Universidade Federal Do Rio Grande Do Sul Trabalho de Conclusão de Curso
Universidade Federal Do Rio Grande Do Sul Trabalho de Conclusão de Curso
Universidade Federal Do Rio Grande Do Sul Trabalho de Conclusão de Curso
2023
Sumário
Apresentação……………………………………………………………………………..….3
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Apresentação
Lendo Ailton Krenak descobri que ele também gosta de Drummond. O pensador,
cuja autoria emerge mais da oratória do que da escrita, nascido em Minas Gerais,
pontua seu narrar sobre Ideias para adiar o fim do mundo com as poesias desse poeta
mineiro. Ele diz que quando “tudo está entrando em parafuso, você tem que ter alguém
para chamar - eu chamo Drummond.” (Krenak, 2020, pg 24) Eu também. Separados
por quase um século, os conterrâneos viram os seus rios sendo embarrados e suas
montanhas sendo engolidas e exportadas pela mineração que nomeia o estado onde
nasceram. Foi por meio de minha mãe, professora de Português e Literatura, que
conheci Drummond e comecei a questionar minha existência ao ler pela primeira vez A
Paixão Medida (1980). Já Krenak me foi apresentado por Rafa C., amigo que conheci
nas aulas de psicologia.
Escrevo agora um trabalho na intenção de produzir algo que fale sobre o que me
contorna psicóloga e o que me constitui pessoa, nas minhas relações antes e durante a
caminhada acadêmica. Uno tais autores para começar, sentindo-me encorajada a
escrever evocando o mesmo poeta que outro pensador que admiro busca como
“paraquedas colorido” (Krenak, 2020). São esses encontros que as letras desenhadas
em peles de papel (Kopenawa, 2019) propiciam. Espero que o leitor possa caminhar ao
meu lado nas minhas confusões, entendendo o que eu entendi: que o tempo não é
flecha que é lançada e que seguirá sempre em frente. É redemoinho, é banzeiro, é
pedra atirada hoje, que matará um pássaro ontem, e que portanto, o fim dos tempos
não é fim, é meio.
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A intrusão de Gaia e um futuro inabitável
A vida flui na palavra, mas não aceita ser barrada por ela.
A vida é rio que não se submete a hidrelétricas.
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concentração dos gases do efeito estufa; crescimento dos casos de inundações e
ampliação da frequência e intensidade das tempestades, que se tornam mais
destrutivas e, em muitas regiões, manifestam-se associadas a tufões, furacões,
ciclones e deslizamentos de terra. No mesmo sentido, crescimento do risco de extinção
de várias espécies, além da proliferação de doenças e pragas invasoras. Relatos de
ampliação das queimadas na Região Amazônica, na região do Cerrado e do Pantanal,
e crescimento dos incêndios florestais em todo o mundo. Notícias sobre a
potencialização dos movimentos das placas tectônicas pelas mudanças no clima e
consequente ocorrência de terremotos ou maior risco de incidência de tsunamis, pelo
aumento do nível do mar. Coroando essa lista de efeitos devastadores decorrentes da
amplitude do desequilíbrio ambiental, agrava-se a crise de abastecimento e ampliam-se
os riscos de insegurança alimentar das populações mais vulneráveis. Noticiam-se,
assim, múltiplos casos de migrações forçadas, motivadas pela escassez de alimento ou
pela destruição de casas e meios de sobrevivência das populações, em função das
adversidades vinculadas às mudanças climáticas. (ONU, n.d.; Martins et al. 2022). São
eventos alarmantes, que justificam a urgência da produção deste trabalho.
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depender da assiduidade do usuário com sua saúde bucal) - chegamos finalmente ao
fatídico descarte. No caso de tal ato ocorrer em uma localidade sem coleta seletiva, a
escolha do cesto de lixo (a do banheiro ou junto a outros “recicláveis”) será irrelevante,
pois o destino do tubo acabará sendo, ainda, o aterro sanitário, local onde resíduos
orgânicos, rejeitos biodegradáveis e rejeitos poluentes compartilham do mesmo
espaço, onde tudo que se produz é pobreza e metano, um dos gases de efeito estufa
responsáveis pelo superaquecimento global. Chegamos, portanto, ao clima. Ainda que
se considere o descarte correto do famigerado tubinho vazio de creme dental, ainda
que ele esteja acondicionado, limpo, junto de outros objetos plásticos, metálicos e de
papel em um saco de lixo azul, que seja recolhido por um caminhão da coleta seletiva e
encaminhado para alguma cooperativa de reciclagem, o tubo provavelmente não será
reciclado, por se tratar de um material composto, de tipo “7”, com baixo valor de
revenda (Tunes, 2018).
“Teus olhos
serão lixo não reciclável,
ainda que tenham visto
todas as metáforas do
infinito”
(Paulo Lins,
2014)
Ilustração
própria.
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Dessa maneira, utilizar a palavra “clima” é uma tentativa de abarcar tudo que se
interconecta a essa rede de efeitos decorrentes da ação humana que me parece fazer
sentido, na medida em que são realidades intrinsecamente ligadas, em se tratando de
fenômenos de um ecossistema, bio-geo-químico - e também biopsicossocial. Nas
palavras de Eduardo Giannetti (2023):
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mundo, pois não se trata do fim do mundo, da vida na Terra ou de um colapso
planetário absoluto. Trata-se dos reajustes que ocorrem naturalmente em um sistema
planetário que já não suporta manter-se no mesmo estado dos moldes como evoluiu,
com todas as formas de vida que o compõem e compuseram ao longo de bilhões de
anos. Uso evoluir como verbo que, ao contrário do seu uso recorrente, assume nesse
contexto, uma transitividade direta. O planeta Terra, evolui, assumindo-se como um
sujeito ativo dessa mudança, por meio de ações e reações, que não são meramente
passivas. Proponho, portanto, nessa narrativa, instituir o sistema planetário Terra,
como sujeito.
A Hipótese de Gaia (BBC, n.d) é uma teoria proposta pelo cientista James
Lovelock que postula que a Terra é um sistema vivo e autorregulatório, capaz de se
adaptar e manter condições ambientais adequadas para a vida. Segundo essa
hipótese, a vida e o ambiente físico interagem de maneira que a biosfera da Terra atua
como um sistema único e complexo, capaz de se ajustar às mudanças ambientais para
manter a estabilidade das condições de vida no planeta. Em resumo, a Hipótese de
Gaia sugere que a Terra é um organismo vivo em si mesmo, portanto, só pode evoluir
nesse sentido. Essa teoria demonstra que os moldes e paradigmas de funcionamento
da Terra e de seus diferentes ecossistemas, estão sendo mudados e moldados por
uma nova potência geológica, devastadora, capaz de alterar ciclos, mudar cursos
d'água e aumentar a temperatura. Essa potência geológica é o poder de ação das
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civilizações humanas, em particular as que se desenvolveram depois da Revolução
Industrial, que impulsionou o mundo no caminho da globalização, do fortalecimento da
lógica capitalista, de uma produção que não é em prol da vida, mas sim em prol do
capital. A essa nova Era Geológica, chamamos Antropoceno.
Gráfico: “Global Human-Made Mass Exceeds All Living Biomass,” por Emily Elhacham et al., em
Nature. Publicado online 9 de Dezembro, 2020.
Retirado do site: Do Holoceno ao Antropoceno: A Evolução Humana | Mind theTrash
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Esse fato, ou seja, o reconhecimento de que o artificial tem hoje mais peso
(literal e simbólico) do que o natural, relaciona-se diretamente com a questão do
consumo estando na origem dos impactos socioambientais que são exteriorizados de
forma devastadora nas alterações climáticas responsáveis pelos desequilíbrios
ambientais que têm atingido de forma severa a qualidade de vida em todo o Planeta.
Diante desse cenário, é importante que se reconheça que os seres humanos assumem
um triplo papel, já que aparecem ora como agentes causadores, ora como vítimas e
ora como os agentes a quem compete a transformação e a reversão desse quadro.
Nessa perspectiva, todas as ações humanas produzidas por pessoas de forma
individual ou coletiva são parte constitutiva dessa problemática e, necessariamente,
devem constituir parte da solução. Há anos um conjunto multidisciplinar de estudos
interessados nas Relações Pessoa-Ambiente busca compreender como as pessoas
interagem e transformam seus ambientes, sejam eles naturais, construídos ou até
mesmo virtuais. E entre as diversas disciplinas está a Psicologia Ambiental, que
aparece como uma área que estuda o modo como as pessoas agem, reagem e se
organizam conforme o meio ambiente, analisando suas interações nos espaços
naturais e os diferentes modos como constroem seus espaços de vida material e
simbólica e, da mesma maneira, compreendendo o papel que os próprios espaços
exercem na constituição das pessoas (Martins et al, 2022).
A presente escrita não se trata de uma revisão nem sistemática nem integrativa
(nem particularmente científica) acerca da produção do saber psicológico. Talvez se
aproxime mais de um ensaio cartográfico do meu processo de aprendizado e da
ruptura com o modo como eu mesma posso me conceitualizar enquanto sujeito no
mundo, levando em consideração essa trajetória que aconteceu durante a minha
graduação e no mundo, tentando costurar essas realidades artificialmente separadas,
mas absolutamente conectadas, como tudo nessa Biosfera chamada Gaia.
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e a Ecopsicologia. A Psicologia Ambiental é uma área do saber psicológico aproximada
às teorias do desenvolvimento humano, que prioriza os ambientes diferentes que
circundam o sujeito, para além das relações sociais e familiares, considerando os
ambientes físicos e relacionais como ecossistemas complexos, de forma análoga ao
conceito de ecossistema da biologia. Algumas áreas desse saber se aproximam de
uma lógica mais “ambientalista” e outras menos, ainda que o intuito do presente
trabalho não seja aprofundar essa área do saber, mas evidenciar suas interconexões
com a discussão ora proposta.
Saúde Mental:
Solastalgia
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Como espero ter deixado explícito até aqui, a emergência climática é um
problema psicológico, além de ambiental. Já se salientou que comunidades e
indivíduos em todo mundo têm testemunhado a crônica degradação dos locais onde
vivem, e, junto disso, vêm experimentando um amplo espectro de respostas diante dos
impactos multifatoriais associados às referidas mudanças. Porém, ainda que as
implicações de saúde física causadas pela emergência climática estejam sendo cada
vez mais descritas, as implicações em saúde mental e espiritual permanecem pouco
estudadas (Galway, 2019). Embora, há algumas décadas, muitos psicólogos e
estudiosos da área tenham se envolvido na produção de saber abordando essa
intersecção, a maior parte dessa produção tem se concentrado na percepção de risco,
formas de comunicação sobre a emergência climática, atitudes direcionadas à crise e
motivação direcionada à mitigação dos seus efeitos, por meio da defesa e proposição
de comportamentos mais sustentáveis (Clayton, 2020). É possível afirmar que as
implicações mais diretamente relacionadas à saúde mental têm recebido relativamente
pouca atenção.
O termo, não por acaso, nos remete à nostalgia, palavra usada para descrever
uma sensação de saudade ou anseio por algo que aconteceu no passado. Pode ser
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uma lembrança de uma pessoa, lugar, evento ou experiência que traz emoções
positivas e uma sensação de conforto ao ser evocada. Nostalgia acaba também sendo
usada para descrever a tristeza ou melancolia que se associa a essa lembrança,
muitas vezes porque a pessoa que a experimenta sente falta de algo que não pode
mais ser recuperado. Outrossim, a “solastalgia” constitui-se como o sofrimento que um
sujeito ou uma comunidade experienciam quando o seu local de habitação e vinculação
territorial está sob ataque direto, sofrimento nomeado pelo autor de “desolação física”.
Isso acaba promovendo um ataque ao senso de lugar, e consequente erosão da noção
de pertencimento e identidade relacionada àquele território, bem como suscitando os
sentimentos de angústia relacionados à sua transformação. Como resumido pelo autor:
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conforto na sua relação atual com seu território. Mais do que isso, os sujeitos das
comunidades estudadas pelo autor manifestavam um profundo senso de isolamento
decorrente de sua incapacidade de ter uma participação relevante, capaz de gerar um
impacto expressivo no estado de coisas que motivava sua angústia.
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climática. Por essa razão, todas as intervenções voltadas simplesmente à proteção da
saúde mental individual dessas pessoas serão provavelmente pouco eficazes, se não
virem acompanhadas de uma atenção social, ou mesmo global, à questão. Assim como
outras questões sociais que afetam a saúde mental, como sexismo, racismo e pobreza,
a mudança climática é um problema real, e a adaptação social não pode ser realizada
por meio de respostas individuais de enfrentamento. Devemos encontrar uma maneira
de responder aos problemas individuais, sem perder de vista o seu dimensionamento
social. Não se pode falar sobre ansiedade climática como uma experiência psicológica,
supondo que suas causas e respostas apropriadas são estritamente intrapsíquicas.
(Clayton, 2020).
Antes, ao falar de clima, a gente dizia que se não fizéssemos nada, a vida como
nós conhecemos não seria mais a mesma. Como nos conhecíamos quer dizer o quê?
Como quem conhecia? Essa expressão da “vida como conhecemos”, geralmente se
refere a essa forma de viver urbanizada, embranquecida e colonizada, de produção,
consumo e crescimento econômico pretensamente infinito. Pode-se dizer que ela é - e
sempre foi - uma ilusão das classes médias que vivem em lugares não muito afetados
pelo clima (ou que tenham ar-condicionado e água encanada em todas as estações), e
que podem se beneficiar desse faz de conta somente porque outras gentes estão e
sempre estiveram pagando a diferença dessa conta.
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É importante referir aqui o conceito do chamado “Dia do Esgotamento da Terra”.
Existe um cálculo feito pelo Global Footprint Network e pela WWF, que calcula o dia em
que os recursos que a Terra é capaz de regenerar naquele ano acabam, ou seja, tudo
que for consumido ou explorado a partir daquele dia é dívida, não entra na capacidade
de regeneração de Gaia. A cada ano que passa, esse dia do esgotamento de recursos
acontece mais cedo. Em 2022, ele aconteceu dia 28 de julho. De acordo com este
indicador global, seriam necessários 1,75, ou seja, quase dois planetas Terra para
sustentar o consumo da população mundial de forma sustentável. Desde 2001, a data
vem sendo antecipada, em média, três dias a cada ano. Em 1970, o mundo entrou em
déficit no dia 29 de dezembro, a dois dias do final do ano. Em 2000, já estava no início
de outubro. Dez anos depois, no fim de agosto. E em 2022, em julho.
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Podemos perceber, nesse sentido, que os problemas ambientais têm uma forma
de se manifestar que assume contornos distintos para cada população. Para a
população urbana de baixa renda, a crise atinge com mais impacto os operários
assalariados que vivem nas áreas de risco das grandes cidades e, dentro desse
contingente, ela afeta mais diretamente a população negra, que constitui a maior parte
da população dos morros e favelas brasileiras. Fala-se hoje, inclusive, em racismo
ambiental, tentando demonstrar que a ocupação desordenada de áreas com menos
infraesturura é indubitavelmente atravessada por marcadores de classe e de raça, uma
vez que as populações marginalizadas são as que acabam relegadas às regiões
periféricas das cidades de estados como Minas Gerais, Rio de Janeiro, Goiás, Bahia e
Espírito Santo que são, conforme Duran (2022) os estados mais atingidos pela
violência das chuvas nos últimos anos.
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região e contra essa população, que é prevalentemente negra, pobre e periférica, por
um conjunto de questões que mesclam variáveis econômicas, sociais e políticas.
Por outro lado - mais ao norte do país, especificamente - temos o modelo anti-
indígena dessa lógica necropolítica e genocida de Estado. Em 2011, se constituiu um
projeto de décadas, a usina hidrelétrica de Belo Monte. Tendo sido conceitualizada
ainda em meio ao projeto de avanço contra a floresta da ditadura militar, o mesmo que
iniciou a construção da Transamazônica, é consumada construção da usina de
produção de energia elétrica no primeiro governo de Dilma Rousseff, a fim de fortalecer
a matriz energética do Brasil e fortalecer a imagem da nação como líder em energias
renováveis (Fleury, 2013).
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A migração forçada de quem vivia ao redor do Xingu, e que foi forçado a
abandonar seu território para dar espaço ao alagamento de grandes hectares, é um
exemplo que demonstra claramente que esse deslocamento e destruição do local de
origem altera significativamente a forma de vida dos indivíduos, daqueles sujeitos que
se deslocaram da beira de um rio em meio à floresta e são forçados a viver em
alojamentos nas periferias de Altamira (Brum, 2021), casas construídas pela mesma
empresa que lhes roubou o lar. Passaram a ter sua subjetividade esvaziada por um
projeto de produção que servirá a outras gentes que não elas. Esses povos, que
tinham relações sociais, de produção de subsistência e produção cultural, de como
viver em meio ao rio e à floresta; passam, a partir da construção de Belo Monte, a cair
no genérico “pobre”. Ilustra-se assim, a expressão “Brasil produtor de pobres”, cunhada
pelo antropólogo Eduardo Viveiros de Castro e apresentada na aula "Os Involuntários
da Pátria” (2017).
As diversas formas de gente que viviam onde hoje é água represada, já não
podem viver como indígenas, ribeirinhos, quilombolas; nem como pescadores,
caçadores, agricultores, artistas. Ainda que continuem sendo. Serão, sem poder viver
como são. Serão parte da massa de pobres do Brasil, amontoados nas periferias, e
ignorados pelo Estado e por empresas, destituídos de suas identidades (Brum, 2021).
Situação similar ocorre com aqueles que perderam seus entes queridos, seus
referenciais de vida, suas fontes de renda, seja em Mariana, em Brumadinho, em
Petrópolis ou em Santos.
Todos esses desastres configuram-se como traumas sociais que deveriam nos
convocar a todos, indivíduos e coletividade, cidadãos, empresas e Estado, para que se
repense profundamente a relação de certa parte da humanidade com o ambiente. E o
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papel da psicologia nessa reconfiguração de forças é crucial. A sua própria
reconfiguração é crucial. Entende-se a psicologia como dispositivo para potencializar a
vida, que deveria escutar e pensar essa problemática para além do corpo. Essas
problemáticas mais diretas, vinculadas aos corpos que sentem a crise antes,
demandam escuta acima de tudo. Uma escuta que deve ser capaz de compreender
que esses não são eventos isolados, um trauma individual que afetará uma ou outra
pessoa mais frágil psiquicamente. Muito pelo contrário, estamos falando de traumas
que vêm para romper o próprio tecido que recobre a inação climática, escancarando o
que vem sendo dito há décadas por cientistas e ativistas (e há séculos por povos
tradicionais e originários) e que vinha sendo ignorado como um problema menor, a ser
administrado depois. Configuram-se como trauma social porque deveria convocar a
todos, e de alguma forma, têm convocado, a que se repense a própria forma com que
nós existimos e incidimos nossas forças sobre o planeta, pois agora se percebe que se
não o fizermos, está em risco a própria possibilidade de existência da espécie, não
apenas dessa forma de viver. A escuta de uma dor como essa precisa ser ampla o
suficiente para conseguir contornar esse sujeito, mas também, entender que esse
trauma aconteceu por um motivo, em um determinado tempo histórico e com
comunidades que são mais vulneráveis por motivos determinados historicamente.
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O que é o fim, e o que são os tempos?
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sobreviventes reinventarem formas de enfrentamento e busca de caminhos de
continuidade e resistência. Fazendo eco a Eduardo Viveiros de Castro: pode-se dizer
que os indígenas são especialistas no fim do mundo, porque o mundo deles acabou em
1500 (Castro apud Brum, 2022).
Como disse Eduardo Galeano, “A Utopia está no horizonte”. Ela não é ponto de
chegada, mas baliza da caminhada. Essa caminhada, que é a trajetória de cada
indivíduo e de cada povo, é que precisa ser revestida de sentido, de conforto e de
viabilidades de construção de outra maneira de habitar a Terra. Cabe justamente à
psicologia transpor os sentimentos de solastalgia, que é legítimo - e não patológico -
para o campo das viabilidades, desmistificando o temor do apocalipse e mostrando
que, apesar dele, é possível buscar alternativas de qualificação da vida cotidiana,
buscando formas não bárbaras de adaptação, de reequilíbrio e de vida no aqui e no
agora. Como diz Krenak,
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possibilidade de transformação de mundos. Os tempos vindouros serão incertos: Gaia,
como natureza viva, precisa fazer intervenções e mudanças, buscando o equilíbrio da
nossa complexa biosfera. É tempo de escutá-la e de responder a tais intervenções de
maneiras não bárbaras (Stengersapud Veeck, 2022). É necessário encontrar
estratégias individuais e coletivas que possibilitem que as intervenções que
costumamos chamar de catástrofe tornem-se menos mortíferas, deixando de responder
à Gaia como inimiga externa e, finalmente, entendendo-a como parte constitutiva do
que somos.
Referências bibliográficas
BBC News Brasil (2022). O que é a hipótese de Gaia, que defende que a Terra 'está
viva'. Último acesso em 26 de março de 2023:O que é a hipótese de Gaia, que defende
que a Terra 'está viva' - BBC News Brasil
Duran, P. Alecrim, G. (2023). Chuvas deixam uma em cada dez cidades brasileiras em
situação de emergência. Último acesso em 26 de março de 2023:
23
Fleury, L. C., & Almeida, J. (2013). A construção da Usina Hidrelétrica de
Belo Monte: conflito ambiental e o dilema do desenvolvimento.
Ambiente&Sociedade, 16, 141-156.
Galway, L. P., Beery, T., Jones-Casey, K., &Tasala, K. (2019). Mapping the solastalgia
literature: A scoping review study. International journal of environmental research and
public health, 16(15), 2662
Kopenawa, D., & Albert, B. (2019). A queda do céu: palavras de um xamã yanomami.
Editora Companhia das Letras.
Krenak, A. (2019). Ideias para adiar o fim do mundo (Nova edição). Editora Companhia
das letras.
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psicologia ambiental 1. ed. Brasília.
Obradovich, N., & Minor, K. (2022). Identifying and preparing for the mental health
burden of climate change. JAMA psychiatry, 79(4), 285-286.
Tunes, A. L. (2018). Os 7 principais tipos de plástico e o que eles podem fazer com sua
saúde! - Tunes Ambiental. Disponível em: https://tunesambiental.com/os-7-principais-
tipos-de-plastico-e-em-qual-deles-voce-pode-confiar/
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