Este documento discute a Psicologia Sócio-Histórica, abordando seus princípios fundamentados no materialismo histórico-dialético de Marx e na psicologia histórico-cultural de Vigotski. Apresenta como a Psicologia Sócio-Histórica entende que os fenômenos psicológicos são historicamente construídos e determinados pelas condições sociais, econômicas e culturais. Também discute como essa abordagem compreende a produção do conhecimento científico e realiza intervenções com f
Este documento discute a Psicologia Sócio-Histórica, abordando seus princípios fundamentados no materialismo histórico-dialético de Marx e na psicologia histórico-cultural de Vigotski. Apresenta como a Psicologia Sócio-Histórica entende que os fenômenos psicológicos são historicamente construídos e determinados pelas condições sociais, econômicas e culturais. Também discute como essa abordagem compreende a produção do conhecimento científico e realiza intervenções com f
Título original
Teorias e Sistemas Em Psicologia 2023 Sócio-Histórica
Este documento discute a Psicologia Sócio-Histórica, abordando seus princípios fundamentados no materialismo histórico-dialético de Marx e na psicologia histórico-cultural de Vigotski. Apresenta como a Psicologia Sócio-Histórica entende que os fenômenos psicológicos são historicamente construídos e determinados pelas condições sociais, econômicas e culturais. Também discute como essa abordagem compreende a produção do conhecimento científico e realiza intervenções com f
Este documento discute a Psicologia Sócio-Histórica, abordando seus princípios fundamentados no materialismo histórico-dialético de Marx e na psicologia histórico-cultural de Vigotski. Apresenta como a Psicologia Sócio-Histórica entende que os fenômenos psicológicos são historicamente construídos e determinados pelas condições sociais, econômicas e culturais. Também discute como essa abordagem compreende a produção do conhecimento científico e realiza intervenções com f
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Teorias e Sistemas
em Psicologia Psicologia Sócio-Histórica
Profa. Luciana França
Aula de hoje • VII. A Psicologia Sócio-Histórica. VII. 1 A Contribuição Marxista: O Materialismo Histórico e Dialético. VII. 2 Os Primórdios da Psicologia Sócio-Histórica. VIII. 3 A Concretização da Psicologia Sócio-Histórica.
Leitura Obrigatória: ROSA, E. Z.; ANDRIANI, A. G. P.
Psicologia sócio-histórica: uma tentativa de sistematização epistemológica e metodológica. In: KAHHALE, E. M. P. (org.) A Diversidade da Psicologia: Uma Construção Teórica. 4ª ed. São Paulo: Cortez, 2011. (Capítulo 10). A Contribuição Marxista: O Materialismo Histórico e Dialético • A teoria marxista entende que a humanidade define-se por sua produção material, por isso a palavra “materialismo” em seu nome. O marxismo também entende que a história da humanidade é a história da luta de classes, colocando, assim, as classes sociais como opostas. • Para os materialistas, a única realidade é a matéria em movimento, que, por sua riqueza e complexidade, pode compor tanto a pedra quanto produzir efeitos surpreendentes como a luz, o som, a emoção e a consciência. O materialismo contrapõe-se ao idealismo, cujo elemento primordial é a ideia, o pensamento ou o espírito”. • No materialismo histórico e dialético, sujeito e objeto estão em relação dialética, portanto não há neutralidade no conhecimento, há sempre uma intenção do sujeito sobre o objeto. Essa intenção é histórica e deve ser considerada. • Em outras palavras, o materialismo histórico e dialético permite trabalhar com a historicidade dos fenômenos e, por isso, contrapõe-se à sua naturalização. • “Indivíduo e Sociedade são inseparáveis, segundo a dialética, pois o particular contem em si o universal, deste modo, se desejamos conhecer cientificamente o ser humano, é necessário considerá-lo dentro do contexto histórico, inserido em um processo constante de subjetivação/objetivação. • A “matéria” (o concreto) está em uma relação dialética com o psicológico e o social. • Lane afirma que os avanços da Psicologia Social na América Latina estão diretamente relacionados à epoca da crise teórica e metodológica da Psicologia Social, a qual assumiu aí um caráter político, dado o contexto das ditaduras militares e da repressão, bem como das injustiças e opressões vividas nas décadas de 1960 e 70. Questionava- se então, como a Psicologia Social poderia trazer subsídios para transformações sociais, pensando não só em reformulações de caráter teórico, mas também em transformações de cunho metodológico e de atuação” (p. 270). • A Psicologia Sócio-Histórica toma como base a Psicologia Histórico-Cultural de Vigotski (1896-1934). • Segundo Vygotsky, os objetos de estudo eleitos pelas abordagens em psicologia – o inconsciente (psicanálise); o comportamento (behaviorismo) e o psiquismo e suas propriedades (gestalt) – não davam conta de explicitar claramente a gênese das funções psicológicas tipicamente humanas. • Ele propôs, então, uma nova psicologia que, baseada no método e nos princípios do materialismo dialético, compreendesse o aspecto cognitivo a partir da descrição e explicação das funções psicológicas superiores, as quais, na sua visão, eram determinadas histórica e culturalmente. • Ou seja, propõe uma teoria marxista do funcionamento intelectual humano que inclui tanto a identificação dos mecanismos cerebrais subjacentes à formação e desenvolvimento das funções psicológicas, como a especificação do contexto social em que ocorreu tal desenvolvimento. • Vigotski concebe o homem como ativo, social e histórico; a sociedade, como produção histórica dos homens que, através do trabalho, produzem sua vida material; as ideias, como representações da realidade material; a realidade material, como fundada em contradições que se expressam nas ideias, e a história, como o movimento contraditório constante do fazer humano, no qual, a partir da base material, deve ser compreendida toda produção de ideias, incluindo a ciência e a psicologia. Princípios da teoria de Vigotsky • A compreensão das funções superiores do homem não podem ser vistas apenas como resultado da maturação de um organismo nem alcançadas pela psicologia animal, pois os animais não têm vida social e cultural. • A consciência e o comportamento são aspectos integrados de uma unidade, não podendo ser isolados pela Psicologia. • “A mudança individual tem sua raiz nas condições sociais de vida. Assim, não é a consciência do homem que determina as formas de vida, mas é a vida que se tem que determina a consciência” (BOCK ET AL, 2005, p. 87). Para a Psicologia Sócio-Histórica, o fenômeno psicológico: ✓Não pertence à natureza humana – o indivíduo é construído ao longo de sua vida a partir de sua intervenção no mundo e da relação com os outros seres humanos. ✓Não é preexistente ao homem – através da mediação das relações sociais e das atividades que desenvolve, o ser humano se individualiza. A linguagem é instrumento fundamental nesse processo. ✓Reflete a condição social, econômica e cultural em que vivem os seres humanos. ✓Para a Psicologia Sócio-Histórica, falar do fenômeno psicológico é obrigatoriamente falar da sociedade. Falar da subjetividade humana é falar da objetividade em que vivem os homens. A compreensão do “mundo interno” exige a compreensão do “mundo externo”, pois são dois aspectos de um mesmo movimento, de um processo no qual o homem atua e constrói/modifica o mundo e este, por sua vez, propicia os elementos para a constituição psicológica do homem. [...] É na relação com o mundo material e social que se desenvolvem as possibilidades humanas. • “A Psicologia tem sua história ‘colada’ aos interesses dos grupos dominantes. Estivemos sempre produzindo conhecimentos e traduzindo-os em uma Psicologia aplicada, de forma a permitir o aumento do controle sobre os grupos sociais, a ampliação da capacidade produtiva dos trabalhadores, a distribuição de crianças de forma homogênea ou heterogênea nas classes, para garantir aprendizado e disciplina, a seleção do homem certo para o lugar certo, a higienização moral da sociedade, o controle do comportamento, a classificação e a diferenciação” (BOCK, p.26). PROCESSOS DE PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO • “O conhecimento produzido acerca do homem nunca será apresentado como uma produção finalizada e estática; ele também é produto de um momento histórico e, portanto, também sofre transformações”. 1. Para além de constatar fatos, se constroem ideias. 2. A singularidade é legitimada na construção do conhecimento e a qualidade está na profundidade e não na magnitude numérica (quanti x quali) 3. Os processos de produção de conhecimento nas ciências humanas são processos de relacionamento, em que um constrói o outro. O instrumento deve ser uma ferramenta de interação e não uma ferramenta de se obter resposta. Intervenções em Psicologia Sócio-Histórica • A preocupação da Psicologia Sócio-Histórica se direciona à possibilidade de transformação da atuação e das relações deste ser humano em seu meio. • As propostas de intervenção devem estar preocupadas com a condução de uma reflexão crítica. A atuação do psicólogo está comprometida com a promoção de saúde, partindo do princípio que saúde e doença são processos produzidos nas relações sociais. • A saúde é entendida enquanto possibilidade de o indivíduo lidar com a realidade e com os obstáculos por ela impostos. “O dopping dos pobres” Eliane Brum “Parte da minha família tem origem rural e lá está até hoje. [...] Toda prosa começava com o preço da soja ou do trigo, evoluía para a fúria da geada do inverno daquele ano, quicava por quanto fulano e beltrano estavam plantando e, por fim, chegava ao ponto que me interessava. Eu era um toco de gente, mas sentada num banquinho ao pé dos adultos e do fogão à lenha, não havia nada que me arrancasse dali. Depois desses assuntos chatérrimos [...] finalmente minhas tias começavam a atualizar meus pais sobre as fofocas locais. Invariavelmente havia alguém que tinha descarrilado. Vinha então a voz meio sussurrada, em tom de sentença: "fulana sofre dos nervos". [...] Depois de "atacadas dos nervos", pessoas até então trabalhadeiras, de repente, não achavam mais que acordar às 4h da madrugada para tirar leite de vaca e plantar soja era a vida que tinham pedido a Deus. Mulheres sensatas largavam as panelas e os filhos ao vento e recusavam-se a juntar o marido bêbado na bodega do povoado. Rebelavam-se. Por culpa dos nervos. [...] Cresci, apalpei outras geografias, mas revisito aquele mundo rural sempre que possível. Nas minhas recentes passagens por lá, descobri que os nervos desapareceram. Não há mais nervos em parte alguma. Agora há depressivos e vítimas de pânico. E, em vez de ataques de nervos, as pessoas têm crises de ansiedade. Antes, o contra-ataque se dava por um arsenal de chás e ervas de nomes estranhos. [...] E agora tudo é tratado com comprimidos de cores variadas. [...] Há algum tempo penso nos muitos significados dessa enorme mudança. Significa que as pessoas estão sendo mais bem tratadas e tendo acesso a medicamentos? Talvez. Mas não me parece que seja isso. [...] Antes, quando batia na casa das pessoas mais humildes, os pais de família me apresentavam sua carteira de trabalho. Isso sempre me devastou, porque revelava a violência silenciosa que vitimava os mais pobres. Com o gesto, eles queriam provar que eram trabalhadores, gente de bem - e não vagabundos ou bandidos porque eram pobres [...] Hoje, quase não acontece mais. De uns tempos para cá, o que muita gente tem me mostrado são, adivinhem: "seus" medicamentos. [...] Querem saber se faz bem mesmo. Se posso explicar como devem tomar. Se acho que o guri que só apronta na escola deveria tomar também. Me arrepio. Examino o conteúdo. Procuro as bulas. Boa parte são antidepressivos e tranquilizantes. [...] A medicalização da dor de existir não é nenhuma novidade. Antidepressivos e tranquilizantes estão disseminados em todas as classes sociais. Para boa parte das pessoas tomar uma pílula para conseguir "aguentar a pressão" é tão trivial quanto tomar um cafezinho. Mas penso que, se você é de classe média, tem mais acesso à informação, à terapia, a um tratamento mais competente. Tem mais acesso à escuta da sua dor. É importante fazer a ressalva. Não sou contra antidepressivos e tranquilizantes. Nem tenho autoridade para ser. Acho que medicamentos têm sua hora e seu lugar. Mas não é preciso ser médico para saber que, em geral, seu uso deve ser temporário, monitorado e acompanhado por outros recursos. Como psicoterapia e análise, em muitos casos. Ou seja, devem ser usados com muita parcimônia, critério e acompanhamento. E não como se fossem pílulas de açúcar, que podem ser tomadas por todos a qualquer sinal de dor psíquica. [...] O que tenho visto é um doping social. Combate-se a maconha, o crack, até o cigarro, ótimo. Mas e as drogas médicas que estão pelos barracos e pelos palácios? São menos drogas porque dadas por um doutor? [...] "Basta chorar", afirma uma psiquiatra muito conceituada. "Há poucos psiquiatras na rede pública, em qualquer parte do país. Em geral, as pessoas vão ao médico por algum outro motivo. Então choram. E o médico, seja qual for a sua especialidade, receita um antidepressivo ou um benzodiazepínico (tranquilizantes - ansiolíticos e hipnóticos). Meses depois a pessoa volta. E continua chorando. Aí ganha um mais forte. Ou ganha dois. E ela continua chorando. Mas tudo o que ouve é que é doente e tudo o que lhe dão são remédios. Só que ela continua chorando.". "As pessoas são levadas a acreditar que o remédio pode acabar com a sua dor, uma dor que tem causas muito concretas. Não resolve, claro. Um exemplo. Uma mulher tinha dois empregos, um de dia, outro de noite. O que ganhava não dava para pagar as contas. Os ônibus que pegava para chegar até esses empregos eram lotados. Ela vivia num barraco. Aí procurou o posto de saúde e lhe trataram com antidepressivos. Não adiantou. Deram-lhe outro medicamento. Nada. Um dia, sem nenhuma esperança ou recurso, ela tentou suicídio", conta uma psicóloga. "A questão é que não há promoção de saúde, porque isso implicaria se preocupar com projeto de vida, com perspectiva de vida, com melhoria das condições de vida. O que há é medicalização da vida. Vemos o tempo todo gente que foi viciada em ansiolíticos nos postos de saúde." [...] Se você pega seis ônibus lotados por dia, trabalha 15 horas, é humilhado pelo seu chefe, mora num barraco e não tem dinheiro para pagar as contas, você está deprimido porque não tem mais forças para suportar esse cotidiano ou está doente porque não consegue dormir? Não. Não é preciso ser médico para saber que ninguém pode estar bem em condições de vida como essas. Sua alternativa não é se entupir de tarja-pretas, mas criar um jeito de lutar por uma vida melhor, pressionar o poder público, criar uma associação comunitária para exigir seus direitos, construir um projeto de vida com aquilo que é possível e brigar por aquilo que precisa se tornar possível. Ser ativo e ser parte é ter saúde. Não há nada mais doentio e aniquilador do que o sentimento de impotência. E, quando a questão é esta, tomar remédios como se sua dor não fosse legítima, não tivesse causas reais que precisam ser escutadas e transformadas, é acentuar o abismo da impotência. É o contrário de saúde. Por isso, fico muito preocupada quando entro nas casas e os moradores me mostram suas pílulas”. Referências • BOCK, A.M.B. A Psicologia sócio-histórica: uma perspectiva crítica em Psicologia. In: BOCK, A.M.B. (org.) Psicologia sócio-histórica (cap. 1), p.15-35. • BOCK, A. M. B. ET AL. São Paulo: Psicologias: uma nova introdução. Saraiva, 2005. • BRUM, E. O dopping dos pobres. Texto completo em: http://portal.mpc.rs.gov.br/portal/page/porta l/noticias_internet/textos_diversos_pente_fin o/Artigo_1.pdf PRÓXIMA AULA IX. A Psicologia da Criança. 1. Claparède e Piaget. 2. Diálogos entre a Psicologia e a Pedagogia. 3. A perspectiva genético-funcional na obra de Jean Piaget. Leitura Obrigatória: CAMPOS, R. H. F. O funcionalismo europeu: Claparède e Piaget em Genebra, e as repercussões de suas ideias no Brasil. In: JACÓ-VILELA, A. M.; FERREIRA, A. A. L.; PORTUGAL, F. T. (orgs.) História da Psicologia: Rumos e Percursos. 3ª ed. Rio de Janeiro: Nau Editora, 2013. (Capítulo 15).