perspectiva que está sendo adotada para a análise pretendida aqui, não
se pode concordar com essa visão da demanda por terra no País.
Para o autor, a solução dos problemas agrários está na política integrada de
desenvolvimento rural, na qual a melhor distribuição de terras deve ser buscada conjuntamente
com o apoio à produção rural existente. Em resumo, para o autor a reforma agrária hoje não é
mais necessária diante da realidade dos complexos agroindustriais, devendo os produtores
familiares se transformar em trabalhadores para o capital ou se integrar as agroindústrias.
Observa-se, entretanto, que essa é uma visão distorcida da realidade agrária, pois se a
discussão histórica da questão agrária apresentada se pauta não apenas na concentração de terras,
mas na expropriação e exploração do trabalhador rural, as propostas de Graziano Neto (2002)
apenas reafirmam a impossibilidade destes trabalhadores se apropriarem dos frutos do seu
trabalho, por permanecerem como vendedores de força de trabalho, podendo apenas vendê-la
aos que puderem pagar o preço, que nem sempre será o preço justo.
Diante dos aspectos apresentados sobre a questão agrária e seus debates recentes,
reafirma-se a percepção da sua complexidade, do seu caráter econômico, social e político de
interpretação, que se insere não apenas na realidade brasileira, mas que possui interfaces com a
economia mundial, na lógica capitalista de produção.
51

Nesse contexto, a reforma agrária se apresenta como necessidade imediata para o


processo de transformação social da realidade rural, não apenas pela possibilidade do acesso à
terra, mas pela qualidade de vida das famílias rurais, pelo combate à pobreza e pela dignidade que
pode proporcionar-lhes.
Para fins deste estudo, se entendermos desenvolvimento rural como sendo o conjunto de
ações e estratégias traçadas, em sua maioria, pelas esferas públicas, em busca de uma
transformação positiva da realidade rural, assumimos também que deverão ser incluídas nestas
ações não apenas as dedicada s ao aumento e à efetividade da produção/produtividade, mas a
preocupação ambiental. Entretanto, esta preocupação vai além, ao apresentar a dimensão social
como também sendo relevante para o alcance do desenvolvimento rural. E mais que isso, pensar
em desenvolvimento rural é ter como meta maior a melhoria da qualidade de vida das populações
rurais, que é o resultado da combinação dos fatores técnico-econômicos, ambientais e sociais.
Diante dessas reflexões sobre as perspectivas para o desenvolvimento rural brasileiro,
compreende-se que a reforma agrária torna-se condição necessária para que milhares de
trabalhadores tenham acesso à terra, condições de trabalho e consequente melhoria da sua
qualidade de vida, bem como a redução das desigualdades sociais e combate à pobreza.
É neste contexto que a Política Nacional de Reforma Agrária e a sua territorialização no
Estado de Sergipe serão abordadas no próximo capítulo.
52

4. UM OLHAR SOBRE A POLÍTICA NACIONAL DE REFORMA AGRÁRIA E


SUA TERRITORIALIZAÇÃO NO ESTADO DE SERGIPE

Para discussão sobre a Política Nacional de Reforma Agrária no Brasil e sua


territorialização em Sergipe, optou-se por uma análise histórica da Política Nacional de Reforma
Agrária e seus direcionamentos ao longo do tempo, enfatizando o sentido da reforma agrária, as
demandas pretendidas e as ações do Estado. Na sequência, discute-se como esta política se
territorializou em Sergipe, buscando identificar seus impactos na estrutura fundiária.

4.1. A Política de Reforma Agrária no Brasil

A história da questão agrária brasileira, apresentada em seus debates até os dias atuais, nos
remete a dois aspectos igualmente relevantes: de um lado, as pressões sentidas pelos agricultores
para garantir a sua reprodução social, que se revertem em lutas organizadas pelo acesso à terra; de
outro, as políticas de reforma agrária e seus direcionamentos para minimizar os conflitos e as
tensões, sem necessariamente realizar a tão almejada reforma agrária. Sendo assim, para cada
período descrito serão enfatizados tais aspectos, de forma a direcionar a compreensão histórica
da reforma agrária.

4.1.1. A Origem e os Desdobramentos do Debate Sobre a Reforma Agrária: Da Lei de


Terras (1850) à Ditadura Militar (1964)

Os debates iniciais sobre a reforma agrária estão associados ao surgimento da propriedade


capitalista da terra no Brasil, conforme discutido no capítulo 2 deste trabalho. De acordo com
Medeiros (2003), a Lei de Terras de 1850 apresentava-se como a legitimação da propriedade das
terras dos fazendeiros e comerciantes, ou seja, organizava a apropriação e o uso da terra. É ainda
por meio da Lei de Terras que se garantiu a manutenção da concentração fundiária e da
disponibilidade de mão-de-obra. Assim, esta Lei previa que a aquisição das terras devolutas
somente se daria através da compra e venda, sendo impraticável aos escravos libertos e
trabalhadores em geral adquirir terras, tornando-se apenas os fornecedores de mão-de-obra
barata aos senhores das terras. Para a autora,
53

a Lei de Terras regulamentou a situação de posse e propriedade das terras após


o vazio legal que se seguiu à extinção do regime de sesmarias, depois da
independência do Brasil em 1822. Ela legitimava o direito de posse em terras
ocupadas com culturas efetivas, recompensava o cultivo eficiente concedendo
ao posseiro outro tanto do que possuísse, garantindo dessa forma, as condições
preexistentes de acesso a terra. Sua face mais importante era a que se voltava
para o futuro, determinando que ficavam proibidas as aquisições de terras
devolutas por outro título que não a compra (MEDEIROS, 2003, p. 11).

Percebe-se que a própria origem dessta distribuição de terras ocasionou a exclusão de


muitos trabalhadores do campo, a começar pelos escravos, recém-libertos, mas que não tinham a
mínima condição de adquirir terras. Assim, mesmo em liberdade, continuaram escravos dos
senhores de engenho, dos barões do café, enfim, dos latifundiários. Para Martins

a Lei de Terras e a legislação subsequente codificaram os interesses combinados


de fazendeiros e comerciantes, instituindo as garantias legais e judiciais de
continuidade da exploração da força de trabalho, mesmo que o cativeiro
entrasse em colapso. Na iminência de transformações do regime escravista,
criavam as condições que garantissem, ao menos, a sujeição do trabalho.
Importava menos a garantia de um monopólio de classe sobre a terra do que a
garantia de uma oferta compulsória de força de trabalho à grande lavoura
(MARTINS, 1990, p. 59).

Na percepção desse autor, o latifúndio brasileiro não nasceu nem da Lei de Sesmarias
nem, obviamente, das Capitanias Hereditárias. Nasceu do regime de escravidão e da interdição do
acesso livre à terra por parte de quem não fosse puro de sangue, branco, e puro de fé, católico. Se
não fossem a escravidão e as interdições estamentais da sociedade da época, o regime sesmarial
teria criado um Brasil bem diverso deste que herdamos e conhecemos. O latifúndio se consolidou
e se expandiu com a Lei de Terras de 1850, pela qual o Estado brasileiro abdicou do senhorio
sobre as terras do País e instituiu a propriedade fundiária privada e plena. Como resultado, os
trabalhadores livres que viessem a substituir os escravos, como se previa, foram privados da
alternativa de ocupar a terra livre, não tendo outra alternativa que não fosse a do trabalho nas
grandes fazendas. Esse foi e tem sido um fator de dificuldades para a realização da reforma
agrária. A questão fundiária brasileira tem origem principalmente nas relações escravistas de
produção e, já na vigência do trabalho livre, na s providências para assegurar que a propriedade da
terra fosse um meio de coerção da mão-de-obra num mercado de trabalho deliberadamente
imperfeito.
Stédile (1997) relata que a maioria desses trabalhadores migrou para as cidades (a exemplo
do Rio de Janeiro e de Recife), sem opção de moradia e trabalho, formando a massa dos
excluídos. Por outro lado, o latifúndio se consolida como estrutura básica da distribuição das
54

terras no Brasil. De acordo com Muritiba e Alencar (2007), o País perdeu, nesse momento, a
primeira oportunidade de realizar a reforma agrária.
Como consequência desse processo tem-se o início da concentração fundiária e da
exclusão dos trabalhadores, que desde então começam a se organizar e manifestar sua resistência
ao sistema vigente. É neste contexto que surgem os primeiros debates sobre a necessidade da
reforma agrária, com destaque para a Constituinte de 1946, que foi a primeira vez que se falou da
necessidade de uma reforma agrária.
Stédile (1997) afirma que esse foi o momento em que se defendeu a ideia de que a
propriedade de terras no Brasil estava concentrada nas mãos de uma minoria e que isso constituía
grave problema, uma vez que impediu o progresso econômico do meio rural, a distribuição de
renda e a justiça social. Era então necessário enfrentar o problema, a partir de uma reforma
agrária que pudesse distribuir as terras. E esta foi a proposta apresentada pelo Senador Luiz
Carlos Prestes7. Entretanto, outro elemento importante merece destaque nessa proposta: “O
preceito de que toda s as terras mal utilizadas deveriam ser desapropriadas e voltar ao patrimônio
do Estado, para que fosse feita a sua redistribuição”. Desta forma, verifica-se o conceito do “uso
social da terra”, que vincula a propriedade ao uso social para a produção.
Essa perspectiva é destacada por Stédile (2005), ao apresentar o discurso pronunciado na
Assembleia Nacional Constituinte pelo Senador Luiz Carlos Prestes, sobre a proposta de reforma
agrária da bancada do PCB na Constituinte de 1946:

[...] Analisando-se a distribuição das propriedades, segundo a escala de áreas,


verificamos que a concentração da propriedade no Brasil é maior do que em
qualquer outro país do mundo. De todo o exposto, só cabe uma conclusão:
sem uma redistribuição da propriedade fundiária, ou em termos mais precisos,
sem uma verdadeira reforma agrária não é possível debelar grande parte dos
males que nos afligem (STÉDILE, 2005, p. 21).

Infelizmente as ideias de Prestes, em seu Projeto de Lei, foram derrotadas pela maioria
conservadora, mas houve a incorporação do debate e, na percepção de Stédile (1997), houve
avanço ao instituir o princípio da desapropriação, que representou um avanço na compreensão de
que havia um problema agrário e que o governo dispunha de mecanismos para solucioná -lo.
Muritiba e Alencar (2007) ressaltam que, mesmo com o bloqueio ao acesso à terra, com a
concentração fundiária e expropriação histórica do trabalhador rural, com a industrialização

7
Segundo Prestes (1997), através do Manifesto de Maio, Luiz Carlos Prestes, o “Cavaleiro da Esperança”, na época
da República Velha, usou de seu prestígio para indicar ao povo brasileiro um outro caminho – o caminho da luta
pela reforma agrária radical e pela emancipação nacional do domínio imperialista, o caminho da revolução social e
da luta pelo socialismo. Os esforços desenvolvidos por Luis Carlos Prestes e pelo Partido Comunista Brasileiro
(PCB) não foram totalmente infrutíferos; pelo contrário, inegavelmente contribuíram para que se formasse no
Brasil uma consciência antiimperialista e pró-reforma agrária.
55

crescente e com a abertura de algumas possibilidades de trabalho assalariado no campo e na


cidade, grande parte desses trabalhadores recusa a proletarização e insiste na sua reprodução
através da posse da terra, de contratos de arrendamento, de meiação e outras relações de trabalho
que diversificam os percursos e diferenciam processos. Desta forma, a organização dos
trabalhadores e a luta pela propriedade da terra intensificam-se. Neste sentido, Oliveira
argumenta que

o século XX tem sido rico em exemplos de luta pela terra e dois processos têm
atuado no sentido de soldar o movimento dos camponeses no Brasil. De um
lado a tentativa de resgate da condição de camponês autônomo frente à
expropriação, representada pelos posseiros e sua luta contra os fazendeiros
grileiros. De outro, o movimento originado na luta dos camponeses parceiros
ou moradores contra a expropriação completa no seio do latifúndio, que os
transformava em trabalhadores assalariados. Estes dois processos gerais de luta
no campo vão praticamente comandar o pipocar de conflitos durante todo este
século. É a luta sangrenta dos camponeses contra o pagamento da renda da
terra (OLIVEIRA, 2001, p. 18).

Nesta perspectiva de luta pela terra, os movimentos sociais no campo, que começam com
a luta dos índios, escravos e posseiros, organizam-se e intensificam suas lutas. De acordo com
Oliveira (2005), nos anos de 1950 e 1960, as Ligas Camponesas sacudiram o campo nordestino e
ganharam projeção nacional. Medeiros (2003) relata que as Ligas Camponesas surgiram no
Nordeste brasileiro, mais especificamente no Estado de Pernambuco, com militantes do Partido
Comunista Brasileiro (PCB), e se constituíram no símbolo da luta no Nordeste. Oliveira (2005)
ressalta que as Ligas Camponesas têm de ser entendida s como manifestação nacional de um
estado de tensão e injustiças a que estavam submetidos os trabalhadores do campo, em função
das profundas desigualdades nas condições gerais do desenvolvimento capitalista no País.
Medeiros (2001) destaca ainda a criação de outros movimentos sociais no campo, a exemplo da
Confederação dos Trabalhadores da Agricultura (CONTAG), fundada em 1963.
Medeiros (2003) relata que desde 1950 os movimentos sociais no campo começaram a
atuar, a exemplo das Ligas Camponesas. Surgem depois novos outros movimentos sociais, como
o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST), o Movimento dos Atingidos por Barragens
(MAB), entre outros, que lutaram e continuam lutando por melhores condições de vida no
campo e, sobretudo, pela reforma agrária. Em todas essas lutas, o caráter marcante da violência,
de milhares de morte, se mantém até os dias atuais.
Assim, os movimentos camponeses adquiriram grande força política no início dos anos
1960, por intermédio de suas ações de resistência, manifestações de rua, greves, etc. Com relação
ao Estado e à política de reforma agrária, é criada a Superintendência da Reforma Agrária
56

(SUPRA) em 1962, que teria como finalidade implementar a reforma agrária. Mas quais eram as
demandas expressas desta reforma agrária nos anos de 1960?
Medeiros (2003) afirma que no final dos aos anos de 1950 e no início de 1960 a reforma
agrária se tornou uma demanda ampla, proposta disputada por diferentes forças sociais,
transformando-se na tradução política das lutas por terra que se desenvolviam no País. O PCB
teve importância nesse processo de disseminação das concepções sobre reforma agrária, ou seja,
de suas principais ideias e demandas relativas à reforma agrária. O partido defendia que eliminar o
latifúndio era um dos passos necessários de um conjunto de transformações pelas quais o País
deveria passar. Nesta perspectiva, a reforma agrária era definida como divisão das grandes
propriedades entre os que nela quisessem trabalhar. Era uma condição necessária para o
desenvolvimento.
De acordo com Stédile (1997), no governo João Goulart a reforma agrária estava incluída
entre as reformas de base que o Brasil necessitava para o seu desenvolvimento. Em um comício,
em 13 de março de 1964, o então Presidente da República anunciou, no Rio de Janeiro, que
enviaria ao Congresso uma lei de reforma agrária com o objetivo de desapropriar as grandes
propriedades, conforme pode ser observado no trecho do discurso que segue:

[...] O que se pretende com o decreto que considera de interesse social, para
efeito de desapropriação, as terras que ladeiam eixos rodoviários, leitos e
ferrovias, açudes públicos federais e terras beneficiadas por obras de
saneamento da União, é tornar produtivas áreas inexploradas ou subutilizadas,
ainda submetidas a um comércio especulativo, odioso e intolerável. [...] Assim, a
reforma agrária é indispensável, não só para aumentar o nível de vida do
homem do campo, mas também para dar mais trabalho às indústrias e melhor
remuneração ao trabalhador urbano (STÉDILE, 1997, p. 103, 195).

Para Medeiros (2003), a reforma agrária transformou-se, no início dos anos de 1960, em
um dos principais temas do debate sobre a necessidade de reformas estruturais e eixo de um
projeto nacional desenvolvimentista. Mas os inúmeros projetos de reforma agrária apresentados
ao Congresso Nacional foram sucessivamente derrotados, graças à articulação política dos
proprietários fundiários e suas alianças com os representantes da indústria.
De acordo com Grynszpan:

Diante das resistências, o governo passou a pressionar o Congresso de modo


firme, juntamente com os movimentos sociais, que demandavam reforma
agrária “na lei ou na marra”. Foi nesse jogo de pressões que João Goulart
anunciou, em 13 de março de 1964, no Comício das Reformas, realizado no
Rio de Janeiro, a desapropriação de terras localizadas às margens de rodovias,
ferrovias e obras públicas. Ao invés de resultarem na aprovação da reforma,
contudo, os atos do governo aprofundaram a ruptura com grupos de centro
que lhe davam suporte, como o Partido Social Democrático (PSD), abrindo
caminho para o golpe de 1964 (GRYNSZPAN, 1995, p. 2).
57

Em 1964, conforme relata Oliveira (2001), o Golpe Militar sufocou o anseio de liberdade
do morador dos latifúndios armados do Nordeste brasileiro e de muitos camponeses sem-terra.
O Golpe de 1964, que durante a vigência do ciclo militar no Brasil foi chamado de Revolução de
1964, submeteu o Brasil a uma ditadura militar alinhada politicamente com os interesses dos
Estados Unidos da América, durando até 1985, quando, indiretamente, foi eleito o primeiro
presidente civil desde as eleições de 1960, Tancredo Neves.
Segundo Alexandre Filho (2004), com o decorrer dos Anos de Chumbo, os movimentos
sociais foram reprimidos. Seus líderes foram presos, torturados, expulsos, assassinados.
Sindicatos foram invadidos e as intervenções trataram de debelar os focos de resistência. As Ligas
Camponesas foram eliminadas e, como poderia ser inferido com frustração, terminava do mesmo
modo que as anteriores mais uma etapa da luta de classes no Brasil.
Fernandes (2001) corrobora com essas informações ao comentar que governo totalitário
havia elaborado o Estatuto da Terra: uma Lei que expressava os princípios da reestruturação
fundiária, que, todavia, jamais foi aplicada. Pela forte vinculação política entre os governos
militares e os ruralistas, o que ocorreu de fato foi o extermínio de todos os movimentos
camponeses e a intervenção na recém-fundada Confederação Nacional dos Trabalhadores na
Agricultura – CONTAG.
Assim, conforme Sousa et al. (2007), o Golpe de 1964

representou não apenas a derrota do projeto do capitalismo nacional como


também das forças sociais comprometidas com a proposta de um socialismo
nacional. (...) as elites políticas e as classes dominantes apelarem para o golpe de
Estado, a fim de barrar as reformas sociais, especialmente a reforma agrária
(Sousa et al., 2007, p. 4).

4.1.2. A Reforma Agrária na Ditadura Militar (1964-1984)

Nesse período, segundo Stédile (1997), o modelo de desenvolvimento adotado foi de


estimular o desenvolvimento da agricultura, baseada na grande propriedade fundiária, atrelada aos
interesses internacionais e à industrialização das cidades. Conforme argumenta Oliveira (2001), a
modernização da agricultura não vai atuar no sentido da transformação dos latifundiários em
empresários capitalistas, mas, ao contrário, transformou os capitalistas industriais e urbanos em
proprietários de terra, em latifundiários, através das políticas e dos incentivos fiscais que foram
adotados.
Conforme nos apresenta Oliveira (1991), o desenvolvimento do capitalismo no campo
aconteceu de forma desigual e contraditória, no processo que ele chama de metamorfose da
58

renda da terra em capital. Martins (1991) amplia esta discussão ao afirmar que a questão agrária
brasileira tem duas faces combinadas: a expropriação e a exploração. Por expropriação entende-se
a separação do trabalhador dos seus meios de produção, sobretudo o acesso à terra. Assim, para
trabalhar ele precisa vender a sua força de trabalho ao capitalista, que detém estes meios, e
portanto, se sujeita às regras do capital, que lhe ditam às leis. Oliveira comenta ainda que

[...] a lógica contraditória é uma só: o desenvolvimento capitalista que concentra


a terra, concomitantemente, empurra uma parcela cada vez maior da população
para as áreas urbanas, gerando nas mesmas uma massa cada vez maior de
pobres e miseráveis (OLIVEIRA, 2001, p. 187).

Corroboram com essa perspectiva Muritiba e Alencar (2007), ao comentarem que na fase
de modernização do campo o latifundiário se organizou e se adaptou à nova conjuntura,
motivando a modernização apoiada pelo Estado. A ideia de que a estrutura agrária concentrada
seria um obstáculo para a continuidade do crescimento econômico foi descartada e a reforma
agrária foi, mais uma vez, adiada. Aos pobres do campo restavam duas opções: migrar para as
cidades e servir de mão-de-obra barata ou para regiões mais longínquas, induzidos pelas falsas
promessas da Transamazônica8.
É neste contexto de desenvolvimento adotado que se compreende a situação dos
trabalhadores do campo, bem como as suas demandas relativas à reforma agrária. Entretanto, se
por um lado esse período trouxe conquistas importantes para o campo (Estatuto da Terra), por
outro, foi um período marcado pelas tensões silenciadas dos movimentos sociais, que legalmente
estavam impedidos de manifestar as suas lutas. O governo militar adotou como estratégia para
conter as lutas no campo, as tensões e os conflitos, silenciar os movimentos sociais no campo.
Ao contrário, porém, do que ocorreu nos anos de 1950 e 1960, quando as demandas dos
trabalhadores ganhavam espaço público, provocavam alianças e oposições e a reforma agrária
contava com o apoio de forças políticas e de intelectuais, nos anos de 1970, no contexto das
repressões, o debate foi silenciado. Mas nem por isso deixou de se fazer presente, uma vez que
era alimentado pela persistência da luta por terra e dos conflitos que se davam de forma dispersa
e atomizada, fomentados por um ideal camponês que se configurava no modelo familiar de
produção (MEDEIROS, 2003).

8
A Rodovia Transamazônica (BR-230), projetada durante o governo do presidente Emílio Garrastazu Médici (1969
a 1974) sendo uma das chamadas “obras faraônicas” devido às suas proporções gigantescas, realizadas pelo regime
militar, é a terceira maior rodovia do Brasil, com 4.000 km de comprimento, cortando os estados brasileiros do
Piauí, Maranhão, Pará e Amazonas (FEARNSIDE, 2001).
59

De acordo com Medeiros (2003), algumas conquistas foram relevantes nesse período: a
regulamentação do direito à organização sindical e a aprovação do Estatuto do Trabalhador Rural
e do Estatuto da Terra.
Segundo a autora, no ano de 1962 foi regulamentado o direito à organização sindical, que
representou a possibilidade de construção de uma malha sindical que garantiu aos trabalhadores
do campo um canal institucional por onde fazer fluir suas demandas. Em 1963, foi aprovado o
Estatuto do Trabalhador Rural, que estendeu aos trabalhadores do campo alguns dos direitos
concedidos aos trabalhadores urbanos, e em 1964, foi aprovado o Estatuto da Terra (novembro
de 1964, oito meses após o Golpe).
De acordo com Medeiros (2003), o Estatuto da Terra e a legislação complementar que
imediatamente lhe sucedeu classificaram os imóveis rurais em quatro categorias9: minifúndios,
latifúndios por exploração, latifúndios por extensão e empresas rurais. Para a autora, o objetivo
da reforma agrária era a gradual extinção de minifúndios e latifúndios, considerados como fontes
de tensão social no campo.
O Estatuto do Trabalhador Rural e o Estatuto da Terra, juntos, poderiam se constituir em
instrumentos legítimos para a promoção da reforma agrária. No entanto, segundo Medeiros (2003),

[...] Não foi o que ocorreu. Aliás, o próprio Ministro do Planejamento, Roberto
Campos, incumbiu-se de informar aos parlamentares que o Estatuto jamais
seria aplicado. Sua regulamentação (elaboração do Plano Nacional de Reforma
Agrária) só foi objeto de ação governamental mais de vinte anos depois, já com
a “Nova República” (MEDEIROS, 2003, p. 28).

É nesse contexto que, no ano de 1984, surge o Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem-Terra (MST), que pela sua expressão internacional merece destaque no processo de luta pela
terra. De acordo com Oliveira (2001), o MST, como movimento social rural mais organizado
naquele final de século, representa, no conjunto da história recente deste País, mais um passo na
longa marcha dos camponeses brasileiros em sua luta cotidiana pela terra.

[...] Trata-se pois de uma luta de expropriados, que na maioria das vezes,
experimentaram a proletarização urbana ou rural, mas resolveram construir o
futuro baseado na negação do presente. Não se trata de uma luta que apenas
revela uma nova opção de vida para esta parcela pobre da sociedade brasileira,
mas muito mais, revela uma estratégia de luta acreditando ser possível hoje, a
construção de uma nova sociedade (OLIVEIRA, 2001, p. 194-195).

9
De acordo com o referido Estatuto: Minifúndios (propriedades com área inferior a um módulo rural e, portanto,
incapazes, por definição, de prover a subsistência do produtor e de sua família); Latifúndios por exploração
(imóveis com área entre 1 e 600 módulos, caracterizados pela exploração em níveis inferiores à média regional);
Latifúndio por extensão (com área superior a 600 módulos, independentemente do tipo e das características da
produção nela desenvolvida); Empresas (imóveis entre 1 e 600 módulos, caracterizados por um nível de
aproveitamento do solo e de racionalidade na exploração, compatíveis com os padrões regionais, o cumprimento
da legislação trabalhista e a preservação dos recursos naturais) (BRASIL, 1964).
60

Convém ressaltar que a criação do MST possibilitou o direcionamento das reivindicações


relacionadas à reforma agrária, com a elaboração de uma carta política com propostas que, dentre
outras, destacavam que o acesso à terra deveria ser através da pressão e da luta política,
considerando que a terra deveria estar sob o controle daqueles que nela trabalham.
De acordo com Medeiros (2003), numa conjuntura em que as lutas populares se
constituíam em dimensão essencial do processo de abertura política que acabaria por conduzir ao
fim do Regime Militar, a questão agrária se redefiniu, mostrou novas faces e trouxe novos temas
para o debate sobre a reforma agrária.

Tratava-se de uma conjuntura de fortalecimento da sociedade civil, marcada


não só pelo aparecimento de novas demandas e pela requalificação das já
existentes e de novas experiências organizativas por parte dos trabalhadores,
como também pela multiplicação de entidades de apoio, potencializando a sua
atuação (MEDEIROS, 2003, p. 32).

A ditadura de 20 anos no Brasil representou, segundo autores com Stédile (1997), Oliveira
(2001) e Medeiros (2003), o amordaçamento da discussão sobre a questão agrária e a reforma
agrária no País. O sentido da reforma agrária expressava o descontentamento dos trabalhadores
rurais, seja dos pequenos proprietários que necessitavam de políticas específicas para garantir a
sua produção, seja dos boias-frias, submetidos a condições precárias de vida e de trabalho. Assim,
questionava-se não apenas a situação de exclusão, mas a natureza do desenvolvimento adotado
no País e seus resultados, no qual são registrados diversos atores, como seringueiros, atingidos
por barragens, boias-frias, trabalhadores rurais assalariados ou sem-terra.
De acordo com Gonçalves Neto (1997), nos governos militares a reforma agrária
permaneceu como um dos instrumentos de ação, com propostas abrangentes de reforma agrária
a partir do Estatuto da Terra, mas que não logrou êxito em função da força das novas alianças,
tendo sido colocada no rol das realizações secundárias e até mesmo abolida por ocasião do
governo Médici.
Gonçalves Neto (1997) apresenta os direcionamentos para a reforma agrária pelos
governantes nesse período.

No Programa de Ação Econômica do Governo (1964-1966), a agricultura é


considerada como um setor retardatário e de baixa produtividade e se o
objetivo primordial do plano era a retomada do crescimento, era necessário
alterações profundas no setor agrícola, para que pudesse garantir o
fornecimento de alimentos e matérias-primas ao mercado. As desigualdades da
distribuição de terras é reconhecida como obstáculo a inovação, bem como a
necessidade de desmontar o sistema de forças do latifúndio. Entretanto, o
plano apresenta uma proposta moderada de reforma agrária, que incluía, entre
outro, a regulamentação das relações contratuais no campo. [...] No Programa
Estratégico de Desenvolvimento (1968-1970), a proposta era de promover a
61

revolução tecnológica da agricultura, sendo a política agrícola direcionada a


partir de programas para o aumento da produtividade, o uso de insumos
modernos e combate as doenças, o fortalecimento do crédito rural e incentivo a
industrialização no meio rural. A preocupação com a reforma agrária não
aparece neste momento, sendo posteriormente considerada como forma de
melhorar a organização do meio rural. [...] No Plano de Metas e Bases Para a
Ação de Governo (1970-1973), a preocupação com o progresso social e
distribuição de renda é percebida e a instauração efetiva da reforma agrária está
entre as dez realizações previstas pelo mesmo. [...] E no I Plano Nacional de
Desenvolvimento – I PND - (1972-1974), a reforma agrária é definitivamente
abolida enquanto expressão, sendo substituída por termos como racionalização
da estrutura fundiária, desapropriação até redistribuição de terras, mas não se
fala em reforma agrária. [...] No II Plano Nacional de Desenvolvimento - II
PND - (1975-1979), em virtude do esgotamento do milagre econômico, a meta
é realizar o desenvolvimento sem deterioração da qualidade de vida e
devastação dos recursos, efetivando a vocação do Brasil como supridor
mundial de alimentos, em que se previa a execução da reforma agrária e de
programas de redistribuição de terras como parte da estratégia governamental
(GONÇALVES NETO, 1997, p. 127-8, 130-5).

É esse o panorama geral da reforma agrária e seus direcionamentos no governo militar.


Assim, o geógrafo Ariovaldo Umbelino de Oliveira, em entrevista, explica que

Em nenhum momento em que estiveram no poder, os militares elaboraram um


plano nacional de reforma agrária. Houve apenas projetos de colonização na
Amazônia, que estiveram na mídia com toda uma divulgação e propaganda, e
que foram feitos no contexto do programa de integração nacional que construiu
a Transamazônica, a Cuiabá- Santarém e parte da Perimetral Norte, dentre
outras rodovias. Esses projetos de colonização foram realizados na Transama-
zônica, e dois anos depois de implantados já revelavam seu fracasso. Ainda
apostando na mesma tática, começaram a fazer projetos de colonização na
rodovia Cuiabá-Porto Velho (OLIVEIRA, apud BRASIL DE FATO, 2009, p. 2).

4.1.3. A Reforma Agrária no Governo Sarney (1985-1989)

Em 1984, final da Ditadura Militar, foi eleito no Brasil o primeiro presidente civil, dando
início a redemocratização do País, Tancredo Neves, que não chegou a assumir o cargo. Por esse
motivo, assume o vice, José Ribamar Ferreira de Araújo Costa, conhecido como José Sarney, a
quem coube, diante das pressões populares e do agravamento da concentração fundiária, a tarefa
de elaborar, em 1985, o I Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA). Nesse sentido, Oliveira
destaca que
Como a pressão social vinha aumentando desde o final dos anos 70 e início dos
80, o governo da Nova República aceitou a elaboração do 1º Plano Nacional de
Reforma Agrária (PNRA). Durante a visita que Tancredo Neves fez ao
Vaticano, inclusive, a única coisa que o Papa lhe pediu foi a realização da
reforma agrária (OLIVEIRA, 2001, p. 200)
62

O I PNRA foi elaborado com base no Estatuto da Terra, em virtude de pressões


populares, conflitos no campo e crescimento da concentração fundiária. Por isso mesmo, seu
objetivo consistia em mudar a estrutura fundiária do País, distribuindo e redistribuindo a terra,
eliminando, progressivamente, o latifúndio e o minifúndio e assegurando um regime de posse e
uso que atendesse aos princípios de Justiça Social e aumento da produtividade, de modo a
garantir a realização socioeconômica e o direito de cidadania do trabalhador rural
(MINISTÉRIO ..., 1985).
De acordo com Medeiros (2003), o programa básico do I PNRA era o de assentamentos
de trabalhadores em imóveis desapropriáveis, a colonização, a regularização fundiária e os
mecanismos tributários, até então apresentados como alternativas à obtenção de terras. De modo
geral, os principais aspectos do Plano era

assentar, no prazo de 15 anos, 10,5 milhões de trabalhadores rurais Sem-Terra


ou com pouca terra. [...] A proposta apontava para a possibilidade de
transformações fundiárias em áreas mais amplas e não somente de intervenções
pontuais em focos de conflito. [...] Estava prevista a participação das
organizações representativas dos trabalhadores rurais em todas as fases do
processo (MEDEIROS, 2003, p. 35).

Mas, conforme argumentam Muritiba e Alencar (2007), as dificuldades para a efetivação


do I PNRA eram de toda ordem,

começando pela reação de forças políticas ante reformistas, seguida da falta de


informações atualizadas sistemáticas em relação a evolução da estrutura
fundiária, da estrutura funcional do campo bem como as dificuldades de ordem
jurídico-legal, administrativas e institucional. (...) De uma meta de 1,4 milhões,
chegou-se a pouco mais de 80 mil famílias assentadas (MURITIBA;
ALENCAR, 2007, p. 7).

Medeiros (2003) completa ainda que para esses assentados foi criada uma linha de crédito,
configurada no Programa de Crédito Especial para Reforma Agrária (PROCERA), com o
objetivo de garantir aos novos agricultores, completamente descapitalizados, condições para
investir produtivamente na terra.
Nesse período, ressalta-se a discussão sobre reforma agrária, que foi incluída na
Constituição de 1988, bem como os seus desdobramentos. De acordo com Medeiros (2003), a
Constituição de 1988 tem inscrita a reforma agrária como um tema do capítulo da “Ordem
econômica social” e foi a primeira constituição brasileira a trazer esse assunto, assegurando que a
propriedade deve atender à sua função social (BRASIL, 1988). Entretanto, a definição de função
63

social da terra não impediu que a Carta Magna10 contivesse um conjunto de mecanismos de
bloqueio à possibilidade de uma reforma agrária, tal como defendida pelas organizações
representativas dos trabalhadores do campo.
É importante compreender qual o sentido maior desse questionamento quanto a
impossibilidade de se realizar de fato a reforma agrária, amparada em argumentos da própria
legislação. Ou seja, o que de fato emperrava a reforma agrária? Dois aspectos merecem destaque.
Inicialmente, Medeiros (2003) relata que as desapropriações deveriam ser feitas mediante prévia e
justa indenização em Títulos da Dívida Agrária (TDA), que assim eliminou o caráter punitivo das
desapropriações, reivindicado pela organização dos trabalhadores. Além deste aspecto, a
legislação tornou não sucetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária as pequenas e
médias propriedades rurais, bem como a propriedade produtiva. Com essas restrições, ficaram
inviabilizadas as desapropriações, até que fosse regulamentado o tema por meio de uma legislação
própria, o que só aconteceu cinco anos mais tarde.
No governo de José Sarney, a violência no campo se intensifica, as ocupações de terra
aumentam por todo o País e alguns assentamentos são criados, apesar de bem inferiores à meta
anunciada. Assim, os assentamentos podem ser considerados a forma material da reforma agrária.
De acordo com Banco de Dados da Luta pela Terra (DATALUTA), apresentados por
Ramos Filho (2008), no governo Sarney foram criados 800 assentamentos, beneficiando 122.598
famílias, num total de área de 8.248.899 ha, distribuídos ao longo de seu mandato, conforme
ilustra a Figura 6.
A evolução desses dados revela que o porcentual de assentamentos permaneceu crescente
no período de 1985 a 1988 (de 10,38 a 25,38%), apresentando uma queda no ano de 1989
(19,88%). No que se refere ao número de famílias, verifica-se a mesma evolução (de 7,56 a
30,31%), e no último ano constata-se queda (14,14%).
O aumento do número de famílias assentadas pode ser explicado em virtude da
implantação do I PNRA e das diretrizes estabelecidas para a reforma agrária, conforme discussão
anterior.
Com relação à área, esta permaneceu crescente até o ano de 1989 (de 5,94 a 25,97%).
Entretanto, ao contrário da queda observada no número de assentamentos e famílias, no último
ano constatou-se o aumento da área utilizada para a reforma agrária.

10
Carta Magna ou Constituição é o conjunto de normas supremas do ordenamento jurídico de um País. A
Constituição limita o poder, organiza o Estado e define direitos e garantias fundamentais. Se for flexível suas
normas desempenham a mesma função, mas encontram-se no nível hierárquico das normas legislativas
(WIERZCHÓN, 2007).
64

Fonte: Ramos Filho (2008), organizado por Sousa (2009).

Figura 6 – Implantação de assentamentos no governo José Sarney.

Assim, o comportamento da reforma agrária implantada no governo Sarney, quando se


observam os dados absolutos, ano a ano, de assentamentos, família e área, pode revelar que
houve uma queda acentuada que não foi acompanhada pela área destinada aos assentamentos
rurais (Figura 7).
Nesse período, quando se analisa o aspecto da área média por família, percebe-se que esta
ficou em torno de 71,28 ha, tendo este valor sido mais elevado no último ano desse governo
(137,34 ha) e menor no ano de 1986 (45,48 ha).
Como era de se imaginar, o I PNRA, cuja meta era assentar, no período de 1985 a 1989,
cerca de 1,4 milhão de famílias em 43,090 milhões de hectares de terras, não passou do
cumprimento de apenas 10% destas metas (OLIVEIRA, 1996).
Ramos Filho (2008, p. 224), em um melhor refinamento destes dados, comenta: “Ao fim
do período de 1985-1989, foram criados 800 assentamentos, beneficiando 122.598 famílias, em uma área
reforma de 8.248.899 hectares, verificando o fracasso da meta, pois, somente 6,19 e 15,22%,
respectivamente, foram de fato realizados”.

4.1.4. A Reforma Agrária no Governo Collor e Itamar Franco (1990-1994)

A década de 1990 iniciou-se com a chegada ao poder de Fernando Collor de Melo, que
foi o primeiro presidente eleito diretamente depois do Golpe Militar de 1964. O seu governo
previa muitas metas, entre elas a de assentar 500 mil famílias no período de 90/94. Pode-se
perceber que sua meta era reduzida em relação à do governo Sarney (apenas 35% do que
propusera o governo Sarney).
65

Fonte: Ramos Filho (2008), organizado por Sousa (2009).

Figura 7 – Comportamento da reforma sgrária no governo José Sarney.

Merece destaque nesse período a Criação da Lei Agrária, como é conhecida a Lei
o
n 8.629, de 25 de fevereiro de 1993 (BRASIL, 1993), que apresentou alguns direcionamentos
para a reforma agrária, que

[...] definiu que a propriedade que não cumprisse sua função social era passível
de desapropriação; manteve os critérios constitucionais para definição da
função social; estabeleceu que as terras rurais públicas (de domínio da União,
estados e municípios) passariam a ser destinadas preferencialmente à execução
da reforma agrária; confirmou o banimento dos termos da lei da categoria
latifúndio, substituído por um critério menos politizado de tamanho, calculado
em módulos fiscais. Segundo esta definição, somente as propriedades acima de
15 módulos seriam passíveis de desapropriação (MEDEIROS, 2003, p. 41).

Analisando a política de reforma agrária, especificamente a do governo Collor, Ramos


Filho (2008) explica que, na prática, este presidente representou a vitória do projeto neoliberal do
País, desenvolvendo um programa de privatizações, de reduções dos gastos sociais, de repressão
e de criminalização dos movimentos sociais e sindicais.
Fatos relacionados à repressão aos movimentos sociais podem ser verificados, a exemplo
da invasão da Polícia Federal a várias secretarias do MST, em que foram presos diversos líderes
deste movimento (MARQUES, 2006; RAMOS FILHO, 2008). Segundo notícia vinculada no
Jornal dos Trabalhadores Sem-Terra (1995), essa fase foi marcada por fortes repressões contra os
sem-terra, despejos violentos, assassinatos e prisões arbitrárias.
66

Em entrevista que culminou na publicação Brava Gente (STÉDILE; FERNANDES,


1999), o coordenador nacional do MST comenta que o governo Collor resolveu reprimir a
reforma agrária, acionando a Polícia Federal,

que é um agravante, pois não é uma tropa de choque, é repressão política pura.
(...) Essa repressão nos afetou muito, muita gente foi presa. Começaram a fazer
escutas telefônicas. (...) Foi um período de muitas dificuldades materiais, (...)
três anos comendo o pão que o Diabo amassou (STEDILE e FERNADES,
1999, p. 67).

Observou-se ainda, nesse período, queda no número de ocupações e também de


assentamentos, que pode ser compreendida como um retrocesso da luta pela reforma agrária.
Ressalta-se que nesse período as ocupações e os acampamentos tornaram-se a estratégia de luta
dos trabalhadores rurais, constituíram-se em fatos políticos importantes e passaram a dar maior
visibilidade à luta pela terra
Se comparado ao governo Collor, Itamar Franco assumiu uma postura menos ofensiva,
até recebendo uma comitiva do MST, que reivindicava alterações no projeto de lei, mesmo sem
acatar todas as reivindicações. Com a abertura do diálogo com o presidente Itamar, os
camponeses voltaram a intensificar a luta com ocupações.
Oliveira (2001) argumenta que no governo Collor a União Democrata Ruralista (UDR)
foi quem assumiu o controle da reforma agrária no Brasil. Com a queda de Collor e a ascensão de
Itamar nada mudou, uma vez que ele era o vice de Collor.
A União Democrata Ruralista (UDR), Bloco Ruralista ou Bancada Ruralista, termos
usados para se referir à forma de atuação dos interesses ligados à propriedade fundiária e ao
agronegócio no Congresso Nacional, designou um grupo formado por vários partidos, cujo
objetivo comum era unificar os votos de acordo com os seus interesses e negócios no mercado.
Desta forma, explica-se o retrocesso na reforma agrária, já que a UDR exercia forte influência
nesse governo.
Para ilustrar a influência da UDR na reforma agrária, a bancada ruralista conseguiu incluir
no texto da Constituição (1988) a concepção de latifúndio produtivo e improdutivo, para limitar a
desapropriação a terras consideradas improdutivas. Desta forma, retirou a força de outros artigos
que subordinavam e condicionavam a propriedade à sua função social, estabelecendo um novo
ordenamento legal que representava um retrocesso em relação à legislação anterior e ao Estatuto
da Terra (MURITIBA; ALENCAR, 2007).
Além disso, astutamente conseguiu, na CF 1988, que a definição do conceito de
propriedade produtiva ficasse a cargo de legislação complementar. Ou seja, atrasou o deslanche
da reforma agrária, pois somente em 1993, já no governo Itamar Franco, é que foram
67

promulgadas as leis complementares, regulamentando os artigos da Constituição, que permitia tal


conceituação, e definindo o Rito Sumário das Desapropriações (RAMOS FILHO, 2008).
Medeiros (2003) considera esse período do governo Collor/Itamar como sendo de
“transição democrática” e apresenta algumas das tendências no debate da reforma agrária, tais
como

o surgimento de novas entidades voltadas para a organização dos demandantes


de terra; inovação do debate do MST, que fez das ocupações de terra o
principal caminho para ganhar visibilidade; ganharam projeção os seringueiros e
a demanda por criação de assentamentos extrativistas e falavam também em
nome dos trabalhadores deslocados pela construção de barragens; continuidade
da lógica de desapropriação de áreas de conflito, de forma a eliminar os focos
de tensão; presença de uma burocracia centralizada, sensível a pressão dos
grandes proprietários fundiários e com dificuldade de se relacionar com
trabalhadores rurais e suas demandas; generalização da crítica ao latifúndio
improdutivo; busca de alternativas de desapropriação como instrumento de
obtenção de terras (MEDEIROS, 2003, p. 45).

Assim, a luta pela terra permaneceu, ainda que os resultados da reforma agrária em
assentamentos implantados não correspondessem às expectativas. Foram implantados nesse
período 461 assentamentos, beneficiando 61.825 famílias, perfazendo um total de área para a
reforma agrária de 4.485.953 hectares, distribuídos entre 1990 e 1994, de forma bastante irregular,
conforme pode ser observado na Figura 8.
Pode-se perceber na Figura 9 que os assentamentos seguiram uma crescente durante o
governo Collor/Itamar (de 6,29 a 38,39%). No que se refere às famílias assentadas, observou-se o
mesmo crescimento (de 10,44 a 33,57%). Quanto à área, verificou-se no primeiro ano de governo
Collor o maior porcentual (45,53%). Na sequência, constata-se pequena redução nos anos de
1991 a 1993 (de 12,47, 12,38 e 12,01%), apresentando novo crescimento em 1994 (17,62%).
Quando se observam os dados absolutos da reforma agrária, no governo Collor/Itamar,
constata-se que a área média por família foi de 99,92 ha, com amplitude média de 278,37 ha, ou
seja, uma grande diferença da maior área média (316,44 ha), em 1990, em relação à menor (38,07 ha),
em 1994. Deve-se deixar claro que ao analisar esses dados pode-se concluir apenas que a área
média foi maior na fase de governo Fernando Collor, mas isso ocorreu devido ao número
reduzido de projetos de assentamento, que embora de grandes áreas teve uma pequena
capacidade de assentamento de família.
68

Fonte: Ramos Filho (2008), organizado por Sousa (2009).

Figura 8 – Comportamento da reforma agrária no governo Collor/Itamar.

Fonte: Ramos Filho (2008), organizado por Sousa (2009).

Figura 9 – Implantação de assentamentos no governo Collor/Itamar.


69

4.1.5. A Reforma Agrária no Governo FHC (1995-1998 e 1999-2002)

O governo Fernando Henrique Cardoso pode ser caracterizado como o período das
privatizações, da consolidação de um projeto neoliberal de desenvolvimento do País, da
implantação da reforma agrária de mercado e da criminalização dos movimentos sociais.
Em seu primeiro mandato, o tema agrário não foi considerado como relevante nas pautas
de campanha e de ação, pois esse governo estava centrado nas políticas de estabilização
econômica e de combate à inflação, configurada no Plano Real. De acordo com Medeiros (2003),
num primeiro momento o plano trouxe popularidade ao presidente, que foi alterada em função
de alguns fatos.

O primeiro refere-se a situações de extrema violência policial em relação às


ações de trabalhadores rurais, resultando em atos de brutalidade e mortes,
conhecidas como os Massacres de Corumbiara e de Eldorado de Carajás. O
segundo a retomada das ocupações de terra, não só pelo MST, mas também
por outras entidades de luta por terra e por diversos sindicatos. (...) A nova
onda de violências e ocupações mais uma vez trouxe à tona o tema da questão
agrária (MEDEIROS, 2003, p. 48).

Oliveira (2005) relata que em 1995, no primeiro ano de governo de FHC, ocorreu um
violento episódio contra trabalhadores sem-terra. Eles foram humilhados, torturados e
executados durante um verdadeiro massacre, praticado pela polícia de Rondônia contra as 514
famílias de sem-terra que haviam ocupado, no dia 15 de julho de 1995, a Fazenda Santa Elina,
sob liderança do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Corumbiara. Esse seria um dos episódios
de maior expressão internacional, que colocou, de certa forma, em destaque a questão agrária no
Brasil, a necessidade da realização de uma reforma agrária, ainda que fosse uma forma de conter
os conflitos sociais. Nesta perspectiva, Medeiros (2003) complementa que os massacres de
Corumbiara e Eldorado de Carajás foram pontos de inflexão na luta pela terra, explicitando não
só os níveis de violência que a acompanham, como a precariedade dos instrumentos utilizados
para lidar com os conflitos fundiários.
Diante do contexto apresentado, algumas ações foram direcionadas para a mpliar a política
de assentamentos rurais, que ao mesmo tempo em que agilizava o processo de reforma agrária
(como forma de conter os conflitos e os escândalos internacionais que deles repercutiam e
interferiam negativamente na imagem política do Brasil) enquadrava os movimentos sociais,
buscando reduzir a sua força e atuação.
Conforme ilustra Medeiros (2003), várias foram as ações configuradas em medidas
provisórias, decretos, leis complementares e portarias que permitiram agir sobre os conflitos.
70

Esse aparato legal, no seu conjunto, de um lado agilizou as ações fundiárias governamentais e de
outro procurou retirar a iniciativa política dos movimentos de luta por terra, inibindo suas ações.
Algumas das regulamentações que ilustram a agilidade e a repressão preteridas pelo
governo FHC foram: a proposição do rito sumário, agilizando o tempo da imissão de posse da
terra (48 horas após o ajuizamento da ação de desapropriação); a comunicação de vistoria passou
a ser feita em jornal de grande circulação na localidade do imóvel, o que impedia a alegação de
impedimento; o impedimento da fragmentação dos imóveis depois de comunicada a vistoria, para
que a propriedade não fosse dividida e não se enquadrasse na desapropriação pelo tamanho do
imóvel; a alteração dos critérios de avaliação de terras improdutivas, entre outras (MEDEIROS,
2003).
Em contrapartida, as medidas que visavam combater as ocupações e inibir a ação das
organizações dos trabalhadores também foram consideradas no governo FHC. Com isto, houve
proibição da realização de vistorias em áreas ocupadas, inviabilizando, portanto, sua
desapropriação; suspensão de negociações em casos de ocupações de órgãos públicos; os
funcionários do INCRA que negociassem com os ocupantes poderiam ser punidos; permissão
para que as entidades estaduais representativas dos trabalhadores rurais indicassem áreas a serem
desapropriadas, estimulando a disputa política entre os movimentos; e impossibilidade de acesso
a recursos públicos pelas entidades que, de alguma forma, fossem consideradas envolvidas no
processo de ocupações de imóveis rurais ou bens públicos.
Na percepção de Martins (2003), essas medidas podem ser entendidas num contexto
maior, que é o compromisso com a reforma agrária. Assim,

um aspecto essencial de como o governo de Fernando Henrique Cardoso


propôs e executou sua política agrária diz respeito à clara consciência do
presidente de que a questão agrária não se apresentava nem se apresenta
solitariamente no elenco dos problemas a resolver. A questão agrária é, no
Brasil, como em tantas outras partes do mundo, também uma questão política,
pelo conjunto de interesses sociais e políticos que acumulou na definição e na
sustentação das classes dominantes, particularmente os setores que expressam
os interesses relativos à propriedade da terra (MARTINS, 2003, p. 167).

Outro aspecto relevante do processo de reforma agrária no Governo FHC foi o


documento “Agricultura Familiar, Reforma Agrária e Desenvolvimento Local para um Novo
Mundo Rural” (JUNGMANN, 2001). Nesta proposta, a reforma agrária seria promovida com
base na expansão da agricultura familiar e sua inserção no mercado, o que previa a implantação
da reforma agrária de mercado. A proposta de desenvolvimento e perspectivas para a reforma
agrária incorporava as mudanças preconizadas pelos organismos internacionais. Conforme analisa
Ramos Filho
71

o Novo Mundo Rural de FHC incorporou, explicitamente, às políticas agrárias


brasileiras o marco teórico, os pressupostos e os princípios das políticas
fundiárias do Banco Mundial (BM) para os países do Sul e das políticas de
desenvolvimento rural, aplicadas na União Europeia, provocando uma forte
alteração na forma de tratamento da questão agrária. Implementou um
conjunto de programas centrados na inserção de pequenos e médios
agricultores no mercado globalizado, mediante: os incentivos à sua integração à
agroindústria; a valorização das atividades não-agrícolas, como moradia,
turismo e prestação de serviços no campo; a alteração da política de
financiamento da produção (RAMOS FILHO, 2008, p. 218).

Assim, nesse governo, a reforma agrária de mercado, a exemplo do Banco da Terra, é


bastante estimulada. De acordo com Buainaim, apud Medeiros (2003), o ponto de partida para o
acesso à terra, nesses moldes, era a constituição de associação de pequenos produtores ou
trabalhadores Sem-Terra que tivessem as seguintes características: produtores rurais sem ou com
terra caracterizada como minifúndios; chefes ou arrimos de família; maiores de idade ou
emancipados; tradição na atividade agropecuária; manifestassem interesse em adquirir por
compra, através de uma associação, propriedade rural para desenvolver suas atividades;
apresentassem proprietários dispostos a vender o imóvel; e assumissem o compromisso de
reembolsar quantias financiadas para a aquisição do imóvel.
A partir dessa política da agricultura familiar o PROCERA, programa que havia sido
criado para garantir os subsídios necessários aos assentados, foi substituído pelo Programa
Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, PRONAF. De acordo com Ramos Filho
(2008), essa mudança se justificava porque a primeira linha de crédito apresentava um elevado
patamar de subsídios governamentais, causa principal do alto índice de inadimplência. Com esta
mudança, os assentados de reforma agrária que ingressam na terra desprovidos de recursos para
investir na produção e garantir sua subsistência perdem os subsídios que seriam utilizados não só
para alavancar a produção, mas sim para viabilizar recursos básicos de subsistência das famílias.
Entretanto, o autor ressalta que na prática há outros aspectos em questão.

Na prática, o que está por trás destas decisões é o esvaziamento do poder que
os camponeses tinham sobre a utilização destes recursos para promover, com
relativa autonomia, suas estratégias de desenvolvimento. Estamos diante de
uma ofensiva de subordinação destas práticas às diretrizes programáticas do
Novo Mundo Rural (RAMOS FILHO, 2008, p. 220).

Outra crítica ao PRONAF11 é feita por Dias (2009), ao analisar as políticas públicas e a
agricultura de base familiar no Brasil. Nesse sentido, o autor afirmar que

11
Para outras informações sobre os resultados do PRONAF, ver: GUANZIROLI, Carlos E. PRONAF, dez anos
depois: resultados e perspectivas para o desenvolvimento rural. Revista de Economia Rural, Rio de Janeiro,
v. 45, n. 2, p. 301-328, abr./jun. 2007.
72

o PRONAF falhou ao não estabelecer mecanismos que respondessem à


diversidade das formas organizativas das agriculturas de base familiar. O
principal equívoco parece ter sido a ênfase dada ao apoio, fomento ou
“fortalecimento” dos processos produtivos, esquecendo que os mesmos
dependem de outras ações públicas para possibilitar que esta produção
encontre mercados e tenha impactos nas condições de vida e bem-estar das
famílias (DIAS, 2009, p. 193).

Nesse contexto, a reforma agrária do governo FHC, ao longo dos oito anos de governo,
aponta as seguintes tendências:

Aumento da pressão dos movimentos sociais envolvidos na luta por terra,


constituindo-se num dos mais importantes focos de polarização política do
governo e estimulando a mobilização de outras categorias sociais; na disputa
política que se instala em torno da questão da terra, emergem como atores
importantes os agricultores familiares; as iniciativas governamentais, inicialmente
pontuais, adquirem o formato de programas que produziram alterações
significativas na institucionalidade da questão agrária; introdução dos mecanismos
de mercado para obtenção de terras; separação da questão agrária da questão
agrícola no plano da institucionalidade; as lutas pela terra resultaram na criação de
uma quantidade significativa de assentamentos (MEDEIROS, 2003, p. 72-73).

Assim, a política de reforma agrária de FHC é aquela em que os piores conflitos de terra
(Eldorado e Corumbiara) foram vivenciados, a reforma agrária de mercado foi implantada e os
movimentos sociais foram criminalizados, a partir das medidas já discutidas. É também neste
mesmo governo que a categoria agricultor familiar ganha institucionalidade e destaque, com
projetos específicos de acesso ao crédito (PRONAF), bem como a expansão dos assentamentos
em todo o País.
Nesse governo, foram implementados 3.923 assentamentos, beneficiando 389.959
famílias, numa área total de 18.002.794 ha, números bem superiores aos apresentados pelos dois
governos anteriores. Cabe ressaltar que o ano que ocorreu o maior número de assentamentos foi
1998, ano da reeleição (Figura 10).
No primeiro mandato (1995 a 1998), verificou-se o crescimento do porcentual de
assentamentos implantados (6,40 a 19,42%); bem como no número de famílias assentadas, que
evoluiu em 1995, 1996 e 1997 (8,73, 16,09 e 19,02%), mas com pequena queda no ano seguinte
(17,05%). No que se refere à área, em 1995 e 1996 a área evoluiu (7,79 a 20,06%), apresentando
queda em 1997 (14,57%) e aumento pouco significativo em 1998 (14,94%).
No segundo mandato (1999 a 2002), o número de assentamentos oscilou bastante, sendo
os extremos: 14,94% em 1999; 8,34% em 2000; 10,94% em 2001; e 9,43% em 2002. O mesmo
pode ser afirmado com relação ao número de famílias: 10,61% (1999), 6,62% (2000), 8,87%
(2001) e 10,57% (2002). A área seguiu o mesmo padrão: 10,61% (1999), 7,77% (2000), 9,20%
(2001) e 12,95% (2002).
73

Fonte: Ramos Filho (2008), organizado por Sousa (2009).

Figura 10 – Implantação de assentamentos no governo FHC.

Dessa forma, registra-se que em 1996, 1997 e 1998 ocorreram os melhores resultados
com relação à reforma agrária, tanto em área quanto em número de famílias. No que se refere aos
assentamentos, destacam-se os anos de 1997, 1998 e 1999.
Entretanto, os dados sobre os assentamentos no governo FHC são questionados por
Fernandes (2006), que apresenta para tanto a explicação de clonagem destes números. Nesse
sentido o autor argumenta que:

[...] identificamos o processo de clonagem de assentamento, no segundo governo


FHC. Descobrimos essa artimanha na conferência dos assentamentos por
municípios. Encontramos assentamentos criados na década de 1980 sendo
divulgados como implantados em 2001. A clonagem representou a astúcia do
governo FHC em produzir dados para atender as metas. Essa condição era
resultante da judiciarização da luta pela terra com a Medida Provisória 2109/52,
de 24 de maio de 2001, que criminaliza as famílias que participam de ocupações e
privilegia o latifúndio, porque não poderá ser desapropriado por dois anos. Esse
tempo pode aumentar se houver reincidência. Com a Medida, o número de
famílias em ocupações despencou de sessenta e cinco mil famílias em 2000 para
vinte e seis mil famílias em 2001. Sem ocupações não há reforma agrária.
Portanto, era preciso fabricar números para atingir as metas (FERNANDES,
2006, p. 1)

Na avaliação de Medeiros (2003), não há como desconsiderar o fato de que, ganhando


oficialmente o estatuto de assentados, esses trabalhadores passaram a dispor do acesso a créditos
74

específicos, melhorando suas condições de reprodução, mesmo diante das polêmicas sobre os
números dos assentamentos12, que apresentam um comportamento estável (Figura 11).

Fonte: Ramos Filho (2008), organizado por Sousa (2009).

Figura 11 – Comportamento da reforma agrária no governo FHC.

Assim, nos dois mandatos do governo FHC pode-se verificar o comportamento da


reforma agrária a partir da análise da Figura 11, que evidencia o seu auge nos anos de 1996 a
1999, sendo a área média, durante os oito anos de governo, de 47,12, e a de menor amplitude
variando de 35,35 ha (1997) a 57,54 ha (1996).

4.1.6. A Reforma Agrária no Governo Lula (2003-2006 e 2007-2009)

O governo Lula representou, para os milhares de trabalhadores rurais e suas organizações,


a esperança da reforma agrária. Durante a campanha eleitoral as promessas para a realização da
reforma agrária foram muitas, mas na prática, não foi possível cumpri-las, em função dos
entraves políticos existentes. O novo presidente eleito anuncia novas diretrizes que substituem
“O Novo Mundo Rural” pela “Vida digna no Campo”.

12
Para Fernandes (2003), na verdade, o governo FHC nunca possuiu um projeto de reforma agrária. Durante os
mandatos de seu governo, 90% dos assentamentos implantados foram resultados de ocupações de terra. Todavia,
no seu segundo mandato, quando criminalizou as ocupações e os movimentos camponeses entraram em refluxo
e, por consequência, diminuíram as ocupações de terra, também diminuiu o número de assentamentos
implantados. Para garantir as metas da propaganda do governo, o MDA “clonou” assentamentos criados em
governos anteriores ou criados por governos estaduais e os registrou como assentamentos criados no segundo
mandato de FHC. Essa tática gerou uma balbúrdia, de modo que em 2003 nem mesmo o INCRA consegue
afirmar, com certeza, quantos assentamentos foram implantados de fato.
75

De acordo com Fernandes (2005), durante oito meses o INCRA construiu um conjunto
de políticas para atender os assentados em estado de precarização, elaborando uma política de
assistência técnica e revendo projetos de educação para os assentados, e formou uma equipe para
a elaboração do II Plano Nacional de Reforma Agrária (II PNRA).
A elaboração do II PNRA ocorreu em função da pressão constante dos movimentos
sociais. Esse Plano possui a audaciosa meta de assentar 1 milhão de famílias (MDA, 2006). De
acordo com Muritiba e Alencar (2007), foi constituída uma equipe composta por 40 técnicos do
Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), coordenada por Plínio Sampaio, presidente da
Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA), para elaboração da proposta do II PNRA. O
Plano não previa apenas a meta de assentamentos, mas também a sua qualificação.
De acordo com Ramos Filho (2008), diante da necessidade de uma reforma agrária ampla
e massiva, o II PNRA rompeu com a prática dos governos anteriores ao estabelecer 12 metas a
serem cumpridas até o final do mandato do governo Luiz Inácio Lula da Silva, em 2006. São elas:

1) Assentamento de 400 mil novas famílias em projetos de reforma agrária; 2)


regularização fundiária para 500 mil famílias; 3) promoção do acesso à terra
pelo Crédito Fundiário de 130 mil famílias; 4) recuperação da capacidade
produtiva e viabilidade econômica dos assentamentos existentes; 5) gerar
2.075.000 novos postos de trabalho permanente no setor reformado; 6)
cadastramento georreferenciados dos imóveis rurais; 7) regularização de
2.200.000 imóveis rurais; 8) reconhecimento, demarcação e titulação de áreas de
remanescentes quilombolas; 9) reassentamento de ocupantes não índios de
áreas indígenas; 10) promoção da igualdade de gênero na reforma agrária; 11)
garantir assistência técnica e extensão rural, capacitação, créditos e políticas de
comercialização ás famílias assentadas; e 12) universalizar o direito à educação,
à cultura e à seguridade social nas áreas reformadas (RAMOS FILHO, 2008,
p. 230).

Mas as metas estabelecidas pelo II PNRA não foram cumpridas, como salientam Muritiba
e Alencar:

Em 2004, mesmo as metas do II PNRA aprovado “não saem do papel”,


principalmente em relação às desapropriações, à alocação e liberação dos
créditos, sempre tardia, a universalização da assistência técnica, a reestruturação
e recomposição da força de trabalho do INCRA, via concurso público,
capacitação dos servidores. Alia-se a esses condicionantes, a permanência das
medidas repressivas e a falta de avanço na perspectiva de alteração do índice de
produtividade para efeito de desapropriação,que, apesar da Constituição
Federal determinar que a cada dez anos esses índices sejam atualizados, a última
modificação foi em 1976 (MURITIBA; ALENCAR, 2007, p. 15).

Observou-se, nesse período, muita divergência quanto aos números de assentamentos e


famílias assentadas, pois os dados oficiais quantificaram num mesmo grupo os assentamentos
implantados e aqueles antigos que foram reconhecidos pelo processo de regularização fundiária,
76

fazendo crescer os números de assentamentos no total. A divergência se processa no que se


refere ao reconhecimento de antigos assentamentos (regularização e reordenamento fundiário) na
contagem total. A este respeito Ramos Filho (2008) comenta que a distorção estava no fato de
que a regularização fundiária estava prevista no II PNRA de forma específica em outra meta, a de
beneficiar 500 mil famílias, e não no montante dos assentamentos que foram criados, o que gerou
o equívoco.
Um aspecto relevante nesse governo é que não foram revogadas as medidas que
criminalizavam os movimentos sociais, criadas no governo FHC. Entretanto, não foram
promovidas ações ao seu cumprimento. Os movimentos sociais de luta pela terra retomam a
mobilização, radicalizando as estratégias de ocupações e acampamentos, já que a correlação de
forças não permite a realização de uma reforma agrária que lhes represente e conduza,
estrategicamente, a política de assentamentos (MURITIBA; ALENCAR, 2007). Por outro lado,
observa-se no governo Lula o diálogo com os movimentos camponeses, que se tornou uma
característica marcante desse governo.
Se no primeiro mandato o governo Lula enfatiza os números para a reforma agrária, no
segundo as energias são estrategicamente concentradas numa perspectiva desenvolvimentista,
que, de acordo com Fernandes (2005), contém dois objetivos principais: a recuperação dos
assentamentos implantados e a implantação de novos assentamentos, acompanhados das políticas
básicas: crédito, infraestrutura, educação, capacitação técnica e comercialização.
No que se refere à discussão atual sobre a reforma agrária no governo Lula e os entraves
para a sua realização, a disputa entre o agronegócio e a agricultura familiar permanece em foco.
Concorda-se com a análise apresentada por Fernandes (2008), em que o governo Lula criou uma
nova política agrária que, paradoxalmente, fez avançar e refluir à luta pela terra e pela reforma
agrária. Assim, como destaca Fernandes (2008):
o agronegócio é uma das forças do arco de alianças que apoia o governo Lula.
[...] O agronegócio está se aproximando das terras dos latifúndios e quer manter
um estoque de terras para o futuro próximo, principalmente para a expansão da
cana-de-açúcar para produção de agroenergia. De forma velada, o governo Lula
não desapropria terras nas regiões de interesse das corporações para garantir o
apoio político do agronegócio. Mesmo em regiões de terras declaradamente
griladas, ou seja, terras públicas sob o domínio dos latifundiários e do
agronegócio, o governo não tem atuado intensamente no sentido de
desapropriar as terras. Somente as ocupações e o acirramento dos conflitos é
que podem pressionar o governo a negociar com o agronegócio para cessão da
fração do território em conflito. Mas ao mesmo tempo em que ocorre esta
lentidão, o presidente precisa dar uma resposta objetiva aos camponeses Sem-
Terra. Esta postura resultou numa reforma agrária paradoxal. Aproveitando-se
do acúmulo de experiências de implantação de assentamentos, o governo Lula
investiu muito mais na regularização fundiária de terras de camponeses na
Amazônia do que na desapropriação de novas terras para criação de novos
assentamentos de reforma agrária (FERNANDES, 2008, p. 80-81).
77

Com relação aos movimentos sociais, não se observa apenas a intensificação de lutas, mas
certo enfraquecimento de suas forças. Fernandes (2008) relata que no governo Lula o MST e os
movimentos que compõem a Via Campesina Brasil estão enfraquecidos, uma vez que, na
correlação de forças, não conseguiram ocupar espaços políticos importantes e fazer com que o
governo aplicasse uma política agrária que atendesse aos interesses do campesinato.
Aliadas a essa situação permanecem na mídia as tentativas constantes de tornar os
movimentos sociais alvo de vandalismos e “invasões”, o que garante a concentração de terras
pelos latifúndios e o agronegócio, torna a reforma agrária um mito do capitalismo e promove o
agricultor familiar ao elemento de garantia de reprodução do capitalismo no campo, através de
sua submissão às lógicas vigentes e desiguais do mercado.
De modo geral, concorda-se com Fernandes, ao afirmar que

o governo Lula deverá superar alguns desafios para que possa efetivamente
realizar a reforma agrária. O primeiro será conceber a reforma agrária como
política de desenvolvimento territorial e não como política compensatória. Uma
política de desenvolvimento territorial implica em desconcentrar a estrutura
fundiária, o que nunca aconteceu em mais de quinhentos anos de história do
Brasil. Todos os governos, até então, conceberam a reforma agrária como
política compensatória, de forma que a maior parte dos assentamentos foi
implantada atendendo às pressões dos movimentos camponeses (FERNANDES,
2005, p. 19).

Entretanto, considerando que o segundo mandato está chegando ao final e que a natureza
dos desafios a serem superados é, em sua maioria, de ordem estrutural, não se espera que haja
uma política efetiva de reforma agrária, na perspectiva de desenvolvimento territorial. No que se
refere aos assentamentos implantados no primeiro mandato do governo Lula, constata-se, acordo
com a Figura 12, que o porcentual de assentamentos implantados, apesar de haver apresentado
queda em 2008 (25,49%), teve crescimento entre 2003 e 2005 (16,18 para 34,38%), apresentando
queda em 2006 (25,49%). O total de famílias assentadas evoluiu de 12,41 a 39,22%, de 2003 a
2005, com diminuição deste porcentual em 2006 (30,14%). A área apresentou o maior registro
em 2003 (32,52%), com queda em 2004 (11,50%), retomando o aumento em 2005 (31,10%).
Novamente verifica-se queda dessa área em 2006 (24,87%) (Figura 12).
78

Fonte: Ramos Filho (2008), organizado por Sousa (2009).

Figura 12 – Implantação de assentamentos no governo Lula.

De acordo com Fernandes (2006), o resultado da reforma agrária no governo Lula é bem
melhor do que no governo FHC. Entretanto o autor afirma que

Todavia, não podemos contar apenas as famílias assentadas, é preciso contar as


propriedades desapropriadas. E nesse ponto, o governo Lula está sendo um
enorme retrocesso. Nos três anos de governo, apenas 61.087 (25%) das famílias
foram assentadas em terras desapropriadas. Estamos observando uma nova arte
na política de reforma agrária para atender as metas: o processo de autofagia.
Ou seja, 183.202 famílias foram assentadas em assentamentos já existentes ou
em assentamentos implantados em terras públicas ou em assentamentos já
existentes em terras públicas (FERNANDES, 2006, p. 2).

Um balanço da reforma agrária no primeiro mandato do governo Lula revela que a área
média por família foi de 108,24 ha, tendo como reflexo a elevada amplitude dos dados
(176,93 ha). No início do mandato a relação área desapropriada/número de famílias assentadas
foi a maior de seu governo (233,02 ha), enquanto no ano seguinte (2004) esse número caiu para
56,09 ha (Figura 13).
De modo geral, ao analisar as políticas de reforma agrária e as ênfases apresentadas em
cada um dos governos, converge-se para três aspectos em comum: a reforma agrária sempre foi
motivada pela pressão continuada dos movimentos sociais que se mostraram presentes, ainda que
tenham sido calados, algumas vezes, nos conflitos por terra, onde predominaram os interesses
das elites agrárias; a reforma agrária tão almejada só é possível e adequada às demandas
apresentadas pelo campesinato se for realizada a partir da desconcentração fundiária; e a reforma
79

Fonte: Ramos Filho (2008), organizado por Sousa (2009).

Figura 13 – Comportamento da reforma agrária no governo Lula.

agrária nunca foi efetivada, nem mesmo as metas contidas nas propostas apresentadas por
diferentes governos foram efetivadas, devido às forças políticas presentes e alianças estabelecidas
em cada governo, sendo que a correlação de forças sempre se apresentado desfavorável aos
trabalhadores do campo.
Nesse sentido, o resgate histórico apresentado permite afirmar que todas as políticas de
reforma agrária no Brasil promoveram algumas ações pontuais, motivadas pelo contexto de
conflito e tensão social, resultantes da luta dos movimentos sociais do campo, com o objetivo de
promover o acesso à terra.
Assim, uma política de reforma agrária que fosse capaz de garantir o acesso e a
permanência na terra, por meio da transformação da estrutura fundiária brasileira e garantia da
reprodução social dessas famílias, nunca existiu efetivamente na prática, embora ensaiada em
alguns momentos da nossa história. O grande entrave é que, a cada novo governo e novas
alianças políticas firmadas, a reforma agrária se torna uma das pautas dos problemas
emergenciais, mas não de fato uma política séria e necessária ao desenvolvimento do País.
Considerando os governos Sarney, Collor/Itamar, FHC (I e II) e o primeiro mandato do
governo Lula, constatou-se que a implantação da política de assentamentos, que se iniciou com o
I PNRA, no governo Sarney, representa 11,33% do total de assentamentos (Figura 14). No
governo de Collor/Itamar, esse porcentual caiu para 6,53%. No governo FHC I este porcentual
aumentou consideravelmente e representa 31,30% do total do período analisado. Já no segundo
mandato de FHC, esse total foi de 24,24%, enquanto no primeiro mandato do governo Lula
representou 26,60%
80

Fonte: Ramos Filho (2008), organizado por Sousa (2009).

Figura 14 – Evolução da implantação de assentamentos no Brasil.

Com relação às famílias assentadas, constata-se que no governo Sarney o porcentual foi
de 15,99%, apresentando queda no governo Collor/Itamar, que representou apenas 8,06% das
famílias assentadas no período. Por outro lado, no governo FHC houve um crescimento
considerável desse porcentual (31,41%), mas com registro de queda (19,45%) no seu segundo
mandato. No governo Lula, o porcentual de famílias assentadas entre 1985 e 2006 subiu para
25,08%.
No que se refere à área, os dados registra ram, no governo Sarney, um porcentual de
17,25%, seguido de uma queda para 8,06% no governo Collor/Itamar. No primeiro mandato de
FHC esse porcentual foi de 22,38% e no segundo, de 15,25%. Já no governo Lula o porcentual
registrado foi de 35,74%.
Assim, analisando os dados apresentados na Figura 15, constata-se que o maior
porcentual de assentamentos implantados no Brasil, a partir da política de assentamentos
(I PNRA, em 1985), foi no governo FHC (primeiro mandato), especificamente em 1998, quando
foram registrados 762 assentamentos. A maior quantidade de famílias assentadas foi identificada
também nesse governo, no mesmo ano, totalizando 69.840 famílias. A maior área observada na
reforma agrária foi no governo Lula, com 17.092.624 ha.
Se no governo FHC foi registrado o maior número de assentamentos e famílias
assentadas é porque, como já mencionado, houve o problema da clonagem destes números. Por
outro lado, a maior área incorporada no governo Lula pode ser explicada pelo processo de
autofagia, também já mencionado. Por isto, concorda-se com Fernandes (2006), ao afirmar que o
dilema da reforma agrária está na clonagem e na autofagia dos assentamentos. Pode-se ainda
81

Fonte: Ramos Filho (2008), organizado por Sousa (2009).

Figura 15 – Comportamento da reforma agrária no Brasil, 2006.

afirmar que não basta assentar, é necessário desconcentrar a terra a partir dos latifúndios
improdutivos. Para tanto, torna-se necessária a análise da estrutura fundiária a partir da reforma
agrária realizada, conforme a discussão que segue.
Considerando a veracidade desses dados, numa análise dos valores absolutos, percebeu-se
que as principais fases da reforma agrária foram as dos governos FHC I e Lula, sendo, em média,
uma área de 4.842,44 ha e 9.096,66 ha para os PAs criados, perfazendo, para cada família, uma
área de 44,46 ha e 88,90 ha e cerca de 109 e 102 famílias assentadas por PA, para os respectivos.
Cabe aqui uma ressalva, já que a área por família apresentada não é a do lote do assentado, mas sim uma
projeção da área concedida para cada família, obtida pela divisão da área total desapropriada pelo número
de famílias assentadas. Normalmente, para o cálculo do lote, os técnicos do INCRA calculam a área útil
do imóvel desapropriado para reforma agrária, que seria a área total medida menos a área de proteção
ambiental (Preservação Permanente e Reserva Legal) e as áreas inaproveitáveis. Caso fosse considerado,
para efeito de classificação, o melhor governo para a reforma agrária, constata-se que o governo
Lula teve maior número de assentados e maior área desapropriada (ou reassentamento).
Entretanto, somente com base nesses dados absolutos, com pouco detalhamento, não é possível
inferir com clareza qual foi a administração pública mais efetiva na política de reforma agrária,
pois, como comentado, o aumento quantitativo de assentados não é suficiente para a promoção
do desenvolvimento humano e social dos ecossistemas familiares.
82

4.2. A Política de Reforma Agrária em Sergipe e seus Impactos na Estrutura Fundiária

Neste item apresenta-se o resgate histórico da política de reforma agrária em Sergipe,


diante do observado anteriormente no contexto nacional. Discute-se ainda a questão da estrutura
fundiária, buscando identificar quais os impactos dessa reforma agrária na concentração da terra,
na perspectiva de que não são apenas os assentamentos que refletem a política de reforma agrária
implementada, mas o que foi possível em termos de desconcentração fundiária.

4.2.1. A Política de Reforma Agrária em Sergipe

A história da reforma agrária começa antes mesmo da política de assentamentos,


registrada em 1985, ocasião em que se inicia o I PNRA. Ao considerar a reforma agrária como
sendo a distribuição de terras, é importante destacar que em Sergipe essa distribuição iniciou-se
antes de 1985, por organismos particulares, conforme os relatos de Silva (1995). De acordo com
o autor, a expansão do capitalismo no campo sergipano se manifesta em quase todos os setores
da economia, iniciando com a cana-de-açúcar, a pecuarização e a citricultura. Como
consequências desse processo da implantação do complexo canavieiro, da pecuarização e da
expansão da citricultura, acentuam-se o aumento do êxodo rural, a proletarização da massa
camponesa e os conflitos de terra. É neste contexto que algumas ações de distribuição de terras
são realizadas através de algumas políticas, o que não representa necessariamente a reforma
agrária. Todavia, considera-se que esta exposição é relevante para contextualizar o processo de
reforma agrária em Sergipe.
Seguindo a mesma linha nacional, em Sergipe os conflitos de terra e as reivindicações dos
trabalhadores rurais configuram-se como forma de pressão, sendo atendidas parcialmente.
Conforme relatado por Silva (1995):

as reivindicações dos trabalhadores por terra foram parcialmente atendidas


através de diferentes iniciativas: ação de políticos isolados que tentaram, junto a
organismos financeiros, conseguir empréstimos e adquirir terras para distribuí-
las a colonos; cooperativas de pequenos produtores que passaram a incluir em
seus objetivos a colonização como forma de melhorar as condições de vida de
seus associados; políticas [...] de distribuição de terras; além da participação da
Igreja Católica e até mesmo de sindicatos de trabalhadores rurais. O resultado
deste processo, contraditório e conflituoso ao longo das últimas cinco décadas,
foi a implantação de 93 núcleos de assentamentos de pequenos produtores
rurais, em 74 colônias, 6 perímetros irrigados e 13 projetos da reforma agrária,
localizadas em 51 municípios dos 75 que formam o Estado (SILVA, 1995,
p. 26-27).

Apesar de nessa citação o autor já considerar a reforma agrária a partir de 1985, aqui são
levados em conta apenas os aspectos da distribuição de terras anterior a esse período. Portanto,
83

como resultados. Constata-se a implantação de 93 núcleos de assentamentos de pequenos


produtores rurais, em 74 colônias e seis perímetros irrigados.
A atuação do Estado é verificada a partir da aquisição de terras e e do seu repasse aos
pequenos produtores rurais; assim ele atua na desconcentração da estrutura fundiária, tendo por
amparo legal o Estatuto da Terra, no capítulo II, Seção I, Artigo 58, que estabelece que

Nas regiões prioritárias definidas pelo zoneamento e na fixação de suas


populações em outras regiões, caberão ao Instituto Brasileiro de Reforma
Agrária (IBRA) as atividades colonizadoras.
§ 1o Nas demais regiões, a colonização oficial obedecerá à metodologia
observada nos projetos realizados nas áreas prioritárias e será coordenada pelo
órgão do Ministério da Agricultura referido no artigo 74, e executada por este,
pelos governos estaduais ou por entidades de valorização regional mediante
convênios (BRASIL, 1964, p. 23).

Ainda com relação à distribuição de terras em questão, Silva (1995) relata que as políticas
de distribuição de terras em Sergipe, até 1985, foram desenvolvidas pela Companhia de
Desenvolvimento do Vale do São Francisco (CODEVASF), pelo Programa de Desenvolvimento
de Áreas Integradas do Nordeste (POLONORDESTE) e pelo Programa Especial de Apoio às
Populações Pobres das Zonas Canavieiras do Nordeste (PROCANOR). Esses programas
estariam voltados basicamente para o pequeno produtor, tanto em nível de reestruturação
fundiária como de suporte à produção.
Segundo João Bosco de Andrade Lima Filho, então Superintendente do INCRA em
Sergipe, em entrevista concedida ao Jornal da Manhã (1995a), o INCRA conseguiu assentar 234
famílias através do PROCANOR, em projetos destinados aos trabalhadores da cana -de-açúcar,
na década de 1970.
Silva (1995) destaca ainda a ação de algumas cooperativas e entidades religiosas, além das
políticas governamentais propriamente ditas, a exemplo de iniciativas de algumas cooperativas de
pequenos produtores rurais e da Igreja – Dioceses de Propriá e de Aracaju, a Promoção do
Homem no Campo – PRHOCASE, que contando com apoio governamental e de organismos
financeiross conseguiram instalar algumas colônias no Estado.
No que se refere às cooperativas criadas que atuavam na distribuição de terras, ou
colonização cooperativa, destacam-se: Cooperativa Mista dos Trabalhadores dos Treze
(COOPERTREZE), criada em 1963, Cooperativa Agropecuária Mista e de Colonização do
Agreste Ltda. (COOPERGRESTE), fundada em 1969, Cooperativa Mista e de Colonização
Jardim e Cooperativa Agrícola Mista de Estância (COOPAME).13

13
Ressalta-se que mais informações sobre as cooperativas e aos projetos de irrigação poderão obtidas nos estudos
realizados por Silva (1995) e Silva e Lopes (1996).
84

Após essa fase a reforma agrária caracteriza-se pela política de assentamentos, com base
no I PNRA em 1985. De acordo com Silva e Lopes (1996), o PNRA exerceu forte influência
sobre os ânimos dos trabalhadores sem-terra em Sergipe, na decisão de lutarem pela terra. Seriam
esses, de acordo com os autores, mais de 26 mil, distribuídos em 74 municípios, concentrados na
área da Diocese de Propriá. É importante ressaltar que os autres atribuem a luta pela terra e as
ocupações nesse período como sendo motivadas pela divulgação do PNRA, aliadas à expansão
do capitalismo na região, na concentração fundiária; à falta de terra para trabalhar; e ainda aos
efeitos da seca. Segundo eles, esses fatores que motivaram as ocupações de terra devem ser
compreendidos de forma articulada.
Registra-se que as atividades do INCRA em Sergipe, até 1982, consistiam basicamente na
coordenação do cooperativismo, no cadastramento rural, no recolhimento do Imposto Territorial
Rural (ITR) e na titulação de terras. Em consequência da luta dos posseiros de Santana dos
Frades, o INCRA implantou o primeiro projeto de colonização no Estado, mais precisamente em
13 de setembro de 1982, de acordo com o ato de criação (INCRA/SIPRA, 2009a).
Os posseiros de Santana dos Frades, apoiados pela Diocese de Propriá, pelo Sindicato
dos Trabalhadores Rurais de Pacatuba, dentre outros, lutaram contra o autoritarismo da justiça,
do fazendeiro e de seus jagunços. Eles estavam na iminência de perder suas terras, que ocupavam
há anos, em virtude da decisão da empresa Serigy-SERAGRO de cercar a área onde as casas
estavam, já que se dizia “dona da área”. Segundo a empresa, as terras foram compradas do
Comendador Manoel Gonçalves, que as havia comprado dos Frades Carmelitas.
Entretanto, os mesmos Frades haviam doado parte dessas terras aos moradores do lugar,
o que nunca foi respeitado. Em 1970, os moradores, não suportando pagar a “renda ao dono da
terra”, resolveram buscar seus direitos. Nesse ínterim, os descendentes do Comendador
venderam a área para a Serigy, mesmo não lhes pertencendo. Como desfecho final o INCRA
desapropriou, em 1981, 1.401 ha, e não 3.600 ha (tamanho da fazenda), repassando a área para os
posseiros (SOUZA, 1995). Mas essa situação se arrastou por muitos anos, conforme explicou
Carlos Fontenelle, superintendente substituto do INCRA em Sergipe, em entrevista concedida ao
Jornal da Manhã (1995).

Esse conflito vem se arrastando, desde que foi ocupada a área. Na época, o
INCRA não tinha meios legais para fazer a desapropriação da área, porque os
artigos da constituição que trata da Reforma Agrária ainda não tinham sido
regulamentados. Em 93, com a nova lei agrária, o instituto após vistoriar toda a
área de 2.800 ha e concluir que a mesma era improdutiva, encaminhou o
processo para Brasília, e o atual residente da República declarou a área de
interesse social para fins de Reforma Agrária. Com isso, o INCRA recorreu a
Justiça Federal para a imissão de posse. [...] quem está promovendo toda essa
situação [de conflito] não é o proprietário da terra, e sim a Usina Sanagro
85

[arrendatário] que não está querendo a saída dos Sem-Terra, mas a suspensão
da imissão de posse (JORNAL DA MANHÃ, 1995c, p. 5).

Em 1986, implantado o PNRA, o INCRA inicia os processos de desapropriação em


Sergipe. Em 1986 foi registrada a desapropriação do imóvel Barra da Onça e, ainda, de dois
outros na Ilha do Ouro e em Borda da Mata, respectivamente, nos municípios de Porto da Folha
e Canhoba. Assim, segundo Silva (1995), o processo de reforma agrária em Sergipe, através da
ocupação de terras ditas improdutivas, teve início em 1985, com o conflito da Barra da Onça,
sertão sergipano, como destacado em reportagem publicada no Jornal da Manhã:

Em 1984, trabalhadores rurais sem-terra desesperados pelas condições


paupérrimas em que viviam, [...] sem nenhum poder aquisitivo, eram forçados a
trabalhar para os grandes latifundiários de sol a sol e recebendo uma quantia
irrisória, [...] se uniram para invadir o local (Fazenda Barra da Onça). No início,
a pressão foi grande, não só por parte da Polícia Militar que usou de força e até
tortura para afastá-los da área e proteger o proprietário, um dos maiores
latifundiários na época, como também por parte dos próprios moradores da
região. Na ocasião, eles receberam grande apoio dos sindicatos rurais das
cidades vizinhas e de igrejas católicas de Poço Redondo, onde o Frei Enoque
foi um grande aliado. Após dois anos de luta, o INCRA desapropriou a fazenda
Barra da Onça, localizada em Poço Redondo, a 213 km de Aracaju, em junho
de 1986, logo após o I PNRA, tendo uma área de 6.278 ha, assentando 150
famílias (JORNAL DA MANHÃ, 1995b, p. 5).

Analisando em detalhes a política de reforma agrária em Sergipe, ou seja, o número de


famílias que foram assentadas no período de 1979 a 2009, observa-se, conforme dados da Tabela 3,
que o número de assentamentos criados aumentou a partir do primeiro governo de Fernando
Henrique Cardoso e se manteve durante o governo Lula. Mas esse crescimento não pode ser
avaliado friamente, pois corresponde exatamente ao contexto nacional, em que foram analisados
os dados gerais dos assentamentos. Se Fernandes (2006) comenta a clonagem e a autofagia no
Brasil, em Sergipe não haveria de ser diferente.
Num panorama geral da reforma agrária em Sergipe, constata-se, que foram implantados
169 assentamentos, beneficiando 8.109 famílias, numa área total de 142.174 ha (Tabela 3). Ao
analisar a área média dos lotes, percebe-se que estes estão bem abaixo dos valores observados em
todos os períodos, em relação ao cenário nacional (Brasil). Pode-se inferir que essa diferença se
deve à grande influência na área média dos PAs criados nas regiões Centro-Oeste e Norte, que
são normalmente de grande extensão, e especificamente na região amazônica, que requer um
manejo mais agroextrativista.
Se considerarmos os dados oficiais de distribuição de terras no Estado desde o último
governo militar, pode-se observar que é nos períodos referentes aos dois mandatos de FHC que
houve mais assentamentos e mais famílias assentadas em Sergipe (Figura 16).
86

Tabela 3 – Evolução dos assentamentos de reforma agrária em Sergipe, 1980/2009

No de Área
Governo/Período Assentamento No de Famílias Área (ha) Média do
Lotes
% Absoluto % Absoluto % Absoluto
João Figueiredo 1979 a 1984 0,59 1 1,1 89 0,99 1.401 15,74
José Sarney 1985 a 1989 3,55 6 5,81 471 7,38 10.499 22,29
Collor/Itamar 1990 a 1994 5,92 10 5,44 441 3,64 5.174 11,73
F. Henrique 1995 a 1998 25,44 43 34,3 2782 29,54 42.004 15,10
F. Henrique 1999 a 2002 27,22 46 25,68 2083 30,69 43.637 20,95
L. Inácio Lula 2003 a 2006 26,04 44 20,71 1679 17,85 25.372 15,11
L. Inácio Lula 2007 a 2009 11,24 19 6,96 564 9,91 14.086 24,98
Total 100 169 100 8109 100 142.174 17,53
Fonte: INCRA/SIPRA (2009a), organizado por Sousa (2009).

Fonte: SIPRA/INCRA (2009a), organizado por Sousa (2009).

Figura 16 – Evolução dos assentamentos em Sergipe.

No governo João Figueiredo, tem-se 0,59% do total de assentamentos implantados, com


1,10% de famílias de e 0,99% de área. Registra-se que o único assentamento implantado foi o
Projeto de Assentamento (PA) Santana dos Frades, localizado em Pacatuba, cuja caracterização
da luta já foi mencionada.
Já no governo Sarney, com o I PNRA, os assentamentos corresponderam a 3,55%, com
3,81 % de famílias assentadas, numa área de 7,38% do total do período analisado. Esse
crescimento dos assentamentos pode ser explicado pelas ocupações de terra já mencionadas e
pelos conflitos relacionados, destacando o PA Barra da Onça e PA Cruiri, o primeiro
87

considerado “a menina dos olhos” do INCRA, por se situar em uma região semiárida, de grande
pobreza, onde os assentados tiram o sustento através da pecuária leiteira e agricultura de
subsistência, enquanto o último faz parte do “complexo Santana dos Frades”, em Pacatuba.
Ao avaliar a questão, Silva e Lopes (1996) relembram que dentro da meta prevista para
Sergipe cabia o assentamento de 11.700 famílias, em lotes com área média de 30 hectares,
correspondendo a uma área total de 350 mil hectares. Neste período, dos assentamentos
implantados, mais da metade estava localizada na região semiárida, em municípios que integram o
Polígono da Seca.
Entretanto, verifica-se que a concentração dos assentamentos é no semiárido sergipano e
na região do Baixo São Francisco, onde as condições climáticas são limitantes e os solos nem
sempre adequados para o tipo de agricultura praticada. Como explicar a concentração dos
assentamentos nessas áreas?
Para Silva e Lopes (1996) a explicação pode ter vertentes: de um lado, são regi ões com
alta densidade de latifúndios e fazendas de criação extensiva de gado, habitadas por milhares de
trabalhadores rurais e camponeses pobres; de outro, concentram sindicatos atuantes de
trabalhadores rurais e entidades como a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Movimento
Eclesial de Base (MEB) e a Diocese de Propriá, que apoiam as lutas do campo.
No governo Collor/Itamar tem-se 5,92% de assentamentos implantados, com 5,44% de
famílias e 3,64% em área, sobre o total do período. Cabe recordar que Collor, cassado em 1992
por um processo de impeachment, por causa de um grande esquema de corrupção, era árduo
defensor dos interesses e privilégios dos latifundiários, e seu governo foi pautado por um total
desmonte do aparato público nesse setor (reforma agrária) e em diversos setores da estrutura
administrativa. A realização de assentamentos e a arrecadação de terras praticamente se limitaram
a concluir os processos iniciados na gestão anterior.
Além disso, em janeiro de 1992 o governo lança seu programa de reforma agrária,
denominado “Programa da Terra”, cujo objetivo era cumprir as metas estabelecidas pela Lei
8.173/91 para aquele ano. Para cumprir esse objetivo o governo pretendia desapropriar 2,9
milhões de hectares de terra, devendo ser ressaltado que 735 mil já estavam disponíveis. O
programa previa também destinar créditos através do Programa de Crédito Especial para a
Reforma Agrária (PROCERA), aos já assentados e aos pequenos agricultores, via crédito
fundiário, assim como meios de assistência técnica aos assentamentos, contudo sem se esquecer
do processo de descentralização, envolvendo estados, municípios, universidades e entidades
privadas (FUMES; OLIVEIRA, 2009).
88

O Programa da Terra tinha algumas metas para a implantação de assentamentos, mas


assim como nos governos militares eram propostas que nunca seriam efetivadas.
Nesse curto período do governo Collor, destaca-se a criação do PA Vitória da União
(antiga Fazenda Priapu) em Santa Luzia do Itanhi, região litorânea do sul do Estado, com um
passado envolto nos engenhos de cana-de-açúcar. Posteriormente, esse PA foi estudado por
Campos (1999), que analisou as trajetórias individuais e as lutas coletivas dos assentados, do
acampamento à formação do assentamento, e por Lopes et al. (2004), que estudaram o
desenvolvimento do PA, sua organização produtiva e os impactos socioeconômicos.
Com o vice-presidente Itamar Franco, embora não tenha apresentado nenhum projeto de
reforma agrária, regularizaram-se algumas áreas de conflitos, assentando as famílias acampadas.
Nesse governo foram criados os PAs Nossa Senhora Santana, Moacir Wanderley e o Caípe, em
Pacatuba, Nossa Senhora do Socorro e Nossa Senhora das Dores, os três pelo processo de
Compra e Venda, modalidade em que se tem a oferta do imóvel por parte do proprietário para o
INCRA adquirir geralmente caracterizado por um processo mais brando e sem conflito.
A área do PA Nossa Senhora Santana está contíguo aos PAs Cruiri e Santana dos Frades;
o PA Caípe está incrustado dentro de um povoado, de mesmo nome; e o PA Moacir Vanderley
merece maior destaque, já que foi capa do jornal Folha de São Paulo (1995), com o título
“Governo financia socialismo”. Essa reportagem traz as seguintes informações:

O governo federal está financiando um projeto inusitado de reforma agrária.


Trata-se de uma experiência, comandada pelo Movimento dos Sem-Terra
(MST), em que todo o trabalho e o fruto dele são divididos de maneira coletiva.
O INCRA comprou a Fazenda Quissamã, área pertencente a EMBRAPA, cuja
estação estava desativada e abandonada, e apostou no trabalho coletivo, por
medo de que, se a área fosse explorada em lotes individuais, alguns assentados
vendessem a terra, devido à especulação imobiliária (proximidade da capital do
estado). Além disso, a formação política de militantes é uma marca do trabalho
do MST no Quissamã (FOLHA DE SÃO PAULO, 1995, p. 16).

Por fim, João Bosco de Andrade Lima Filho, superintendente do INCRA em Sergipe, em
entrevista concedida ao jornal Gazeta de Sergipe (1995a), enfatiza que “depois de atravessar com
os pés no freio os governos militares, a reforma agrária (em Sergipe) evoluiu alguma coisa no
governo Sarney e limitou-se à aquisição de terras durante a permanência de Collor no poder”.
No governo FHC, em seu primeiro mandato, o porcentual de assentamentos, de famílias
e de área cresceram significativamente. Para os assentamentos, é verificado um porcentual, em
relação ao total do período analisado, de 25,44%, seguido de 34,30% para as famílias e de 27,22%
para área. Nesse período, observam-se os maiores registros de famílias assentadas da história da
reforma agrária em Sergipe. Mas, este fato pode corresponder às situações nacionais discutidas
89

anteriormente, a respeito dos critérios para a contagem dos assentamentos, que resultam em
contradição desses números.
Em Sergipe, alguns assentamentos são contabilizados como sendo de reforma agrária, no
entanto não passam apenas de doações/reconhecimento, advindas de outros órgãos federais,
como a CODEVASF, o Ministério da Agricultura, etc. Como exemplos podem ser citados os
assentamentos Santo Antônio do Betume, em Neópolis (1995), onde através da luta dos meeiros
de arroz, que se deu às margens do Rio São Francisco, a COODEVASF retirou os posseiros,
implantando, nessas terras, o projeto de irrigação Betume. Essa luta foi apoiada pela Igreja
Católica (1975/1979), mais precisamente pela Diocese de Propriá, que na época era o único
movimento social atuante na luta pela terra em Sergipe (LOPES, 2003).
No segundo mandato de FHC, os assentamentos representam 27,22% do total realizado
no período de 1979 e 2007, com 25,68% das famílias assentadas e uma área de 30,69%,
persistindo ainda a lógica do reconhecimento de área para reforma agrária, como o Projeto
Casulo Palmeiras (1999), em Carmópolis; o Projeto Casulo Gov. Augusto Franco (2000), em São
Cristovão; o Dandara (2002), em Malhador; a Lagoa Grande (2005), em Nossa Senhora das
Dores, dentre outros (INCRA/SIPRA, 2009a). Um dos grandes problemas que ocorrem a partir
desse processo é que nem sempre as áreas reconhecidas ou doadas são adequadas para o número
de famílias, ou seja, não apresentam viabilidade técnica e ambiental, trazendo inúmeros conflitos
entre os órgãos ambientais, os financiadores da reforma agrária e os próprios movimentos sociais.
Ressalta-se ainda que essa problemática não é exclusiva desses assentamentos, mas de muitos
outros no Estado de Sergipe14.
De modo geral, o segundo mandato de FHC é menos intenso para a reforma agrária em
Sergipe que o primeiro. Apenas para ilustrar esta realidade, com relação às metas para 1996,
verifica-se que

a meta prevista para a reforma agrária em Sergipe, de acordo com o


levantamento do INCRA, deverá ser desapropriada uma área de 16 mil hectares
suficientes para assentar 800 famílias dos trabalhadores rurais Sem-Terra
durante o ano de 1996. Para se ter uma ideia, no período de 13 anos (1982 a
1995) foram desapropriados 23.831 hectares beneficiando 1.486 famílias
(GAZETA DE SERGIPE, 1996a, p. 6).

Após o governo FHC, inicia-se o governo Lula, que cultivou a esperança dos
movimentos sociais à espera da tão sonhada reforma agrária. Entretanto, os resultados não são

14
A esse respeito, Curado e Gomes (2007) mostram que a criação dos assentamentos rurais tem demonstrado
limitações de ordem técnica e metodológica, a exemplo do aumento do número de famílias superior à capacidade
de suporte da área, favorecida pela pressão política das formas de organização e de representação de trabalhadores
rurais no processo de luta pela terra.
90

satisfatórios, sendo inferiores aos obtidos por FHC. No primeiro mandato de Lula registra-se em
Sergipe a implantação de 26,04% dos assentamentos ocorridos em todo o período analisado, com
20,71% de famílias assentadas e uma área de 17,85%. Se estes dados são considerados inferiores
aos de FHC, em seus dois mandatos, no segundo mandato de Lula a reforma agrária tem
resultados ainda menores até o presente momento, porém não se espera que isso se reverta em
apenas mais um ano de mandato. Com relação aos assentamentos, o porcentual é 11,24%,
seguido de 6,96% de famílias beneficiadas e uma área de 9,91%. Ressalta-se que esses dados se
referem, de acordo com os dados do INCRA/SIPRA (2009a), a 13 de abril de 2009, ou seja,
ainda no terceiro ano do último mandato de Lula.
Ao analisar a forma de aquisição das terras destinadas à reforma agrária em Sergipe, no
período de 1982 a abril de 2009, constata-se que as formas de aquisição são diferenciadas, mas a
desapropriação predomina, conforme pode ser observado na Figura 17.

Fonte: INCRA/SIPRA (2009a), organizado por Sousa (2009).

Figura 17 – Formas de aquisição dos assentamentos pelo INCRA. Sergipe, 1982 a abril de 2009.

Entretanto, é observada ainda a modalidade Reconhecimento como a segunda forma de


obtenção de imóveis rurais para o processo de reforma agrária em Sergipe, perfazendo 7,84% da
área, 7,03% do total de famílias assentadas e 8,28% do número de assentamentos rurais. Outro
aspecto relevante é observado ao comparar as outras duas modalidades: de Doação e de
aquisição por Compra e Venda. Embora a modalidade de Compra e Venda detenha, em
comparação com a Doação, o maior índice de número de assentamentos, o inverso ocorre com o
número de famílias.
Considerando que as melhores condições para a prática da agricultura no Estado, com o
padrão tecnológico predominante, são as apresentadas pelas regiões próximas ao litoral e no
agreste, uma vez que essas regiões apresentam índice pluviométrico e solos mais profundos,
91

pode-se constatar que a maior parte dos assentamentos não está localizada nessas regiões,
conforme pode ser observado na Figura 18.
Além desse aspecto, há de se considerar que a maior parte dos assentamentos está longe
do principal mercado consumidor, ou seja, de Aracaju. Mas quais seriam os fatores que
influenciam a concentração da maior parte dos assentamentos em áreas geograficamente menos
favoráveis à agricultura, com o padrão tecnológico predominante no Estado, como é o caso do
Alto Sertão?
Em princípio podem-se inferir vários motivos que poderiam explicam tal questão, dentre
eles o aspecto fundiário. De acordo com Silva e Lopes (1996), a concentração dos projetos do
semiárido pode ser explicada pela alta densidade de latifúndios improdutivos e pela grande
concentração de sindicatos de trabalhadores rurais mais combativos do Estado de Sergipe. Mas
com relação à estrutura fundiária, essa situação pode ter sido alterada.
De acordo com dados da Secretária Estadual de Planejamento – SEPLAN (2001), existem
naquela área cerca de 7.941 minifúndios15, com uma área de 170.232,80 ha, o que evidencia a
necessidade de incremento de áreas para esses minifúndios se tornarem unidades econômicas
básicas para a sobrevivência da família. Mas do mesmo modo, segundo dados do Sistema de
Informações Rurais (SIR), atualmente existe um número pequeno de grandes propriedades,
sendo comum a presença de médias propriedades (INCRA/SIR, 2009b), ou seja, hoje o INCRA,
ao atuar nessa região, não está reduzindo esses latifúndios, simplesmente está pulverizando, ainda
mais, essa estrutura fundiária.
Acredita-se que a constante atuação do INCRA, que resultou na criação de PAs nessa
região, deveu-se a pressões políticas e, principalmente, sociais, devido aos conflitos entre os sem-
terras (MST) e os proprietários dos imóveis. Percebe-se que, ao longo do período de estudo, o
INCRA atuou apenas como “apagador de incêndios”, tentando controlar os focos de tensões,
sem nenhum planejamento nas suas fiscalizações, mas apenas vistoriando aquelas áreas já
ocupadas, literalmente, e depois com a proibição das ocupações (2001) daqueles imóveis que
possuíam acampamentos instalados. Nesse sentido, Lopes e Silva (1996) comentam que:

é inquestionável que as desapropriações aconteceram, em Sergipe, muito mais


pela pressão e luta do que pela ação do INCRA. Aliás, ao se anteciparem ao
INCRA ou criarem situações que obrigaram o órgão a acelerar os seus
trabalhos de vistoria das áreas e formalização dos processos de desapropriação,
os trabalhadores rurais exerceram na prática a função de sujeitos do processo

15 De acordo com Albuquerque Filho (2000), o minifúndio é uma área rural menor que a da propriedade familiar e é
tido como nocivo à função social da terra. É "um imóvel rural de área e possibilidade inferiores às da propriedade
familiar" (Estatuto da Terra, art. 4o , IV). Em suma, o minifúndio é o imóvel rural de área inferior à unidade
econômica básica para determinada região e tipo de exploração.
92

SUBSTITUIR ESTA PÁGINA PELA IMPRESSÃO DO ARQUIVO, EM PAPEL A3,


DOBRADO EM FORMATO PADRÃO:

Mapa_Assentamentos_pag_93_A3.pdf

Fonte: Dados de Campo (2008) e INCRA/SIPRA (2008a), organizado por Bastos (2009).

Figura 18 – Mapa dos assentamentos de reforma agrária. Sergipe, 1980 a 2008.


93

de reforma agrária. Em outras palavras, fizeram com que o INCRA seguisse a


reboque do processo de luta pela efetivação da reforma agrária (SILVA;
LOPES, 1996, p. 101).

Em um balanço geral da reforma agrária em Sergipe, considerando cada período de


governo, observa-se que o seu ápice está de acordo com os dados nacionais, no governo FHC,
quando é registrado o maior número de assentamentos, de famílias assentadas e de área destina à
reforma agrária. Entretanto, se for considerada a demanda por terra no Estado, pode-se reafirmar
as conclusões de Sousa et al. (2007), que

[...] O número de famílias assentadas até 2006 era de cerca de 7.624 famílias,
complementando que, em 28 anos de reforma agrária no Estado, ainda existem,
segundo o INCRA/CONAB, 12.000 famílias acampadas, recebendo cesta de
alimento. Mas de acordo com o MST/SE, este número é ainda maior, com
cerca de 15.000 famílias, que estão concentrados principalmente no território
do Alto Sertão. Esse resultado atingido pela política de reforma agrária no
estado de Sergipe pode ser considerado medíocre (SOUSA et al, 2007, p. 14-15).

Assim, a análise da reforma agrária em Sergipe não deve apenas contemplar as discussões
sobre os assentamentos implantados, mas também sobre a estrutura fundiária e seu
comportamento, o que será feito na sequência.

4.2.2. A Política Nacional de Reforma Agrária em Sergipe e seus Reflexos na Estrutura


Fundiária

De acordo com Graziano da Silva (1994), a reforma agrária que os trabalhadores rurais
em geral, reivindicam não é a pulverização de terras, mas sim a redistribuição da renda, do poder
e de direitos. Não se trata da distribuição de lotes, mas de mudança na estrutura política e social
no campo. A reforma agrária é para os trabalhadores rurais uma estratégia para romper o
monopólio da terra e permitir que possam um dia se apropriar dos resultados do seu próprio
trabalho. Entretanto, para os latifundiários a posse da terra possui outros objetivos, relacionados
principalmente à acumulação, que os tornam os grandes proprietários de terras no Brasil. De
acordo com Stédile (1997), há muitas informações e dados sobre os maiores proprietários de terra
do Brasil.

Eles são poucos. Podem-se classificar os grandes latifúndios do Brasil de três


formas. Primeiro, existem as famílias tradicionais, as chamadas oligarquias
rurais, os coronéis do interior, que foram acumulando propriedades desde a lei
de 1850, apoderando-se de enormes extensões de terras públicas. [...] um
segundo tipo de grandes proprietários são os grupos econômicos, de origem
comercial, financeira e industrial, que resolveram aplicar seus capitais na
agricultura. A maioria deles investiu em terras, como reserva de valor ou como
94

modo de fugir ao pagamento do imposto de renda. [...] Há um terceiro tipo de


grande latifundiário, as empresas multinacionais ou pessoas físicas estrangeiras
que resolveram investir no Brasil e comprar terra (STÉDILE, 1997, p. 23-24).

Nesse contexto, a estrutura fundiária apresenta-se como elemento fundamental de análise


da reforma agrária, sendo consenso entre autores como Ariovaldo Umbelino de Oliveira e José
de Souza Martins, em suas diversas obras, a sua relação com a reforma agrária. Admite-se assim
que a terra é a condição necessária para aqueles que desejam nela trabalhar e prover a sua
sobrevivência e reprodução social.
Entretanto, há aqueles que dela desejam mais do que isso, seja para constituir reserva de
valor e, ainda assim, extrair outro tipo de renda a partir dela, ou apenas garantir o status de
proprietário de terra, acumulando grandes frações de terras, verdadeiros latifúndios. Conforme
discutido no Capítulo II deste trabalho, ao discorrer sobre a questão agrária, seus velhos e novos
dilemas, evidencia-se na história brasileira o processo de formação da pequena propriedade e do
latifúndio, apresentando os benefícios concedidos pelo Estado à classe mais favorecida, em
detrimento dos trabalhadores rurais. Entre as benesses concedidas à classe dominante está a de
iniciar o processo de acumulação privada de terras a partir da Lei de Terras. As consequências
sociais desse processo estão presentes até os dias de hoje. E é neste contexto que a reforma
agrária se apresenta, ainda que em proposições teóricas, como sendo o elemento desagregador do
latifúndio e promotor de justiça social no campo.
A história do Brasil é marcada pela concentração da propriedade fundiária, várias delas
originadas da ocupação de terra. Na análise da questão agrária feita pelos autores clássicos das
décadas de 1960 e 1970, no início se identificou o latifúndio como base de grande parte das
nossas mazelas sociais. Já hoje predomina a visão de que agronegócio, com suas grandes áreas de
monoculturas, é um dos pilares da economia brasileira. Segundo dados do Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA (2009), o Brasil exportou US$ 58,4 bilhões em
produtos agrícolas em 2008, e vem apresentando crescimento desde o ano de 2000. Esses são
responsáveis por 27,9% das exportações brasileiras e por significativo porcentual do Produto
Interno Bruto (PIB). A concentração de terra no Brasil é sustentada pelos que defendem os
interesses e os privilégios dessa parcela da população que controla as terras, as políticas públicas e
o governo (VEZALLI, 2006).
Serlene (2009), ao estudar reforma agrária, concentração de terra e conflitos no espaço
agrário da Amazônia mato-grossense, é enfática ao dizer que a concentração fundiária e a
exclusão social no campo levaram os movimentos sociais do campo a lutarem por uma reforma
agrária na região, usando como táticas de pressão sobre o governo tanto o latifúndio quanto a
ocupação das terras improdutivas e griladas.
95

Nessa conjuntura, pode-se afirmar que a concentração de terras no Brasil é fato histórico,
que permanece até os dias de hoje, com consequências sociais sérias para os trabalhadores cujas
sobrevivência e reprodução social dependem diretamente da terra.
Analisando as Figuras 19 e 20, observa-se que a concentração de terras no Brasil
apresenta-se com pouca alteração desde 1980.
Para efeito de análise dessa série temporal, cada intervalo de área será nomeado com uma
numeração cardinal, ou seja, a faixa menos de 10 ha será categoria 1; de 10 a menos de 100 ha, a
categoria 2; de 100 a menos de 1.000 ha, a categoria 3; e acima de 1.000 ha, a categoria 4.
Com relação à categoria 1, teve-se a redução do número desses imóveis em 3,31% e de
sua área em 0,73%, assim como na categoria 2 houve redução de 1,19 e 1,36%, respectivamente,
e para a categoria 3, com uma pequena variação, tanto para o número de estabelecimento quanto
para a sua área houve decréscimo de 0,21 e 2,81%, ou seja, essas categorias estão ficando
menores e deixando de existir.
Já para a categoria 4 aconteceu o inverso. Tanto o número de estabelecimentos quanto a
sua área aumentaram. Este fato é preocupante, pois constata-se acréscimo de 4,90% da área total
dos imóveis rurais do Brasil, referentes a essa categoria, num período de cerca de 35 anos. Além
disso, a quantidade desses estabelecimentos também cresceu (0,16%), muito embora tenha
sofrido uma pequena queda, o que pode ser constatado por meio dos dados dos últimos dois
censos (1996 e 2006).
Com relação aos estabelecimentos que não declararam a dimensão do imóvel, percebe-se
um crescimento significativo (4,55%), tendo esse valor se agravado (4,93%) no último censo.
Infere-se que essa falta de informação possa estar ligada ao receio dos proprietários de terra em
declarar a real dimensão da área, por acreditarem que podem sofrer sanções (atualização do
Imposto Territorial Rural e fiscalização do INCRA, dentre outros), ou então, menos comum, por
mero desconhecimento da dimensão do imóvel.
Assim, constata-se que predominam, em número, no Brasil, os estabelecimentos das
categorias 1 e 2, que geralmente podem ser caracterizados como aqueles que desenvolvem
agriculturas de base familiar. De acordo com o MDA (2009), esses estabelecimentos familiares
representam 84,4% dos estabelecimentos, totalizando 38% do valor bruto da produção da
agricultura, sendo responsável por de 74,4% do pessoal ocupado na agropecuária brasileira.
Destaca-se que são esses estabelecimentos os responsáveis pela garantia dos alimentos básicos
para a população brasileira, a exemplo da mandioca, do feijão e do milho. Entretanto, se em
número esses estabelecimento se destacam, em área a situação se inverte.
96

Fonte: IBGE/SIDRA (2009), organizado por Sousa (2009).

Figura 19 – Número de estabelecimentos agropecuários. Brasil, 1970 a 2006.

Fonte: IBGE/SIDRA (2009), organizado por Sousa (2009).

Figura 20 – Área dos estabelecimentos. Brasil, 1970 a 2006.

Além disso, ao relacionar as categoria 3 e 4, verifica-se que a terra vem se concentrando


ainda mais no País, ou seja, aqueles que detêm as maiores áreas de terras são poucos, enquanto
uma grande massa possui áreas bem inferiores. Essa concentração pode ser mais bem explicitada
quando se utiliza como recuso estatístico o índice de Gini (Figura 21), que é uma ferramenta que
mensura o nível de concentração. Ele índice varia entre 0 e 1, de modo que quanto mais próximo
de 1, mais concentrado, e quanto mais próximo de zero, menos concentrado.
97

Fonte: IBGE/Censo Agropecuário (2009), organizado por Sousa (2009).

Figura 21 – Índice de Gini referente ao acesso à terra. Brasil, 1985 a 2006.

Considerando que o Brasil também sofre com problemas sérios no que diz respeito à
concentração de terras, se o índice de Gini (renda) equivalente a 0,600 coloca o País no topo da
desigualdade, ao utilizá-lo na mensuração da distribuição de terras o valor chega a 0,872,
confirmando assim o quão concentrada está a propriedade fundiária no Brasil (MDA, 2003).
A comparação do índice brasileiro com o de outros Países nem sempre é possível. O
Brasil não exclui terras não agriculturáveis, como as reservas florestais, do cálculo do índice. Isso
inviabiliza, por exemplo, a comparação do índice de Gini brasileiro com o canadense. No
Canadá, as áreas geladas do norte não são consideradas, e o País teve, em 2000, um índice de
0,602, o menor entre os 22 Países das Américas; o maior é o de Barbados (0,928). De acordo
com os dados de Hahia (2003), o Brasil tem o nono menor índice, ficando à frente do Uruguai
(décimo) e da Argentina (16 o) e atrás do México (segundo) e dos EUA (terceiro).
Através dos trabalhos de Paulo Souza (2000) e Alcântara Filho (2007), percebe-se que
esses problemas ainda perduram no Brasil, pois o primeiro constatou que a concentração de
terras permaneceu em níveis elevados entre 1980 e 1995 e o segundo que não houve mudanças
significativas na estrutura fundiária entre 1992 e 2003.
Para ampliar essa discussão, observando-se os dados relacionados à concentração da
renda no Brasil, segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano, do Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (RDH/PNUD, 2006), o Brasil é o décimo país mais desigual
numa lista com 126 Países e territórios, apesar de ter sido verificada uma queda neste índice. Ele
está melhor que Colômbia, Bolívia, Haiti e seis Países da África Subsaariana. Esse mesmo
relatório destaca que
98

a taxa de redução da pobreza de um País se dá em função de dois fatores: o


crescimento econômico e a parcela desse incremento apropriada pelos pobres.
Em outras palavras, quanto maior a parcela apropriada pelos pobres, maior será
a eficiência do País em transformar crescimento em redução da pobreza
(PNUD, 2008, p. 35).

Se os dados da concentração de terra forem analisados juntamente com a concentração de


renda, pode-se compreender a essência das desigualdades sociais e econômicas do País,
justificando assim a necessidade de uma reforma agrária que desconcentre a terra e permita a
inclusão de milhares de trabalhadores rurais, expostos às mazelas sociais. Esta é uma das
bandeiras de luta preconizadas pelos movimentos sociais do campo. Os dados comprovam que a
política de reforma agrária realizada no Brasil não foi capaz de desconcentrar a posse da terra.
Essa afirmação pode ser evidenciada na matéria jornalística de Almeida et al. (2009),
veiculada no Jornal O Globo, onde eles afirmam que

o Censo Agropecuário 2006 revela que o acesso ao solo é mais desigual que a
distribuição de renda no Brasil. Se a desigualdade de renda no Brasil
escandaliza, a concentração no uso da terra impressiona ainda mais. E o que é
mais grave: a distribuição piorou nos últimos dez anos, [...] há muita terra na
mão de poucos (ALMEIDA et a.l, 2009, p. 5).

Ao verticalizar essa análise para a realidade de Sergipe, constata-se que a concentração da


terra, historicamente, também é elevada .16 Se a luta no campo ultrapassa os limites da demanda
por terra, sem dúvida um dos maiores entraves à reforma agrária é a manutenção de privilégios
dos senhores de terras, o nível de concentração da terra e a manutenção da propriedade
capitalista do tipo latifundiária que remonta à colonização do Brasil, perpetuando a quantidade
elevada de terras nas mãos de poucos latifundiários e um número elevado de trabalhadores que
possuem pouca ou nenhuma terra.
Para entender a estrutura fundiária de Sergipe como a reforma agrária implantada neste
Estado corroborou para a desconcentração da terra, foram analisados os dados referentes à
evolução histórica dessa estrutura, caracterizando, no período de 1970 a 2006, os seguintes dados:
tipo de proprietário, número de estabelecimentos, área ocupada por estabelecimento e
concentração da terra a partir da análise do índice de Gini. Os utilizados são oriundos do Censo
Agropecuário (IBGE, 2006).
Os dados sobre a estrutura fundiária brasileira, bem como de suas unidades federativas,
podem ser obtidos no IBGE, através das informações coletadas pelo Censo Agropecuário, ou no

16 Manuel Co rreia de Andrade, em sua obra intitulada “A terra e o homem no nordeste”, apresenta grande
contribuição para o entendimento da questão agrária na região, elucidando a formação histórica do latifúndio em
Sergipe, a concentração de terras ocasionada ora pela atividade pecuária, ora pela canavieira, com consequências
sobre a massa trabalhadora, entre elas o êxodo rural e a proletarização.
99

INCRA, através do cadastro do registro dos imóveis rurais. Entretanto, esses números não são
idênticos e exigem cautela para a sua utilização, conforme ressalta Girardi:

Os dados da estrutura fundiária, em especial aqueles do INCRA, possuem uma


dimensão política importante, com a qual devemos ser cuidadosos. O cadastro
do INCRA é abastecido com dados de natureza declaratória, não havendo
conferências com informações dos cartórios de registro de imóveis, o que
indica a fragilidade do sistema. A declaração de uma área superior ou inferior à
área real do imóvel pode ter como objetivo a redução de impostos, omissão de
terras improdutivas, ampliação de crédito rural e grilagem de terras. Por isso,
devemos considerar possíveis desvios principalmente no tamanho da área dos
imóveis rurais. Esses possíveis desvios nos dados do INCRA não os inutilizam,
pois essas práticas ilegais, por mais numerosas que possam ser, não se aplicam à
maioria dos detentores. Os dados do IBGE não estão totalmente isentos desses
possíveis desvios, porém, em virtude de sua finalidade censitária, acreditamos
que haja menos interesse dos produtores em fornecer informações falsas
(GIRARDI, 2008, p. 35).

Para efeitos desta análise, optou-se pela utilização dos dados do IBGE (Censo
Agropecuário), em suas séries históricas de 1970 até 2006. Tal opção se deve, inicialmente, à
disponibilidade de dados do IBGE em sequência histórica, organizados de forma a permitir a
análise desejada neste trabalho. No caso do INCRA-SE, esses dados não estão disponíveis desta
forma. Além disso, ao solicitá-los formalmente a essa Superintendência, ainda que apenas os
dados de 2009, eles não foram disponibilizados, sob a alegação de que não estariam acessíveis por
problemas no sistema, entre outros.
De acordo com os dados apresentados na Figura 22, pode-se perceber que os
estabelecimentos da categoria 1 sofreram decréscimo (2,73%) em seu número, ao analisar a série
temporal, destacando-se, em porcentual (cerca de 3/4), em relação às demais categorias. A
categoria 2 teve acréscimo no número de estabelecimentos (1,16%), e tanto a categoria 3 quanto a
categoria 4 tiveram decréscimo, 0,60 e 0,06%, respectivamente.
Ao comparar esse panorama regional com o nacional, percebe-se que os resultados são
idênticos apenas na categoria 3; os estabelecimentos de 100 a menos de 1.000 ha diminuíram em
número. Já para as demais categorias, houve o inverso, o que é bom para a estrutura fundiária de
Sergipe, demonstrando que algo está contribuindo para esse aumento de estabelecimentos rurais
menores que 100 ha.
Assim, ao analisar os dados sobre o número de estabelecimentos dos grupos com menos
de 10 ha (categoria 1), com base na série temporal de 1970-1996, Sousa et al. (2007) afirmam que:

Estes dados revelam que os estabelecimentos dos grupos com menos de 10 ha


se mantiveram estáveis. Em contrapartida, esta estabilidade coincide com uma
leve queda na área dos estabelecimentos com mais de 1000 ha, o que pode
indicar alguns dos resultados da política de reforma agrária a partir de 1985.
Neste período político, o Brasil iniciava o governo do Presidente José Sarney,
100

Fonte: IBGE/SIDRA (2009), organizado por Sousa (2009).

Figura 22 – Número de estabelecimentos agropecuários, por grupo de área. Sergipe, 1970 a 2006.

em que a discussão do Plano Nacional de Reforma Agrária - PNRA - estava na


ordem do dia. Segundo Silva e Lopes (1996), o PNRA exerceu forte influência
sobre os ânimos dos trabalhadores Sem-Terra em Sergipe na sua decisão de
lutarem pela terra (SOUSA et al, 2007, p. 12).

Em um período mais recente, com a intensificação da luta pela terra, os conflitos e a


reforma agrária realizada nos governos FHC, ainda que haja controvérsia sobre os números da
reforma agrária, estes podem também explicar a queda nos número de estabelecimentos com
mais de 1.000 ha (categoria 4).
Os dados revelam que não houve variação considerável do número de estabelecimentos
entre os grupos, indicando que o número de pequenas e médias propriedades não aumentou
significativamente. Desta forma, pode-se inferir que, mesmo com toda a política de reforma
agrária realizada nos períodos citados, não houve maior expressão desses grupos, já que a
reforma agrária objetiva proporcionar o aumento desses grupos com melhor distribuição da terra.
No que se refere à área dos estabelecimentos, ao analisar os dados apresentados na Figura
23, constata-se que desde o censo de 1980 a área da categoria 4 vem sofrendo decréscimo
(6,68%), ao passo que a da categoria 3 começa a decrescer nos últimos dois censos (6,06%).
Segundo Fernandes (2005), de fato a reforma agrária na década de 1990 contribuiu para impedir a
intensificação da concentração fundiária. Sem reforma agrária, a expansão das áreas das
propriedades capitalistas seria cinco vezes mais rápida que a expansão das propriedades
familiares.
101

Fonte: IBGE/SIDRA (2009), organizado por Sousa (2009).

Figura 23 – Área dos estabelecimentos agropecuários. Sergipe, 1970 a 2006.

Ao considerar os dados de 1985 a 2006, constata-se um aumento considerável na área dos


estabelecimentos menores que 100 ha (categorias 1 e 2). Consequentemente houve a redução na
área dos estabelecimentos maiores que 100 ha (categorias 3 e 4)
Assim, ao analisar toda a série temporal, quantitativamente, pode-se inferir que houve
nesse período aumento de 2,05% na área dos estabelecimentos da categoria 1, o que significa,
indubitavelmente, a intensificação da minifundiarização; o aumento de 6,71% na área dos
estabelecimentos da categoria 2, devendo ser ressaltado que parte também representa o
crescimento do minifúndio; e decréscimo de 3,71 e 5,04% na área dos estabelecimentos das
categorias 3 e 4, respectivamente.
A análise combinada desses dados permite inferir que houve um processo de
segmentação dos estabelecimentos, que aparentemente pode ser explicado pelo processo de
reforma agrária, que coincide também com os governos FHC e Lula, em que houve aumento de
área para a reforma agrária, bem como dos assentamentos implantados ao longo da história da
política de reforma agrária. Porém, os impactos da sucessão hereditária, com a formação de
espólio e posterior arrolamento de herança, também influenciaram esta segmentação dos imóveis
rurais, uma vez que, segundo Silva e Lopes (1996), a presença de latifúndios pertencentes a
espólios era comum em meados da década de 1980, sendo inclusive locais de inúmeros conflitos
e posteriores desapropriações, a exemplo da Fazenda Barra da Onça, em Poço Redondo.
Ao analisar os dados sobre a condição do produtor (Figura 24), percebe-se que o número
de proprietários teve um aumento considerável de 15,47% no período de 1970/2006. Entretanto,
102

Fonte: IBGE/SIDRA (2009), organizado por Sousa (2009).

Figura 24 – Número de estabelecimentos agropecuários, por tipo do produtor. Sergipe, 1970 a


2006.

o número de parceiros e arrendatários teve uma queda significativa, de 11,25% e o de ocupantes,


redução de 5,91%, no mesmo período, ou seja, somando essas duas categorias a redução foi de
17,16%, índice maior que o do crescimento apresentado pela categoria de proprietários.
Embora tenha ocorrido (Figura 24) aumento do número de proprietários, percebe-se que
o tamanho da área ocupada pelos estabelecimentos dirigidos por essa categoria de produtores
teve pequeno acréscimo de 2,98%, no período entre 1970 e 2006, conforme pode ser observado
na Figura 25. Ou seja, não houve acréscimo no porcentual da área mesmo com o aumento do
número de proprietários.
Observa-se que o grupo arrendatários/parceiros teve queda de 0,13% da área ocupada, o
que provavelmente inidica que ao diminuir o número destes, diminuiu também o porcentual de
área que possuíam. Ou seja, os arrendatários/parceiros continuam em condições menos
favorecidas tanto no número de estabelecimentos quanto na área que possuem. Se eles
diminuíram em número na categoria, significa que se tornaram proprietários, ou se
proletarizaram, ou migraram para a cidade, ou ainda engrossaram a fila dos movimentos sociais
no campo. Sousa et al. (2007), ao analisar a série temporal de 1970-1996, inferiram que os
arrendatários e posseiros conseguiram se manter nessa condição, o que sugere ainda que
poderiam ter se tornados meros ocupantes de terras. Complementando a análise, o número e a
área de estabelecimentos dos ocupantes apresentaram queda de 9,06% e 0,93%, respectivamente.
103

Fonte: IBGE/SIDRA (2009), organizado por Sousa (2009).

Figura 25 – Área dos estabelecimentos agropecuários, por condição do produtor. Sergipe, 1970 a
2006.

Analisando a concentração fundiária e considerando a atuação do Estado brasileiro,


verifica-se que a reforma agrária pouco contribuiu para a distribuição das terras concentradas no
Estado de Sergipe até 1996. Entretanto, de 1996 a 2006 esse cenário é alterado, indicando, no
conjunto de dados analisados, a desconcentração da terra. Para validar essas inferências, é
necessário analisar a concentração de terras através do índice de Gini, em Sergipe, conforme
ilustra a Figura 26.

Fonte: IBGE/Censo Agropecuário (2009), organizado por Sousa (2009).

Figura 26 – Índice de Gini referente ao acesso a terra. Sergipe, 1985 a 2006.


104

Ao contrário do aumento da concentração de terra verificado no Brasil, no período de


1985 a 2006, em Sergipe essa concentração apresenta queda, decrescendo de 0,858% para
0,821%, confirmando assim as inferências de que a reforma agrária pode ter contribuído para a
desconcentração da terra, ainda que de forma muito modesta.
Entretanto, mesmo que as análises apontem a realização da reforma agrária via
assentamentos implantados e desconcentração da terra, não se pode afirmar que nesses
assentamentos as condições são favoráveis para a garantia da sobrevivência e reprodução social
dos assentados, nem que ela contribuiu para a melhoria da qualidade de vida das famílias
beneficiadas. Neste sentido, essa temática será abordada no Capítulo V deste trabalho.
105

5. A DEMANDA POR TERRA EM SERGIPE: SUA CARACTERIZAÇÃO


E ESPACIALIZAÇÃO

Neste capítulo, são apresentadas a caracterização e espacialização da luta e a demanda por


terra em Sergipe. São discutidos os aspectos relacionados à luta pela terra nos acampamentos,
suas dinâmicas internas e estratégias de sobrevivência, identificando quem são os acampados com
relação aos beneficiários legais da reforma agrária, buscando aprofundar a discussão sobre a
demanda por terra. Desta forma, espera -se discutir qualitativamente a demanda por terra em
Sergipe.

5.1. A Luta pela Terra em Sergipe

A questão agrária brasileira pode ser compreendida como um conjunto de processos


históricos, de caráter político, econômico e social, que tem suas origens na colonização do País
pelos europeus e que se define basicamente pela concentração de terras nas mãos de poucos, pelo
grande contingente de trabalhadores rurais que não têm acesso à terra e às condições dignas de
sua sobrevivência. De acordo com Oliveira (2001), todo esse processo está vinculado ao
desenvolvimento do capitalismo, que se faz de forma desigual e contraditória, que tem como
parte constitutiva a concentração da propriedade de terra. Ao concentrar a terra, o
desenvolvimento capitalista empurra uma parcela cada vez maior da população rural para as áreas
urbanas, acentuando o êxodo rural e aumentando o contingente de pobres e miseráveis.
Se por um lado todas essas questões expõem aos riscos sociais milhares de trabalhadores
rurais, por outro há uma grande massa que luta para permanecer na terra, para ter condições de
produzir e garantir a sua sobrevivência e reprodução ao longo dos anos. Neste contexto, a luta
pela terra acontece em duas frentes complementares, pois ao passo que se luta para conquistar
um lote de terra, luta-se ainda mais para garantir a permanência no mesmo. Eis a razão de tantos
conflitos sociais no campo.
Assim, Oliveira (2005) afirma que os conflitos sociais no Brasil não são uma exclusividade
de nossos tempos. São, isto sim, uma das marcas da expansão da agricultura capitalista e do
processo de ocupação do campo no País.
Em Sergipe essa realidade se repete. Em se tratando da Região Nordeste, que é marcada
pela histórica concentração de terras, esta se apresenta como palco de luta pela terra tendo os
movimentos sociais organizados como os atores principais. Lopes (2003) salienta que, para tentar
106

compreender, inteira e profundamente, os conflitos agrários que vêm ocorrendo em Sergipe é


necessário vê-los não como um acontecimento local, particularizado, mas como elemento
constitutivo de um fenômeno sociopolítico de âmbito nacional. Neste sentido, faz-se referência à
história da luta pela terra em Sergipe, em seus momentos mais marcantes, não para aprofundar
nesta temática, objeto de estudo de outros pesquisadores, a exemplo de Lopes (2006), mas com o
propósito de contextualizar a luta pela terra em Sergipe.
De acordo com Lopes (2006), a história da luta pela terra em Sergipe tem sido marcada,
na maioria dos casos, pela violência, seja dos jagunços contratados pelos latifundiários que
tiveram suas terras ocupadas, seja pela polícia, em obediência à decisão judicial de reintegração de
posse reclamada pelo dono da terra. Para o autor, podem ser citados diversos exemplos dessas
lutas, desde a luta dos Índios Xocós, dos meeiros de arroz expulsos pela CODEVASF no Baixo
São Francisco e dos posseiros de Santana dos Frades, no início dos anos de 1980 e do século XX,
respectivamente, até as ocupações feitas pelo MST, Sindicatos de Trabalhadores Rurais (em
menor número) e outras organizações sociais, desde 1985.
A luta dos Índios Xocós pelo reconhecimento de suas terras data de 1988, quando
reclamavam a posse junto ao governo federal. Vários foram os episódios desta luta desigual, entre
eles o de 1987, em que João Fernandes de Brito se assenhora de cinco dos oito lotes em que fora
dividida a terra dos índios. Expulsos das terras cujo direito de uso há séculos lhes pertenciam, os
índios resistiram às pressões e ameaças físicas. Mas o governo do Estado decreta a área como
sendo de utilidade pública, comprando de quem não tinha propriedade. Apesar dos Britos serem
vencedores, por receberem o preço de uma terra que não lhes pertencia, os índios Xocós, através
de suas lutas com os jagunços e policiais, conseguiram permanecer em suas terras.
A luta dos meeiros de arroz se deu às margens do Rio São Francisco, onde a
CODEVASF expulsou das terras os posseiros, implantando o projeto de irrigação Betume. Os
meeiros foram apoiados pela Igreja Católica (1975/1979), mais precisamente a Diocese de
Propriá, que nessa época era o único movimento social atuante na luta pela terra em Sergipe.
Depois de muitos embates, o INCRA recebeu parte dessas terras sob a forma de doação, sendo
criado, de acordo com o INCRA/SIPRA (2009a), um projeto de assentamento, em 1995, com
área total de 3.757,94 hectares e assentando 289 famílias destes posseiros.
Os posseiros de Santana dos Frades, apoiados pela Diocese de Propriá e pelo Sindicato
dos Trabalhadores Rurais de Pacatuba, dentre outros, lutaram contra o autoritarismo da justiça,
do fazendeiro e de seus jagunços. Eles estavam na iminência de perder suas terras, que ocupavam
há anos, em virtude da decisão da empresa Serigy-SERAGRO de cercar a área onde as casa
estavam, já que se dizia “dona da área”. Segundo a empresa, as terras foram compradas do
107

Comendador Manoel Gonçalves, que as havia comprado dos Frades Carmelitas. Entretanto, os
mesmos Frades haviam doado parte dessas terras aos moradores do lugar, o que nunca foi
respeitado. Em 1970, esses moradores, não suportando pagar a “renda ao dono da terra”,
resolveram buscar seus direitos. Neste ínterim, os descendentes do Comendador venderam essa
área para a Serigy, mesmo não lhes pertencendo. Como desfecho final, o INCRA desapropriou,
em 1981, 1.401 ha, e não os 3.600 ha, repassando a área para os posseiros.
Silva e Lopes (1996) caracterizaram e mapearam os conflitos sociais no campo em
Sergipe, no período de 1985 a 1989, e concluíram que eles têm como características comuns
episódios de violência e a mediação de instituições como a Igreja. O estudo revelou ainda que os
motivos que levam os trabalhadores a ocupar os imóveis e realizar os acampamentos são a falta
de terra e a inexistência de qualquer oportunidade de trabalho, além dos problemas decorrentes
da seca. O s autores ressaltam que essa ocupação não é uma decisão intempestiva, nem fácil de ser
tomada. O que parece inquestionável é que, se não fosse a ousadia de trabalhadores e militantes
dos movimentos sociais, os assentamentos de reforma agrária teriam sido ainda mais
inexpressivos em Sergipe.
No contexto atual da disputa pela terra em Sergipe, foram identificados alguns conflitos,
em que estão presentes atores diferenciados no processo de domínio das terras. Entre aqueles
vivenciados e relatados pelos acampados durante a pesquisa, está a expansão da cana -de-açúcar,
fenômeno que volta a acontecer em Sergipe, além da especulação imobiliária.
A expansão do cultivo da cana-de-açúcar apontada pelos acampados entrevistados foi
analisada por Shimada e Conceição (2009a), que destacaram que:

o estado de Sergipe inicia um novo processo econômico pela produção da


cana-de-açúcar, gerando uma nova configuração sócio-espacial não só na região
da Cotinguiba situada na Zona da Mata do estado de Sergipe, local propício a
produção canavieira, devido ao solo fértil e a presença de clima quente e úmido,
dividida em duas microrregiões: a microrregião do Cotinguiba – compreen-
dendo os municípios de Capela, Divina Pastora, Santa Rosa de Lima e Siriri – e
a microrregião do Baixo Cotinguiba, constituído pelos municípios de
Carmópolis, General Maynard, Laranjeiras, Maruim, Riachuelo, Rosário do
Catete e Santo Amaro das Brotas; municípios com produção de cana, exceto
General Maynard. Além da presença da produção de cana-de-açúcar em outros
municípios sergipanos como Japaratuba, Pacatuba, Japoatã, Nossa Sra. das
Dores, Areia Branca, São Cristóvão, Neópolis, Muribeca, São Francisco,
Malhada dos Bois, Santana do São Francisco, Sta. Luzia do Itanhy e
Itabaianinha (SHIMADA; CONCEIÇÃO, 2009a, p. 7).

Essa é uma das formas que o agronegócio utiliza para se expandir. De acordo com as
autoras, tem-se observado que:
108

esse aumento surge devido os pequenos produtores por não terem condições
de participarem do mercado açucareiro ativamente, arrendam suas terras aos
grandes proprietários. Sendo assim, o produtor se torna trabalhador, vendendo
além da terra, a sua força de trabalho e de sua família numa relação de
sobrevivência as intempéries do capital que prevalece no espaço agrário
sergipano, produzindo uma (des)configuração através da nova “roupagem” do
agronegócio (SHIMADA; CONCEIÇÃO, 2009b, p. 13-14).

Especialmente no Platô de Neópolis, onde alguns acampamentos ainda resistem na luta


para não deixar que todas as áreas sejam destinadas ao plantio da cana, verificou-se que a
paisagem parece estar dominada por este tipo de cultivo, motivada pela produção de
biocombustíveis.
É importante ressaltar que, ao contrário do que muitos acreditam, os acampados da
região possuem conhecimento sobre a dinâmica do meio rural em Sergipe, e ainda que não se
expressem com as palavras ora citadas, explicam e exemplificam com clareza a situação a que
estão expostos. Em reportagem veiculada na mídia local, intitulada “Platô de Neópolis está
servindo para cultivo de cana -de-açúcar. Canaviais se espalham pelos lotes que deveriam estar
voltados à fruticultura. Trabalha dores prometem reação” (CINFORM, 2007a), o Sindicato dos
Trabalhadores e MST fazem as seguintes afirmações:

O platô, criado no segundo Governo de João Alves Filho (1991-1994), está


cada vez mais distante de se transformar na redenção agrícola da região, através
do estímulo à fruticultura irrigada em seus 10 mil hectares, e geração de 20 mil
empregos diretos. Para se ter uma ideia, os municípios de Japoatã e Neópolis,
onde se localiza o projeto, têm uma população de aproximadamente 33 mil. Ou
seja, ele empregaria mais de 60% dos moradores de lá. Além dos problemas
antigos, como o abandono dos lotes e equipamentos, falta de pagamento das
terras desapropriadas, ações de indenização contra o Estado, seleção de mão-
de-obra e outros, o fato novo, e mais agravante, é o desvio da finalidade da
implantação do platô. No lugar das frutas, alguns empresários estão utilizando
as terras do empreendimento para o plantio da cana-de-açúcar, provavelmente
de olho nos lucros com a produção do etanol (CINFORM, 2007a, p. 3).

De acordo com Mota (2001), o Platô de Neópolis pode ser caracterizado da seguinte forma:

(...) o Projeto de Irrigação Platô de Neópolis, implantado no início dos anos 90


em terras antes ocupadas por cana-de-açúcar, pecuária e culturas alimentares. O
projeto foi inspirado nas experiências nordestinas, economicamente bem-
sucedidas e pautadas na forte intervenção estatal para a criação de pólos de
desenvolvimento para agricultores familiares, técnicos e empresários, cujos
exemplos mais característicos são o Vale do São Francisco, em Pernambuco e o
Vale do Açu e Mossoró, no Rio Grande do Norte. O Platô de Neópolis se
localiza à margem direita do rio São Francisco, em Sergipe, e ocupa parte dos
municípios de Neópolis, Japoatã, Pacatuba e Santana do São Francisco. É
resultado de uma intervenção seletiva do Estado para o estabelecimento de
“ilhas” de modernização, via empreendimentos empresariais, sustentados no
trabalho assalariado e em altos níveis tecnológicos, com possibilidade de
vinculação aos mercados nacional e internacional. Tem um modelo que
109

apresenta a inovação da parceria entre o Estado, por meio da Secretaria da


Agricultura de Sergipe, e a iniciativa privada. Couberam ao Estado o
planejamento e a instalação da infraestrutura de irrigação fora dos lotes, e aos
empresários, os investimentos nas parcelas, a implementação da produção e da
comercialização por intermédio de um condomínio denominado Associação
dos Concessionários do Projeto Platô de Neópolis – Ascondir. Atualmente, a
luta pela terra em Sergipe conta com a atuação dos seguintes movimentos
sociais: MST, Cáritas, FETASE e MLC, sendo a atuação de maior expressão e
abrangência no estado, a do MST (MOTA, 2001, p. 115).

Para surpresa, até mesmo dentro da área do Projeto já se vê a plantação de cana


(Figura 27), o que é contraditório, já que sua criação tem finalidade distinta e as áreas que deram
origem ao Platô eram cultivadas, em sua maior parte, com cana -de-açúcar.

Fonte: fotografia do acervo pessoal da pesquisadora (2008).

Figura 27 – Cultivo de cana-de-açúcar no Platô de Neópolis, SE.

Em depoimentos, os acampados naquela região identificam esse fenômeno e os seus


prejuízos, que na sua percepção são vários, desde a sujeição dos acampados e assentados da
região ao trabalho assalariado e ao comprometimento da produção de alimentos básicos para
consumo e venda de excedente. Relatam ainda que as áreas estão sendo tomadas pela cana, em
áreas próprias ou arrendadas para este fim, cujos proprietários são os mesmos dos postos de
venda de combustíveis, distribuídos e ampliados por todo o estado.
Essa situação culminou, em meados de 2007, na ocupação de lotes no Platô de Neópolis
pelos acampados do MST (Figura 28), fato amplamente noticiado pela mídia de Sergipe, com
afirmações como: “Os primeiros invasores chegaram por volta das 4 da manhã. Logo de imediato
começaram a levantar barracos e montar o acampamento. [...] A intenção é que até o final desta
semana o número chegue a 1.500 famílias” (CINFORM, 2007b, p. 8).
110

Fonte: fotografia do acervo pessoal d a pesquisadora (2008).

Figura 28 – Acampamento Padre Nestor, no Platô, extinto após decisão judicial. Neopólis, SE.

Esse conflito levou a um embate político entre o MST, o Governador do Estado e os


empresários do Platô. Durante o processo, houve a prisão de dois líderes dos sem-terra, o que
também foi noticiado pelo Jornal da Cidade, onde se podia ler que:

Dois líderes do MST foram presos, ontem, por ordem da juíza da comarca de
Neópolis, depois de terem participado da ocupação de lotes no Platô de
Neópolis. [...] Segundo o coordenador do MST, as prisões foram uma
articulação da Associação dos Concessionários do Distrito de Irrigação do
Platô de Neópolis – ASCONDIR, com a juíza da comarca de Neópolis, que já
havia expedido liminar de despejo a pedido dos associados (JORNAL DA
CIDADE, 2007a, p. 1).

Como forma de se manterem próximos ao Platô, os acampados despejados, coordenados


pelos militantes, se alojaram na área da Estação Experimental de Piscicultura do IBAMA. Este
fato pode ser acompanhado in loco na Figura 29, que ilustra o momento da chegada dos
acampados a essa área, com a formação do acampamento Padre Nestor II.
Fazendo parte do rico e complexo ecossistema da Foz do São Francisco, o município de
Brejo Grande é uma região de conflitos de terra por conta da especulação imobiliária. Nele se
encontra a comunidade de Brejão dos Negros, tradicional comunidade Quilombola, que foi
prejudicada no processo de regularização das terras e de afirmação da identidade como
comunidade tradicional, devido a conflitos com fazendeiros da região, os quais se acentuaram
nesta última década.
111

Fonte: fotografia do acervo pessoal da pesquisadora (2008).

Figura 29 – Início do acampamento Padre Nestor II. Neópolis, SE.

Nesda região, verificam-se conflitos de terra nas Fazendas Resina, Batateiras e


Carapitanga, todas situadas no Delta do São Francisco, área de grande apelo turístico, ainda
pouco explorada, mas com grande potencial. A essência desses conflitos está na disputa pelas
áreas por posseiros, que exercem atividades agrícolas e pesqueiras, e pela construtora, que
reivindica, a partir de documentos comprobatórios de compra, tais áreas.
O conflito de Resina pode ser constatado a partir de matéria jornalística, impedida de ser
veiculada na mídia local, pela construtora interessada, publicada posteriormente pelo jornalista
José Cristian Góes:

O CASO RESINA - Em setembro de 2007, a construtora Norcon, que se diz


uma das maiores do Nordeste, anunciou a uma comunidade miserável de
pescadores artesanais de Resina, um povoado as margens do rio São Francisco,
em “Brejo Grande”, que ela teria “comprado” aquela área, que ali seria
construído um poderoso resort para abrigar americanos e europeus para jogar
golf, e que todos os moradores da Resina teriam que deixar aquele espaço. No
máximo, algumas meninas mais ajeitadinhas poderiam ser contratadas como
serviçais dos ricos turistas estrangeiros. O detalhe é que os pescadores
artesanais e tradicionais da Resina nasceram e cresceram ali e isso data da
década de 1940, quando se começou a povoar aquela área (GÓES, 2008, p. 5).

Por causa dessa matéria, o jornalista foi processado pela construtora por danos morais,
culminando numa conciliação (NE NOTICIAS, 2009). Os ribeirinhos, organizados pela Cáritas
Diocesana de Propriá, conseguiram,
112

depois de recorrer a vários órgãos públicos, que se instaurasse uma comissão da


GRPU, INCRA e IBAMA, que concluíram o levantamento que comprovasse
que as terras são públicas. Os pescadores conquistaram uma importante vitória
parcial. Quase toda área de interesse da construtora e local de moradia
tradicional daquela comunidade desde a década de 40 é terra da União. É uma
decisão oficial, medida, jurada e sacramentada. O entendimento que deve
ocorrer na área é entre pescadores artesanais e que são legítimos posseiros
tradicionais e a União, que jamais soube da existência daquele lugar. Mas não
satisfeita, a Norcon continua na área com seus "funcionários". As ameaças
contra os pescadores são constantes e a empresa, graças à "boa relação que tem
com o poder e a mídia", possui apoio velado de agentes públicos civis e
militares da região, numa relação promíscua e vergonhosa para o Estado (SÃO
FRANCISCO, 2009, p. 11).

Assim, diante desse cenário apresentado pela mídia, podem ser percebidos alguns pontos
de tensões mais graves por disputa pela terra em Sergipe.

5.2. Um olhar Sobre os Acampamentos

O acampamento pode ser compreendido como a materialização e validação do processo


de luta pela terra, a partir de suas especificidades, dinâmicas e organização interna, que fazem
parte de um contexto mais complexo: a realidade da questão agrária e da luta pela terra.
Considera-se que, em qualquer tentativa de analisá-lo como “um mundo a parte”, corre-se o risco
de transformar em típicas tribos aquelas famílias que, na impossibilidade de traçar uma linha entre
o campo e a cidade, possuem origem rural e vivências urbanas, que configuram no acampamento
o sonho da terra e estratégia de resistência e luta.
Entende-se que o acampamento é o lugar, singular em suas particularidades e objetivos,
nas suas relações e estratégias de luta e conquista da terra. Não é apenas o espaço físico ocupado
por lonas pretas, organizados em fileiras à beira das estradas. É o mundo que se reconfigura no
imaginário daqueles que sonham com a reforma agrária. Nesta perspectiva, Azevedo (2007) se
refere ao lugar como categoria espacial concebida a partir da noção/ideia de pertencimento a um
determinado espaço ou sociedade. Ou seja, a identidade sob essa ótica se forja a partir da
interação do indivíduo com a sociedade.
Se para o autor a concepção de lugar está relacionada ao espaço em si, Capel (1981)
associa este espaço às experiências vividas. Para Capel (1981, p. 444), lugar é “el ámbito de la
existencia real y de la experiencia vivida”.
Nesse sentido, Relph (1979) amplia a discussão ao afirmar que o lugar está
intrinsecamente ligado à identidade e ao pertencimento aos ambientes. Para esse autor “[...] o lugar
não se refere a objetos e atributos das localizações, mas a tipo de experiência e envolvimento com o
113

mundo, a necessidade de raízes e de segurança” (RELPH, 1979, p. 17). De acordo com ele, o lugar é
principalmente um produto da experiência humana, que representa muito mais do que a
localização espacial.
Segundo Mello (1990), trata-se na realidade de referenciais afetivos, que desenvolvemos
ao longo de nossas vidas, a partir da convivência com o lugar e com o outro. Eles são carregados
de sensações emotivas principalmente porque nos sentimos seguros e protegidos. Desta forma,
concebe-se o lugar acampamento como sendo o espaço geográfico e o conjunto de experiências
vividas, que dão sentido e constroem a identidade dos acampados com a luta pela terra.
Nesse sentido, pensar em acampamentos com o “olhar geográfico” é pensar em lugares.
Os lugares que representam as lutas e resistências, que expressam os conflitos de classe, que é a
concretização ou materialização das relações sociais. Pensar em acampamentos como lugares ou
como um espaço conquistado e socialmente produzido, implica pensá-los como lugares únicos,
distintos e com práticas diferenciadas, mas que contêm em si toda a totalidade. Não é um
desconexo, mas a conexão entre uma realidade particular (recorte) e o todo no qual se insere.
Assim, por espacialização da luta pela terra compreende-se a formação (o contexto e
processo em que ocorre a sua idealização e concretização), a organização (a sua estrutura e dinâmica
interna) e a localização (como espaço físico) dos lugares provisórios que são os acampamentos. De
acordo com Fernandes (1999), na luta pela terra acampar é determinar um lugar e um momento
transitório para transformar a realidade. Ainda segundo o autor, os acampamentos são espaços e
tempos de transição na luta pela terra. São, por conseguinte, realidades em transformação. São
uma forma de materialização da organização dos sem-terra e trazem em si os principais
elementos organizacionais do movimento.
É com base nesse aporte teórico que foram elaboradas as reflexões sobre os
acampamentos, buscando identificar a realidade desses lugares e as suas especificidades.
A realidade vivenciada nos acampamentos está de acordo com as descrições apresentadas
por Turatti (1999), Sigaud (2000) e Loera (2006). Os acampamentos são constituídos de barracas
feitas com pedaços de madeira e cobertas com um plástico denominado lona (na maioria das
vezes de cor preta, e em alguns casos de cor amarela). Em todos os acampamentos é hasteada
uma bandeira vermelha com o logotipo do movimento.
De acordo com Iha (2005), para o MST o acampamento consiste numa forma de
protesto, para o sem-terra acampado é uma opção de vida, talvez a única alternativa que lhe
restou diante do desemprego, por isso para o indivíduo acampado esse espaço é constituído
também de sonhos e esperança. Entretanto, Sigaud (2000), em seus estudos sobre os
acampamentos em Pernambuco, relata que
114

[...] o que buscam (os acampados) é uma saída a curto prazo, e é exatamente
isso o que lhes proporcionam os acampamentos, por meio da estrutura do
movimento, com uma série de fatores que importam num momento crítico: a
proteção do grupo, o acesso a terra para lavoura de subsistência, a alimentação
conseguida pelas lideranças e, sobretudo uma perspectiva. Muitos dos que
entram no acampamento deles saem tão logo consigam se inserir no mercado
de trabalho novamente, e retornam quando perdem seus empregos (SIGAUD,
2000, p. 89).

Assim, a história do acampamento se inicia com a ocupação dos latifúndios, que na


percepção de Franco (2004) é um processo socioespacial e político complexo, uma ferramenta de
luta e resistência contemporânea da classe trabalhadora. Para compreender esta realidade, torna-
se necessário aprofundar a discussão sobre o processo de ocupação do latifúndio.
É importante destacar que ocupação e acampamento são diferentes, apesar de alguns
autores fazerem a menção deles como sendo a mesma coisa. Por ocupação entende-se o processo
em que os trabalhadores rurais sem-terra, como estratégia de luta e pressão, ocupam os
latifúndios improdutivos, as terras griladas e até mesmo órgãos públicos, com o objetivo de
protestarem, reivindicarem e se mostrarem presentes. Já o acampamento é a forma singular
discutida anteriomente, que pode estar ou não dentro dos imóveis preteridos, conforme
discussão posterior. Assim, uma ocupação gera a formação do acampamento, mas nem sempre
um acampamento é resultado de uma ocupação.
Loera (2006) diferencia ainda os termos ocupação e invasão; na percepção do MST essa
diferença está radicada não na prática, mas no significado dos termos. Invasão significa um local
ocupado ilegalmente, e o que o MST faz é ocupar, que significa ter ou possuir por direito. A esse
respeito concorda-se que os latifúndios improdutivos ou terras griladas são de fato espaços, por
direito, destinados à reforma agrária e, portanto, aos trabalhadores rurais sem-terra. Entretanto,
não se pode compreender que a ocupação a órgãos públicos esteja neste mesmo bojo. De acordo
com Gonçalves Honório (2005), as ocupações, que são os principais instrumentos para a
implantação dos assentamentos, contribuem diretamente para o retorno dos trabalhadores e
trabalhadoras ao meio rural, mas também repercutem diretamente no embate entre latifundiários,
grileiros, Estado e MST.

[...] Ocupar uma área não é tarefa das mais fáceis. Antes de tudo, é preciso se
convencer e convencer sua família que se vive uma situação de injustiça
inaceitável contra a qual é necessário lutar. Em seguida, é preciso vencer um
medo real da violência que poderá vir dos latifundiários e, ou, da polícia do
Estado. É preciso ainda saber que se está ocupando uma área sem conhecer ao
certo quais serão os desdobramentos (GONÇALVES HONÓRIO, 2005,
p. 150).
115

Essa descrição está de acordo com os depoimentos de militantes e acampados em


Sergipe, ao relatarem que a ocupação é um processo que é definido em várias etapas, pois é
necessário, em um primeiro momento, convencer as famílias da necessidade de se organizarem
para a luta pela terra, o que é feito em reuniões com os interessados. Ainda nesse momento são
explicitados os objetivos preconizados pelo movimento social em questão, as bandeiras de luta e
as regras a serem seguidas para o processo de luta, entre elas ser um potencial beneficiário da
reforma agrária, questão que será retomada adiante.
Sigaud (2004) amplia essa discussão, a partir dos estudos realizados com acampamentos
em Pernambuco, e destacando que:

havia um vocabulário próprio associado às ocupações e aos acampamentos.


Dizia-se preferencialmente ocupar ao invés de invadir, verbo empregado pela
mídia, pelos proprietários e pelo senso comum. Para descrever a ocupação
individual, os trabalhadores utilizam o verbo entrar. Quando chegavam com a
intenção de entrar, perguntavam antes ao coordenador responsável se havia vaga,
como se estivesse procurando emprego. O objetivo da entrada era pegar ter ra e a
vida no acampamento frequentemente descrita como estar debaixo da lona
preta que sinalizava uma situação de penúria e de sujeição às intempéries
(chuva, calor excessivo durante o dia e frio a noite (SIGAUD, 2004, p. 14).

A autora comenta ainda que as ocupações observadas em Pernambuco seguiam um


padrão e eram muito mais do que uma mera aglutinação de pessoas interessadas em obter um
lote de terra.

Em primeiro lugar, eram sempre promovidas por um movimento, como o


MST, pela Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Estado de
Pernambuco – FETAPE – e por outras tantas organizações existentes no
estado. O movimento reunia as pessoas para realizar a ocupação, comandava a
formação do acampamento e, na sequência, apresentava-se perante o Estado
como representante autorizado a falar em nome dos acampados. Os
acampamentos possuíam uma organização espacial característica, com suas
barracas alinhadas em forma de ruas; regras para ali conviver; uma divisão do
trabalho em comissões; um vocabulário próprio; e, sobretudo, elementos
dotados de forte simbolismo, que constituem sua marca distintiva, como a
bandeira do movimento à frente da ocupação, hasteada em mastro elevado, e a
lona preta a cobrir barracas. Concluímos então que esta combinação de
aspectos modelares constituía a forma acampamento (SIGAUD, 2008, p. 108).

Loera (2006), em estudos realizados em um acampamento em Campinas-SP, constatou


que antes de estarem acampadas, aquelas famílias não faziam parte do MST, movimento que
coordena o acampamento. Para aprofundar esta discussão em Sergipe, a mesma situação pode ser
observada, já que nos relatos dos acampados ingressar na luta pela terra foi a forma encontrada
116

para retornar às atividades do campo, na condição de proprietário da terra, apesar das


dificuldades apresentadas na reunião com a “frente de massa”. 17
É importante mencionar que as ocupações de terra para fins de acampamento ocorrem
em áreas legalmente irregulares, por desrespeitarem o princípio constitucional de uso social da
terra. De acordo com o princípio constitucional de cumprimento da função social da terra, no
Artigo 186, Capítulo III, lê-se:

A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultânea-


mente, segundo critérios e graus de exigências estabelecidos em lei, aos
seguintes requisitos:
I. Aproveitamento racional e adequado;
II. Utilização adequada dos recursos naturais;
III. Observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV. Exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos
trabalhadores (BRASIL, 1988, p. 78).

No segundo momento os militantes, com conhecimento prévio das áreas passíveis de


serem desapropriadas, organizam a ocupação daquela, através da construção do acampamento,
que pode ser dentro ou fora do imóvel pretendido, ou ainda em área vizinha. Em Sergipe,
verificou-se como estratégia o acordo com trabalhadores que possuem alguma área, ainda que
pequena, para que permitissem a formação do acampamento naquele local, uma vez que a mesma
seria próxima ao imóvel de interesse. Desta forma, conflitos seriam evitados na ocupação, mas a
pressão sobre o imóvel estaria presente.
A partir da formação do acampamento, vários são os desdobramentos, que envolvem
desde a organização física do local à organização interna dos grupos que se consolidam na luta
pela terra. Ressalta-se ainda que, em alguns casos, pode ocorrer o despejo dessas famílias
acampadas, ou até mesmo ameaças verbais e atos de violência, como a queima de barracos
durante a noite. A este respeito, Turatti comenta que

os proprietários requerem um mandato de reintegração de posse à justiça local


e a desocupação é efetuada, em alguns casos passivamente, mediante apenas o
informe do oficial de justiça, em outros, sob a mira das forças policiais.
Entretanto, um dos problemas que os acampados enfrentam em ocupação nas
terras particulares é a violência dos ataques cometidos pelos jagunços dos
proprietários (TURATTI, 1999, p. 54).

A partir da perspectiva apresentada, na essência, a ocupação e o acampamento


apresentam sentidos diferentes para os atores envolvidos, no qual se destacam o acampado, a
17
Frente de massa é o termo utilizado para aqueles militantes que atuam na formação de novos acampamentos, que
conduzem as reuniões e apresentam os propósitos do movimento e da luta pela terra, objetivando a formação do
acampamento e aumentar a massa daqueles que representam a luta organizada pela terra. Menciona-se aqui a luta
organizada, por admitir que existem milhares de trabalhadores sem-terra espalhados pelo País, ainda que não
estejam organizados através de um movimento social.
117

militância, o INCRA e o proprietário da terra. De acordo com Sigaud (2004), as ocupações e os


acampamentos constituem uma linguagem simbólica, um modo de fazer afirmações por meio de
atos, e um fundador de pretensões à legitimidade. Nesse sentido, o autor afirma que

ao promover uma ocupação e um acampamento o movimento diz ao INCRA


que deseja a desapropriação das terras, ao proprietário que quer suas terras e
aos outros movimentos que aquela ocupação tem dono. Esta linguagem é bem
compreendida por todos: o INCRA entende que há um pedido de
desapropriação e desencadeia o processo, o proprietário percebe que pode vir a
ficar sem suas terras e age na defesa de seus interesses solicitando a reintegração
de posse, e os outros movimentos respeitam a bandeira do concorrente e não
ocupam aquela terra. Com o ato de ocupar os movimentos legitima suas
pretensões à desapropriação e ao recolhimento de que aquela ocupação é sua.
Ao montar sua barraca o trabalhador diz que quer terra. Esta afirmação está
dirigida ao INCRA, que no momento de selecionar os futuros beneficiários irá
contabilizar os que se encontram debaixo da lona preta; ao movimento que o
incluirá em suas listas a serem apresentadas ao INCRA; e aos demais que se
encontram no acampamento que irão reconhecê-lo como alguém que quer a
terra. A barraca legitima a pretensão a pegar terra; é a prova do interesse em ser
contemplado pela redistribuição das terras. O estar debaixo da lona preta é
representado como um sofrimento que torna aqueles que a tal se submeterem
merecedores da recompensa terra (SIGAUD, 2004, p. 19).

Diante dessa caracterização, expressa-se que, nesta pesquisa, o aprofundamento da


realidade dos acampamentos teve por objetivo explicar a essência desta luta pela reforma agrária,
buscando compreender a sua legitimidade e estabelecer parâmetros comparativos da realidade do
acampado (o demandatário de terra da reforma agrária) e do assentado (beneficiário da reforma
agrária). Desta forma, espera -se tornar possível a análise sobre a qualidade de vida das famílias
assentadas e sua relação com a reforma agrária.

5.3. O Retrato dos Acampamentos: os Lugares da Sobrevivência e Resistência da Luta


pela Terra

Os acampamentos pesquisados revelam, em sua diversidade, as mais significantes


particularidades como lugares de sobrevivência e resistência durante o processo de luta pela terra.
Assim, optou-se por caracterizá-los brevemente quanto ao seu processo de formação e luta pela
terra, ao movimento social envolvido, ao tempo de existência, à sua localização, ao número de
famílias e às características gerais, para que, posteriormente, esta realidade possa ser aprofundada
quanto a sua estrutura física e as estratégias de sobrevivência utilizadas pelas famílias.
Os acampamentos Amigos para Sempre, no município de Estância, Mochila, em
Itaporanga D’Ajuda, e D. José Brandão de Castro, em Brejo Grande, foram selecionados para
118

esta etapa da pesquisa, de modo a identificar a diversidade, com base nos aspectos apresentados,
além de buscar captar as suas diferenças, consideradas significativas para ilustrar a realidade dos
acampamentos em Sergipe.
Cabe destacar que o Estado de Sergipe possuía, em junho de 2008, um total de 178
acampamentos. Foi pela impossibilidade de analisar um a um que se optou pelo recorte ora
apresentado, selecionando um acampamento organizado pelos movimentos sociais de maior
destaque no Estado.

5.3.1. Breve Caracterização do Acampamento Amigos para Sempre

No que se refere ao processo de formação e luta pela terra, o “Amigos para Sempre”,
organizado inicialmente pelo MST, é o mais recente dos acampamentos pesquisados. De acordo
com o INCRA/SIPRA (2009a), esse acampamento foi criado em 16 de setembro de 2005, e até 6
de abril de 2009 contava com 54 famílias cadastradas.
Na verdade, apesar de sua criação estar registrada em 2005, a composição de pessoas
encontrada no momento da pesquisa era recente, sendo sua criação relatada em 13 de abril de
2008, por isso é considerado nesta pesquisa como o mais recente dos três acampamentos.
O acampamento está localizado na Rodovia Federal BR 101, na área industrial do
município de Estância, nas coordenadas UTM 671479;8757574, com barracos e plantio dentro da
área pleiteada, que é estimada em 180 hectares. Verificou-se naquele acampamento o plantio de
hortaliças e mandioca. De acordo com os relatos dos acampados e os dados coletados no
INCRA, o imóvel possui 600 tarefas, não constando processo administrativo para fiscalização no
INCRA.
A história do acampamento Amigos para Sempre começa com um grupo pequeno de seis
pessoas acampadas, que em virtude de divergências com coordenadores e militantes do
movimento em outro acampamento iniciam uma nova caminhada, rumo a uma nova ocupação e
acampamento. No início ocuparam uma pequena área, nesse mesmo município, às margens da
mesma rodovia federal, em que se encontram hoje. Entretanto, no momento em que começaram
a construção dos barracos foram abordadas por policiais e pelo proprietário, solicitando que
desocupassem a área. Houve negociação com a coordenação do movimento social, e ficou
definido que deveriam sair do local. Assim, esses acampados foram reconduzidos a uma nova
área, considerada por eles abandonada e improdutiva, que é a área em que se encontravam no
momento da pesquisa (Figura 30).
119

Fonte: fotografia do acervo pessoal da pesquisadora (2008).

Figura 30 – Acampamento Amigos para Sempre. Estância-SE.

No relato daquelas famílias e do coordenador, faziam parte daquele acampamento cerca


de 60 famílias, cumprindo as normas, o que está bem próximo dos dados fornecidos pelo
INCRA, no caso, 54 cadastrados.
Como esse acampamento está praticamente dentro da cidade, a sua composição é
bastante heterogênea, com pessoas da área urbana e rural. São homens jovens e mulheres
acampadas, que buscam, em área considerada urbana, o acesso à terra.
O acampamento em questão foi alvo de disputas políticas e divergências com militantes
do movimento social de origem, o MST, o que culminou no seu desligamento do acampamento.
Um dos motivos dessas divergências está relacionado às denúncias feitas por acampados sobre o
desvio na distribuição de cestas básicas, as quais foram veiculadas na mídia local, que indicava
envolvimento das lideranças regionais daquele movimento. Na reportagem veiculada no jornal
local do dia 27 de outubro de 2008, intitulada “Riqueza não põe mesa” (CINFORM, 2008), os
acampados relatam a situação de fome, miséria e pobreza a que estão submetidas as famílias
acampadas. Denunciam, ainda, o desvio de cestas:

As cestas são desviadas e a falha está no próprio MST. Elas são encaminhadas
pela Companhia de Abastecimento – CONAB –, vão para o Instituto Nacional
de Colonização e Reforma Agrária – INCRA – e, enfim, chegam ao MST. Já
estou sendo mal visto por eles porque não fico calado [denuncia um acampado]
(CINFORM, 2008, p. 7).

Em função dos conflitos e das divergências entre a coordenação do acampamento e a


liderança regional do MST, aliados à divulgação dessa matéria na mídia local, o referido
120

acampamento não está mais registrado no Cadastro do INCRA como sendo de organização do
MST, e desde então vem sofrendo represálias das lideranças do MST, como as ocorrências de
reuniões, no acampamento, com militantes do MST, resultando na retirada da bandeira; o atraso
na distribuição da cesta de alimentos, que é controlada pela secretária do MST, em Estância; e a
queima de alguns barracos neste último caso, não foi provada a autoria do crime. Entretanto,
considerou-se o acampamento como representando o MST na pesquisa, por estar vinculado ao
movimento na época em que a pesquisa de campo foi realizada.
Assim, a história do acampamento Amigos para Sempre revela a diversidade, não apenas
do público da reforma agrária, e a espacialização da luta pela terra, que neste caso se tornou
urbana, mas também a realidade dos conflitos internos vivenciados.

5.3.2. O Acampamento D. José Brandão de Castro

O acampamento D. José Brandão de Castro foi criado em 14 de fevereiro de 2000, com


167 famílias cadastradas, sendo coordenado pela Cáritas. O acampamento está localizado na
Rodovia Estadual SE 202, no município de “Brejo Grande”, mais precisamente nas coordenadas
UTM 772950;8844397, apresentando barracos cujo material predominante na construção é a
palha, combinada à lona e a outros materiais (Figura 31). Os acampados se encontram em uma
área cedida , e uma parte está na faixa de domínio da SE 202, onde há plantio de coco e
mandioca. Um dos imóveis reivindicados, com área de 465 hectares, já foi vistoriado pelo
INCRA, aguardando apenas ser decretado para fins de reforma agrária, já que se trata de uma
desapropriação acordada.
Ao apresentarem a história de luta e formação do acampamento, os acampados relataram
que estão nessa área desde 2005, mas que já passaram por outros locais, a exemplo de Saramém,
o primeiro imóvel ocupado por um grupo de 185 famílias, também localizado no município de
“Brejo Grande”. Entretanto, ao serem informados por policiais que deveriam sair do local
(certamente a partir de um pedido de reintegração de posse do proprietário), os acampados se
dirigiram para um segundo local, um imóvel cedido para o acampamento.
Nesse período, os fazendeiros rondavam o acampamento com ameaças e apresentando
armas, para pressionar a saída dos acampados daquele local, já que, na concepção dos
proprietários, o acampamento representava uma ameaça às propriedades daquela região. Então os
acampados se dirigiram ao local em que se encontram atualmente.
121

Fonte: fotografia do acervo pessoal da pesquisadora (2008).

Figura 31 – Acampamento D. José Brandão de Castro. Brejo Grande, SE.

Em todo esse processo, os acampados revelaram momentos de dificuldade e muita


pressão, que fez com que muitos desistissem da luta. Entre as pressões destacam-se as ameaças
dos políticos locais e a discriminação dos acampados. De acordo com os relatos apresentados,
políticos da localidade e fazendeiros já atearam fogo em barracos e os acusaram de roubo. A
discriminação também é sentida por parte da comunidade, desde a negação de uma oportunidade
de trabalho até o cerceamento do direito de uso de transporte público do município. Neste
acampamento, os acampados são, em sua grande maioria, pescadores e não agricultores, mas nem
por isso afirmam que deixam de ser sem-terra.

5.3.3. O Acampamento Mochila

O outro acampamento pesquisado foi o “Mochila” (Figura 32), localizado no município


de Itaporanga D’ajuda, que foi criado em 6 de abril de 1999, com 28 famílias acampadas, sendo o
mais antigo dos três acampamentos pesquisados (INCRA/OUVIDORIA, 2009c). O movimento
social que organizou e acompanha esse acampamento é a Federação dos Trabalhadores Rurais de
Sergipe – FETASE, ou seja, um movimento que atua em todo o Estado de forma articulada com
os Sindicatos dos Trabalhadores Rurais.
O acampamento Mochila está localizado no Povoado Sapé, na coordenada UTM
672028;8792281, não apresentando barracos de lona preta, característicos dos acampamentos. Os
acampados estão dentro do imóvel, com o plantio de “roças”. O imóvel possui uma área de cerca
122

Fonte: fotografia do acervo pessoal da pesquisadora (2008).

Figura 32 – Acampamento Mochila. Itaporanga D’Ajuda, SE.

de 250 hectares, com acentuada declividade, sendo as áreas com relevo suave utilizadas para o
plantio de mandioca e maracujá. O imóvel reivindicado já foi vistoriado, decretado para fins de
reforma agrária, mas sofreu impugnação na justiça, tendo o proprietário saído vitorioso.
Atualmente, foi realizada nova vistoria e encaminhado novo processo para a desapropriação.
Nesse sentido, curioso fato foi relatado pelos acampados, ao apresentarem, durante a
visita de campo, documentos que comprovavam a declaração de interesse social para fins de
reforma agrária do imóvel em questão (BRASIL, 2005). Em seguida, novo documento revoga
essa medida (BRASIL, 2006), ou seja, por um instante a área foi destinada para fins de reforma
agrária e, em seguida, novamente perdida, a partir da impugnação vitoriosa elencada pelo
proprietário do imóvel. No relato dos acampados, a posse da terra esteve muito próxima de
acontecer (ou aconteceu, já que a medida foi divulgada pelo INCRA), mas novamente voltaram à
situação inicial.
A história de luta desse acampamento é um pouco diferenciada das demais, a começar
pelo fato de que inicia com um grupo de pessoas conhecidas, por iniciativa própria, que
ocuparam uma área e posteriormente é que foram incorporadas ao movimento social que as
coordenava, no caso, a FETASE.
De acordo com os relatos, o imóvel requerido foi ocupado por essas famílias, que
passaram a plantar roças na área. Então, por ocasião do falecimento do proprietário, a família
solicitou ao coordenador do acampamento que “tomasse conta” da área. Em seguida, os
123

acampados foram procurados pelo Sindicato Municipal dos Trabalhadores Rurais, ocasião em
que foi efetivado o cadastro de 117 famílias, com o objetivo de conseguir terras via reforma
agrária. Entretanto, houve muitas desistências e hoje apenas 27 acampados permanecem no local.
Ao comentarem sobre as dificuldades da luta pela terra, os acampados identificam mais os
fatores relacionados à produção, uma vez que não vivenciaram os conflitos já mencionados nos
demais acampamentos. Reclamam que não têm auxílio do governo para o plantio e, inclusive, que
a falta de crédito dificulta a sobrevivência na terra, já que no memento de contração de financia-
mentos agrícolas devem apresentar garantias de pagamento, que, quase sempre, é a posse da terra.
Assim, ao analisar a história desse acampamento não se percebe, pelos motivos
explicitados, o engajamento no movimento social e nem a vivência do que seja, nos moldes
apresentados, a luta pela terra em acampamento. Entretanto, apesar de estarem na terra há tantos
anos, esses acampados não podem ser considerados posseiros, pois, segundo a definição,
posseiro detém a posse, mas não o título da terra, de forma mansa e pacífica. Neste caso, os
proprietários reclamam a posse do imóvel em questão.
Dessa forma, cada acampamento caracterizado apresenta as suas particularidades com
relação ao processo de luta pela terra, cujas nuances serão aprofundadas a seguir.

5.3.4. Acampamentos: os Lugares da Sobrevivência e Resistência na Luta pela Terra

Numa perspectiva geral, nos 101 acampamentos visitados em Sergipe, verificou-se que as
famílias acampadas se encontram em situação de risco, seja pelas condições precárias debaixo das
“lonas” pretas, quentes e úmidas, seja pelas picadas de cobras e ataque de outros animais e
insetos, pelo risco constante de acidentes, sobretudo para os que se encontram nas margens das
rodovias (Figura 33), e até mesmo pela exposição às agressões verbais, aos preconceitos e aos
objetos atirados pelos carros, além das privações, a exemplo da insegurança alimentar.
Nos barracos de lona e restos de materiais diversos de construção, observam-se alguns
objetos: um fogão improvisado, uma cama e alguns pertences. A construção dos barracos está
relacionada aos materiais disponíveis, seja a lona, o sapé ou a palha, a depender da sua
disponibilidade na região. Ressalta-se que parte das famílias acampadas possui casas na cidade,
mas permanecem no acampamento, conforme as normas estabelecidas para o rodízio18. Não há
infraestrutura básica, como água potável disponível a partir de rede geral, nem energia elétrica ou
instalação sanitária. Em alguns barracos pode ser observada a divisória de ambientes, em que
tentam representar um lar de verdade (Figura 34).
18
Quanto à organização interna desses acampamentos, há o sistema de rodízio, em que as famílias têm permissão
para se ausentarem do acampamento para trabalhar fora em alguns dias da semana.
124

Fonte: fotografia do acervo pessoal da pesquisadora (2008).

Figura 33 – Acampamento Luis Silveira D’Ávila. Indiaroba, SE.

Fonte: fotografia do acervo pessoal da pesquisadora (2008).

Figura 34 – Interior do barraco no acampamento Luis Carlos Bispo. Estância, SE.


125

Observam-se plantas e flores diversas ao redor dos barracos, protegidos até por cadeados
para garantir a segurança da família. Nesta estrutura não pode faltar o espaço comunitário, que
mesmo improvisado ganha ares de salão de reuniões, como pode ser visualizado na Figuras 35 e 36.

Fonte: fotografia do acervo pessoal da pesquisadora (2008).

Figura 35 – Acampamento Guerrilha do Araguaia. Umbaúba, SE.

Fonte: fotografia do acervo pessoal da pesquisadora (2008).

Figura 36 – Acampamento Cepete Araju. Indiaroba, SE.


126

Nele estão presentes mulheres, homens, jovens, crianças e idosos, todos irmanados no
mesmo ideal de luta e de espera longa. Escolas também são encontradas nesses acampamentos,
onde as lideranças dos movimentos sociais envolvidos efetivam projetos de alfabetização no
próprio acampamento.
Para garantir que possam sobreviver à luta, constatou-se que as famílias utilizam como
estratégias de sobrevivência a venda da força de trabalho através de diárias nas fazendas vizinhas,
cujo pagamento varia de R$ 15,00 a R$ 20,00/dia, sem a alimentação, iniciando as atividades às
7 horas e encerrando-as às 16 horas. Nessas diárias realizam todos os tipos de tarefas (preparar o
solo, plantar, colher, etc.). Além desta estratégia, essas famílias utilizam alternativas que chamam
de “bicos”, seja uma faxina, seja um serviço de pedreiro, de carpinteiro, ou o que aparecer. Em
todos os casos, o máximo que podem conseguir de diária nesta região é R$ 25,00/dia, porém em
atividades esporádicas.
Quanto à realização dessas atividades, algumas mulheres relataram ter dificuldades para
arranjar os “bicos”, sobretudo como faxineira, ao mencionarem a sua condição de acampadas.
Desta forma, exemplifica-se o preconceito da sociedade com relação aos movimentos sociais de
luta pela terra, a exemplo do MST.
Sobre os trabalhos realizados pelos acampados para obtenção de renda, verificaram-se as
seguintes modalidades: a saber: trabalho rural, artesanato, serviços domésticos e de construção
civil, dentre outros, conforme se observa na Figura 37.

Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

Figura 37 – Tipos de atividades sem registro dos acampados sergipanos pesquisados.


127

A maior diversidade de trabalhos informais foi verificada no acampamento Amigos para


Sempre, o que pode ser explicado pela heterogeneidade dos seus componentes (com várias
habilidades pela própria composição), bem como pela sua localização no centro industrial (o que
facilita o acesso às várias atividades). Nesse acampamento, destacam-se o trabalho rural por
diárias (21,1%) e outras atividades (22,7%), que foram identificadas como catadores de lixo,
reciclagem de lixo, vendedor de produtos, babá, ajudante de camelô, venda de bebidas em festas
da cidade, manicure e pedicure. Aliadas a essas atividades, foram identificadas ainda as atividades
de artesão (8,8%) e faxineira/serviços gerais (8,8%). Não responderam a questão 21,1% dos
entrevistados. Pode-se perceber que essas atividades têm caráter urbano, o que justifica a
heterogeneidade do grupo e a localização do acampamento.
Enquanto isso, no acampamento Mochila, essa realidade se inverte. Conforme pode ser
visto na Figura 37, constatou-se que 66,7% dos assentados executam atividades como trabalhador
rural, seja nas áreas onde estão seus lotes, seja como contratados por proprietários da região.
Apenas 3,3%, certamente as mulheres daquele acampamento, fazem faxinas e serviços gerais.
Porém, 30% optaram por não responder a questão.
No acampamento D. José Brandão de Castro, verificou-se a predominância do trabalho
rural por diárias (50%), além de terem sido identificadas as seguintes ocupações: artesão (6,7%),
outras atividades (5%), faxineira/serviços gerais (5,5%) e pedreiro, pintor e encanador (3,3%).
Dos entrevistados, 30% não responderam essa questão. Nesse acampamento, registrou-se a
confecção de artesanato a partir da palha, como cestos e objetos de decoração, explicando assim
a sua expressão nos dados apresentados. Outras atividades foram identificadas, como as
atividades de carroceiro, beneficiamento de arroz e cabeleireiro (corte de cabelo). Destaca-se que,
para o trabalhador rural em todas as atividades do campo, considerou-se ainda a pesca. Assim, a
maioria daqueles acampados que se enquadraram nessa categoria realizava a pesca como principal
atividade, seja de peixes ou de caranguejo, que são utilizados para consumo da família e também
vendidos para viabilizar a aquisição de outros produtos.
Nos acampamentos pesquisados, a maioria das famílias possui renda abaixo de um salário
mínimo, conforme os dados apresentados na Figura 38.
Ao analisar a renda das famílias acampadas, entende-se que esta é uma aproximação da
renda real, uma vez que o entrevistador depende exclusivamente da declaração do entrevistado.
Considera-se, para efeitos de mensuração desse valor, o salário mínimo vigente no momento da
pesquisa, que era de R$ 415,00. Ressalta-se que ao entrevistar esses acampados buscou-se
identificar a renda monetária (em dinheiro) a que a fa mília tinha acesso, destacando assim que há
outras formas de renda, que são diretamente convertidas em bens de consumo, a exemplo dos
128

Fonte: dados de campo (2008), organizado por Sousa (2009).

Figura 38 – Renda familiar dos acampamentos sergipanos pesquisados.

produtos oriundos do trabalho no campo e da pesca, utilizados na alimentação, cujo valor não é
contabilizado.
No acampamento D. José Brandão de Castro, verificou-se o maior porcentual de famílias
acampadas com renda inferior a um salário mínimo (78,4%), seguido dos acampamentos Mochila
(61,5%) e Amigos para Sempre (56,1%).
Um porcentual considerável foi verificado com relação às famílias acampadas que
recebem de um a dois salários mínimos: “Mochila” (38,5%), “Amigos para Sempre” (41,5%) e
“D. José Brandão de Castro” (19,6%). Na sequência, apenas nos acampamentos Amigos para
Sempre e Mochila foi identificada a renda da família de até três salários mínimos.
Para analisar a renda familiar do acampado, pode-se utilizar a renda familiar per capita , ou
seja, a razão entre o somatório da renda pessoal de todos os indivíduos e o número total de
indivíduos, por ser esta uma variável indicadora da dimensão renda.
Na pesquisa em questão, optou-se por considerar a renda de todo os membros da família
do acampado, diferentemente da metodologia proposta pelo Atlas de Desenvolvimento Humano
no Brasil – ADHB (1998) e pelo Programa Nacional de Amostragem Domiciliar – PNAD
(2005), em que o universo de indivíduos considerados se limita aos membros de famílias,
excluídos os pensionistas e os empregados domésticos e seus parentes, que vivem em domicílios
particulares.
Nesse sentido, calculou-se a renda per capita por cada acampamento e chegou-se aos
seguintes valores: “Amigos para Sempre” (R$ 133,12), “D. José Brandão de Castro” (R$ 62,66) e
129

“Mochila” (R$ 85,14). Conclui-se que esses valores estão abaixo do necessário para uma família
não ser considerada “pobre”, ou seja, com renda per capita inferior a R$ 137,00 (BRASIL, 2009).
Por fim, Barreto et al. (2005) comentam que o aumento contínuo em termos quantitativos,
da renda per capita ou do Produto Interno Bruto por si só não significa desenvolvimento, uma vez
que para uma nação ou região desenvolver-se é necessário que, atrelado ao crescimento
quantitativo, haja o crescimento qualitativo, promovido pela alocação dos recursos econômicos
para os diversos setores da sociedade, como educação, saúde, habitação, saneamento, emprego,
distribuição equitativa de renda, preservação ambiental, entre outros.
O fato de estes acampados e suas famílias ainda apresentarem esaa renda em dinheiro está
relacionado a fontes de auxílio, pois nem sempre são as atividades que realizam a principal fonte
de renda da família.
Ao analisar a fonte dessas rendas obtidas pelos acampados e suas famílias, verificou-se
que a Bolsa Família e os trabalhos informais são os grandes responsáveis pela sua composição,
com variação da proporção em cada acampamento, como pode ser observado na Figura 39.

Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

Figura 39 – Fontes de renda das famílias sergipanas pesquisadas.

Nos acampamentos Mochila e D. José Brandão de Castro, verificou-se que o Programa


Bolsa Família é o maior responsável pela composição da renda, apresentando, respectivamente,
42,9 e 36%. Na sequência, estão os trabalhos informais por diária (40,4 e 35%, respectivamente).
Já no acampamento Amigos para Sempre inverte-se essa proporção, e as atividades diaristas
representam 44,6% dos ingressos, seguida s pela Bolsa Família (28,4%).
130

Tem-se por hipótese que os acampamentos Mochila e D. José Brandão, por possuírem
mais atividades relacionadas ao campo, recebem rendas mais baixas por seus serviços, enquanto o
acampamento Amigos para Sempre, por sua configuração urbana e destaque nas atividades desta
natureza, tende a receber rendas maiores, o que explica assim os dados apresentados. Basta
admitir, por exemplo, que enquanto um trabalhador rural, em um dia de trabalho, chega a ser
remunerado com R$ 25,00, um pintor, encanador ou manicure pode ganhar este mesmo valor em
uma única atividade, que pode ser repetida durante o dia.
Constatou-se que a aposentadoria é um componente da renda nos três acampamentos,
sendo o maior porcentual verificado no acampamento Mochila (9,5%), seguido do “Amigos para
Sempre” (6%) e “D. José Brandão de Castro” (3%), e que a maior probabilidade de receberem
renda está associada à presença de idosos na família.
Ao serem interrogados sobre a renda que consideram necessária para viver dignamente,
verificou-se que os acampados do “D. José Brandão de Castro”, em “Brejo Grande”, almejavam
uma renda média mensal de 2,26 salários mínimos, ou R$ 937,90.
No acampamento Amigos para Sempre, em Estância, a renda média mensal esperada foi
de 2,52 salários mínimos, ou R$ 1.045,80, e no acampamento Mochila, em Itaporanga D’Ajuda,
foi de 2,56, ou R$ 1.062,40. Esses valores almejados pelos acampados podem expressar a renda
esperada através da reforma agrária.
Para complementar a questão da renda necessária para viver, buscou-se identifi car, na
percepção dos acampados, qual seria o tamanho adequado para o lote da reforma agrária para
que eles pudessem, a partir da produção da terra, garantir o valor almejado em termos de renda.
Assim, como pode ser observado na Tabela 4, os acampados sergipanos informaram, em média,
necessitar de 22,63 tarefas sergipanas, ou 6,84 ha.

Tabela 4 – Área do lote sugerida pelos acampados pesquisados. Sergipe, 2008

Acampamento Área (tarefa sergipana) Área (ha)


D. José Brandão de Castro 25,39 7,68
Amigos para Sempre 16,58 5,01
Mochila 25,92 7,84
Média Geral 22,63 6,84
Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

Observou-se que dos valores apresentados o do acampamento Mochila foi o de maior


média, mas muito próxima à média sugerida pelos acampados do “D. José Brandão de Castro”.
O primeiro se encontra num ambiente favorável para a agricultura e pecuária, ao contrário do
131

segundo, localizado em ambiente com piores condições agronômicas (solo arenoso e de baixa
fertilidade, por exemplo). Isso pode ser explicado pelo fato de que os acampados já produzem
naquela terra e conhecem bem as possibilidades e dificuldades do imóvel e dos futuros lotes,
podendo quantificar de forma mais precisa. No acampamento Amigos para Sempre, verificou-se
a menor parcela de terra almejada. Este fato pode ser explicado pela percepção distinta dos seus
acampados, por não trabalharem diretamente na terra e por isso não terem uma dimensão mais
aproximada da área necessária para atingir a renda desejada.
Ainda em relação ao acampamento D. João Brandão de Castro, percebeu-se que esse
quantitativo de área pode ser explicado pelo perfil diferenciado dos acampados, com a presença
de pescadores, que têm a agricultura como atividade secundária e seguem um padrão de sítio,
com o plantio de arroz nas áreas alagadas e coco nas áreas com menores problemas de
encharcamento.
Quanto à localização do acampamento, buscou-se verificar se este se encontrava dentro
do imóvel pleiteado, tendo sido constatado que dos 101 acampamentos visitados por ocasião da
pesquisa mais da metade encontra-se fora do imóvel (55,45%), seguido de 34,65% que se
encontram dentro do imóvel, caracterizando assim uma ocupação, e 9,90% que apenas possuem
cultivos dentro do imóvel em questão (Figura 40).

Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

Figura 40 – Localização dos acampamentos sergipanos em relação ao imóvel pleiteado.

Lopes (2007) apresenta situação diferente ao analisar dados de Sergipe, em 1999,


revelando que 60,9% dos acampamentos estavam no interior da propriedade e 19,6%, em local
próximo ao imóvel. Essa mudança pode ser explicada pela nova postura dos movimentos sociais
132

e do INCRA, após a Medida Provisória no 2.183/2001 (BRASIL, 2001), que impede a


desapropriação dos imóveis que tenham sido ocupados por movimentos sociais.
Daqueles acampamentos que estão fora dos imóveis pleiteados, percebe-se que a grande
maioria, mais precisamente 73,21%, localiza-se nas margens das rodovias (estadual e federal) e
nas estradas municipais, estas sem pavimentação (Figura 41). Esses acampamentos se utilizam das
faixas de domínio das rodovias, montando seus barracos e cultivando nos espaços que podem
aproveitar. Mas devido ao desrespeito, por parte de alguns proprietários, desses limites da faixa
de domínio, muitos acampamentos acabam ficando “espremidos” entre as cercas e o
acostamento da rodovia. Essa situação é mais bem observada nas estradas municipais, onde a
presença dos acampamentos, praticamente, ocupa um dos sentidos da estrada, prejudicando o
tráfego e pondo em risco a vida dos acampados e dos motoristas.

Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

Figura 41 – Localização dos acampamentos sergipanos que estão fora do imóvel pleiteado.

Quanto aos acampamentos que se localizam em área cedida, 19,64% dos acampamentos
visitados estavam nestas condições. Percebeu-se que, neste caso, o proprietário da gleba se
sensibilizou com a causa, cedendo a área para retirar o acampamento da estrada. Um fato
interessante relacionado a esses casos é que muitos desses cedentes, que são pequenos
proprietários e, ou, um de seus familiares, estão acampados e cadastrados no INCRA. Os
acampamentos Santa Rita de Cássia, localizado no município de Estância e o 19 de Junho, em
Poço Verde, são exemplos dessa situação (Figuras 42 e 43).
133

Fonte: fotografia do acervo pessoal da pesquisadora (2008).

Figura 42 – Vista parcial do Acampamento Santa Rita de Cássia. Estância, SE.

Fonte: fotografia do acervo pessoal da pesquisadora (2008).

Figura 43 – Vista parcial do Acampamento 19 de Junho. Poço Verde, SE.

Aqueles que se encontram acampados nos povoados, na verdade, não se tem


materializado o acampamento, pois dispõem de toda a sua infraestrutura. Como exemplo tem-se
o acampamento Novo Horizonte, em Neópolis, constituído por agricultores ligados a uma
associação (Figura 44).
134

Fonte: fotografia do acervo pessoal da pesquisadora (2008).

Figura 44 – Vista parcial do povoado Novo Horizonte. Neópolis, SE.

Ao analisar a Figura 45, percebe-se que entre aqueles acampamentos que se encontram
dentro de imóveis, 42,86% possuíam autorização do proprietário para serem instalados, ou o
imóvel já tem a imissão de posse, pertencendo ao INCRA. Os acampamentos onde o imóvel já
tem imissão de posse só deixam de ser acampamentos no momento que o Projeto de
Assentamento é criado.

Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

Figura 45 – Permissão quanto à localização dos acampamentos sergipanos pesquisados.


135

A autorização do proprietário pode ser concedida também apenas para plantio (10,00%),
como forma de pressionar o INCRA para que o processo seja agilizado, já que normalmente o
proprietário concede o uso por um determinado tempo, sendo este fato comum nos processos de
obtenção pela modalidade de Compra e Venda. Neste caso, o proprietário oferece o imóvel para
venda, predeterminando seu valor. Em contrapartida, o INCRA realiza a sua avaliação e
determina o valor para compra. Nesse período de negociação, o proprietário, em acordo com o
movimento social envolvido, permite a permanência dos acampados, em pequena fração do
imóvel, para que sirva como mecanismo de pressão.
Os demais acampamentos, ou seja, 57,14% que estão dentro do imóvel e 90,00% dos
acampamentos que utilizam terra do imóvel para cultivar, não têm autorização do proprietário,
estando, portanto, na ilegalidade, já que podem ser caracterizadas como ocupação, sujeita a
pedido de reintegração de posse, interdito proibitório e, ou, outras medidas legais cabíveis. E o
mais agravante é que o imóvel que sofreu ocupação, que no caso é entendido pela lei como
invasão, pode ser impedido de ser vistoriado pelo INCRA, de acordo com a Medida Provisória
no 2.183/1956 (BRASIL, 2001).
Todas as famílias acampadas recebem a cesta de alimentos do INCRA/CONAB/MDS,
que segundo seu relato é fundamental para garantir o engajamento e a resistência das famílias na
luta. Essa cesta, diferentemente da cesta básica, é composta por alimentos comprados pela
CONAB, a partir de recursos do MDA, sendo composta, segundo uma acampada, por “10 kg de
arroz, 1 kg de macarrão, 1 kg de farinha de milho, 2 kg de açúcar, óleo, 2 kg de farinha, 3 kg de
feijão e 2 kg de leite em pó” (acampada 1).
Do ponto de vista da segurança alimentar, esses alimentos, chamados pelos acampados de
“merenda”, tentam apenas complementar a dieta das famílias, através de alimentos energéticos,
em sua maioria, e uso comum no meio rural, servindo como um auxílio para mantê-los na luta.
Entretanto, observou-se que há inconstância na distribuição das cestas, não sendo mensal,
ficando dependente de diferentes órgãos da União, que têm funções determinadas. Cabe aqui
uma ponderação, já que, nos dias atuais, em Sergipe, o INCRA fica responsável, apenas por
entregar as cestas a alguns acampamentos, de fácil acesso e com grande quantitativo de
acampados, e nos restantes, repassa a responsabilidade aos movimentos sociais, que recebe esses
alimentos, nas secretarias ou em locais cedidos pelas prefeituras. Sobre isso, um acampado
comenta que “era melhor quando o pessoal do INCRA entregava a cesta do que os militantes”
(acampado 2).
Relata-se, ainda, a existência de conflitos de impasses referentes aos beneficiários desta
cesta, que por ausência de uma política eficiente e eficaz de monitoramento e fiscalização dos
136

acampamentos, por parte do INCRA. Além disso, em relação aos acampados e também aos
militantes dos movimentos sociais envolvidos, nem sempre os que recebem a cesta são o público-
alvo a ser atingido (a exemplo de aposentados). Portanto, se o cadastro não é atualizado, corre-se
o risco de haver desvios de cestas, o que tem provocado escândalos em todo o País e, neste caso,
em Sergipe.
Sobre isso, um acampado afirma que

[...] Na época que a gente estava com esse acampamento na beira da estrada
tinha 400 famílias, ai foi caindo, caindo. E quando ia trazer a merenda, o carro
ia levar lá mesmo, e tinha que o militante assinar na hora. Depois viemos pra
cá, quando a gente começou a assinar, tinha gente ainda de lá, que já tinha até
morrido. Outros que já estavam assentados no Gavião, que foi daqui, umas 12
pessoas (acampado 3).

Diante desse cenário de denúncias e controle por parte do MST e outros movimentos, a
União já sinalizou a substituição das cestas de alimentos pelo Cartão Bolsa Família, o que não é
bem visto pelos movimentos sociais, já que essa iniciativa encontra resistência no MST
(Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra), que vê na ampliação da Bolsa Família um
risco de desmobilização de suas bases.
A esse respeito, o Ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, em
entrevista ao Jornal Folha de São Paulo, comenta que "se eles [sem-terra] vão ficar
desmobilizados, não é problema do Estado" (CASSEL, apud SCOLESE, 2009, p. 18).
Assim, o governo extinguiria a entrega de alimentos, fazendo com que as famílias
tivessem apenas o auxílio através da Bolsa Família. Mas, em Sergipe as famílias acampadas que
receberm a Bolsa Família recebem também a cesta de alimentos do MDS/CONAB/INCRA.
No acampamento Mochila, apesar de não haver barracos naquele local (apenas um grande
barraco para reuniões, na beira da estrada), as famílias se revezam em sistema de rodízio para
vigiar os lotes durante o dia e a noite, temendo assim roubos e outros problemas relacionados à
segurança da produção. As famílias residem no povoado Sapé, para onde retornam todo dia após
a jornada de trabalho.
No acampamento Amigos para Sempre, pelo fato de estarem numa área urbana e mais
vulneráveis aos ataques de toda ordem, há uma maior preocupação em relação à proteção, não
apenas dos cultivos que possuem, mas dos barracos e até mesmo das próprias pessoas
acampadas. Neste sentido, participam mais pessoas do rodízio, sendo liberados três dias para que
prestem trabalhos fora do acampamento. No entanto constatou-se que alguns acampados
permanecem direto naquele local.
137

No acampamento D. José Brandão de Castro, os acampados também se preocupam com


a segurança dos barracos e das famílias, seguindo a mesma linha do rodízio apresentado para o
acampamento Amigos para Sempre, em que ficam fora do acampamento por três dias,
aproximadamente. Registrou-se ainda que, em um dia da semana, todos os acampados se reúnem,
com o objetivo de organizar a luta e discutir as questões e os problemas vivenciados no
acampamento. Também nesses dias são comemoradas datas importantes para o acampamento,
aniversários, entre outras.
Segundo Ruschel, a disciplina nos acampamentos

[...] é rígida e as normas de conduta são decididas coletivamente. Quando são


desrespeitadas, podem gerar a expulsão do acampamento. A expulsão ou outra
atitude em relação aos “transgressores” são sempre decididas em assembleias.
Para que a vida de um grande número de pessoas (com origens sócio-culturais
diversas, vivendo em um ambiente de tensão e precariedade) seja possível,
torna-se necessário uma organização muito eficiente e participativa. Desta
forma, as famílias reúnem-se em núcleos. Em cada um deles é escolhido um
representante que irá integrar a coordenação geral do acampamento.
Acontecem reuniões frequentes, quase que diariamente nos núcleos e nas
coordenações dos acampamentos. Sempre que necessário, são convocadas
assembleias gerais em que todos participam (RUSCHEL, 2001, p. 44).

Essa descrição do funcionamento interno dos acampamentos é complementada por Iha


(2005), ao afirmar que:

a princípio todos acampados adultos devem participar da organização de algum


“setor” do acampamento, como: educação, saúde, almoxarifado, negociação,
secretaria e segurança. O funcionamento de alguns setores, como segurança do
acampamento e educação funcionam por turnos, exigindo o rodízio das pessoas
(IHA, 2005, p. 111).

Assim, de forma clara, Loera (2009) explica que:

os acampados são indivíduos, que possuem uma série de obrigações e compromissos


para com o movimento que organiza a ocupação, e essas obrigações tem um
sentido mais concreto e se traduzem nas tarefas do dia a dia do acampamento
ou outras atividades como arrecadar alimentos, participar de marchas,
ocupações ou outras mobilizações em geral, já o termo compromisso tem um
sentido mais abstrato e os acampados e assentado fazem referência a ele
quando explicitam sua “dívida” ou apoio para com o movimento em geral
(LOERA, 2009, p. 2).

Essas normas de organização para os cuidados com os acampamentos e acampados são


também estratégias para manutenção da luta e para identificar famílias que moram o tempo todo
nos acampamentos e não possuem outra moradia na cidade. Há um forte impasse quanto a essas
questões, pois existem casos de acampados que se aproveitam do rodízio para não “cumprir suas
138

normas19”, o que gera conflitos e até desligamento do acampado. Segundo relatos, há várias
normas internas que devem ser cumpridas pelos acampados, que vão desde a proibição do uso de
bebidas alcoólicas ao pagamento de contribuição para as atividades ligadas à militância, conforme
foi identificado em um dos acampamentos. Na Figura 46 pode ser visto um cartaz afixado em um
acampamento do MST.

Fonte: fotografia do acervo pessoal da pesquisadora (2008).

Figura 46 – Cartaz com as normas dos acampamentos do MST em Sergipe.

Em muitos acampamentos visitados foi registrado o relato de situações em que o


acampado foi excluído por não cumprir os seus compromissos com a luta e nem seguir as regras
do acampamento. Os motivos mais citados foram: não cumprimento das normas/rodízio, brigas
de casal com agressão à mulher, brigas entre acampados e embriaguês. Nesse sentido, uma
acampada afirmou que “quem bebe, rouba e faz outras coisas erradas, deve primeiro ser
advertido, e não expulso direto. Tem que conversar pra depois resolver” (acampado 4).

19 As normas constituem parte da organização interna do acampamento, com base nas normas gerais e na
organização dos movimentos sociais. Consistem no cumprimento do rodízio entre permanência no acampamento
e saídas para trabalhos eventuais. Seguir as normas significa que o acampado está cumprindo com suas obrigações
no acampamento para manutenção da luta pela terra. Nos acampamentos visitados era permitido ao acampado 3
dias de trabalho fora do acampamento.
139

Observa-se também o processo de migração desses acampamentos, em função da


reintegração de posse solicitada pelo proprietário do imóvel, pela inadequação daquela
propriedade para fins de desapropriação ou mesmo de concretização de assentamento naquela
área, em que nem todos possam ser assentados, devendo-se buscar novas possibilidades. Este é o
dilema revelado pelos acampados em Sergipe: ocupação, acampamento, despejo, nova ocupação
ou acampamento. Nos acampamentos visitados houve diversos relatos das ações de despejo
sofridas, das saídas no meio da noite para montar os acampamentos, das cenas de sofrimento e
de dor pelas quais passaram essas famílias.
A maioria dos acampamentos visitados durante a pesquisa (101) é organizada e gerenciada
pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), com o qual mantém forte
identidade e ligação quanto às atividades, tendo em todos eles a bandeira e outros símbolos que
representam a luta pela terra deste expressivo movimento social. A participação e o envolvimento
dos militantes na fase de acampamento são muito fortes, o que não se observa após a
concretização do assentamento. Já no acampamento da FETASE ocorre o inverso. Sobre esse
aspecto, Lopes comenta que

[...] a FETASE e os Sindicatos de Trabalhadores Rurais – STRs sempre


estiveram mais preocupados em reivindicar medidas de alteração na política
agrícola e solicitar ajuda do governo estadual na concessão de crédito, sementes
e outros insumos para os pequenos produtores rurais do estado que já dispõem
de terra; eventualmente procuram mobilizar seus associados para a luta política,
quiçá para a ocupação de terras (LOPES, 2007, p. 9).

Assim, nesta breve caracterização da realidade dos acampamentos, as famílias relatam que
o que mais desejam é o acesso à terra, via reforma agrária. Algumas, mesmo desanimadas,
permanecem na luta por acreditar que esta é a única maneira de ter uma vida melhor e
proporcionar um futuro aos filhos.
Relatam ainda que a luta é árdua, mas o desejo de alcançar a vida no assentamento é ainda
maior. As famílias acreditam que certamente haverá dificuldades a serem enfrentadas nos
assentamentos, mas que, ainda assim, este é o maior sonho a ser realizado por todas elas. Neste
sentido, um acampado relatou que “é difícil a espera. A maior dificuldade é se virar todo dia pra
comer. Se a gente esperar pela cesta, ‘tá difícil’, nós morreríamos de fome. Então tem que se
virar, tirando uns dias de trabalho fora, no rodízio” (acampado 5).
Se interrogadas sobre o motivo pelo qual a reforma agrária é tão demorada, as famílias
afirmam que falta empenho do INCRA e que o Governo não se interessa. Às vezes elas se julgam
esquecidas, e sabem explicar os motivos, conforme se observa nos depoimentos:
140

O INCRA amarra as coisas pra nós. Falta informação. E aí a gente é que sofre
(acampado 6).

No INCRA uns ajudam, outros atrapalham. Quando a terra é ruim o processo


anda no INCRA. Quando a terra é boa e o cara [proprietário] é influente, o
negócio não anda. A gente sente no trato aqueles que respeitam e aqueles que
criminalizam o movimento (acampado 7).

Nós aqui estamos esquecido. Ninguém vem olhar por nós e nem dar decisão de
nada ... (acampado 8).

De acordo com os dados do INCRA/Ouvidoria Agrária (2009), o Zumbi dos Palmares é


o acampamento mais antigo de Sergipe; ele foi criado em 11.3.1977, no município de Malhador,
com 244 famílias acampadas, e é coordenado pelo MST. Já o acampamento mais recente, até o
momento da pesquisa, é Nossa Senhora da Conceição, em Carira, que foi criado em 3.2.2009,
com 36 famílias, e é coordenado pela FETASE.
Imaginar que famílias aguardam há mais de 12 anos o acesso à terra é algo que ultrapassa
os limites da compreensão da reforma agrária, que se traduz em sofrimento sem dia certo para
terminar. Até quando esperar e qual será a realidade a ser enfrentada? Eis os desafios dos
acampados até o acesso à terra e, com certeza, posteriormente nos assentamentos.

5.4. Caracterização das Famílias Acampadas

Para caracterização dos acampados em Sergipe e suas famílias, optou-se por discutir o
perfil familiar, a origem dessas famílias, bem como as suas aptidões para as atividades agrícolas,
além de identificar as suas expectativas quanto à reforma agrária e à qualidade de vida. A
articulação destas informações permite não apenas conhecer de fato quem são os acampados,
mas também quais as suas expectativas em relação à reforma agrária e à qualidade de vida por elas
almejada.

5.4.1. O Perfil das Famílias Acampadas

Nos acampamentos Mochila, Amigos para Sempre e D. José Brandão de Castro,


constatou-se que a média de idade dos acampados é de, respectivamente, 42,50, 43,24 e 41,82
anos. No que se refere ao sexo, no acampamento Brejo Grande predomina o sexo masculino
(54,9%), com a presença de 45,1% do sexo feminino. No acampamento Mochila também
predomina o sexo masculino, apresentando um porcentual de 76,9%, com a presença de 23,1%
141

de mulheres. No acampamento Amigos para Sempre, constaou-se que o maior porcentual é de


mulheres (65,9%), compado ao do sexo masculino (34,1%). Assim, verifica-se a presença
expressiva de mulheres acampadas na luta pela terra em Sergipe.
No que se refere ao grau de escolaridade dos acampados, constatou-se que entre eles
predomina o Ensino Fundamental Incompleto, ou seja, cursaram entre a 1a e 9a séries previstas
nesta modalidade, não chegando a concluir o Ensino Fundamental. Verificou-se (Figura 47) que
no acampamento D. José Brandão de Castro os graus de escolaridade foram os mais
diversificados e que este foi o acampamento que apresentou a menor proporção daqueles que
não possuíam instrução formal (7,8%).

Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

Figura 47 – Nível de escolaridade dos acampados sergipanos pesquisados.

Nos acampamentos Amigos para Sempre e Mochila, o porcentual dos que não possuíam
instrução formal é bem maior, 19,5% para ambos. Apenas no “D. José Brandão de Castro”
verificou-se a existência de acampados com o Ensino Fundamental Completo (11,8%), já no
acampamento Amigos para Sempre foram acampados com Ensino Médio Completo (7,3%),
sendo um contraponto aos 19,5% daqueles que não têm instrução formal
Com relação ao estado civil dos acampados, verificou-se (Figura 48) que, exceto no
acampamento D. José Brandão de Castro, a condição predominante é amasiado. Convém
observar o significativo porcentual de solteiros nos acampados, numa faixa de 11,80 % a 23,10%
dos entrevistados.
142

Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

Figura 48 – Estado civil dos acampados sergipanos pesquisados.

Conforme pode ser visto na Figura 48, as famílias acampadas possuem, em média, os
seguintes números de membros: “Amigos para Sempre”, 3,82 membros; “Mochila”, 5,88
membros; e “D. José Brandão de Castro”, 5,39 membros. Com relação ao número de filhos que
possuem, a média foi de 4,22 filhos por família no acampamento D. José Brandão de Castro, 4,08
filhos por família no acampamento Amigos para Sempre e 4,03 filhos por família no
acampamento Mochila. Quando perguntados sobre a atual condição ou situação em que se
encontram, a maioria declarou ser agricultor sem-terra ou desempregado, conforme a Figura 49.

Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

Figura 49 – Situação atual dos acampados sergipanos pesquisados.


143

Analisando o perfil das famílias acampadas, pode-se afirmar que estas são potenciais
candidatas à reforma agrária, dentro da discussão legal apresentada anteriormente, ou seja, são
trabalhadores sem-terra ou com pouca terra, desempregados e parceiros, que se encontram em
situação de risco social, ao considerar a renda familiar per capita e as condições observadas em
campo.

5.4.2. A Origem das Famílias Acampadas

Identificar a origem das famílias acampadas faz parte da compreensão dos processos
futuros relacionado aos assentamentos. Destaca-se que, quando as famílias acampadas possuem a
mesma origem, os tipos de cultivos e as formas de produção são mais uniformes, o que pode
indicar maior facilidade de trabalho coletivo das famílias.
Navarro et al. (1999), ao estudarem a história dos assentamentos rurais do Rio Grande do
Sul, apresentam diversos estudos que são unânimes em ressaltar a importância da origem
geográfica como fator determinante na formação dos grupos. As famílias procuram permanecer
vinculadas a outras que vieram do mesmo município ou região, elos muitas vezes reforçados por
relações de amizade, vizinhança ou parentescos, estabelecidos anteriormente ou no assentamento.
Sobre essa mesma questão, Sousa e Locatel (2009), estudando os laços de parentesco num
assentamento do sertão sergipano, revelaram que

as famílias assentadas no Cuyabá (Projeto de Assentamento) [município de


Canindé do São Francisco/SE], em sua maioria, possuem laços de parentesco
entre si e desejam permanecer no assentamento, lugar com o qual construíram a
sua identidade. Apesar da existência de parentes no assentamento e da
importância destes na percepção das famílias, a identidade maior com o PA se
afirma pela conquista da terra e da possibilidade de produzir no que é “seu”,
que se materializa no gostar de morar e no desejo de continuar morando no PA
(SOUSA; LOCATEL, 2009, p. 19).

Por outro lado, Ferreira et al.(1999) afirmam que:

[...] Se, em termos práticos, a diversidade dos assentados introduz sérios


desafios para a adoção de políticas que atendam as diferentes exigências na
ordem de produção, da organização das demandas sociais, contudo, deve-se
esperar desta rica composição social as possibilidades reais e inovadoras à
superação dos inúmeros desafios que estão colocados no cotidiano dos
assentamentos (FERREIRA et al., 1999, p. 219).

Para efeitos desta pesquisa, não é fator relevante o local de nascimento do acampado,
embora este dado seja apresentado. Entretanto, considera-se relevante saber o local de onde
144

provêm essas famílias, ou seja, onde moravam antes de estarem acampados. Desta forma, espera-
se obter informações importantes que possam permitir as reflexões mencionadas com relação ao
futuro dos acampados nos assentamentos.
Ao analisar a origem dos acampados, constatou-se que no acampamento D. José Brandão
de Castro 64,70% nasceram em Brejo Grande, 15,70% nasceram em outros municípios e 17,60%
em outros Estados. Os outros (2%) não responderam a questão. No acampamento Amigos para
Sempre, um porcentual similar foi verificado para aqueles que nasceram em Estância (39,90%) e
em outros municípios (39,90%). Observou-se que 22% nasceram em outros Estados. No caso do
acampamento Mochila, verificou-se o maior porcentual (84,6%) de acampados nascidos em
Itaporanga D’Ajuda, seguido de 15,4% que nasceram em outros municípios. Não foi verificado
nenhum acampado que tivesse nascido em outro Estado.
Conforme mencionado, considera-se relevante conhecer o local onde morava antes do
acampamento. Desta forma, constatou-se que antes de estarem acampadas nas localidades em
que se encontram essas famílias moravam, em sua maioria, no mesmo município do
acampamento (Figura 50).

Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

Figura 50 – Moradia anterior dos acampados sergipanos pesquisados.

Pode-se perceber que no acampamento Mochila 80,8% das famílias moravam em


Itaporanga D’ajuda. Entretanto, verifica-se que 15,4% vieram de outros municípios e 3,8% de
outro Estado. A explicação para a predominância da mesma origem dos acampados está na
própria formação do acampamento, que segundo os relatos já apresentados se deu a partir da
reunião de pessoas que moravam próximo ao imóvel pleiteado.
145

No acampamento D. José Brandão de Castro, verificou-se que 70,6% dos acampados


moravam em “Brejo Grande”, seguido de 17,6% que moravam em outros municípios e 11,8%
que vieram de outros Estados. Esses outros municípios são limítrofes com Brejo Grande, e
aqueles acampados que vieram de outro Estado, na grande maioria, são provenientes de
municípios alagoanos próximos à divisa entre esses Estados. Neste caso, a predominância de
acampados oriundos do mesmo local pode ser explicada pelo próprio movimento social que os
organizou, a Cáritas, que possui ainda forte atuação na área do Baixo São Francisco, conforme já
discutido.
Por fim, no caso do acampamento Amigos para Sempre percebe-se maior distribuição
dos porcentuais, o que confirma se tratar de um acampamento localizado em rodovia federal,
próximo à área urbana, demonstrando assim a plurialidade das origens dos acampados. Pode-se
inferir, através dos dados coletados, que esse acampamento é “abastecido” por pessoas de
diversos municípios sergipanos, alagoanos, baianos e paulista.
Além da origem em termos geográficos, buscou-se identificar as famílias com relação às
suas origens rurais, de forma a analisar a questão dos saberes/identidade agrícola, tão discutida
como sendo elemento fundamental para o sucesso dos projetos de assentamento. A esse respeito
Ramos et al. (2001) contribuem, dizendo que:

[...] A viabilização do assentamento depende não apenas da potencialidade de


sua base física, exponenciada pelas tecnologias agropecuárias, mas de seu capital
humano, composto por indivíduos com suas aspirações, desejos e visão de
futuro, que, em comunidade, se tornam agentes sociais sujeitos de sua própria
história. Nesse sentido, importa uma seleção criteriosa das famílias e indivíduos
que possuam vocação agrícola, e, mais especificamente, vocação para aquela
cultura indicada pelo diagnóstico ambiental e pelas prioridades do município e
da região (RAMOS et al., 2001).

Segundo Lins (2008), tanto a “vocação para a atividade agrícola” quanto a “capacidade de
gerir seu próprio negócio” não devem ser critérios de qualificação profissional para os
beneficiários da reforma agrária, uma vez que esses critérios servem apenas para excluir,
contrariando a razão de ser da reforma agrária: a inclusão. Assim, devem-se direcionar ações de
capacitação e profissionalização dos sem-terra que desejam construir uma alternativa de vida no
campo.
Por fim, Curado e Gomes (2007) apresentam a importância e o cuidado que se deve ter
com este tema no desenvolvimento dos projetos de assentamentos, frisando que

[...] Nos projetos de assentamento de Sergipe, todo o processo produtivo vai se


consolidando numa perspectiva produtivista e bastante dependente de insumos
químicos, conduzida, na maioria das vezes, pela visão exclusiva dos técnicos,
146

amparada pelo que chamam de “vocação agrícola” (grifo nosso) dos


agricultores, porém, na realidade, totalmente desarticulada dos saberes e do
protagonismo destes últimos. Como consequência, tem-se o emprego
equivocado dos recursos financeiros disponibilizados (tipos de cultura e
criações animais desarticuladas da realidade cultural das famílias assentadas e
destituídas de um ambiente necessário para a perfeita apreensão dos
conhecimentos tecnológicos pelas mesmas); o atrelamento destes recursos ao
uso de insumos químicos e tecnologias modernas; a uniformização e
padronização dos processos produtivos e, consequentemente, o uso
inadequado dos solos, da vegetação e demais recursos naturais, ‘exigindo’ a
incorporação das Áreas de Preservação Permanente e Reserva Legal na
instalação de lavouras, criações animais e para a exploração de lenha e da
madeira (CURADO; GOMES, 2007, p. 2).

Para análise da origem do acampado em relação à sua identidade/saberes agrícola,


identificou-se a situação de seus pais (se eram ou não agricultores), bem como se os acampados
possuíam experiências anteriores relacionadas ao cultivo da terra. Buscou-se ainda identificar a
ocupação do acampado antes do acampamento.
Com relação aos pais dos acampados, constatou-se que no acampamento Mochila os
pais de todos os acampados eram agricultores (Figura 51). Nos demais acampamentos, a maioria
também tem pais agricultores. No acampamento D. José Brandão de Castro, apenas 7,8% dos
acampados não tinham pais agricultores. Já no acampamento Amigos para Sempre, o porcentual
de acampados cujos pais não eram agricultores é um pouco menor (7,3%).
Dessa forma, percebe-se que o fato de os pais terem sido ou ainda serem agricultores
pode ser um indicativo para que seus filhos, no caso os acampados, desejem seguir as atividades
dos pais, sendo este mais um motivo pelo qual estão na luta pela terra.
Ao analisar a experiência com o cultivo da terra por parte dos acampados (Figura 52),
verificou-se que a maioria já teve experiência anterior (“Mochila”, 100%; “Amigos para Sempre”,
95,1%; e “D. José Brandão de Castro”, 94,1%).
A experiência anterior com o cultivo da terra é também um forte indicativo para explicar
a participação dos acampados na luta pela terra, pois eles sabem que a partir das experiências que
já possuem são capazes de, uma vez de posse da terra, sobreviver dela. Mas como explicar os
porcentuais verificados nos acampamentos daqueles cujos pais não são agricultores e que não
tiveram experiências com o cultivo da terra? O que pode motivá-los para a luta pela terra?
Para esta análise, reporta-se à questão anteriormente discutida sobre a grande massa de
trabalhadores rurais que, pelas exigências legais de beneficiários da reforma agrária, podem ser
potenciais candidatos ainda que não possuam experiência agrícola.
147

Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

Figura 51 – Ligação com a terra apresentada pelos acampados sergipanos, através dos pais.

Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

Figura 52 – Experiência com o cultivo da terra apresentada pelo acampados sergipanos, através
dos pais.

Outrossim, qual seria a opção de emprego e renda para aqueles trabalhadores que, pelo
baixo nível de escolaridade, certamente não teriam acesso a empregos no setor da indústria e
comércio? A este respeito, após analisar os custos para a criação de empregos nesses setores,
Stédile (1997, p. 35) comenta que “fica patente, portanto, que o investimento em reforma agrária
e em agricultura é ainda o caminho mais barato para se criarem empregos em grande escala, de
148

forma rápida, e gerar mais riquezas para a sociedade”. O autor complementa que é preciso
também considerar que o trabalho agrícola é de fácil aprendizado e não exige especialização e
escolaridade, por isto é a atividade de boa parte dos pobres e analfabetos do País.
Dessa forma, compreende-se que a identidade/saberes agrícola pode ser um elemento
fundamental para o sucesso de um futuro assentamento. Entretanto, concorda-se com Stédile
(1997) quando ele afirma que não haveria para os assentados outras alternativas que fossem
capazes de viabilizar o trabalho e a renda, e principalmente a posse da terra, permitindo o
“trabalhar no que é seu”, tão mencionado pelos acampados, pelo “aprender fazendo”.
Por outro lado, é mais provável que indivíduos que possuam identidade/saberes agrícola
(seja pelos pais terem sido agricultores ou pelas experiências com o cultivo da terra) certamente
estarão mais predispostos ao engajamento na luta pela terra do que aqueles que não possuem tal
característica, uma vez que, até conquistar a terra prometida, há um longo e tortuoso caminho,
embaixo da lona preta, expostos a todas as situações já mencionadas. Pelas experiências nos
acampamentos durante a pesquisa, pode-se afirmar que indivíduos com vivência especificamente
urbanas provavelmente não teriam a mesma resistência dos que possuem origens rurais. Inclusive,
pode-se inferir que, se resistem, tendem a desistir com maior probabilidade que os demais.
Para complementar esta análise, buscou-se identificar as ocupações dos acampados
antes de participarem na luta pela terra nos acampamentos. Verificou-se que nos acampamentos
Mochila e D. José Brandão de Castro a maior parte exercia atividades como trabalhador rural
temporário (69,3 e 66,6%, respectivamente), conforme pode ser observado na Figura 53.
Entretanto, constatou-se que no acampamento Mochila 15,4% exerciam outras
atividades, que na verdade, conforme relatado pelos entrevistados, era o trabalho nas terras da
família. Percebe-se que eles deixaram essa atividade para serem acampados, possivelmente pela
possibilidade de alcaçar um objetivo comum entre os agricultres: ter um pedaço de terra para
trabalhar e, ou, essa área não seria suficiente para mantê-lo, juntamente com outros membros da
família. Verficou-se que 7,7% eram parceiros, 3,8% arrendatários e 3,8% eram trabalhadores
rurais assalariados. Nesse acampamento não foram identificados acampados que tivessem
trabalhado anteriormente na indústria, no comércio ou na prestação de serviços, evidenciando a
questão da identidade agrícola e a necessidade de manter-se nesta mesma atividade.
No acampamento D. José Brandão, 13,7% dos acampados eram arrendatários, seguidos
de 9,8% que eram parceiros e 3,9% que eram posseiros. Identificou-se ainda que alguns acampados
eram trabalhadores rurais assalariados (2%), empregados da indústria, do comércio e na prestação
de serviços (2%), ou exerciam outras atividades (2%), a exemplo de um contratado pela prefeitura.
149

Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

Figura 53 – Situação anterior dos acampados sergipanos pesquisados.

No acampamento Amigos para Sempre, o porcentual de acampados que eram


trabalhadores rurais temporários e empregados da indústria, do comércio e na prestação de
serviços foi bem parecido (39,1 e 36,6%, respectivamente). Foram identificados ainda acampados
que exerciam outras atividades (17,1%), como autônomos (gesseiro, vendedor, artesã, doceira e
catador de lixo) e apenas um entrevistado trabalhava na terra da família. O mesmo porcentual
(2,4%) foi constatado para os posseiros, parceiros e trabalhadores rurais assalariados.
O perfil apresentado revela que os acampados pesquisados possuem, conforme os
dados discutidos, potencial para desenvolvimento de atividades agrícolas a partir da posse da
terra, ao que se considera identidade/saberes agrícola. Desta forma, ao serem assentados, a
probabilidade de desenvolverem atividades coletivas pode ser destacada pela origem comum da
maioria dos acampados, bem como o potencial para as atividades a serem desenvolvidas.
Entretanto, é importante mencionar que o sucesso de um assentamento não pode ser definido
pela origem comum dos seus integrantes e nem pela sua identidade/saberes agrícola, sendo
necessária a combinação de outros fatores para que, de fato, essas experiências possam ser
promissoras. A este respeito, ampliaremos a discussão no Capítulo VI deste trabalho.

5.4.3. Reforma Agrária e Perspectivas: Qualidade de Vida, Sonho ou Realidade?

A realidade vivenciada nos acampamentos durante a pesquisa revela dois lados igualmente
importantes: a realidade da luta pela terra e as expectativas e sonhos com relação à reforma
150

agrária. Pode-se constatar que se não fossem alimentadas pelo sonho de possuir a terra
certamente aquelas famílias não teriam condições de suportar as situações diárias nos
acampamentos.
Para compreender o que representa o acesso à terra, buscou-se identificar os elementos-
chave a que os acampados se reportaram com maior frequência em seus relatos. Desta forma,
percebeu-se que a garantia do “pão de cada dia” a partir da “terra própria” e do “trabalhar para
si” para garantir o “futuro dos filhos” foram elementos determinantes para a permanência na luta
pela terra.
Explica-se que o sonho da terra possui os significados representados, cuja análise é mais
profunda ao se referir às condições materiais necessárias para a sobrevivência e subsistência
desses trabalhadores.
Inicialmente, interpreta-se o “pão de cada dia” como sendo os alimentos básicos que
podem ser produzidos pelos agricultores, desde a mandioca, frutas e hortaliças até os pequenos
animais que podem criar e, assim, incrementar a alimentação diária. Refere-se ainda ao cultivo de
roças e pastos para criação de animais de maior porte (no caso, bois e vacas). Nesse sentido,
depara-se com relatos como os que seguem:

Quando tiver a terra, nós vamos trabalhar. Ter sua terrinha pra trabalhar não é
bom, não!? Se o cara tem sua terra para plantar a mandioca, criar umas “reis”,
um porco e galinha e não ter que trabalhar pros outros, ta bom demais
(acampado 9).
As dificuldades são muitas, mas tem que esperar que um dia saia a terra pra
gente trabalhar, porque os fazendeiros não querem dar suas terras pra ninguém,
querem é arrendar. É preciso trabalhar no que é da gente, ter o pão certo
(acampado 10).
Eu vou plantar batata, mandioca, coqueiro e arroz. O arroz é o principal pra
mim, pois posso comer e posso vender (acampado 11).

Esta perspectiva está de acordo com a realidade da agricultura familiar brasileira, segundo
dados do Censo Agropecuário 2006, organizados pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário
(MDA), que diz que a agricultura familiar é responsável por 87% da mandioca, 70% do feijão,
46% do milho, 38% do café, 34% do arroz, 21% do trigo e 16% da soja produzida no País. Além
disso, é importante fornecedora de proteína animal, com 58% do leite, 50% das aves, 59% dos
suínos e 30% dos bovinos advindos desta agricultura (MDA, 2006).
Recentemente, em pesquisa encomendada pela Confederação Nacional da Agricultura
(CNA), divulgada na mídia, apresentou-se a realidade dos assentamentos brasileiros e concluiu
que
151

a criação de gado foi apontada como a maior atividade nesses assentamentos,


registrada por 64% dos moradores. Em seguida vêm milho (55%), legumes e
verduras (50%), frutas (50%), criação de outros animais (46%), feijão (38%),
arroz (28%), mandioca (28%), cana-de-açúcar (12%) e soja (5%). (DIÁRIO
CATARINENSE, 2009, p. 1).

Ao analisar essa diversidade, nessa mesma reportagem, a senadora e presidente da CNA,


Kátia Abreu, afirma que

[...] Trata-se de culturas de baixa rentabilidade por hectare. Na Europa, a


pequena propriedade se especializa: produz queijo, vinho, etc. Aqui não. São
‘Bombril’, fazem de tudo. Aqui se produz um pouco de cada coisa [...] e aí o
resultado é pífio. O ideal seria se, enquanto um produtor se especializasse em
leite, o outro dominasse a cultura do milho, por exemplo. Assim, haveria ganho
de escala e a produção nos assentamentos poderia se tornar mais rentável. Mas
é que nem nas ‘Casas Bahia’, encontra-se de tudo. Eles não têm escala,
regularidade de produção e, portanto, não têm mercado (DIÁRIO
CATARINENSE, 2009, p. 1).

Essa afirmação tem dois aspectos que devem ser ressaltados. Um é a falta de
planejamento e eficiência nas políticas públicas. O outro, o risco da especialização produtiva e a
vulnerabilidade a que os agricultores assentados se expõem nesse caso, ampliando o grau de
sujeição ao mercado.
O primeiro aspecto remete à necessidade de um planejamento, que deve ser observado
desde o início do processo de desapropriação, sendo crucial a análise da viabilidade econômica
desses imóveis desapropriados, baseando-se num enfoque técnico criterioso, e não nas pressões
dos movimentos sociais, na necessidade de alcançar as metas propostas e no apelo social da
política de reforma agrária.
Na fase de implantação dos PAs, é imprescindível a realização do zoneamento
geoambiental dos imóveis, através de diagnósticos dos meios físico, biótico e socioeconômico na
área desapropriada, permitindo, assim, avaliar a capacidade agroecológica do sistema e realizar um
planejamento ambiental (SHIMBO et al., 2007). Sobre esta metodologia, Shimbo e Jiménez-
Rueda (2007), comentam que

os estudos sobre diagnósticos ambientais que visam o planejamento e


sustentabilidade ambiental em projetos da reforma agrária são poucos ou
apresentam deficiências em suas análises. A ausência desses estudos e de
orientações técnicas pode aumentar os impactos ambientais negativos, como
situações de erosão, degradação do solo, poluição e assoreamento dos corpos
d’água, prejuízos à biodiversidade, o que pode interferir significativamente na
produtividade, renda e qualidade de vida das famílias assentadas (SHIMBO;
JIMÉNEZ-RUEDA, 2007, p. 115).
152

Através desses diagnósticos, pode-se fazer uma estratificação agroambiental destes


imóveis,
já que a agricultura familiar se baseia no uso adaptado e diversificado das
diversas unidades ecogeográficas, ou estratos/unidades da paisagem, e essa
característica é compatível e necessária para a construção de sistemas
sustentáveis de produção, é na identificação dessas unidades/estratos que se
encontra a base para um planejamento agroambiental espacializado que vise à
exploração racional de uma área a ser destinada à criação de um PA (SILVA,
2001, p. 5).

Em Sergipe, observou-se que o INCRA, até um passado não muito distante, estava
sempre a reboque dos movimentos sociais, sempre a um passo atrás, ou seja, no planejamento do
projeto de parcelamento dos PAs muitas vezes apenas ratificava o que já estava materializado no
campo, já que os assentados, cansados de esperar, faziam por si só a divisão dos lotes, não
respeitando as áreas de Preservação Permanente e Reserva Legal, nem tampouco uma divisão
quantitativa e, ou, qualitativa desses lotes. Como exemplo, tem-se o PA Terra Prometida, em
Propriá, onde as 12 famílias assentadas, temerosas em não poder acessar o PRONAF A, pagaram
a uma empresa particular a demarcação e o parcelamento do PA, apesar de esta função ser do
INCRA. Atualmente, tem-se um esforço desta Autarquia em se antecipar, realizando reuniões
com as famílias recém-assentadas, já demarcando as áreas de proteção ambiental e discutindo as
propostas de parcelamento (anteprojeto de demarcação do PA).
Relata-se, ainda, o aumento da capacidade de assentamento proposto pelos técnicos do
INCRA, sem nenhum contraponto técnico, apenas baseado no viés político, sendo referendado
pelo Superintendente Regional. Têm-se inúmeros exemplos desta prática, como o PA Novo
Marimbondo, em Tobias Barreto, onde o número de famílias assentadas era pouco mais de 38 e
passou para 76.
Assim, de nada adianta desapropriar milhares de hectares de terra se não houver um
planejamento desses ambientes e o aporte necessário, através de políticas públicas, para
implementar medidas que visem o desenvolvimento desses PAs.
Com relação à especialização da produção do assentado da reforma agrária, percebe-se
que a diversificação da produção familiar serve como medida de precaução, tanto contra as
variações de preços de produtos quanto dos insumos necessários para produzi-los. Além disso,
tem-se o aspecto da segurança alimentar, o que pode ser visto nos assentamentos rurais, através
aferição da renda proveniente do autoconsumo (DUVAL et al., 2008).
Segundo Santana (2009), a diversificação rural/agrícola poderá :

diminuir os riscos de se ter apenas uma atividade como principal fonte de renda
e manutenção familiar. Encarada como um ato coletivo enquadrador de um
processo de revitalização social, econômica e ambiental, a diversificação
153

constitui uma das opções estratégicas na política do desenvolvimento rural, em


particular dos territórios rurais mais afetados pelo declínio de determinadas
atividades agrícolas (SANTANA, 2008, p. 1).

Assim, acredita-se que é importante que o assentado se especialize, a partir das


possibilidades da região20, como no Alto Sertão (bacia leiteira), a exemplo do PA Barra da Onça
(Poço Redondo), ou no Sertão Ocidental (produção de milho), como os PAs “Oito de Outubro”
(Simão Dias), “Edmilson Oliveira” (Carira) e “Santa Maria da Lage” (Poço Verde), destaques na
produção de milho, sendo o primeiro conhecido como um dos maiores produtores de abóbora
do Estado. Mas que não se não abandone a produção de produtos básicos para a alimentação e
sobrevivência do seu núcleo familiar.
A propriedade da terra ou “terra própria”, quando mencionada pelos acampados, está
diretamente associada à condição de libertação ou “trabalhar para si”, com relação aos
proprietários das terras em que trabalham como parceiros, arrendatários, trabalhadores rurais
assalariados temporários, conforme discutido anteriormente. O significado é de libertação, uma
vez que, sendo senhores de suas próprias terras, não terão mais que se sujeitar ao trabalho em
terras alheias.
No entanto, a conquista da terra não é o fim da luta, é sempre o ponto de partida. Os
sem-terra foram aprendendo na caminhada que quem luta só por terra tem na própria terra o seu
fim (BATISTA, 2005).
E como o último elemento da análise sobre as perspectivas dos acampados quanto à
reforma agrária está a questão da sucessão hereditária na agricultura de base familiar, que pode ser
aqui interpretada como o “garantir o futuro dos filhos”. Numa análise inicial, esta perspectiva de
garantir o futuro dos filhos se refere às condições não apenas de garantir a sua sobrevivência e
educação, de preferência repassando os valores e experiências relacionadas à vida de agricultor,
como também as condições de garantir que os filhos possam realizar a sucessão hereditária, ou
seja, seguir os caminhos dos pais, a partir do desmembramento do lote de terra, normalmente
quando os filhos se casam e constituem família. Entretanto, ao questionar os acampados sobre o
desejo de que os seus filhos permanecessem na terra, no trabalho da agricultura, os dados não
confirmam as hipóteses sobre o interesse da sucessão hereditária, conforme ilustra a Figura 54.
Conforme os dados apresentados, o desejo dos acampados que seus filhos sejam
agricultores não é unânime. No acampamento Mochila, verificou-se que 53,90% não têm este
desejo. No acampamento Amigos para Sempre, esse porcentual é maior (61%), seguido de

20
O MDA vem desenvolvendo, nos territórios reconhecidos, Planos do Território para o Desenvolvimento Rural
Sustentável – PTDRS, onde se busca traçar um panorama ambiental, social e econômico destas regiões. Em
Sergipe já foram elaborados dois PTDRS, o do Alto Sertão e do Sertão Ocidental.
154

34,10% que não desejam este futuro para os filhos e 4,90% que não souberam responder a
questão. No acampamento D. José Brandão, 41,20%, desejam que os filhos sejam agricultores,
contra 54,90% que não querem esse futuro para o filho, seguidos ainda, de 3,9% que não
souberam responder. Nesta análise, percebe-se que um porcentual significativo não deseja que os
filhos sejam agricultores como eles, o que deixa dúvidas sobre o futuro da agricultura, já que os
filhos, se depender da opção dos pais, não serão agricultores. Quem vai trabalhar na terra?
Ao aprofundar esta questão com os acampados, verificou-se que o desejo de que os filhos
não sejam agricultores está relacionado à situação de luta e sofrimento que estão vivenciando na
busca pela terra e considerando as dificuldades para se manterem depois na terra.
Consequentemente, não querem que os filhos vivenciem isto também, buscando assim a
educação dos filhos como meio para mudarem de vida. Ou seja, o desejo desses pais e que os
filhos possam estudar e, assim, conquistar condições melhores de vida do que as que eles tiveram.

Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

Figura 54 – Desejo dos acampados sergipanos que seus filhos sejam agricultores.

Percebe-se que as mudanças de vida esperadas pela reforma agrária por parte dos
acampados estão diretamente relacionadas à sobrevivência e liberdade de trabalho não assalariado
em terras de outros. Almejam melhoria da qualidade de vida a partir da reforma agrária, que na
sua concepção está relacionada a ter condições para sobreviver a partir da terra, produzir seu
alimento. Sobre esse aspecto os acampados relatam:

Vai mudar muita coisa com a reforma agrária [...] vou trabalhar no meu pedaço
de terra, não precisa se “esbagaçar” nas terras dos outros (acampado 12).
155

A gente vai ter onde plantar, vai colher e depois vai desfrutar e ter uma vida
melhor do que a gente tem (acampado 13).

Vai diminuir a preocupação porque todos os dias quando amanhecer o dia já sei
para onde eu vou e a partir de um certo tempo terei o alimento pra comer
(acampado 14).

Nessa perspectiva, a qualidade de vida é associada pelos acampados como as condições


necessárias para sobreviver. Ou seja, pela condição em que se encontram, a concepção de
qualidade de vida está diretamente associada à vida após a conquista da terra, que é o poder
plantar e colher, enfim, poder garantir o sustento. Nesse sentido os acampados afirmam que

Qualidade de vida é a pessoa ter onde trabalhar e tirar o seu sustento.


(acampado 15).

Eu não sonho em ser rico, vida boa era poder dar o que meus filhos precisam e
ter a barriga cheia (acampado 16).

Vida boa é ter de onde tirar o sustento para melhorar nossas vidas através de
nossas terras (acampado 17)

Ao serem questionados sobre a vida após a reforma agrária, se vão conseguir sobreviver
apenas da terra, a maioria dos acampados acredita que sim (“Mochila”, 92,3%; “Amigos para
Sempre”, 80%; e “D. José Brandão de Castro”, 60,8% dos acampados). Entretanto, consideram a
necessidade dos incentivos e de apoio governamental para que sejam proporcionadas as
condições adequadas para que possam sobreviver apenas da terra. Os acampados mencionam
não apenas o acesso à terra, mas aos créditos e demais incentivos da reforma agrária,
demonstrando assim que vivenciam os obstáculos inerentes ao processo de luta pela terra, mas
possuem conhecimento de que esta é apenas uma parte da luta, pois permanecer nos assentamentos
será ainda uma nova etapa a ser vencida.

5.5. Os Beneficiários da Reforma Agrária

Uma questão bastante polêmica da reforma agrária diz respeito aos beneficiários desta
política pública. Afinal, quem pode ser um beneficiário da Política Nacional de Reforma Agrária?
Para esta discussão é importante verificar os aspectos legais dessa política, que definem quais são
os requisitos necessários para se tornar um futuro “assentado”, bem como o funcionamento do
processo de seleção, desde o momento do acampamento até o assentamento.
Todo o processo de concessão de um lote de terra através da reforma agrária tem seus
fundamentos legais no Estatuto da Terra. Em seu Artigo 1o, parágrafo 1o, caracteriza a Reforma
156

Agrária como o conjunto de medidas que visem a promover a melhor distribuição da terra,
mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça
social e ao aumento de produtividade. Ainda no Artigo 1 o, parágrafo 2 o, a Lei diz que é
assegurada a todos a oportunidade de acesso à propriedade de terra, condicionada pela sua
função social, na forma prevista em Lei (BRASIL, 1964). Mas quem de fato pode ser o
beneficiário da reforma agrária? Todos o podem?
A garantia do acesso à terra é regulamentada pelo Estatuto da Terra, pela Política
Nacional de Reforma Agrária e por outras legislações agrárias complementares, a exemplo das
Instruções Normativas do INCRA. Assim, o Estatuto da Terra (Lei no 4.504, de 30.11.1964), no
capítulo II, que versa sobre a distribuição de terras, em seu Art. 25, assegura que

As terras adquiridas pelo Poder Público, nos termos desta Lei, deverão ser
vendidas, atendidas as condições de maioridade, sanidade e de bons
antecedentes, ou de reabilitação, de acordo com a seguinte ordem de
preferência:
I - ao proprietário do imóvel, desde que venha a explorar a parcela,
diretamente ou por intermédio de sua família;
II- aos que trabalhem no imóvel desapropriado como posseiros,
assalariados, parceiros ou arrendatários;
III- aos agricultores cujas propriedades não alcancem a dimensão da
propriedade familiar da região;
IV- aos tecnicamente habilitados na forma da legislação em vigor, ou que
tenham comprovada competência para a prática das atividades agrícolas
(BRASIL, 1964, p. 7).

É com base nesses princípios legais que foi elaborada e está em uso pelo INCRA, a
Norma de Execução – NE no 45, de 25 de agosto de 200521 (INCRA, 2005), que dispõe sobre os
procedimentos para seleção dos possíveis beneficiários da reforma agrária. Para participar do
processo de seleção, o acampado deverá estar cadastrado na Unidade do INCRA no qual se
encontra, devendo para tanto apresentar apenas os documentos pessoais.
A Norma de Execução, na Seção II, Dos beneficiários(as), no Artigo 5o, estabelece quem
pode ser um assentado:

Art. 5o. O assentamento de famílias contemplará as seguintes categorias de


trabalhadores e trabalhadoras:
I - Agricultor e agricultora Sem-Terra;
II - Posseiro, assalariado, parceiro ou arrendatário;
III - Agricultor e agricultora cuja propriedade não ultrapasse a um módulo
rural do município (INCRA, 2005, p. 2).

21
Essa Norma de Execução (NE) substituiu a NE INCRA no 38, de 30.3.2004, e esta revogou a Norma de
Execução INCRA n o 18, de 19.10.2001.
157

Já no Artigo 6o, a norma apresenta os critérios eliminatórios, ou seja, quem não pode
participar do processo de seleção aos assentamentos de reforma agrária:

Art. 6o – Não poderá ser beneficiário(a) do Programa de Reforma Agrária, a


que se refere esta norma, seguindo os seguintes Critérios Eliminatórios:
I – Funcionário(a) público e autárquico, civil e militar da administração
federal, estadual ou municipal, enquadrando o cônjuge e, ou, companheiro(a);
II – O agricultor e agricultora quando o conjunto familiar auferir renda
proveniente de atividade não agrícola superior a três salários mínimos mensais;
III – Proprietário(a), quotista, acionista ou co-participante de
estabelecimento comercial ou industrial, enquadrando o cônjuge e, ou,
companheiro(a);
IV – Ex-beneficiário(a) ou beneficiário(a) de regularização fundiária
executada direta ou indiretamente pelo INCRA, ou de projetos de
assentamentos oficiais ou outros assentamentos rurais de responsabilidade de
órgãos públicos, de acordo com a Lei. 8.629/93, enquadrando o cônjuge e, ou,
companheiro(a), salvo por separação judicial do casal ou outros motivos
justificados, a critério do INCRA;
V – Proprietário(a) de imóvel rural com área superior a um módulo rural,
enquadrando o cônjuge e, ou, companheiro(a);
VI – Portador(a) de deficiência física ou mental, cuja incapacidade o
impossibilite totalmente para o trabalho agrícola ressalvados os casos em que
laudo médico garanta que a deficiência apresentada não prejudique o exercício
da atividade agrícola;
VII – Estrangeiro(a) não naturalizado, enquadrando o cônjuge e, ou,
companheiro(a);
VIII – Aposentado(a) por invalidez, não enquadrando o cônjuge e, ou,
companheiro(a) se estes não forem aposentados por invalidez;
IX – Condenado(a) por sentença final definitiva transitando em julgado com
pena pendente de cumprimento ou não prescrita, salvo quando o candidato
faça parte de programa governamental de recuperação e reeducação social, cujo
objeto seja o aproveitamento de presidiários ou ex-presidiários, mediante
critérios definidos em acordos, convênios e parcerias firmados com órgãos ou
entidades federais ou estaduais.
Parágrafo primeiro. A aplicação dos critérios eliminatórios será através das
informações declaradas pelos candidatos ou candidatas no formulário de
inscrição devidamente assinado, bem como a pesquisa em órgãos
governamentais (INCRA, 2005, p. 5-6).

Dessa forma, pode-se perceber que legalmente a política de reforma agrária não é para
todos, mas para um público específico, com base nos critérios de seleção apresentados. Ressalta-
se que, atendidos esses critérios, ainda existe um sistema de pontuação e prioridade além dos
apresentados, para os casos em que o número de demandatários de terra for superior ao dos
acampados que pleiteavam o imóvel desapropriado. Este é o caso da maioria dos acampamentos
em Sergipe: tem mais acampado do que terra disponível para assentar!
O que usualmente acontece é que o próprio movimento social apresenta ao INCRA a
relação daqueles acampados que deverão prioritariamente ser beneficiados, com base no tempo
de luta, na sua relação com o movimento, entre outros aspectos que não puderam ser
158

identificados na pesquisa. Neste sentido, o INCRA valida o processo e segue as considerações


apresentadas pelo movimento, ainda que levadas a um conselho deliberativo interno, composto
por membros dos próprios movimentos. Um dos argumentos identificados durante a pesquisa
para justificar essa postura do INCRA refere-se ao fato de que os movimentos sabem mais a
respeito dos acampados e quem são os prioritários.
Diante do exposto, percebe-se que, ainda que possua os requisitos para ser beneficiário da
reforma agrária, o acampado vai depender do aval do movimento social envolvido. Destaca-se
que aqueles que não forem contemplados serão direcionados à formação de novos
acampamentos ou para composição de outros já existentes, alimentando assim a massa da luta
organizada pela terra. Para efeitos destas informações, o movimento identificado com tais
práticas foi o MST, não tendo sido identificados os procedimentos com relação aos demais
movimentos sociais existentes no Estado.
É importante destacar que não é obrigatório estar acampado e vinculado a um
movimento social para se cadastrar para seleção da reforma agrária. O importante é ter os
requisitos que o habilite para a seleção. Entretanto, de acordo com os relatos dos acampados,
estar organizado nos movimentos e acampado fortalece a luta e aumenta a pressão, possibilitando
assim maiores chances do acesso à terra. De tão usual, tornou-se normal o fato de estar
acampado para pleitear a terra da reforma agrária. Apesar de serem identificadas algumas
associações em Sergipe que reivindicam terra no Estado, a maior parte está na luta organizada,
utilizando como estratégia os acampamentos e as ocupações. Não foi identificado nenhum caso
de pessoas que se candidataram à reforma agrária por outras formas senão via movimentos
sociais.
Não seria este meio apresentado uma forma de tornar obscuro o processo e permitir a
manifestação de poder dos movimentos sociais e suas lideranças sobre o acampado? Eis uma
questão para reflexão, cujos desdobramentos abrangem não apenas o fato em si, mas os aspectos
políticos que o envolve.
Com relação ao cadastro no INCRA e à apresentação dos documentos pessoais, foram
vivenciados conflitos entre o INCRA de Sergipe e os movimentos sociais, durante a realização
desta pesquisa, o que em determinado momento provocou a sua suspensão temporária que
depois não seria retomada da forma programada. Desta forma, foi possível perceber que as
relações de poder vivenciadas na reforma agrária em Sergipe são tão fortes que interferiram até na
sua realização, conforme relatos a seguir.
No que se refere ao cadastro dos candidatos, verificou-se nos acampamentos que o
processo de cadastramento ou registro do demandatário de terra no órgão responsável pela
159

reforma agrária normalmente é efetuado pelos militantes responsáveis por cada acampamento e
pelos movimentos sociais envolvidos. Assim, o acampado confia ao referido portador os
documentos pessoais originais e, ou, as cópias, para que se efetue o registro no INCRA. Até o
momento da pesquisa, verificou-se que esse cadastro era feito na Unidade, especificamente na
Ouvidoria Agrária, sem que houvesse um comprovante ou processo mais rigoroso de
acompanhamento, uma vez que se trata de documentos pessoais de grande importância, bem
como do referido registro ou protocolo.
Assim, ao visitar os acampamentos munido da Lista de Cadastrados fornecida pelo
INCRA, foi possível verificar que havia sérias incoerências quanto à atualização deste cadastro,
por exemplo: a) funcionários públicos; b) pessoas que não mais se encontravam naquele
acampamento, mas permaneciam no cadastro; c) essoas que já constavam no cadastro, mas que
não eram conhecida s pelos demais; e d) pessoas que já haviam falecido e mesmo assim
permaneciam cadastrados.
Verificou-se também que pessoas que relataram estar acampadas desde o início do
acampamento, que contaram toda a trajetória de luta daquele grupo, foram tomadas de surpresa,
pois não constavam como cadastradas na lista daquele acampamento. Ou seja, se hoje fosse
concedida a terra, certamente aquele não cadastrado teria problemas a enfrentar.
Esses são alguns dos casos polêmicos verificados durante a pesquisa, e que são assim
considerados não pela presença ou ausência de pessoas no cadastro, mas pelos desdobramentos
desta questão, a exemplo da distribuição de cestas básicas do Programa Fome Zero do MDS. Se a
entrega da cesta é feita com base nestes dados, bem como a demanda por terra é pautada na
entrega da cesta, não há como ter um dado coerente e preciso quanto ao número de famílias
acampadas. Da mesma forma, as cestas podem ser distribuídas em número maior do que a
demanda e, em alguns casos, tornarem-se moeda de troca política.
Um questionamento então surgiu: Como as pessoas que não estão cadastradas
informaram que recebem a cesta básica, uma vez que precisam assinar a lista? Como resposta
para a questão, constatou-se, a partir de depoimentos, que nem sempre era necessário assinar a
lista, pois militantes ou outros o faziam e, assim, justificavam a existência de pessoas que, na
maioria das vezes, não existiam no acampamento, da mesma forma que garantiam o recebimento
da cesta básica às pessoas que não estavam cadastradas.
Diante dos questionamentos, a maioria dos acampados temia dar as informações.
Entretanto, manifestando o desejo de modificar essa realidade, eles concediam os seus
depoimentos, como estes a seguir:
160

Foi a maior briga aqui dentro por causa dessa cesta que Raimunda e Carlinho
veio aqui “coisar” com a gente por causa dessa lista aí da merenda. [...] que nós
tínhamos um pessoal certo aqui, aí ela chegou aqui dizendo que a lista não era
aquela que nós mandamos, não. Foram lá na Secretaria de Estância, vieram aqui
buscar a lista. [...] disseram que tava errada a lista que nós fizemos porque nós
botamos 43 famílias, vieram e desmancharam a lista que a gente usou, foi ela
que botou os outros lá de novo, colocaram as famílias, de novo. Estes nomes
que o Senhor está vendo aí, foi ela que botou lá. Porque não foram nós não.
(...) Nunca apareceram aqui. Só vêm aqui quando a merenda vem pra nós.
Quando a merenda está aqui escondida é que vem [...] (acampado 18).

Tem casal que está escrito na lista, mas um recebia a cesta, ele não. E o nome
de Solange? Ele não chamou. E Solange está acampada aqui. [...] ela tem seis
anos acampada com a gente e não está cadastrada. [...] Ela recebeu cesta. [...] ela
assinava no nome de outra pessoa (acampado 19).

Sobre as situações apresentadas, o técnico do INCRA recomenda aos acampados que:

É o seguinte, vocês vão ter que fazer uma Ata. Qual o dia que vocês vão reunir
todos juntos? Faz essa Ata, com o nome dela, incluindo ela com a Xerox da
identidade dela e o CPF e todo mundo assina a Ata, as 31 famílias que está aqui
e bota o CPF e a identidade no lado da assinatura ou com o dedão ou
escrevendo. E manda lá para a Ouvidoria, o mais rápido possível. Na hora que
a cesta chegar quem tem que assinar é ele. O pessoal vai, a direção vai lá na casa
dele e manda ele assinar ou botar o dedo (técnico 1).

Diante das evidências de desvio de cestas, vários acampados se manifestaram, dizendo:

Se fosse logo, cortava o nome de um bocado, colocava logo na cadeia. (...)


Acho que devia cortar a cesta dessas pessoas e só dar às que estão acampadas
(acampado 20).

Acho errado. Se pudesse matava. Nós debaixo da lona e neguinho na casa no


colchão e nós arriscado de uma cobra morder nós como mordeu uma menina
aqui e foi para o hospital. Mordeu em dois lugares (acampado 21).

Questionados pela entrevistadora a respeito do (des)conhecimento dos requisitos para se


cadastrar e receber a cesta de alimento, os acampados responderam em coro que “por aqui não,
nunca falaram isso não” (acampados).
Outro fato curioso surgiu no diálogo com os acampados, em que eles denunciaram a
manutenção de privilégios concedidos pelo INCRA a lideres dos acampamentos. Neste sentido,
um acampado afirma que:

E Raimunda? O nome dela tá na lista. Ela fica só viajando pros cursos. Aqui ela
não tira as normas. Ela só tem a barraca no acampamento e pronto. Quer dizer
que ela está a serviço do movimento. Ela pega a cesta, e pega duas cestas. E por
quê? Pergunte à Ouvidoria. Já ouviu dizer que a vida é do mais esperto. Ela
disse que foi o INCRA que disse que ela tinha direito a duas (acampado 22).
161

Por fim, contaram sobre o destino das sobras da cesta, afirmando que

O que sobrava levava para a ocupação tal, vamos levar para não sei aonde e
acabou (acampado 23).

Quando vem cesta demais, vinha buscar diziam que era para levar para um
acampamento, nem sei de onde, que ninguém sabia aonde era esse
acampamento que tinha. Só sei que a cesta sumia do quarto da merenda
(acampado 24).

A partir das observações de campo, foi elaborado um Relatório Prévio das Atividades de
pesquisa (SOUSA, 2008), que foi entregue ao INCRA, no qual constavam as exposições
apresentadas. A partir desse momento, houve uma série de problemas para a continuidade da
pesquisa, bem como certa intimação da pesquisadora pelo INCRA para que fossem dados
esclarecimentos aos movimentos sociais. Ou seja, se os movimentos sociais, especificamente o
MST, exerceram pressão sobre o INCRA, nada mais conveniente que “intimar” a pesquisadora a
dar esclarecimentos sobre os questionamentos a respeito da checagem do número de acampados
constante nas listas dos acampamentos, que estavam sendo realizada por ocasião das visitas.
Ainda que houvesse, em acordo previamente estabelecido entre INCRA e pesquisadora, um
técnico responsável da Ouvidoria Agrária para fazer esta averiguação e confirmação da lista,
acompanhando a pesquisadora nos acampamentos, aos movimentos sociais pareceu obra da
pesquisa. E diante do fato de que aqueles que não tivessem sido identificados no acampamento,
de acordo com a lista, possivelmente seriam excluídos da lista (e, consequentemente, diminuiria o
número de cestas básicas), a situação tornou-se delicada, movendo assim a pressão do MST junto
ao INCRA.
Após a entrega do Relatório em questão, as viagens para a pesquisa foram suspensas e, a
“convite” da Ouvidoria Agrária, os movimentos sociais foram convidados para participar de uma
reunião no Auditório do INCRA, juntamente com a pesquisadora, para que maiores
esclarecimentos fossem dados a respeito. Estavam presentes nessa reunião, representantes da
Cáritas, da FETASE, do MLC e do MST, além do Chefe de Gabinete e o Ouvidor Agrário.
Apesar da tensão visível durante a reunião, novamente foram explicados os motivos da
pesquisa, bem como seus objetivos, reafirmando assim que a pesquisa não possuía nenhum poder
em relação a mudanças no cadastro, o que somente o INCRA poderia fazê-lo. O INCRA, por
sua vez, afirmou aos movimentos que não haveria cortes (ainda que tivessem sido verificadas as
incoerências relatadas) assim direto, que as situações seriam estudadas. Na oportunidade, foram
discutidas a questão dos aposentados cadastrados, pois, com base na prioridade, seria mais
adequado que os nomes dos filhos constassem no cadastro. Reafirmaram-se ainda os critérios
162

eliminatórios, colocando a importância de estarem acampados aqueles que de fato poderiam vir a
ser beneficiários da reforma agrária.
Após essa reunião, apesar de retornarmos a campo junto com os técnicos do INCRA, a
lista de presença não mais foi concedida para checagem dos acampados pela Ouvidoria. Além
disso, a partir de então, em cada acampamento onde a pesquisadora chegava para fazer apenas o
georreferenciamento, a caracterização da realidade e ter uma conversa particular com algum
assentado, havia um monitoramento por telefone tão bem articulado que, mesmo nos
acampamentos de mais difícil acesso, aqueles acampados já estavam à nossa espera, sabiam da
nossa chegada. Neste sentido, dois desdobramentos surgiram: o aumento do número de pessoas
nos acampamentos (para garantir a existência e presença de todos no acampamento) e a restrição
quanto às informações solicitadas. Alguns acampados se sentiram intimidados e demonstraram
medo de fornecer informações, podendo-se concluir que, certamente, eles foram bem orientados.
Assim, o relato da situação vivenciada na pesquisa tem por objetivo ilustrar de que forma
a relação é estreita entre o INCRA e o MST, a ponto de tornar invisíveis questões tão sérias
como as apresentadas. Se em algum momento há dúvidas da sociedade com relação aos
beneficiários de terra, certamente esses fatos contribuem para tal.
Compreende-se que, desta forma, os demandatários de terra em Sergipe, organizados na
luta em acampamentos, são, em sua maioria, potenciais beneficiários da reforma agrária.
Entretanto, não se pode omitir a existência daqueles que apenas engrossam a massa e formam
números da demanda por terra, ainda que legalmente não possam ser beneficiários da reforma
agrária.

5.6. A Real Demanda por Terra em Sergipe: Quantificar ou Qualificar?

Conforme discussão realizada neste trabalho, há uma diferença entre ocupação e


acampamento. Inicialmente, esta pesquisa se orientava para aproximar um número atual da
demanda por terra em Sergipe. Entretanto, na sua execução e nos impasses já discutidos sobre a
questão dos cadastros e a dinâmica dos acampamentos verificou-se que tal empreitada não seria
possível da forma desejada, em virtude de algumas questões.
Inicialmente, o fato de bloquearem as listas para conferência dos acampados não
permitiria verificar este número. Por outro lado, constatou-se que, ainda que de posse das listas,
estas não estavam atualizadas por ocasião da pesquisa. Mesmo que o acesso à lista atualizada
fosse possível, admite-se nesta pesquisa que os demandatários de terra em Sergipe, como no País
163

inteiro, não se restringem à mensuração daqueles que estão organizados em movimentos sociais,
nos acampamentos:

[...] As próprias populações rurais vitimadas pelo desenvolvimento econômico


excludente, que todos testemunhamos, têm procurado seu próprio rumo, têm
se alçado acima da indignidade que as vitima, têm proclamado seus direitos e
têm questionado os responsáveis por sua situação. Os movimentos sociais do
campo são a forma do protesto dos pobres da terra, o clamor dos sem voz
porque não foram ouvidos no devido tempo. Eles desafiam a sociologia rural a
compreender o protagonismo e a criatividade das populações rurais e a
compreender também as saídas possíveis das situações socialmente anômicas
em que muitas vezes se encontram (MARTINS, 2001, p. 35).

Há uma massa de trabalhadores expulsos do campo e expostos às mazelas sociais nas


periferias das cidades, ou em ocupações urbanas.

As gerações vitimadas por uma sociologia a serviço da difusão de inovações,


cuja prioridade era a própria inovação, ainda estão aí, legando aos filhos que
chegam à idade adulta os efeitos de uma demolição cultural que nem sempre foi
substituída por valores sociais includentes, emancipadores e libertadores: ou
legando aos filhos o débito social do desenraizamento e da migração para as
cidades ou para as vilas pobres próximas das grandes fazendas de onde saíram,
deslocados que foram para cenários de poucas oportunidades e de nenhuma
qualidade de vida (MARTINS, 2001, p. 31).

Como mensurar esta demanda de forma a atingir a maior proximidade possível da


realidade?
De acordo com Del Grossi et al. (2000, p. 20), “[...] o maior público potencial para
políticas agrárias é o das famílias sem nenhum acesso à terra, representado pelas famílias de
assalariados ligados ao processo de produção agropecuária”. E, em estudo feito para se
determinar o público potencial para a reforma agrária, Gasques e Conceição (2000) estimaram
que a maior demanda potencial por reforma agrária estaria concentrada na Região Nordeste.
No Brasil, segundo Reydon e Plata (2006), depois da aprovação do Estatuto da Terra de
1964 surgiram vários trabalhos sobre a questão do acesso à terra que trataram de quantificar o
número e a prioridade do público potencial beneficiário da política de terras (reforma agrária,
mercado de venda e aluguel de terra). Esses números da demanda por terra são tão controversos
quanto os da reforma agrária.
Assim, as estimativas das famílias potenciais beneficiárias de programas de assentamentos
rurais estão sistematizadas no Quadro 1.
164

Quadro 1 – Público potencial para a reforma agrária. Brasil, 2009

Ano- Benef.
Fonte Metodologia
Base Potenciais
(No total de famílias rurais) Menos (no de famílias proprietárias
Gomes da Silva
1970 não minifundistas + no de famílias assalariadas depois da RA). 2,43 milhões
(1971)
Dados do IBRA (1967) e IBGE (1969).
Soma de minifundistas, parceiros, arrendatários, assalariados
Proposta PNRA permanentes, temporários e outros assalariados, 10,6 milhões,
1984 7,1 milhões
(1985) menos 3,5 milhões de TRs para a agricultura empresarial.
Dados do INCRA de 1984.
Estimativa das famílias rurais com pessoas economicamente
ativas com 10 anos ou mais trabalhando como empregados, 6,0 a 7,0
1980 PNR (1985)
volantes, parceiros, conta própria, não remunerados e sem milhões
declaração. Dados do Censo Demográfico de 1980.
60% da média entre o somatório de minifundistas, parceiros,
arrendatários e volantes (4.938.000 famílias) e o total de
Governo Paralelo
1991 famílias Sem-Terra ou com terra insuficiente (deduzidos 3,04 milhões
(1991)
aqueles com exploração intensiva e, ou, hortifrutigranjeiro) +
TR sem emprego permanente (5.191.000 famílias).
INCRA/Plano de
1993 Não fornece detalhes. 4,0 milhões
Emergência (1993)
1993 MST (1993) Não fornece detalhes. 4,8 milhões
Pequena agricultura familiar, não remunerados, conta própria,
1985- Kageyama e empregados e volantes, empregado permanente sem carteira e
2,25 milhões
89 Bergamasco (1994) volante sem carteira. Dados da PNAD (1989) e Censo
Agropecuário (1985).
Dados da PNAD (1990). Famílias “indigentes”, mesmo
Graziano da Silva
1990 critério de Herbert de Souza, cujo, chefe tem ocupação 3,02 milhões
(1994)
agrícola, morando no campo ou na cidade.
1994 Programa do PT Dados do governo paralelo. 3,03 milhões
1995- Gasques e Pequenos proprietários, arrendatários, parceiros, ocupantes e
4,5 milhões
1996 Conceição (1999) assalariados. Dados do Censo Agropecuário 1995-96.
Del Grossi e
Dados do PNAD. Apenas famílias Sem-Terra de trabalhadores
1997 Graziano da Silva 3,12 milhões
agrícolas e rurais (inclusive não agrícolas e desempregados).
(1999)
1998 CEPAL (1998) Baseada na situação socioeconômica da população rural. 3,5 milhões
FAO/INCRA Cruzamento de informações socioeconômicas a partir dos
1998 1,5 milhões
(1998) dados da PNAD.
Índice de aspiração por terra (IAT) leva em conta não apenas a
Bergamasco et al. situação atual do agricultor/trabalhador, mas também a
1996 2,88 milhões
(2000) própria disposição das pessoas para seguir no campo e obter
terra própria para explorar.
Somando-se o número das famílias que vivem da agricultura
Del Grossi et al.
2000 ao dos desempregados rurais e ao daqueles que têm área 6,1 milhões
(2000)
insuficiente ou precário à terra.
Baseado no número de cadastros resultante das inscrições, via
2003 (MDA, 2003) correios, no Programa de Acesso a Terra e outras formas de 839.715 mil
cadastramentos.
Fonte: adaptado de Del Grossi et al. (2000) e Buainaim e Pires (2005).
165

De qualquer maneira, essas estimativas podem variar segundo o critério utilizado


(REYDON; PLATA, 2006; VALENTE, 2008). Segundo Buianain e Pires (2005),

independente da magnitude exata da demanda por terras, reconhece-se que se


trata de um número grandioso, acima da possibilidade de resposta nos marcos
da institucionalidade vigente. O desafio de criar condições para a sobrevivência
de milhões de famílias passa necessariamente pela ampliação da reforma agrária,
uma vez que pelo menos parte destas não teria chances de uma inserção
cidadão no mercado de trabalho urbano. Neste sentido, a reforma agrária não
pode ser vista de forma limitada, apenas como um meio de transferir terra para
os mais pobres, mas inclusive como um meio de capacitar os pobres rurais para
inserir-se no mercado de forma sustentável (BUIANAIN; PIRES, 2005, p. 29-
30).

Entretanto, ainda que se considere importante conhecer esses números, acredita-se que o
seu conhecimento não é capaz de superar os desafios da reforma agrária, que dentre outros
aspectos deve possibilitar não apenas o acesso à terra, mas a desconcentração da estrutura
fundiária vigente. Se esses números são de centenas de milhares ou milhões de trabalhadores que
demandam terra, o mais relevante é que este acesso seja viabilizado. Portanto, optou-se não
apenas por quantificar, dentro das limitações percebidas, mas por qualificar a demanda por terra
em Sergipe, por compreender que esta discussão acrescenta mais conteúdo à análise pretendida
neste trabalho.
Em Sergipe, observa-se que são vários os dados divulgados sobre a demanda por terra ao
longo da história, no entanto os pesquisadores fazem referência apenas à demanda organizada em
acampamentos. Percebe-se um descompasso entre esses números, conforme a sua fonte. Se
ditados pelo MST, tendem a ser maiores do que os apresentados pelo INCRA, conforme Sousa
et al. (2007) destacam. Nesse sentido, os autores afirmam que

[...] De acordo com os dados da pesquisa realizada na base de dados do


INCRA, a demanda por terra em Sergipe, considerando o número de
acampamentos e famílias acampadas nas rodovias e arredores de grandes
propriedades, é estimada em 12.000 famílias, de acordo com o número de
cestas básicas entregues aos acampados pela CONAB/INCRA. Sobre este
universo de famílias é que são orientadas as políticas públicas de reforma
agrária em Sergipe (SOUSA et al., 2007, p. 14).

Segundo dados levantados em jornais sergipanos, de 1996 a 2000 o número estimado do


público potencial para a reforma agrária variava de 20 a 25 mil famílias. Neste sentido, podem-se
encontrar, nas edições dos jornais de maior circulação no Estado, matérias com as seguintes
afirmações:
166

Informações extra-oficiais dão conta de que existem em Sergipe 20 mil a 25 mil


famílias (JORNAL DA CIDADE, 1995, p. 7)

Cerca de 25 mil famílias, ou aproximadamente 150 mil pessoas, não dispõe hoje
de um pedaço de terra para sequer desenvolver culturas de subsistência em
Sergipe, segundo estimativas do INCRA (GAZETA DE SERGIPE, 1995b,
p. 4).

[...] existem mais de 20 mil sem-terra no estado (GAZETA DE SERGIPE,


1996b, p. 33).

O número de famílias acampadas, em 2000, era de “cerca de 4,7 mil famílias acampadas”.
(JORNAL DA CIDADE, 2000, p. 2). Outro jornal, de mesma importância no Estado, na mesma
época, informa que “[...] são 4.840 famílias pretendentes ao assentamento, representando 49 áreas
de conflito” (GAZETA DE SERGIPE, 2000, p. 1).
Segundo os dados levantados na Direção Estadual do MST, explicitados ainda na
reportagem da mídia local através pelo Jornal da Cidade (2007b), a demanda por terra em Sergipe,
em 2007, era de aproximadamente 15.000 famílias, com uma média de 55 mil pessoas distribuídas
em cerca de 150 acampamentos.
Esses acampamentos estão distribuídos em todas as regiões do Estado, com maior
concentração no Alto Sertão. Vale ressaltar que na percepção do MST esse número pode ser
maior, uma vez que ainda existem muitas famílias que necessitam de terra, mas que estão fora dos
acampamentos (SOUSA et al., 2007).
De acordo com os dados do INCRA/Ouvidoria Agrária (2009c), em Sergipe atuam
quatro movimentos sociais no campo (MST, Cáritas, MLC e FETASE), coordenando um total de
175 acampamentos, num total de 6.927 famílias acampadas22, distribuídas de forma desigual pelas
regiões do Estado, como ilustra a Figura 55, que evidencia uma concentração da luta pela terra no
Alto Sertão.
Ressalta-se que nesses dados foram considerados apenas os acampamentos localizados no
Estado de Sergipe, segundo a divisão utilizada pelo INCRA (Alto Sertão, Centro-Sul, Sertão
Ocidental, Baixo São Francisco e Vale do Cotinguiba), similar aos territórios propostos pelo
MDA (Figura 56).
A partir da Figura 55, percebe-se que a maior concentração de acampamentos está no
território do Sertão, com 32,84 e 38,86% do total das famílias acampadas e dos acampamentos,
respectivamente. Logo em seguida, o território Centro-Sul detém 31,53 e 26,29% do total das
famílias acampadas e dos acampamentos, respectivamente. Infere-se que apesar de o Sertão

22
Como o INCRA, após a esta pesquisa, atualizou os dados sobre os acampamentos, foram considerados aqueles
cuja situação estava regular junto à Ouvidoria Agrária, ou seja, não estava extinto ou ainda, pendente quanto à
documentação dos acampados.
167

Fonte: Ministério do Desenvolvimento Agrário (2009).

Figura 55 – Mapa dos territórios sergipanos reconhecidos pelo MDA.

Fonte: INCRA/Ouvidoria Agrária (2009c), organizado por Sousa (2009).

Figura 56 – Distribuição dos acampamentos e das famílias acampadas nos territórios sergipanos.
168

possuir os maiores valores de número de famílias e acampamentos, o território Centro-Sul


consegue ter a maior média de acampados por acampamento, ou seja, acampamentos maiores.
Assim, quanto ao número de famílias acampadas, o Alto Sertão é a principal região,
seguida pelo Centro-Sul, logo depois vem a região do Sertão Ocidental, Baixo São Francisco, o
Vale do Continguiba e por último a região Agreste. Com relação ao número de acampamentos,
essa ordem se altera (Sertão, Centro-Sul, Vale do Cotinguiba, Sertão Ocidental, Baixo São
Francisco e Agreste).
Ao analisar a distribuição dos movimentos sociais no Estado de Sergipe, a partir destes
territórios, percebe-se o domínio de um movimento social, sendo por vezes exclusivo em
determinado território, como pode ser verificado na Tabela 5.

Tabela 5 – Número de acampamentos por movimento social. Sergipe, 2009

Movimento Social
Regiões
MST FETASE MLC Cáritas Outros Total
Sertão 68 0 0 0 0 68
Agreste 2 0 0 0 0 2
Baixo São Franscisco 11 0 4 1 3 19
Centro-Sul 44 1 0 0 1 46
Sertão Ocidental 22 2 0 0 0 24
Vale do Cotinguiba 11 4 0 0 1 16
Sergipe 158 7 4 1 5 175

Fonte: INCRA/Ouvidoria Agrária (2009c), organizado por Sousa (2009).

Como se poder observar boa , parte dos acampamentos (158) do Estado de Sergipe é
coordenada pelo MST. Este valor absoluto oscila de 2 (Agreste) a 68 (Alto Sertão).
No âmbito estadual, percebe-se uma tendência esmagadora da presença de acampamentos
coordenados pelo MST, com índice muito próximo ao apresentado por Lopes (2007). Ao
comparar estes dados da pesquisa com os do referido autor, que analisa dados de 2005, chama-se
a atenção para a diminuição da participação da Cáritas na coordenação dos acampamentos, com
uma redução de 3,1% para 0,57%, além do surgimento de acampamentos sem nenhuma ligação
com movimentos sociais.
Conforme já discutido, percebe-se que alguns movimentos têm atuação apenas em
determinado território, a exemplo do MLC e da Cáritas, que atuam especificamente no território
do Baixo São Francisco. Como consequência, é nesse território que há a coexistência de mais
movimentos sociais coordenando acampamentos.
169

Lopes (2003) relata que antes do MST criar base entre os trabalhadores rurais sergipanos,
em 1988, as áreas de atuação dos movimentos sociais no campo eram bem definidas: os
municípios do Sertão e do Baixo São Francisco, sob influência direta da Diocese de
Propriá/Cáritas, e o norte do Estado e a região sul, sob orientação da FETASE.
Percebe-se que na região do Baixo São Francisco, neste momento, a Cáritas possui apenas
um acampamento no Estado, e o MLC, dissidência do MST, conta com apenas quatro
acampamentos em Propriá. Exceto pelos acampamentos formados pelas associações
(in)formais23, os demais acampamentos (11) são coordenados pelo MST.
Segundo Lopes et al. (1999, p. 167), “a Diocese de Propriá foi, por muitos anos, o único
mediador respeitado e temido pelas autoridades públicas e latifundiários de Sergipe”. O autor
cita, em análise posterior, que

com a morte de “D. José Brandão”, arcebispo da Diocese e ferrenho defensor


das lutas dos trabalhadores rurais, a linha de atuação da Diocese de Propriá
sofreu uma profunda modificação, passando da ação mais combativa e direta
no apoio às lutas dos trabalhadores rurais, a uma postura mais conservadora
(LOPES, 2007, p. 4).

Daí observa-se a evolução do MST em Sergipe, atuando hoje de forma hegemônica. Além
disso, é interessante observar que, exceto no território do Sertão Ocidental, a variável Outros
esteve presente nos demais territórios do Estado. Esta variável é constituída daqueles
acampamentos que não se autodenominaram pertencer a nenhum movimento social diante do
INCRA, estando organizados em associações (in)formais.
A sistematização da distribuição das famílias acampadas nas diferentes regiões sergipanas
é apresentada na Tabela 6. A partir destes dados, infere-se que o MST coordena a maioria das
famílias nas regiões e no Estado de Sergipe, sendo as regiões do Alto Sertão e Centro-Sul onde
está concentrado o maior número de famílias acampadas.
Ao fazer uma análise conjunta das Tabelas 5 e 6, infere-se que em Sergipe, embora a
Cáritas seja o movimento social que coordena o menor número de acampamentos, é o MLC que
coordena o menor número de famílias. Na região Centro-Sul, o número de acampamentos
coordenados pela FETASE e por Outros é similar, mas o número de famílias coordenadas pela
FETASE é menor. Há tendência de o MST coordenar o maior número de acampamentos e
famílias acampadas em Sergipe. Apesar de o MLC, possuir, na região do Baixo São Francisco o
segundo maior número de acampamentos, ele possui o menor número de famílias acampadas.

23
O termo (in)formais foi utilizado para caracterizar aqueles acampamentos que possuíam vínculo com uma
associação, mas esta, na maioria das vezes, não possuía Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica - CNPJ, percebendo-
se que, na concepção dos acampados associados, ela representa a união apenas destas pessoas com os objetivos
comuns, independentemente da formalização.
170

Tabela 6 – Número de famílias acampadas por movimento social. Sergipe, 2009

Movimento Social
Regiões
MST FETASE MLC Cáritas Outros Total
Sertão 2.275 0 0 0 0 2.275
Agreste 289 0 0 0 0 289
Baixo S. Franscisco 316 0 80 167 63 626
Centro-Sul 2.102 28 0 0 54 2.184
Sertão Ocidental 655 46 0 0 0 701
Vale do Cotinguiba 697 148 0 0 7 852
Sergipe 6.334 222 80 167 124 6.927
Fonte: INCRA/Ouvidoria Agrária (2009c), organizado por Sousa (2009).

Os dados apresentados nas tabelas anteriores são apenas dos acampamentos que estão
localizados no Estado de Sergipe. Entretanto, existem mais 52 acampamentos cadastrados no
INCRA de Sergipe, com 2.872 famílias, mas que estão localizados na Bahia, especificamente nos
municípios que fazem fronteira com este Estado. Esses acampamentos são coordenados pelo
MST, pela FETASE e pela Central de Articulação dos Acampados e Assentados do Semiárido –
CARAS, ligada à Pastoral Rural de Paulo Afonso. Desta forma, se forem contabilizados os
números totais de acampamentos e de famílias acampadas, nos Estados da Bahia e Sergipe, o total é
de 9.799 famílias, distribuídas em 227 acampamentos (INCRA/OUVIDORIA AGRÁRIA, 2009c).
Convém destacar que, para fins desta pesquisa, foram considerados apenas os
acampamentos e as famílias que estão em território sergipano, em virtude das limitações da
pesquisa em abranger o público, ainda que sergipano, que se encontram no Estado da Bahia. Para
explicar esta migração da luta pela terra para as áreas de fronteira (Sergipe/Bahia), tem-se por
hipótese que na Bahia há maior disponibilidade de terras, muitas vezes devolutas e improdutivas.
Para visualizar melhor a distribuição dos acampamentos no Estado de Sergipe, buscou-se
organizar os dados sobre os acampamentos existentes e cadastrados no INCRA, considerando os
municípios e as regiões em que se encontram, conforme os períodos de sua criação, o número de
famílias e o movimento social envolvido. Relembra-se aqui que, a partir da visita aos 101 24
acampamentos de Sergipe, e os demais visitados pela equipe do INCRA, foram registradas as
coordenadas geográficas que compõem o Mapa dos Acampamentos em Sergipe (Figura 57).
Desta forma, pretende-se analisar, com base nos dados concretos atuais disponíveis, a
localização desses acampamentos, os pontos de concentração e seus significados. A visualização
24
Os demais acampamentos não foram visitados em virtude da suspensão da pesquisa, pelos conflitos discutidos
anteriormente, sendo as coordenadas geográficas registradas pela equipe do INCRA, nomeada para dar
continuidade às visitas e ao geo rrefenciamento destes acampamentos.
171

SUBSTITUIR ESTA PÁGINA PELA IMPRESSÃO DO ARQUIVO, EM PAPEL A3,


DOBRADO EM FORMATO PADRÃO:

Mapa_Acampamentos_pag_175_A3.pdf

Fonte: dados de campo (2008) e INCRA/Ouvidoria Agrária (2008a), organizado por Bastos (2009).

Figura 57 – Mapa da localização dos acampamentos de sem-terra em Sergipe.


172

da distribuição dos acampamentos em Sergipe amplia as análises apresentadas. Pode-se constatar


que, apesar de distribuídos em todo o Estado, há maior concentração de acampamentos na região
do Sertão e no Litoral Sul, conforme discutidos anteriormente.
É importante ressaltar que esse mapa possui um caráter dinâmico, podendo sofrer
alterações em virtude da migração ou da extinção de acampamentos. Diante dos relatos
apresentados pelos acampados, concluiu-se que um acampamento pode ser extinto não apenas
por se transformar em pré-assentamento ou assentamento, mas por diversos motivos que fazem
parte das estratégias de luta e organização dos movimentos sociais envolvidos. Como exemplo
pode ser citada a junção com outro acampamento, a depender da necessidade de fortalecimento
da luta e da pressão próximo a outros imóveis.
Considera-se que para migração, os motivos também são diversos, a exemplo da
improbabilidade de desapropriação do imóvel pleiteado, das ameaças de proprietários ou mesmo
da descoberta de outros imóveis com maiores chances de desapropriação. Desta forma, foi
comum durante a visita aos acampamentos verificar esses fenômenos.
Historicamente, conforme análises apresentadas sobre a luta pela terra em Sergipe,
percebeu-se que essa opção começou nas regiões do Baixo São Francisco (Santana dos
Frades/Pacatuba) e Sertão (Barra da Onça/Poço Redondo), não esquecendo da Usina Santa
Clara em Capela. Assim, a partir da década de 1990, houve a tendência de direcionamento das
lutas nas áreas do Sertão e Litoral Sul.
Se atualmente os acampamentos se concentram nos territórios do Alto Sertão e Centro-
Sul, Lopes (2003) já apontava esta tendência, ao argumentar que, em virtude de divergências
políticas e de estratégias para a luta com relação à Diocese de Propriá, o MST optou por avançar
sobre as regiões sul e norte do Estado, realizando todo um trabalho de convencimento e
arregimentação de trabalhadores rurais para realizarem novas ocupações, ampliando
consideravelmente as ações de luta pela terra em Sergipe.
Por outro lado, verifica-se que as coordenações locais do MST das regiões Centro-Sul e
Alto Sertão são bastante articuladas e atuantes, destacando-se em relação às demais. Este fato foi
observado durante a pesquisa de campo, podendo ser relatados nessas duas regiões os obstáculos
enfrentados para sua realização. No Centro-Sul houve grande pressão sobre o INCRA para que
durante a realização da pesquisa não fosse realizada a conferência das listas de acampados, o que
foi acatado pelo INCRA. Além disso, foi realizado um trabalho de monitoramento “indireto” da
pesquisa em toda a região, orientando os acampados para que não fornecessem informações
relacionadas a números de pessoas acampadas, alegando prejuízos a todos.
173

No Alto Sertão, em virtude dos fatos acontecidos, não foi nem sequer permitida, via
articulações com o INCRA, a visita aos acampamentos daquela região. Coincidentemente, a
nossa agenda de visita a esses acampamentos estava marcada em ano eleitoral, com alguns
candidatos a vereador, membros do MST, e em vésperas de distribuição de cestas básicas. Ou
seja, a visita inesperada por ocasião da pesquisa, com o objetivo de, entre outros, conhecer os
números de acampados, não foi bem digerida por aqueles militantes da região, pois de alguma
forma comprometia as práticas ali realizadas. Desta forma, verifica-se a articulação política entre
o INCRA e o MST, que em dados momentos ultrapassa os limites da realização da reforma
agrária e da solução para a vida dos milhares de acampados.
Outrossim, observa-se que o nível de articulação política no Alto Sertão continua sendo
destaque, tendo como resultado o ingresso de militantes na carreira política, a exemplo de
vereadores e de um vice-prefeito. Reunindo estas informações, pode-se inferir que essa estratégia,
de maior concentração dos acampamentos, está muito mais relacionada aos propósitos políticos e
às possibilidades de captação de recursos, através das articulações políticas, do que a outros
motivos citados, o que poderá representar avanço na luta pela terra, a depender de como essa
conquista de espaço no cenário político local for utilizado por esses militantes.
Diante do exposto, cabe frisar que a demanda por terra, em Sergipe, tem o MST como
movimento social hegemônico na coordenação desses acampamentos e das famílias acampadas,
em estreita relação com o INCRA e com as demais esferas de poder do Estado. Esses
acampamentos estão distribuídos de forma sistêmica em todo o território sergipano,
especialmente no Alto Sertão e no Centro-Sul. Além disto, o mesmo movimento social é
predominante nos municípios baianos limítrofes com Sergipe, demonstrando a sua capacidade de
organização.
Por fim, quanto ao aspecto quantitativo da demanda de terras em Sergipe, ao considerar
apenas os dados apresentados pela Ouvidoria Agrária do INCRA, pode-se ter uma demanda
falha, uma vez que foi percebida a falta de coerência desse cadastro com a realidade observada
in loco, no momento da pesquisa de campo, bem como a facilidade de se “criar e ajustar números”
de acampamentos e famílias acampadas perante o INCRA.
174

6. UM OLHAR SOBRE OS ASSENTAMENTOS DE REFORMA


AGRÁRIA EM SERGIPE

Neste capítulo, examinam-se os assentamentos de reforma agrária pesquisados em


Sergipe, a partir da sua caracterização geral por mesorregião e do contexto no qual estão
inseridos, considerando o perfil, a composição e a origem dessas famílias. Em seguida, apresenta-
se o “retrato dos assentamentos” na concepção dos assentados, elaborado a partir do
Diagnóstico Rural Participativo Emancipador (DRPE), especificamente da ferramenta “Matriz:
Realidade, Processo e Desejo”. Desta forma, espera-se contextualizar a realidade dos
assentamentos e das famílias assentadas.

6.1. A Realidade dos Assentamentos Rurais

Discorrer sobre a realidade complexa e dinâmica dos assentamentos, sobretudo em um


Estado marcado pelos conflitos históricos na luta pela terra, torna-se desafiador para qualquer
pesquisador que se proponha a tal missão. Entretanto, tem-se a convicção de que o estudo dos
assentamentos supõe um cuidadoso exercício de “ir e vir” entre o acampamento e o
assentamento, de forma a compreender na essência as questões intimamente relacionadas, que
reproduzem a dinâmica da produção e da organização destes espaços distintos e complementares
de luta pela terra.
Ainda no início do desenvolvimento deste trabalho, percebeu-se a necessidade de ampliar
as discussões sobre a realidade dos assentamentos, em uma perspectiva de território socialmente
construído, examinando a reorganização desse espaço agrário, com características peculiares e de
profunda riqueza para as diversas áreas da ciência. Para tanto, verificou-se a necessidade de uma
abordagem a partir de múltiplos caminhos, em especial o geográfico e o da economia doméstica,
o que permite uma análise global do espaço agrário em questão, em suas dimensões, ao mesmo
tempo focada na unidade familiar e em sua qualidade de vida. Como argumentam Bonnai e Maluf
(2007), as unidades familiares deveriam ser colocadas como foco das políticas públicas, numa
perspectiva da territorialização das suas ações.
Assim, apresentam-se elementos para a análise da questão agrária em Sergipe, sob o
recorte da qualidade de vida, a partir da análise da realidade de estudo de nove assentamentos e
seu contexto no Estado, distribuídos em três mesorregiões (Sertão, Agreste e Leste). A análise do
175

contexto envolveu identificar o perfil, a composição e a origem das famílias assentadas, além de
um “retrato dos assentamentos” na percepção dos seus atores sociais.
Pressupõe-se que a análise de qualquer fenômeno ou objeto de pesquisa requer um vasto
ritual de seleção dos caminhos possíveis, que possam não apenas captar a realidade em sua
profundidade, mas, sobretudo, satisfazer o pesquisador nas nuances pretendidas para a sua
leitura. Assim, para fins deste estudo, optou-se por quantificar e qualificar a reforma agrária no
Estado sob o recorte da qualidade de vida nos assentamentos e, assim, proporcionar maior
dimensão de entendimento e aplicabilidade de seus resultados, como materialização de uma
política pública.
Considerando que uma política pública, a exemplo da Política Nacional de Reforma
Agrária, exige a quantificação de vários aspectos concretos da realidade, cujo conhecimento pode
ser transformado em ajustes das metas e dos objetivos até então aplicados, quantificar alguns
dados representa a possibilidade de aplicação prática deste estudo. Entretanto, qualificar esses
dados significa dar vida aos dados “frios”, isto é, consiste em verificar e sentir junto às famílias e
comunidades como de fato se constrói e se vivencia esta realidade nos assentamentos. Desta
forma, salienta-se que os dados apresentados nesta discussão são oriundos das experiências
observadas e registradas em assentamentos de reforma agrária, embasadas, sobretudo, em dados
da pesquisa de campo.

6.1.1. Os Assentamentos Rurais e suas Territorialidades

Numa perspectiva histórica, pode-se afirmar que o termo “assentamento” apareceu pela
primeira vez no vocabulário jurídico e sociológico no contexto da reforma agrária venezuelano,
em 1960, difundindo-se para outros Países, a exemplo do Brasil. De acordo com Bergamasco e
Norder (1996), de forma genérica os assentamentos rurais podem ser definidos como a criação de
novas unidades de produção agrícola, por meio de políticas governamentais, visando o
reordenamento do uso da terra, em benefício de trabalhadores rurais Sem-Terra ou com pouca
terra. Entretanto, ressalta-se que, diante das análises anteriores sobre a luta pela terra e reforma
agrária, considera-se que os assentamentos rurais têm sido implementados no Brasil, não na
perspectiva do discurso pelo qual foi criado (reordenamento, desenvolvimento rural, alteração da
estrutura fundiária), mas como medidas pontuais para solução dos conflitos e das tensões no
campo.
Medeiros e Leite (2004) ressaltam ainda que o termo “assentamento rural”, criado no
âmbito das políticas públicas para nomear um determinado tipo de intervenção fundiária, unifica
176

e, muitas vezes, encobre uma extensa gama de ações, como: compra de terras, desapropriação de
imóveis rurais ou mesmo utilização de terras públicas. Para estes autores

Os diferentes tipos de intervenção a que se denomina “assentamento”


implicam, pois, diversos tipos de beneficiários diretos: posseiros, com longa
história de permanência no campo, embora sem título formal de propriedade;
filhos de produtores familiares pauperizados que, diante das dificuldades
financeiras para o acesso à terra, optaram pelos acampamentos e ocupações
como caminho possível para se perpetuarem na tradição de produtores
autônomos; parceiros em busca de terra própria; pequenos produtores,
proprietários ou não, atingidos pela construção de hidrelétricas; seringueiros
que passaram a resistir ao desmatamento que ameaçava o seu modo de vida;
assalariados rurais, muitas vezes completamente integrados no mercado de
trabalho; populações de periferia urbana, com empregos estáveis ou não,
eventualmente com remota origem rural, mas que, havendo condições políticas
favoráveis, se dispuseram à ocupação; aposentados que viram no acesso à terra
a possibilidade de um complemento de renda, entre outros (MEDEIROS;
LEITE, 2004, p. 17-18).

Nesse contexto, a complexidade dos assentamentos revela a necessidade de compreendê-


los numa perspectiva crítica, com um direcionamento adequado para a análise que se pretende.
Inicialmente, pensar em assentamentos com o “olhar geográfico” é pensar em lugares. Os
lugares que representam as lutas e as resistências, que expressam os conflitos de classe, que é a
concretização ou materialização das relações sociais. Pensar assentamentos como lugares ou
como um espaço conquistado e socialmente produzido implica pensá-los como lugares únicos,
distintos e com práticas diferenciadas, mas que contêm em si a totalidade. Não é um desconexo,
mas a conexão entre uma realidade particular (recorte) e o todo no qual se insere.
Refletir sobre o caráter de suas relações internas e externas, sua origem e novas
configurações, que denotam o espaço rural a partir de sua implantação, é pensar em territórios. A
este respeito, Santos (2007) ressalta que o território é o lugar em que desembocam todas as forças
e todas as fraquezas, onde a história do homem se realiza plenamente a partir das manifestações
da sua existência. O autor enfatiza, ainda, que o território tem de ser entendido como o território
usado, que é a combinação do chão mais a identidade (sentimento de pertencer). É o fundamento
do trabalho, da residência, das trocas materiais e simbólicas e do exercício da vida.
Por outro lado, pode-se compreender também o assentamento como o resultado da luta
pela terra, anteriormente realizada nos acampamentos, que se consolida com a conquista da terra.
Assim, de acordo com Raffestin (1993, p. 59-60), “o território é um trunfo particular, recurso e
entrave, continente e conteúdo, tudo ao mesmo tempo. O território é o espaço político por
excelência, o campo da ação dos trunfos.”
Desta forma, compreende-se que os assentamentos são a materialização das lutas pela
posse da terra, que se processa a partir da organização dos movimentos sociais e, posteriormente,
177

de sua materialidade, expressa com ideais e propósitos definidos, permeados de relações de


poder. A partir da posse da terra, as famílias adquirem novas orientações em suas práticas diárias,
de trabalho, de relações internas e de relações externas, ocasionando o que se considera como a
“reorganização do espaço rural”, em escala local. Assim, os assentamentos expressos como
territórios traduzem a ideia de que eles são um espaço definido e delimitado a partir das relações
de poder. É importante destacar que se o território é a apropriação dos recursos não se pode
esquecer que o primeiro destes recursos é o espaço no qual o território é construído.
Ao definir espaço e território, Raffestin (1993) afirma que

[...] O espaço é, portanto anterior, preexistente a qualquer ação. O espaço é de


certa forma, ‘dado’ como se fosse uma matéria prima. Preexistente a qualquer
ação. ‘Local’ de possibilidades, é a realidade material preexistente a qualquer
conhecimento e a qualquer prática dos quais será o objeto a partir do momento
em que um ator manifeste a intenção de dele se apoderar. Evidentemente, o
território se apoia no espaço, mas não o é espaço. É uma produção a partir do
espaço. Ora, a produção, por causa de todas as relações que envolvem, se
inscreve num campo de poder (RAFFESTIN, 1993, p. 144).

A pretensão de usar o recorte da qualidade de vida para analisar os assentamentos e a


reforma agrária como política pública se dá como forma de entender a reorganização do espaço
rural a partir do objetivo maior de qualquer ação humana, que é a melhoria da sua qualidade de
vida. Ou seja, se durante toda a trajetória de luta pela terra em acampamentos existem um ideal e
um imaginário a serem atingidos, que se expressam na conquista da terra, via assentamentos, o
que de fato ocorre no momento em que o território é conquistado? Quais as implicações destas
relações de poder sobre a qualidade de vida, que contam com diversos atores envolvidos?
Diante do exposto, tornam-se pertinentes as considerações de Haesbaert (2004), que no
enfoque de território incorpora três vertentes básicas: a) Jurídico-política, que vê o território
como um espaço delimitado sobre o qual se exerce determinado poder; b) Econômica, que
enfatiza a perspectiva material, como produto especial do embate entre as classes sociais e da
relação capital-trabalho; c) Cultural, que prioriza a dimensão simbólica, sendo o território visto
como produto da apropriação, por meio do imaginário e, ou, da identidade social sobre o espaço.
Essa dimensão ideal ou apropriação simbólica é reportada por Haesbaert (2007), ao afirmar que

o que reivindica uma sociedade ao se apropriar de um território é o acesso, o


controle e o uso, tanto das realidades visíveis quanto dos poderes invisíveis que
as compõem, e que parecem partilhar o domínio das condições de reprodução
da vida dos homens, tanto a deles própria quanto a dos recursos dos quais eles
dependem (HAESBAERT, 2007, p. 47).

Se o processo de luta é compreendido como a conquista do território, e os


assentamentos, como materialização dessas lutas, configuram o processo de (re)territorialização,
178

aqui compreendido como o processo de reorganização e recriação do lugar, a partir de processos


decisórios participativos, construção de projetos e iniciativas coletivas, além de maior consciência
social, em busca da melhoria da qualidade de vida (SCHNEIDER; TARTARUGA, 2004).
Pressupõe-se também que no momento em que essa (re)territorialização não atende aos
domínios objetivos e subjetivos da vida, isto é, às perspectivas ideais e simbólicas do território,
inicia-se, então, o processo de (des)territorialização, quando o território apropriado não serve às
necessidades e possibilidades dos assentados.
Neste sentido, pode-se entender que o acesso à terra, por si, não representa toda condição
necessária para a reorganização do espaço rural de forma a garantir a sobrevivência digna dos
sujeitos envolvidos. Outros elementos hão de ser igualmente conquistados, como as condições
necessárias para a produção e reprodução destes sujeitos e para o desenvolvimento rural
almejado. No momento em que estes elementos não estão disponíveis e articulados, começa o
processo de (des)territorialização dos assentamentos. O território conquistado já não é suficiente
para proporcionar-lhes a qualidade de vida almejada.
Entende-se aqui o processo de (des)territorialização, em uma de suas vertentes
apresentadas por Haesbaert (2007), como exclusão socioespacial e precarização territorial, que
podem acontecer, inclusive, pela perda do poder. Ou seja, os assentados, apesar de terem a posse
da terra, se veem destituídos das condições necessárias para produção e reprodução social. Para
Haesbaert (2004), a (des)territorialização é fruto do enfraquecimento do controle exercido sobre
o espaço, que resulta na mobilidade de pessoas, bens materiais, capitais ou informações. Pode-se
então compreender, a partir desta questão, o fenômeno de abandono dos lotes por parte de
alguns assentados.
Portanto, pensar em assentamentos é pensar em territórios como um processo que
envolve etapas de territorialização, de (des)territorialização e de (re)territorialização, na busca de
melhor qualidade de vida. Pode-se, a partir das proposições a seguir, compreender esta lógica nos
assentamentos.
No primeiro momento, os assentamentos representam a materialização das lutas que se
iniciam nos acampamentos, que é a efetivação da conquista da terra, ao que se considera como a
territorialização.
Para Haesbaert (2004),

territorializar-se significa criar mediações espaciais que nos proporcionem


efetivo poder sobre nossa reprodução enquanto grupos sociais (para alguns
também como indivíduos), poder este que é sempre multiescalar e
multidimensional, material e imaterial, de “dominação” e “apropriação” ao
mesmo tempo (HAESBAERT, 2004, p. 96).
179

No segundo momento, em que as condições necessárias para a construção do novo


território a partir da territorialização não são satisfatórias (afinal, terra não é tudo), começa então
o processo de (des)territorialização, que é a perda do poder sobre este espaço e enfraquecimento
dos sujeitos. Santos (1996) alerta para que não seja feita uma análise do território apenas pelo
aspecto cultural e político, mas também de forma associada aos processos econômicos,
principalmente a dinâmica capitalista do “meio técnico-científico informacional”.
No terceiro momento iniciam-se novas lutas que agora se direcionam não mais para o
acesso, mas para as condições de permanência na terra e, até mesmo, para sua inserção em outro
contexto de luta para garantir a sua sobrevivência, ocorrendo assim a (re)territorialização, em que
os assentados vão inserindo novos elementos e novas práticas, novos arranjos produtivos e
atividades, construindo um novo território. E, assim, o processo de (des)territorialização e
(re)territorialização é continuo e dinâmico na realidade dos assentamentos rurais. De acordo com
Haesbaert (2004), este processo não deve ser analisado de forma desvinculada e

deve ser aplicado a fenômenos de efetiva instabilidade ou fragilização territorial,


principalmente entre grupos socialmente mais excluídos e, ou, profundamente
segregados e, como tal, de fato impossibilitando de construir e exercer efetivo
controle sobre seus territórios, seja no sentido de dominação político-econômica,
seja no sentido de apropriação simbólico-cultural (HAESBAERT, 2004, p. 312).

Apesar das diversas proposições teóricas sobre territórios, concorda-se com Haesbaert
(2007). Quando se propõe a superar a dicotomia material/ideal, o território envolve, ao mesmo
tempo, a dimensão espacial concreta das relações sociais e o conjunto de representações sobre o
“imaginário geográfico”, que também move essas relações. Ademais, considera-se, para fins deste
trabalho, que as suas proposições são as mais pertinentes para a compreensão dos assentamentos
como territórios.
Segundo Santos (2007), o território em si não é uma categoria de análise em disciplinas
históricas, como a geografia. É o território usado que é a categoria de análise. Não há um
território exclusivamente passível (e por consequência estático) de análise natural, histórica ou das
relações sociais. Há uma série de interfaces que precisam ser estudadas e analisadas sobre o
território, para compreensão dos fenômenos a serem investigados. Ainda para o autor, o
território apresenta um sentido histórico, temporal e de apropriação distintos que o diferencia
dos demais, acrescentando que

o território não é apenas o conjunto dos sistemas naturais e de sistemas de


coisas superpostas. O território tem que ser entendido como o território usado,
não o território em si. O território usado é o chão mais a identidade. A
identidade é o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é o
fundamento do trabalho, o lugar da residência, das trocas materiais e espirituais
e do exercício da vida (SANTOS, 2002, p. 10).
180

Assim, a concepção apresentada de assentamentos, como territórios é uma alternativa de


interpretação desse espaço construído socialmente, que envolve a compreensão dos assentamentos
dentro de um contexto histórico, econômico e político da questão agrária brasileira e dos
movimentos sociais no campo e a luta pela terra25.
Neste sentido, complementa-se a concepção de assentamentos, numa análise voltada para
o estado e para as políticas públicas, com as proposições apresentadas por Caume (2006), ao
discutir os assentamentos como espaços de controle social do Estado: assentamentos de reforma
agrária, produtos da luta social e de instrumentos de controle social. Nesta perspectiva, a política
de assentamentos do Estado brasileiro visa o controle espacial dos conflitos: não se assentam
trabalhadores em qualquer espaço, mas em espaços determinados e delimitados (CAUME, 2006,
p. 25). Para tanto, o autor toma como base as proposições de Foucault (1985, p.157), ao explicar
que “o território é, sem dúvida, uma noção geográfica, mas é, em primeiro lugar, uma noção
jurídico-política: isto que é controlado por um certo tipo de poder”.
Neste contexto, a discussão sobre os assentamentos em Sergipe, como análise da política
de reforma agrária, pressupõe não apenas o entendimento de suas possibilidades, fragilidades,
peculiaridades e dinâmicas próprias, mas, sobretudo, da relação com o Estado e as demais redes
socioterritoriais26, bem como as consequências deste processo sobre a qualidade de vida das
famílias. Esta será a perspectiva adotada para a análise a que se propõe.

6.1.2. Os assentamentos Pesquisados e o Contexto da Pesquisa

Ao apresentar o contexto da pesquisa, busca-se localizar geograficamente o Estado de


Sergipe, suas regiões e os assentamentos pesquisados, concordando-se com França et al. (2007),
ao afirmarem que

a localização geográfica constitui um elemento fundamental na relação do


homem com o lugar, com os objetos e com os outros homens. É através da
representação do espaço, consubstanciada em mapas, cartas, plantas,

25 Sobre a discussão da questão agrária brasileira, sugere-se a leitura de PRADO JÚNIOR (1987) e GUIMARÃES
(1981). Sobre os movimentos sociais no campo e luta pela terra, ver OLIVEIRA (2005) e MEDEIROS (2003).
26 Segundo Rambo e Cazaroto (2009), as redes socioterritoriais ou redes de cooperação são entendidas como redes

econômicas, sociais e institucionais capazes de levar ao exercício da governança, através da proximidade social dos
atores e da interação entre as organizações existentes em determinado território. Essas redes permitem aos atores
estabelecer processos de inovação territorial coletiva e uma densidade institucional, a partir de uma consciência de
pertença e implementação de diferentes formas de cooperação e de potencialização de capitais tangíveis e
intangíveis, necessários ao desenvolvimento e fortalecimento dos territórios. Nesse caso, como destaca
Abramovay, apud Cunha (2007), colocam-se em evidência os ativos relacionais ou coordenacionais, e não apenas
os atributos de localização, recursos naturais e humanos. É o fenômeno da proximidade social que envolve a
copresença, as ordens relacionais, culturais práticas e de instituições, o conhecimento e as identidades coletivas.
181

cartogramas, gráficos e outros, que a localização alcança seus objetivos,


possibilitando a compreensão e análise física, política, social e econômica dos
fenômenos que ocorrem na superfície terrestre (FRANÇA et al., 2007, p. 10).

Com área de 21.910,3 km2, o Estado de Sergipe corresponde a 0,26% do território


nacional e a 1,4% da Região Nordeste. Ao norte, o limite com Alagoas é definido pelo Rio São
Francisco. A oeste e ao sul limita-se com a Bahia e a leste, com o Oceano Atlântico. Sua posição
absoluta está compreendida entre os paralelos 9º 31’ e 11º 34’ de latitude sul e os meridianos de
36º 25’ e 38º 14’ de longitude oeste de Greenwich. As temperaturas médias são elevadas e
constituem uma das peculiaridades do seu clima (FRANÇA et al., 2007). De acordo com o IBGE
(2009), o Estado possui 75 municípios, com uma população estimada em 2.115.753 habitantes.
Sua estrutura agrária é marcada, desde o período colonial, por elevada concentração
fundiária e pelo controle da água e das melhores terras por parte das oligarquias rurais, que detêm
os poderes econômico e político, decidindo sobre a vida de milhares de camponeses e
trabalhadores sergipanos. Nem mesmo as iniciativas dos governos federal e estadual,
pressionados ou não pelos trabalhadores rurais e pelos camponeses ao longo dos últimos 30
anos, foram capazes de alterar significativamente a injusta distribuição de terras e as
desigualdades sociais dela decorrentes, verificadas no Estado (LOCATEL et al., 2007, p. 6).

6.1.2.1. As Regiões e os Assentamentos

Para contextualizar os Projetos de Assentamentos (PAs), torna-se relevante fazer uma


breve caracterização da região geográfica em que se encontram. Segundo o IBGE (2000), as
mesorregiões de Sergipe são o Leste Sergipano, o Sertão e o Agreste Sergipano, classificação está
adotada neste trabalho (Tabela 7).

Tabela 7 – Caracterização das mesorregiões sergipanas

Área População Densidade


Mesorregiões Principais Centros Urbanos
(% no Estado) (% no Estado) (Hab./km2)
8.750,6 km 2 1.353.748 Aracaju, Nossa Senhora do
Leste Sergipano 155
39,84% 67,00% Socorro, Estância.
5.903,4 km 2 445.708 Itabaiana, Lagarto, Tobias Barreto
Agreste Sergipano 76
26,88% 22,06% e Simão Dias
7.309,30 km 2 220.946 Nossa Senhora da Glória, Carira e
Sertão Sergipano 30
33,28% 10,94% Porto da Folha
Fonte: IBGE (2009), organizado por Sousa (2009).
182

Entretanto, França et al. (2007) destacam que essa é apenas uma das possibilidades de
regionalização em Sergipe, que se difere dos demais Estados brasileiros por adotar diversas
classificações para ações de planejamento, conforme a especificidade de cada uma.
De acordo com os autores, o Agreste Sergipano localiza-se entre o litoral e o sertão, numa
área de transição climática. Segundo eles, a mesorregião

destaca-se por apresentar melhor distribuição da terra, com forte presença da


pequena propriedade e da população rural. Ainda é grande a diversidade das
atividades: no sul destacam-se a laranja, o limão, o maracujá, o abacaxi e o
fumo. No centro, outros produtos alimentícios (feijão, milho e mandioca) e a
olericultura (batata doce, inhame e hortaliças); ao norte, o gado de corte e o
gado leiteiro. Nessa mesma região concentra-se a maior parte da população
rural do Estado, com destaque para os municípios de Lagarto e Itabaiana
(FRANÇA et al., 2007, p. 146-147).

Destaca-se, ainda, o grande impulso que o cultivo do milho teve nos municípios de Simão
Dias e Poço Verde, comprovando a expansão do plantio do milho, com produtividade atingindo
a média de 3,5 mil quilos por hectare, e por isso considerado um destaque dentro do Estado.
Ainda, pode-se reportar ao avanço da cana-de-açúcar no município de Nossa Senhora das Dores.
Na mesorregião do Agreste Sergipano foram pesquisados os seguintes PAs: Paraíso do
São Pedro (São Miguel do Aleixo), José Gomes da Silva (Lagarto) e Caípe (Nossa Senhora das
Dores).
O PA Paraíso de São Pedro, criado em 1999, com 1.511,40 ha e capacidade para assentar
70 famílias, foi obtido através da luta, sob a égide da Federação dos Trabalhadores Rurais de
Sergipe – FETASE, contra o fazendeiro e outro movimento social. Inicialmente, a FETASE
solicitou ao INCRA a vistoria e desapropriação do imóvel. Entretanto, como o MST ameaçou
ocupar a área e pleitear a mesma terra, decidiu-se por ocupar o imóvel. Na verdade, já existia por
parte do proprietário o interesse nesta negociação, que foi praticamente acordada com a
FETASE, sem maiores transtornos no processo de ocupação. Dos assentamentos pesquisados, é
o único em que se verificou a relação estreita entre acampados e proprietário, sendo este um
convidado ilustre na festa de comemoração da Imissão de Posse do assentamento.
O PA José Gomes da Silva, criado em 1995, com 548,74 ha e 40 famílias assentadas, era a
antiga Fazenda Mussurepe, no povoado Santo Antonio, em Lagarto, que foi reivindicada pelo
Movimento dos Sem-Terra – MST. A obtenção da terra para o assentamento foi por
desapropriação, através da luta em acampamento. O relato de luta pela terra por parte dos
assentados é marcante, apesar de o período de acampamento ter sido de apenas três meses.
O PA Caípe, o mais antigo dos três estudados, criado em 1994, com 269,00 ha e
20 famílias, foi obtido por desapropriação, para trabalhadores moradores do Povoado, com o
183

mesmo nome do PA, pela modalidade Compra e Venda, onde se tem a oferta do imóvel por
parte do proprietário para o INCRA adquirir, sendo caracterizado por um processo mais brando
e sem conflito. O processo foi conduzido pela Associação formada pelos assentados. Não se
verifica, nesse assentamento, histórico de lutas com ocupações. Houve, após o processo de
desapropriação, o sorteio das famílias cadastradas pelo INCRA, que foram posteriormente
assentadas.
Segundo França et al. (2007), o Leste Sergipano compreende a faixa costeira e as áreas
circunvizinhas e se caracteriza pela maior densidade populacional, resultante da presença da área
metropolitana de Aracaju. Além disso,

ele se destaca pela atividade industrial, sobretudo a extrativo-mineral, e pela


concentração de atividades comerciais e de serviços. Na agricultura destaca-se a
produção de cana-de-açúcar, do coco -da-baía e de frutas. Atualmente é alvo de
políticas públicas voltadas para o turismo, sendo grande o seu potencial, em
especial nas áreas estuarinas (FRANÇA et al., 2007, p. 147).

Na mesorregião Leste foram pesquisados os seguintes PAs: Dorcelina Folador


(Itaporanga DAjuda), Roseli Nunes (Estância) e Treze de Maio (Japaratuba).
O PA Dorcelina Folador foi criado em 21 de junho de 2001, pela coordenação do MST,
tendo sido assentadas 51 famílias numa área de 645,587 ha. Essas famílias participaram da luta
pela terra em acampamento.
O PA Roseli Nunes, criado em 24 de dezembro de 1999, sob a organização do MST,
conta com 35 famílias, numa área de 252,56 ha. A terra foi conquistada através da luta no
acampamento, por um período de três anos.
O PA Treze de Maio foi criado em 31 de março de 2004, também coordenado pelo MST,
numa área de 482,3378 ha, com 41 famílias assentadas. As famílias passaram um ano acampadas
na “beira da pista”. Houve apoio de um padre da Igreja Católica em missão relacionada à terra,
que auxiliou no processo de luta, sendo também um dos assentados.
E como a terceira mesorregião pesquisada em Sergipe tem-se o Sertão Sergipano,
localizado no oeste do Estado, que de acordo com França et al. (2007) caracteriza-se por
apresentar clima semiárido, caatinga, solos rasos, grandes propriedades, ocupadas com pastagens
e lavouras temporárias, possuindo densidade demográfica baixa em virtude de não apresentar
grandes centros urbanos. Os autores destacam ainda que

nos últimos anos, o sertão tem sido alvo de movimentos sociais na luta pela
terra, o que tem ocasionado vários assentamentos rurais e, consequentemente,
o seu parcelamento. Predomina a pecuária bovina de corte e de leite. A pecuária
leiteira vem se constituindo numa estratégia de sobrevivência do pequeno e
médio produtor. Os cultivos alimentícios se destinam ao abastecimento das
feiras locais. Projetos de irrigação, através de políticas públicas, têm contribuído
184

para dinamizar algumas áreas dessa região, a exemplo de Canindé de São


Francisco e de Poço Redondo. (FRANÇA et al.,2007, p. 147).

Na mesorregião do Sertão foram pesquisados os seguintes PAs: Cuyabá (Canindé do São


Francisco), José Ribamar (Nossa Senhora da Glória) e Pioneira (Poço Redondo).
O PA Cuyabá , criado em 30 de dezembro de 1996, sob a coordenação do MST, possui no
cadastro de assentados 200 famílias, distribuídas numa área de 2.025,90000 ha. A história de luta
do Cuyabá revela processos de ocupação, sendo o imóvel desapropriado para fins de reforma
agrária. O processo foi negociado pacificamente entre o INCRA, o MST e o proprietário, pois
havia interesse deste em se livrar da fazenda para pagamento de dívidas. Também houve o
interesse do Estado em atenuar as tensões na região, causadas pelos conflitos de terra.
O PA José Ribamar foi criado em 19 de outubro de 2004, com uma área de 823,9632 ha,
tendo sido 32 famílias assentadas. A obtenção da terra foi por processo de desapropriação, e a
ocupação ocorreu de forma pacífica, sob a coordenação do MST.
O PA Pioneira foi criado em 31 de dezembro de 1997, com 17 famílias assentadas, numa
área de 513,2400 ha, obtida a partir da desapropriação do imóvel. A organização e a coordenação
são do MST.
Assim, ao descrever o Estado de Sergipe, as características de cada mesorregião e os
assentamentos pesquisados, tem-se o contexto geral da pesquisa, ressaltando-se que a descrição
inicial é apenas para contextualizar a sua realidade, de forma mais geral. Posteriormente, sob o
recorte da qualidade de vida, esta realidade será aprofundada em cada assentamento.

6.1.3. O Perfil e Composição das Famílias Assentadas

As mesorregiões e os respectivos assentamentos estudados retratam o contexto ou


ambiente de inserção das unidades familiares. Conhecer quem são as famílias pesquisadas é parte
dos direcionamentos necessários para a compreensão da sua qualidade de vida, uma vez que sua
configuração, organização e integração com a comunidade são determinantes das condições de
satisfação com a qualidade de vida. Inicialmente, buscou-se analisar o perfil do assentado (o
cadastrado ou seu cônjuge), para em seguida analisar o perfil da unidade familiar. Sobre o
assentado foram consideradas as variáveis sexo, idade, grau de instrução e tipo de ocupação. Para
apresentação do perfil das famílias assentadas buscou-secaracterizá-las a partir das variáveis sexo;
tamanho, composição e tipo de família; etapa do ciclo de vida familiar; escolaridade média da
família; e ocupação dos seus membros. Para operacionalização destas variáveis, foram utilizados
os seguintes procedimentos:
185

- Idade média do assentado: média de idade, em anos, dos assentados cadastrados ou


responsáveis.
- Idade média da família: média de idade, em anos, de todos os membros familiares.
- Sexo: masculino e feminino.
- Tamanho e composição da família: tamanho médio da família e número médio de
filhos por família.
- Tipo de família: de acordo com Goldani (2002), a família pode ser do tipo nuclear (pai,
mãe e filhos), monoparental (pai ou mãe e filhos) e extensa (mais de um grupo familiar ou
inclusão de outros parentes). Além desses três tipos de arranjos, podem surgir outros,
considerados como, composto de pai, mãe e outros membros não familiares, e outros (familiares
sem a presença dos pais).
- Ciclo de vida das famílias: com base em Montali (1990), o ciclo de vida pode ser
categorizado em: formação (casal sem filhos ou com filhos menores de 12 anos), intermediária ou
de maturação (casal que possui filhos adolescentes, maiores de 12 anos) e dispersão (casal acima
de 50 anos, com filhos adultos e parte deles fora de casa).
- Grau de instrução dos assentados: em termos de ensino fundamental incompleto,
ensino fundamental completo, ensino médio completo e ensino médio incompleto, medidos a
partir da última série cursada. Foram considerados também aqueles sem instrução formal.
- Nível médio de escolaridade da família: medido pela razão entre o somatório dos
anos de estudo de cada membro maior de 14 anos e o número de membros familiares.
- Ocupação: principal atividade desenvolvida pelos pais nos mercados formal e informal
e o principal local de ocupação.
É importante ressaltar que ao optar pela apresentação e pela análise das famílias
assentadas, e não dos indivíduos (assentados cadastrados), tem-se por objetivo a compreensão da
qualidade de vida a partir da família, ou seja, da unidade familiar, e não de indivíduos, haja vista
que a reforma agrária deve propiciar condições para a melhoria da qualidade de vida das famílias
e não de indivíduos, sendo inclusive uma política pública voltada para famílias.
Ainda na perspectiva da análise dos assentamentos por mesorregião, foram consideradas
esta caracterização e discussão a partir do agrupamento de assentamentos por cada mesorregião,
que serão apresentados a seguir.
186

6.1.3.1. O Perfil e a Composição das Famílias Assentadas da Mesorregião Agreste

As famílias assentadas na mesorregião Agreste de Sergipe fazem parte dos PAs Caípe
(Nossa Senhora das Dores), Paraíso do São Pedro (São Miguel do Aleixo) e José Gomes da Silva
(Lagarto), cujo perfil dos assentados é apresentado na Tabela 8.

Tabela 8 – Perfil do assentado na mesorregião Agreste. Sergipe, 2008

Aspectos Unidade Valores


1. Sexo:
1.1. Masculino % 48,57
1.2. Feminino % 51,43
2. Idade Média Em anos 49,89
3. Grau de Instrução:
3.1. Sem instrução formal 34,28
3.2. Ensino fundamental incompleto % 58,58
%
3.3. Ensino fundamental completo 4,28
%
3.4. Ensino médio incompleto % 1,43
3.5. Ensino médio completo % 1,43
4. Ocupação:
4.1. Trabalhador rural 83,82
%
4.2. Dona de casa 13,24
%
4.3. Aposentado % 1,47
4.4. Sem o cupação % 1,47
Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

É possível observar que a razão sexual é próxima de 1,0, ou seja, o número de homens é
semelhante ao de mulheres. Quanto ao grau de escolaridade, ao analisar apenas o assentado
beneficiário, sem ponderar os outros membros das famílias, percebe-se que a maioria sequer
conseguiu concluir o ensino fundamental, além do fato de que 34,28% não possuem instrução
formal.
Percebe-se que os assentados possuem idade média próxima de 50 anos, sendo
identificados, em sua maioria (83,82%), como trabalhadores rurais, o que não surpreende, já que
se trata de um Projeto de Assentamento Rural de reforma agrária, caracterizado por dar acesso à
terra para agricultores familiares. Os outros valores foram de 13,24% para dona de casa e 1,47%
tanto para os aposentados quanto para os sem ocupação.
Partindo para uma análise mais abrangente da família assentada, com posterior
comparação com o assentado, pode-se observar, a partir da análise dos dados apresentados na
Tabela 8, que as famílias dos PAs Caípe, José Gomes da Silva e Paraíso do São Pedro são
187

compostas por 53,8% de membros do sexo masculino, com idade média de 28,4 anos,
considerando todos os membros familiares.
De acordo com a Tabela 9, 50,0% dessas famílias se encontram em fase de formação
(casal com filhos menores de 12 anos); outras (25,7%), em fase de maturação (casal com filhos
maiores de 12 anos); enquanto 24,3% estão em fase de dispersão (casal com idade superior a 50
anos e filhos adultos).

Tabela 9 – Perfil e composição das famílias assentadas na mesorregião Agreste. Sergipe, 2008

Aspectos Unidade Valores


1. Idade média dos membros da família assentada Anos 28,40
2. Sexo dos membros familiares
2.1. Masculino % 53,80
2.2. Feminino % 46,20
3. Tamanho médio da família Nº 4,93
4. Número médio de filhos Nº 2,67
5. Tipos de família
5.1. Nuclear % 54,30
5.2. Monoparental % 10,00
5.3. Extensa % 25,70
5.4. Composta % 1,40
5.5. Outros % 8,60
6. Etapa do ciclo de vida familiar
6.1. Formação % 50,00
6.2. Maturação % 25,70
6.3. Dispersão % 24,30
7. Grau de instrução dos assentados
7.1. Sem instrução formal % 11,80
7.2. Ensino fundamental incompleto % 69,30
7.3. Ensino fundamental completo % 5,40
7.4. Ensino médio incompleto % 11,80
7.5. Ensino médio completo % 1,70
8. Ocupação principal dos membros familiares
8.1. Agricultor % 49,00
8.2. Dona de casa % 13,10
8.3. Estudante % 40,00
8.4. Professor % 0,30
8.5. Aposentado % 0,70
8.6. Empregada doméstica % 0,30
8.7. Diarista % 1,00
8.8. Outros % 1,60
Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

Caracterizam-se, segundo o seu perfil familiar, como sendo compostas, em média, de


cinco membros por família, que têm, em média, três filhos, preferencialmente do sexo masculino
(56,21%), e com idade média de 15,29 anos.
188

Leite et al. (2004) constataram uma média de 3,3 filhos para todas as manchas pesquisadas
no Brasil, variando-se de 2,9 a 3,6 filhos, ou seja, a média obtida nesta mesorregião pesquisada
está em consenso com o obtido naquela pesquisa.
Foram identificados, ainda, vários tipos de famílias nos assentamentos, com predomínio
das nucleares (54,3%), seguidas pelas extensas (25,7%); ou seja, a metade dessas famílias segue o
padrão tradicional das famílias brasileiras, compostas pelo casal com filhos. No que se refere ao
grau de instrução dos assentados, verificou-se que 69,30% dos respondentes possuíam o ensino
fundamental incompleto, além de existir mais de 10% dos assentados da mesorregião Agreste de
Sergipe na condição de analfabetos (11,8%).
Constatou-se que cerca de 49,0% dos membros familiares entrevistados se declaram
agricultores, sendo esta sua ocupação principal. Entretanto, quase 34,0% afirmaram ser
estudantes; seguidos por donas de casas (13,0%) e outros 4,0% como diarista, empregada
doméstica, aposentado e professor. Esses porcentuais observados de ocupação principal na
agricultura e de estudantes permitem duas inferências correlacionadas e importantes.
A primeira delas é que, mesmo estando assentados, nem todos os membros da família se
ocupam principalmente da atividade agrícola. Por outro lado, ao verificar um porcentual tão
expressivo de estudantes pode-se inferir que estes podem (ou não) desempenhar tarefas
esporádicas na agricultura, auxiliando os pais. Entretanto, será o suficiente para suprir as
necessidades de produção e garantir a subsistência do núcleo familiar? Caso estes apenas
estudem, fazem sentido as afirmações dos acampados, ao relatarem que desejam para os filhos
um futuro melhor, que há de vir através de muito estudo.
Provavelmente, ao terminarem seus estudos não desejarão permanecer no campo. O
porcentual de apenas 49,0% que se dedicam à atividade agrícola não é pequeno para a atividade
essencial para a qual o assentamento foi criado? Como fica a questão da sucessão hereditária na
agricultura familiar? Tais questionamentos demonstram a necessidade de maiores investimentos
públicos em serviços comunitários rurais, que contribuam para a permanência dos jovens nos
assentamentos.
Com relação ao porcentual expressivo de estudantes verificado nos assentamentos, o
mesmo também foi observado por Alves (2008), em estudo realizado sobre a sustentabilidade de
um assentamento em Alagoas. O autor justifica este dado ao argumentar que o acesso à moradia
fixa e à terra para produzir nos assentamentos faz com que os filhos que vivem na cidade sejam
trazidos para o assentamento, além de essa nova situação produzir maior agregação familiar:
filhos que casam e continuam morando no lote, junto com os pais. Essa realidade, de certa
forma, contribui para que ocorra um fortalecimento da agricultura familiar, embora exista um
189

número considerável de estudantes. Estes ajudam nas atividades do lote, com isso vão adquirindo
conhecimentos práticos de agricultura, que poderão ser aperfeiçoados ou desenvolvidos ao longo
da sua vida.
No caso dos assentamentos pesquisados, todos são bem próximos dos centros urbanos,
facilitando assim o acesso dos estudantes às escolas. Por outro lado, existem escolas na maioria
dos assentamentos, o que também justifica os dados apresentados. Entretanto, não poderia deixar
de considerar que o Programa Bolsa Família, que tem por critério a frequência mínima de 80%
das aulas por parte das crianças, é apontado como fator determinante para o número expressivo
de estudantes constatado nos assentamentos. Destacam-se também os dilemas verificados na
atualidade e relatados por muitos assentados, que é o fato de, pela obrigatoriedade dos estudos,
os filhos já não poderem contribuir muito com a agricultura, sendo necessário contar com a
contratação ou ajuda de terceiros em períodos de intensificação das atividades (plantio e colheita).
Assim, o perfil e a composição das famílias assentadas no Agreste Sergipano revelam que
elas são comuns e tipicamente encontradas nos espaços rurais, não sendo exclusivas de
assentamentos.

6.1.3.2. O Perfil e Composição das Famílias Assentadas na Mesorregião Sertão

As famílias assentadas na mesorregião Sertão de Sergipe fazem parte dos PAs Cuyabá
(Canindé do São Francisco), José Ribamar (Nossa Senhora da Glória) e Pioneira (Poço
Redondo). O perfil do assentado é apresentado na Tabela 10, em que se percebe um predomínio
de mulheres, com idade média de 43,86 anos, cuja maioria possui o ensino fundamental
incompleto, sendo a ocupação de trabalhador rural a principal.
Ao aprofundar a análise sobre o perfil e a composição dessas famílias assentadas,
constata-se, de acordo com a Tabela 11, que mais de 50% de seus são do sexo masculino, com
idade média de 24 anos.
A maior proporção de homens, conforme também verificado na mesorregião Agreste,
está condizente com os resultados da pesquisa de Stropasolas (2004), que observou, nas diversas
regiões brasileiras, um desequilíbrio demográfico entre os sexos, também conhecido como
“masculinização do meio rural”.
Segundo o autor, em função das relações sociais desiguais e excludentes no seio da
agricultura familiar, as mulheres têm saído do campo à procura de trabalho na cidade, como
forma de “mudar de vida”.
190

Tabela 10 – Perfil do assentado na mesorregião Sertão. Sergipe, 2008


Aspectos Unidade Valores
1. Sexo:
1.1. Masculino % 33,33
1.2. Feminino % 66,67
2. Idade Média Em anos 43,86
3. Grau de Instrução:
3.1. Sem instrução formal % 27,71
3.2. Ensino Fundamental Incompleto % 66,26
3.3. Ensino Fundamental Completo % 1,21
3.4. Ensino Médio Incompleto % 3,61
3.5. Ensino Médio Completo % 1,21
4. Ocupação:
4.1. Trabalhador Rural % 79,77
4.2. Dona de Casa % 10,71
4.3. Professor % 1,19
4.4. Aposentado % 1,19
4.5. Outros % 4,76
4.6. Servidor Público % 2,38
Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

Andrade e Santos (2003) constataram que no PA Cuyabá 55,52% eram homens,


reportando ainda que este valor não sofreu variação significativa em relação ao observado no
Projeto Semeando o Futuro, em 2000. Comparando com os dados atuais, demonstra-se uma
situação de permanência de masculinização do meio rural.
O tamanho médio da família era de 5,10 membros, sendo o número médio de filhos de
2,62; preferencialmente do sexo masculino (55,04%) e com idade média de 14,01 anos. Quanto
ao tipo de família, predomina, a exemplo do que já foi verificado na mesorregião Agreste, a
família nuclear (58,54%). Entretanto, verificou-se um porcentual significativo de famílias extensas
(15,85%), ou seja, aquelas compostas por pai, mãe, filhos e outros parentes.
Apareceram também outras configurações familiares, a exemplo de família composta
apenas por um indivíduo (12,20%), como também dos tipos monoparental (7,32%) e composta
(6,10%). Considerando a etapa do ciclo de vida familiar, a maior parte das famílias se encontra
em fase de formação (68,29%), que são casais sem filhos ou com filhos menores de 12 anos. Isto
significa dizer que estão iniciando a vida em família, buscando não apenas a sobrevivência, mas
também garantir a consolidação desse núcleo familiar.
O grau de instrução dos assentados da mesorregião do Sertão foi inferior ao da
mesorregião Agreste, com 84,59% sem concluir o ensino fundamental. No que se refere à
ocupação principal dos membros da família, observou-se uma diversidade, sendo os maiores
porcentuais observados para a categoria agricultor (55,49%) e estudante (32,74%), conforme já
discutido para o Agreste.
191

Tabela 11 – O perfil e composição familiar dos assentamentos da mesorregião Sertão. Sergipe,


2008

Aspectos Unidade Valores


1. Idade média dos membros da família assentada Anos 24,06
2. Sexo
2.1. Masculino % 52,02
2.2. Feminino % 47,98
3. Tamanho médio da família No 5,10
4. Número médio de filhos No 2,62
5. Tipos de família
5.1. Nuclear % 58,54
5.2. Monoparental % 7,32
5.3. Extensa % 15,85
5.4. Composta % 6,10
5.5. Outros % 12,20
6. Etapa do ciclo de vida familiar
6.1. Formação % 68,29
6.2. Maturação % 12,20
6.3. Dispersão % 18,29
6.4. Outros % 1,22
7. Grau de instrução dos assentados
7.1. Sem instrução formal % 7,27
7.2. Ensino fundamental incompleto % 84,59
7.3. Ensino fundamental completo % 5,52
7.4. Ensino médio incompleto % 2,62
8. Ocupação principal dos membros familiares
8.1 Agricultor % 55,49
8.2 Dona de casa % 4,72
8.3. Estudante % 32,74
8.4. Professor % 0,29
8.5. Negociante % 0,29
8.6. Pedreiro % 0,59
8.7. Aposentado % 0,29
8.8. Empregada doméstica % 0,59
8.9. Diarista % 0,88
8.10. Outros % 3,83
8.11. Sem ocupação % 0,29
Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

6.1.3.3. O Perfil e a Composição das Famílias Assentadas da Mesorregião Leste

As famílias assentadas na Mesorregião Leste de Sergipe fazem parte dos assentamentos


Roseli Nunes (Estância), Dorcelina Folador (Itaporanga D’ajuda) e Treze de Maio (Japaratuba).
Conforme evidenciado na Tabela 12, o assentado apresenta praticamente a mesma razão
sexual, idade média de 49,39 anos, e a maioria não concluiu o ensino fundamental (56,96%) ou,
nem mesmo, tem instrução formal (39,24%).
192

Tabela 12 – Perfil do assentado na mesorregião Leste. Sergipe, 2008

Aspectos Unidade Valores


1. Sexo:
% 50,62
1.1. Masculino
% 49,38
1.2. Feminino
2. Idade Média Em anos 49,39
3. Grau de Instrução: %
% 39,24
3.1. Sem instrução formal
% 56,96
3.2. Ensino fundamental incompleto
% 2,53
3.3. Ensino médio incompleto
% 1,27
3.4. Ensino médio completo
4. Ocupação:
4.1. Trabalhador Rural % 74,68
4.2. Dona de casa % 17,72
4.3. Pescador % 2,53
4.4. Aposentado % 2,53
4.5. Outros % 1,27
4.6. Servidor público % 1,27
Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

Quanto à ocupação, a maioria se identificou como trabalhador rural (74,68%), mas houve
um pequeno porcentual daqueles que se autodenominaram pescadores, aposentados,
funcionários públicos e outras funções/ocupações.
No que se refere ao perfil e a composição das famílias assentadas no Leste Sergipano, de
acordo com a Tabela 13, pode-se verificar que a idade média era de 26 anos, sendo 57,25% do
sexo masculino, contrapondo aos 42,75% pertencentes ao sexo feminino, proporção superior à
verificada nas outras mesorregiões.
O tamanho médio das famílias era de 5,18 membros, sendo que o número médio de
filhos era de 2,48, com idade média de 14,20 anos, principalmente do sexo masculino (59,09%).
Quanto ao tipo de família, predominou, como verificado nas mesorregiões Agreste e
Sertão, a família nuclear (50,61%). Constatou-se a presença significativa de famílias extensas
(23,46%), aquelas compostas por pai, mãe, filhos e outros parentes, além das unidades familiares
compostas apenas por um indivíduo (16,05%).
Considerando a etapa do ciclo de vida familiar, a maior parte se encontra em fase de
formação (50,62%), que são casais sem filhos ou com filhos menores de 12 anos. Este valor é
menor que o apresentado para as outras mesorregiões, o que significa que as outras famílias
(49,38%) já passaram por essa fase (40,74%) e estão buscando a sobrevivência e a consolidação
deste núcleo familiar, e as demais ainda se tratam de famílias sem filhos.
De acordo com os dados apresentados, tem-se um perfil familiar bastante similar, na
maioria das variáveis pesquisadas, para as famílias assentadas nas regiões do Agreste, do Sertão e
193

Tabela 13 – O perfil e a composição familiar dos assentamentos na mesorregião Leste. Sergipe,


2008

Aspectos Unidade Valores


1. Idade média dos membros da família assentada Nº 26,61
2. Sexo
2.1. Masculino % 57,25
2.2. Feminino % 42,75
3. Tamanho médio da família Nº 5,18
4. Número médio de filhos Nº 2,48
5. Tipos de família
5.1. Nuclear % 50,61
5.2. Monoparental % 2,47
5.3. Extensa % 23,46
5.4. Composta % 7,41
5.5. Outros % 16,05
6. Etapa do ciclo de vida familiar
6.1. Formação % 50,62
6.2. Maturação % 12,34
6.3. Dispersão % 28,40
6.4. Outros % 8,64

7. Grau de instrução dos assentados


7.1. Sem instrução formal % 21,60
7.2. Ensino fundamental incompleto % 67,04
7.3. Ensino fundamental completo % 1,70
7.4. Ensino médio incompleto % 6,82
7.5. Ensino médio completo % 2,27
7.6. Não responderam % 0,57

9. Ocupação principal dos membros familiares


9.1. Agricultor % 36,38
9.2. Dona de casa % 11,39
9.3. Estudante % 41,11
9.4. Professor % 0,83
9.5. Pescador % 1,07
9.6. Negociante % 0,56
9.7. Tratorista % 0,28
9.8. Pedreiro % 0,83
9.9. Aposentado % 1,39
9.10. Diarista % 0,83
9.11. Outros % 3,06
9.12. Sem ocupação % 1,11
9.13. Funcionário Público % 0,56
Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

do Leste Sergipano. Como exemplo, tem-se o maior porcentual de homens nos assentamentos, o
tamanho médio da família varia de quatro a cinco membros e o número médio de filhos está em
torno de 2,5 por família. Nos estudos socioeconômicos realizados nos assentamentos do Rio
Grande do Norte em 2006, Lira et al. (2006) identificaram dados similares, em que o tamanho
médio das famílias, nos quatro assentamentos pesquisados, era de 4,76 membros. O grau de
instrução dos assentados da mesorregião Leste, em sua maioria equivalente ao ensino
194

fundamental incompleto, influenciou o processo de ocupação, principalmente como agricultor e


estudante.
Nesse contexto, constatou-se que mais da metade das famílias assentadas é de
conformação tradicional nuclear e em fase de formação. A escolaridade média da família é de
cerca de 3,5 anos de estudos, que é bastante inferior à média nacional, que é de 6,3 anos de
estudo (IPEADATA, apud FJP, 2009). Quanto à ocupação principal dos membros familiares,
verificou-se, em todas as regiões, o maior porcentual de membros que se declaram agricultores,
seguidos por aqueles que são estudantes. Entretanto, foram registradas diversas ocupações, sendo
as categorias dona de casa, aposentado, professor e diarista percebidas em todas as regiões.
No que se refere ao grau de instrução dos membros familiares, foram observadas
diferenças significativas entre as regiões, a exemplo do Sertão, onde, ao contrário do Leste e
Agreste, nenhuma família apresenta membro com Ensino Médio Completo. Entretanto, o maior
porcentual verificado em todas as regiões foi de membros que possuem o ensino fundamental
incompleto.
Enfim, o perfil familiar das famílias nos assentamentos pesquisados em Sergipe não
apresenta diferenças significativas, tratando-se predominantemente de unidades familiares
constituídas por pai, mãe e filhos, no estágio de formação do ciclo de vida, com tamanho médio
variando de quatro a cinco membros e dois filhos.

6.2. A Origem das Famílias Assentadas

Para análise da origem das famílias assentadas, buscou-se identificar onde nasceram seus
componentes, o tempo em que moram no assentamento, se moraram em outras comunidades e
quais tinham sido os motivos de ter saído da comunidade em que viviam antes do assentamento,
bem como as razões pelas quais essas famílias vieram para os assentamentos pesquisados.
Quanto à origem, os dados mostram diversidade desses grupos nas mesorregiões do
Sertão e Leste e homogeneidade na mesorregião Agreste (Quadro 2).
Nos assentamentos da mesorregião Agreste, a totalidade das famílias assentadas tem
origem no Estado de Sergipe, seja no município em que está o assentamento ou em outros
vizinhos. Em nenhum dos assentamentos dessa mesorregião foram constatadas pessoas com
origem em outros Estados, o que a diferencia, em termos de origem, do Sertão e Leste
sergipanos. Com relação à origem das famílias assentadas no Sertão e Leste, verificou-se que, em
sua maioria, são do próprio município do assentamento ou de municípios próximos. Entretanto,
constatou-se que algumas têm origem em outros Estados, a exemplo de Alagoas e Pernambuco.
195

Quadro 2 – Origem das famílias, segundo assentamento e região de Sergipe

Região PA Origem das Famílias


Sergipe: Poço Redondo, Aparecida, Canindé, Monte Alegre, Glória,
Gararu, Lagarto, Feira Nova, Carira, Aquidabã. Outros Estados:
Cuyabá
Olhos D’Água, Ouro Branco, Dois Riachos e Pão-de-Açúcar (AL) e
Bom Conselho e Itauba (PE).
Sergipe: Poço Redondo, Glória, Monte Alegre e Porto da Folha.
Sertão
José Ribamar Outros Estados: Minador de Negrão, Mata Grande e Poço das
Trincheiras (AL) e Lagoa do Ouro (PE).
Sergipe: Poço Redondo, Glória, Monte Alegre e Porto da Folha.
Pioneira Outros Estados: Minador de Negrão, Mata Grande e Poço das
Trincheiras (AL) e Lagoa do Ouro (PE).
Caípe Sergipe: Monte Alegre, Poço Redondo e Nossa Senhora das Dores.
José Gomes da Silva Estado de Sergipe: Lagarto
Agreste
Sergipe: São Miguel do Aleixo, Nossa Senhora das Dores, Feira Nova,
Paraíso do São Pedro
Monte Alegre, Muribeca, Aparecida e Poço Redondo.
Sergipe: Santa Luzia do Intahi, Estância, Ribeiro, Itaporanga, Aracaju,
Roseli Nunes Capela, Itabaianinha, Boquim, Muculanduba, Indiaroba e Lagarto.
Outros estados: Arapiraca (AL).
Sergipe: Boquim, São Domingos, Lagarto, Simão Dias, Pedrinhas,
Leste Dorcelina Folador Porto da Folha, Umbaúba, Canhoba, Frei Paulo. Outros Estados:
Viçosa (AL) e Ribeira do Pombal (BA).
Sergipe: Itaporanga D’Ajuda, Itabaiana, Itabi, Jaboatã, Carmópolis,
Treze de Maio Aquidabã, Pacatuba, Capela. Outros Estados: Ferreiro (AL) e Lagoa
do Ouro (PE).
Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

Pode-se inferir que, pela proximidade destes Estados e pelos laços de parentesco existentes essas
famílias migraram para Sergipe.
Para aprofundar a análise sobre o processo de origem e migração dessas famílias, buscou-
se identificar, nas famílias que informaram já ter morado em outra localidade anterior ao
assentamento, as razões que as levaram a sair de lá, tendo sido verificados os motivos testados no
Quadro 3.
Ao analisar os motivos que levaram as famílias a sair do local onde moravam
anteriormente, constata-se a recorrência das afirmações: necessidade de terra, oportunidade de
trabalho, questões e problemas de ordem familiar, entre outras.
Campos (1999) comenta que o fato de querer a terra não reproduz linearmente um
movimento de volta ao campo. Trata-se de um movimento específico, marcado pela convivência
de elementos característicos, no qual a relação entre terra e trabalho não assume uma única
configuração.
196

Quadro 3 – Relação dos motivos da migração dos assentados sergipanos

Mesorregião PA Motivos de Saída


Cuyabá Para lutar pela terra; por questões e problemas familiares; para
procurar melhores condições de vida; porque não tinha terra;
Sertão Pioneira
para buscar trabalho; em virtude da seca; e para ficar perto da
José Ribamar família.
Caípe Pela oportunidade de ter sua própria terra; por problemas de
saúde; por falta de trabalho; por estar desempregado; por não
José Gomes da Silva
Agreste possuir casa; por não ganhar o suficiente para viver; porque
aquele local não era bom; por questões e problemas familiares;
Paraíso do São Pedro
e porque constituiu famílias e precisava se virar;
Roseli Nunes Para procurar sossego; porque não tinha como produzir; por
problemas e questões familiares; por problemas financeiros;
Leste Dorcelina Folador porque sempre acompanhou o movimento de luta; porque não
tinha nem terra e nem casa; porque trabalhava para os outros; e
Treze de Maio porque não gostava de onde morava.
Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

Esse modo de vida voltado para a luta pela terra é característico do ator que o integra,
pois este “tem como elementos constitutivos um passado de lutas, uma relação vivida de
apropriação da terra ou a memória dessa experiência, vivenciada por seus pais e avós”
(FERRANTE, apud CAMPOS, 1999, p. 41).
Ao serem questionados sobre a escolha do assentamento para viver, os assentados se
remeteram imediatamente à vida anterior ao assentamento, na luta pela terra. Relataram que a
vida anterior nem se compara à vida que têm hoje, considerando bem melhor viver no
assentamento. Eles revelaram também que, além da necessidade de sair da vida sofrida, a escolha
de viver no assentamento tem outros significados, como: a importância da terra, do trabalho e do
retorno às origens rurais, bem como a oportunidade de moradia e melhoria nas condições de
vida. Estas questões serão aprofundadas na sequência deste trabalho.

6.3. O Retrato dos Assentamentos na Concepção dos Assentados

Apesar das similaridades verificadas quanto ao perfil e à origem das famílias assentadas e
levando em conta a visão agregada dos atributos regionais, considera-se relevante a apresentação
desses assentamentos na concepção dos próprios assentados. Desta forma, a partir das Oficinas
Diagnósticas realizadas nos PAs, com base no Diagnóstico Rural Participativo Emancipador
(DRPE), buscou-se identificar o retrato dos assentamentos, com ênfase na realidade observada, o
futuro desejado e as ações necessárias para alcançá-lo.
197

É importante destacar que, em virtude da caracterização e do estudo da qualidade de vida


das famílias assentadas, foco próximo capítulo deste trabalho, a realidade dos assentamentos será
apenas apresentada, com breves análises, de forma a retomar essas discussões no próximo
capítulo. Deve ser lembrado também que as proposições metodológicas das Oficinas do DRPE
tiveram por objetivo captar a realidade, por isto foram preparados um ambiente e uma
programação adequados paras as diversas etapas dessas oficinas.

6.3.1. A Preparação das Oficinas Diagnósticas de DRPE

A parte inicial de campo desta pesquisa foi programada a partir da finalização das
disciplinas obrigatórias do curso de doutorado em Geografia e do respectivo projeto de pesquisa,
sendo consolidados os objetivos iniciais que deveriam ser atingidos a partir da pesquisa de campo
nos assentamentos. Desta forma, foram construídos os procedimentos metodológicos, que
incluíam, no caso dos assentamentos, a elaboração do questionário e do roteiro para as Oficinas
Diagnósticas. Entretanto, a limitação estava presente quando se tratava da viabilidade de recursos
para a pesquisa de campo, sendo necessários tanto os recursos materiais para as viagens aos
assentamentos quanto os recursos humanos para auxiliar no processo de pesquisa, já que se
tratava de uma amostra probabilística e muitas famílias a serem entrevistadas.
A realização das Oficinas Diagnósticas iniciou-se na mesorregião do Sertão, em virtude da
participação da pesquisadora no Projeto Universidades Cidadãs, que faz parte do Comitê de
Entidades no Combate à Fome e pela Vida – COEP, um projeto do Ministério da Educação,
financiado pelo Conselho Nacional de Pesquisa – CNPq, que foi desenvolvido pelo
Departamento de Geografia da Universidade Federal de Sergipe – UFS, através da Pró-Reitoria
de Extensão e Assuntos Comunitários. O público-alvo do projeto envolveu assentamentos dos
Estados de Alagoas e Sergipe, sendo os PAs pesquisados em Sergipe de interesse para a pesquisa
de doutorado e para o COEP, atendendo simultaneamente aos objetivos de ambos os projetos.
Os recursos materiais e humanos para a pesquisa nos PAs do Sertão foram disponibilizados pelo
COEP. Desta forma, a equipe de trabalho participou de momentos de treinamento e capacitação
para utilização da metodologia de DRPE e harmonização do discurso, buscando assim maximizar
os resultados a serem obtidos na pesquisa.
Na pesquisa realizada nos PAs das regiões Agreste e Leste foi usada a mesma
metodologia (DRPE) e houve a participação dos alunos da graduação do curso de Engenharia
Florestal.
198

Os encontros foram agendados previamente, com o auxílio dos movimentos sociais


envolvidos (MST, FETASE e Caritas), através de ofícios encaminhados às associações
comunitárias desses assentamentos.
As oficinas iniciavam-se com a apresentação geral da equipe, dos objetivos da pesquisa e
do encontro daquele momento, como forma de deixar clara a inserção e as intenções naqueles
PAs. Em seguida, apresentava-se a metodologia daquele encontro, solicitando a participação e
envolvimento de todos. Percebeu-se que em alguns PAs, a exemplo do Cuyabá (Sertão), alguns
assentados compareceram às oficinas com a esperança de que algo lhes pudesse ser ofertado; na
linguagem utilizada por eles: “trazer algum projeto”. Aliás, a palavra de ordem nos PAs é projeto!
Após a apresentação dos objetivos daquela visita de universitários, alguns assentados
pareciam decepcionados por não ter o que receber da equipe, mas animados ao contarem a sua
história, o que na concepção deles, poderia contribuir, de alguma forma, para melhorar a situação
deles, conforme o relato de um assentado, “Se pela pesquisa nada se vai fazer, pelo menos vai
dizer como nós vivemos, nossa dificuldade, para que alguém possa ver e quem sabe, algum dia,
fazer o que precisa...” (assentado 1).
Nesse momento inicial, o contato entre os assentados e os estudantes era algo novo para
ambos, despertando assim a curiosidade e o interesse em aproveitar intensamente aquele
momento. Apesar de o Estado de Sergipe ter um grande número e diversidade de assentamentos,
a maioria dos estudantes das ciências agrárias desconhecia esta realidade.
A equipe foi bem recebida em todos os PAs, estando presente no local e nos horários
combinados, manifestando grande interesse em apresentar a sua realidade. Ao iniciar as Oficinas
Diagnósticas, após a apresentação dos participantes, buscou-se conhecer, a partir do relato livre
dos assentados, a trajetória de vida até chegar ao assentamento. Nesse momento, foi possível
identificar que na luta pela terra, predominante no caso dos PAs coordenados pelo MST, as
famílias ficaram acampadas e viveram momentos de grandes dificuldades, sendo o assentamento
representado como a conquista da terra, o que pode ser verificado no depoimento de um agente
da pesquisa: “sou assentado e estou satisfeito, lutei muito para conseguir o lote. Graças à Mãe de
Deus consegui” (assentado 2).
Ao se apresentarem, foi inevitável a comparação da vida antes e depois do assentamento,
estabelecendo assim um parâmetro para que possam apresentar a sua realidade, que na concepção
deles melhorou bastante. Alguns depoimentos ilustram melhor esta questão, por exemplo: “Antes
a vida era muito difícil, agora tem uma terrinha e a coisa hoje é melhor” (assentado 3). “A vida
era muito difícil agora está melhor” (assentado 4). “Estou levando a vida, depois do assentamento
199

melhorou porque tenho uma casa para morar” (assentado 5). “Hoje a gente vive bem, antes não
tinha onde plantar e trabalhar. Melhorou 100%. Hoje tenho uma casa para morar” (assentado 6).
Os depoimentos apresentados revelam que o acesso à terra está permeado de significados,
que traduzem a conquista da terra, terra de trabalho e também de morada, destacando o processo
de luta pela terra como sendo o elemento fundamental para a realidade em que se encontram
atualmente.
As Oficinas Diagnósticas seguiram a mesma programação em todos os PAs. Após os
momentos de acolhida, de apresentação, oração ou música inicial, dava-se início à construção da
matriz Realidade, Processo e Desejo. Os assentados foram divididos em subgrupos (homens
adultos, mulheres adultas e jovens, quando possível), sendo cada grupo acompanhado por um
facilitador (da equipe de pesquisa). As discussões realizadas pelos grupos foram registradas em
fichas, que posteriormente formaram um painel único para o assentamento (o que temos, o que
queremos e o que fazer). Os resultados desta construção serão descritos a seguir, por cada
mesorregião.

6.3.2. O Retrato dos Assentamentos no Sertão Sergipano

As Oficinas Diagnósticas na mesorregião Sertão foram realizadas nos PAs, conforme as


seguintes especificações:
- PA José Ribamar (Nossa Senhora da Glória): no dia 22 de setembro de 2007, com a
participação de 26 assentados.
- PA Cuyabá (Canindé do São Francisco): no dia 23 de setembro de 2007, com a
participação de 33 assentados.
- PA Pioneira (Poço Redondo): no dia 13 de outubro de 2007, com a participação de 24
assentados.
Os resultados da construção do painel pelo PA José Ribamar estão no Quadro 4. Nota-se
que a realidade deste PA é vista de maneira bastante positiva pelos assentados, que ressaltaram as
potencialidades relacionadas à terra, aos cultivos praticados, a casa para a moradia (com acesso à
água encanada e energia elétrica), além do apoio do MST e do atendimento do agente de saúde.
Entretanto, como limitações os assentados revelaram que há uma carência de projetos voltados
para a juventude e de investimentos na infraestrutura do assentamento (calçamento, posto de
saúde, telefonia, praça), além do fato de haver união ainda limitada entre os assentados.
200

Quadro 4 – Transcrição do painel “O que temos, o que queremos e o que fazer”, PA José
Ribamar. Nossa Senhora da Glória, SE

PA José Ribamar

Água encanada; energia; cisternas; casas; criações de bovinos,


ouvinos, suínos, equinos e aves; rio Capivara; igreja; barragem;
fábrica de queijo; plantações de milho, feijão, macaxeira,
batata-doce; plantações de frutas e verduras; revendedora de
Potencialidades
gás; médico na comunidade; coragem; agente de saúde;
O que temos assistência técnica pelo MST; curral; sede; centro de formação;
cachoeira; terra para trabalhar; palma; capim; cerca; roças;
Associação.
Falta projetos para a juventude; ponte; calçamento;
Limitações informações; telefonia; união entre os assentados; praça; posto
de saúde; projetos suficientes para a sobrevivência.
Posto de saúde; salão comunitário; escola; calçamento; ponte;
Políticas públicas orelhão público; posto telefônico; pavimentação; praças; áreas
de lazer; transporte público; iluminação pública.
Mais escolas; mais organização; união da comunidade;
O que organização do centro de formação; filhos de assentados com
queremos direito a projetos; trator com implementos para a associação;
Capacitação laboratório de informática; projetos para mulheres de
assentados; curso de formação e capacitação; associações para
a juventude; reforma para o centro comunitário; união e fé em
deus; projetos para a juventude.
Conhecer nossos direitos e cobrar das autoridades para que
Assentados estes direitos sejam cumpridos; não se sentir inferior; ter crítica
e autocrítica.
O que fazer
Apresentar uma proposta ao secretário de saúde do município;
Externos conseguir, através da associação e com a união dos sócios,
apoio da comunidade e do poder público.

Fonte: dados de campo (2007), organizados por Sousa (2009).

Nesse sentido, os assentados projetam uma realidade para o assentamento que possa ser
melhor em infraestrutura e serviços comunitários, o que, consequentemente, contribuirá para
despertar o maior envolvimento e a união das famílias assentadas.
Para atingir a realidade desejada, os assentados apresentam uma concepção baseada nos
direitos e deveres, indicando que é necessário a comunidade se organizar melhor e se mobilizar,
para então cobrar os direitos junto aos órgãos responsáveis. Há o entendimento de que a
realidade do assentamento pode ser melhor do que a apresentada, mas para tanto é necessário
ação.
No Quadro 5, estão os resultados da Oficina Diagnóstica no PA Cuyabá. Este PA possui
uma realidade bastante diversificada em função do próprio número de famílias assentadas. Ao
apresentarem os aspectos positivos, os assentados enfatizaram o acesso aos serviços de saúde e
201

Quadro 5 – Transcrição do Painel “O que temos, o que queremos e o que fazer”, PA Cuyabá.
Canindé do São Francisco, SE

PA Cuyabá
Capoeira; pessoas trabalhadoras; telefone público; energia elétrica;
água encanada; campo de futebol; igreja; posto de saúde; escola;
Potencialidades
associação; centro comunitário; horta; apicultura; mercearia;
trator; ambulância.
O que temos Poucos telefones públicos; falta mais banheiros nas escolas,
merenda escolar e computador; reforma na barragem e na escola;
limitações irrigação; falta uma praça, quadra de esportes; pavimentação em
todas as ruas; falta união e compromisso com as reuniões; o
saneamento básico é ruim; não tem calçamento.
Saneamento; irrigação; calçamento; creche; reformas para casas;
quadra de esportes; praça; posto policial; obra comunitária para as
pessoas que querem trabalhar; computador; campo de futebol
Políticas públicas murado e gramado com vestuário; ampliação da escola; mais
professores; pavimentação das ruas; transporte para a
comunidade; merenda na escola; segurança comunitário; espaço
de lazer; pediatra e ortopedista.
O que
queremos Capacitação para os líderes; paz; união; vereador; mini-cursos;
seminários; excussões para jovens; visita aos núcleos das
faculdades; educação de qualidade; projetos para mulheres; união
entre a comunidade; oficinas de dança e teatro; dedetização;
Capacitação
árvores distribuídas em pontos estratégicos do assentamento;
reforma do centro comunitário; maior cuidado com o lixo;
amizade. Capacitação para a população participar da associação;
participação da população; respeito ao trabalhador.
União um com o outro; respeito; lutar pela melhoria; pensar
unido para falar igual; eleger um representante político da
comunidade; ter mais respeito; união com o MST nas
mobilizações; mobilização; conscientizar a população; projetos
Assentados participativos; reuniões; divulgação da realidade do povo;
divulgação dos produtos artesanais da comunidade; matéria-prima
O que fazer para a construção de produtos; plantar árvores; cuidar do meio
ambiente; cumprir com os nossos deveres; união; força de
vontade; abaixo-assinado para conseguir recursos.
Apoio político; apoio de algum órgão responsável; correr atrás de
investimentos e incentivos para a construção da creche; trazer
Externos
representantes do governo federal, estadual e municipal e
entidades (UFS).
Fonte: dados de campo (2007), organizados por Sousa (2009).

educação, a moradia com água e energia elétrica, e os projetos de agricultura orgânica e apicultura
desenvolvidos por eles, autodenominando-se “pessoas trabalhadoras”.
As limitações apresentadas destacam a infraestrutura básica na agrovila e a necessidade de
projeto de irrigação. Segundo o relato dos assentados, sem o projeto de irrigação não há
condições de produzir e garantir o sustento das famílias. Além disso, a falta de união e de
comprometimento com a associação e suas atividades também são fatores limitantes do
progresso do assentamento.
202

Diante da realidade apresentada, os assentados projetam o desejo de que o assentamento


possa ter melhores condições de infraestrutura e serviços comunitários, destacando, além do
projeto de irrigação, o fortalecimento da união da comunidade e a realização de cursos diversos
de capacitação. Para alcançar os objetivos almejados, os assentados apresentaram diversas
alternativas que devem partir deles mesmos, desde maior comprometimento, força de vontade e
união, até a eleição de um representante político do assentamento. Destacaram também que é
necessário o apoio externo, que caracterizam como o poder municipal, estadual e federal e até a
Universidade Federal de Sergipe.
As condições do PA Pioneira estão listadas no Quadro 6, cujos dados evidenciam uma
realidade de forma diferenciada para homens e mulheres, tendo sido observado que os homens
destacam a infraestrutura existente, enquanto as mulheres, além de concordar com este aspecto,
acrescentam ainda as relações sociais no PA, a exemplo da família e dos laços de parentesco
existentes. As limitações do PA, na concepção dos homens, estão relacionadas à fragilidade e à
desorganização da associação, pois, segundo relatos, o fato de estar inadimplente dificultava ou
impedia o acesso aos projetos e créditos da política de reforma agrária.
Para as mulheres, as limitações estão relacionadas à infraestrutura e às condições e
qualidade da casa e da educação para os filhos. A realidade almejada para o PA converge entre
homens e mulheres quando se referem aos serviços de educação, saúde e infraestrutura.
Os aspectos diferenciados para os homens estão relacionados à legalização da associação
e ao investimento na produção (aquisição de tratores, irrigação), enquanto as mulheres desejam
maior investimento nas opções de lazer para os filhos. Ao apresentarem as ações necessárias
para alcançar a realidade desejada, as mulheres são objetivas em afirmar que, se o problema da
associação é a inadimplência, o melhor caminho é pagar os débitos, e a partir daí poderão ter
acesso a novos créditos. Por outro lado, destacaram a necessidade de tomar as decisões corretas
para atingir os objetivos. Os homens ressaltam a necessidade de mobilizar a comunidade e ir atrás
daqueles que podem auxiliá-los.
De modo geral, os PAs da mesorregião Sertão apresentam uma realidade bastante
parecida, com as potencialidades relacionadas ao acesso à moradia, aos serviços e a equipamentos
comunitários, e as limitações relacionadas à falta de união entre os assentados e à fragilidade das
associações. As formas de superação da realidade atual e o alcance da realidade desejada passam
necessariamente por um processo de maior mobilização, conscientização e união da comunidade,
para que possam buscar, em outras fontes externas, o apoio e a viabilidade dos seus projetos.
203

Quadro 6 – Transcrição do painel “O que temos, o que queremos e o que fazer”. PA Pioneira,
Poço Redondo, SE

PA Pioneira
Homens: uma comunidade unida; escola; associação; agente de
saúde; transporte escolar; barragem; cisternas; energia elétrica;
água encanada. Mulheres: bolsa família; programa do leite;
programa do iogurte e da carne; união e desunião; família,
Poten cialidades amigos e gatos; galinha, terra, casa, cavalo, ovelha, cachorro;
vizinhança; milho, feijão, palma, gado, porco; professora;
O que temos merenda escolar, brinquedos, material escolar; transporte;
ambulância; água encanada; energia; agente de saúde; escola;
cisterna.
Homens: desorganização da associação.
Limitações Mulheres: ruas não são pavimentadas; não tem posto de saúde;
não tem todas as séries na escola; casas precisam de reforma.
Mulheres: posto de saúde; pavimentação das ruas; praça; igreja;
trabalho; escola noturna para os adultos; casas para os filhos
dos assentados; orelhão; quadra de esportes; parque de
diversão; creche; trabalho para os filhos de assentados; campo
de futebol e bolas; mais “bolsa família”; rede de esgoto;
dinheiro; equipe da dengue visitando o assentamento; chuva;
computadores na comunidade; atendimento odontológico;
Políticas públicas projeto; associação melhor; melhores merendas escolares; união
e saúde; ampliação das séries escolares no assentamento.
O que queremos
Homens: associação legalizada; casa precisando de reforma;
calçamento; creche; igreja; quadra de esporte; trator; terno e
bola para a comunidade; posto telefônico; projetos para a
comunidade; teatro para animar as crianças; médico e posto de
saúde; projeto de irrigação; praça.
Mulheres: aula para adultos.
Capacitação Homens: curso de informática no assentamento; Deus nos
ajudar para nos enriquecer.
Mulheres: procurar informações para conseguir os objetivos;
pagar em dia a associação para que ela fique melhor; chegar
junto à prefeitura; pagar o banco; tomar decisão para conseguir
Assentados os objetivos; fazer abaixo-assinado para conseguir escola para
adultos; pedir ajuda para a prefeitura.
O que fazer Homens: se mobilizar e chegar juntos; união da comunidade;
reunir a comunidade e ir atrás do responsável pelo projeto.
Mulheres: procurar a secretaria de saúde; cobrança do
presidente da associação; cobrar das autoridades políticas;
Externos
cobrar dos órgãos competentes; prefeito, vereadores,
deputados, governo, secretarias.
Fonte: dados de campo (2007), organizados por Sousa (2009).
204

6.3.3. O Retrato dos Assentamentos no Agreste Sergipano

As Oficinas Diagnósticas na mesorregião Agreste foram realizadas nos PAs, conforme as


seguintes especificações:
- PA José Gomes da Silva (Lagarto): no dia 29 de fevereiro de 2008, com a participação
de 30 assentados (12 homens, 12 mulheres e 6 jovens);
- PA Caípe (Nossa Senhora das Dores): no dia 4 de março de 2008, com a participação de
25 assentados (5 jovens, 7 mulheres e 13 homens);
- PA Paraíso do São Pedro (São Miguel do Aleixo): no dia 8 de março de 2008, com a
participação de 25 assentados (3 homens, 11 mulheres e 11 jovens);
No Quadro 7 estão os resultados da realidade do PA José Gomes da Silva, com base na
concepção dos seus assentados. De acordo com os resultados, este PA apresenta limitações e
potencialidades diferenciadas na percepção dos homens e das mulheres. Se para as mulheres o
acesso à terra, à casa, ao trabalho e a paz que esta situação estável proporciona são elementos
potenciais desta realidade, para os homens os aspectos da produção e do cultivo existentes são
relevantes.
Enquanto para os homens as limitações estão relacionadas às condições de produção
(crédito, estrada e infraestrutura), para as mulheres algumas estão associadas à carência de
atividades para elas e suas crianças. Os jovens relataram as potencialidades relacionadas à escola e
às relações de amizade entre os colegas, bem como a existência de transporte para o acesso à
escola. As limitações apresentadas por eles se referem à ausência de calçamento e igreja no PA.
Sobre as ações necessárias para atingir a realidade desejada, é unânime entre os homens,
as mulheres e os jovens a necessidade de união e fortalecimento da comunidade para que possam
buscar apoio externo de políticos e similares.
O PA Caípe apresenta uma realidade bem diferenciada dos demais PAs, pois se encontra
praticamente dentro do povoado do qual a maior parte das famílias se origina . A realidade deste
PA, na concepção dos seus assentados, pode ser verificada no Quadro 8.

Esses dados retratam as potencialidades e limitações observadas por seus moradores,


sendo unânime entre homens, mulheres e jovens a existência de água encanada como uma grande
potencialidade do PA. As limitações, por sua vez, são percebidas de forma diferenciada. Se para
os homens a desorganização da associação é um fator limitante, para as mulheres a falta de união
da comunidade é destacada. Os jovens relataram a carência de projetos destinados a eles, bem
como a falta de oportunidades de trabalho, já que o trabalho apenas nos lotes com os pais não é
o suficiente. Pelo fato de estarem dentro do povoado, esses jovens apresentam objetivos e ideais
focalizados na realidade urbana.
205

Quadro 7 – Transcrição do painel “O que temos, o que queremos e o que fazer”. PA José
Gomes da Silva, Lagarto, SE

PA José Gomes da Silva


Homens: galpão; centro comunitário; mandioca; gado, ovelha e
galinha; palma e mandioca.
Potencialidades Mulheres: casa, terra, trabalho e paz.
Jovens: a es cola; as amizades e brincadeiras; água encanada;
energia; transporte escolar.
Homens: falta saneamento básico; falta ponte; falta estrada; falta
O que temos crédito; estrada; falta campo de futebol; mulheres: falta
atividades para as crianças; a renda é baixa; não tem posto de
saúde; falta atividades para as mulheres ganharem dinheiro; falta
Limitações agente de saúde; a saúde é um problema; não tem ambulância; a
renda é baixa; tem água encanada mas não tem como pagar a
conta; tem sempre que fazer bico na roça dos outros para
aumentar a renda.
Jovens: não tem igreja; não tem calçamento;
Homens: piscicultura; casa para jovens; muro na escola; médico
semanal; computador; produtividade; projetos.
Mulheres: aprender artesanato; atendimento de oculista e acesso
a óculos; associação para as mulheres; emprego para os filhos;
O que igreja; uma praça e quadra de esporte; clube de mães; lazer para
Políticas públicas
queremos as crianças; cemitério; creche; calçamento; ter médico e dentista,
posto e ambulância.
Jovens: igreja; creche; livros; posto de saúde e ambulância; grãos;
emprego; agente de saúde; parque; água no verão; salão de festa;
coleta de lixo; parque; dentista; padaria.
Homens: Responsabilidade; União entre as pessoas; Apoio
político. Mulheres: Planos e organização; Ter inteligência; Ter
Assentados
disposição; Colaborar com a associação. Jovens: Abaixo
O que fazer assinado; União; Passeata; Organizar o grupo.
Homens: apoio político; cobrança efetiva dos políticos;
Externos mulheres: buscar o apoio do prefeito.
Jovens: ter apoio da comunidade;
Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

O desejo dos assentados para a sua comunidade é diferente entre os homens, as mulheres
e os jovens. As mulheres desejam que o PA tenha acesso a recursos financeiros e capacitação
para a produção de doces e outros trabalhos artesanais (corte e costura), além de investimento
maior na educação dos filhos.
Por outro lado, os homens do PA Caipe associam a realidade desejada aos recursos
necessários à produção, como crédito, assistência técnica e melhorias nas estradas locais. Os
jovens projetam para o futuro do PA o acesso à estrutura necessária para a prática de atividades
físicas e de lazer. Para alcançarem os objetivos, a união dos assentados e a ação coletiva são os
caminhos apontados por todos eles.
206

Quadro 8 – Transcrição do painel “O que temos, o que queremos e o que fazer”. PA Caípe,
Nossa Senhora das Dores, SE

PA Caípe
Homens: escola noturna; água en canada; poço artesiano; energia.
Mulheres: tranquilidade; gado; educação de adultos; água
Potencialidades encanada;terra para plantar; bons vizinhos; aulas de bordado.
Jovens: tem agente de saúde; tem água encanada; tem energia; tem
capoeira
O que temos Homens: desorganização da associação.
Mulheres: falta união da comunidade; falta de educação informal.
Limitações Jovens: não tem telefone; tem roubos na comunidade (pequenos
animais); não tem igreja; falta emprego; não tem quadra de esporte;
não tem água encanada; não tem renda fixa; não tem praça; não tem
calçamento.
Homens: oculista; trator; orelhão; recursos; melhorias na sede;
irrigação; responsabilidade dos associados; posto médico; presença
de técnicos; anistia das dívidas; igreja; açude nos lotes; melhores
estradas; curral comunitário.
Mulheres: mais união da comunidade; recursos para trabalhar com
artesanato (crochê); água encanada (não apenas no poço); reforma
O que
Políticas públicas na sede do centro comunitário; mais higiene na comunidade;
queremos
recursos para criar gado; recursos para produção de doces; banheiro
na sede do centro comunitário; mais cuidado com o lixo das casas;
recursos para reformar as casas; emprego; atendimento de dentista;
creche para as crianças.
Jovens: academia; local para praticar a capoeira; criação de peixe;
quadra de esporte.
Mulheres: aulas e cursos de corte e costura; banca de reforço
Capacitação
escolar para as crianças.

O que fazer Homens: união; força de vontade; compromisso. Mulheres:


reuniões com a comunidade e o INCRA; trabalho coletivo para
Assentados arrecadar dinheiro para a associação; Reunião com a prefeitura;
Jovens: sociedade; fazer reunião para discutir as questões.
Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

O PA Paraíso do São Pedro possui uma realidade bastante promissora, na percepção dos
seus assentados, conforme se observa no Quadro 9.
Nesse PA, observou-se que a realidade é apresentada pelos jovens e pelas mulheres
destacando o acesso à água encanada e a existência de festas (culturais ou não) como sendo
aspectos potenciais. Os homens relataram o apoio do INCRA e os aspectos relacionados à terra,
à produção e aos cultivos existentes como sendo potenciais do PA. É importante destacar que,
neste PA, elementos subjetivos são considerados potenciais pelos homens, pelos jovens e pelas
mulheres, a exemplo da amizade, alegria e liberdade. Nesta comunidade, os aspectos limitantes
relatados pelos assentados são diferenciados. Para os jovens, faltam opções de lazer; para os
homens, falta a irrigação; e para as mulheres, os problemas estão relacionados à existência de bar
no PA e à venda de bebida alcoólica, o que gera algumas confusões em caso de embriaguês.
207

Quadro 9 – Transcrição do painel “O que temos, o que queremos e o que fazer”. PA Paraíso do
São Pedro. São Miguel do Aleixo, SE

PA Paraíso do São Pedro


Homens: animais; capim; conforto; igreja; cisternas; estradas;
liberdade; terra; energia; apoio do incra; palma; frutas; moradia;
mulheres: alegria; festas religiosas; criações; energia elétrica;
Potencialidades
transporte escolar; água encanada; jovens: posto de saúde; igreja;
liberdade; casa de farinha; amizades; festas; bar; energia; água
O que temos encanada; transporte escolar.
Homens: não tem irrigação; não tem clube ou centro comunitário;
não tem união; não tem creche.
Limitações
Mulheres: problemas com o bar e a vizinhança.
Jovens: não tem lazer; não tem rede de esgoto.
Homens: casa de farinha; assistência técnica de boa qualidade;
campo; trator; irrigação; projeto produtivo; reforma nas passagens
molhadas; teforma nos lotes; financiamento; mudas de frutíferas.
Políticas públicas Mulheres: trator; escola; esgoto; praça e quadra; mais compreensão
O que na comunidade; emprego para os jovens; coleta de lixo; mais
queremos amizade; rede de esgoto; apoio dos órgãos públicos; jovens: praça;
reforma da casa de farinha; emprego; ser ouvido; casa comunitária;
escola; parque para as crianças; computadores; creche.
Capacitação Mulheres: cursos (bordado, crochê).
Homens: diálogo entre a associação e os órgãos governamentais;
exigir mais dos órgãos; união da associação; participar e contribuir
mais com a associação; mulheres: escolher melhor os governantes;
trocar alguns membros da diretoria da associação; unir mais a
Assentados
O que fazer associação para buscar os interesses da comunidade; trazer cursos
e possibilidades para empregar os jovens; união dos
companheiros;jovens: cobrar da comunidade (união, sinceridade,
disposição para lutar pelos seus direitos).
Externos Homens: conversar com o INCRA.
Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

A realidade almejada para os homens do PA Paraíso do São Pedro está direcionada para a
questão produtiva (assistência técnica, irrigação, financiamento, viveiro de mudas), enquanto para
as mulheres ela está associada ao incremento das relações sociais da comunidade, como maior
amizade e compreensão entre os assentados. Os jovens desejam, além das opções para lazer e
formação, oportunidades de emprego, o que é validado também pelas mulheres. Este relato dos
jovens é bastante complexo, uma vez que, em se tratando da política de reforma agrária, com a
agricultura baseada no trabalho familiar, supõe-se que os jovens estejam trabalhando com os pais.
Entretanto, conforme já verificado no Agreste (PA Caípe), os jovens não estão
estimulados a continuar a atividade dos pais. Os jovens relataram ainda que necessitam ser mais
ouvidos e expor suas ideias e demandas, a exemplo do que aconteceu nesta Oficina.
Para conquistarem a realidade desejada para o PA, é unânime entre jovens, mulheres e
homens a necessidade de maior união da comunidade, de diálogo com o INCRA e cobrança
208

junto aos outros órgãos. Sobretudo, como mencionaram as mulheres, há necessidade de escolher
melhor os seus representantes políticos.
Os PAs da mesorregião Agreste apresentam menos problemas estruturais que os da
mesorregião do Sertão. Nesta mesorregião está o PA Paraíso do São Pedro, coordenado pela
FETASE, que traz, na sua concepção, outra realidade da luta pela terra. Portanto, permanece a
questão marcante da articulação e organização política através do sindicato, sendo esta a
explicação para as argumentações de cunho político percebida nos relatos. Por outro lado, o PA
Caípe, por estar dentro do povoado, possui um maior acesso aos serviços básicos e de
infraestrutura, já que o investimento feito no povoado reflete diretamente naquele assentamento.
De modo geral, os PAs do Agreste também reclamam da falta de união entre os assentados e
colocam este aspecto como pauta para alcançarem uma realidade melhor para o PA.

6.3.4. O Retrato dos Assentamentos no Leste Sergipano

As Oficinas Diagnósticas na mesorregião Leste foram realizadas nos PAs, conforme as


seguintes especificações:
- PA Dorcelina Folador (Itaporanga D’Ajuda): no dia 1o de março de 2008, com a
participação de 23 assentados (9 mulheres e 14 homens);
- PA Roseli Nunes (Estância): no dia 7 de março de 2008, com a participação de 19
assentados (12 homens e 7 mulheres); e
- PA Treze de Maio (Japaratuba): no dia 14 de maio de 2008, com a participação de 28
assentados (3 jovens, 8 mulheres e 7 homens).
O PA Dorcelina Folador é apresentado pelos homens como sendo o reflexo da política
de reforma agrária, em que o acesso à terra, à moradia e à educação é considerado como
potencialidade. Para as mulheres, os mesmos aspectos são mencionados, acrescentando a questão
das matas existentes, as plantações e os animais. Como aspectos limitantes, os homens
consideram as questões relacionadas à produção (a má qualidade do solo, falta de recursos e
assistência técnica), enquanto para as mulheres as limitações estão associadas à carência de
infraestrutura e serviços comunitários, uma vez que se preocupam com o bem-estar da família e,
de modo especial, com os filhos (Quadro 10).
Os homens e as mulheres do PA Dorcelina Folador desejam que o ele possa ter uma
outra realidade, onde os problemas de infraestrutura sejam solucionados e as famílias assentadas
possam ter maior acesso a serviços comunitários. Para tanto, ambos consideram importante a
necessidade de unir a comunidade, protestar e reivindicar os seus direitos. Destacaram a
209

Quadro 10 – Transcrição do painel “O que temos, o que queremos e o que fazer”. PA Dorcelina
Folador. Itaporanga D’Ajuda, SE

PA Dorcelina Folador
Homens: energia elétrica; casa própria; água de boa qualidade;
bons professores na escola; boa vizinhança; PRONAF.
Potencialidades
mulheres: reserva de mata; escola; água; gado; cavalo; plantações;
terra; borracharia; energia; casa.
Homens: assistência técnica ruim; solos não muito férteis; falta
O que temos de boas estradas; falta de recursos para trabalhar; não tem
incentivo ao esporte. Mulheres: falta de calçadas; falta casa de
Limitações farinha; falta de segurança; falta praça; falta banheiro; falta posto
de saúde; falta lazer para as crianças; falta clube; falta academia;
falta transporte; falta creche; falta comércio; falta financiamento;
falta telefone.
Homens: praça; posto de saúde; quadra; igreja; equipamentos
agrícolas; galpões de depósito nos lotes; campo de futebol;
centro social; reforma das casas; estradas; cursos técnicos;
O que quebra molas; ampliação da escola; mais séries do ensino;
Políticas públicas
queremos saneamento básico. Mulheres: transporte; reforma das casas;
centro comunitário; mais professores; seção para votação
(eleição); poço artesiano; assistência técnica; segurança; saúde;
trator; academia.
Homens: fazer manifestações; união de todos; se unir mais
Assentados perante a associação; mulheres: protestar; fazer reuniões; lutar;
O que fazer mobilizar; fechar a BR.
Homens: reuniões com a prefeitura; manifestações aos órgãos
Externos
competentes; reunir com o MST.
Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

necessidade de maior diálogo com o MST e demais órgãos competentes como alternativas para
alcançarem a realidade desejada.
O PA Roseli Nunes pode ser retratado, na percepção dos seus assentados, conforme
listado no Quadro 11. Para homens e mulheres deste PA, a realidade apresenta potencialidades de
ordem objetivo-estrutural, mas também de caráter subjetivo, a exemplo da amizade, do
companheirismo e da ajuda mútua entre os assentados, destacando assim a importância atribuída
às relações sociais. Como o PA está localizado no litoral, a maré é considerada como
potencialidade, uma vez que dela é possível obter os pescados, importantes para o consumo
alimentar e até para a comercialização. A maré é aqui interpretada como prosperidade para o PA.
As limitações percebidas pelos homens e mulheres estão relacionadas aos serviços
comunitários básicos e de infraestrutura, que são ainda inexistentes no PA, como escola, posto de
saúde e telefone. Os homens também destacaram a questão dos recursos e das condições
necessárias para produção (assistência técnica, irrigação, crédito), enquanto as mulheres
consideram como prioridades mais opções de lazer para os jovens e idosos da comunidade.
210

Quadro 11 – Transcrição do painel “O que temos, o que queremos e o que fazer”. PA Roseli
Nunes, Estância, SE

PA Roseli Nunes
Homens: tem ajuda entre amigos; tem água encanada; tem casa de
farinha; tem maré. Mulheres: água; equipe médica; energia;
Potencialidades
financiamento; casa de farinha; amizade e companheirismo entre
os vizinhos.
Homens: falta escola; falta posto de saúde; água é de péssima
qualidade; falta creche; falta praça; falta assistência técnica; falta
O que temos irrigação; falta telefone; falta sede; falta financiamento; falta
organização; falta estrada para os lotes; falta terminar fábrica de
Limitações polpas; falta lazer; falta quadra de esportes; falta responsabilidade
na presidênci a da associação; falta casa nos lotes; mulheres: falta
escola; falta posto de saúde; falta união nas atividades do
assentamento; faltam cursos e treinamentos para idosos e jovens;
falta lazer.
Homens: melhoria nas casas; boa educação; área de lazer; trator e
caminhão; posto telefônico; transporte coletivo; recursos;
assistência técnica; mais esporte; produção coletiva; irrigação;
cooperativa; venda e preço garantidos; união; crédito para mão-
O que de-obra; lazer; mulheres: posto médico; diálogo; iluminação
Políticas públicas
queremos pública; escola; praça e lazer; igreja; água com qualidade;
assistência técnica; posto policial; organização e seriedade da
associação; projetos para a comunidade; galpão; telefone público;
horta comunitária; união; companheirismo; transporte escolar;
creche; melhoria das casas.
Homens: vontade de trabalhar; organização da associação;
diálogo; união dos trabalhadores; regularização da associação;
empreendedorismo; união; mulheres: procurar órgãos públicos;
O que fazer Assentados união dos companheiros em diálogo; procurar a prefeitura;
conscientizar politicamente a comunidade; ajudar os
companheiros; manifestações; cobrar investimentos da prefeitura;
mobilizar a comunidade; votar em políticos comprometidos.
Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

A realidade desejada para o PA Roseli Nunes inclui, na percepção de homens e mulheres,


o acesso a uma infraestrutura melhor e melhores condições para o investimento na produção,
visando garantir a subsistência das famílias. Dos PAs pesquisados, este é o que possui maior
carência de investimentos em infraestrutura e serviços básicos. Para alcançarem uma realidade
melhor, a união da comunidade é mencionada por homens e mulheres como sendo fundamental,
além de ações que incluam desde a organização da associação até as manifestações de reivindicação.
Mobilizar a comunidade e, numa outra oportunidade, votar em representantes
comprometidos são também ações que podem transformar a realidade do PA Roseli Nunes.
O PA Treze de Maio é apresentado pelos assentados de forma bastante positiva, tanto
pelos homens, quanto pelos jovens e pelas mulheres. São várias as potencialidades relatadas, que
envolvem desde a produção e comercialização de produtos para a CONAB, projeto de apicultura,
até a existência de grupo folclórico e de um patrimônio histórico, envolvendo o casarão do
período da escravidão, conforme o Quadro 12.
211

Quadro 12 – Transcrição do Painel “O que temos, o que queremos e o que fazer”. PA Treze de
Maio, Japaratuba, SE

PA Treze de Maio
Homens: posto médico; terra fértil; pronaf; comercialização pela conab;
transporte público; grupo folclórico; campo de futebol; água, luz e energia
elétrica; funcionamento da associação; casa histórica (casarão); transporte
escolar; igreja; criação de gado; mulheres: apicultura; plantações; igreja; poço
Potencialidades
dágua; energia; moradia; igreja; transporte para feira; médico; escola; jovens:
plantações e criações; transporte escolar; campo; atendimento médico;
poços; mirante natural; casa histórica; energia; água; coleta do lixo;
O que temos assembleias da associação.
Homens: água de má qualidade; destruição do casarão; poluição do rio; não
tem telefone público; difícil acesso aos lotes; seca; ação injusta dos órgãos
(IBAMA); falta de boa vontade do governo; lentidão na liberação do crédito;
Limitações
falta transporte para os produtos; mulheres: estradas ruins; destruição do
casarão; a qualidade da água é ruim. Jovens: lixo no riacho; destruição do
casarão (patrimônio histórico).
Homens: praça; pavimentação das ruas; casa de farinha; mais técnicos;
melhorar o posto médico e aumentar o número de médicos; disponibilidade
de sementes; um representante político da comunidade (casarão); auxílio
jurídico (advogado); esgoto; trator.
Mulheres: telefone público; casa de farinha; área de lazer (praça); quebra-
molas; salão comunitário e de festas; solidariedade; união; melhores estradas;
O que Políticas maior participação das mulheres nas reuniões da associação; esporte para as
queremos públicas crianças; catecismo. Jovens: casa de farinha; reforma do casarão;
pavimentação da estrada de acesso ao assentamento; mercadinho; praça;
casa do mel; atendimento de pediatra, dentista e agrônomo; sementes e
adubos; panificação distribuidora de gás; comércio do artesanato; melhor
estrutura de segurança da escola; material escolar para os alunos;
participação maior dos jovens na associação; melhor qualidade da água;
conscientização das pessoas para a conservação do riacho; biblioteca.
Homens: tentar aprovar os projetos; trabalhar para o reconhecimento da
associação; melhorar a associação; convocar as entidades envolvidas para
resolver os problemas.
Mulheres: fazer com que a comunidade cresça; correr atrás, mas a quem
procurar?; projetos para os jovens; fazer projetos para as mulheres; procurar
a secretaria de obras da prefeitura para reformar o casarão; cobrar da
O que fazer Assentados associação para que resolva os problemas da comunidade; Incentivar as
mulheres para que participem mais da associação; Incentivar os filhos para a
apicultura.
Jovens: cobrança da prefeitura; conseguir recursos; reunir a comunidade
para limpeza do riacho e educação ambiental; reivindicar na secretaria de
educação o material escolar e a biblioteca; aumentar a atuação das mulheres
na associação; ter organização.
Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

No PA Treze de Maio, o segmento masculino considera que essas limitações estão


relacionadas ao acesso a crédito e à demora na sua liberação, o que prejudica a produção.
Reclama ainda da ação do IBAMA, em virtude de conflitos ambientais vivenciados naquela área
do PA. As mulheres e os jovens reclamam da qualidade da água e da deterioração do casarão, que
212

é considerado um grande patrimônio para eles, mas que não recebe das autoridades os
encaminhamentos devidos, em termos de tombamento, restauração e conservação.
A realidade almejada para o PA Treze de Maio está direcionada para vários aspectos:
infraestrutura e serviços básicos, investimentos na produção, no fortalecimento das relações
sociais e associação existente. Para atingir estes objetivos, acreditam que é necessário fortalecer a
associação e unir a comunidade, buscar ajuda de parceiros para a solução dos problemas
identificados, incrementar os projetos existentes e buscar novos projetos.
Essa realidade dos PAs, apresentada pelos próprios assentados, revela a essência das
potencialidades e limitações observadas, bem como a realidade almejada e as ações vistas por eles
como sendo necessárias para a transformação positiva da realidade.
Ao analisar as potencialidades, o acesso à terra, ao trabalho e à moradia (sobretudo com
água encanada e energia elétrica) revela o significado da reforma agrária para essas famílias. Os
cultivos são considerados como as riquezas obtidas a partir do trabalho na terra e expressam
orgulho dos assentados. Se antes, conforme os relatos, a situação era complicada (não possuíam
terra e nem condições de trabalho ou moradia), agora está mais fácil. Este fato explica a tendência
de os assentados apresentarem a garantia dos direitos básicos do cidadão como potencialidades
do PA. Por outro lado, ainda que reconheçam estes aspectos objetivos da sobrevivência, os
assentados destacam outros elementos importantes, subjetivos, como as relações sociais
existentes na comunidade, a amizade, a alegria e a liberdade. Possuir a terra é ser livre, é trabalhar
para si, é seguir o seu próprio caminho. Observa-se, ainda, a valorização cultural, ao
mencionarem a questão do folclore e do patrimônio histórico a ser valorizado pela comunidade e
conservado pelas autoridades.
Mesmo apresentando uma realidade em que é possível notar potencialidades nos PAs, os
assentados não omitem as limitações de diversas ordens, que impedem ou dificultam melhores
condições materiais de vida nos assentamentos.
Inicialmente, as limitações de infraestrutura e serviços comunitários são aquelas mais
mencionadas por eles. Se em alguns PAs a existência de Posto de Sáude é considerada como
potencialidade, para outros, esta ainda é uma carência. A diversidade dos PAs, em diferentes
estágios e regiões, revela vários problemas de infraestrutura, sendo alguns comprometedores da
saúde, a exemplo do destino inadequado do lixo e dos dejetos. Além disso, a carência de opções
de lazer e de oportunidades de formação e envolvimento para os jovens dentro do próprio
assentamento faz com que eles desejem cada vez mais buscar emprego nas cidades.
Os aspectos limitantes considerados em todos os PAs pesquisados são aqueles
relacionados às condições para a produção. Na concepção dos assentados, não é possível
213

produzir e viver da produção de forma satisfatória sem o acesso ao crédito, à sua liberação no
momento oportuno; à assistência técnica de qualidade; e ao projeto de irrigação em alguns casos,
além dos canais de comercialização necessários. Estas são algumas das limitações enfrentadas
pelos assentados.
Entretanto, de todas as limitações apresentadas, a fragilidade, a desorganização e a falta de
perspectivas para a associação são consideradas como as de maior gravidade, cujos efeitos
negativos se tornam um verdadeiro empecilho ao desenvolvimento dos assentamentos. Em todos
os PAs pesquisados, as associações são relatadas como problemáticas pelos assentados. Ora não
agem, ora estão inadimplentes, ora o dirigente é ruim, ora os assentados não colaboram. Assim,
há clareza dos efeitos negativos dessa situação, que influencia diretamente todos os assentados,
que almejam uma realidade diferente, mas que ainda parece distante.
Essa realidade reflete a reforma agrária que vem sendo realizada em Sergipe e em outros
Estados brasileiros. Se por um lado o acesso à terra melhorou significativamente a vida das
famílias em comparação ao período anterior, por outro, ainda permanece cheia de lacunas a
serem preenchidas para garantir a permanência na mesma. É uma reforma agrária que garante o
acesso à terra aos trabalhadores rurais Sem-Terra, mas não os prepara para que possam
desenvolver suas atividades plenamente. É neste contexto que as associações representam, em
potencial, as alternativas para que os assentados se fortaleçam em capital humano e alcancem, a
partir deles mesmos, a realidade desejada.
Ao analisar a realidade almejada para os assentamentos, há uma diversidade de
argumentações, mas que convergem simplesmente para a solução dos problemas vivenciados,
sejam os relacionados à infraestrutura e aos serviços comunitários, às condições necessárias para a
produção e comercialização ou, até mesmo, à necessidade de fortalecimento de suas associações e
união das famílias assentadas.
Ao apresentarem as proposições para transformar a sua realidade, os assentados são
enfáticos ao afirmarem que, em primeiro lugar, é necessário estreitar os laços de união entre as
famílias assentadas e com a comunidade, como também fortalecer, equilibrar e organizar as
associações existentes, para que, através destes primeiros passos, os demais sejam sequenciados.
Argumentam acerca da necessidade de buscar apoio externo aos assentamentos, no qual figuram
o apoio do INCRA e dos demais órgãos governamentais competentes. Reconhece-se assim,
como destacam Schneider e Tartaruga (2004), a importância da governança (interação e regulação
entre atores, instituições e Estado) e da conceituação social e coordenação de interesses de atores,
pensado a partir da ideia de capital social, determinado, no estudo em questão, de assentamentos
rurais.
214

Os assentamentos, na perspectiva de territórios, seriam unidades de referência e mediação


das ações do Estado e, portanto, da política de reforma agrária, tornando-se, assim, um modo de
ação que valoriza os atributos políticos e culturais das comunidades e dos atores ali existentes.
Além disso, com base em suas trajetórias de luta pela terra, na participação nos
movimentos sociais e na necessidade de lutar pelos seus direitos, protestarem; o ato se de fazerem
presentes com suas dificuldades e limitações torna os assentados mais pró-ativos. Os assentados
relataram ainda que um dos pontos de transformação positiva da realidade dos assentamentos é a
eleição de políticos e representantes que façam jus às suas aspirações, que possam de fato
representá-los, sendo a eleição de assentados para comporem os cargos políticos considerada
uma estratégia importante.
Assim, para transformar positivamente a sua realidade, os assentados demonstram
conhecer os caminhos, reconhecem a sua capacidade e admitem a necessidade de apoio externo.
Mas, de alguma forma, ainda não conseguiram potencializar as capacidades existentes e
efetivamente trilhar os caminhos de superação apontados, possivelmente pela falta de
planejamento e ações em parceria, de forma a normatizar o compartilhamento de objetivos
comuns, por meio de um trabalho e redes. Como comenta Ribas (2003), o trabalho em rede cria
relações que se antepõem à tradição hierárquica e clientelista, ainda fortemente presente no trato
das políticas públicas brasileiras. Esta é a realidade dos assentamentos pesquisados em Sergipe, na
concepção dos seus próprios assentados.
215

7. A QUALIDADE DE VIDA EM ASSENTAMENTOS RURAIS SERGIPANOS:


CONCEPÇÕES E REFLEXÕES

A análise da qualidade de vida nos assentamentos rurais de Sergipe foi realizada a partir de
etapas distintas e complementares. Inicialmente, são apresentadas as conceituações e proposições
sobre a qualidade de vida, com ênfase na perspectiva adotada neste trabalho, que envolve a
articulação dos aspectos quantitativos e qualitativos, considerando as percepções do grupo em
estudo. Em seguida, descreve-se a base teórica e conceitual para o estudo da qualidade de vida,
considerando os indicadores e parâmetros que historicamente são utilizados para as pesquisas
sobre o tema, bem como é feito um resgate dos estudos realizados sobre qualidade de vida em
assentamentos. Posteriormente, inicia-se a análise da qualidade de vida das famílias assentadas em
Sergipe, apresentando a proposta metodológica adotada na pesquisa, que é o modelo de Metzen
et al. (1980).
Com base no respectivo modelo e nas suas adaptações para a realidade dos
assentamentos, a análise é realizada em quatro etapas articuladas: a análise das concepções da
qualidade de vida por parte das famílias; a caracterização da qualidade de vida a partir dos
domínios ou elementos que compõem a qualidade de vida; a priorização dos domínios por parte
das famílias, por ordem de importância; e o nível de satisfação com os domínios. Assim, a partir
desta perspectiva é que foi realizada a análise da qualidade de vida das famílias assentadas em
Sergipe, que será detalhada neste capítulo.

7.1. Conceituações e Proposições sobre Qualidade de Vida

Refletir sobre qualidade de vida implica considerá-la nos diferentes contextos e


percepções, a partir dos quais são elaboradas as conceituações e proposições para a sua análise,
conforme o nosso propósito de discussão sobre a referida temática. Segundo Sousa et al. (2004),
apesar de só recentemente a preocupação em relação ao tema qualidade de vida ter se
intensificado, esta já se apresentava bem antes de se despertar para a necessidade do
estabelecimento de parâmetros que tornassem possível a sua apreensão e consequente aferição.
De acordo com Brito (2002), desde os primórdios o homem já buscava a melhoria da
qualidade de vida , o que naquela época era sinônimo de subsistência e segurança, portanto sua
maior preocupação era com a sobrevivência. Buarque enriquece essa discussão ao comentar que
216

durante séculos, a qualidade de vida estava em não ser ameaçado pelos deuses,
nem ser surpreendido pelas intempéries, ter força para resistir aos inimigos
naturais e humano, (...) talvez nenhum conceito seja mais antigo, antes mesmo
de ser definido, do que qualidade de vida e talvez nenhum seja mais moderno
do que a busca da qualidade de vida, sendo que mais moderna ainda seja a
crítica e sua redefinição (BUARQUE, apud por BRITO, 2002, p. 26).

É perceptível, através das ideias apresentadas pelo autor, que o termo qualidade de vida
esteve sempre atrelado às realidades sui generis que a população mundial estava vivendo. Ou seja,
“a qualidade de vida tem sido amplamente buscada pelos povos, das civilizações primitivas às
mais desenvolvidas, expressando-se de acordo com a realidade empírica que se apresentava em
dado tempo” (BARRETO et al., 2005).
Essa evolução histórica do significado de qualidade de vida é descrita, de forma resumida,
no Quadro 13.

Quadro 13 – Significado de qualida de de vida ao longo da história

Época Significado de Qualidade de Vida


Homem nômade à procura do ambiente adequado para satisfazer as suas necessidades
Pré-História
(sobrevivência/subsistência/segurança).
Estava associada a viver nas Cidades-Estado (polis) com a proteção dos imperadores contra
Antiguidade
as invasões das civilizações emergentes, além da participação política.
Idade Média Obedecer e seguir fielmente os preceitos dogmáticos da Igreja Católica.
Idade Moderna Associada ao montante de metais preciosos que um indivíduo possuísse.
Inicialmente, viver nas cidades industriais, utilizar máquinas no trabalho, nas grandes
corporações de onde o assalariado retirava sua renda para satisfazer suas necessidades e de
Idade
sua família. A partir do século 20, transforma-se em consumo de bens. Mais recentemente,
Contemporânea
passou a ser menos o bem-estar conseguido graças ao uso de bens do que o consumo do
próprio bem e o uso das máquinas de última geração...
Fonte: adaptado de Brito (2002); Sousa et al. (2004); Barreto et al. (2005); Moreira (2006), organizado por Sousa
(2009).

Bodstein, apud Moreira (2006), adverte que o conceito de qualidade de vida remonta à
Antiguidade e sofreu, ao longo da História, várias transformações em seu sentido. Assim,
Kluthcovsky e Takayanagui opinam,

a noção de qualidade de vida pode ser vista por três ângulos, dentre elas a
histórica; na qual num determinado tempo de uma sociedade, existe um
parâmetro de qualidade de vida que pode ser diferente de uma outra, da mesma
sociedade (KLUTHCOVSKY; TAKAYANAGUI, 2007, p. 14).

Segundo a Comissão Independente População e Qualidade de Vida (1998), muito do que


as pessoas chamam de qualidade de vida é culturalmente definido. Mesmo dentro de uma
sociedade específica, os pontos de vista relativos ao que é qualidade de vida diferem largamente
entre as suas subculturas e os indivíduos que a compõe.
217

Assim, Moreira resume esta discussão, afirmando que

de fato, a qualidade de vida e a busca pela melhoria da qualidade de vida são


procuras incessantes dos seres humanos. Ao afirmar isto, estamos partindo da
tese de que uma das características fundamentais da nossa espécie é a eterna
necessidade de querer viver bem, de constantemente vislumbrar novas
condições para melhoria do cotidiano, de tentar superar as condições mais
adversas por outras um tanto melhores (MOREIRA, 2006, p. 2).

Segundo Kluthcovsky e Takayanagui (2007), a expressão qualidade de vida foi


mencionada pela primeira em 1920, por Pigou, em um livro sobre economia e bem-estar, porém
este termo não foi valorizado e acabou sendo esquecido. Por sua vez, Fleck et al. (1999) e Leal
(2008) comentam que o conceito de qualidade de vida foi usado pela primeira vez, em termos
econômicos, por Lyndon Johnson, presidente dos Estados Unidos, ao dizer que “os objetivos
não podem ser medidos através do balanço dos bancos. Eles podem ser medidos através da
qualidade de vida que proporcionam às pessoas”.
Entretanto, somente após a 2 a Guerra Mundial que o termo qualidade de vida passou a
ser muito utilizado, com a noção de sucesso associado à melhoria do padrão de vida,
principalmente relacionado à obtenção de bens materiais (NAHAS, apud KLUTHCOVSKY;
TAKAYANAGUI, 2007).
Em meados da década de 1970 já havia algumas tentativas de se definir qualidade de vida,
sendo demonstradas as dificuldades para tal, pelo fato de ser um conceito muito falado, mas
pouco percebido (LEAL, 2008). Segundo Cordini (1982), a expressão qualidade de vida ganhou
foro de opinião pública internacional após a Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente, na Suécia, em 1972. Já Herculano (2000) admite que a reflexão sobre qualidade de vida
começou em 1985, com o World Institute for Development Economics Research (WIDER), das Nações
Unidas. Em 1988 foi promovida uma conferência, organizada pela filósofa Martha Nussbaum e
pelo economista indiano Amartya Sen, sobre qualidade de vida.
Milone, apud Sousa et al. (2005), observou que alguns teóricos se empenharam para
elaborar teorias econômicas que identificassem e explicassem como se dava o crescimento
econômico de uma nação, limitando a qualidade de vida ao crescimento do Produto Interno
Bruto ou da renda nacional per capita.
Conforme relatam Kluthcovsky e Takayanagui (2007), nessa fase o termo qualidade de
vida era utilizado para criticar políticas cujo objetivo era o crescimento econômico sem limites.
Posteriormente, o conceito foi ampliado, referindo-se também à mensuração do
desenvolvimento econômico de uma sociedade. Cebotarev (1982) é enfática ao dizer que no
218

passado o conceito de qualidade de vida foi muito utilizado para justificar o status quo27 e os
programas de governos duvidosos.
Mas, para Ferreira (1986), não se pode falar em desenvolvimento, privilegiando somente
os indicadores econômicos, por exemplo, o aumento da renda per capita, e desconsiderando o
crescimento do padrão de vida da população. A mesma opinião é corroborada por Brito (2002),
ao comentar que não se pode isolar a qualidade de vida de desenvolvimento, porque são dois
conceitos que contemplam o bem-estar da sociedade em geral. O autor, citando Wilheim,
comenta:

É preciso resolver primeiro os problemas básicos de sobrevivência para depois


pensar em qualidade de vida. A qualidade de vida não é medida diretamente por
variáveis econômicas, ela é difícil de ser mensurada. Portanto, é condição sine
qua non28 identificar os fatores que constituem a qualidade de vida, e quais os
fatores básicos responsáveis pela superação do estágio de sobrevivência
(WILHEIM, apud BRITO, 2002, p. 32).

Assim, de acordo com Barreto et al. (2005),

a grande contribuição se deu na quebra de paradigmas entre crescimento e


desenvolvimento econômico. O aumento contínuo em termos quantitativos da
renda per capita ou do Produto Interno Bruto por si só não significa
desenvolvimento, uma vez que para uma nação ou região desenvolver-se,
necessário se faz que atrelado ao crescimento quantitativo haja o crescimento
qualitativo promovido pela alocação dos recursos econômicos para os diversos
setores da sociedade, tais como educação, saúde, habitação, saneamento,
emprego, distribuição equitativa de renda, preservação ambiental, entre outros
(BARRETO et al., 2005, p. 229).

Segundo Leal (2008), essa abordagem multidimensional do conceito qualidade de vida


surge a partir dos anos de 1980, envolvendo diferentes perspectivas, entre elas a biológica, a
psicológica e a cultural e econômica. A autora complementa: “somente na década de 1990,
chegou-se à conclusão acerca da multidimensionalidade e também da subjetividade deste
conceito” (LEAL, 2008, p. 4).
Paschoal, apud Kluthcovsky e Takayanagui (2007), acrescenta que o conceito se ampliou,
significando, além do crescimento econômico, o desenvolvimento social, como educação, saúde,
lazer, etc. Assim, qualidade de vida pode ser vista como um conceito que possui vários
significados e percepções, estando ligada diretamente às opções econômicas, ao tipo de
necessidades familiares e sociais do indivíduo e ao seu ambiente.

27
Status quo (da frase completa in statu quo res erant ante bellum) é uma expressão latina que designa o estado atual das
coisas, seja em que momento for.
28 Sine qua non, ou condição sine qua non, originou-se do termo legal em latim para “sem o qual não pode ser.
219

Nesse sentido, como destacam Queiroz et al. (2004, p. 412), qualidade de vida pode
representar felicidade, harmonia, saúde, prosperidade, morar bem, ganhar salário digno, ter amor
e família, poder conciliar lazer e trabalho, ter liberdade de expressão, ter segurança, enfim,
significa todo esse conjunto de atributos e, ou, benefícios.
Moreira (2006) chama a atenção para os elementos subjetivos e objetivos da qualidade de
vida, afirmando que

a qualidade de vida possui uma relação direta tanto com os elementos


subjetivos, geradores de bem-estar, quanto com os elementos objetivos (bens
materiais e serviços, indispensáveis para a manutenção da dignidade humana).
Mais uma vez, insistindo que o bem-estar e os elementos objetivos não podem
ser desmembrados de um contexto histórico e social (MOREIRA, 2006, p. 5).

Macedo Filho (2003) comenta que a qualidade de vida apresenta um caráter relativo e
pode ser explicado na medida em que busca comparar/medir situações individuais e coletivas e
valorizar horizontes desejáveis de grupos sociais. Neste sentido, como sugere Carmo (1993),
qualidade de vida pode ser vista a partir de três dimensões: i) cultural (conceito de terra,
propriedade e pátria, relações humanas, família e amizade, sexo, relacionamento, etc.);
ii) ambiental (educação e trabalho, condições de habitação, condições econômicas, etc.); e iii)
tecnológica.
Por outro lado, na percepção de Metzen et al. (1980), a qualidade de vida está relacionada
ao estado de conforto das pessoas, como indivíduos ou grupo; ou seja, deve abranger tanto os
aspectos da vida: sua vida financeira, sua vida com o meio ambiente e na comunidade na qual
reside, suas condições de trabalho, seu relacionamento com a família, seus parentes, amigos,
vizinhos, enfim, sua qualidade de vida como um todo.
Segundo a pesquisadora Eleonora Cebotarev,

qualidade de vida diz respeito às condições necessárias, a nível de famílias e


comunidade, para satisfazer adequadamente as exigência básicas culturalmente
definidas e indispensáveis ao desenvolvimento normal e potencial do ser
humano e no exercício responsável de sua capacidade, levando em conta o
meio ambiente físico e natural (CEBOTAREV, 1994, p. 16).

De acordo, com a Comissão Independente População e Qualidade de Vida,

há muitos elementos da qualidade de vida. Baseiam-se na fruição garantida e


tranquila da saúde e da educação, da alimentação adequada e da habitação, de
um ambiente estável e saudável, da equidade, da igualdade entre os sexos, da
participação nas responsabilidades da vida de todos os dias, da dignidade e da
segurança. Cada um destes elementos é importante em si, mas a falta de
realização nem que seja de um só pode minar o sentido subjetivo da qualidade
de vida (COMISSÃO INDEPENDENTE POPULAÇÃO E QUALIDADE
DE VIDA, 1998, p. 75).
220

Diante do exposto, observa-se que várias definições de qualidade de vida surgiram nos
últimos anos, bem como múltiplos critérios para sua avaliação, podendo ser entendido o conceito
de qualidade de vida como “quase específico ao pesquisador”, tão grande a quantidade de
diferentes definições, critérios e medidas existentes (PREBIANCHI, 2003).
Desse modo, Herculano conclui que

a questão do entendimento sobre o que é qualidade de vida pode ser vista


como desnecessária, não por ser desimportante ou pouco palpável, mas pela
sua obviedade. Algo que ninguém saberia definir, mas que, parodiando a
referência da poetisa Cecília Meirelles à liberdade, todos entendem o que é.
Talvez por isto a ênfase dos estudos sobre qualidade de vida enfoque
predominantemente a sua mensuração, ficando embutido na escolha sobre o
que mensurar os pressupostos do que se entende venha a compor a qualidade
de vida (HERCULANO, 2000, p. 96).

De fato, a maioria dos autores que revisou a literatura apontou a ausência de uma
definição consensual de qualidade de vida (PREBIANCHI, 2003). Mas, ainda que não seja
possível defini-la em um único conceito universal, percebe-se que é um tema atual e relevante,
existindo uma unanimidade no que diz respeito aos aspectos da subjetividade, multidimen-
sionalidade e da existência de dimensões positivas e negativas da qualidade de vida
(KLUTHCOVSKY; TAKAYANAGUI, 2007), além do fato desse tema ter se constituído em
preocupação mundial nos últimos anos (SILVA, apud SOUSA et al., 2004).
Outra questão importante a ser ressaltada é que a percepção sobre qualidade de vida se
apresenta de forma diferenciada para ricos e pobres; para uma nação que tenha suas questões
sociais resolvidas, e para outra onde isso não ocorra (QUEIROZ et al., 2004). Moreira (2006)
exemplifica tal situação afirmando que:

em termos práticos, o que se quer destacar é que uma pessoa que trabalha no
corte da cana, por exemplo, estará identificando fatores de “qualidade de vida”
diferentes de um alto executivo. Isto ocorre porque as condições concretas da
vida impõem percepções, aspirações, projetos e sonhos de formas distintas para
cada um dos indivíduos, das mais diversas classes sociais, inclusive no interior
de uma mesma classe (MOREIRA, 2006, p. 1).

Assim, as condições do contexto de inserção das pessoas condicionam suas percepções


sobre qualidade de vida, fazendo com que o conceito seja socialmente difuso, uma vez que sua
interpretação parte de uma visão essencialmente subjetiva, política e ética, exprimindo, inclusive,
juízos de valor (SILVA, 1997). Essa versão é compartilhada por Fernandes, apud Macedo Filho
(2003), ao afirmar que a qualidade de vida apresenta características e componentes diferentes
entre classes. Os estratos mais abastados apresentam conotações diferentes para certos
componentes em relação aos mais pobres, por isto a análise da qualidade de vida estaria
condicionada ao tipo de população estudada.
221

Percebe-se, então, que numa sociedade pluralista, pode-se assegurar que os valores das
pessoas, suas aspirações e seus estilos de vida variam amplamente, devendo ser ressaltado que
essas variações produzem diferentes concepções a respeito do que seja uma existência satisfatória
em termos de qualidade de vida.

7.2. Qualidade de Vida: Uma Base Teórica

Segundo Gutierrez e Hoyos (1983), a maioria dos estudos sobre qualidade de vida se
pauta na teoria das necessidades humanas, que possui duas vertentes: a econômica e a social.
A vertente econômica possui raízes na teoria keynesiana, que coloca as percepções das
necessidades humanas como parâmetro do progresso econômico. Para Keynes (1972), as
necessidades humanas podem ser classificadas em absolutas e relativas. As necessidades absolutas,
como alimentação, moradia, saúde e segurança no trabalho, geralmente são satisfeitas antes de o
ser humano ter uma compreensão clara das necessidades relativas, em cujo núcleo estão: o lazer, a
arte, o conforto, a autopromoção e a satisfação pessoal.
Por outro lado, na vertente sociológica, um dos precursores foi Maslow (1970), que
realizou pesquisas empíricas sobre necessidades humanas, sistematizando-as e hierarquizando-as
em cinco grupos: fisiológico, segurança, emocional, psicológica e de autorrealização. Para tanto,
segundo Chiavenato (2001), basta relembrar o estudo realizado por Maslow, em “A pirâmide das
necessidades”, que mesmo sendo datado de 1954 ainda é utilizado para demonstrar a hierarquia
das necessidades humanas, revelando que, a cada momento, há uma necessidade insatisfeita
predominante.
Parte-se, então, de uma questão-chave: Como se pode conceituar e interpretar qualidade
de vida, diante das necessidades apresentadas por Maslow?
De acordo com Cebotarev (1981), qualidade de vida pode ser definida como a expressão
concreta de todos os esforços tendentes a conseguir maior possibilidade de bem-estar para o
homem. Seriam as condições necessárias para satisfazer as necessidades básicas e culturais
definidas e indispensáveis para o desenvolvimento normal do potencial humano e o exercício de
sua capacidade, sem menosprezar seu ambiente físico e natural. Sirvent, apud Sodré (2002), refere-
se à qualidade de vida como uma distribuição equilibrada e igualitária, não só de fatores que
satisfazem as necessidades básicas e óbvias (saúde, moradia, trabalho, alimentação), mas também
daqueles recursos que a sociedade tem, em determinado momento histórico, para satisfação de
necessidades não materiais e não básicas, como necessidade de participar, de criar, de pensar
222

reflexivamente, de se autovalorizar. A não satisfação dessas necessidades significa para o homem


a impossibilidade de se desenvolver plenamente como pessoa humana.
Para Gutierrez e Hoyos (1983), qualidade de vida pode ser entendida como todo o bem-
estar produzido por elementos sociais, econômicos, culturais, políticos, religiosos, ambientais,
etc., que configuram não apenas as dimensões do ter e possuir, mas também do ser, do viver em
condições de produzir, de gerir e usufruir dos bens e serviços necessários e disponíveis na
sociedade.
Por sua vez, Alderfer (1969) resume a hierarquia de Maslow em três categorias de
necessidades humanas: de relacionamento, de necessidade de existência (materiais ou fisiológicas)
e de crescimento consigo mesmo e com o meio ambiente.

7.2.1. Indicadores e Parâmetros da Qualidade de Vida

Apesar da qualidade de vida ser considerada como incomensurável, por ser essencialmente
qualitativa e subjetiva, para torná -la mais tangível, clara e objetiva são estabelecidos critérios
objetivos e métodos quantitativos, buscando o seu dimensionamento. Assim, diversos
pesquisadores têm estudado e avaliado a qualidade de vida de famílias urbanas e rurais, utilizando
indicadores e parâmetros variados.
Historicamente, durante muito tempo o PIB per capita foi utilizado como medida de
qualidade de vida, apesar de este indicador refletir apenas o comportamento dos indicadores
econômicos. Na realidade ele é, na melhor das hipóteses, um indicativo de crescimento
econômico, pois utiliza variáveis que refletem apenas o crescimento econômico. Em 1976, o
Clube de Roma criou um índice de qualidade de vida, que foi usado conjuntamente com o PIB
per capita, para avaliar o bem-estar socioeconômico e o progresso dos Países em termo de bem-
estar humano.
Esse índice, conhecido como Índice de Qualidade de Vida Física (IQVF), combina
mortalidade infantil, esperança de vida e capacidade de ler e escrever para 150 Países. Neste
índice, os três componentes são identificados dentro de uma escala que varia de 1 a 100. Cada
componente recebe peso igual. O índice é obtido pela média aritmética dos três componentes,
que se mostraram com alta correlação positiva.
Segundo Sliwiany (1997), o nível de vida da população foi trabalhado pela primeira vez
pelo Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento da ONU (UNRISD). A primeira publicação foi
datada de 1966, com a denominação de método genebrino ou distancial da medição do grau de
satisfação das necessidades materiais ou culturais da população.
223

A Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados - SEADE (1992) realizou um trabalho


sobre condições de vida na região metropolitana de São Paulo, no início da década de 1990. A
abordagem da Pesquisa de Condições de Vida (PCV) diferencia-se da tradicional - centrada na
renda como único indicador - ao enfatizar os vários aspectos que conformam a pobreza. A
unidade de análise escolhida foi a família. Para tanto, lançou-se mão de um questionário
composto dos seguintes temas: domicílio, família e morador; habitação e patrimônio familiar;
atenção à saúde; educação; e inserção no mercado de trabalho.
Conforme PNUD/IPEA/FJP (1998), o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) vem
sendo estimado desde 1990 nos Relatórios do Desenvolvimento Humano (RDH) internacionais,
publicados pelo PNUD. Este índice sintético vem passando por mudanças, tendo a mais recente
ocorrido em 2000. O IDH utiliza o método genebrino ou distancial, que combina três
componentes básicos: i) longevidade (que reflete as condições de saúde da população, medida
pela esperança de vida ao nascer); grau de conhecimento (medido pela combinação da taxa de
alfabetização de adultos e taxa combinada de matrícula nos níveis de ensino fundamental, médio
e superior); e iii) renda (medida pelo PIB per capita ajustado ao custo de vida local).
Também foi desenvolvido o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM),
utilizando uma metodologia próxima à do IDH. Aquele utiliza quatro indicadores básicos
agregados em três dimensões, quais sejam: a) longevidade - medida pela esperança de vida ao
nascer; b) educação – medida pela taxa de analfabetismo e pelo número médio de anos de estudo
e c) renda - medida pela renda média familiar per capita .
Ao criticar o IDH, por usar indicadores que captam valores médios em Países com alta
disparidade social, Rodrigues, apud Nahas e Martins (1996), produziu, em 1991, o Índice de
Desenvolvimento Social (IDS) para as regiões brasileiras, tomando como indicadores: esperança
de vida ao nascer (em anos), taxa de alfabetização de adultos e grau de distribuição da renda da
População Economicamente Ativa - PEA remunerada. Enfim, são indicadores centrados no
indivíduo e que expressam a qualidade de vida com base na satisfação das necessidades básicas
individuais, atribuindo pesos diferentes a cada um dos indicadores.
Apesar das inúmeras críticas voltadas à metodologia do cálculo do IDH, o importante é
que este índice suscitou na comunidade científica a possibilidade de construir formas para aferir a
qualidade de vida, dando um enorme passo para o seu desenvolvimento. Neste tocante, muitos
trabalhos foram realizados, tomando por base a metodologia aplicada pelo IDH, com algumas
alterações para adaptar ao propósito de cada pesquisa.
Dentre os Programas das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), podem-se
citar: o índice de nível de vida (INV) e o índice de desenvolvimento relativo (IDR), desenvolvidos
224

pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA, 1993); o índice de desenvolvimento


econômico e social (IDES) para os municípios cearenses, idealizado por Oliveira (1994); o índice
de pobreza humana (IPH), concebido por Anan e Sen, apud Lemos et al. (1999), entre outros.
O estudo realizado por Viana et al. (1980) se baseia na abordagem psicológica por
interpretar o desenvolvimento como um processo de promoção humana, representada pela
qualidade de vida, sendo qualidade de vida entendida como bem-estar familiar. Para os autores,
num esquema analítico a qualidade de vida é dividida em três grupos: variáveis econômicas,
variáveis sociais e variáveis psicológicas.
Nahas e Martins (1996) desenvolveram um trabalho para a Prefeitura de Belo Horizonte,
objetivando otimizar a distribuição mais equitativa dos recursos públicos. Para tanto, avaliaram a
qualidade de vida da população de Belo Horizonte sob dois aspectos: distribuição dos recursos e
acesso da população a estes. É na realidade um índice de qualidade de vida urbana, que quantifica
a oferta de equipamentos, bens e serviços urbanos à população de um local urbano, visando
propiciar-lhes a satisfação de suas necessidades básicas e verificando o grau de acessibilidade
àquele bem ou serviço. Por se tratar de um índice de qualidade de vida urbano, foram utilizadas
as seguintes variáveis: abastecimento, assistência social, cultura, educação, esportes, habitação,
infraestrutura urbana, meio ambiente, saúde, segurança/violência, serviços urbanos. O peso foi
aplicado de acordo com a importância da variável. Um índice desta natureza, por sua
decomposição em índices locais e setoriais, permite identificar as regiões onde há menor acesso
aos recursos e equipamentos urbanos.
Monte (1999) usou o índice de qualidade de vida (IQV), que contemplou os indicadores
associados aos aspectos econômicos, às condições de moradia, ao nível de consumo, à educação,
ao lazer e à informação, para medir ganhos ou perdas de qualidade de vida da população, antes e
depois da implantação do Porto de Pecém. Mayorga (1999) estimou o IQV para 53 municípios
do semiárido cearense, utilizando as técnicas de análise fatorial, contemplando apenas os
municípios cearenses mais atingidos por problemas de degradação ambiental. O objetivo do
autor foi estabelecer um índice hierárquico, segundo os níveis de qualidade de vida dos
municípios do semiárido cearense (exclusive os municípios situados no litoral e nas serras),
utilizando como indicadores a renda familiar, a posse de terra, a água adequada, a urbanização, a
instalação sanitária, a habitação, a alfabetização e o acesso à energia.
Especificamente pelo prisma da literatura médica, o Grupo de Estudos em Qualidade de
Vida da Organização Mundial de Saúde – OMS (2001) mede a qualidade de vida, levando em
consideração os seguintes domínios: a) físico (dor e desconforto, energia e fadiga, sono e
repouso); b) psicológico (sentimento positivo e negativo, autoestima, concentração); c)
225

independência (mobilidade na vida); d) relações sociais (apoio social e atividade sexual); e)


ambiente (segurança física e proteção, recursos financeiros, cuidados sociais e de saúde, adquirir
informações e habilidades, lazer e recreação, transporte); e f) aspectos espirituais, religiosos e
crenças pessoais.
Alves (1996), em um estudo de caso no município de Vera Cruz/SP, que teve por
objetivo avaliar a evolução da qualidade de vida com base nos indicadores de saúde,
socioeconômicos, de educação e, principalmente, naqueles associados aos grupos sociais
organizados, concluiu que existe relação entre desenvolvimento, qualidade de vida e ação de
grupos. Para o autor, desenvolvimento está ligado à melhoria/evolução de variáveis que indicam
qualidade de vida de uma população. Por outro lado, a literatura mostra que a melhoria da
qualidade depende, em grande parte, da atuação de grupos sociais organizados, ou seja, do capital
social disponível.
Araújo (1998) estudou as condições de produção e de qualidade de vida de pequenos
agricultores, com e sem culturas comerciais, do município de São Geraldo/MG, em que a
dimensão de qualidade de vida foi representada por oito indicadores: índice de adequação calórica
(IAC), índice de adequação proteica (IAP), índice das condições habitacionais (IHAB), índice da
posse de bens básicos (IBB), índice das condições de saneamento (ISAN), índice das condições
de higiene (IHIG), índice de integração civil (IIC) e índice da utilização da previdência social
(IPS). O autor concluiu que essas variáveis estão interrelacionadas em graus e níveis diferentes e
que, no seu conjunto, elas afetam a qualidade de vida dos produtores rurais.
Ferreira (1986) analisou de forma comparativa as dimensões de qualidade de vida no meio
rural de Santa Catarina e do Rio Grande do Norte, utilizando para a análise variáveis reunidas em
três grupos: variável de qualidade de vida, variável inerente à condição psicossocial e variável
associada à condição econômica, concluindo que esses grupos de variáveis têm relação entre si e
que a população mais desenvolvida apresentou melhor qualidade de vida.
A partir dos estudos anteriormente apresentados, pode-se perceber que para dimensionar
a qualidade de vida de um grupo devem ser considerados tanto os aspectos objetivos quanto os
subjetivos da realidade que o cerca. Além disso, os indicadores a serem utilizados podem ser
variados, dependendo da ênfase que se deseja dar ao estudo.
Dentre as diversas metodologias e modelos conceituais, o modelo conceitual de qualidade
de vida proposto por Metzen et al. (1980) é válido, uma vez que neste a qualidade de vida deve
abranger, além das condições concretas de vida dos indivíduos, das famílias e da comunida de, as
percepções ou avaliações subjetivas dos indivíduos, em termos de importância e satisfação em
relação a um conjunto de componentes ou domínios da vida.
226

Ao utilizar o modelo de Metzen et al. (1980), busca-se preencher todos os requisitos para
estudar qualidade de vida. Silva (1981) afirma que um dos pontos deficientes nos trabalhos
desenvolvidos sobre o tema é a separação entre a análise e o contexto empírico dos trabalhos, isto
é, as análises, como são desenvolvidas nos trabalhos, ignoram a interação entre os dados e o meio
onde as informações foram obtidas.
Dentre os estudos realizados sobre qualidade de vida que utilizaram o modelo de Metzen
et al. (1980), destacam-se o de Macedo Filho (2003), que estudou a sustentabilidade numa
perspectiva social e política, e o da Associação de Pequenos Produtores do Município de Valente,
BA – APEB, no qual a qualidade de vida foi percebida pelos agentes envolvidos como uma
categoria de análise necessária ao desenvolvimento do senso de cidadania. O autor considerou
tanto os fatores concretos da vida dos indivíduos e da família quanto as suas percepções
subjetivas.
Pinto (1995) também adotou esse modelo em um estudo sobre os efeitos da irrigação
como fator de modernização na qualidade de vida da população urbana, e concluiu que apenas a
análise das condições objetivas dos indivíduos ou famílias não reflete como os eles se sentem a
respeito das suas condições de vida.
Ferrão (2003) fez uso do modelo de Metzen et al. (1980), ao analisar as implicações da
modernização na qualidade de vida dos produtores de milho e de suas famílias, salientando que
determinados domínios eram mais importantes para suas vidas, como: família, saúde,
alimentação, educação e renda.
Silva (2006), ao utilizar o mesmo o modelo na análise da qualidade de vida de portadores
de necessidades especiais que participavam de um projeto de equoterapia, constatou que existe
fundamento científico, uma vez que as famílias entrevistadas associaram o termo qualidade de
vida a vários domínios apresentados neste modelo.
O modelo também foi usado por Rabelo (2008), que ao analisar o efeito da separação
judicial e suas implicações na qualidade de vida das famílias relacionou o significado da qualidade
de vida a três verbos, conforme ressaltado por Herculano (1998), que são: ter (acesso às
condições materiais para atendimento das necessidades básicas); amar (associado à necessidade de
se relacionar e formar identidades sociais); e ser (ligado à necessidade de crescimento pessoal e
integração). A partir dos resultados, foi possível concluir que a redução dos conflitos em
decorrência da separação proporcionou uma vida de melhor qualidade, principalmente pela
melhoria das relações (amar) e do crescimento pessoal (ser).
Por fim, em um estudo realizado por Santos et al. (2004), tendo como referencial teórico o
modelo conceitual de Metzen et al. (1980), percebeu-se que apesar da insatisfação em relação à
227

segurança financeira boa parte dessas famílias se sentia satisfeita com a qualidade de vida,
demonstrando a necessidade de associar o caráter objetivo (renda) ao subjetivo do modelo (nível
de satisfação).

7.2.2. Estudos sobre Qualidade de Vida em Assentamentos Rurais

Hoje, várias são as pesquisas que se debruçam sobre o estudo da qualidade de vida nos
assentamentos rurais, até mesmo como forma de avaliar os resultados da reforma agrária e
pontuar as questões das políticas públicas que possam ser reelaboradas (SOUSA; LOCATEL,
2009).
Segundo Andrade et al. (2005), o estudo sobre qualidade de vida em assentamentos é
importante, pois as informações geradas podem viabilizar as condições para permanência das
famílias no assentamento.
Percebe-se que a promoção da qualidade de vida das famílias rurais tem sido um aspecto
mencionado com frequência nos discursos das políticas públicas para o meio rural, a exemplo da
política de reforma agrária, conforme pode ser observado nas diretrizes do II PNRA (MDA,
2003, p. 21), ao mencionar que “um investimento específico nas áreas de reforma agrária é a
garantia para transformá-las em espa ços produtivos de acesso a direitos e qualidade de vida”. Não
por acaso, a sua nomenclatura é “Paz, Produção e Qualidade de Vida no Meio Rural”: ou seja, ao
analisar esta nomenclatura e uma das diretrizes apresentadas nos capítulos anteriores, tem-se a
percepção de que o objetivo maior da reforma agrária é a promoção da paz, via solução de
conflitos e tensões sociais, ainda que de forma pontual; o incentivo à produção, via acesso aos
créditos e outros investimentos; e a busca da qualidade de vida, como sendo o produto final da
articulação de todos estes aspectos.
Assim, se a promoção da qualidade de vida das famílias rurais for considerada a partir da
política de reforma agrária, especificamente dos assentamentos, é necessário avaliar se de fato
esses objetivos estão sendo atingidos. Mais do que isto, é necessário verificar quais têm sido as
metodologias adotadas para avaliar essa qualidade de vida e os resultados obtidos, de que forma
elas podem ser aprimoradas e qual a sua contribuição para o reordenamento dessa política de
reforma agrária.
A avaliação dos assentamentos, segundo Bergamasco (1997), iniciou-se com a pesquisa
divulgada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, em 1987, de
cunho econômico, que apontou para um certo fracasso da reforma agrária no Brasil, ao observar
que a maioria das famílias assentadas tinha renda inferior a dois salários mínimos, que havia uma
228

forte concentração de renda entre elas e que parte significativa vivia do trabalho assalariado, e não
da renda dos lotes.
A autora diz que a crítica à pesquisa do BNDES está no fato de os parâmetros por ele
utilizados se inserem em um contexto de "empresas rurais", deixando de lado especificidades
necessárias ao cálculo da renda em uma agricultura familiar.
Dentro de outra linha de trabalho, a pesquisa “Principais indicadores socioeconômicos
dos assentamentos de reforma agrária”, coordenada por Carlos Enrique Guanziroli, consultor da
Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), foi pioneira, ficando
conhecida por Relatório FAO.
Originou-se de um convênio assinado, em 1991, entre o então Ministério da Agricultura e
Reforma Agrária (MARA); a FAO, como órgão executor; e o Programa das Nações Unidas para
o Desenvolvimento (PNUD), como agente financiador.
O relatório foi objeto de discussão durante o seminário “Assentamentos de reforma
agrária: estratégias de desenvolvimento rural?”, realizado em 1992, no Rio de Janeiro, que contou
com a participação de pesquisadores com diferentes formações acadêmicas e de diferentes
inserções institucionais.
O estudo da FAO e os trabalhos apresentados nesse seminário compuseram o livro
“Reforma Agrária – Produção, Emprego e Renda: o Relatório da FAO em debate”, tendo como
organizadores os pesquisadores Adhemar Romeiro, Carlos Guanziroli e Sérgio Leite. O livro foi
editado pela Editora Vozes, pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) e
pela FAO, em 1994.
O escopo da pesquisa abrangeu todas as regiões do País e os assentamentos criados entre
outubro de 1985 e outubro de 1989, visando produzir um levantamento da situação
socioeconômica dos beneficiários da reforma agrária. O principal objetivo da pesquisa, realizada
no decorrer de 1991, foi captar o processo de geração de renda nos assentamentos, avaliando o
desempenho socioeconômico dos beneficiários da reforma agrária e indicando os seus principais
determinantes e os entraves existentes.
A pesquisa partiu de um universo formado por 524 assentamentos e 94.026 famílias, dos
quais foram escolhidos 10% dos assentamentos e 10% das famílias de cada assentamento para
compor a amostra. Foram selecionados 44 assentamentos e 828 famílias para serem entrevistadas.
Foram apresentadas recomendações e sugestões de linhas prioritárias para o que foi
chamado de um futuro programa de reforma agrária. Em função do exíguo prazo disponível para
a realização da pesquisa (10 meses), foram priorizados os dados para traçar um quadro macro do
desempenho, em termos de renda dos assentamentos e de alguns indicadores sociais. Ficou para
229

pesquisas posteriores a tarefa de explorar outras hipóteses de trabalho e mesmo os dados


qualitativos e quantitativos disponíveis que não foram objeto deste estudo.
O relatório apresenta indicadores comparativos de desempenho socioeconônico e discute
a capitalização dos assentamentos, a distribuição de renda nos assentamentos e os determinantes
do processo de geração de renda.
Os dados levantados permitiram, ainda, a descrição do processo produtivo dos
assentamentos, considerando as características da área obtida e o detalhamento da tecnologia
usada e do crédito recebido, combinado com os dados da produção e dos índices de
produtividade. Esses dados foram estimados para cada assentamento e agregado por região, e
então comparados com as médias regionais.
De acordo com Ranieri (2003), pesquisas realizadas pela FAO, em assentamentos, nas
mais diversas regiões do País, comprovam uma substancial melhoria em todos os indicadores
sociais pesquisados relativos a moradia, educação, saúde, mortalidade infantil e lazer.
Segundo Almeida et al. (2005), as organizações dos trabalhadores rurais nos projetos de
assentamento de reforma agrária são um importante objeto de análise da qualidade de vida no
assentamento e na busca do desenvolvimento rural sustentável.
Duas décadas depois, em 2003, aparece um divisor nas pesquisas sobre qualidade de vida
em assentamentos, a partir da publicação do resultado de um amplo levantamento sobre
assentamentos de reforma agrária no Brasil, sob o título “A qualidade dos assentamentos da
reforma agrária brasileira”, sendo considerada uma das duas principais referências sobre o estudo
do tema em assentamentos (SILVA; FERNANDES, 2006). Diversos especialistas em reforma
agrária opinaram sobre essa publicação, com afirmações do tipo: “Representa um esforço
importante na busca por instrumentos mais ágeis de diagnóstico das dinâmicas sociais relacionada
à política de assentamento de famílias de trabalhadores Sem-Terra no Brasil” (CUNHA et al.,
2005, p. 53). Ou ainda, defendendo que “É inegável que uma obra desta envergadura traz
obrigatoriamente contribuições importantes ao debate da reforma agrária” (BERGAMASCO;
FERRRANTE, 2005, p. 76).
Estudiosos afirmam também que

a pesquisa (livro) foi contratada, em caráter de urgência, pelo MDA, visando


responder a uma onda de críticas veiculadas na imprensa sobre o Programa de
Reforma Agrária. (...) Um dos aspectos mais interessantes e inovadores da
pesquisa é a metodologia, que permitiu realizar a tarefa gigantesca em um prazo
extremamente curto e, melhor ainda, a um custo também reduzido (BUANAIN
e SILVEIRA, 2005, p. 90).

O levantamento, sob a coordenação do engenheiro-agrônomo e pesquisador Gerd


Sparovek, foi realizado por meio da parceria de três instituições: a USP – Universidade de São
230

Paulo, especificamente a Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiróz” – ESALQ; o MDA –


Ministério do Desenvolvimento Agrário; e a FAO – Food and Agriculture Organization of the United
Nations. Segundo o autor, além dessas instituições, o Instituto Brasileiro Geografia e Estatística
avalizou o trabalho. A pesquisa avaliou os aspectos qualitativos dos projetos de assentamento da
reforma agrária, coletados em 4.340 projetos, criados entre 1985 e 2001, representando cerca de
458.483 famílias (SPAROVEK, 2003).
Posteriormente, França e Sparovek (2005), reuniram em uma mesma obra, especialistas
no tema da reforma agrária, que analisaram a contribuições, a metodologia e as possíveis falhas da
pesquisa publicada por Sparovek (2003).
Mas, antes da proposição de Sparovek (2003), diversas experiências locais já objetivavam
analisar a qualidade de vida das famílias assentadas, realizadas por pesquisadores das diversas
áreas do conhecimento, através de indicadores que julgavam ser importantes, e alguns criaram, a
partir destes indicadores, índices para mensurar a qualidade de vida dos assentados, a exemplo de
inúmeros trabalhos com base na metodologia proposta por Fernandes (1997). O autor estudou a
qualidade de vida das famílias assentadas na reserva extrativa do Rio Cajari, no Estado do Amapá,
propondo o uso de índices para abranger, além de amplos indicadores socioeconômicos, a
satisfação da população.
Segundo Fernandes, a elaboração desses índices apresenta os seguintes passos: i) escolha
dos indicadores que serão utilizados no índice de qualidade de vida29, com seus respectivos

29 Matematicamente, pode-se definir o índice como:

em que
Im = valor obtido pelo m-ésimo indicador
Eij = escore do i-ésima variável, obtido pelo j-ésimo beneficiado;
Pij = peso da i-ésima variável, definido pelo j-ésimo beneficiado;
i = 1,..., n;
j = 1,..., p;
Pmaxi = peso máximo da i-ésima variável;
Emaxi = escore máximo da i-ésima variável;
p = número de beneficiados; e
n = número de variáveis no grupo do m-ésimo indicador.
O índice varia de 0 a 1. Quanto mais próximo de 1, melhor é o nível de qualidade de vida que o
cooperado apresenta. Portanto, o valor 1 representa o nível ótimo de qualidade de vida. Dentro destes limites,
optou-se por estabelecer os seguintes critérios:
A contribuição de cada um dos indicadores na formação do índice pode ser obtida da seguinte forma:
231

escores e pesos; ii) formação de postos em ordem crescente de valores, indo do ponto onde o
indicador tem o pior desempenho até o ponto onde apresenta o seu melhor resultado,
atribuindo-lhe um escore. Com relação aos pesos, os próprios associados opinarão sobre a
importância de cada um dos indicadores para a sua qualidade de vida.
Pereira et al. (2003), estudando a qualidade de vida num assentamento no município de
Rio Verde-GO, balizou-se na metodologia de Fernandes (1997), sugerindo os seguintes
indicadores para qualidade de vida: aspectos econômicos, moradia, nível de consumo, saúde,
educação, lazer e acesso à informação. Os pesquisadores concluíram que todos os indicadores
estudados indicaram melhora na qualidade de vida, sendo os maiores colaboradores nesta
melhora: a informação e a educação.
Sousa et al. (2004; 2005), visando determinar se os assentamentos de reforma agrária no
Rio Grande do Norte tinham contribuído para a melhoria da qualidade de vida de seus
beneficiários, avaliaram a qualidade de vida a partir de índices resultantes da agregação de
indicadores, como: educação, saúde, habitação, aspectos sanitários, lazer e posse de bens
duráveis, criando índices de qualidade de vida (IQV), capital social (ICS) e ambiental (IA), que
juntos formam o índice de sustentabilidade (IS). Além disso, contabilizou-se a contribuição de
cada indicador na formação desses índices.
Como resultado, os autores mostraram que os indicadores que mais contribuíram para
mensurar a qualidade de vida dos produtores foram habitação e bens duráveis. Na formação do
índice de sustentabilidade dos assentamentos, os índices social e de qualidade de vida foram os
que apresentaram maior contribuição, o que permite concluir que embora a sustentabilidade da
agricultura familiar nos assentamentos esteja em estágio satisfatório sua melhoria está
condicionada à elevação dos indicadores de qualidade de vida e ambiental dos assentados.
Seguindo a mesma metodologia dos demais, Barreto et al. (2005) analisaram a
sustentabilidade dos assentamentos no município de Caucaia, CE. Diferentemente de Sousa et al.
(2005), o termo IQV foi substituído pelo IDES – índice de desenvolvimento econômico-social,
por utilizar como indicador econômico a renda líquida da família.
Como resultado observou-se que nesse índice os indicadores de habitação, econômico e
de aspectos sanitários apresentaram, em ordem decrescente, as principais contribuições, ao passo

em que
Eij = escore do i-ésimo indicador alcançado pelo j-ésimo produtor;
Pij = p eso do i-ésimo indicador alcançado pelo j-ésimo produtor;
i = 1,..., m; j = 1,..., n;
Pmaxi = peso máximo do i-ésimo indicador;
Emaxi = escore máximo do i-ésimo indicador;
Ci = cont ribuição do indicador (i) no índice de qualidade de vida dos assentados;
n = número de produtores; e
m = número de indicadores.
232

que indicadores como educação e lazer, essenciais para o desenvolvimento e o bem-estar do ser
humano, apresentaram os piores resultados.
Aleixo et al. (2007), analisando as mudanças nos indicadores de qualidade de vida após a
implantação do PRONAF no assentamento Santana, localizado no município de Monsenhor
Tabosa/Ceará, compararam ainda as condições de homens e mulheres, no intuito de identificar
possíveis diferenças existentes entre os sexos quanto aos indicadores analisados. Eles utilizaram
todos os indicadores de IQV propostos por Souza et al. (2005), adicionando o indicador
transporte.
Os resultados mostraram melhorias nos indicadores de saúde, aquisição de bens duráveis
e condições sanitárias dos domicílios. Pôde-se verificar ainda que após o PRONAF houve
diminuição da diferença entre homens e mulheres quanto aos indicadores de qualidade de vida.
Conclui-se, assim, que após a aquisição do crédito foi constatada melhoria nos indicadores de
qualidade de vida dos assentados.
Outros autores utilizaram outros índices. Pereira (2000) utilizou o índice de
desenvolvimento humano em assentamento (IDHA) e o índice de condições de vida em
assentamentos (ICVA) para mensurar o desenvolvimento humano e a qualidade de vida das 405
famílias do Projeto de Assentamento São Joaquim, situado entre os municípios de Madalena e
Quixeramobim; e Medeiros e Campos (2002) estudaram os impactos socioeconômicos do
Programa Reforma Agrária Solidária sobre as comunidades beneficiadas, calculando a geração de
emprego e renda nas situações anterior e atual, ou seja, posterior à implantação do Programa,
além dos índices de desenvolvimento humano (IDHI) e de condições de vida (ICVI).
Entretanto, em alguns não foram utilizados os indicadores de qualidade de vida para
formar índices de qualidade de vida. Santos (2004) analisou a qualidade de vida dos agricultores
familiares de um assentamento rural localizado numa área irrigável do Submédio do São
Francisco, em Petrolina , PE, utilizando como indicadores a educação, a renda, a saúde, a
habitação e o uso de tecnologia, na perspectiva de desenvolvimento sustentável, com cunho
sociológico, na medida em que se faz um estudo a partir do recorte dos diálogos desses atores
sociais. Como resultados o autor infere que o limitado sucesso dos agricultores está relacionado à
baixa escolaridade, à falta de acesso aos créditos bancários, na época oportuna, bem como ao
baixo uso de tecnologias.
Seguindo a mesma linha, Gomes da Costa (2001) analisou a política de reforma agrária
implantada no semiárido paraibano a partir da sustentabilidade dos agricultores familiares
assentados, fundamentado nas discussões teóricas sobre a sustentabilidade (econômica e social).
A metodologia, segundo a autora, foi basicamente qualitativa, enquanto as análises de natureza
233

quantitativa tiveram uma função secundária, em termos de auxiliar na verificação da


sustentabilidade econômica: os custos, o valor agregado e os benefícios gerados pela atividade
familiar, ou seja, o grau de autonomia e de eficiência dos estabelecimentos familiares em áreas de
assentamento. Para análise da sustentabilidade social (moradia, saúde, educação, entre outros),
fez-se uso da análise qualitativa, que serviu de complemento para identificação, de maneira mais
precisa, do peso das diversas variáveis que se fazem presentes no âmbito das atividades familiares.
Essa análise também foi usada na coleta dos dados econômicos, como produção agrícola, criação
de animais, rendas externas e subsidiárias.
Embora tenha proporcionado uma melhoria considerável da qualidade de vida das
famílias assentadas, comparada com a que elas tinham antes da posse da terra, não ofereceu
condições suficientes para que outras ações fossem desenvolvidas em prol do desenvolvimento
sustentável dessas comunidades.
Como conclusão, a pesquisadora resume:

A falta de uma política governamental consistente para as áreas de


assentamento, a falta de comprometimento dos mediadores e agentes do
Estado seja com a efetiva melhoria da qualidade de vida dos assentados seja
com a sustentabilidade de seus empreendimentos, associada com a fragilidade
da organização e participação social dos assentados, dificultaram o
desenvolvimento das potencialidades existentes nos assentamentos, impedindo
os assentados de encontrarem caminhos para implementar o desenvolvimento
do assentamento em bases mais sustentáveis (GOMES DA COSTA, 2001, p. 2).

Além dos estudos específicos sobre qualidade de vida nos assentamentos, outros
correlacionados foram realizados, como os impactos regionais, as mudanças sociais e a sua
viabilidade econômica.
Segundo Leite (2000), desde os meados dos anos de 1980, com a ampliação do número
de projetos de assentamento rurais no Brasil, implantados sob diversas perspectivas e agências,
aumentou-se significativamente o conjunto de trabalhos, pesquisas, relatórios técnicos e projetos
de intervenção voltados para a análise e para o planejamento dos assentamentos rurais, sob
diferentes óticas.
Benedetti (1999), ao estudar os impactos dos assentamentos rurais no Rio Grande do Sul,
constatou que eles provocaram mudanças nas condições de produção e reprodução social da
população envolvida, bem como no entorno dos assentamentos, em função das ações
desencadeadas pelas famílias assentadas. A autora relatou que “os assentamentos também
produzem impactos sobre o meio exterior, que são de natureza, intensidade e temporalidade
variáveis de acordo com o contexto no qual se insere” (BENEDETTI, 1999, p. 88).
234

Além disso, nesses últimos anos, diversos estudos sobre a viabilidade econômica dos
projetos de assentamento da reforma agrária no Brasil têm demonstrado que esses projetos
representam uma das alternativas econômicas para geração de emprego no País, com melhorias
significativas nas condições de vida não só para as famílias assentadas, mas também para muitas
outras famílias residentes nos municípios onde se localizam os projetos de assentamentos
(SILVA et al., 2006).
Sobre isso, Leite et al. (2004) fazem a seguinte reflexão:

Os impactos dos assentamentos, como resultados de mudanças de curto, médio


e longo prazo, fazem-se sentir ao mesmo tempo na vida dos assentados e dos
assentamentos e para fora dele, atingindo diretamente os distritos, municípios e
regiões onde os projetos se localizam, com efeitos diretos e indiretos sobre a
sociedade mais ampla (LEITE et al., 2004, p. 258).

Até pouco tempo, na análise da realidade dos assentamentos em Sergipe, os estudos sobre
qualidade de vida eram escassos, predominando, em detrimento destes, os estudos
socioeconômicos, como o de Andrade e Santos (2003), com a análise das condições
socioeconômicas do Projeto de Assentamento Cuiabá, em Poço Redondo; Lopes et al. (1999), ao
analisarem a organização produtiva e os impactos socioeconômicos na realidade dos assentados
do PA Vitória da União, em Santa Luzia do Itanhi, Projeto Califórnia, em Canindé do São
Francisco, e PA Ivan Ribeiro, em Japaratuba.
Recentemente, Andrade et al. (2005), estudando as contribuições da organização social
dos trabalhadores rurais e suas relações com a qualidade de vida da população rural assentada, na
perspectiva da sustentabilidade no projeto de assentamento de reforma agrária “Oito de
Outubro”, Simão Dias/SE, perceberam que a maioria dos assentados utiliza a organização social
como estratégia para melhorar a qualidade de vida e promover o desenvolvimento rural
sustentável, através da melhoria da infraestrutura da comunidade, do aumento da quantidade de
seus bens e, consequentemente, da melhoria da qualidade de vida.
Carvalho et al. (2009), ao estudarem um assentamento no sertão sergipano, com base
produtiva leiteira, propuseram indicadores de sustentabilidade como importantes instrumentos
para avaliação dessas propriedades.
Partindo para análise de agricultores familiares não assentados, Alves (1986) fez um
estudo comparativo da qualidade de vida entre os pequenos produtores rurais do agreste de
Itabaiana e do Sertão Sergipano; Santos (1999) analisou a qualidade de vida das famílias de
mulheres beneficiárias do Programa de Microcrédito para Atividades Não-Agrícolas do Projeto
Pró-Sertão-Sergipe; e Santos et al. (2004) caracterizaram socioeconomicamente as famílias do
235

entorno da Escola Agrotécnica Federal de Sergipe, em São Cristovão/SE, bem como tiveram
uma visão preliminar dos aspectos objetivos e subjetivos de sua qualidade de vida no meio rural.
Estas autoras perceberam que

a qualidade de vida foi afetada pelo inadequado acesso aos auxílios


sociais e pelos de consumo quanto à adequação alimentar [...] O nível de
satisfação está mais associado aos aspectos humanos, embora existissem
limitações financeiras, tanto pela precariedade do trabalho quanto pela
não capacitação profissional (SANTOS et al., 2004, p. 50).

Por outro lado, Azevedo et al. (2009) analisaram a relação entre o associativismo praticado
pelos agricultores familiares de Nossa Senhora da Glória, em Sergipe, e a melhoria da sua
qualidade de vida, propiciada pela implantação de políticas públicas, e constataram que, em geral,
houve melhoria na qualidade de vida dos agricultores após a implantação das associações,
independentemente da sua participação nas entidades. No entanto, destacaram que é de
fundamental importância a participação dos agricultores na escolha dos projetos de
desenvolvimento comunitário a serem implantados, tendo em vista a importância da sua história
de vida para o bom desempenho dos projetos.
Assim, diante de todos esses elementos, observa-se, em alguns métodos de pesquisa, a
preocupação com o peso dos indicadores em si, sem a devida compreensão do que validam estes
indicadores, ou seja, o que eles representam para essas famílias. Observa-se, ainda, a
predominância de indicadores concretos e objetivos da qualidade de vida, que são fundamentais,
mas não os únicos para avaliar a qualidade de vida. A este respeito, Bergamasco (1997), ao
analisar o Censo da Reforma Agrária, comenta que os estudos e as análises quantitativas, embora
não se negue sua importância, não expressam a realidade dos assentamentos com seus problemas,
suas dificuldades, suas estratégias de manutenção na terra, enfim, seu entendimento como
“espaço social produzido”. Bergamasco e Ferrante (2005) concluem dizendo:

(...) Sem a utilização de estratégias alternativas como metodologias de análise, o


objetivo de apreender a qualidade dos assentamentos corre o risco de ser
aprisionado por armadilhas que poderão levar a avaliações moldadas por
prejulgamentos (BERGAMASCO; FERRANTE, 2005, p. 242).

Cunha et al. (2005), ao analisarem a pesquisa realizada por Sparovek (2003), comentam
que a opção estratégica de apresentar os dados na forma de índices contribui para alimentar a
desconfiança em torno da realidade revelada pelo diagnóstico.
236

Assim, buscou-se uma compreensão da qualidade de vida em assentamentos que pudesse


contemplar os aspectos objetivos e subjetivos da qualidade de vida das famílias assentadas, bem
como a percepção dess famílias sobre o conceito de qualidade de vida.

7.3. Domínio da Qualidade de Vida nos Assentamentos em Sergipe

Para análise da qualidade de vida nos assentamentos rurais em Sergipe, foram examinados
seus domínios ou componentes quantitativos e qualitativos que, de forma articulada, pudessem
promover o conhecimento da realidade pesquisada.

7.3.1. Uma Proposta Metodológica para o Estudo da Qualidade de Vida nos


Assentamentos em Sergipe

Apesar da temática qualidade de vida ser, atualmente, foco de várias pesquisas empíricas,
considera-se que as bases teóricas para a sua discussão não são tão recentes, conforme discussão
já apresentada. Na realidade, qualidade de vida está intimamente associada às necessidades
humanas que são percebidas e priorizadas pelos indivíduos e suas respectivas unidades familiares,
conforme a sua cultura, inserção socioeconômica, entre outros aspectos.
Diante das conceituações e discussões apresentadas, nesta pesquisa a qualidade de vida é
compreendida como um conjunto articulado dos aspectos objetivos e subjetivos da realidade dos
indivíduos, que é construído com base em dimensões culturais, ambientais, econômicas, sociais e
políticas de sua vida, e que também, por essas mesmas dimensões, é priorizado, almejado e
alcançado pelos indivíduos.
Assim, com o objetivo de abranger tanto os aspectos objetivos como subjetivos para a
análise de qualidade de vida em assentamentos de reforma agrária, este estudo fez uso do modelo
proposto por Metzen et al. (1980), segundo o qual a qualidade de vida deve abranger, além das
condições concretas de vida dos indivíduos, das famílias e da comunidade, as percepções ou
avaliações subjetivas dos indivíduos, em termos de importância e satisfação, em relação a um
conjunto de componentes ou domínios da vida, que podem ser evidenciados na Figura 58.
O modelo proposto por Metzen et al. (1980) baseia-se na premissa de que a satisfação
com a qualidade de vida está em função da satisfação com vários domínios da vida. Estes
domínios, em parte, são constituídos por elementos específicos ou fatores – aspectos do seu
meio ambiente físico e do seu contato com o meio social, os quais formam o contexto da
237

COMUNIDADE
FAMÍLIA

SATISFAÇÃO COM QUALIDADE DE


VIDA

ANALISANDO IMPORTÂNCIA
DETERMINAÇÃO SUBJETIVA (SATISFAÇÃO)
OBJETIVOS CIRCUNSTANCIAIS

Educação – Trabalho – Renda – Serviço Comunitário – Saúde – Lazer – Integração Social – Habitação – Segurança Física – Religião

Fonte: Metzen et al. (1980).

Figura 58 – Modelo de qualidade de vida.

experiência de vida dos indivíduos. Essa visão sugere que a satisfação com os domínios ou
elementos, que são altamente importantes para o indivíduo, irá contribuir para a maior satisfação
com a qualidade de vida.
Por outro lado, a insatisfação com esses domínios trará consequências para o indivíduo,
em termos da diminuição total ou parcial da sua satisfação com a vida. Deste modo, o modelo
requer um posicionamento de cada indivíduo sobre o grau de satisfação e a importância que os
vários elementos ou domínios têm para sua vida.
Com base nos elementos propostos por Metzen et al. (1980) e fazendo algumas
adaptações de acordo com as referências nacionais, os domínios ou elementos da vida a serem
analisados são: situação financeira, em termos de renda; sua vida no meio ambiente e na
comunidade onde reside; suas condições de trabalho, seu relacionamento com família, parentes,
vizinhos e amigos, as condições dos serviços de saúde, educação e demais serviços comunitários
disponíveis; o padrão de sua moradia e sua segurança física; e os aspectos relacionados à
integração social, às atividades de lazer e à vida espiritual.
O modelo pressupõe que a qualidade de vida não depende somente da satisfação em cada
domínio isoladamente, mas também da importância que esses domínios têm para o indivíduo, em
sua experiência de vida. Assim, em função do modelo de Metzen et al. (1980), a avaliação da
qualidade de vida envolve indicadores que estão associados tanto aos aspectos objetivos
(informações sobre as condições concretas e gerais da vida das famílias e do seu habitat), quanto a
238

aos fatores subjetivos (relacionados às percepções, avaliações e aspirações que as pessoas/família


têm de suas próprias condições).
Para operacionalização do modelo em questão, elaborou-se um questionário que
contempla os vários indicadores ou componentes da vida. Para captar cada um dos indicadores,
foram elaboradas questões específicas, de forma a identificar tanto as condições concretas dos
diferentes domínios da vida quanto o nível de satisfação com a qualidade de vida. Assim, foram
considerados os aspectos subjetivos da qualidade de vida, ou seja, a importância de cada domínio
(ou indicador) e a sua prioridade para cada família entrevistada, bem como a concepção do que
significa ou representa qualidade de vida. Foram elaboradas, ainda, questões para aprofundar a
discussão com as famílias, que pudessem trazer suas percepções e o nível de sua satisfação com
cada indicador, utilizando “fichas com desenhos” sobre cada um dos indicadores, para que
pudessem organizar em ordem de prioridade e pontuar com relação ao nível de satisfação.

7.3.2. As Concepções de Qualidade de Vida e sua Relação com a Reforma Agrária

A análise da qualidade de vida implica detalhamentos teóricos e operacionais que


possibilitem captar, na essência, em objetividade e subjetividade, a qualidade de vida do público
pesquisado. Desta forma, ao utilizar o modelo conceitual proposto por Metzen et al. (1980),
buscou-se entender a objetividade e a subjetividade a que eles se referem.
Inicialmente, considerando que a qualidade de vida está relacionada aos valores culturais,
aos contextos econômicos e sociais, bem com às aspirações distintas das famílias, admite-se que o
termo possui concepções, significados, prioridades e perspectivas diferenciadas para as famílias
pesquisadas. Este conjunto é considerado como o padrão de qualidade de vida que é almejado
pelas famílias. Portanto, para analisar a qualidade de vida deste grupo, buscou-se identificar quais
são essas concepções de qualidade de vida, que estão de acordo com o contexto e o perfil
estudados anteriormente.
Ao analisar as concepções de qualidade de vida dos assentados em Sergipe, através dos
discursos desses atores, verifica-se que esta é composta pela articulação dos diversos domínios da
vida. Entretanto, constatou-se um destaque para dois aspectos fundamentais: a saúde e as
condições necessárias para a sobrevivência na terra.
A saúde é um dos domínios considerados essenciais pelos assentados, o que pode ser
explicado a partir da necessidade de estar saudável para desenvolver as atividades diárias e, assim,
poder trabalhar e garantir os demais domínios da vida. É como se a saúde fosse, em certo ponto,
determinante dos demais domínios da vida. Talvez por isso a concepção de qualidade de vida que
239

apresenta a saúde como relevante sempre inclui outros domínios a ela correlacionados, conforme
os depoimentos a seguir:

A qualidade de vida hoje é ter saúde, pois ter saúde é tudo. Ser independente
também é importante. Tudo isso, mas a gente precisa de tão pouco pra viver
(...), pois quando morre não leva nada (assentado 7).

Qualidade de vida é estar com saúde, com a família e de bem com tudo e todos.
Não é enricar, mas tendo o que comer e saúde já está bom demais (assentado 8).

É viver com a barriga cheia e ter saúde (assentado 9).

Ter saúde e paz, ter uma comunidade unida (assentado 10).

Ter uma vida saudável e trabalhar em algo que não desgaste tanto fisicamente
(assentado 11).

Nos depoimentos apresentados, percebe-se que a saúde está associada às condições


necessárias para desenvolver as atividades (no caso, o trabalho) e garantir o sustento da família.
Os domínios integração social e família também aparecem relacionados à união, seja da
comunidade ou da família.
O domínio saúde aparece também relacionado ao lazer, à educação e à situação
financeira, conforme depoimentos a seguir:

Ter saúde, lazer, ter acesso a educação, ter situação financeira e amor a vida
com união (assentado 12).

Ter onde morar, ter saúde, ter dinheiro (dinheiro não é tudo, mas é quase tudo)
(assentado 13).

Bom emprego e a terra, saúde e moradia (assentado 14).

Ter condições para comprar as coisas (assentado 15).

Ter dinheiro, tranquilidade e trabalhar pouco (assentado 16).

Nos depoimentos apresentados, a questão financeira é mencionada juntamente com a


saúde, sendo expressa pela oportunidade de emprego ou mesmo pelo dinheiro em espécie. O ter
dinheiro é uma expressão muito significativa para os assentados. Entretanto, esses depoimentos
revelam que o dinheiro, apesar de relevante, não é o mais importante para a sua qualidade de
vida. A educação também é relatada como sendo um domínio importante da qualidade de vida,
bem como a moradia, o acesso à terra e a integração social.
Há, ainda, concepções de qualidade de vida que se referem à saúde e ao dinheiro como
sendo importantes para a qualidade de vida, mas a segurança também, conforme o relato a seguir:
240

Não é só ter dinheiro, nem saúde, é não ser abusado e nem abusar dos outros,
dormir com a janela aberta, tem coisa melhor? Caminhar sem olhar pra trás,
viver sem inimigo é muito bom. Nunca tive problema sério e isso é muito bom
(assentado 17).

O outro domínio em destaque na concepção da qualidade de vida é a questão do acesso à


terra e à oportunidade do trabalho, seja independente ou associado a outros domínios, conforme
depoimentos a seguir:

É ter igualdade social. É ter terra para trabalhar, casa para morar e o pão de
cada dia. E que todos tivessem o mesmo direito a comer... Enquanto não tiver
reforma agrária de verdade, o pequeno agricultor não pode ter qualidade de
vida (assentado 18).

Qualidade de vida seria ter acesso a educação e trabalho (assentado 19).

A percepção da qualidade de vida como um conjunto articulado dos diversos domínios,


no qual uns são determinantes para outros, é relatada pelos assentados:

É ter a mesa farta e educação. Boa alimentação e educação trazem a saúde. E o


meio ambiente também é tudo para a preservação da vida. É um conjunto de
tudo isso que traz a qualidade de vida (assentado 20).

Nesse depoimento percebe-se a articulação dos elementos como uma cadeia de efeito de
uns sobre os outros, ou seja, a boa alimentação e a educação que se traduzem em saúde e meio
ambiente como garantia da vida.
Destaca-se ainda que os assentados revelaram as questões subjetivas da qualidade de vida,
apresentando, de forma independente ou articulada, os elementos paz, tranquilidade, sossego e
felicidade como sendo essenciais para a qualidade de vida:

Ter paz, repouso e felicidade (assentado 21).

O cabra viver e respeitar o ser humano (assentado 22).

Assim, por mais que a qualidade de vida esteja hierarquizada de acordo com as
necessidades imediatas de sobrevivência, observa-se que os elementos apresentados representam
bastante para as famílias assentadas. Ter paz, sossego e felicidade têm sido almejados por todos,
independentemente se a sua origem é rural ou urbana, se possui ou não os outros domínios da
qualidade de vida.
É importante ressaltar que na análise dos depoimentos das famílias assentadas sobre a
qualidade de vida foram priorizados aqueles mais mencionados nas falas, buscando situá-los em
241

termos dos domínios da qualidade de vida em questão, citando assim alguns como forma de
ilustrar a análise. Obviamente, se todos os depoimentos fossem analisados na íntegra, vários
seriam os desdobramentos para a discussão da qualidade de vida.
Percebe-se que a noção de qualidade de vida apresentada pelas famílias, na maior parte
das vezes, não prioriza um domínio, mas apresenta a articulação de vários domínios que, em
conjunto, formam a concepção de qualidade de vida.
De modo geral, verificou-se que a concepção da qualidade de vida para as famílias
assentadas não difere, em seus conteúdos principais relacionados aos domínios da qualidade de
vida, de região para região. Pa ra sintetizar as concepções de qualidade de vida dos assentados,
pode-se afirmar que a saúde, a moradia, a educação, o trabalho e a situação financeira e a garantia
da sobrevivência são os domínios que se destacam na composição dessa concepção, sendo os
elementos subjetivos (tranquilidade, felicidade e paz) também considerados relevantes.
Assim, algumas reflexões são fundamentais para a interpretação da concepção da
qualidade de vida dos assentados: qual a relação dessas concepções com a política de reforma
agrária?; e o que está previsto no discurso dessa política que pode proporcionar a qualidade de
vida almejada pelos assentados?
Se as famílias assentadas expressam que a moradia, o trabalho, a situação financeira e a
garantia da sobrevivência são essenciais para a concepção da qualidade de vida que almejam,
pode-se afirmar que todos esses domínios só poderão ser possíveis a partir do acesso à terra e das
condições de nela permanecer, o que está diretamente relacionado ao objetivo da política de
reforma agrária. Acredita-se que famílias rurais têm como opção a terra para produzir e garantir a
sua sobrevivência e reprodução social, já que o MDA, em sua proposta do II Plano Nacional de
Reforma Agrária, ao justificar a reforma agrária diz que

os pobres do campo são pobres porque não têm acesso à terra suficiente e
políticas públicas adequadas para gerar uma produção apta a satisfazer as
necessidades próprias e de suas famílias. [...]. São pobres, também, porque
recebem, pelo aluguel de sua força de trabalho, remuneração insuficiente; ou
ainda porque os direitos da cidadania – saúde, educação, alimentação e moradia
– não chegam. O trabalho existente é sazonal, ou o salário é aviltado pela
existência de um enorme contingente de mão-de-obra ociosa no campo (MDA,
2003, p. 12).

Nesse mesmo plano, ainda em vigor, buscou-se um novo modelo de reforma agrária,
através da promoção da viabilidade econômica, da segurança alimentar e nutricional e da
viabilidade ambiental para garantir o acesso aos direitos e a promoção da igualdade. Isso,
entretanto, só poderá se conseguido a partir da disponibilização de meios indispensáveis à
exploração econômica da terra para viver dignamente dela: créditos, assistência técnica,
242

infraestrutura, políticas públicas que garantam a universalização do acesso a direitos


fundamentais, dentre outros aspectos.
Ao analisar mais profundamente a concepção de qualidade de vida das famílias
assentadas, verifica-se que o acesso à terra já foi conquistado, via assentamento, representando,
assim, o primeiro passo para alcançar a qualidade de vida desejada. Por outro lado, à medida que
as famílias estão satisfeitas com alguns domínios da vida, a tendência é que novos domínios sejam
almejados. Assim, como discute Alderfer (1969), à medida que as necessidades de existência são
alcançadas, que incluem todas as formas de desejos materiais ou fisiológicos, a sua satisfação
reduz o desejo do indivíduo por este tipo de necessidade, privilegiando outras, associadas ao
relacionamento e ao crescimento.
Maslow, apud Nygren (1989), propôs uma sequência de necessidades básicas: fisiológica,
segurança, amor, estima e autorrealização. Assim, o homem seria motivado por necessidades
organizadas numa hierarquia de relativa prepotência. Isto quer dizer que uma necessidade de
ordem superior surge somente quando a de ordem inferior foi relativamente satisfeita. O autor
acreditou que o relacionamento hierárquico entre as necessidades básicas não era totalmente
exclusivo porque indivíduos poderiam tentar satisfazer uma necessidade de nível superior antes
que uma menor tivesse sido plenamente alcançada. Os esforços de Maslow atraíram a atenção de
pesquisadores que geralmente aceitaram a teoria conceitual, mas encontraram a falta de
verificação da hierarquia problemática.
Nygeen (1989) comenta que

a crença na pertinência da abordagem das necessidades básicas para os


problemas atuais é reforçada pela sua utilização em uma série de programas
internacionais para aliviar a pobreza nas zonas rurais (NYGEEN, 1989, p. 7).

Dessa forma, se as famílias ainda se referem ao trabalho e à situação financeira como


relacionados ao acesso à terra, pode-se inferir que elas ainda possuem algum tipo de insatisfação
com relação à qualidade de vida. Entretanto, é necessário aprofundar a análise para que essas
reflexões sejam finalizadas. Na etapa seguinte, serão apresentados os domínios que compõem a
qualidade de vida e sua caracterização nos assentamentos pesquisados.

7.3.3. A Caracterização dos Domínios da Qualidade de Vida nos Assentamentos

Os assentamentos são produtos da luta pela terra e da atuação pontual da política de


reforma agrária, que numa correlação de forças e disputa pelo poder dos diversos atores
243

envolvidos constitui-se em territórios. Neste sentido, os aspectos citados são alguns dos
elementos que dão forma e produzem este espaço, transformando-o no território, com todas as
suas características. Potanto, pretende-se ressaltar que a realidade dos assentamentos é constituída
pela articulação de vários elementos, com base nesta perspectiva apresentada. Ou seja, o
assentamento não é assim por simplesmente ser, mas porque assim foi possível ser. Portanto, não
se pode negar que há uma predeterminação de como esses assentamentos são, seja por parte do
próprio desenho da política pública ou da atuação dos movimentos sociais e demais atores
envolvidos.
Nesse sentido, buscou-se identificar esses espaços produzidos a partir da caracterização
dos domínios que, em conjunto, contribuem para a interpretação da qualidade de vida das
famílias assentadas. Conforme apresentado, há uma concepção de qualidade de vida almejada
pelas famílias assentadas, relacionada a cada domínio da qualidade de vida. Entretanto, há uma
situação real para cada um destes domínios, que, em conjunto, são considerados como o nível
atual da qualidade de vida das famílias assentadas. Desta forma, a sua caracterização é essencial
para a compreensão da qualidade de vida dessas famílias.
Para a caracterização dos assentamentos pesquisados, optou-se por descrevê-los com base
nos domínios da qualidade de vida propostos na metodologia desta pesquisa. Destaca-se que, em
alguns casos, alguns domínios foram organizados em grupos, de acordo com suas características,
de modo a facilitar o processo de discussão.
Assim, pretende-se oferecer um panorama geral dos assentamentos, no intuito de facilitar
a compreensão dos domínios que são priorizados pelas famílias e seus respectivos níveis de
satisfação, discutidos posteriormente. Esta descrição será feita com base no agrupamento dos
dados dos assentamentos por cada região (Sertão, Agreste e Leste), que serão analisados em
conjunto, visando captar as diferenças e as semelhanças em cada região.

7.3.3.1. As Condições de Moradia e do Microambiente Familiar

Segundo Leite et al. (2004), a fase inicial de chegada ao assentamento é bastante difícil,
pois tudo no lote está para fazer, inclusive o local de moradia.
Para caracterizar as condições de moradia e do microambiente onde estão as famílias
assentadas, optou-se por identificar a moradia em relação à sua construção e ao o destino do lixo
e dos dejetos.
244

Dentre os créditos ofertados pelo INCRA, agrupados no Crédito Instalação30, há as


modalidades: crédito de aquisição de materiais de construção e o recuperação/materiais de
construção, com valores atuais de R$ 15.000,00 e R$ 5.000,00, respectivamente. Este se destina à
recuperação das unidades habitacionais nos PAs que, após constatação por meio de laudo
técnico, apresentem necessidade de reforma e, ou, ampliação, dando-se preferência àqueles que
detenham o Plano de Recuperação do Assentamento (PRA), que é concedido às famílias
assentadas residentes e domiciliadas no Projeto de Assentamento, para auxiliar na construção de
suas unidades habitacionais.
Em Sergipe, essas moradias têm, na maioria das vezes, o mesmo estilo e padrão, de
acordo com o limite de crédito vigente na época, seguindo o modelo de construção proposto
pelo setor de infraestrutura do INCRA SR 23/SE. Caso algum assentado esteja capitalizado no
momento da construção, ele pode alterar o modelo, desde que respeite a devida localização no
lote e, ou, outras orientações apresentadas pelo INCRA.
Ao analisar as condições de moradia das famílias assentadas, verificou-se que a maioria
das casas possui paredes de alvenaria, cobertura de telha cerâmica e cinco ou mais cômodos,
conforme pode ser observado na Tabela 14.
Ao analisar esses dados pode-se inferir que há uma pequena, mas significativa, variação
no “padrão” de construção. Este fato pode ser explicado pelo lapso temporal que há na data de
construção das casas nos assentamentos pesquisados, bem como pela presença de moradias sem
o aporte do INCRA, como as casas de filhos de assentados, a exemplo do que acontece no PA
Cuyabá.
Ao traçar um comparativo desses valores observados com os dados obtidos por Leite et
al. (2004), percebe-se que as condições de moradia do assentado sergipano é semelhante à média
geral das cinco manchas pesquisadas por estes autores, sendo inclusive superior a algumas destas
(sul da Bahia e sudeste do Pará).
Relata-se, ainda, a parceria firmada feita entre o INCRA-SE e a Caixa Econômica Federal
( CEF) na construção e reforma de centenas de casas no assentamento, com o uso do Fundo de
Garantia por Tempo de Serviço – FGTS (MDA, 2006).
Em 2007, essa parceria possibilitou a contrução de 280 casas para os integrantes do
Projeto de Assentamento José Emídio dos Santos, localizado no município de Capela, em
Sergipe. Cada residência custou R$ 11.000,00, devendo ser ressaltado que a CEF financiou
R$ 6.000,00 e o INCRA, os R$ 5.000,00 restantes. O valor total do investimento foi de
R$ 1.680.000,00. Em 2009, conforme notícia veiculada no sítio desta autarquia (INCRA, 2009e,

30 Para saber mais vide: INCRA. Norma de Execução no 79, 26/12/2008b; INCRA. Instrução Normativa n. 54,
22/07/2009d.
245

Tabela 14 – Condições de moradia dos assentamentos por região. Sergipe, 2008

Sertão Agreste Leste Sergipe


Região
(%) (%) (%) (%)
1. Papelão, zinco, palha - - - -
2. Pau-a-pique 1,19 - 2,47 1,28
Paredes

3. Madeira 1,19 2,86 1,23 1,70


4. Alvenaria 88,10 97,14 96,30 93,62
5. Não respondeu 9,52 - - 3,40
1. Palha, zinco, material aproveitável - - - -
2. Telha cerâmica 88,10 95,71 97,53 93,62
Telhado

3. Laje - - - -
4. Laje com madeiramento e telha - 4,29 2,47 2,12
5. Não respondeu 11,90 - - 4,26
1. Somente 1 3,57 - 1,23 1,71
2. Somente 2 2,38 5,71 - 2,56
Cômodos

3. Somente 3 ou 4 11,90 20,00 6,17 12,39


4. Com 5 ou mais 73,82 70,00 87,66 77,78
5. Não respondeu 8,33 4,29 4,94 5,56
Fonte: dados de campo (2008), organizado por Sousa (2009).

Fonte: fotografia do acervo pessoal da pesquisadora. 2008.

Figura 59 – Moradia no PA José Gomes da Silva. Lagarto, SE.


246

p. 1) sobre o termo de cooperação assinado entre o INCRA-SE e a CEF: “o INCRA vai


construir mil casas nesses locais e recuperar outras 250, em parceria com a Caixa Econômica
Federal”.
A maioria das moradias possui energia elétrica, sendo os serviços fornecidos pela
Energisa Sergipe – Distribuidora de Energia S. A. Nas regiões do Sertão e Agreste, na maioria das
casas a água de consumo provém da rede geral de abastecimento da DESO - Companhia de
Abastecimento de Sergipe. Na região Leste, 48,28% provém da rede geral e 33,33% de poço ou
cisterna com encanamento externo. Verificou-se também que em algumas moradias (12,50%) a
água de consumo provém de poço ou cisterna sem encanamento externo e que em outras
(2,27%) ela é carregada em baldes e latas direto de outras fontes de abastecimento, por não
possuir encanamento, conforme a Tabela 15.

Tabela 15 – O acesso a água e energia elétrica, por região. Sergipe, 2008

Região Sertão (%) Agreste (%) Leste (%) Sergipe (%)


1. Nenhuma - - - -
Energia

2. Lamparina/lampião 1,19 - 2,44 1,27


3. Elétrica 92,86 100,00 77,56 96,61
4. Não respondeu 5,95 - - 2,12
1. Carregada 4,44 1,15 1,15 2,27
Acesso à Água

2. Poço/cisterna 6,67 13,79 17,24 12,50


3. Poço com encanamento externo 1,11 3,45 33,33 12,50
4. Rede geral encanada 86,67 81,61 48,28 72,35
5. Não respondeu 1,11 - - 0,38
1. Latas e baldes 23,60 19,23 32,14 25,10
Armazenamento

2. Poço/cisterna sem cobertura 1,12 3,85 3,57 2,79


da Água

3. Poço/cisterna com cobertura 23,60 14,10 5,95 14,74


4. Caixa dágua/tanques 40,45 62,82 54,77 52,19
5. Não respondeu 11,24 - 3,57 5,18
Fonte: dados de campo (2008), organizado por Sousa (2009).

A água de consumo é armazenada, na maioria das moradias das regiões Agreste e Leste,
em caixas-d’água ou em tanques, sendo distribuída em torneiras. No caso do Sertão, a maior
parte da água é armazenada em caixas e tanques, mas também diretamente em poço ou cisterna
com cobertura. Ou seja, a água é encanada diretamente para este poço ou cisterna. Há casos, em
todas as regiões, em que a água é armazenada sem a devida cobertura de proteção e garantia de
sua qualidade, como também em latas e baldes (25,10%), provavelmente naquelas casas em que
não há caixas-d’água ou tanque para o seu armazenamento.
247

Os assentamentos localizados na região do semiárido possuem o aporte do crédito


semiárido, oferecido pelo INCRA, cujo valor atual é de até R$ 2.000,00. Segundo redação do Art.
10, da Norma de Execução no 79/2008:

A modalidade Semiárido se destina a atender as necessidades de segurança


hídrica das famílias, nos PA’s localizados nas áreas circunscritas ao Semiárido,
reconhecidas pelo IBGE. Essa modalidade se destina a apoiar soluções de
captação, armazenamento e distribuição de água, para consumo humano,
animal e produtivo, vedada a utilização para equipamentos de transporte, como
carro e caminhão-pipa (INCRA, 2008b, p. 4).

Normalmente, esse recurso é utilizado na confecção de cisternas ou de barragem


coletivas, como apresentado na Figura 60.

Fonte: fotografia do acervo pessoal da pesquisadora (2008).

Figura 60 – Cisterna para coleta da água pluvial no PA José Ribamar. Nossa Senhora da Glória, SE.

Em 2005, o Ministério de Integração (MI) assinou uma portaria que delimita a Região do
Semiárido, integrando mais um aos 28 municípios sergipanos, o de Macambira. Para a nova
delimitação do semiárido brasileiro, três critérios técnicos foram tomados por base:
1) precipitação pluviométrica média anual inferior a 800 milímetros; 2) índice de aridez de até 0,5,
calculado pelo balanço hídrico, que relaciona as precipitações e a evapotranspiração potencial, no
período entre 1961 e 1990; e 3) risco de seca maior que 60%, tomando-se por base o período
entre 1970 e 1990 (MINISTÉRIO..., 2005).
248

Assim, dos assentamentos estudados, o PA do Sertão e os PAs Paraíso de São Pedro


(Pinhão) e Caípe (Nossa Senhora das Dores) encontram-se na região do semiárido.
Com relação ao destino que é dado ao lixo doméstico (Tabela 16), constatou-se que a
maior parte das famílias queima o lixo (66,15%). Nos casos em que o assentamento conta com o
serviço de coleta, o lixo é colocado em lata para ser recolhido.

Tabela 16 – Disposição do lixo e dejetos, por região. Sergipe, 2008

Região Sertão (%) Agreste (%) Leste (%) Sergipe (%)


1. Exposto 6,32 8,22 6,74 7,00
Destino do

2. Enterrado 3,16 2,74 5,62 3,89


Lixo

3. Queimado. 55,79 87,67 59,55 66,15


4. Colocado em latas de lixo 33,68 - 26,97 21,79
5. Não respondeu 1,05 1,37 1,12 1,17
1. Nenhum 15,48 100,00 48,15 51,92
Recolhimento

2. Mensal 2,38 - 3,70 2,13


do Lixo

3. Diário 70,24 - 44,45 40,42


4. Quinzenal 9,52 - - 3,40
5. Não respondeu 2,38 - 3,57 2,13
1. Exposto 53,77 21,43 38,82 40,22
Destino do Esgoto

2. Córrego/rio - - 2,35 0,77


3. Fossa séptica 24,53 42,86 45,89 36,40
4. Fossa asséptica 16,04 37,71 9,41 19,16
5. Rede Geral 2,83 - 3,53 2,30
6. Não respondeu 2,83 - - 1,15
Instalação

1. Sim 84,52 77,14 72,84 78,30


Sanitária

2. Não 13,10 22,86 27,16 20,85


3. Não respondeu 2,38 - - 0,85
Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

Verifica-se ainda que outras famílias enterram o lixo (3,89%) ou simplesmente deixam-no
exposto (7%) nas redondezas. Nos últimos dois casos, há possibilidade de contaminação do solo
e das famílias, ampliando os riscos de verminoses. Carvalho et al. (2009) comentam sobre essa
questão:

Normalmente, os lixos são encontrados jogados nos quintais, hortas e arredores


das casas ou amontoado nas adjacências da residência. Alguns os jogam em
buracos, outros queimam, enquanto outros levam para as margens da rodovia.
O lixo orgânico é reaproveitado como complemento para a alimentação das
criações como galinhas e suínos. Algumas latas e sacolas recebem uma segunda
utilização, até mesmo usos extremos, como a reutilização de galões de óleo
diesel para armazenar água para o consumo (CARVALHO et al., 2009, p. 87).
249

No que se refere ao recolhimento do lixo, a partir dos relatos das famílias constatou-se
que apenas no Agreste não há coleta de lixo em nenhum dos assentamentos pesquisados. Nas
demais regiões, conforme os dados da Tabela 15, observa-se uma variação que vai desde a não
disponibilidade desse serviço ao seu recolhimento diário.
Com relação ao destino dos dejetos, verificou-se que mais de 40% das famílias assentadas
no Agreste possuem fossa séptica. No caso do Sertão, esses dejetos, em sua maioria, são lançados
no solo, nos córregos ou nos rios, sem nenhum tipo de tratamento ou cuidado, sendo ainda parte
lançada na fossa asséptica. No Leste, constatou-se que a maior parte das famílias possui fossa
séptica ou simplesmente deixa os dejetos expostos.
O microambiente onde as famílias estão inseridas dispõe de boas condições de moradia,
com acesso à água e à luz, mas é limitado no que se refere à disposição dos dejetos e do lixo, que
sem o devido tratamento podem se tornar foco de contaminação e veículo de doenças para a
família, a exemplo das verminoses.

7.3.3.2. Refletindo sobre as Condições de Saúde

Buscou-se identificar o perfil das famílias com relação à saúde (membros que ficaram
doentes, que possuem doenças crônicas, que procuraram atendimento médico e tomaram
medicamentos, bem como os tipos de medicamentos utilizados). Foram identificadas também as
condições de acesso das famílias aos serviços básicos de saúde (existência de Unidades de Saúde
nos assentamentos, tipos de profissionais, como conseguem atendimento, tipo de transporte
utilizado em casos especiais), assim como o tipo de medicamentos ingeridos, se industrializados
ou da medicina popular (plantas medicinais) por parte destas famílias.
No Agreste, verificou-se que apenas os PAs Paraíso do São Pedro (São Miguel do Aleixo)
e Caípe (Nossa Senhora das Dores) possuem Unidade de Saúde dentro do assentamento. No
caso do PA Caípe, a Unidade está localizada no Povoado de mesmo nome. Como o
assentamento e o povoado são praticamente no mesmo local, considera-se que a Unidade de
Saúde é no próprio assentamento. No PA José Gomes da Silva não há Unidade de Saúde, mas o
atendimento médico é realizado na escola e com visitas do Programa de Saúde da Família (PSF)
às famílias assentadas. Nessa região, verificou-se que o atendimento às famílias é realizado
mediante os seguintes procedimentos: Ficha (64,28%); Agendamento (27,15%); Outros (2,86%);
e 5,71% não responderam.
Nos PAs que não possuem Unidades de Saúde, a forma usual de conseguir atendimento
médico é por “fichas”. No entanto, na maioria das vezes as famílias precisam chegar cedo e
250

aguardar para conseguirem a ficha de atendimento conforme especialidade necessária. Esta seria a
explicação para o fato de a maior parte do atendimento ser através de fichas, já que a maioria dos
PAs do Agreste não possui Unidades de Saúde e utiliza os serviços do município. Mesmo que no
PA José Gomes da Silva o atendimento médico seja realizado em períodos (na sede da escola), é
provável que as famílias também utilizem os serviços de saúde do município.
Na Região Leste, apenas no PA Treze de Maio (Japaratuba) há uma Unidade Básica de
Saúde. Nos PAs Roseli Nunes (Estância) e Dorcelina Folador (Itaporanga D’Ajuda). Os serviços
de saúde às famílias assentadas são prestados nas Unidades de Saúde dos municípios em que se
encontram. Para conseguir atendimento médico, as famílias, em sua maioria (64,20%), também
fazem uso do sistema de fichas, discutido anteriormente. Apenas 14,81% conseguem
atendimento via agendamento de consultas e 18,52% conseguem por outras formas (através de
uma agente de saúde que agenda, da necessidade imediata do atendimento, sem marcar com
antecedência, etc.). Outros 2,47% não responderam.
No Sertão, apenas o assentamento Cuyabá possui Unidade de Saúde (Figura 61). As
famílias dos PAs Pioneira (Poço Redondo) e José Ribamar (Nossa Senhora da Glória) recebem
atendimento nos municípios em que estão os assentamentos. Para conseguir atendimento, a
maior parte (83,53%) das famílias necessita pegar fichas. Para 9,41%, é feito o agendamento; para
4,71% são utilizadas outras formas; e 2,35% não responderam.

Fonte: fotografia do acervo pessoal da pesquisadora (2007).

Figura 61 – Unidade de Saúde da Família no PA Cuyabá. Canindé do São Francisco, SE.


251

O maior porcentual de atendimento através de fichas por regiões foi verificado no Sertão,
o que está relacionado ao maior número de famílias assentadas naquela região, em comparação às
demais.
Em geral, fazem parte da Unidade de Saúde os seguintes profissionais: médico,
enfermeiro, auxiliar de enfermagem, agente de saúde e, em alguns casos, dentista. Nos
assentamentos em que há Unidades de Saúde, segundo informação dada pelas famílias, fazem
parte os seguintes profissionais: médico, auxiliar de enfermagem, agente de saúde e dentista.
Em todas as regiões, verificou-se que quando as famílias necessitam de algum exame ou
atendimento especializado elas procuram em primeiro lugar, os municípios vizinhos e, em
segundo lugar, a capital Aracaju. Nestes casos, buscou-se identificar quais os tipos de transporte
utilizado pelas famílias para chegar aos locais adequados ao tratamento. No Sertão, a maioria
(60,6%) utiliza a ambulância do município; 15% usam carro particular ou taxi; 6,4% utilizam o
ônibus escolar ou o transporte coletivo; 5,3% contam com carros de amigos, parentes ou
políticos; 3,2% fazem uso de outros transportes (como a carroça, vão a pé, de bicicleta ou de
moto-taxi); e 8,5% não informaram.
Na Região Leste, quase metade (46,90%) das famílias utiliza o ônibus escolar ou coletivo
para chegar aos locais de atendimento especializados: 27,40% utilizam a ambulância do
município; 11,50% pagam carro particular ou taxi; 8,00% fazem uso de outros transportes; 3,50%
utilizam carro de amigos, parentes ou políticos; enquanto 2,70% não responderam.
No Agreste, 39,29% das unidades familiares utilizam a ambulância como transporte para
chegar aos locais de atendimento especializado; 23,81% fazem uso do ônibus escolar ou coletivo;
20,24% contratam carro particular ou taxi; 10,71% contam com outros transportes; e 4,76%
utilizam carro de amigos, parentes e políticos; e 1,19% não responderam.
Na avaliação das famílias, nos casos em que existe Unidade de Saúde nos assentamentos,
a facilidade e a qualidade do atendimento são maiores, conforme relatos a seguir:

Porque consegue o atendimento sem ter que chegar muito cedo (assentado 23).
Por não precisar sair da comunidade para ser atendido (assentado 24).
O atendimento é diário (assentado 25).
O agente de saúde vai a casa marcar consulta (assentado 26).
O pessoal atende bem e ainda dá os remédios (assentado 27).
É melhor do que antes, quando não tinha nada (assentado 28).

Carvalho et al. (2009), em estudo de caso no Estado de Goiás, perceberam que 70% dos
assentados contavam com a visita de agentes de saúde. Contudo, as visitas são pouco frequentes
e sua atuação se restringe à entrega de remédios e à marcação de consultas. As agentes são mais
252

assíduas nas parcelas onde algum membro da família toma remédio controlado, sendo comum a
entrega mensal de remédios.
Em pesquisa realizada pela Universidade de Brasília, com o apoio do Coletivo Nacional
de Saúde do MST, foi feito o levantamento das condições de saúde de 139 PAs ligados ao MST,
em 23 Estados brasileiros. Em relação ao acesso formal à saúde, constatou-se a existência de
Postos de Saúde em áreas próximas a 56,8% dos assentamentos, mas apenas 30,9% em
funcionamento. A presença de agentes de saúde foi detectada somente em 44,6% dos
assentamentos, devendo ser ressaltado que desses apenas 52,9% estavam associados a programas
governamentais (SOARES, 2008) .
Em pesquisa organizada por Leite et al. (2004), constatou-se a existência de postos de
saúde em apenas 21% dos assentamentos, sendo a maioria deles instalada por pressão dos
assentados.
A qualidade desses serviços é, na opinião dos assentados, bastante positiva, sendo às
vezes entendida como algo que vai além da obrigação do Estado para com o cidadão. Entretanto,
entende-se que os direitos dos cidadãos no que se refere à saúde são os mesmos, esteja ele ou não
em situação de assentamento, uma vez que se trata de um serviço básico, garantido
constitucionalmente, em seu Artigo 196 (BRASIL, 1988): “é garantido o acesso universal e
igualitário a ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde”. No caso daquelas
famílias que utilizam os serviços de saúde no município, algumas dificuldades são relatadas:

Muita dificuldade, ter transporte, ter dinheiro (assentado 29).


É difícil pegar ficha (assentado 30).
Não é o que merece, mas é o que tem (assentado 31).
Nem sempre é bem recebido (assentado 32).
Poucas fichas e privilégios no atendimento (assentado 33).
Quando chega uma ambulância, o doente já está quase morrendo (assentado 34).

As dificuldades quanto ao atendimento médico, em geral, são apenas uma análise local do
que é a realidade do Sistema Único de Saúde no País. Não haveria de ser diferente para as
famílias assentadas, que são apenas mais algumas famílias que dependem desses serviços e para os
quais contribuem em impostos. As dificultades relatadas foram as filas de espera, o atendimento
aos pacientes, que nem sempre é adequado, a ausência de medicamentos de distribuição gratuita,
além do transporte público de saúde, que na maioria das vezes não está disponível no momento
necessário.
Ao analisar a necessidade de atendimento médico, verificou-se que na região do Agreste,
em 2007, 47,14% das famílias assentadas tiveram algum membro da família com caso de doença e
253

1,43% dos entrevistados não responderam. Pode-se constatar que 51,43% das famílias possuem
algum membro portador de doença crônica, a exemplo da diabete (20,00%), da hipertensão
(57,50%), dos problemas cardíacos (17,50%) e da insuficiência renal (5,00%), ressaltando a
importância não apenas dos atendimentos de emergências, mas também do monitoramento
dessas doenças. Além disso, percebeu-se que a grande maioria das famílias (95,71%) não possui
membros com necessidades especiais (mental e, ou, física).
Constatou-se que a maioria das famílias que tiveram caso de doenças (81,25%) procurou
atendimento médico. No entanto, deve ser ressaltado que 93,75% tomaram medicação, inclusive
aqueles que não procuraram atendimento médico, inferindo assim, o hábito de automedicação.
Com relação ao tipo de medicamento, verificou-se que 57,78% das famílias fizeram uso de
remédios “de farmácia”; 22,22% utilizaram remédios “de farmácia” e da medicina popular,
enquanto 20,00%, fizeram uso apenas remédios da medicina popular.
No Leste, em 2007, 60% das famílias tiveram caso de doença na família. Verificou-se que
50,62% possuem algum membro na família que é portador de alguma doença crônica: diabetes
(20,69%), hipertensão (50%), problemas cardíacos (15,52%) e insuficiência respiratória (13,79%).
Constatou-se que 93,06% das famílias que tiveram caso de doença procuraram atendimento
médico. Destas, 94,2% fizeram uso de medicamentos. No que se refere ao tipo de medicamento
utilizado, constatou-se que a maioria (78,87%) fez uso de medicamento de farmácia; 9,86%
fizeram uso dos dois tipos de medicamentos; 7,04% fizeram uso apenas de medicamentos da
medicina popular; e 4,23% não responderam.
No Sertão, em 2007, 63,1% das famílias tiveram caso de doença na família. Pode-se
verificar que 53,57% das famílias possuem algum membro portador de doença crônica:
hipertensão (73,07%), problemas cardíacos (9,62%), insuficiência respiratória (7,69%) e outros, a
exemplo de depressão e epilepsia (5,77%) e diabetes (3,85%). Constatou-se que 92,77% das
famílias que tiveram casos de doença procuraram atendimento médico e todas (100%) fizeram
uso de medicamentos. Quanto ao tipo de medicamento utilizado, verificou-se que 86,08% das
famílias fizeram uso de medicamentos de farmácia; 12,66% utilizaram medicamentos de farmácia
e da medicina popular; e 1,26% fez uso apenas de medicamentos da medicina popular.
Em todas as regiões foi constatada a necessidade não apenas do atendimento médico em
caso de doenças, como também de acompanhamento e monitoramento das doenças crônicas,
demandando assim uma atenção especial da Unidade de Saúde. Observou-se, também, que por
mais que as famílias sejam rurais e tenham como prática cultural o uso de plantas medicinais, nos
casos de acometimento de doenças a maioria faz uso de medicamentos de farmácia, o que pode
ser explicado por meio de duas hipóteses. A primeira é que a disponibilidade do medicamento,
254

distribuído gratuitamente e a gravidade da doença e o tratamento necessário fazem com que, pela
comodidade e necessidade apresentadas, o doente opte pelo seu uso, em vez dos medicamentos
populares. A segunda é que a prática de utilizar os medicamentos da medicina popular está sendo
descaracterizada por essas famílias.
Assim, ao serem interrogadas sobre o uso da medicina popular (a exemplo de plantas
medicinais em forma de chás e lambedores), verificou-se que no Agreste 91,0% das famílias
afirmaram utilizar estes preparos caseiros. Das famílias entrevistadas, 6,0% responderam
negativamente a essa pergunta, e o restante (3,0%) não quiseram ou não souberam responder. No
Sertão, 91,11% das famílias afirmaram fazer uso da medicina popular, seguidas de 8,89% que não
o fazem. No Leste, 88,89% das famílias afirmaram fazer uso e 11,11% não o fazem. Neste
sentido, por mais que, em casos de doenças, as famílias tenham optado por utilizar os
medicamentos de farmácia, a hipótese mais adequada é de que o fizeram pela necessidade (tipo
de tratamento adequado à doença) ou pela comodidade, em alguns casos. Até porque, considera-
se que o uso de medicamentos populares é feito, na maioria das vezes, em casos mais simples,
não sendo necessário procurar atendimento médico.
A esse respeito, observa-se que historicamente no Brasil, tanto no meio urbano quanto no
meio rural, a população tem se utilizado de produtos de origem vegetal para o tratamento dos
males que a afetam. As plantas medicinais representam uma opção terapêutica de grande valor
nos dias de hoje. Segundo Corrêa Júnior et al. (2006), a grande maioria das famílias tem alguma
planta medicinal cultivada em horta caseira, para qualquer eventualidade, e as ervas aromáticas e
condimentares são também utilizadas com frequência no preparo de alimentos, dando-lhes
aroma, sabor e aspecto mais agradável, além de ajudar na sua conservação.
Em Sergipe, o cultivo de plantas medicinais nos assentamentos vem sendo incentivado
por diversos órgãos federais e estaduais, a exemplo do cultivo de erva-doce, em Simão Dias, pela
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), como forma de agregar valor ao
produto e incentivar a diversificação da produção, buscando novos nichos de mercado
(CURADO et al., 2007).
De modo geral, este é o panorama do domínio saúde, verificado nas famílias assentadas
em cada região de Sergipe.

7.3.3.4. Educação, Direito de Todos

Para a caracterização do domínio educação, buscou-se identificar a existência de escolas


nos assentamentos e as séries oferecidas, bem como dos Projetos de Educação de Jovens e
255

Adultos (EJA). Analisou-se ainda, nos casos em que os assentamentos não possuem todas as
séries, quais os municípios onde esses serviços estão disponíveis e qual o transporte utilizado
pelos estudantes para o acesso a essas escolas. Foram dimensionados também o nível médio de
escolaridade das famílias (em anos de estudo dos membros maiores de 14 anos) e o grau de
instrução de seus membros.
Constatou-se que dois terços dos PAs pesquisados possuem escolas. O PA José Gomes
da Silva (Figura 62), por exemplo, oferece as primeiras séries do ensino fundamental. Verificou-
se, ainda, a existência do Projeto de Alfabetização de Jovens e Adultos, e segundo informações
repassadas pelo técnico do INCRA responsável pelo Programa Nacional de Educação na
Reforma Agrária (PRONERA), tanto o EJA quanto a educação básica são oferecidos pelo
município e pelo Estado, mas com o suporte de recursos federais. O PRONERA, em Sergipe,
buscou a formação dos beneficiários da reforma agrária, com a proposição de cursos superiores,
a exemplo dos cursos de Agronomia (primeira turma formada no Brasil) e o de Pedagogia da
Terra, em convênio com a Fundação de Apoio à Pesquisa de Sergipe (FAPESE).

Fonte: fotografia do acervo pessoal da pesquisadora (2008).

Figura 62 – Escola no PA José Gomes da Silva. Lagarto, SE.

Ambos os cursos tiveram problemas para ser implementados, devido a impasses legais na
viabilização e disponibilização de recursos (INCRA, 2009f; JORNAL DA CIDADE, 2009). No
que se refere ao Projeto de Alfabetização de Jovens e Adultos, é importante destacar a
participação dos idosos, a exemplo de uma assentada da região Leste, de 72 anos de idade, que se
refere com alegria à oportunidade de aprender a ler e escrever, ainda que junto com os próprios
256

netos. Na perspectiva dessa assentada, “nunca é tarde para aprender, só precisava ter a
oportunidade” (assentada 35). O fato de o projeto ser desenvolvido especialmente para este
público, e dentro do PA, pode indicar maior potencialidade para a participação de idosos.
A escolaridade do Sertão, do Leste e do Agreste foi de 2,64, 2,46 e 3,02 anos,
respectivamente, ou seja, em cada família pode-se dizer que o somatório dos anos estudados por
seus membros maiores de 14 anos, dividido pelo número de membros, foi praticamente igual ou
menor que três anos.
Sousa e Cunha (2009), em estudo dos assentamentos da mesorregião do Agreste
sergipano, determinaram a escolaridade média de 3,62 anos de estudo, mas sua metodologia
diferiu da utilização neste trabalho. Para a operacionalização dos resultados, os autores fizeram o
somatório dos anos estudados por seus membros maiores de 6 anos, dividindo este pelo número
de membros da família.
Com relação ao Estado de Sergipe, verifica-se que, segundo dados do PNAD/IBGE,
apud França et al. (2007), baseando-se na escolaridade da população de 10 anos ou mais, em 2004,
cerca de 44% tinha menos de quatro anos de estudo, demonstrando que a situação educacional
nos assentamentos rurais é ainda mais limitada que a do Estado, como um todo.
Analisando comparativamente o cenário educacional por grau de instrução, nas três
mesorregiões pesquisadas, constatou-se que predominou o ensino fundamental incompleto,
principalmente no Sertão (84,60%) (Figura 63).
Na sequência, em porcentual, verifica-se em todas as regiões assentadas sem nenhum tipo
de instrução formal, ou seja, em média 13,71% não sabem ler e nem escrever, em alguns casos,
sabem “desenhar” os nomes. Registra-se ainda, nas três regiões, um porcentual pequeno de
membros que possuem o ensino médio incompleto (7,86%) e um porcentual menor ainda
daqueles que possuem o ensino médio completo (2,22%). O ensino fundamental completo foi
registrado em maior porcentual no Agreste e em menor no Leste. Apenas no Leste foram
constatados membros com ensino superior incompleto, sendo este o menor de todos os
porcentuais até então observados (0,57%).
Esses dados das famílias assentadas estão de acordo com a realidade estadual, em que
53,46% têm apenas de um a oito anos de estudo, o que corresponde ao ensino fundamental
(IBGE, 2005). Para França et al. (2005, p.123), “a educação é a oportunidade primordial do ser
humano na busca da sua valorização e da sua promoção numa sociedade competitiva e
discriminadora. Neste sentido, a realidade educacional é preocupante, entretanto não difere da
situação estadual”.
257

Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

Figura 63 – Grau de instrução dos membros das famílias assentadas, por região sergipana.

Em estudo semelhante realizado no Amazonas, Sodré (2003) pesquisou uma amostra de


200 famílias urbanas e constatou que a média de escolaridade foi de apenas 2,2 anos, que é
próxima da encontrada nos assentamentos em Sergipe. A autora enfatiza a problemática ao
afirmar que, se teoricamente quanto maior for o nível de escolaridade, melhores são as
possibilidades de renda, a escolaridade pode ser considerada um fator condicionante do acesso
dessas famílias a melhores oportunidades no mercado de trabalho.
Então, o que dizer dessas famílias rurais? Seria a escolaridade um fator menos relevante,
em função do entendimento de que a reforma agrária não é política de emprego, mas de tornar
agricultores donos de meios de produção? A este respeito, considera-se que a educação continua
mantendo a sua prevalência, ainda que para as famílias rurais, haja vista que a educação formal
não apenas deve habilitar o indivíduo para o mercado de trabalho, mas deve educar para a vida,
para a geração de soluções imediatas e necessárias à realidade vivenciada. De modo geral, pode-se
constatar que educação é um direito de todos, mas ainda é privilégio de alguns, em especial no
universo dos assentados pesquisados.

7.3.3.5. O Trabalho e a Renda

No que se refere ao trabalho e a renda das famílias assentadas, buscou-se identificar os


aspectos relacionados às condições para a produção (área, crédito, assistência técnica e o que
258

produzem), as características do trabalho (as atividades desenvolvidas e quem as desenvolve, e o


tempo dedicado), as caraccterísticas da produção e o que produzem, como comercializam e as
limitações econômicas, técnicas e sociais) e a renda percebida nessas atividades. Neste sentido, a
análise de renda não se limita àquelas relativas à produção, mas considera todas fontes percebidas
pela família assentada , isto é, a análise da renda é feita a partir dos rendimentos obtidos no
trabalho (no lote ou não) e aqueles oriundos de outras fontes (aposentadorias, Bolsa Família,
pensão).
Ao analisar a área onde as famílias desenvolvem suas atividades agrícolas, constatou-se
que a amplitude dos lotes foi de 0,0 ha até mais de 16,0 ha, conforme Figura 64.

Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

Figura 64 – Área dos lotes dos PAs estudados, por região sergipana.

Para a análise da área dos lotes é necessário fazer algumas considerações, relevantes para a
sua compreensão. Teoricamente, os lotes deveriam ter o mesmo tamanho para cada família
assentada, ressalvando alguns lotes, com pequenas variações, relacionadas à questão ambiental
(presença de áreas de preservação ambiental). Por outro lado, se o tamanho dos lotes,
teoricamente, é o mesmo, os assentados deveriam informar essa área de forma homogênea.
No caso da região do Sertão, verificou-se que 30,96% das famílias possuem lotes com
área na faixa de 5 a 8 hectares. Na sequência, constatou-se que 20,24% possuem tanto lotes na
faixa de 13 a 16 hectares quanto acima de 16 ha. Ainda, 14,28% possuem lotes na faixa de 9 a
12 hectares, enquanto 3,57% possuem lotes de 1 a 4 hectares, 3,57% da famílias informaram que
259

não têm lotes ou não souberam dimensionar seu tamanho e 7,14% não responderam. Como
explicar a variação do tamanho dos lotes? E no caso daqueles que não possuem lotes?
No PA Pioneira (Poço Redondo), alguns entrevistados, por se tratarem de filhos de
assentados, não possuem lote, apesar de alguns terem conseguido comprar ou construir sua
residência no assentamento ou, até mesmo, nos lotes de seus pais. Esta pode ser uma explicação
para aqueles que afirmaram não possuir lotes. No caso do PA Cuyabá, a rotatividade entre os
assentados é observada, pois, segundo relatos, muitos assentados, desde o início do PA, já
venderam suas casas e até mesmo as benfeitorias em seus lotes para terceiros. Além disso, são
vários os casos relatos de filhos que construíram casas no terreno dos pais e trabalham juntos no
lote. Portanto, eles são assentados e, ao mesmo tempo, não são, pois não têm acesso a créditos e
a outros benefícios da reforma agrária. Havia, ainda, famílias que alugavam casas no
assentamento, e por isso não possuem lotes, o que justifica assim os dados apresentados.
Lopes et al. (2004), ao estudarem três assentamentos, um no Sertão (Projeto Califórina) e
dois no Leste sergipano (Ivan Ribeiro e Vitória da União), constataram que cerca de 60% dos
moradores assentados compraram o lote, e que mesmo nos casos em que os assentados tiveram
acesso ao lote por intermédio do INCRA o processo se deu em meio a negociações e disputa
entre os líderes das ocupações, o INCRA, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais – STR do
município e as lideranças políticas.
Os autores relatam mais claramente, no caso do Projeto Califórnia (Canindé do São
Francisco), as causas para a desistência dos lotes:

A inexperiência dos primeiros ocupantes em trabalhar com agricultura irrigada,


os nativos (sertanejos sergipanos que sempre trabalharam com culturas de
sequeiro), fez com que muitos deles acabassem cedendo lugar aos alagoanos,
como são conhecidos localmente os pequenos agricultores vindos de Alagoas,
Bahia e Pernambuco, que chegaram à área com maiores recursos financeiros e
experiência em irrigação (LOPES et al., 2004, p. 239).

Cabe, ainda, uma reflexão acerca da região do Sertão. Como sobreviver numa área tão
pequena, em média 12,27 ha, já que, a título de exemplo, o módulo fiscal desses municípios é de
70 ha? A esse respeito, Leite et al. (2004) fazem uma reflexão:

O tamanho dos lotes dos assentamentos é consequência da interação entre as


determinações legais a respeito do módulo rural, por um lado, e as iniciativas de
grupos e situações conjunturais, por outro, que acabam circunscrevendo o
tamanho dos lotes dentro de certos limites. Assim, se o tamanho do lotes não é
decorrência de simples casualidade ou da vontade de alguma pessoa ou grupo,
também não há medidas gerais e homogêneas (LEITE et al., 2004, p. 82).
260

Ao analisar a estrutura fundiária dos três municípios onde esses PAs estão localizados
(Poço Redondo, Nossa Senhora da Glória e Canindé do São Francisco), através dos dados do
Sistema de Informações Rurais – SIR (INCRA, 2009b), percebe-se que neles predominam as
pequenas propriedades rurais (entre 1 e 4 módulos), ou seja, imóveis de até 280 ha. Os imóveis
rurais com área menor que 100 ha ocupam cerca de 44,26 % da área rural desses municípios,
sendo este valor mais representativo nos municípios de Poço Redondo (49,74%) e em Nossa
Senhora da Glória (58,40%). Além disso, nesses municípios há apenas 20 grandes propriedades
rurais, ou seja, acima de 15 módulos (área acima de 1.050,00 ha).
Assim, a atuação do INCRA na desapropriação de novos imóveis nesses municípios deve
ser repensada, mas não é o que vem ocorrendo. Em fevereiro de 2008, foi celebrado um
convênio que contou com um investimento de mais de R$ 53 milhões, estabelecendo a aquisição
de médios e pequenos imóveis rurais pelo governo estadual, na região do Alto Sertão, para a
criação de colônias agrícolas, posteriormente reconhecidas e transformadas em assentamentos
geridos pelo INCRA (INCRA, 2009c).
Na região Agreste, a variação do tamanho dos lotes também é observada, sendo os
maiores porcentuais verificados na faixa de 13 a 16 hectares (40,00%) e na faixa de 9 a
12 hectares (32,85%). Na sequência, estão a faixa de 5 a 8 hectares (17,14%) e a faixa de 1 a 4
hectares (5,71%); 1,43% dos entrevistados não responderam.
Nessa região, percebe-se que boa parte da área do lote varia entre 9 e 16 hectares, que
corresponde à faixa de 30 a 53 tarefas sergipanas31. Essa área normalmente corresponde à área
líquida do lote, ou seja, excluindo-se a gleba pertencente à Reserva Legal e às Áreas de
Preservação Permanente (APP).
No Leste, o tamanho dos lotes foi comparativamente menor que nas demais regiões,
provavelmente pelo balanço hídrico favorável da região, com maior presença de rios e córregos.
O maior porcentual de área dos lotes é observado na faixa de 1 a 4 hectares (38,28%), seguida da
faixa de 9 a 12 hectares (33,33%). Foram registradas, ainda, a faixa de 5 a 8 hectares (20,99%) e a
faixa de 13 a 16 hectares (1,23%). Destas famílias, 6,17% não souberam informar a área do lote.
No que se refere à produção, os gêneros de primeira necessidade (para consumo e venda
do excedente) e a criação de animais são produidas nos “lotes”, como são chamados pelos
assentados, tendo sido observado que, também nos quintais, são produzidos alguns gêneros e
pequenos animais.

31
A tarefa sergipana é uma medida agrária de área, de cunho regional, sendo utilizada em todo Estado sergipano e
nos municípios baianos limítrofes. Uma tarefa sergipana equivale a 3.025 m², o que corresponde a 0,3025 ha, ou
seja, a 1 ha = 3,3058 ha.
261

Nos assentamentos do Agreste, são produzidos principalmente os gêneros de primeira


necessidade, como milho, feijão e mandioca, e ainda a formação de pasto, para a prática da
pecuária. Produzem também frutíferas e olerícolas, além da criação de animais como galinhas,
ovelhas, porcos e gado bovino. Convém destacar que nos quintais também foram constatadas
pequenas hortas, algumas aves (galinhas, patos, perus) e, até mesmo, porcos, em alguns casos. A
importância do quintal pode ser corroborada por Carvalho et al. (2009), ao comentarem que os
quintais constituem um significativo complemento à alimentação familiar, atendendo aos
interesses do autoconsumo pelas famílias assentadas.
Nos assentamentos do Sertão, são produzidos os mesmos alimentos, principalmente
milho e feijão, além da palma para manutenção dos animais (bovinos e ovinocaprinos). Destaca-
se, ainda, o famoso quiabo-do-sertão, que possui até uma festa no PA Cuyabá, conforme
reportagem veiculada na Revista Planeta (2009).
Algumas experiências interessantes foram observadas nessa região, especificamente no
PA Cuyabá, como a produção de olerícolas orgânicas em sistema de mandala e a apicultura
(Figura 65). A apicultura envolve cerca de 20 famílias na produção e comercialização do mel de
abelha. Já a produção de hortaliças orgânicas é feita por 14 famílias, através do projeto de
Produção Agroecológica Integrada Sustentável (PAIS).
Esses projetos, que contam com o apoio dos governos estadual e federal, são muito
importantes para o assentamento, embora a produção ainda seja realizada de forma individual e o
número de pessoas atendidas seja muito pequeno diante da quantidade de famílias necessitadas.
Nos assentamentos do Leste são cultivados alguns produtos de subsistência e algumas
variedades de fruteiras. No PA Roseli Nunes, a produção de coco verde é expressiva nos lotes,
além da coleta de mangaba, fruta nativa de grande apreciação no Estado, tendo inclusive, nesse
PA, sido implantada uma fábrica de produção de polpas, com recursos do Programa Terra Sol32.
Nessa região, relata-se ainda uma experiência do PA Treze de Maio, em que algumas
famílias assentadas, de forma coletiva, trabalham com a apicultura, comercializando os produtos
com rótulos da associação que possuem. O mel produzido é comercializado nas feiras locais e até
em Aracaju, sendo exposto em congressos e feiras nacionais, conforme relatado por SEBRAE
(2009). Além disso, tem-se a comercialização de todo o produto (mel, própolis, shampoos e
sabonetes à base de mel, etc.) na “Lojinha do Apicultor”, grande aposta dos apicultores, montada
pelos trabalhadores assentados em um espaço cedido pela prefeitura, no centro da cidade.

32
O Programa Terra Sol é uma ação de fomento à agregação de valor à produção. Apoia a agroindustrialização e a
comercialização por meio da elaboração de planos de negócios, pesquisa de mercado, consultorias, capacitação em
viabilidade econômica e gestão e implantação/recuperação/ampliação de agroindústrias. Atividades não agrícolas
como turismo rural, artesanato e agroecologia também são apoiadas. Para saber mais, vide INCRA. Norma de
Execução no 76, [S.l.: s.n.]. 2008. 14 p.
262

Fonte: fotografia do acervo pessoal da pesquisadora (2007).

Figura 65 – Sistema Mandala no PA Cuyabá. Canindé do São Francisco, SE.

Segundo dados vinculados ao sítio do INCRA (2008c), no PA Treze de Maio já são


produzidas mais de três toneladas de mel, além da própolis, que durante pelo menos metade do
ano (entre os meses de setembro e março) abastece diversas cidades da região, sendo escoada por
meio do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), mantido pela Companhia Nacional de
Abastecimento (CONAB), bem como através do contrato firmado com o governo municipal de
Japaratura, que utiliza o produto na merenda escolar.
Essa atividade foi desenvolvida com o apoio de uma organização não governamental, da
prefeitura local, do SEBRAE e da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e
do Parnaíba (CODEVASF). Essa experiência com a criação de abelhas para produção de mel
trouxe resultados tão satisfatórios que já começa a ser “exportada” para outras áreas de reforma
agrária da região.
O trabalho foi iniciado há mais de cinco anos, tendo sido introduzido no local por
iniciativa dos próprios assentados e financiado com recursos do Crédito Fomento e do PRONAF
A. Recebe, desde o início, o apoio da Prefeitura de Japaratuba, e com o acompanhamento de
consultores do SEBRAE e de técnicos da CODEVASF foi crescendo e ganhando em qualidade e
capacidade produtiva.
No que se refere aos melhores períodos para o plantio, de acordo com o relato da maioria
dos assentados, os meses de inverno são os melhores, o que caracteriza apenas uma safra agrícola
anual, sendo o campo deixado em descanso o resto do ano e, ou, usado para o pastejo dos
263

animais nos restos culturais. O tempo que as famílias dedicam ao trabalho diretamente nos lotes é
de aproximadamente 8 horas diárias em todas as regiões, exceto no Agreste.
Dos assentados que responderam, a maioria trabalha sozinho ou com a ajuda dos seus
familiares (esposas e filhos), que realizam todas as tarefas necessárias à rotina da agricultura
(preparar a terra, plantar, fazer o manejo das culturas, colher, cuidar dos animais, etc.). Não foram
percebidas diferenças significativas entre as atividades de homens, mulheres e jovens, em
nenhuma das regiões. O maior determinante das tarefas a serem executadas por cada um é a
necessidade do momento.
No que se refere ao financiamento para a produção, verificou-se (Figura 66) que o
Agreste foi a região mais contemplada. Por outro lado, na região do Sertão, há um porcentual
maior daquelas famílias que afirmaram não receber financiamento, seguida pela região Leste.

Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

Figura 66 – Recebimento de financiamento para a produção, por região sergipana.

Quanto à questão do financimanto, permanece uma distorção nos dados apresentados,


uma vez que todas as famílias assentadas receberam, inicialmente, créditos que pudessem
fomentar desde a habitação até a produção inicial. Observa-se que, por se tratar de assentamentos
antigos, estes já receberam os diversos créditos iniciais do INCRA (Crédito Apoio Inicial, Crédito
Habitação e Crédito Fomento) e do Banco do Nordeste do Brasil - BNB (PRONAF A),
usufruindo também do PRONAF A/C, PRONAF A Complementar, além de o INCRA aplicar
atualmente, o Crédito Habitação – Modalidade Recuperação de Materiais de Construção,
utilizado na reforma das residências dos assentados.
264

Nesse sentido, pode-se relacionar essa porcentagem dos que afirmaram não ter recebido
crédito algum à concepção de que os créditos recebidos não eram considerados como
financiamentos, mas sim doação, o que demonstra uma falta de informação e um despreparo por
parte dos assentados.
Com relação à assistência técnica (Figura 67), constatou-se que, apesar de mais da metade
das famílias assentadas em todas as regiões terem recebido este tipo de assistência, os dados
apresentam distorções, uma vez que alguns assentados comentaram não recebê-la, e outros, no
mesmo PA, responderam que a recebem.

Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

Figura 67 – Recebimento de assitência técnica para a produção nos PAs, por região sergipana.

Analisando mais profundamente esse aspecto, percebe-se que há um direcionamento


desse serviço, que deveria ser oferecido efetivamente a todos os assentados. Inclusive,
anualmente, o INCRA disponibiliza recursos, através de convênios com organizações ligadas aos
movimentos sociais e com a empresa estadual de assistência técnica, visando a prestação de uma
assistência técnica com qualidade e comprometimento. Mas, devido a disputas de poder, tanto
entre os assentados e a associação do PA quanto entre as instituições que prestam a assistência
técnica, os direcionamentos acabam contemplando uns em detrimento de outros.
Toda produção dos assentamentos tem por objetivo maior garantir a sobrevivência da
família, sendo o excedente comercializado de diversas formas, em função do volume de
produção. No entanto, em alguns assentamentos o excedente é comercializado principalmente de
forma individual, independentemente da produção alcançada (Figura 68).
265

Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

Figura 68 – Tipo de comercialização da produção, por região, Sergipe.

A comercialização coletiva, apesar das suas vantagens em termos de redução de custos,


foi a forma menos expressiva nos assentamentos (em média 73,08.%). Além disso, observou-se
que 14,53% das famílias não vendem seus produtos, o que segundo a explicação das próprias
famílias se deve ao fato de não ter sido produzido o suficiente para comercializar. No caso do
Agreste e do Leste, há ainda aqueles que comercializam tanto de forma individual quanto coletiva
(3,42%), principalmente através da CONAB (mel e farinha de mandioca).
Verificou-se que a comercialização é feita nas feiras-livres das sedes dos municípios ou em
municípios vizinhos, na casa ou na unidade de produção, por meio da figura do “atravessador”
ou, ainda, através da CONAB, pelo Plano de Aquisição de Alimentos - PAA. Segundo MDA
(2006b), o PAA nasceu em 2003, para cumprir duas prioridades: fortalecer a comercialização de
produtos da agricultura familiar e dos assentamentos e, ao mesmo tempo, promover a segurança
alimentar, além de permitir a formação de estoques reguladores para valorizar o preço dos
produtos.
Diante da realidade observada, pode-se afirmar que predomina nesses assentamentos a
economia de excedente, embora haja uma parte significativa dos assentados que se enquadram na
economia de subsistência. Conforme MDA (2006b), a comercialização continua sendo um dos
principais entraves para a sustentabilidade da agricultura familiar.
Nesse sentido, foi perguntado aos assentados quais eram as principais limitações técnicas,
econômicas e sociais enfrentadas, que foram agrupadas por região. No Quadro 14 estão listadas
as limitações da região do Sertão. Verifica-se que as restrições técnicas estão, em sua maioria,
266

Quadro 14 – Principais limitações técnicas, econômicas e sociais da região do Sertão sergipano

Limitações Sertão
Falta de irrigação; falta de chuva; ter bons projetos; maquinários; assistência técnica;
Técnicas tamanho da terra é insuficiente; insumos para produzir; qualidade da terra é ruim; falta de
informação; falta projetos.
Econômicas Crédito.
Infraestrutura (rede de esgoto); lazer (praça), alimentos para os filhos; telefone, posto de
Sociais
saúde, quadra de esporte, igreja, praça.
Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

associadas ao tipo de solo e à disponibilidade de água, o que pode ser explicado a partir das
características já mencionadas da própria região: solos férteis, mas pedregosos, rasos e com
tendências à salinização, além da irregularidade das chuvas e a escassez da água. Estes problemas
fazem com que os assentados dessa região almejem a irrigação como sendo a única forma de
produzir no assentamento.
A percepção dos assentados quanto às limitações técnicas pode ser explicada por Pedroti
e Holanda (2003), ao comentarem que a irrigação se destaca, sobretudo nas regiões semiáridas,
como uma das mais importantes ferramentas para o aumento da produtividade e para garantia da
produção agrícola, no entanto este recurso deve ser trabalhado de forma otimizada, já que mostra
claros sinais de exaustão, em termos de quantidade e qualidade.
No aspecto econômico, o destaque foi para o crédito, sem o qual a produção fica
limitada . No aspecto social, a deficiência em termos de equipamentos comunitários (lazer, saúde,
comunicação) foi priorizada, além da de infraestrutura para o saneamento básico.
Na região Agreste (Quadro 15) verificou-se que as principais limitações técnicas
enfrentadas pelos assentados são: ausência de irrigação, noções de gerenciamento rural,
assistência técnica e, sobretudo, a má qualidade da terra.
As limitações econômicas se resumem na falta de recursos, bem como na grande
morosidade na sua liberação, ocasionando o seu uso em época desfavorável para o plantio, o que
compromete a produção e a capacidade de pagamento do financiamento, acarretando alta taxa de
inadimplência. Uma questão importante a ser ressaltada, conforme o relato de alguns assentados,
diz respeito à necessidade de emprego, já que não é possivel sobreviver do lote. Esses
depoimentos contrariam o real objetivo da reforma agrária, que é promover não apenas o acesso
à terra, mas também as condições necessárias para a sua emancipação como agricultor familiar.
No que diz respito às limitações sociais da região Leste, foram mencionadas: a falta de
integração social, mesmo com a presença de associações de assentados em todos os PAs
estudados; ausência de melhores orientações para o convívio em família e financiamento para a
267

Quadro 15 – Principais limitações técnicas, econômicas e sociais da região Agreste. Sergipe, 2008

Limitações Agreste

Data da liberação dos recursos; ausência de irrigação; falta de incentivo; falta de assistênci a
técnica; instrução e organização; falta análise do solo; falta acompanhamento de técnico
Técnicas
agrícola; falta ter noção de administração rural; a qualidade da terra é ruim, baixa;
dificuldade de comercialização; falta assistência técnica e recursos financeiros.
Aporte de recursos financeiros; a inadimplência, que impede a vinda de recursos; as
receitas não cobrem as despesas com a produção; pelo fato do produtor não ter
Econômicas financiamento para produção, ele prefere trabalhar como diarista; necessidade de
emprego, pois não dá pra viver só do lote; o que produz não é suficiente para pagar o
financiamento; financiamento para a economia doméstica.

Dificuldades financeiras para a sobrevivência da família (alimentação e saúde); falta de


Sociais
integração da comunidade; falta auxílio para melhor convívio com a família.
Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

economia doméstica, bem como melhores condições para a sobrevivência da família, sobretudo
aquelas relacionadas à alimentação e saúde. Desta forma, destacam-se a importância e a
necessidade da inserção do profissional de Economia Doméstica nos Projetos de Assentamentos
de Sergipe, a exemplo do que ocorre no Estado de São Paulo, através do Instituto de Terras de
São Paulo – ITESP, já que a sua formação multidisciplinar e focada na família e na qualidade de
vida contempla as demandas apresentadas pelos assentados. Em Sergipe, atualmente, o INCRA
dispõe apenas de assistentes sociais e sociólogos no seu quadro funcional, mas estes não estão
diretamente envolvidos no acompanhamento e, ou, na orientação de PAs.
Seguindo a mesma linha das demais regiões, a assistência técnica e a irrigação foram as
principais limitações técnicas percebidas pelos assentados da região Leste (Quadro 16).
De forma específica e mais relacionada às características dessa região, os assentados
mencionaram ainda a necessidade de um freezer para armazenamento dos pescados, já que a
atividade da pesca é realizada no PA Roseli Nunes. Na questão econômica, os recursos que são
escassos e a liberação tardia do financiamento também foram mencionados como fatores
limitantes. Na questão social, a necessidade de união e integração da comunidade é expressa pelos
assentados, assim como a necessidade de melhorar as condições do acesso à saúde e ao lazer.
Diante da realidade de trabalho dos assentados, procurou-se identificar os diferentes tipos
de rendas percebidas, seja das atividades agrícolas, das atividades não agrícolas, de pensões, bolsas
e outros benefícios governamentais, além de outras possibilidades existentes. Entretanto,
percebeu-se grande dificuldade do assentado em mensurar a renda produzida no seu lote.
Em alguns casos, o assentado tem dificuldade de contabilizar a renda mensal recebida,
apesar de saber qual foi a produção e o valor pelo qual foi comercializada. Porém, não faz a
contabilidade completa do ciclo, não sabendo informar qual é efetivamente a renda mensal.
268

Quadro 16 – Principais limitações técnicas, econômicas e sociais da região Leste. Sergipe, 2008

Limitações Leste

Ausência, distância ou ineficiência da assistência técnica; técnicos agrícolas mais bem


preparados; falta de informações para produção; necessidade de freezer para
Técnicas armazenamento do pescado; noções de administração rural; análise do solo; falta de
oportunidades; maquinários; não tem conhecimento na agricultura; pragas e doenças na
plantação; irrigação.

Falta de financiamento; falta de recursos; recursos chegarem a tempo do plantio; falta


Econômicas
insumos para produção (adubos, etc).

Necessidade de mobilizar para unir a comunidade; mais lazer para a comunidade;


Sociais melhorar convivência entre comunidade e técnicos; orientações para a economia
doméstica e convívio familiar; melhorar a integração da comunidade; saúde precária.

Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

Considera-se, ainda, que o dinamismo dessas “entradas” e “saídas” da produção agrícola pode
dificultar o acompanhamento pelo assentado, como também as safras, para as quais, em alguns
cultivos, se estabelece um valor único.
Alguns assentados, após discussão com o entrevistador, conseguiram aferir a produção
colhida para venda, sendo esses valores transformados em renda, como o exemplo a seguir: um
assentado produz em 3 hectares (aproximadamente dez tarefas) de feijão e milho em consórcio.
Na colheita, alcança 30 sacos (60 kg) de milho e 10 sacos de feijão (60 kg). Suponha-se que o
valor de comercialização de um saco de feijão seja de R$ 160,00 e do milho de R$ 20,00, o que
resultaria num montante de R$ 2.200,00 pela safra, isto é, R$ 220,00/tarefa ou, ainda,
R$ 733,33/ha. Esta seria a receita bruta da produção por safra anual, somente da safra do milho e
do feijão, não descontando os custos mínimos (adubo e mão-de-obra) e nem o porcentual que é
destinado para o autoconsumo.
Segundo Bergamasco e Ferrante (1998, p. 193), “captar indicadores de geração de renda a
partir de declaração de interessados, em um único momento, pode implicar em armadilhas e
riscos inevitáveis”. Apesar de questionados sobre a renda agrícola, muitos assentados não
souberam precisar, apenas deram informações como aquelas que geraram o exemplo anterior.
Portanto, para melhor mensurar a renda agrícola mensal das famílias assentadas, seria necessário
um acompanhamento na pesquisa mais direcionada a esses fluxos e, até mesmo, dos sistemas
produtivos como um todo, a exemplo dos estudos da FAO/INCRA (1996).
O Rendimento Líquido do Lote corresponde aos produtos colhidos e vendidos, já
descontando os custos de produção. Nesta variável da renda, percebeu-se que as famílias
assentadas ou possuíam renda quantificada monetariamente ou não sabiam quantificá-la, apesar
de afirmarem a sua existência. Há também aquelas famílias que não possuíam renda líquida do
269

lote, uma vez que a sua produção estava toda voltada para o consumo doméstico, ou naquele ano
não houve renda líquida do lote, em virtude de problemas climáticos ou de acesso ao crédito,
entre outros motivos.
O Rendimento do Trabalho Fora do Lote são todas as atividades executadas pela família
assentada que não sejam no seu lote, como a venda da sua mão-de-obra nas terras de outras
pessoas, os empregos formais e informais no comércio e na indústria, dentre outros serviços. Já
as Outras Rendas Externas correspondem aos auxílios governamentais (bolsas, vale gás, etc.) e
aposentadorias e pensões dos assentados.
Neste ponto, o autoconsumo deverá ser contabilizado, uma vez que, de acordo com
Deser, apud Ahrens et al. (2007), a renda total de uma propriedade não advém essencialmente da
renda monetária, mas também da renda não-monetária, oriunda da contabilização da produção
destinada para o consumo interno. Portanto, a produção destinada para o autoconsumo se torna
uma renda, principalmente porque diminui as despesas com alimentação, contribui para a
manutenção da saúde, garante a qualidade de vida e a própria segurança alimentar. Segundo esses
autores e considerando um estudo de caso, do total dos rendimentos 42,0% vieram da venda dos
diferentes produtos, 42,0% vieram do autoconsumo e 16,0% vieram da aposentadoria.
Assim, na Tabela 17, tentou-se demonstrar os dados de rendimentos obtidos nos PAs da
região Agreste.

Tabela 17 – Rendimentos detectados no PAs estudados no Agreste. Sergipe, 2008

Projeto de Assentamento
Renda Monetária Mensal Paraíso de S. José Gomes da
Caípe
Pedro Silva

R$ 153,71 129,82 125,13


Rendimento líquido do lote
% 25,64 26,73 30,93
R$ 129,71 115,18 79,21
Rendimento do trabalho fora do lote
% 21,64 23,71 19,58
R$ 316,07 240,71 200,21
Outras rendas externas
% 52,72 49,56 49,49

R$ 599,49 485,71 404,55


Total
SM* 1,58 1,28 1,06
Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).
Nota: SM = salário mínimo (R$ 380,00).

Ao analisar esses dados, verificou-se que a renda monetária mensal total das famílias
assentadas no Agreste varia de 1 a 1,5 salário mínimo, sendo o PA Caípe é o que possui a maior
renda, seguido do PA Paraíso do São Pedro e o do PA José Gomes da Silva.
270

Observa-se, ainda que cerca de 50,0% da renda monetária mensal total das famílias
assentadas no Agreste provém de outras rendas externas (aposentadoria, bolsas, pensões, etc.). O
rendimento líquido do lote corresponde a 25,0 a 31,0%, conforme os PAs pesquisados. O
rendimento do trabalho fora do lote varia de 20,0 a 24,0% nessa região.
De acordo com os dados observados, não foram identificadas alterações acentuadas no
que se refere à distribuição dos porcentuais entre os tipos de rendimentos quanto aos PAs
pesquisados nessa região.
Ao analisar a renda das famílias assentadas no Sertão, constatou-se que a renda monetária
mensal total varia de 0,75 a 1,18 salários mínimos. Há uma diferenciação sobre as origens dessas
rendas conforme os PAs pesquisados. Por exemplo, no PA Pioneira, a maior contribuição advém
do rendimento do trabalho fora do lote, no PA Cuyabá provém de outras rendas externas e no
PA José Ribamar, de rendimentos de trabalho fora do lote, conforme mostram os dados da
Tabela 18.

Tabela 18 – Rendimentos detectados no PAs estudados no Sertão sergipano, 2007

Projeto de Assentamento
Renda Monetária Mensal
Pioneira Cuyabá José Ribamar

R$ 110,25 123,91 104,67


Rendimento líquido do lote
% 24,66 31,78 36,84
R$ 192,10 93,10 90,00
Rendimento do trabalho fora do lote
% 42,85 23,95 31,68
R$ 145,69 172,65 89,44
Outras rendas externas
% 32,49 44,27 31,48

R$ 448,37 389,96 284,11


Total
SM* 1,18 1,03 0,75
Fonte: dados de campo (2007), organizados por Sousa (2009).
Nota: SM = salário mínimo (R$ 380,00).

Convém ressaltar que o rendimento líquido do lote foi o porcentual que menos
contribuiu para o total recebido pelo PA Pioneira, devido ao maior ganho dos assentados com
trabalhos fora do lote, seguido pelo recebimento de rendas externas. Além disso, no PA José
Ribamar há uma distribuição homogênea nos porcentuais de rendimentos apresentados.
Quanto à situação da região Leste, verifica-se que a renda monetária mensal total das
famílias assentadas variou de 1,3 a 1,5 salário mínimo, sendo o PA Roseli Nunes o que apresenta
a maior renda, seguido do PA Dorcelina Folador e do PA Treze de Maio (Tabela 19).
271

Tabela 19 – Rendimentos detectados no PAs estudados no leste sergipano, 2008

Projeto de Assentamento
Renda Monetária Mensal
Roseli Nunes Dorcelina Folador 13 de Maio

R$ 129,41 247,71 259,25


Rendimento líquido do lote
% 22,16 44,44 50,90
R$ 137,27 163,39 83,20
Rendimento do trabalho fora do lote
% 23,50 29,32 16,34
R$ 317,32 146,24 166,85
Outras rendas wxternas
% 54,34 26,24 32,76

R$ 584,00 557,34 509,30


Total
SM* 1,54 1,47 1,34
Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).
Nota: SM = salário mínimo (R$ 380,00).

É importante ressaltar que a maior renda do PA Roseli Nunes provém de outras rendas
externas (54,34%), o que indica que as famílias assentadas naquele PA são altamente dependentes
das políticas de compensação. Já no PA Treze de Maio, apesar de as famílias possuírem a menor
renda total, elas têm a maior renda advinda do lote, inclusive maior que a de todos os PAs
pesquisados em Sergipe. Daí a importância da realização de estudos no contexto da reforma
agrária que possam identificar a origem das rendas obtidas pelas famílias, pois, caso se analisasse
apenas o rendimento total, estaria sendo feita uma análise incoerente, uma vez que para a reforma
agrária o mais relevante é que a família possa se sustentar principalmente a partir dos proventos
advindos do trabalho no seu lote.
Deste modo, pode-se perceber que o rendimento líquido do lote corresponde a 22,0 a
51,0%, enquanto o rendimento do trabalho fora do lote está em torno de 16,0 a 29,0% nessa região.
Para se ter uma visão regional da questão dos rendimentos, os dados dos assentamentos
foram agrupados, conforme apresentado na Tabela 20. Nesta tabela estão resumidas as
informações de todas as regiões pesquisadas no Estado de Sergipe quanto à renda monetária
mensal de suas famílias assentadas.
Ao analisar a renda monetária mensal total das famílias assentadas em Sergipe, percebe-se
que a variação foi de 0,98 a 1,45 salário mínimo, tendo sido consideradas por ordem decrescente,
as regiões Leste, Agreste e Sertão. Desta forma, à medida que se aproxima das regiões com maior
adversidade climática, há uma tendência de diminuição dos valores totais da renda, do mesmo
modo que dos rendimentos líquidos do lote. Ou seja, ao pesquisar os PAs a partir da
estratificação feita por mesorregiões, proposta pelo IBGE, verificou-se que as condições
climáticas eram diferenciadas em cada uma delas, sendo a região do Sertão a mais comprometida,
272

Tabela 20 – Rendimentos detectados nas regiões do Estado de Sergipe, 2007/2008

Regiões Estado de
Renda Monetária Mensal
Agreste Leste Sertão Sergipe

R$ 136,22 212,12 113,05 153,80


Rendimento líquido do lote
% 27,43 38,55 30,22 32,47
R$ 108,03 127,95 125,17 120,38
Rendimento do trabalho fora do lote
% 21,75 23,25 33,45 25,42
R$ 252,33 210,14 135,93 199,47
Outras rendas externas
% 50,82 38,19 36,33 42,11

R$ 496,58 550,21 374,15 473,65


Total
SM* 1,31 1,45 0,98 1,25
Fonte: dados de campo (2007; 2008), organizados por Sousa (2009).
Nota: SM= salário mínimo (R$ 380,00).

devido aos problemas das secas, o que implica perdas de safras e de animais e menor rendimento
da produção, justificando, assim, a menor renda verificada nessa região.
Ao analisar as rendas externas, constatou-se que esse porcentual é bastante significativo
em todas as regiões, principalmente no Leste, indicando a sua relevância para composição da
renda monetária mensal total das famílias assentadas. Neste sentido, buscou-se aprofundar sobre
a origem dessas rendas e constatou-se que são provenientes de políticas públicas (bolsas, pensões
e aposentadorias) (Figura 69).

Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

Figura 69 – Recebimento de rendas governamentais pelos assentados, por região sergipana.


273

A dependência externa dos assentados por recursos públicos pode ser interpretada de
diversas formas, mas é inegável, com base nas visitas aos assentamentos, o quanto esse benefício
tem colaborado para as despesas familiares, sobretudo por representarem um valor fixo em
espécie. Em caso de aquisição de equipamentos eletrodomésticos e eletroeletrônicos, a família
pode contar com um valor para cobrir as parcelas. O mesmo pode-se dizer com relação a outro
porcentual expressivo, que é a renda proveniente da aposentadoria. São os aposentados que têm
garantido a renda fixa mensal de muitas famílias e contribuindo para as despesas, conforme
mostra a Figura 70.

Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

Figura 70 – Diferentes rendas governamentais recebidas pelos assentados, por região sergipana.

Das famílias que recebem benefícios governamentais, percebe-se que a Bolsa Família é o
tipo de renda de maior expressão em todas as regiões, no que se refere a rendas externas. Esse
valor expressivo da participação de rendas governamentais é corroborado por Del Grossi e
Graziano da Silva (2007), ao comentarem que a renda da agricultura familiar advinda de outras
fontes (aposentadoria rural) vem crescendo desde 1999.
De modo geral, em Sergipe, conforme observado na Tabela 19, as rendas externas
respondem por mais de 40% da renda monetária das famílias assentadas e estas dispõem de cerca
de 1,25 salário mínimo para as despesas mensais.
A análise da renda não deve ser restrita apenas aos valores percebidos, mas deve
considerar também o grau de comprometimento dessa renda e a existência de reservas de valor
para situações de emergência. Buscou então identificar se em caso de urgência as famílias
274

assentadas teriam alguma reserva. Verificou-se que no Sertão 61,43% possuem maior reserva (em
espécie ou não), seguida s das famílias do Agreste (40,48%) e do Leste (37,04%), que são as que
possuem reserva em dinheiro ou em bens dos quais odem se desfazer e transformá-los em
dinheiro, como é o caso dos animais (bovinos, ovinos, etc.).
Por outro lado, verificou-se que maioria das famílias assentadas não possui algum
empréstimo, financiamento ou prestação a serem quitados, exceto na região Agreste, conforme a
Figura 71. Este resultado pode não estar considerando os créditos obtidos via INCRA, no
processo de reforma agrária, como o PRONAF A e o PRONAF Recuperação.

Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

Figura 71 – Empréstimo, financiamento ou prestação a serem quitados, por região sergipana.

Conforme constatado por vários autores, a exemplo de Graziano da Silva (2001), a


realidade do trabalho e da renda nos assentamentos pode não representar toda a estrutura
necessária ao desenvolvimento com qualidade de vida, mas certamente já é um avanço com
relação às condições anteriores em que se encontravam. Mesmo sem determinar a renda agrícola
dessas famílias, pode-se afirmar que elas produzem o suficiente para manutenção de suas
necessidades, desde a farinha à galinha de capoeira, do pasto ao gado que engordam e do milho e
ao feijão que colhem, consomem e vendem, utilizando o valor recebido para as demais despesas
da família, além de terem moradia própria.
Entretanto, não se pode negar que o investimento em crédito e em assistência técnica
certamente contribuirá de forma significativa para o desenvolvimento destas famílias. O que não
significa omitir as demais nuances que interferem nesse processo de emancipação econômica dos
275

assentados. Assim, questiona-se se é de fato interesse e propósito do Estado promover a


viabilidade dos assentamentos ou mantê-los em nível de dependência constante das demais
políticas públicas complementares ao acesso à terra, a exemplo do crédito e assistência técnica.
Caume (2006) analisou com profundidade, à luz das concepções de poder preconizadas
por Michel Foucault, a relação entre Estado e assentados e concluiu que a esfera estatal direciona
os assentamentos, legitima seu discurso e confere as diretrizes a serem seguidas, nesse espaço de
relações constantes de poder. Estas proposições de Caume podem ser identificadas no caso da
assistência técnica em análise:

(...) As relações entre técnicos estatais e assentados podem ser analisadas como
relações de poder, visto que configuram a ação de um agente (os técnicos)
procurando atuar sobre a conduta do outro (os assentados), visando a um
objetivo bem determinado (a construção do produtor moderno, racional) e
utilizando-se de um determinado conjunto de saberes que operam como
dispositivo de poder. Os técnicos do Estado fundamental sua prática em
saberes cientificamente construídos: saberes agronômicos, pedagógicos, da
saúde, que funcionam como poderes que constroem o assentado idealizado. No
campo da produção agrícola, a dimensão social mais valorizada pela ação do
Estado e pelos próprios assentados, os técnicos visam difundir técnicas e
saberes que levem à maximização da produção e da produtividade.
Sustentando-se na presumível superioridade e inquestionável eficácia do saber
técnico-científico, os agentes estatais justificam suas ações e intervenções,
prescrições e conversões (CAUME, 2006, p. 41).

Assim, considerando que a categoria trabalho é a dimensão concreta e primordial da vida


do indivíduo e consequentemente a apropriação dos seus frutos, aqui entendidos como renda, ele
deveria satisfazer às necessidades dos assentados e de suas famílias, não apenas de existência ou
do “ter”, conforme discute Herculano (1998), mas também do relacionamento, em todas as suas
interfaces, e do autocrescimento. O trabalho e a renda verificados nos assentamentos estudados,
bem como as limitações sociais, econômicas e técnicas identificadas, sinalizam o discurso vazio
preconizado pelas esferas estatais, que se ampara no “acesso à terra” como o início da
emancipação. Na realidade, trabalho e renda para o assentado representam além do que o
objetivo precípuo de um assentamento, que é produzir. Se em alguns momentos os assentados
revelam que uma das limitações é a falta de “trabalho” para ele e para seus filhos na região, qual é
o objetivo de se assentar famílias?
Fazendo uma reflexão sobre a própria concepção do que representa o acesso à terra para
aquele que luta por ela, parte-se da primeira motivação, que é a busca pela apropriação dos frutos
do seu trabalho, uma vez que ele possui os meios de produção (terra) e a força produtiva
(trabalho), que, por não estarem dissociados, permitem que o assentado não esteja sujeito à venda
da sua força de trabalho, a exemplo das oportunidades de emprego que são mencionadas na
276

pesquisa. Essa discussão é feita de maneira aprofundada por Oliveira (1991) e Martins (1995), ao
demonstrarem as contradições do desenvolvimento do capitalismo no campo, que transforma os
camponeses em capitalistas, em função da ausência de terras e da necessidade de vender a sua
força de trabalho além dos limites necessários à sazonalidade da agricultura.
Se esse não é o caso dos assentados, já que possuem terra e força de trabalho, a busca por
emprego na região pode representar as limitações que encontram na produção de seus lotes, com
o qual conseguem apenas a sua sobrevivência. Se a lógica do capitalismo incita cada vez mais o
consumo e desperta tantos desejos a serem realizados, a produção para subsistência e a venda do
excedente para aquisição de demais itens básicos, que não são produzidos na unidade familiar, já
não o satisfazem mais. É preciso dinheiro em espécie para aquisição das mercadorias, que não se
produzem e nem se trocam, a exemplo da “antena parabólica”, presente em tantos
assentamentos.
Assim, convém ressaltar que somente a terra não é suficiente para a emancipação do
assentado, que desde o início enfrenta limitações de ordens diversas, a exemplo do tamanho e da
qualidade dos lotes, da ausência e deficiência da assistência técnica, do crédito que não está
acessível no momento oportuno para o plantio e das dificuldades para a comercialização dos
produtos. Estes fatores, combinados ou não entre si, podem gerar produções insatisfatórias e
consequente endividamento, além do desânimo do assentado, justificando assim a busca por
outras formas de emprego. Neste sentido, não se trata de assentar ou não famílias, mas de
repensar a lógica da produção e organização dos assentamentos e suas possibilidades de
autonomia e de diversificação das possibilidades de crescimento.

7.3.3.6. Os Serviços e Equipamentos Comunitários, Lazer e Segurança

Nesse tópico, objetivou-se analisar conjuntamente os domínios serviços comunitários,


lazer e segurança. Para caracterização dos serviços e equipamentos comunitários existentes nos
PAs, considerou-se a existência (ou não) dos seguintes elementos: transporte coletivo,
equipamentos de lazer, limpeza pública, serviço de comunicação (correio), escola, comércio,
serviços de saúde, distribuidora de gás, iluminação pública, creche, telefone público e associação
de moradores.
No que se refere ao lazer, foram considerados o lazer individual do entrevistado e o
coletivo, tendo diso identificadas suas formas. Quanto à segurança, buscou-se identificar a
percepção do assentado sobre a segurança nos PAs.
277

De acordo com Leite et al. (2004), as condições de infraestrutura dos projetos de


assentamento são as que refletem mais diretamente a relação específica entre o Estado e os
assentados:

Ao criar o assentamento, o Estado assume a responsabilidade de viabilizá-lo. E


se por um lado a viabilização dos assentamentos passa pela definição de
elementos cruciais como o tamanho dos lotes e a qualidade dos solos, por
outro lado também as condições de infraestrutura são elementos centrais que,
quando não atendidos, podem se constituir em gargalos importantes para a
viabilização dos projetos de assentamento e para a melhoria das condições de
vida dos que neles vivem (LEITE et al., 2004, p. 86).

Nesse contexto, procurou-se identificar as infraestrutura s existentes nos assentamentos


pesquisados, conforme dados apresentados na Tabela 21.

Tabela 21 – Relação das infraestruturas dos PAs sergipanos pesquisados, por região, 2008

Projeto de Assentamento (PA) - Sergipe


Infraestrutura
Agreste (%) Sertão (%) Leste (%)
Transporte coletivo 100,0 100,0 100,0
Equipamento de lazer 100,0 100,0 100,0
Limpeza Pública 0,0 33,3 33,3
Serviços de comunicação 100,0 66,7 0,0
Escolas 100,0 66,7 66,7
Comércio 66,7 33,3 100,0
Serviços de saúde 66,7 33,3 33,3
Distribuidora de gás 66,7 66,7 66,7
Iluminação pública 100,0 100,0 100,0
Creche 0,0 0,0 0,0
Telefone público 100,0 66,7 66,7
Associação de moradores 100,0 100,0 100,0
Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

Algumas infraestruturas estão presentes em todos os assentamentos, de todas as regiões,


como transporte coletivo, equipamentos de lazer, iluminação pública e associação de moradores.
Entretanto, alguns assentamentos, como Cuyabá (Sertão) e Caípe (Agreste), dispõem de mais
equipamentos e serviços. Desta forma, pode-se inferir que a realidade desses dois PAs,
localizados em regiões distintas, está relacionada aos seguintes aspectos: Cuyabá encontra-se o
maior número de famílias assentadas dos PAs pesquisados, o que pode indicar, pela própria
demanda, a infraestrutura apresentada ; no caso do Caípe, o fato de estar dentro do povoado, no
qual estão inseridas outras famílias que não as assentadas, pode justificar a existência da maior
parte dos serviços apresentados.
278

Ao considerar o equipamento de lazer, concluiu-se que na concepção dos assentados lazer


se refere à existência de um campo de futebol. Constatou-se que em todos os PAs havia um
campo de futebol, apesar de, na essência, ser apenas um campo descampado, reservado para a
prática do esporte, sendo esta a opção de lazer de maior destaque nos PAs pesquisados.
Constatou-se que as famílias assentadas possuem opções de lazer de acordo com a cultura
local e a infraestrutura existente, a exemplo do futebol, da missa, das festas, dos eventos culturais
(vaquejadas) e religiosos, dentre outros (Tabela 22).

Tabela 22 – Tipos de lazer individual dos assentados sergipanos, por região, 2008

Projeto de Assentamento (PA)


Tipos de Lazer Individual
Sertão Agreste Leste
Nenhum 27,28 23,94 13,79
Caminhada/andar 15,91 4,22 9,20
Ouvir música 6,82 7,04 4,60
Assistir televisão 12,50 30,99 19,54
Cuidar das crianças/casa/cozinhar 7,95 2,82 9,20
Bordar/costurar 1,14 2,82 3,45
Outros 15,91 25,35 22,98
Rio/pescar/praia 4,54 2,82 11,49
Orar 7,95 0,00 5,75
Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

Para as famílias do Sertão, o maior porcentual observado (27,28%) foi daquelas que
mencionaram não ter nenhum tipo de lazer individual, sendo acompanhadas por aquelas que têm
como opções de lazer caminhar, dormir, estudar, ler e as atividades ligadas ao lote.
No caso do Agreste, o lazer individual de maior expressão foi assistir à televisão, seguido
da opção outros e nenhum tipo preferido. No Leste, isto se inverte, pois o item outros
corresponde a 22,98%, sendo seguido de assistir à televisão. As formas de lazer individuais são
bem parecidas no que se refere aos tipos identificados, apesar da distribuição diferenciada nesses
casos.
Em relação ao lazer coletivo (Tabela 23), verificou-se que no Sertão quase metade das
famílias não informou ou não a possui. O maior porcentual foi daquelas famílias que têm nas
festas e danças o lazer coletivo preferido, sendo as demais formas de menor expressão. No
Agreste, o maior porcentual foi daquelas famílias que não informaram um lazer coletivo
preferido, sendo a opção conversar a que apresentou o segundo maior porcentual, seguido do
futebol. No Leste, o mesmo porcentual foi verificado para as famílias que não possuem ou não
informaram o lazer coletivo preferido, ou que o têm no futebol.
279

Tabela 23 – Tipos de lazer coletivo dos assentados sergipanos, por região, 2008

Projeto de Assentamento (PA)


Tipos de Lazer Individual
Sertão Agreste Leste
Nenhum 44,33 29,73 18,82
Futebol 7,95 16,22 18,82
Festas/dançar 14,77 6,76 9,41
Conversar 4,54 22,97 17,65
Jogos 5,68 6,76 2,35
Reunir com a família 5,68 0,00 7,06
Churrasco 0,00 1,35 2,35
Missa 3,41 6,76 5,88
Corrida de argola/vaquejada 6,82 1,35 0,00
Reuniões 0,00 0,00 1,18
Pescaria 1,14 0,00 1,18
Beber 3,41 2,70 1,18
Rio 0,00 2,70 5,88
Outros 2,27 2,70 8,24
Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

Ao serem questionados sobre o desejo de ter, no assentamento, outro tipo de lazer, os


assentados, principalmente os do Sertão e do Leste, responderam afirmativamente (Figura 72).

Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

Figura 72 – Desejo dos assentados sergipanos de ter outro tipo de lazer.


280

Dentre as opções de lazer identificadas pelos assentados em seus respectivos


assentamentos, constatou-se que o futebol é a de maior ocorrência, seguida por aqueles que
admitiram não ter, em seu PA, nenhuma forma de lazer comunitária e daqueles que relataram ser
as festas (Tabela 24).

Tabela 24 – Tipos de lazer identificado pelos assentados sergipanos em seu respectivo PA, 2008

Projeto de Assentamento (PA)


Tipos de Lazer da Comunidade
Sertão Agreste Leste
Nenhuma 27,62 24,44 19,61
Festas 21,90 17,78 16,66
Futebol 36,20 24,44 40,21
Beber 0,95 1,11 0,00
Jogos 3,81 6,67 0,00
Banho de rio/mar 1,90 5,56 0,98
Outros 0,95 8,89 9,80
Missa 2,86 3,33 7,84
Não respondeu 3,81 7,78 4,90
Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

No que se refere ao domínio segurança, ao serem questionadas se sentiam ou não seguras


no assentamento, a maioria das famílias, em todas as regiões, respondeu (Figura 73) que não tem
medo de sair à noite de suas casas, pois se sentem seguras naqueles locais.
Para aprofundar sobre a questão da segurança, buscou-se identificar se algum membro da
família já havia sido vítima de violência dentro do PA. A maioria resondeu que não havia sofrido
nenhum tipo de violência (Figura 74).
Do mesmo modo, ao serem questionadas sobre a ocorrência de algum fato ou
acontecimento que tenha causado insegurança nos PAs, mais da metade relatou que não havia
acontecido nada que pudesse gerar insegurança aos assentados (Figura 75).
Nos casos em que a reposta foi positiva, os fatos se referiram a brigas entre pessoas do
próprio assentamento, provocadas ou não pela embriaguez, bem como a pequenos roubos e
furtos na região.
281

Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

Figura 73 – Percepção de segurança dos assentados dentro do PA, por região sergipana.

Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

Figura 74 – Ocorrência de violência com membros da família, por região sergipana.


282

Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

Figura 75 – Ocorrência insegurança dentro do PA, por região sergipana.

7.3.3.7. A Vida Familiar, a Integração Social e a Religiosidade

Para analisar os domínios família, integração social e religiosidade, foram considerados os


aspectos que pudessem caracterizar cada um deles: família (existência de parentes no mesmo
assentamento, a importância e os significados atribuídos aos parentes, a união e respeito da
família, as tomadas de decisões e a partilha das atividades domésticas); integração social (a
participação na associação comunitária, o tipo de participação, a percepção sobre a importância e
os benefícios da associação, a participação em sindicatos rurais, a ligação com o movimento
social que organizou o assentamento, a participação nas atividades culturais da comunidade, o
hábito de trocar ou partilhar alimentos no PA, se gosta de morar na comunidade e se pensa em
sair do PA); e religiosidade (se possui alguma religião e qual a frequência desta prática).
Ao analisar o domínio família, buscou-se identificar a existência ou não de parentes no
mesmo assentamento. Foram consideradas, para efeitos de definição do termo família, as
proposições de Woortmann (1995), em que a família é um grupo de pessoas ligadas por
descendência a partir de um ancestral comum, matrimônio ou adoção, coexistindo sempre um
laço de parentesco. Para a autora, pode-se definir, de modo geral, que laços de parentesco são os
membros de uma mesma família que costumam compartilhar do mesmo sobrenome, herdado
dos ascendentes diretos.
283

Os dados obtidos revelaram (Figura 76) que nos PAs localizados no Sertão e no Agreste
mais de três quartos dos assentados responderam que possuem parentes. Já na região Leste esse
porcentual foi bem menor, um pouco mais de 40,0%.

Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

Figura 76 – Ocorrência de parentes no próprio PA, por região sergipana.

Heredia (1979), ao estudar as famílias camponesas da comunidade de Riacho Doce, em


Pernambuco, concluiu que quase todas são aparentadas entre si, embora, em alguns casos, trata-
se de um parentesco distante. Uma família está sempre ligada à outra, pelo menos através de um
parente comum.
Sousa e Locatel (2009), ao estudarem o PA Cuyabá, verificaram que das famílias
entrevistadas 75 têm parentes que moram em outros lotes, no mesmo assentamento.
Daí a pergunta, por que tantos parentes nos assentamentos?
Woortmann (1995) desenvolveu algumas considerações sobre as teorias do parentesco.
Não se pretende discutir todas as teorias, nem todos os conteúdos de cada uma delas, mas apenas
apresentar alguns pressupostos da Teoria da Descendência, de modo a definir qual a ideia de
parentes utilizada para a pesquisa em questão.
Segundo a autora, o foco central da Teoria da Descendência tem como ênfase a
consanguinidade. Nesta percepção, o parentesco seria então uma relação de filiação socialmente
reconhecida. Duas pessoas são parentes quando uma descende da outra, ou quando ambas
descendem de um antepassado comum.
284

Para as famílias rurais, especificamente as assentadas em PAs, as relações sociais


constituem elementos importantes no que se refere às estratégias de sua sobrevivência (SOUSA;
LOCATEL, 2009). Assim, quando nos referimos à existência de parentes nos PAs, estamos nos
referindo aos pais, aos irmãos e aos demais parentes que também residem naquele lugar.
Desse modo, ao discriminar esse grupo, percebe-se claramente a presença de parentes nos
assentamentos, mas com quantitativo diferenciado por região (Figura 77).

Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

Figura 77 – Tipos de parentes assentados no próprio PA, por região sergipana.

Constatou-se que, enquanto cerca de 18,0 dos assentados do Sertão e do Leste possuem
pais assentados, esse total não chega a 8,0 no Agreste. Pressupõe-se que os entrevistados já são a
segunda geração do assentamento, ou seja, chegaram com os pais assentados, e com o enlace
matrimonial constituíram famílias, e estão morando e trabalhando nas áreas dos pais, com ou sem
lote/moradia comprada. Se já é difícil uma família assentada conseguir seu pleno desenvolvimento,
imagine a descendente compartilhar dos mesmos recursos produtivos com outra família
consanguínea.
Por outro lado, ao analisar a mesorregião do Sertão, constasta-se que o porcentual é
similar ao dos entrevistados que possuem filhos e irmãos, sendo reduzido o porcentual daqueles
que possuem avós. Com relação à mesorregião Agreste, os valores são distanciados, exceto para
os entrevistados que possuem irmãos e outros parentes, com porcentuais mais elevados e
idênticos (36,36%), sendo os demais em ordem decrescente: filhos, pais e avós. Já na região
Leste, em ordem crescente, tem-se que o porcentual dos assentados que têm pais é de 18%; filhos
285

20%; e irmãos 24%, sendo o menor porcentual pertencente aos entrevistados que possuem avós
assentados no mesmo PA.
Destaca-se, ainda, o porcentual elevado de assentados que possuem outros parentes
(superior a 30%), sendo eles constituídos de tios, primos, dentre outros.
Ao serem questionados sobre o fato de terem parentes vivendo no mesmo local,
verificou-se que a maioria das famílias considera importante tê-los no assentamento, conforme
evidenciado na Figura 78.

Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

Figura 78 – Percepção dos assentados sobre a importância dos parentes no PA, por região
sergipana.

O fato de considerarem importante ter parentes no assentamento assume várias


explicações por parte das famílias, que relataram desde a possibilidade de estreitar os laços de
união na família à ajuda necessária com que podem contar, seja para o trabalho ou em casos de
doenças, conforme os relatos a seguir:

Quando precisa de ajuda para o trabalho, tem a família (assentado 36).


Quando precisa tem que recorrer é a família, aos parentes (assentado 37).
Na hora da doença tem quem ajuda a cuidar (assentado 38).
Melhora a satisfação e relação com a própria comunidade (assentado 39).
Tendo parente não fica sozinho, a pessoa sem parente não é ninguém
(assentado 40).
Na hora da dificuldade, são eles que ajudam (assentado 41).
286

A união da família é um aspecto importante, podendo-se afirmar, a partir de relatos dos


assentados, que aqueles que não consideram importante a presença de parentes, provavelmente
possuem problemas de discórdias e desavenças familiares. Quando interrogadas sobre a
existência de união na sua família, verificou-se que, em todas as regiões pesquisadas, a maior parte
das famílias se considera unida (Sertão, 92,86%; Agreste, 94,29%; e Leste, 88,89% das famílias).
Sousa e Locatel (2009, p. 29) comentam que “a importância dos parentes não se restringe
as estratégias de sobrevivência, mas representam importante elo entre as famílias, de aporte
emocional, tradicionalmente valorizado nas comunidades rurais”. Ainda para aprofundar a
realidade familiar dos assentados, buscou-se identificar a existência de diálogo no processo de
tomada das decisões familiares. A maioria relatou que, em suas famílias, o diálogo entre os
membros, sobretudo entre o casal, é a base para que sejam tomadas as decisões (Sertão, 95,24%;
Agreste, 81,43%; e Leste, 81,48%).
Ao analisar o trabalho doméstico e de que forma ele é compartilhado entre os membros
da família, verificou-se que, em todas as mesorregiões, a maior porcentagem se concentra no
compartilhamento das tarefas domésticas, com valores similares entre o Sertão e o Agreste e
pouco superior ao do Leste (Figura 79).

Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

Figura 79 – Compartilhamento dos trabalhos domésticos nos PAs, por região sergipana.

Para as famílias rurais, especificamente as assentadas em PAs, as relações sociais


constituem elementos importantes no que se refere às suas estratégias de sobrevivência. Segundo
Costa (2001), a organização dos assentados em cooperativas é uma forma de viabilizar a
produção e a comercialização agrícola, de promover a organização dos assentados e de viabilizar
287

a manutenção/reprodução do assentamento. Não apenas a organização em cooperativas, mas


outras relações sociais podem ser consideradas importantes para a viabilidade dos assentamentos,
como as relações de vizinhança, compadrio e entre parentes.
Apesar das relações familiares e comunitárias não serem relações formais de cooperação,
tal qual uma associação, elas também são importantes como estratégias auxiliares à sobrevivência
das famílias. Constatou-se que nos assentamentos pesquisados existem associações comunitárias,
que tiveram como papel principal ser o elo de ligação entre os assentados e o INCRA para
viabilização dos créditos iniciais, já que segundo o INCRA:

Os créditos são concedidos individualmente e operacionalizados coletivamente,


através de uma associação ou de representantes dos assentados [...]. Os recursos
do Crédito Instalação serão, exclusivamente, depositados [...] em conta corrente
bloqueada vinculada da associação ou dos representantes dos assentados,
exceto os da modalidade Reabilitação de Crédito de Produção, que têm
execução direta entre INCRA-Sede e Instituições Financeiras (INCRA, 2008b,
p. 13).

Desse modo, para as modalidades de crédito via INCRA, como Apoio Inicial, Apoio
Mulher, Aquisição de Materiais de Construção, Fomento, Adicional Fomento, Semiárido e
Recuperação Materiais de Construção, o processo de pagamento de crédito é viabiliado mediante
a apresentação de vários documentos, dentre eles a cópia do estatuto da associação dos
assentados e da ata de eleição e posse da diretoria, ou da ata de eleição dos dois representantes
dos beneficiários do PA, eleitos em assembleia, com delegação para atuarem como titulares da
conta corrente, bloqueada e vinculada, visando o acompanhamento e a operacionalização do
crédito.
Assim, no momento da pesquisa, a participação do assentado nessas associações,
representada na Figura 80, foi em média de 63,83%, ou seja, mais da metade dos assentados
considera vantajosa a ligação com a associação.
Sobre os benefícios ou vantagens que uma associação pode trazer, os assentados
informaram que, com uma associação no PA, há maior possibilidade de acessar os projetos e os
recursos, tanto agrícolas quanto os de infraestrutura. Além disso, ela serve como intermediária
entre o assentado e o Estado, dando assistência e orientação. Entretanto, ao ponderar sobre a
força dessas associações, somente 32,76% dos assentados consideravam que essas organizações
eram fortes e atuantes (Figura 81). Entre os motivos apresentados para a suposta fragilidade da
associação citam-se: atraso ou não pagamento da contribuição pelos sócios, desunião e
individualismo entre os membros, inexistência de projetos comuns e falta de interesse, de
recursos e de organização. Esse cenário acerca da fragilidade remete à seguinte reflexão: a
288

Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

Figura 80 – Participação dos assentados sergipanos em associações do PA, por região, sergipana.

Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

Figura 81 – Percepção dos assentados sergipanos sobre a força da associação do PA, por região.
289

associação não é forte porque está inadimplente? Ou seria o caso de considerar que ela está
inadimplente justamente por não ser forte?
Considera-se, como discute Ribas (2003), que a fragilidade das organizações esteja
intimamente relacionada à não proximidade social de seus atores.
De qualquer forma, a associação tem o seu papel fundamental, que é a organização desses
assentados, que buscam através dela os benefícios necessários ao assentamento. Entretanto,
percebeu-se que em alguns casos a concepção de associação está distorcida, pois os assentados
manifestam insatisfação com ela, alegando que “o Presidente não faz nada e essa associação não
traz nada para nós”. Ou seja, é esta concepção que dificulta o processo de emancipação, pois
enquanto os assentados não perceberem que a associação é o somatório da participação de cada
membro continuarão a ter dificuldades para alcançar os benefícios a que ela se propõe.
Ao questionar se as famílias assentadas permaneciam ligadas ao MST (apenas sete PAs
são coordenados por este movimento), verificou-se que, especialmente no Sertão, mais de 30%
dos entrevistados perderam essa ligação (Figura 82).

Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

Figura 82 – Permanência da ligação dos assentados sergipanos ao MST, por região.

Pressupõe-se que nesse índice estão aqueles que nunca lutaram pelo tão almejado pedaço
de terra, simplesmente compraram o lote posteriormente, sem nunca ter tido ligação com o MST.
Ao serem perguntados sobre a filiação ao Sindicato de Trabalhador Rural (STR), a grande
maioria dos entrevistados, principalmente na região Leste (77,78%), não está filiada aos sindicatos
rurais, conforme dados da Figura 83.
290

Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

Figura 83 – Filiação dos assentados sergipanos ao sindicato de trabalhador rural, por região.

O STR tem a missão de organizar, defender e representar o produtor, que paga uma
contribuição anual, efetuada pela Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil
(CNA), representante do Sistema Sindical Rural. Os serviços prestados pelo STR ao trabalhador
rural sindicalizado vão desde os aspectos ligados à terra, como cursos, declarações, contratos e
departamento pessoal, até serviços de saúde, como oftalmologia e odontologia. Ou seja, por
vezes, ele acaba atuando como despachante geral, fazendo ainda declarações de Imposto de
Renda, de movimento de gado, declarações cadastrais do produtor, preenchimento das carteiras
de trabalho, dos livros de registro de trabalho, de recibos e de requerimentos diversos, sendo
fornecidas ainda guias para consultas médicas, bem como uma total orientação trabalhista aos
produtores rurais associados ao Sindicato.
Segundo Furquim (2005), o Sindicato dos Trabalhadores Rurais tem

o papel de representar e defender os direitos do trabalhador e da trabalhadora


rural, e para que ele seja forte e continue na luta em defesa dos direitos
trabalhistas, no combate do trabalho infantil e escravo, da Previdência Rural, da
Educação e Saúde para o campo, da Reforma Agrária e do Fortalecimento da
Agricultura familiar, é preciso que o trabalhador e a trabalhadora rural se
associem e participem do seu sindicato, pagando em dia suas contribuições
(FURQUIM, 2005, p. 1).

Além disso, o sindicato tem papel relevante na concessão do benefício previdenciário de


aposentadoria rural por idade, que está fundamentado no preenchimento dos requisitos relativos
à atividade rurícola pelo disposto no Art. 48, I, da Lei no 8.213/1991, que regulamenta a previdência
social.
291

Segundo Cardoso (2009), para fins de aposentadoria rural,

é necessário apenas início de prova documental, nos precisos termos do art. 55,
§3 , da Lei 8.213/1991, corroborado por prova testemunhal, objetivando
caracterizar a qualidade de segurado especial em regime de economia familiar,
sendo que os documentos elencados nesse rol de início de prova material são o
RG, CPF, Certidão de Casamento, Certidão de Óbito, Carteira de Trabalho,
Atestado Médico, Título Eleitoral, Certidão de Reservista, Certidão de
Nascimento dos filhos, Lembrança da Comunhão, Histórico Escolar, Certidão
de Conclusão de Curso Primário, Contrato de Arrendamento Rural, Certidão
do INCRA, Escritura Pública, Ficha de Sócio do Sindicato dos Trabalhadores
Rurais, Notas de Produtor Rural, Guias de Recolhimento do ITR e CCIR, entre
outros (CARDOSO, 2009, p. 2).

Assim, um dos principais benefícios de ser filiado a um sindicato rural é poder comprovar
posteriormente, no momento de solicitar a aposentadoria rural, o vínculo com a terra. No caso
dos assentados, isso pode ser obtido também através da certidão para aposentadoria rural (tempo
de assentado). Ao serem questionados sobre a participação em reuniões do STR, exceto na
mesorregião Sertão, mais da metade (64,71%) respondeu que não participa, embora a diferença
desses porcentuais não seja tão elevada (Figura 84).

Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

Figura 84 – Participação dos assentados sergipanos filiados as reuniões do sindicato, por região.

Quanto aos aspectos religiosos, conforme pode ser observado na Figura 85, os
entrevistados, em sua maioria, possuem uma religião (em média, 88,08%).
292

Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

Figura 85 – Relação dos tipos de religiões praticadas pelos assentados sergipanos, por região.

Procurou-se conhecer qual era a religião praticada por esses assentados e constatou-se,
conforme dados da Figura 84, que 75,35% eram católicos; ou seja, a religião católica ainda detém
o maior porcentual, o que reforça a situação macro vivenciada pelo País. Entretanto, destaca-se o
porcentual de evangélicos na mesorregião Leste (21,74%), bem como o daqueles que não
identificaram a sua religião praticante, na mesorregião Sertão (24,05%).
Quanto à prática de vida espiritual pelos assentados, através de idas à Igreja ou a templos
religiosos, os dados da Figura 86 mostram que, exceto na mesorregião Leste, o porcentual
daqueles que responderam como sendo uma prática ocasional foi superior ao dos demais.
Assim, de modo geral, a caracterização dos domínios da vida nos assentamentos
pesquisados, em todas as regiões, revela as particularidades deste espaço rural e da construção da
identidade “Assentamento”. Distante de ser “um mundo à parte”, os PAs refletem a situação
socioeconômica atual da nossa sociedade, sendo a família assentada mais uma daquelas que,
diante dos seus deveres e direitos, reivindicam junto ao Estado melhores condições para a sua
sobrevivência e incremento da qualidade de vida. O acesso das famílias brasileiras a
infraestrutura, educação, saúde, moradia, condições de trabalho e renda deve ser garantido e
mediado pelo Estado. Com as famílias assentadas, permanece a mesma lógica.
Destaca-se, entretanto, que as condições gerais apresentadas nos assentamentos são bem
superiores àquelas relatadas pelas famílias antes de serem assentadas, principalmente no que se
refere ao acesso à terra, à oportunidade de trabalho e à morada. Reconhece-se, porém, que
existem limitações, sobretudo no que se refere ao trabalho e à renda, que estão atrelados às
293

Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

Figura 86 – Prática da religião pelos assentados sergipanos, por região.

condições de crédito, assistência técnica e canais de comercialização dos produtos. Menciona-se,


ainda, a dependência observada quanto às bolsas e aos benefícios governamentais, que são
expressivos para a composição da renda total dessas famílias. Ademais, a fragilidade das
associações também é considerada uma limitação significativa dos PAs pesquisados, uma vez que
repercute sobre as interações com as demais instituições locais, reduzindo a densidade
institucional e a capacidade para as inovações coletivas.
Como potencialidade, enfatiza-se a importância atribuída à família e às suas redes sociais,
com destaque para a integração social da comunidade e a valorização dos aspectos culturais
locais, sendo os PAs caracterizados como “lugar bom para se viver”, em que as famílias se
sentem seguras e não desejam sair para outros locais. As condições iniciais de infraestrutura são
adequadas, sobretudo no que se refere à moradia com acesso à água e energia elétrica, ainda que
possua limitações quanto à disposição de lixo e dejetos.
Assim, parte-se desta realidade objetiva da qualidade de vida das famílias assentadas em
Sergipe para a análise das prioridades atribuídas por elas a cada um dos domínios da vida,
anteriormente apresentados.

7.4. Os Domínios de Qualidade de Vida Priorizados pelas Famílias Assentadas

A discussão da qualidade de vida está associada não apenas à concepção que se tem a seu
respeito, mas às prioridades que cada domínio assume no conjunto desta qualidade de vida. O
294

que para algumas famílias é essencial como elemento da qualidade de vida, para outros pode ser
secundário. Desta forma, objetivou-se identificar quais eram os domínios da qualidade de vida
priorizados pelas famílias assentadas. Estes domínios auxiliam na compreensão das concepções
de qualidade de vida apresentadas pelos assentados e contribuem para a determinação do padrão
de qualidade de vida almejado. Assim, cada família assentada entrevistada recebeu 11 cartões,
contendo imagens que representavam uma das 11 dimensões do modelo conceitual de Metzen et al.
(1980), devendo colocar em ordem de prioridade.
Para análise desses dados ordinais, utilizou-se um dos métodos elementares multicritério,
conhecido como o método de borda.
Também chamados de métodos ordinais, os métodos elementares multicritério são
considerados bastante intuitivos e pouco exigentes, tanto em termos computacionais quanto em
relação às informações necessárias por parte do decisor, uma vez que deste são necessárias mais
do que as pré-ordens relativas do critério, devendo ele ordenar as alternativas de acordo com as
suas preferências ou, eventualmente, usar uma ordenação natural, por exemplo, a renda obtida
(GOMES JÚNIOR; SOARES MELLO, 2007; VALLADARES et al., 2008; GOMES et al., 2009).
Segundo Gomes Júnior et al. (2008), esses métodos são menos exigentes que os métodos
cardinais, habitualmente usados. Essa exigência menor se refere à informação requerida do
decisor, às propriedades da família de critérios e à melhor facilidade de entendimento por parte
de leigos. Mesmo assim, os seus resultados apresentam informações úteis.
Conforme observado pelos autores, esses métodos podem ser utilizados com uma família
de critérios que, balizados, podem servir para auxiliar na decisão. Neste caso o método é
conhecido como Apoio Multicritério à Decisão (AMD).
O AMD surgiu formalmente como ramo da Pesquisa Operacional, na década de 1970,
consistindo em um conjunto de métodos e técnicas para auxiliar ou apoiar a tomada de decisões,
utilizando uma multiplicidade de critérios (GOMES JÚNIOR, et al., 2008).
Além disso, esses métodos devem seguir três condições, conhecidas como “axiomas de
Roy” 33, caso se utilize uma família de critérios, isto é, o conjunto de critérios usados em uma
determinada situação de decisão.
Na literatura, os três métodos multicritério ordinais mais referenciados são: métodos de
Borda, de Condorcet e de Copeland, mas podem aparecer variantes mais elaboradas dos métodos
básicos (GOMES et al., 2009).

33
Segundo Mangabeira et al. (2006) e Gomes Júnior et al. (2008), na literatura, em linguagem não matemática, são:
Exaustividade (impõe a necessidade de descrever o problema, levando em conta todos os aspectos relevantes);
coesão (obriga a correta análise de quais são os critérios de maximização e quais os de minimização); e não
redundância (obriga a excluir critérios que avaliem características já consideradas por outro critério).
295

De acordo com Gomes Júnior et al. (2008), o método de Borda é considerado o precursor
da escola americana de multicritério, sendo na sua essência uma soma de pontos. Criado pelo
Cavaleiro De Borda (Jean-Charles De Borda, 1733-1799), foi utilizado na temática eleição e voto,
e por ter uma abordagem mais simplificada é o mais conhecido e adotado (COSTA, 2008).
Para uso desse método, o decisor deve ordenar as alternativas de acordo com as suas
preferências; a alternativa preferida recebe 1 ponto, a segunda, 2 pontos, e assim sucessivamente.
Os pontos atribuídos pelos decisores a cada alternativa são somados, e a alternativa que tiver
obtido a menor pontuação é a escolhida (DIAS et al., apud VALLADARES et al., 2008).
A sua grande vantagem é a simplicidade, e por isso algumas de suas variantes são usadas
em competições desportivas (KLADROBA, 2000; SOARES DE MELLO et al., 2005), podendo
também ser aplicado como auxílio na avaliação de fornecedores de uma empresa petrolífera
(ROCHA; CAVALCANTI NETTO, 2002). Valladares et al. (2008), ao estudarem o risco de
subsidência de perfis de solos, utilizaram o método de Borda como um dos métodos multicritério.
No entanto, apesar de sua simplicidade e do amplo uso de suas variações, o método de
Borda não respeita um dos mais importantes axiomas de Arrow, o da independência em relação
às alternativas irrelevantes. Ou seja, a posição final de duas alternativas não é independente das
suas classificações em relação a alternativas irrelevantes. Este fato pode gerar distorções, com
destaque para a extrema dependência dos resultados relativos ao conjunto de avaliação escolhido
e à possibilidade de manipulações pouco honestas (GOMES et al., 2009).
Esta situação é reforçada por Mello et al. (2004), ao afirmarem que

O método de Borda apresenta a desvantagem de não ser indiferente às


alternativas irrelevantes, ou seja, a retirada de uma alternativa pode levar a
modificações na ordenação relativa de outras alternativas. (MELLO et al., 2004,
p. 191).

Mas, segundo Arrow, apud Barba-Romero e Pomerol (1997), não existe escolha justa, nem
mesmo um método multicritério ou multidecisor “perfeito”, ou seja, aquele que obedeça aos
axiomas de universalidade, da unanimidade, da independência em relação às alternativas
irrelevantes, da transitividade e da totalidade. Assim, o teorema de Arrow garante que nenhum
método de escolha atende simultaneamente a esses axiomas.
No caso desta pesquisa, não há famílias de critérios, mas apenas uma escala de prioridade
com 11 dimensões, e cada assentado as ordenou em seu ambiente doméstico, não sofrendo
nenhuma pressão ou influência por parte do presidente de associação, de militantes, de outros
296

assentados e, ou, de outros interessados, e nem tampouco conheceu os resultados de outras


famílias, ou seja, o efeito da interdependência foi bastante diluído34.
No estudo, preferiu-se excluir aqueles entrevistados que não completaram a escala de
prioridades, ou seja, aqueles que ordenaram apenas algumas dimensões. Mas cabe aqui ressaltar
que esses casos foram bastante reduzidos diante do universo de entrevistados. Essa situação foi
observada por Gomes Júnior et al. (2008), ao analisarem o sistema de pontuação do campeonato
mundial de Fórmula 1:

Este regulamento (da Fórmula 1) é, na verdade, uma variação do método de


Borda. A diferença mais evidente em relação ao método de Borda tradicional é
que os primeiros colocados marcam mais pontos, enquanto no método original
marcam menos. Esta se justifica pelo fato de nem todos os concorrentes
terminarem, ou até participarem, de todas as corridas. Um piloto que
não participasse não pontuaria, o que seria uma situação melhor que ser
o primeiro colocado (grifo nosso). É, portanto, uma alteração que permite
melhorar a operacionalização do método, sem trazer nenhuma consequência
nefasta (GOMES JÚNIOR et al., 2008, p. 3).

Para operacionalização desses domínios, cada assentado ordenou os 11 domínios (saúde,


integração social, família, lazer, educação, moradia, segurança financeira, religião, segurança,
trabalho e serviços comunitários), de acordo com as suas preferências; a alternativa preferida
recebeu 1 ponto, a segunda, 2 pontos, e a última, por conseguinte, 11 pontos. Esses pontos
atribuídos pelos assentados a cada alternativa foram somados, e os domínios foram ordenados,
de forma crescente, de acordo com a pontuação obtida.
Como exemplo, têm-se os dados apresentados na Tabela 25.
Assim, cada domínio recebeu uma pontuação, e esta foi multiplicada pela sua respectiva
frequência, sendo feito o somatório desses valores, de cada prioridade enumerada pelo
assentado35.
Neste contexto, procurou-se estabelecer um ranking das prioridades, no qual a saúde
aparece em primeiro lugar em todas as regiões; a família em segundo em duas delas; e a moradia e
o trabalho em terceiro também em duas regiões (Quadro 17).

34 Desse modo, Valladares et al. (2008), em seu estudo, utilizaram os métodos Condorcet, Copeland e Borda, e
concluíram que estes dois últimos foram eficientes para ordenar/classificar os perfis de solos, demonstrando alta
correspondência entre estes, corroborada pelos coeficientes de Pearson elevados e altamente significativos
(p = 0,0001), bem como pelo coeficiente de determinação (r = 0,97).
35 Assim, a pontuação desse domínio será calculada da seguinte maneira:

em que Pi = pontuação obtida na categoria i; Fi = frequência obtida na categoria i; e i = categoria ou prioridade,


indo de 1 a 11. Logo, tem-se: = (1x4)+(2x9)+(3x14)+(4x2)+(5x9)+(6x8)+(7x6)+(8x11)+(9x4)+(10x4)+(11x6) = 437.
297

Tabela 25 – Pontuação e estatística descritiva de um domínio. Sergipe, 2008

Pontuação Frequência Porcentual Porcentual Acumulado


1,00 4 5,2 5,2
2,00 9 11,7 16,9
3,00 14 18,2 35,1
4,00 2 2,6 37,7
5,00 9 11,7 49,4
6,00 8 10,4 59,7
7,00 6 7,8 67,5
8,00 11 14,3 81,8
9,00 4 5,2 87,0
10,00 4 5,2 92,2
11,00 6 7,8 100,0
Total 77 100,0 -
Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

Quadro 17 – Ranking das prioridades elencadas pelos assentados sergipanos quanto aos domínios
da vida, por região

Região Sertão Agreste Leste Sergipe


1a Saúde Saúde Saúde Saúde
2a Int. social Família Família Família
3a Moradia Trabalho Moradia Trabalho
4a Trabalho Educação Educação Educação
5a Segurança Segurança Sit. financeira Segurança
Prioridades

6a Educação Sit. financeira Trabalho Moradia


7a Religião Lazer Segurança Sit. financeira
8a Família Moradia Religião Religião
9a Sit. financeira Religião Serv. comun Int. social
10a Lazer Serv. comun. Lazer Lazer
11a Serv. comun. Int. social Int. social Serv. comun.

Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

Esse quadro indicou os seguintes domínios como os mais relevantes na escala de


prioridades dos assentados sergipanos: saúde, família, moradia, integração social, trabalho e
educação. Os mesmos domínios, em ordem diferente, foram identificados por Ferrão (2003), ao
analisar a importância dos domínios da vida dos produtores de milho do Espírito Santo. Para
aqueles que produziam milho, utilizando a irrigação, a ordem de prioridade foi família,
alimentação, trabalho e saúde. Para os que não faziam uso da irrigação, a ordem foi família, saúde
e alimentação.
298

7.4.1. Reflexão Sobre os Domínios da Vida Priorizados

Ao analisar as prioridades dos domínios da qualidade de vida, ou seja, a ordem de


importância de cada domínio para a composição da qualidade de vida na percepção dos
assentados, verificou-se que o domínio saúde está em primeiro lugar em todo o Estado. Neste
contexto, a saúde é um dos aspectos considerados de maior importância para a vida dos
indivíduos, uma vez que a sua ausência ou o seu comprometimento implica, direta ou
indiretamente, decréscimo da qualidade de vida, seja pela limitação provisória ou definitiva que
acarreta para o desempenho das atividades cotidianas, seja pelos recursos (materiais e humanos)
de que se deve dispor para os cuidados e tratamentos necessários ao seu restabelecimento.
Entende-se saúde como o conceito apresentado pela Organização Mundial de Saúde – OMS,
apud Almeida Filho (2000), que diz que “saúde é o estado de mais completo bem-estar físico,
mental e social, e não apenas a ausência de enfermidade”.
Entretanto, ao analisar essa prioridade no contexto dos assentamentos pesquisados e aos
relatos dos assentados, percebe-se que a saúde está diretamente associada à capacidade para o
trabalho, de garantir o “pão de cada dia”. Os assentados justificam que esta dimensão é a mais
relevante de todas, pois se o indivíduo não estiver em boas condições de saúde não tem
capacidade para vivenciar nenhuma das outras dimensões da qualidade de vida: “sem saúde a
gente não é nada!”. Diante desses aspectos, pode-se compreender a prioridade da dimensão saúde
por parte dos assentados.
Em segundo lugar, o domínio família aparece na ordem de prioridades, validando assim a
importância e o reconhecimento da família como elemento fundamental para a vida nos
assentamentos.
Segundo Schneider (2003), a família rural é entendida como um grupo social que
compartilha um mesmo espaço (não necessariamente uma habitação comum) e possui em
comum a propriedade de um pedaço de terra para cultivo agrícola. Está ligada por laços de
parentesco e consanguinidade (filiação), podendo a ele pertencer, eventualmente, outros
membros não consanguíneos (adoção). É no âmbito familiar que se discute e se organiza a
inserção produtiva, laboral, social e moral de seus integrantes, sendo também em função desse
referencial que são estabelecidas as estratégias individuais e coletivas que visam garantir a
reprodução social do grupo familiar.
Segundo Sarti (1996), existe uma ligação entre casa e família, bem como com suas redes
de convivência; ou seja, a família exerce outra função para as populações menos favorecidas: a
função de eixo de referência sobre ao qual os seus membros se apoiam e constroem suas relações
sociais.
299

A priorização da família pode ser associada a vários aspectos, a exemplo do que ela
representa para o trabalho. A agricultura de base familiar, como que é praticada nos
assentamentos, assume como mão-de-obra predominante os membros familiares. Estes dividem
tarefas e viabilizam a produção nos lotes, além das tarefas domésticas, necessárias para a
realização das demais atividades.
De acordo com o relato dos assentados, pode-se perceber que a família representa a
segurança, a estabilidade e a garantia de futuro, uma vez que, a partir das metas e dos objetivos
estabelecidos por ela, os filhos serão a continuidade. Os filhos representam ainda a perpetuação
dos valores, das tradições, das crenças e dos costumes, assumindo a educação moral um papel
relevante neste processo. Esses são alguns dos aspectos que podem explicar a priorização da
família pelos assentados em Sergipe.
Entretanto, ao analisar essa segunda prioridade por região, verifica-se que na região do
Sertão a família não assume esta colocação, mas sim o domínio integração social. Para compreender
esta questão, adotam-se algumas hipóteses, que estão diretamente associadas às características do
Sertão e da atuação do MST naquela região, bem como do nível de articulação e representação
política. Para tanto, compreende-se que a percepção das famílias sobre a integração social envolve
não apenas a associação, mas a comunidade em que estão inseridas e as respectivas relações.
O Sertão sergipano é relatado por Sá (2003) como sendo de grande importância histórica,
por trazer fragmentos de memória do cangaço brasileiro, já que foi na Grota do Angico (Poço
Redondo) que Lampião e seu bando fora, mortos pela volante comandada pelo Tenente João
Bezerra, em 1938.
Atualmente, o local é rota turística (Rota do Cangaço), já existindo uma Unidade de
Conservação de Proteção Integral36 na área.
Historicamente, o Sertão é o berço de disputas políticas, a exemplo da relata por Sá:

Em 1993 Manoel Dionísio da Cruz, militante sindical e ex-presidente da Central


Única dos Trabalhadores de Sergipe (CUT), descendente da família Félix (Júlio
e Manoel Félix da Cruz), coiteiros históricos de Lampião e seu bando, busca,
junto com outros companheiros como Raimundo E. Cavalcante, resgatar a
rebeldia cangaceira contra o coronelismo do início do século XX, como
cimento ideológico em torno da reforma agrária no município de Poço
Redondo. Nesta perspectiva, vale registrar que também outros movimentos de
rebeldia camponesa são veiculados no discurso das lideranças da esquerda local,
como a existência de quilombos na Serra da Guia e a passagem de Antônio
Conselheiro pelo Povoado Curralinho, na tentativa de criar uma tradição
revolucionária na região (SÁ, 2003, p. 38).

36
A criação do Monumento Natural da Grota do Angico, em 2007, representa um grande avanço do Estado rumo à
conservação da caatinga. Essa unidade territorial abriga remanescentes florestais de caatinga e uma grande
diversidade faunística (SEMARH, 2009), como também propriedades particulares e parte da área de reserva legal
de um projeto de assentamento (PA) criado pelo INCRA (INCRA, 2007b).
300

O autor ressalta a importância do atual prefeito de Poço Redondo, o Padre Enoque de


Salvador, como sendo uma liderança surgida no contexto da atuação da Comissão Pastoral da
Terra (CPT) no Baixo São Francisco, nos anos de 1970 e 1980, destacando-se na luta pela
conquista da terra dos índios Xocós (Porto da Folha), na ocupação de Santana dos Frades
(Pacatuba) e da Fazendo Barra da Onça (Poço Redondo).
Convém ressaltar que a atuação do MST em Sergipe também se destaca no Sertão. É
nessa região que está concentrado o maior número de famílias acampadas e assentadas. Há
exemplos de candidaturas de lideranças do MST a eleições municipais de vereadores: o vice-
prefeito de Canindé do São Francisco e o de Poço Redondo, ambos do PA Cuyabá, são
militantes do MST.
Nesse contexto, considera-se que a fragilidade das associações, pela baixa densidade
institucional, faça sobressair interesses individuais, por meio da articulação política e da disputa
pelo poder, o que faz com que a integração social seja um elemento importante para a construção
desse cenário político. A busca por maior autonomia, em um ambiente marcado por
vulnerabilidades, é vista como centrada, prioritariamente, na integração social, ou seja, é na
relação do assentado com parentes, vizinhos, militância e comunidade que se estabelecem os
direcionamentos e as articulações políticas, vistas como necessárias para a melhoria da qualidade
de vida , o que justifica a priorização da integração social pelos assentados do Sertão.
Em terceiro lugar no ranking das prioridades estabelecidas pelos assentados, tem-se o
domínio trabalho. Esta prioridade foi identificada pelos assentados não somente como a
oportunidade de trabalho, via acesso à terra, mas, principalmente, como as condições necessárias
para a realização do trabalho e o seu nível de satisfação com os resultados obtidos. Assim, ao
analisarem o domínio trabalho, os assentados o fizeram com base na rotina diária das atividades
desenvolvidas no lote, conforme descrição anterior.
Compreende-se aqui o trabalho como a mediação entre o homem e a natureza, uma
condição da existência humana, não apenas associada à sua necessidade de sobrevivência, mas
também de autorrealização. É através do trabalho que o homem transforma a sua existência e se
transforma, a depender das circunstâncias no qual este se realiza. No caso das famílias assentadas,
verifica-se que o trabalho está diretamente associado ao acesso à terra, ou seja, na condição de
agricultor Sem-Terra, sem um grau adequado de instrução que o permita ingressar em setores da
economia formal, há algumas possibilidades para o acesso ao trabalho: vender sua força de
trabalho aos detentores da propriedade privada da terra, de forma assalariada ou não; tornar-se
meeiro ou parceiro para trabalhar na terra e repartir os frutos do trabalho; ou ter acesso à terra,
via reforma agrária, e trabalhar nela com maior autonomia sobre o seu trabalho.
301

Desta forma, ao priorizarem o trabalho como um dos domínios mais importantes para a
composição da qualidade de vida, os assentados o fazem com base no seu valor objetivo, uma
vez que ele representa a garantia da sobrevivência e de não submissão à venda da sua força de
trabalho; e no seu valor subjetivo, que é a liberdade de poder trabalhar na sua terra, de realizar o
sonho de se tornar um trabalhador rural “com terra”, na qual detém a autonomia sobre os seus
processos.
Não há aqui a intenção de apresentar uma visão idealizada do trabalho. Os assentados
revelam em seus depoimentos a jornada pesada de trabalho, as dificuldades técnicas, econômicas
e sociais enfrentadas, bem como os resultados concretos obtidos a partir dele, a exemplo da
renda, que geralmente não é garantida pela produção nos lotes, mas atrelada aos benefícios e
auxílios sociais. Mesmo diante das dificuldades, o trabalho é apresentado como sendo prioritário
para a qualidade de vida das famílias assentadas. Sarti (1996) ressalta que, mesmo em situações de
precariedade do trabalho este é visto como essencial, pelo seu valor moral, na concepção de que
através do trabalho, uma pessoa pode adquirir respeito e admiração pública. Nesse mesmo
sentido, Carlos (2008) afirma que a possibilidade de manter a sobrevivência da unidade doméstica
é o que justifica, moral e socialmente, o trabalho. Assim, homens e mulheres compartilham o
mesmo moral do trabalho, como algo que promove honra, dignidade e satisfação
Ao analisar o terceiro lugar, verificou-se que há diferenças por região, pois enquanto no
Agreste o domínio é trabalho, no Sertão e no Leste, a moradia aparece como terceira colocada.
Entende-se que a moradia representa não apenas a proteção contra as intempéries, mas a
materialização que abriga a instituição família, tão importante na percepção dos assentados. A
explicação para a priorização da moradia pode estar atrelada a esta simbologia que é dada a
morada, não exatamente pelo abrigo material, mas pela identidade que confere à unidade familiar.
É neste sentido que pode ser interpretada também a existência de muitos “puxadinhos”
construídos no mesmo quintal, em que os filhos, mesmo depois de casados, permanecem
morando com seus pais e trabalhando junto com eles nos lotes, formando assim as famílias
extensas, presentes, em média, em 21,46% das famílias assentadas pesquisadas, principalmente no
Agreste.
Por outro lado, não se pode negar que muitas famílias, antes de serem assentadas, viviam
em condições precárias de moradia nos acampamentos, na luta pela terra. Em outros casos,
moravam de aluguel nas cidades vizinhas aos assentamentos, representando assim a moradia
como a realização do sonho da casa própria. Desta forma, infere-se que não há uma única
explicação para a priorização deste e nem de outros domínios, mas possibilidades para a sua
interpretação.
302

Em quarto lugar a aparece o domínio educação como sendo priorizado pelos assentados
em Sergipe. A importância da educação formal tem sido enfatizada pelas famílias desde a fase do
acampamento, afirmando que eles desejam para os filhos um futuro melhor que o atual, o que só
é possível a partir da educação, da conclusão do ensino médio e, até mesmo, do ensino superior.
Ainda nesta perspectiva, as famílias assentadas permanecem com o desejo de que os filhos
tenham acesso a uma educação de qualidade, para que possam ter acesso a melhores empregos,
uma vez que nos assentamentos não há outras possibilidades de trabalho para os jovens, senão
junto com os pais, que, conforme os relatos apresentados, não é o suficiente para toda a família.
Verificou-se que é apenas na região do Sertão que o domínio trabalho está em quarto lugar, numa
perspectiva de ele estar associado à moradia, e esta à terra, como bem simbólico e denominador
de poder, para a maior integração social. Enfim, o poder político é percebido como de maior
valor que a educação, para o alcance das necessidades básicas.
Ao analisar as prioridades dos domínios que compõem a qualidade de vida das famílias
assentadas em Sergipe, verifica-se uma homogeneidade na maior parte dos domínios priorizados,
sendo estes considerados fundamentais e como tendo relações diretas com o acesso à terra e a
garantia de melhores condições de vida para a família. Ou seja, a garantia de saúde e capacidade
física, a família como suporte emocional e mão-de-obra para o trabalho, a oportunidade de
trabalhar na sua própria terra e o acesso à educação como fator determinante de um futuro
melhor para os filhos são os domínios prioritários para a composição da qualidade de vida.

7.5. O Nível de Satisfação das Famílias com os Indicadores Priorizados

Se, até o momento, a compreensão da qualidade de vida foi considerada a partir da


articulação das concepções que as famílias têm sobre o seu significado, com a realidade objetiva
observada in loco sobre cada domínio e suas prioridades, não se pode desconsiderar o nível de
satisfação que as famílias têm em relação aos componentes da qualidade de vida, uma vez que a
satisfação maior em um domínio de maior valor ou peso leva à percepção de melhor qualidade de
vida.
Esse nível de satisfação foi avaliado através do uso de escala, composta de quatro
categorias ordinais: 1) muito insatisfeito; 2) insatisfeito; 3) satisfeito; e 4) muito satisfeito,
seguindo o proposto na escala de Likert (ALEXANDRE, et al., 2003). Likert (1932), cujo nome
deu denominação a escala, propôs uma outra para avaliação das atitudes do inquirido, contendo
cinco alternativas de resposta: fortemente aprovam, aprovam, indecisos, desaprovam e
desaprovam fortemente (CLASON; DORMODY, 1994).
303

A escala de Likert é um tipo de escala de resposta psicométrica usada comumente em


questionários, como também em pesquisas de opinião. Ao responderem a um questionário com
base nessa escala, os perguntados especificam seu nível de concordância/satisfação com uma
afirmação. Ou seja, neste tipo de escala, também chamada de escala de adição ou somatória, o
entrevistado indica o seu grau de satisfação ou insatisfação em relação a cada um dos itens da
escala.
Segundo Pereira et al. (2004), as escalas ordinais são muito usadas na pesquisa educativa,
sempre que se deseja obter um ordenamento de preferências, opiniões, atitudes, etc., em que o
sujeito se posiciona no grau com que está de acordo ou em desacordo: 1) nada de acordo;
2) pouco de acordo; 3) indeciso, etc. Na escala de Likert é atribuído um número a cada resposta,
que reflete a direção da satisfação do entrevistado em relação a cada dimensão. O somatório das
pontuações obtidas para cada dimensão é dado pela pontuação total do nível de satisfação de
cada entrevistado. A diferença entre a posição 1 e 2 pode não ser a mesma que a diferença entre
o 2 e o 3.
Esse fato é corroborado por Black (1999), ao comentar que a escala ordinal indica a
ordem de ranking de um grupo de itens associados a determinadas características, mas não indica
a medida das diferenças entre os rankings, tratando-se apenas de uma escala que permite concluir,
por exemplo, que os alunos da turma A usam mais o computador do que os da turma B, mas não
permite saber o “quanto” mais.
Segundo Vital et al. (2009),

a escala de Likert se tornou um paradigma de mensuração qualitativa,


largamente utilizada em pesquisas de opinião, consistindo em um conjunto de
itens, apresentados na forma de afirmação ou juízo, diante dos quais o
respondente deve externar suas reações mediante a escolha dentre os pontos da
escala, estando cada ponto associado a um valor numérico. O somatório dos
valores indica atitude favorável ou desfavorável em relação ao objeto (ou
representação) que se avalia. A manifestação de concordância ou discordância é
tratada como uma variável categórica ordinal e seus intervalos são assumidos
como regulares (VITAL et al, 2009, p. 181).

Nesta pesquisa, optou-se por utilizar apenas quatro alternativas/categorias, número par,
sem nenhuma categoria central, como “nem insatisfeito e nem satisfeito”, com o objetivo de
“forçar” o entrevistado a escolher uma resposta positiva ou negativa, estando em consonância
com o proposto por Likert na medida em que ele salientou que o número de alternativas está
aberto à manipulação (CLASON; DORMODY, 1994).
304

Segundo Alexandre et al. (2003, p. 3), “a não inclusão da categoria central, em uma escala
0-4, pode conduzir a uma tendência e forçar os respondentes a marcarem a direção que eles estão
inclinados”.
Assim, as escalas de Likert são bastante populares, porque além de serem confiáveis são
mais simples de construir e permitem obter informações sobre o nível dos sentimentos dos
entrevistados, dando-lhes mais liberdade para responderem, já que não precisam de se restringir
ao simples concordo/discordo (PEREIRA et al., 2005).
Mas, neste trabalho, é necessário fazer uma distinção entre a escala de Likert e um item de
Likert. Segundo o sítio da enciclopédia livre Wilkipédia:

a escala de Likert é a soma das respostas dadas a cada item Likert. Como os
itens são, normalmente, acompanhados por uma escala visual análoga (p. ex.
uma linha horizontal onde o sujeito pesquisado indica sua resposta através de
marcas), os itens são às vezes chamados de escalas. Isto causa bastante
confusão. É melhor então que se utilize “Escala de Likert” para o total da
escala, e “item de Likert” para cada item individual (WILKIPÉDIA, 2009, p. 1).

Nesta pesquisa, um item de Likert é apenas uma dimensão sobre a qualidade de vida, em
que o assentado entrevistado apresentará, através da escolha da alternativa, o seu nível de
satisfação.
A utilização dessa escala no estudo da qualidade de vida já é bastante consagrada.
Segundo Rosa e Pilatti (2007) e Oliveira e Orsini (2008), as respostas para as questões do
Instrumento de Avaliação de Qualidade de Vida da Organização Mundial da Saúde (WHOQOL)
100 são dadas em uma escala do tipo Likert. As perguntas são respondidas através de quatro
tipos de escalas (dependendo do conteúdo da pergunta), que são: intensidade, capacidade,
frequência e avaliação.
Lazari et al. (2009 ) fizeram uso do instrumento International Consultation on Incontinence
Questionnaire-Short Form (ICIQ-SF), que avalia a qualidade de vida de pacientes com incontinência
urinária, dentre outras variáveis. Nesse instrumento, há uma escala tipo Likert que avalia o quanto a
incontinência urinária interfere na vida diária das pessoas, cuja pontuação varia de 0 a 10, sendo
que 0 interfere pouco na vida do sujeito e 10, muito.
Já Cunha et al. (2008) analisaram e compararam a percepção de qualidade de vida entre
atletas de voleibol dos gêneros feminino e masculino, através do Questionário de Qualidade de
Vida para Atletas, cujas respostas mostravam a escolha dos atletas entre as cinco possibilidades
de resposta dadas em uma escala tipo Likert.
Do mesmo modo, a escala de Likert vem sendo utilizada com frequência nos estudos
sobre assentamentos rurais. Taveira e Oliveira (2008) procuraram verificar, através do
305

instrumento de medida dessa numa escala, se o serviço de extensão rural da Fundação Itesp
correspondia às expectativas dos agricultores assentados e se as características socioeconômicas
interfeririam nesta apreciação individual.
Há uma gama de trabalhos sobre o uso da escala de Likert em assentamentos, os quais se
diferem especialmente em relação à finalidade que se busca com tal ferramenta. Campelo et al.
(2008), ao analisarem o acesso e a aplicação dos recursos de crédito do PRONAF às famílias
assentadas do Estado de Rondônia, utilizaram a escala de Likert como forma de mensuração da
nota de grau de concordância, percebendo-se a direção que o especialista apresentou para avaliar
as afirmativas sugeridas
Rocha et al. (2008) elaboraram um instrumento de avaliação do PRONAF para
agricultores de baixa escolaridade com base em diversos meios, dentre eles a escala de Likert.
Assim, nesta pesquisa, buscou-se identificar o nível de satisfação das famílias assentadas
com cada domínio da qualidade de vida, de forma a compreender, a partir da articulação entre o
desejo e a realidade, a dimensão real da qualidade de vida. Ou seja, se a qualidade de vida
compreende uma realidade observada (nível de vida) e uma realidade desejada (concepção de
qualidade de vida e padrão desejado para a mesma), o grau de satisfação das famílias com este
nível de vida é o elemento que, combinado com as prioridades estabelecidas para cada domínio,
explica a qualidade de vida das famílias assentadas.
Inicialmente foi feita uma análise da dominância em cada item de Likert, ou seja, através
do porcentual observou-se se os entrevistados de uma determinada região estavam muito
satisfeitos, satisfeitos, muito insatisfeitos ou insatisfeitos com a dimensão sugerida. Para melhor
visualização e análise dos resultados, adotou-se a conversão das quatro categorias em apenas duas
(satisfeito e insatisfeito), representando assim apenas a satisfação ou não com os domínios. Ao
analisar os porcentuais de nível de satisfação das famílias assentadas com as dimensões da
qualidade de vida, foram verificados os resultados apresentados na Tabela 26.
Esses resultados revelam que, de modo geral, 68,34% das famílias assentadas em Sergipe
estão satisfeitas com a qualidade de vida atual, influenciadas, principalmente, pela satisfação
obtida nos domínios família, moradia, trabalho e saúde.
Verificou-se que em Sergipe o domínio da vida que mais contribuiu para a satisfação com
a qualidade de vida foi a família (94,17%), consequentemente também o primeiro domínio
priorizado por elas. Portanto, se os assentados indicaram a família em primeiro lugar e estão
satisfeitos com ela, esse foi o domínio que mais contribuiu para a qualidade de vida, sendo
possível inferir que a família é instituição de maior destaque e relevância na vida dos assentados.
A diferença entre as mesorregiões, quanto à satisfação com outros componentes da vida, pode
306

Tabela 26 – Nível de satisfação quanto aos domínios da qualidade de vida. Sergipe, 2008

Mesorregiões de Sergipe Estado


Sertão Agreste Leste Sergipe
Dimensões da
QV M.
M.Ins. Ins. Sat. M. Sat. M. Ins. Ins. Sat. M. Sat. M. Ins. Ins. Sat. M.Sat. Ins. Sat. M. Sat.
Ins.
(%) (%) (%) (%) (%) (%) (%) (%) (%) (%) (%) (%) (%) (%) (%)
(%)
Família 5,26 15,79 36,85 42,10 0,00 4,41 38,24 57,35 0,00 6,33 24,05 69,62 0,45 5,38 29,60 64,57
Integração social 2,67 14,67 49,33 33,33 11,76 14,70 54,42 19,12 5,06 18,99 49,37 26,58 7,66 18,92 49,55 23,87
Saúde 14,47 31,58 34,21 19,74 10,29 19,12 57,35 13,24 7,50 20,00 40,00 32,50 6,25 17,86 47,32 28,57
Situação financeira 6,67 32,00 42,66 18,67 33,82 44,12 20,59 1,47 20,00 32,50 37,50 10,00 23,77 38,12 30,49 7,62
Serviço comunitário 21,05 39,48 27,63 11,84 29,41 36,77 29,41 4,41 25,00 25,00 38,75 11,25 21,88 31,25 34,82 12,05
Lazer 10,81 25,68 39,19 24,32 7,35 23,53 42,65 26,47 17,72 22,78 49,37 10,13 14,86 28,83 40,54 15,77
Religião 6,67 21,33 38,67 33,33 17,65 39,71 32,35 10,29 5,06 13,93 51,90 29,11 9,95 21,72 45,71 22,62
Moradia 2,53 8,86 35,44 53,17 3,95 15,79 43,42 36,84 5,88 10,29 48,54 35,29 3,59 12,56 37,67 46,18
Trabalho 3,95 13,16 40,79 42,10 2,94 13,24 36,76 47,06 6,33 13,92 51,90 27,85 4,93 15,25 44,39 35,43
Educação 13,16 28,95 34,21 23,68 10,29 23,53 41,18 25,00 7,59 13,92 54,44 24,05 7,17 17,49 46,19 29,15
Segurança 13,16 32,89 35,53 18,42 4,41 16,18 55,88 23,53 25,32 26,58 40,51 7,59 14,80 25,56 43,50 16,14
Total 9,13 24,04 37,68 29,15 11,99 22,83 41,11 24,07 11,41 18,57 44,20 25,82 10,48 21,18 40,89 27,45

Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).


307

ser representada pela inclusão de integração social na mesorregião Sertão e o domínio religião,
pelos assentados da mesorregião Leste, que teve o mais elevado nível de satisfação (70,02%),
quando se comparam o Sertão e o Leste.
Quanto à insatisfação com a qualidade de vida, registrou-se mais de 30% dos
assentamentos sergipanos (31,66%) nesta situação. O componente de maior relevância em
relação à insatisfação foi a situação financeira (61,89%), seguida de serviço comunitário (53,13%).
Além disso, foi constatada, especificamente no Agreste e no Leste, insatisfação quanto à religião
(57,36%) e à segurança (51,9%).
Dessa forma, os assentados sergipanos, mesmo estando satisfeitos com a qualidade de
vida total, não deixam de mencionar que a situação financeira poderia ser melhor. É importante
ressaltar que a insatisfação com a situação financeira não foi elencada como um domínio
prioritário no ranking de importância para a composição da qualidade de vida, estabelecendo a
ideia de que “nem tudo na vida é dinheiro”. Na realidade diária, a situação financeira, aqui
representada pela ausência de dívidas, pelas receitas compatíveis com as despesas e pela garantia
de poupança para casos de emergência, nem sempre está de acordo com o desejado. Moen, apud
Wilhelm et al. (1987), obteve resultado semelhante, ao constatar que indivíduos com maior renda
familiar não eram necessariamente aqueles que demonstravam maior satisfação, indicando a
necessidade de se ter indicadores múltiplos para avaliar o bem-estar das famílias, uma vez que os
indicadores subjetivos têm, às vezes, sido mais importantes que os objetivos para a melhoria de
bem-estar familiar. Aliás, a insatisfação com a situação financeira não é privilégio dos assentados,
mas de boa parte dos brasileiros.
Explica-se a insatisfação com os serviços comunitários já a partir da infraestrutura
apresentada dos PAs, onde há deficiência ou inexistência de alguns serviços básicos, a exemplo
de áreas de lazer ou, até mesmo, de postos de saúde e escola. Explica-se também a partir da
insatisfação com o lazer, uma vez que os PAs não dispõem de praças ou equipamentos que
possam fornecer opções de lazer aos jovens e às crianças. De acordo com a caracterização deste
domínio, mais da metade das famílias em todas as regiões manifestou o desejo de ter nos PAs
outras opções de lazer. Quanto à questão da segurança, a insatisfação não está de acordo com a
caracterização deste domínio, uma vez que em todas as regiões as famílias manifestaram se
sentiam seguras nos PAs e sem medo de sair sozinhas à noite. Pode-se inferir que, ao relatarem
sobre a questão da segurança, elas não se referiram apenas à realidade dos PAs, mas dos
municípios em que estão inseridas e do próprio País, em que a violência está presente nos
espaços rurais e urbanos.
308

No que se referem às regiões, os domínios que apresentaram maior porcentual de


satisfação, isto é, que mais contribuíram para a satisfação com a qualidade de vida total, foram:
Sertão (moradia, trabalho, integração social e família), Agreste (família, trabalho, moradia,
segurança e integração social) e Leste (família, moradia, religião e trabalho). O destaque para a
religião, na região Leste, pode ser explicado pela maior proporção de famílias que se declararam
evangélicas em relação às demais, o que sugeremaior envolvimento religioso. Esta afirmação
pode ser comprovada ao se fazer uma análise de frequência cruzada daqueles que se declararam
possuir uma religião e a frequência de sua prática religiosa. Enquanto 42,31% dos católicos
afirmaram possuir uma prática religiosa regular, este número foi de 86,67% para os evangélicos,
ou seja, a prática religiosa na região Leste está associada à relevância da religião omo domínio
para a composição da qualidade de vida.
A integração social, apesar de ser prioridade apenas para o Sertão, é um componente
importante para a composição e asatisfação com a qualidade de vida total, podendo ser explicada
a partir do conceito de relações de reciprocidade e das redes sociais. Neste sentido, as redes
sociais podem ser definidas como um conjunto de unidades sociais e de relações, diretas ou
indiretas, entre essas unidades sociais, através de cadeias de dimensão variável (MERCCKLÉ,
2004, apud PORTUGAL, 2007). Na concepção de Barnes (1987), rede social é o conjunto de
relações interpessoais concretas que vinculam indivíduos a outros indivíduos. Radomsky (2006)
explica que as redes sociais utilizam meios para se ampararem e se estabelecerem, são elas: a
reciprocidade, os tributos, as identidades sociais e as ligações entre os atores sociais. De acordo
com o autor, entre os camponeses as relações de proximidade se constituem como as mais
importantes para a sociabilidade, sendo elas tanto de parentesco como de amizade. Ele afirma
que, do ponto de vista do desenvolvimento rural, se faz necessário pensar que as redes, além de
constituírem em formas de inserção econômica e reprodução social, potencializam os vínculos
políticos, as associações nas comunidades rurais, as cooperativas e as ações coletivas. Ou seja, a
presença de laços sociais entre um grupo de atores promove a sustentação das práticas de
reciprocidade, transformando as redes na materialização das interações empreendidas
coletivamente, com vistas ao desenvolvimento rural (RADOMSKY; SCHNEIDER, 2007).
Para as famílias rurais, especificamente aquelas em projetos de assentamentos, as relações
sociais constituem elementos importantes no que se refere às suas estratégias de sobrevivência.
Segundo Costa (2001), a organização dos assentados em cooperativas é uma forma de viabilizar a
produção e a comercialização agrícola e promover a organização dos assentados.
309

Não apenas a organização em cooperativas, mas outras relações sociais podem ser
consideradas importantes para a viabilidade dos assentamentos, como as relações de vizinhança,
compadrio e entre parentes. Apesar de não serem relações formais de cooperação, tal qual uma
associação, elas também são importantes como estratégias auxiliares à sua sobrevivência.
Considera-se, como exemplos práticos desta questão, a troca de dias de serviço entre vizinhos, de
alimentos e de favores diversos entre eles, bem como a agricultura familiar que é desenvolvida
por eles, com base no trabalho dos membros da família nuclear ou de origem, conforme
discutido por Heredia (1979) e Santa´Ana e Costa (2001). É neste contexto que a integração
social pode ser interpretada nos PAs pesquisados, demonstrando assim que o nível de satisfação
com este domínio está relacionado a todos os fatores mencionados.
Ao analisar a insatisfação com os domínios da vida em cada região, aqueles que
apresentaram maior porcentual de insatisfação foram: Sertão (serviço comunitário, segurança,
saúde e educação), Agreste (situação financeira, serviço comunitário, religião e educação), Leste
(segurança, situação financeira, serviço comunitário, lazer e saúde).
A insatisfação com os equipamentos e serviços comunitários está presente em todas as
regiões, em virtude das características apresentadas sobre este domínio. A insatisfação com a
segurança, tanto no Leste (51,9%) quanto no Sertão (46,05%), pode estar associada à ocorrência
de fatos ou situações que geraram algum tipo de insegurança. Observou-se que 36 e 44% das
famílias pesquisadas no Sertão e no Leste, respectivamente, relataram esse tipo de ocorrência.
Além disso, a ocorrência de acontecimentos trágicos respondeu por 22,99 e 7,41%, nas referidas
regiões. Entre os fatos marcantes observados no Sertão, foram relatados casos de desavenças
entre moradores que resultaram em morte, além de roubos de pequenos animais domésticos
(galinhas). Um caso curioso foi relatado no PA Cuyabá, em que os assentados, por ocasião de um
roubo na comunidade, conseguiram capturar o “ladrão” e só depois é que acionaram a polícia.
A insatisfação com a saúde, principalmente nas regiões Leste e Sertão, pode estar
associada à inexistência de posto de saúde nos PAs: Sertão (PAs Pioneira e José Ribamar); e Leste
(Roseli Nunes e Dorcelina Folador). Nesses PAs, as famílias contam com o atendimento
esporádico de médicos ou precisam se locomover para outros locais para obtê-lo, o que gera uma
grande insatisfação.
Se para as famílias assentadas na região Leste a religião contribui de forma efetiva para a
sua qualidade de vida , no Agreste a religião gerou insatisfação em mais de 50% dos assentados,
diferenciando em termos do tipo e da prática religiosa.
310

Para uma análise sintética da qualidade de vida total das famílias assentadas em Sergipe, os
porcentuais correspondentes a cada domínio foram reunidos de modo a fornecer um panorama
do nível de satisfação ou insatisfação com cada um deles, conforme pode ser visualizado na
Figura 87.

Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

Figura 87 – Nível de satisfação, por regiões sergipanas.

Ao analisar os dados apresentados, verificou-se que o maior porcentual de famílias


satisfeitas com a qualidade de vida total foi verificado no Leste, enquanto o maior porcentual de
famílias insatisfeitas foi identificado no Sertão.
Em níveis mais extremos, constatou-se que o maior porcentual de famílias que estão
muito satisfeitas com a qualidade de vida total é da região do Sertão, enquanto aquelas que
apresentaram muita insatisfação estão no Agreste.
Esses são os resultados das percepções das famílias assentadas sobre o nível de satisfação
e insatisfação com os domínios, bem como da influência destes na composição da sua qualidade
de vida total. A partir dos resultados, buscou-se refiná-los estatisticamente, com o objetivo de
analisar de forma comparativa as três mesorregiões do Estado de Sergipe, adotando-se a
metodologia utilizada por Carvalho et al. (2005):

(...) gerou-se um valor ponderado, indicando a posição do grupo de


entrevistados em relação a cada afirmação. Para tanto, foi realizado o somatório
do produto das frequências absolutas pelos respectivos valores associados a
cada nível, sendo o valor obtido dividido pelo produto entre a frequência total e
311

o valor associado à máxima concordância. Por fim, multiplicou-se esse


resultado por 10, obtendo-se um valor ponderado em uma escala de 0 a 10
(CARVALHO et al., 2009, p. 361).

Nesta pesquisa, a máxima concordância é igual a 4 (muito satisfeito) e a frequência total


varia de acordo com o número de entrevistados37.
De forma didática, como exemplo de cálculo, apresenta-se a Tabela 27.

Tabela 27 – Nível de satisfação de uma dimensão da QVT. Sergipe, 2008

Categoria Frequência Porcentual Porcentual Acumulado


2,00 3 4,4 4,4
3,00 26 38,2 42,6
4,00 39 57,4 100,0
Total 68 100,0 -
Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa, J. M. M de (2009).

Aplicando a fórmula, tem-se:

Ao observar os dados apresentados na Tabela 27, infere-se que nenhum dos assentados
está muito insatisfeito com esta dimensão, já que a frequência para esta categoria foi igual a zero.
Em contrapartida, a maior parte dos entrevistados está satisfeita ou muito satisfeita.
Com relação à análise do valor ponderado obtido, adotou-se uma categoria “mínima” em
que todos os respondentes estivessem satisfeitos (categoria 3). Além disso, buscou-se um valor
ponderado balizador a esta categoria escolhida (limiar da satisfação). Assim, para obter esse valor
ponderado inferiu-se que se todos os respondentes adotassem a posição de satisfeito (100% de
frequência na categoria 3) diante das afirmações, o Fi seria igual ao Ft, obtendo, por sua vez, o
valor 7,5, conforme o cálculo abaixo:

37 Numa linguagem matemática, tem-se:

em que Fai = frequência total da categoria i; i = número da categoria; Vai= valor associado categoria i; e Ft =
frequência total (número de entrevistados).
312

Logo, aquelas dimensões que obtiveram valor igual ou superior a 7,5 foram consideradas
como tendo alcançado a satisfação pelos assentados, o que pode ser observado na Tabela 28.

Tabela 28 – Valor ponderado das dimensões da qualidade de vida, por região, conforme nível de
satisfação. Sergipe, 2008

Regiões Estado de
Categoria
Sertão Agreste Leste Sergipe
Família 7,89 8,82 9,08 8,60
Integração social 7,83 5,59 7,44 7,44
Saúde 6,48 6,84 7,44 6,93
Situação financeira 6,83 4,74 5,94 5,87
Serviço comunitário 5,76 5,22 5,91 5,65
Lazer 6,92 7,20 6,30 6.79
Religião 7,47 5,88 7,63 7,04
Moradia 7,83 7,83 8,48 8,06
Trabalho 8,03 8,20 7,53 7,90
Educação 6,71 7,02 7,37 7,04
Segurança 6,48 7,46 5,76 6,52
Fonte: dados de campo (2008), organizados por Sousa (2009).

Na região do Sertão, os domínios satisfeitos pelos assentados foram: trabalho, família,


moradia e integração social. Mas como explicar que as famílias do Sertão estão satisfeitas com o
trabalho, mesmo com todas as limitações apresentadas na caracterização deste domínio? Pode-se
sugerir que a explicação é a mesma utilizada ao justificar o trabalho entre os primeiros na ordem
de prioridade, ou seja, é o valor subjetivo a ele atribuído pelo assentado que lhe confere, mesmo
diante das limitações, a satisfação pela sua realização. Esse padrão de satisfação é seguido para as
regiões do Agreste (família, trabalho e moradia) e Leste (família, moradia, trabalho e religião).
Analisando comparativamente o valor ponderado das dimensões da qualidade de vida,
quanto ao nível de satisfação, com o ranking das prioridades, constou-se que a qualidade de vida é
percebida como satisfatória, apesar da precária situação financeira e dos limitados serviços
comunitários, uma vez que os assentados se sentiam satisfeitos naqueles domínios de maior peso
ou importância para suas vidas, como é o caso dos domínios família, moradia e trabalho.
Pressupõe-se que os assentados sergipanos não encontravam plenamente satisfeitos com
a qualidade de vida, pelo fato de existirem dois domínios com os quais não se sentiam satisfeitos:
a saúde e a educação. Esses resultados mostram a necessidade de maior inv estimento nesses
313

domínios, por parte do setor público, como forma de melhorar a qualidade de vida das famílias
assentadas e, assim, contribuir para uma política mais efetiva de reforma agrária.
Assim, a análise da qualidade de vida, a partir dos aspectos objetivos e subjetivos da
realidade das famílias assentadas em Sergipe e dos seus respectivos PAs, atende às concepções, às
prioridades e aos níveis de satisfação, sendo estes domínios interrelacionados nestas perspectivas
diferenciadas de análise. Além disso, a análise demonstra a necessidade de que as famílias sejam
ouvidas e possam expressar suas insatisfações, em consonância com as realidades vivenciadas, de
forma que os programas, os projetos e as ações da reforma agrária sejam essencialmente de baixo
para cima (bottom up) ou de dentro para fora (from within to outside), por meio da participação da
população local, que depende, como afirma Redecliff (1992), do conhecimento cultural, do
respeito mútuo e do fortalecimento dos laços de solidariedade e das redes locais.
314

8. CONCLUSÕES

Para a análise da política de reforma agrária em Sergipe e da qualidade de vida das famílias
assentadas, foram articulados os elementos-chave desta pesquisa, quais sejam: a luta e a demanda
por terra em seus contextos históricos; a reforma agrária realizada; os resultados obtidos e a
estrutura fundiária; e a qualidade de vida das famílias assentadas. A partir desta articulação, são
tecidas algumas considerações que refletem os aspectos potenciais e limitadores do modelo de
reforma agrária implementado, sendo apresentadas algumas proposições para a superação das
limitações percebidas.

8.1. Novos Cenários, Velhos Atores: a Luta e a Demanda por Terra em Sergipe

A questão agrária brasileira pode ser compreendida como um conjunto de processos


históricos, de caráter político, econômico e social, que tem sua origem na colonização, a partir do
processo de formação das pequenas e das grandes propriedades, dando origem ao binômio
latifúndio/minifúndio, que ocasionou, entre outros problemas, a concentração de terras nas mãos
de poucos e a exclusão de uma massa de trabalhadores rurais.
Na ausência de terras de sua propriedade, esses trabalhadores se sujeitavam à venda da
sua força de trabalho ou aos sistemas de parceria (ou outras formas precárias de relações de
trabalho no campo) para garantir sua sobrevivência e permanência no espaço rural. Outros foram
empurrados para as periferias das grandes e médias cidades, ou mesmo para as pequenas cidades
do interior, constituindo-se em operários assalariados, e em muitos casos foram marginalizados
nas periferias dos grandes centros ou nas pequenas aglomerações, onde sobrevivem do trabalho
sazonal na agricultura (boia-fria), de pequenos serviços pontuais na cidade e, não raramente,
apenas de programas sociais assistencialistas. Este é o sujeito histórico da reforma agrária que,
diante de todo este processo histórico de exclusão social se mobiliza, articula, organiza e luta, no
campo e na cidade, para garantir o direito à terra, o direito à vida com dignidade.
Em Sergipe, essa realidade se repete. Historicamente, no espaço agrário sergipano,
marcado pela concentração de terras, verifica-se a exclusão de trabalhadores rurais, que remonta
os conflitos da década de 1970, a exemplo de Santana dos Frades (Pacatuba), onde reivindicavam
a posse das terras junto à Empresa Serigy-Seragro (que se dizia “dona da área”), e de conflitos
315

bem recentes (2008), como o das populações ribeirinhas da Comunidade Resina (“Brejo
Grande”), que disputam a posse da terra com a construtora Norcon, que também se diz “a dona
da área”. Neste sentido, verificou-se a mudança dos cenários de disputa e luta pela terra, mas
permanecem ainda os velhos atores, que são os excluídos e marginalizados do campo e que
reivindicam, de forma legítima, o acesso à terra via reforma agrária. Do outro lado, estão os
grandes proprietários de terra ou mesmo os grileiros, que lutam para garantir a incorporação de
mais terras e mais poder, tal qual nos tempos dos coronéis.
É neste contexto que a luta pela terra e a organização dos trabalhadores rurais sem-terra
em diversos movimentos sociais devem ser compreendidas. A luta legítima daqueles que veem no
acesso à terra a única oportunidade para “mudarem de vida”, ou seja, oportunidade para garantir
a reprodução social. São esses trabalhadores que hoje estão organizados e atuam no campo
sergipano. Eles compõem o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), a
Federação dos Trabalhadores Rurais de Sergipe (FETASE), a Cáritas Diocesana, o Movimento
de Luta Camponesa (MLC) e ainda as associações independentes. Não há como negar que, além
dos trabalhadores que compõem a luta organizada pela terra, milhares de outros se encontram,
tanto no campo quanto nas cidades, formando a reserva de mão-de-obra barata, sendo
superexplorados, quando não escravizados, na forma da escravidão branca.
Assim, a demanda por terra em Sergipe pode ser considerada e contabilizada a partir das
famílias organizadas em movimentos sociais e associações, em situação de acampamentos ou não,
e daquelas não organizadas em movimentos sociais, cuja contabilidade é difícil de precisar. De
acordo com o INCRA, em abril de 2009 a demanda organizada em acampamentos era composta
de 175 acampamentos, num total de 6.927 famílias acampadas, distribuídas de forma desigual
pelas regiões do Estado de Sergipe, apesar de se observar uma maior concentração na região do
Sertão. E é o MST que coordena o maior número de acampamentos e famílias.
Ressalta-se que há controvérsias sobre esses números da demanda por terra, que são
diferentes para os movimentos sociais e para o INCRA. A este respeito, destaca-se que há um
dinamismo próprio dos acampamentos, sendo comum a mudança de locais em função de
melhores possibilidades em outras áreas ou mesmo pelo impedimento de permanecerem nela,
devido a esbulhos judiciais (reintegração de posse, entre outros); as famílias mudam de
acampamentos em função da não adaptação, por motivos familiares ou até mesmo por
desistência da luta.
Por outro lado, o registro dessas famílias no INCRA e a sua atualização são dificultados
por esses mesmos motivos, aliando a carência de recursos humanos e materiais que possam
316

viabilizar uma contabilidade eficiente dos demandatários de terra em Sergipe. Portanto, neste
trabalho optou-se por qualificar essa demanda, conhecer os acampamentos e a realidade
vivenciada por pelas famílias, uma vez que apenas a sua quantificação não responderia às
expectativas e, em virtude das questões apresentadas, poderia se apresentar bem diferente da
realidade.
As famílias que lutam pela terra nos acampamentos vivenciam uma realidade que nem
sequer pode ser imaginada por muitos, mas que impacta aqueles que a conhecem. Um olhar
sobre a forma acampamento permite a sua compreensão como sendo o lugar da materialização
da luta pela terra. É nesse lugar que as famílias constroem seus próprios códigos, suas normas de
convívio e suas estratégias de sobrevivência; que constroem sonhos e alimentam esperanças de
que um dia a terra prometida há de ser conquistada . Os desafios vivenciados são vários, a
exemplo das condições precárias de vida debaixo da lona, dos riscos de acidentes à beira da
rodovia, além das ameaças e da pressão daqueles que insistem em ser os únicos donos da terra: os
proprietários e os grileiros de terras.
Nos acampamentos sergipanos a realidade da luta pela terra se concretiza dia a dia, ano a
ano, chegando, em um caso extremo, a durar 12 anos de espera. Os acampados, à luz dos três
poderes, vivem em constante pressão, seja por parte da militância, que em alguns casos esquece
sua origem, e por ser agora representante daquele grupo se torna ditador poderoso e cobra
posturas e atitudes nem sempre compatíveis com as capacidades dos acampados; seja por parte
dos fazendeiros, que através das ameaças constantes pressionam e provocam a desistência de
muitos; ora por parte do INCRA, que pelo descaso para com essas famílias acampadas faz da
morosidade para as vistorias um mecanismo de opressão do sonho da reforma agrária. Mesmo
assim, os acampados sergipanos insistem e persistem na luta pela terra.
Diante dessa realidade, alguns questionamentos afloram: Quem são essas famílias que
aguardam pela reforma agrária nos acampamentos em Sergipe? De onde vêm? São estas de
origem rural e possuem identidades e saberes agrícolas? Como sobrevivem nos acampamentos?
De quais rendas sobrevivem? Qual o perfil desse acampado? Essas famílias podem ser as
beneficiárias legais da política de reforma agrária? O que as fazem esperar tanto tempo em
condições tão adversas? Quais as expectativas quanto à reforma agrária?
A pesquisa revelou que as famílias acampadas em Sergipe, especificamente nos
acampamentos Amigos para Sempre (Estância/MST), Mochila (Itaporanga D’Ajuda/FETASE) e
D. José Brandão de Castro (Brejo Grande), possuem idade média superior a 40 anos, sendo
famílias compostas, não tão numerosas, porém com uma média de filhos bem acima da média
317

brasileira, demonstrando a existência de muitas crianças em situação de risco. Além desses


aspectos, há um índice muito acima da média de analfabetos ou com pouca escolaridade, sendo
predominante entre os acampados o ensino fundamental incompleto. Essas famílias, em sua
maioria, são oriundas do mesmo município em que se encontra o acampamento, não raros os
casos de famílias que migraram de municípios próximos ou até mesmo de outros Estados
vizinhos.
Os resultados da pesquisa revelaram que as famílias acampadas são oriundas de famílias
cujos pais eram agricultores e possuem alguma experiência com o cultivo da terra. Para alguns
autores, o fato de os acampados possuírem identidades e saberes agrícolas e a mesma origem é
indicativo de que um projeto de assentamento pode ser promissor. Concorda-se que estes
aspectos podem ser facilitadores, mas não impeditivos, pois o fato de as famílias não terem as
identidades e os saberes agrícolas, e nem a mesma origem, não pode ser considerado fator
limitante ao acesso à terra via reforma agrária.
Para sobreviverem nos acampamentos, as famílias utilizam diversas estratégias, entre elas
a venda da força de trabalho através de diárias nas fazendas vizinhas, cujo pagamento varia de
R$ 15,00 a R$20,00/dia, iniciando as atividades às 7 horas e encerrando às 16 horas. Além desta
estratégia, verificou-se que os “bicos”, em atividades diversas, a exemplo de faxinas, pedreiro e
outros, são formas de compor a renda. Essas famílias têm uma renda média mensal inferior a um
salário mínimo, sendo a Bolsa Família a fonte de maior contribuição. Ao analisar a renda per
capita, verificou-se que ela está abaixo do necessário para que uma família possa ser considerada
“pobre” (renda per capita abaixo de R$ 137,00). Os acampados são, em sua maioria, trabalhadores
rurais sem-terra ou com pouca terra, desempregados ou parceiros. As famílias apresentam a
combinação de fatores determinantes para a sua exclusão e risco social: baixa escolaridade, baixa
renda, alta dependência de benefícios sociais e pouca ou nenhuma perspectiva de inserção no
mercado de trabalho. Qual seria, para elas, a alternativa para a garantia do trabalho que não o
acesso à terra via reforma agrária? Assim, diante do exposto, não há dúvidas de que as famílias
acampadas em Sergipe, tanto pelo perfil quanto pela situação de risco social em função da baixa
renda, são potenciais candidatas a serem contempladas pela política de reforma agrária, dentro
dos aspectos legais estabelecidos.
Confirmada a legitimidade como potenciais beneficiárias da reforma agrária, resta
compreender quais são os motivos que as fazem persistir na luta pela terra, mesmo diante das
adversida des, o que pode ser explicado a partir da concepção e das perspectivas quanto à reforma
agrária. É o sonho do acesso à terra, com seus significados objetivos de garantia da sobrevivência
318

e subjetivos, que envolvem a liberdade de trabalhar para si mesmo, em sua própria terra, que
motiva os acampados e explica a persistência na luta pela terra. Entretanto, elas veem na
oportunidade do acesso à educação a saída para que os filhos possam ter uma vida “melhor” do
que têm agora, lutando por um lote de terra. De certa forma, essas famílias têm em mente que a
reforma agrária e o acesso à terra são apenas o ponto de partida, sendo necessária a continuidade
da luta para garantir sua permanência na terra.

8.2. A Reforma Agrária e a Estrutura Fundiária em Sergipe

A reforma agrária tem sua origem no surgimento da propriedade privada da terra no


Brasil, sendo a Lei de Terras, em 1850, o primeiro instrumento regulador nesse processo de
distribuição e regularização da propriedade fundiária. Cabe ressaltar que o processo ocasionou a
exclusão de muitos trabalhadores do campo, a começar pelos escravos libertos, que não possuíam
condições de legalizar um lote terra, bem como o surgimento do latifúndio, representado pela
concentração de terras nas mãos dos senhores. Assim, pode-se afirmar que o latifúndio, inimigo
transparente dos trabalhadores rurais sem-terra, nasceu do cativeiro, primeiro da mão-de-obra e
depois da terra, pois não foi permitido o acesso livre à terra àqueles que não pertencessem à
classe social dominante da época. Aos escravos libertos e sem acesso à terra restava o trabalho
assalariado ou, não raro, sem remuneração nas grandes fazendas, o que caracteriza situação
similar à escravidão, ainda que fossem livres. A grilagem de terras amplia o latifúndio e confere ao
Brasil uma lógica de concentração de terras que até hoje não foi revertida.
Somente em meados do século XX têm início os movimentos sociais no campo com
maior projeção, como as ligas componesas. Assim, os trabalhadores rurais que não aceitam a
proletarialização, organizados em sindicatos e movimentos sociais no campo, iniciam as lutas não
apenas pelo acesso à terra, mas por condições e relações mais justas de trabalho, que na maioria
das vezes resultou em conflitos e tensões sociais no campo, sendo a reforma agrária a medida
adotada para amenizar e conter os focos de tensões sociais no campo. Os movimentos sociais no
campo constituem a expressão da luta e do protesto desses trabalhadores rurais.
Historicamente, as discussões e os direcionamentos sobre a política de reforma agrária
brasileira foram conduzidos pelo Estado em caráter de emergência, sem constituir uma política
de base, capaz de gerar empregos no campo, promover o desenvolvimento rural com qualidade
de vida e, acima de tudo, de desconcentrar a terra a partir da desapropriação do latifúndio. No
319

Brasil, o I Plano Nacional de Reforma Agrária (1985-1989), elaborado a partir do Estatuto da


Terra (1964), tenha por objetivos distribuir, redistribuir terras e eliminar o latifúndio, através dos
processos de assentamento de famílias, colonização e regularização fundiária, com grandes metas
de famílias e assentamentos. Em Sergipe, em 1986, com base no I PNRA, a política de reforma
agrária inicia suas atividades relacionadas aos processos de desapropriação, sendo a Fazenda
Barra da Onça o primeiro assentamento de reforma agrária obtido por desapropriação,
beneficiando 150 famílias.
Ao analisar o comportamento da política de reforma agrária em Sergipe, de acordo com
os governos no período de 1980 a 2009, verificou-se que houve momentos de maior e de menor
expressão, sendo estes explicados a partir da conjuntura da reforma agrária no Brasil. No governo
de João Figueiredo (1979 a 1984) foi implantado um único assentamento, com um total de 89
famílias. Seria este o início dos inúmeros assentamentos que seriam implantados até o segundo
mandato do governo de Luiz Inácio Lula (2003-2009), no qual foram implantados 19
assentamentos, beneficiando 564 famílias. O maior número de famílias assentadas em Sergipe foi
observado no primeiro mandato do governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998), tendo
sido assentadas 2.782 famílias. O maior número de assentamentos implantados foi no segundo
mandato do governo Fernando Henrique Cardoso (1999-2002), sendo este número de 46
assentamentos. A maior área destinada à reforma agrária foi observada também neste mesmo
governo, sendo o total de 43.637 hectares destinados aos assentamentos. Cabe ressaltar que os
números da reforma agrária do governo FHC são duvidosos, pois refletem as contradições
nacionais relacionadas aos problemas da contagem de assentamentos e famílias, em que as
doações e regularizações fundiárias são contabilizadas como reforma agrária. No panorama geral
da reforma agrária em Sergipe, até o mês de abril de 2009, de acordo com os dados do INCRA,
registravam-se 169 assentamentos, com 8.109 famílias assentadas, numa área total de
142.174 hectares.
Ao realizar o balanço da reforma agrária em Sergipe, considerando o número de famílias
acampadas e assentadas, bem como o número de acampamentos e assentamentos (Anexo 3),
verifica-se que a reforma agrária realizada ainda está distante de atender à demanda, ainda que
seja considerada apenas a demanda organizada nos acampamentos, conforme discussão anterior.
Por outro lado, a análise dos resultados da política de reforma agrária deve considerar não
apenas o número de famílias e de assentamentos, mas o seu reflexo na estrutura fundiária, ou
seja, de forma como estão distribuídas as terras, suas áreas e os tipos de proprietários que permite
uma análise mais profunda sobre a concentração da terra. Neste sentido, verificou-se que em
320

Sergipe os estabelecimentos predominantes da década de 1970 a 2006 são aqueles com menos de
10 hectares. Entre 1985 e 2006, houve aumento da área dos estabelecimentos menores de
100 hectares e redução da área dos estabelecimentos maiores que 100 hectares. A combinação
desses dados pode sugerir um processo de reforma agrária, quando associados aos governos FHC
e Lula, nos quais foi constatado o aumento da área para a reforma agrária.
Ao analisar a concentração da terra a partir da evolução do índice de Gini, no período de
1985 a 2006, percebeu-se uma pequena queda, decrescendo de 0,858 para 0,821, o que pode levar
algumas pessoas a concluir que ocorreu a desconcentração da terra a partir da reforma agrária
realizada. Entretanto, esse porcentual é considerado pequeno em relação ao grande período
compreendido. Em se tratando de cerca de 20 anos de reforma agrária, a desconcentração da
estrutura fundiária foi inexpressiva. Além disso, a queda no índice de Gini está associada ao
processo de partilha das terras através de heranças, o que pode influenciar o desmembramento
das propriedades, com consequências sobre o grau de desconcentração da terra. Assim, pode-se
considerar que a reforma agrária realizada em Sergipe ainda não atendeu à demanda existente e
nem contribuiu efetivamente para a desconcentração fundiária, portanto, ela está longe de atingir
seus objetivos como política pública. Diante disso, torna-se relevante a análise dos seus resultados
a partir dos assentamentos implantados e da qualidade de vida relacionada.

8.3. A Reforma Agrária e a Qualidade de Vida das Famílias Assentadas

A política de reforma agrária é aqui compreendida como sendo o processo que envolve a
distribuição da terra a partir dos processos de desapropriação dos latifúndios improdutivos, que
possam desconcentrar a terra e garantir não apenas o acesso à terra via assentamentos, mas as
condições de produção e reprodução social, com melhoria da qualidade de vida das famílias
assentadas, com o objetivo de promover o desenvolvimento rural e a consequente redução da
pobreza e das desigualdades sociais. Pode parecer um tanto utópico, mas esta é a concepção de
uma política de reforma agrária que possa, de fato, trazer resultados concretos ao panorama da
pobreza e das desigualdades sociais que se estendem do campo as cidades.
É nessa perspectiva que a qualidade de vida é percebida como sendo o resultado final da
reforma agrária para as famílias assentadas, sendo sua análise de fundamental importância para
esta pesquisa.
321

Historicamente, a análise da qualidade de vida tem sido modificada a partir do contexto e


das necessidades do momento, cuja mensuração tende a acompanhar as realidades. Se em um
período da nossa história a análise da qualidade vida era realizada a partir do Produto Interno
Bruto (PIB), considerando os aspectos econômicos, verifica-se que, atualmente, os aspectos
sociais têm sido incorporados nestes estudos, a exemplo do Índice de Desenvolvimento Humano
(IDH).
Especificamente sobre a qualidade de vida nos assentamentos de reforma agrária, estudos
têm sido realizados, no âmbito nacional, regional ou local, com o intuito de avaliar os resultados
desta política pública e apresentar novos direcionamentos que maximizem os seus resultados. É
nesta perspectiva que foi elaborada a metodologia para o estudo da qualidade de vida nos
assentamentos, compreendendo que ela deveria atender às necessidades e à realidade específica
desse Estado. Neste sentido, considerou-se que qualidade de vida é composta pelo conjunto
articulado dos domínios objetivos e subjetivos que fazem parte da vida cotidiana das famílias.
Para sua análise, é necessário conhecer a realidade desses assentamentos, o perfil das famílias e as
suas concepções de qualidade de vida, os domínios que dela fazem parte e a sua caracterização,
bem como a ordem de prioridade e o nível de satisfação atingido, considerando que a qualidade
de vida será verificada a partir da conexão entre estas premissas.
Os assentamentos são aqui compreendidos como o espaço conquistado e socialmente
produzido, que a partir das relações internas e externas, de sua origem e configurações, são
transformados em territórios, que é a combinação do chão e da identidade, a materialização da
luta pela terra, com ideias e propósitos definidos, permeados e delimitados por relações de poder.
Estas relações de poder possuem implicações sobre a qualidade de vida das famílias assentadas, a
partir do processo de territorialização, aqui compreendido como a conquista da terra e o
estabelecimento das relações, dos objetivos e das redes sociais para a melhoria da qualidade de
vida no assentamento.
Se em determinado momento suas expectativas não são atendidas, observam-se a perda
do poder sobre esses territórios e o enfraquecimento desses sujeitos, comprometendo a sua
qualidade de vida, sendo caracterizado como o processo de (des)territorialização. Em momento
posterior, verifica-se o encaminhamento de novas estratégias, elementos e práticas, de forma a
atingir os objetivos pretendidos e novamente alcançar uma qualidade de vida melhor. Este
processo é contínuo e dinâmico na realidade dos assentamentos rurais.
Os assentamentos de reforma agrária em Sergipe podem ser diferenciados não apenas
pela sua organização e pelo movimento social que os coordena, mas pelo processo de luta pela
322

terra, por suas características gerais de acordo com as regiões geográficas em que se encontram,
pela modalidade como foi obtida a terra, por sua organização interna e externa, pelos sistemas
produtivos, bem como pelas redes sociais estabelecidas. Os assentamentos e suas respectivas
famílias pesquisadas nas regiões do Sertão (Cuyabá/Canindé do São Francisco; Pioneira/Poço
Redondo e José Ribamar/Nossa Senhora da Glória), do Agreste (Caípe/Nossa Senhora das
Dores; José Gomes da Silva/Lagarto e Paraíso do São Pedro/São Miguel do Aleixo) e do Leste
(Roseli Nunes/Estância; Dorcelina Folador/Itaporanga D’ajuda e Treze de Maio/Japaratuba)
apresentam suas particularidades, conforme já mencionado.
No que se refere ao perfil das famílias assentadas, observou-se um perfil familiar sem
diferenças significativas para as regiões do Sertão, Agreste e Leste sergipano. Em todas as regiões,
verificou-se que as famílias são composta por, aproximadamente, cinco membros e dois filhos
por família, realidade diferente da observada entre as famílias acampadas. A maioria das famílias
se encontra em fase de formação, sendo predominante a família nuclear. O grau de instrução
predominante nos membros familiares é o ensino fundamental incompleto e a escolaridade média
da família é de 3,5 anos de estudos, o que é inferior à média nacional, em torno de 6,3 anos de
estudo. Diante disso, questiona-se: Será que o INCRA, através do PRONERA, ao promover o
curso superior de Agronomia na Universidade Federal de Sergipe, destinado aos beneficiários da
reforma agrária, possuía conhecimento sobre esta realidade educacional dos assentamentos,
colocando como prioritário este curso de nível superior em detrimento de cursos técnicos
profissionalizantes? Ou foi apenas uma decisão política para capacitar alguns militantes? Não que
a oportunidade de capacitar os beneficiários da reforma agrária em nível superior seja
desconsiderada, mas em termos do maior público e perfil educacional apresentado seria
necessário investir em ensino fundamental e nos cursos de nível médio.
Ao apresentarem o retrato dos assentamentos a partir das suas concepções (a partir da
construção da Matriz “O que temos, o que queremos e o que fazer”), os assentados retraíam a
realidade (o que temos) com base nas limitações e potencialidades. De modo geral, as
potencialidades apresentadas estão associadas ao acesso à terra, ao trabalho e à moradia, que
revelam o significado da reforma agrária para essas famílias. A realidade atual dos assentamentos
é sempre avaliada de forma positiva e associada diretamente à vida antes do assentamento, sendo
este o parâmetro de avaliação usual entre os assentados. Entretanto, eles relatam também as
limitações, que estão, de modo geral, relacionadas à carência de infraestrutura e de serviços
comunitários, aos problemas enfrentados para a produção (capacitação, projeto de irrigação,
crédito e assistência técnica) e à desorganização e fragilidade das associações.
323

Ao se referirem ao futuro desejado para os PAs (o que queremos), as famílias relataram a


necessidade de resolução das limitações e dos problemas apresentados anteriormente. Ao
mencionarem as proposições para atingir a realidade desejada (o que fazer), as famílias apontaram
a necessidade de investir na união da comunidade e no fortalecimento das associações, além de
cobrarem dos seus representantes a solução dos problemas. A realidade dos assentamentos,
apresentada pelas próprias famílias assentadas, revela a profundidade do seu conhecimento sobre
a reforma agrária implantada, de suas potencialidades e de suas limitações, comprovando assim a
importância e a necessidade de processos participativos para o conhecimento da realidade dos
assentamentos.
Após a apresentação da realidade dos assentamentos e das famílias assentadas, buscou-se
identificar a concepção de qualidade de vida que era preconizada por elas, tendo sido identificado
que a qualidade de vida está relacionada, principalmente, aos domínios saúde, moradia, educação,
trabalho e situação financeira, de forma articulada ou não. A interpretação da qualidade de vida
apresentada está relacionada à reforma agrária, uma vez que, teoricamente, pode-se afirmar que é
a partir da reforma agrária que as famílias poderão ter acesso à terra e condições de nela
permanecer.
Posteriormente, realizou-se a caracterização geral dos domínios que compõem a qualidade
de vida das famílias, quais sejam: moradia, saúde, educação, trabalho, renda, equipamentos
comunitários, lazer, segurança, família, integração social e religiosidade.
Com relação à moradia e ao microambiente das famílias assentadas, constatou-se que, de
modo geral, são boas as condições de moradia nos PAs, com acesso à energia elétrica e água
encanada na maioria das casas. Entretanto, as limitações são percebidas quanto ao
microambiente, especificamente quanto à disposição dos dejetos e do lixo doméstico, o que pode
comprometer a saúde dos assentados.
No que se refere às condições de saúde, verificou-se que nem todos os PAs pesquisados
possuem postos de saúde, sendo o atendimento médico prestado em outras localidades, no caso
de sua inexistência no PA. Constatou-se que nem todos PAs possuem escolas, e naqueles em que
elas existem são oferecidas as primeiras séries do ensino fundamental, sendo necessário o
deslocamento dos estudantes caso estejam cursando outras séries, o que tem favorecido o
abandono escolar por muitos filhos de assentados, antes de concluir o ensino fundamental.
Quanto ao trabalho e a renda, verificou-se que o trabalho predominante é de base
familiar, com o cultivo de alimentos que garantem o autoconsumo e a venda do excedente, a
exemplo do milho, do feijão, da mandioca, das frutíferas e das olerícolas, além da criação de aves
324

e pequenos animais, sendo a sua comercialização realizada nas feiras livres e de forma individual,
na maioria das vezes. Verificou-se que as condições climáticas não favorecem a produção no
Sertão, com base no modelo de agricultura empregado, sendo a irrigação uma demanda
expressiva dos assentados.
A renda monetária mensal obtida varia de 1,45 (R$ 551,00) a 0,98 (R$ 372,40) salário
mínimo, sendo a aposentadoria e a Bolsa Família importantes componentes desta renda,
demonstrando assim a dependência dessas famílias em relação às políticas de seguridade social e
compensatórias. A partir desses dados, pode-se inferir que a reforma agrária está comprometida
nos casos em que a renda tem como principal componente os benefícios sociais, uma vez que a
proposta da reforma agrária é que as famílias possam obter a sua renda monetária a partir da
produção nos lotes. Desta forma, destacam-se os aspectos limitantes da produção, mencionados
anteriormente, sem os quais fica difícil garantir a produção nos lotes com uma produtividade que
garanta o consumo e a comercialização do excedente, gerando renda monetária que possa ser
revertida para outros tipos de consumo.
No que se refere aos equipamentos comunitários, de lazer e de segurança nos PAs,
constatou-se que há carência na infraestrutura disponível desde a existência de escolas a postos de
saúde em alguns dos PAs, bem como de equipamentos de lazer para os jovens. Quanto à
segurança, verificou-se que os assentados se sentem seguros naquele lugar, com o qual
construíram uma relação de identidade a partir dos laços de parentesco, vizinhança e das redes
sociais da vida comunitária.
A caracterização da vida familiar revelou que os assentados, em sua maioria, possuem
parentes nos assentamentos e consideram que são eles com quem de fato podem contar nas
horas de dificuldade. A família representa, para todos os entrevistados, uma instituição de grande
importância, cujos significados ultrapassam os limites da cooperação para o trabalho agrícola nos
lotes, predominantemente de base familiar, e do trabalho doméstico, que garante a manutenção
da família, pelo suporte de apoio emocional que ela representa, ou mesmo para a tomada das
decisões importantes, que na maioria das vezes são pautadas no diálogo e relação de respeito e
união entre os membros familiares. Assim, a família, longe de ser uma instituição falida, é a base
de sustentação das famílias assentadas.
Ao analisar a integração social, verificou-se que as famílias assentadas possuem uma
percepção distorcida das associações, pois apesar de reconhecerem sua importância e
necessidade, elas as consideram como algo externo, da s quais podem fazer reclamações e críticas
aos seus representantes, desconsiderando assim que elas são parte fundamental das mesmas. Não
325

foram observadas, nos PAs pesquisados, associações que fossem atuantes e com as quais os
associados estivessem satisfeitos. Na maior parte dos casos, as associações estão desorganizadas,
fragilizadas e inadimplentes, o que resulta em maiores dificuldades para conseguir recursos, uma
vez que até mesmo aqueles que proveem do INCRA são por ela repassados.
Observou-se também que as famílias assentadas possuem grande ligação com o
movimento social durante o processo de luta pela terra. Entretanto, após estarem assentadas, esta
ligação tende a diminuir, comprovando assim que a atuação dos movimentos sociais é maior para
garantir o acesso à terra do que para garantir a sua permanência, pela própria natureza da luta e
pela necessidade de continuar as ações com a grande massa de excluídos. Em muitos casos, os
assentados se sentem, com este afastamento, como órfãos que agora precisam continuar a
caminhada.
A religiosidade é bastante presente nas famílias assentadas, que, em sua maioria, declaram
possuir uma religião, ainda que a sua prática através da ida aos cultos, às missas nos templos e às
igrejas seja ocasional.
Estas são, em linhas gerais, as condições objetivas que compõem a qualidade de vida das
famílias assentadas em Sergipe. Para maior compreensão, a prioridade e o nível de satisfação são
elementos fundamentais para a análise global da qualidade de vida. Neste sentido, identificou-se
que as famílias assentadas priorizam os seguintes domínios, por ordem de importância, para
determinar a sua qualidade de vida: saúde, família, trabalho e educação. Entende-se que a
priorização destes domínios está associada à garantia prioritária da sobrevivência das famílias nos
assentamentos, uma vez que a saúde garante a capacidade física para o trabalho e a família garante
a mão-de-obra para o trabalho de base familiar e o suporte necessário aos seus direcionamentos e
à sua manutenção. Entretanto, pode-se inferir que a priorização da educação não está relacionada
à sobrevivência nos assentamentos, mas à possibilidade de que os filhos dos assentados possam
ter uma “vida melhor”, que na concepção dos pais só poderá ser conquistada a partir da educação,
pois esta conduz à melhor qualificação e a melhores oportunidades de trabalho fora dos lotes.
Neste sentido, as famílias associam qualidade de vida aos domínios relacionados à garantia da
sobrevivência e permanência nos assentamentos, mas almejam, através dos filhos e do sonho de
vê-los “doutores”, que tenham uma melhor qualidade de vida, provavelmente nas cidades.
Com relação à satisfação das famílias com a qualidade de vida atual, pode-se afirmar que,
de modo geral, elas estão satisfeitas e relatam que os domínios que contribuem de forma efetiva
para esta qualidade de vida total são a família, a moradia, o trabalho e a saúde. Entretanto, elas
estão insatisfeitas com os domínios situação financeira, serviços comunitários, lazer e segurança.
326

De forma articulada, percebe-se que há interrelação e coerência entre as concepções de


qualidade de vida apresentadas pelas famílias, a caracterização desta realidade objetiva, a
priorização e o nível de satisfação com a qualidade de vida. Pode-se afirmar que as famílias
assentadas em Sergipe estão satisfeitas com a qualidade de vida nos assentamentos. Assim,
verifica-se que há limitações a serem superadas de forma a incrementar e ampliar este nível de
satisfação, sendo o ideal da qualidade de vida que as famílias tenham maior satisfação com todos
os domínios.
É inquestionável que a reforma agrária proporcionou melhoria da qualidade de vida às
famílias assentadas, se comparada à situação de miséria e exclusão em que viviam antes dos
assentamentos. É também a reforma agrária que pode incrementar, a partir de suas ações, a
qualidade de vida atual dessas famílias. Entretanto, mesmo que a reforma agrária apresente a sua
contribuição para a melhoria da qualidade de vida das famílias, ainda há limitações a serem
superadas. Ademais, considerando que reforma agrária envolve outros aspectos relevantes a
serem superados (a exemplo da desconcentração fundiária e da promoção da autonomia, pode-se
afirmar que, no Brasil e em Sergipe, ela é feita de “migalhas”, uma vez que o modelo de
distribuição de terras ou a política de assentamentos estão longe de serem considerados como
reforma agrária.

8.4. A Reforma Agrária em Sergipe: Promoção da Autonomia ou Reafirmação da


Dependência?

Se a reforma agrária, no seu sentido mais amplo e completo, deve ser considerada a partir
da distribuição da terra com a desconcentração da estrutura fundiária e do atendimento da
demanda por terra existente, possibilitando a melhoria da qualidade de vida dessas famílias e a sua
emancipação, os resultados desta pesquisa confirmam que essa ainda está distante de ser a
realidade em Sergipe.
Em Sergipe, em quase três décadas de implantação de assentamentos de reforma agrária,
os resultados alcançados são ainda inferiores à demanda por terra existente e a estrutura fundiária
permanece concentrada. Não há, pelas características geográficas do Estado, pequeno em sua
extensão, grandes áreas de terras a serem desapropriadas, portanto os assentamentos implantados
conferem às famílias o acesso a pequenos lotes, ocorrendo o processo de minifundiarização. É
este mesmo processo que inviabiliza a reprodução simples e ampliada das famílias assentadas,
327

uma vez que elas não conseguem produzir o suficiente para a comercialização do excedente em
seus lotes e nem garantir, através da reforma agrária a sucessão hereditária na agricultura
camponesa, uma vez que as áreas dos assentamentos não são mais compatíveis com a estratégia
de construir um “puxadinho” no quintal da casa na agrovila do PA para o filho que casou e
constituiu nova família, e muito menos que pais e filhos trabalhem juntos no mesmo lote, uma
vez que a renda agrícola não será capaz de garantir a sobrevivência das duas famílias. Mesmo
assim essa realidade é verificada em Sergipe, o que demonstra a insistência de esses trabalhadores
permanecerem na terra.
Os assentamentos implantados encontram-se fragilizados e comprometidos em sua
capacidade de produção, seja pela carência de assistência técnica e recursos financeiros, seja pela
desorganização de suas associações e das redes sociais firmadas. O acesso à infraestrutura ainda é
precário, apesar de ser superior à realidade anterior aos assentamentos, demonstrando assim a
desarticulação das políticas públicas (federais, estaduais e municipais) e da atuação de diferentes
instituições públicas de uma mesma esfera, por exemplo, MDS, MDA e mesmo entre órgão de
um mesmo ministério, para a viabilidade dos assentamentos. Por mais que os diversos estudos e
pesquisas tenham comprovado o dinamismo da economia local, a partir da implantação dos
assentamentos, parece que na prática, ainda que “com terra”, esses trabalhadores permanecem
estereotipados como os “pobres do campo”.
Acredita-se que os assentamentos podem ser promissores (e já o são em Sergipe, com
base nos dados da pesquisa). Entretanto, não podem ser omitidas as suas limitações relacionadas
ao modelo de reforma agrária implementado, que se preocupa com o número de assentamentos e
de famílias assentadas, mas não necessariamente com a qualidade, a viabilidade e a autonomia que
ela deve proporcionar a essas famílias. É a política de assentamentos, e não de reforma agrária,
que tem sido realizada em Sergipe. É um modelo que assenta famílias, mas não proporciona a sua
autonomia, mas sim o contrário, reforça a sua dependência. A dependência não apenas do crédito
e da assistência técnica, mas do poderio do aparelho do Estado e do movimento social que, a
partir das figuras de poder, estabelece relações de troca de favores na reforma agrária. É esta
mesma disputa pelo poder que faz com que os assentados sejam considerados um grande cabedal
de votos.
Entre os aspectos inviáveis dessa política de reforma agrária, destacam-se as áreas dos
lotes, que ainda são insuficientes para a emancipação dessas famílias; as limitações relacionadas à
infraestrutura dos assentamentos; a desarticulação das políticas públicas para o desenvolvimento
local que considere os assentamentos com a sua devida importância; a morosidade da reforma
328

agrária e o seu direcionamento para a obtenção de terra, a partir da compra e não da


desapropriação, sendo, em alguns casos, a solução de fazendeiros endividados, cujas relações de
poder lhes garantem uma “vaga” nos recursos da reforma agrária, além da especulação dos
preços de terra na região; e a ausência de investimento nas associações, no estabelecimento e, ou,
no fortalecimento das redes sociais e dos processos de educação formal e informal, que possam
promover a autonomia dos assentados, bem como os resultados ainda limitados da reforma
agrária, que não correspondem à demanda existente.
Questiona-se, portanto, quais seriam as alternativas para a reforma agrária atingir os seus
objetivos. A partir da análise apresentada, acredita-se que o investimento no fortalecimento das
associações e das redes sociais possam ser elementos importantes para que os assentamentos
possam construir sua autonomia, produzir e comercializar os seus produtos e se estabelecerem
como agricultores que são. São também as redes sociais que podem proporcionar a essas famílias
assentadas o fortalecimento coletivo, que contrapõem ao sofrimento solitário e à maior
vulnerabilidade nas relações de poder. Para atender à demanda atual por terra, é preciso que os
movimentos sociais do campo continuem a sua luta, pressionando inclusive pelas áreas de
fronteira (o Estado da Bahia), no intuito de ampliar a territorialização da reforma agrária e
garantir o acesso à terra.
As ações desses movimentos sociais devem ser no sentido de maior atenção aos
assentamentos, ainda que os acampamentos demandem maior investimento pela própria garantia
do acesso à terra. Para tanto, é necessário investir em militantes que possam representar os ideais
do movimento e, acima de tudo, garantir que eles não percam a sua identidade de “assentado” e
nem se apresentem aos companheiros como sendo “os diferentes” dos demais, portadores de
privilégios e poderes. Se o militante se apresenta desta forma, é natural que o distanciamento dos
assentados com relação ao movimento ocorra, o que resulta em maiores dificuldades para eles.
Por outro lado, o próprio INCRA precisa investir na qualidade dos assentamentos e discutir
melhor a questão da capacidade dos assentamentos, como forma de garantir resultados positivos
da reforma agrária, já que, pelo acesso à terra, esta possibilidade ainda está distante da realidade.
Por fim, pode-se afirmar que a política de reforma agrária em Sergipe tem possibilidades
de ser realizada com sucesso e com melhoria da qualidade de vida para as famílias assentadas.
Entretanto, cabe ressaltar que este, aparentemente, não é o objetivo real, pois caso aconteçam
investimentos na reforma agrária, que exige mudanças de caráter estrutural, a autonomia dessas
famílias assentadas pode se tornar uma realidade e de alguma forma coibir a manifestação do
329

poder político, rompendo as relações de dependência, tornando-se senhores não apenas de suas
terras, mas dos seus próprios destinos.
Em se tratando de um Estado permeado pela disputa de poder, dos objetivos partidários
acima dos ideais, que chega a encher os olhos até mesmo de militantes, que obcecados pelo poder
transitório esquecem até de sua própria origem. Nesta intrincada disputa pelo poder, os
assentados são apenas mais alguns daqueles cidadãos que, fragilizados em suas organizações,
permanecem à mercê do Estado e de seus aparelhos controlados pela classe hegemônica, que se
torna “dona dos votos”, ganhando legitimidade para se perpetuarem no poder.
Questiona-se então: A quem de fato interessam o investimento e a realização da reforma
agrária nos moldes em que está sendo implementada? Desta forma, fica evidente que a reforma
agrária em Sergipe é um problema político, e justamente por isso é que caminha se dá a passos
lentos. Caso fosse uma política pública, cujos processos de avaliação e monitoramento contínuo
proporcionassem os redirecionamentos necessários à sua eficiência e eficácia, certamente a
reforma agrária não seria mais um dos graves problemas brasileiros.
330

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357

ANEXOS
358

ANEXO 1

QUESTIONÁRIO PARA OS MORADORES DOS ASSENTAMENTOS DO


ESTADO DE SERGIPE

Projeto de Pesquisa: “A reorganização do espaço agrário, assentamentos de reforma


agrária e qualidade de vida em Sergipe” – UFS/NPGEO

Data: ____/_____/______
Entrevistador: _______________________________________________________ No Questionário: ________

IDENTIFICAÇÃO

1. Nome completo: Como é conhecido (a):

2. Assentamento:

3. Endereço (Localidade/Município):

I – RESGATE HISTÓRICO

1. Onde você n asceu?

2. Há quanto tempo mora nesta comunidade?

3. Já morou em outras localidades? ( ) Sim ( ) Não

4. Quais?

5. Por que saiu da(s) comunidade(s) que você residiu?

6. Por que escolheu esta comunidade para viver?

II – COMPOSIÇÃO E PERFIL FAMILIAR


Quantas pessoas residem em sua casa?_______. Informe sobre estas pessoas:

Estado Local Loc. da


Nome Parent. Sexo Idade Ocupação Série Escolaridade
Civil Trabalho Escola
359

III – ASPECTOS DA QUALIDAE DE VIDA

3.1. Características da habitação

1. De que material 2. De que material é 3. Tipo de iluminação 4 . Número de 5. Quais e quantos 6. Como costuma
foram construídas as feito o telhado da usada? cômodos que tem sua são? No dormir a família?
paredes? casa? casa? ____________
( ) Papelão, zinco, ( ) Palha, zinco, ( ) Nenhuma ( ) Somente 1 ( ) todo mundo no
palha material aproveitado. ( ) Sala _______ mesmo quarto
( ) Pau -a-pique ( ) Telha de barro ( ) Velas ( ) Somente 2 ( ) Quarto ( ) crianças maiores
________ de 3 anos em quartos
( ) Cozinha_______ separados dos pais.
( ) Madeira ( ) Laje ( ) Lamparinas/ ( ) Somente 3 ou 4 ( ) Banheiro______ ( ) crianças em
lampião ( ) Área de serviço quartos separados por
______ sexo
( ) Alvenaria ( ) Laje com telhado ( ) Elétrica ou solar ( ) com 5 ou mais ( ) Copa _______
de madeira, com ( ) Varanda ______
telha de barro ou ( ) Outros _______
amianto

3.2. Condições do Ambiente Físico e Saneamento Básico

1. Como é a saída de 2.O que é feito com o 3.O recolhimento do 4.Possui instalação 5.Como a água 6. Como guarda a
esgoto da sua casa? lixo? lixo é feito com qual sanitária? chega à sua casa? água em sua casa?
frequência?
( ) Exposto ( ) Exposto ( ) Nenhuma ( ) Sim ( ) Carregada ( ) Latas, baldes
( ) Córrego/rio ( ) Enterrado ( ) Mensal ( ) Não ( ) Poço/cisterna ( ) Poço/cisterna
– carregada sem cobertura
adequada
( ) Fossa séptica ( ) Queimado ( ) Semanal ( ) Poço com ( ) Poço/cisterna
encanamento com cobertura
externo
( ) Fossa asséptica

( ) Rede geral ( ) Colocado em latas ( ) Diariamente ( ) Rede geral ( ) Caixa-d’água/


de lixo encanada em tanques

3.3. Aspectos de Saúde

1. Algum membro da sua família ficou doente nos últimos 12 meses? ( )Sim ( ) Não

Integrante Procurou Atendimento? Qual o Tipo de Atendimento Tomou Medicação ? Farmácia ou Medicinal Popular?

2. Em sua família você ou alguém possui uma das 4. Você ou alguém da sua família já esteve hospitalizado?
seguintes doenças crônicas ou graves? ( ) Sim______ ( ) Não_____ Quem______________
( ) Diabetes ( ) Hipertensão (pressão alta)
( ) Problemas cardíacos ( ) Insuficiência renal 5. Onde foi internado e a qualidade do atendimento?
3. Alguém de sua família é portador de
necessidades especiais: 6. Quais profissionais fazem parte da Unidade Básica de
( ) Física ( ) Mental Saúde?
360

7. Quando você precisa de atendimento de saúde, 10. Está satisfeito com os serviços oferecidos pela UBS?
como consegue? ( ) Sim ( ) Não
( ) Ficha ( ) Agendamento ( ) Outros. Qual?
11. Por quê?
8. Quando você precisa fazer exames ou
atendimento especializado, em qual cidade recebe 9. Que transporte utiliza para recebê-lo?
este atendimento?

3.4. Trabalho e Renda

1. Sobre o trabalho e renda família, informe:


Renda Proveniente do Trabalho
Carteira Contrib. Orçam. Renda Total
Integr. Trab. Princ. Renda Obtida Trab. Sec. Renda Obtida
Assinada Familiar? Indiv.

Renda Total Proveniente do Trabalho (SUB 1)


Renda Proveniente de Outras Fontes
Renda Total
Integr. Pensão Aposentad. Bolsas Outros Contrib. Orçamento Familiar?
Indiv.

Renda Familiar Total Proveniente de Outras Fontes (SUB 2)


Renda Média Familiar

2. Em caso de emergência a família tem dinheiro para sanar as necessidades mais urgentes ou algum bem que possa
se desfazer?
( )Sim _____ ( ) Não

3. Qual é o valor do dinheiro ou bem?

4. Possui algum tipo de empréstimo, financiamento ou prestação a ser pago em bancos ou similar?
( ) Sim ( ) Não

5. Qual é o credor e o valor mensal ou anual a ser pago?

6. Qual é a área do seu lote? (em hectares)

7. Sobre o uso da terra, informe:

Hectares utilizados em cultivos Hectares utilizados em cultivos Hectares utilizados na atividade pecuária e
temporários. Quais? permanentes. Quais? quantidade. Quais?
ha e
Tipo ha Tipo ha Tipo
quantidade
361

8. Qual a melhor época para a atividade produtiva? 19. Quais a atividades desenvolvidas por cada um deles?
( ) Verão ( ) Inverno ( ) Outro __________
20. Você usa a troca de dias de trabalho com os vizinhos
9. Quais os meses? ou familiares? ( ) Sim ( ) Não
Em quais atividades?
10. Que tipo de alimentação é utilizado para sua
criação de animais? 21. Quantas pessoas trabalham com você?
( ) Ração de armazém ( ) Pastagem alugada ( ) 1 pessoa ( ) de 2 a 3 ( ) ou mais de 3
( ) Pastagem própria ( ) Palma
( ) Outro _________________________ 22. Você recebe algum tipo de financiamento para a
produção? ( ) Sim ( ) Não
11. Sua produção é vendida em grupo ou individual? Qual? ____________________ Valor? ___________

12. Onde vende a produção? 23. Você recebe algum tipo de assistência técnica para a
sua produção? ( ) Sim ( ) Não
16. Condição do trabalho do entrevistado: Qual?
( ) Proprietário da terra ( ) Parceiro
( ) Assalariado com carteira ( ) Arrendatário 24. Você acha que seu modo de produzir afeta em que o
( ) Diarista ( ) Meeiro meio ambiente?
( ).Outros
25. Relacionar as principais necessidades técnicas,
17. Quantas horas você trabalha durante o dia? econômicas e social do produtor.

18. Com quem trabalha?


( ) Só ( ) Parceiro ( ) Outros
( ) Familiares. Quantos?_____________

3.5. Aspectos da Integração Social e Cidadania

1. Sobre a documentação pessoal, você:

CPF Carteira de Identidade Título de Eleitor Carteira de Trabalho


Possui
Não possui

2. Você pertence a algum partido político? 8. Você considera a Associação (existente) forte?
( ) Sim ( ) Não Qual? _________ ( ) Sim ( ) Não

3. Você participa de Associação Comunitária? 9. Por quê?


( ) Sim. Qual?__________________ ( ) Não
10. Na sua opinião, falta mais alguma coisa para
4. Como participa? fortalecer ainda mais esta Associação? O quê?

5. Se você não participa, o que deve acontecer na 11. Você participa do Movimento Sem-Terra - MST? ( )
Associação para que você possa participar? Sim ( ) Não. Como você avalia sua participação?

6. Na sua concepção, qual a importância da 12. Você é filiado ao Sindicato Rural?


Associação (existente) para uma comunidade? ( ) Sim ( ) Não

7. Quais os benefícios que uma associação (em 13. Se é filiado, você participa de atividades ligadas a ele?
geral) pode trazer para a sua comunidade? ( ) Sim ( ) Não
Quais?
362

3.6. Vida Familiar, Social e Aspectos Culturais da Identidade

1. Como sua família conseguiu o lote nesse 19. Marque as áreas de problemas e discórdias da
assentamento? família:
( ) práticas e crenças religiosas
2. Você gosta de morar na comunidade? ( ) tarefas domésticas e divisão do trabalho
( ) Sim ( ) Não Por quê? ( ) dinheiro e finanças
( ) drogas, álcool e jogo
3. Você pensa em sair da comunidade? ( ) doenças
( ) Sim ( ) Não Por quê? ( ) amigos e vizinhos
( ) relação com o MST
4. Tem parentes que moram na comunidade? ( ) outros (especificar) _______________________
( ) Sim ( ) Não
20. Quais as atividades culturais promovidas por sua
5. Quais? comunidade?
( ) Pais ( ) Filhos ( ) Irmãos ( ) Avós
( ) Outros _______________________________ Festas:

Obs:. Esta questão pode ter mais de um item selecionado. Música:

6. Você acha importante ter parentes na comunidade? Folclore:


( ) Sim ( ) Não
Religião:
Por quê? __________________________________
Culinária:
7. Conhece a origem do nome da comunidade? Se
conhece, explique: Outros:

8. Cite o(s) acontecimento(s) mais marcante(s) que 21. Você participa destas Atividades culturais?
ocorreram nesta comunidade. ( ) Sim ( ) Não

10. Você acha que sua família é unida? De que maneira?


( ) Sim ( ) Não Por quê?
22. Os jovens participam? ( ) Sim ( ) Não
11. Você acha que os membros da família se
respeitam? ( ) Sim ( ) Não Por quê? 23. Moradores de comunidades vizinhas participam?
( ) Sim ( ) Não
12. Conversam entre si com frequência?
( ) Sim ( ) Não 24. De quais comunidades eles vêm?

13. As responsabilidades da família são divididas entre 25. Você participa das festas e atividades culturais
os membros? ( ) Sim ( ) Não promovidas por outras comunidades?
( ) Sim ( ) Não Quais?
14. Como se dá essa divisão?
26. Quais as atividades de lazer da sua comunidade?
15. As decisões familiares são tomadas por meio de
diálogo? ( ) Sim ( ) Não 27. Você ou alguém da família costuma utilizar
plantas medicinais (chás, xarope, lambedor...)?
16. Caso contrário, como acontece? ( ) Sim ( ) Não

17. O trabalho doméstico é compartilhado? 28. Você tem o hábito de partilhar ou trocar
( ) Sim ( ) Não alimentos com os vizinhos e parentes?
( ) Sim ( ) Não
18. Como é compartilhado?
363

3.7. Aspectos da Segurança

1. Você se sente seguro?


( ) Sim ( ) Não Porque?

2. Você tem medo de sair de casa à noite? ( ) Sim ( ) Não

3. Você ou alguém da família já foi vítima de violência? ( ) Sim ( ) Não

4. Ocorreu na comunidade algum acontecimento que trouxe insegurança? ( ) Sim ( ) Não

Qual ? _____________________________ Quando ? _________________________________

5. Quando ocorreu algum ato de violência, qual atitude é tomada e como foi o atendimento?

3.8. Serviços e Equipamentos Comunitários (Existência e Qualidade)


Nós vamos abordar diferentes aspectos de sua comunidade. Diga-me como você o avalia no que concerne a:
Sim Não Muito Insatisfatório Insatisfatório Satisfatório Muito satisfatório
Transportes coletivos
Equipamentos de lazer
Limpeza pública
Serviços de comunicação
(Correios/telefone)
Escolas
Comércio
Serviços de saúde (posto)
Distribuidora de gás
Iluminação pública
Creche
Praça de esporte (campo)
Telefone público
Associação de Moradores
Outros:

3.9. Religião

1. Você tem religião? ( ) Sim ( ) Não


Qual?

2. Em relação à religião você tem:


( ) Uma prática religiosa regular
( ) Uma prática ocasional ou sentimento de pertencer
( ) Nem prática nem pertencimento

3.9. Lazer

1. Qual o seu lazer preferido?


Individual __________________________________________________________________________________
Coletivo __________________________________________________________________________________

2. Quantas horas dedica ao lazer, por semana?

3. Gostaria de ter outro tipo de lazer? ( ) Sim ( ) Não Qual ? ______________________


364

3.10. Importância e Satisfação com os Componentes da Vida

1. Para você, qual a ordem de prioridade (importância) e o nível de satisfação com os aspectos citados para você?

Ordem de Prioridade, Importância Nível de Satisfação


(os componentes da vida, de 1 a 11) (de 1 a 4)*
Família
Integração social
Ter saúde
Situação financeira
Serviço comunitário
Segurança
Lazer
Religião
Moradia
Trabalho
Educação
* 1 – muito insatisfeito; 2 – insatisfeito; 3 – satisfeito; e 4 – muito satisfeito .

2. Na sua forma de pensar, o que significa qualidade de vida (“Ter uma vida boa”)?
365

ANEXO 2

QUESTIONÁRIO PARA AS FAMÍLIAS ACAMPADAS EM SERGIPE

Projeto de Pesquisa: “A reorganização do espaço agrário, assentamentos de reforma agrária e


qualidade de vida em Sergipe” – UFS/NPGEO

Data: ____/_____/______ Entrevistador: _______________________________________________________

Acampamento/Localidade/Município: ____________________________________ No Questionário: _________

I - IDENTIFICAÇÃO
1. Nome completo: __________________________________________________________________________
2. Idade: ______________

3. Sexo: ( ) Masculino ( ) Feminino

4. Estado civil:
( ) Casado, a ( ) Desquitado ou divorciado, a
( ) Solteiro, a ( ) Viúvo, a
( ) Separado, a ( ) Amasiado, a

5. Última série cursada:________________________

6. Situação anterior (antes de estar acampado)


( ) Parceiro
( ) Posseiro
( ) Arrendatário
( ) Trabalhador rural temporário
( ) Trabalhador rural assalariado
( ) Empregado em atividades da indústria, do comércios ou serviços
( ) Outros _____________________________________________

7. Situação atual:
( ) Parceiro
( ) Posseiro
( ) Arrendatário
( ) Agricultores proprietários de imóveis com área inferior a mínima definida pelo módulo rural
( ) Trabalhadores rurais Sem-Terra, inclusive os desempregados
( ) Trabalhador rural Sem-Terra já aposentado
( ) Outros _____________________________________________

8. Você tem experiência com o cultivo da terra? ( ) Sim ( ) Não

9. Seus pais eram agricultores? ( ) Sim ( ) Não


366

II – RESGATE HISTÓRICO, ORIGEM E PROCESSOS MIGRATÓRIOS

7. Qual o município e estado em que você nasceu?

8. Em que município morava antes?


9. Há quanto tempo está acampado neste local?

10. Já ficou acampado em outras localidades? ( ) Sim ( ) Não

11. Quais?___________________________________________________________________

12. Por que saiu dos outros locais em que esteve acampado?

13. Por que escolheu permanecer neste acampamento?

14. Você fica acampado direto ou em sistema de rodízio? ___________________

15. Quantos dias você fica fora do acampamento?_________________________

III – COMPOSIÇÃO E PERFIL FAMILIAR

1. Quantas pessoas moram na sua casa, incluindo você?_______

2. Quantas pessoas ficam acampadas com você?_______

3. Quantos filhos a sua família possui? ___________

4. Qual a idade do mais novo?______________

5. E a idade do mais velho?________________

6. Tem crianças acampadas com você? ( ) Sim ( ) Não. Quantas?_______________

7. Tem idosos acampados com você? ( ) Sim ( ) Não. Quantos?_______________

IV – RENDA FAMILIAR
1. Quais as fontes de renda da família?
( ) Salário/Trabalho fixo de algum membro
( ) Aposentadoria (idade, invalidez ou contribuição)
( ) Pensão (alimentícia, viúvo (a)
( ) Bolsa Família
( ) Ajuda de parentes, doações
( ) Trabalhos informais por diárias ou material vendido
( ) Outros. Especificar: _______________________________________________________

2. Quais os trabalhos informais por diárias que sua família realiza?


( ) Trabalhador rural para todas as atividades no campo
( ) Pedreiro, pintor, eletricista, encanador
( ) Faxineira, lavadeira e serviços gerais
( ) Produção e venda de artesanato (pintura, bordado, decoração, etc)
( ) Outros. Especificar: ________________________________________________________
367

3. Em dinheiro (S.M. = Salário Mínimo), quanto o conjunto da família ganha em média por mês?

( ) Menos de 1 SM
( ) De 1 a 2 SM
( ) De 2 a 3 SM
( ) Mais de 3 SM

4. Fazendo um cálculo por alto, de quanto precisaria para a sua família viver dignamente hoje? ____________ S.M.

5. E para obter este valor a partir da produção da terra, quantas tarefas (ou hectares) você acha que precisaria?
__________________________________

V – QUALIDADE DE VIDA E REFORMA AGRÁRIA

6. Você deseja que seus filhos sejam também agricultores? ( ) Sim ( ) Não. Por quê?
7. Na sua forma de pensar, o que significa qualidade de vida (ou “ter uma vida boa”)?
8. O que você espera que mude na qualidade de vida de sua família a partir da reforma agrária?
9. Você acredita que, quando tiver conquistado a terra, vai ser possível sobreviver somente dela?
368

ANEXO 3

SUBSTITUIR ESTA PÁGINA PELA IMPRESSÃO DO ARQUIVO, EM PAPEL A3,


DOBRADO EM FORMATO PADRÃO:
(Mapa_Reforma Agrária_Anexo III_A3.pdf)

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