Resenha Como Ser Um Educador Antirracista

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R E V I S T A A M A Z Ô N I D A v. 8, n.

1 l 2023 [ e-ISSN: 2527-0141]

RESENHA: COMO SER UM EDUCADOR ANTIRRACISTA

BOOK REVIEW: HOW TO BE AN ANTI-RACIST EDUCATOR

RESEÑA: CÓMO SER UN EDUCADOR ANTIRRACISTA

PINHEIRO, B. C. S. Como ser um educador antirracista. São Paulo: Planeta Brasil, 2023. 160p. ISBN 978-85-
422-2125-1.

Rafael Casaes de Brito1


Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB

Benedito Gonçalves Eugênio2


Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB

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Prefaciado pela intelectual negra brasileira Nilma Lino Gomes, Como ser um
educador antirracista é um livro escrito por Bárbara Carine Soares Pinheiro, uma mulher
negra, nordestina, mãe, favelada, professora do Instituto de Química da Universidade
Federal da Bahia (IQ/UFBA) e idealizadora da primeira Escola Afro-brasileira do Brasil –
Escolinha Maria Felipa. Autointitulada nas redes sociais como “Intelectual Diferentona”,
devido ao seu posicionamento disruptivo frente à produção e manutenção do conhecimento
ocidentalizado, Bárbara faz um convite às famílias e à escola (professores), propondo uma
reflexão urgente acerca do antirracismo nas práticas educativas, justamente no ano em que
a lei 10.639/03 completa seus vinte anos.
Trata-se de uma obra que faz uma visita a aspectos simbólicos e matérias das

1 Doutorando em Ensino com ênfase em ensino de ciências pelo Programa de Pós-Graduação em Ensino (Rede Nordeste de Ensino
- RENOEN) da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (PPGEN/UESB), Mestre em Relações Étnicas e Contemporaneidade
(2022) pelo Programa de Pós Graduação em Relações e Contemporaneidade (PPGREC - UESB/ODEERE) a nível de Mestrado
Acadêmico com área de concentração em Relações Étnicas, Gênero e Sociedade. Licenciado em Ciências Biológicas pela
Universidade Estadual de Feira de Santana (2017). Professor de Ciências e Biologia da educação básica da rede pública e privada.
E-mail: [email protected]. Lattes: http://lattes.cnpq.br/3903909178632749. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1879-9001.
2 Possui graduação em licenciatura em Pedagogia pela Universidade do Estado da Bahia (2002), mestrado em Educação pela

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2004) e doutorado em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (2009).
Atualmente é professor Titular da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, atuando na graduação, no Programa de Pós-
Graduação-Mestrado Acadêmico em Relações Étnicas e Contemporaneidade e Programa de Pós-Graduação em Ensino-mestrado e
doutorado (PPGEN). Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ensino (PPGEN- 2018). E-mail:
[email protected]. Lattes: http://lattes.cnpq.br/1274035318009124. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5781-764X.

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ciências, e de maneira crítica elabora um artefato científico contra as perversidades e


injustiças promovidas pela modernidade. De forma contundente, a “Intelectual Diferentona”
dialoga com mulheres negras e homens negros que sentem na pele cotidianamente o
racismo presente, que sabem mais que qualquer outra pessoa sobre genocídio, pois vivem
como alvo do braço armado do Estado. Bárbara escancara para o mundo que no Brasil o
racismo é um crime perfeito, que a cada dia torna-se mais sofisticado e se aprimora com
base no mito da democracia racial.
No primeiro capítulo “Eu professor branco, posso ser antirracista?” a autora esmiúça
conceitos que nos leva a compreender como se deu a construção do racismo no Brasil,
como por exemplo a ideia de raças humanas elaborada cientificamente pelas ciências
naturais, e acalorada pelas ciências biomédicas, enfatizando que no Brasil o racismo não
se trata de uma construção genética e sim estética. Foi a estética do corpo negro que levou
mulheres negras a serem sexualizadas, expostas como figuras humanas animalizadas e
terem partes dos seus corpos violentados em nome da ciência moderna; a mesma estética
que fez homens negros serem vistos como verdadeiras máquinas de trabalho ou objetos
sexuais. A redução eurocêntrica de pessoas negras a um corpo conseguiu destituir pessoas
negras de pensamento e subjetividades, atrelando exclusivamente ao pressuposto do
corpo-propriedade.
Ainda nesse capítulo, a autora chama as pessoas brancas para uma conversa, e
escurece o privilégio branco a partir do constructo de branquitude. A branquitude não se
limita a uma pessoa de forma individual, mas a uma categoria social privilegiada
historicamente, que ocupa os mais diversos espaços de poder sem esforços, apenas por
serem brancas. Para melhor compreensão do que seja privilégio branco, a autora traz
exemplos cotidianos que evidenciam a forma como o privilégio branco se manifesta, e
simbolicamente nega a possibilidade de pessoas negras estarem socialmente na mesma
posição que elas, por um constructo social chamado “representatividade”. A branquitude
precisa entender criticamente seu lugar de privilégio, para então pensar e agir de forma
antirracista.
O capítulo “Um caso de racismo na escola: como atuar?” aponta que não existem
práticas antirracistas bem efetivadas em uma escola que possui um currículo racista. Aqui,
a autora relata como se deu a construção do currículo da Escola Maria Felipa e como
ocorreu todo o processo de formação dos profissionais da referida escola. Na perspectiva
da autora, não fazia sentido formar os professores na perspectiva do antirracismo e não
formar os profissionais da limpeza, do administrativo e porteiro, por exemplo, seria inútil

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como secar gelo. Uma escola antirracista deve pensar em perspectiva sankofa. Com
relação ao currículo, ainda nesse capítulo fica evidente que as leis 10.639/2003 e
11.645/2008 são frutos de lutas cotidianas de movimentos negros e indígenas, e não
bondade governamental, e, nessa perspectiva, torna-se obrigatória em toda a extensão
curricular da educação básica o ensino da história e cultura africana e afro-brasileira, e da
história e cultura indígena respectivamente; vale ressaltar que na perspectiva do
antirracismo, não se deve trabalhar as questões Étnico-Raciais por obrigatoriedade e sim
por consciência social e reparação histórica.
“Como pensar práticas antirracistas em sala de aula?” é o título do terceiro capítulo
do livro, e possivelmente o mais aguardado pelo leitor. Bárbara Pinheiro elucida logo no
primeiro parágrafo que não apresentará uma receita, passo a passo ou procedimentos
específicos para ações antirracistas. A autora traça um posicionamento que vincula as
práticas antirracistas à cosmopercepção, à ancestralidade e ao entendimento da filosofia
Umbuto, na qual a ideia de comunidade é fundamental. Nesse capítulo a autora evidencia
a forma como o ocidente construiu na vida das pessoas a ideia de individualidade como
algo benéfico, como a velhice se tornou um fardo, e como as infâncias são tão
inferiorizadas. Para práticas antirracistas serem bem efetivadas, essas ideias
ocidentalizadas precisam ser exterminadas. A noção de comunidade deve ser estabelecida,
as pessoas mais velhas entendidas como bibliotecas vivas e as infâncias celebradas.
Neste mesmo capítulo, a “Intelectual Diferentona” apresenta para o leitor o currículo
da Escola Maria Felipa, que foi construído em perspectiva decolonial. A autora enfatiza que
o trabalho realizado na escola não está pautado no antirracismo, pois o antirracismo no
ensino visa combater o racismo posto no currículo eurocentrado. O currículo da Escola
Maria Felipa é um currículo decolonial, pois em vez de trabalhar as datas comemorativas
judaico-cristãs, prioriza as manifestações culturais indígenas e afro-brasileiras, e o trabalho
pedagógico com datas socialmente representativas e importantes, que geralmente não são
trabalhadas no currículo eurocentrado da educação básica brasileira; a festa de Iemanjá, o
dia nacional de combate à intolerância religiosa, o dia internacional de direito das mulheres,
a Fogueira de Xangô, são exemplos de datas presentes no currículo da escola,
promovendo desse modo um giro decolonial curricular.
No capítulo quatro, chamado de “Diversidade não se constrói, se celebra!”, a autora
evidencia a pluralidade cultural existente no Brasil em diferentes espaços, de modo a formar
o que chamamos de diversidade. Conceitualmente não se produz diversidade em um país
como o Brasil, pois ela já existe; o que na verdade faz-se necessário é celebrar essa

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diversidade. Por mais que hoje saibamos o potencial em diversidade existente no Brasil,
historicamente sabemos que a sociedade encontra-se centrada no homem branco como
símbolo representativo do ser humano na sua ideia ontológica. Aqui a autora chama
atenção para a redução de um conjunto plural que foi reduzido a apenas uma imagem e
representado como totalidade em livros didáticos de ciências ao falar sobre corpo humano,
por exemplo, ou na imagem equivocada acerca do processo evolutivo do ser humano, e
desse modo construiu-se uma representação universal.
A partir dessa lógica reducionista e eurocêntrica grandes opressões foram
disseminadas na sociedade, como a inferioridade da mulher em relação ao homem, a
heteronormatividade como padrão de relacionamentos afetivos, o casamento com filhos
como desejo de toda mulher; ideias essas que ganharam força a partir de uma normativa
religiosa cristã, que facilmente são disseminadas em escolas brasileiras, dicotomizando
todas as coisas, a partir da filosofia greco-romana, e que assim se constrói uma série de
opressões. Embora o Brasil apresente grande diversidade existencial e cultural, os espaços
de poder não são ocupados por essa diversidade; o que acontece na verdade é a
manutenção de um fenômeno de hierarquização, que fez com que os espaços de poder
fossem ocupados por homens brancos. Entretanto, se olharmos ao redor das grandes
empresas chefiadas por homens brancos, conseguimos identificar quem são as pessoas
que servem o café, que realizam a limpeza dos ambientes, seguranças: mulheres e homens
negros.
Na busca pela construção de um mundo plural (no sentido da diversidade), os
espaços de poder precisam ser ocupados por pessoas negras, sendo elas homens e
mulheres, transexuais, homossexuais, indígenas, heterossexuais. E ao considerar uma
escola como um espaço de poder, ela precisa ser plural nesse sentido. Tendo como
exemplo a Escolinha Maria Felipa, a autora evidencia que uma das exigências no momento
da contratação dos profissionais da escola (todos os profissionais), foi justamente tornar o
espaço o mais diverso possível, desse modo combatendo a reprodução de estereótipos e
estigmas, fortalecendo os acessos e desenvolvendo a cultura de permanência.
“Sou contra as cotas, pois é necessário a escola básica” é o nome do penúltimo
capítulo do livro, que chama atenção para o discurso equivocado acerca das cotas raciais.
É comum ouvir entre as pessoas que se dizem contra a implementação das cotas raciais
que em vez de uma política de acesso de pessoas negras a determinados espaços é melhor
que se faça investimento na educação básica. Uma ideia não elimina a ação da outra, pois
aqui não existe uma dualidade ou dicotomia. A autora deixa explícito que as cotas raciais

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são políticas de ações afirmativas e estão inseridas no campo da política reparação


histórica de um grupo que foi destituído de direitos, como quilombolas e indígenas. No
campo das Relações Étnico-Raciais, estabelece-se como um direito conquistado pela luta
de movimentos sociais, a exemplo do Movimento Negro Unificado (MNU), que trilhou muitos
caminhos até alcançar a promulgação da lei 10.639/2003.
O capítulo que fecha o livro é justamente o que leva o seu nome: “Como ser um
educador antirracista”. Aqui a autora afirma que um educador antirracista antes de qualquer
coisa é um indivíduo consciente do seu lugar na sociedade, considerando um sistema de
opressão vigente. O racismo precisa ser combatido diariamente, seja em nossas casas,
seja no trabalho, no grupo de WhatsApp ou nas redes sociais. Precisamos ser um veículo
de denúncia e conscientização. Educar de forma antirracista não se limita ao trabalho
realizado por professoras e professores no ambiente escolar, outras instituições contribuem
com a educação dos sujeitos, como, por exemplo, a família.
Apesar do que foi dito anteriormente, é na escola que a maioria das mudanças
acontecem. Esse espaço é essencial para a transformação da realidade social, e em
específico no antirracismo. Bárbara Pinheiro evidencia que a escola deve assegurar a
equidade racial em todas as suas instâncias, e de modo mais específico nos cargos de
poder da escola. Além disso, cabe ao professor e à professora pautar no cotidiano do seu
trabalho conhecimentos africanos, afro-diaspóricos e indígenas a fim de romper com os
estereótipos racistas historicamente construídos. Outra possibilidade é fomentar e estimular
a leitura de obras literárias escritas por pessoas negras, visibilizando a grande produção
intelectual dessas pessoas.
O livro não é um manual de instruções, mas uma possibilidade de rompimento com
a manutenção de práticas pedagógicas racistas no âmbito da sala de aula, que visa
sensibilizar docentes acerca das inúmeras opressões estruturais, a exemplo do racismo.
Trata-se de uma obra que nos ajuda a refletir sobre nosso papel enquanto docentes,
professores, educadores, doadores de memórias que precisam educar para a construção
de uma escola justa. O antirracismo é agora.

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Artigo recebido em: 23 de maio de 2023.


Aceito para publicação em: 28 de junho de 2023.

Manuscript received on: May 23, 2023


Accepted for publication on: June 28, 2023

Endereço para contato: Universidade Federal do Amazonas, Faculdade de Educação/FACED, Programa de Pós-
Graduação em Educação, Campus Universitário, Manaus, CEP: 69067-005, Manaus/AM, Brasil

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