Na Vida Dez Na Escola Zero

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TEREZJNHA CARRAHER

ANAUJCIA SCHLIEMANN
DAVID CARRAHER
Dados de Catalogação na Publicação (CIP) Internacional
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Schliemann, Analúcia Dias.


S37n Na vida de5 na escola zero 1 Analúcia Dias Schliemann, David William
Carraher, Terezinha Nunes Carraher. - 10. ed. - São Paulo :Corte5 1995.

Bibliografia.
ISBN 85-249-01 12-8

1. Mat~.iiiática- Aspcctos psicológicos 2. Matemática - E S ~ L eI ~ensino


O
I. Cei~iilicr. Dn\,id \Yilliiini. 11. Carraher, Terezidia Ntines. 111. Tittilo.

índices para catálogo sistemático:


1. Aprendizagem em matemática :Psicologia educacional 370.156
2. MatemSitica :Aspectos psicológicos : Educação 370.156
3. Matemática : Ensino 510.7

I @ edição
Capítulo 8

Cultura, aritmética
e modelos matemáticos

A cultura e a mente humana interagem de formas fasci-


nantes. A cultura é produto, entre outras coisas, da mente
humana. Por outro lado, a cultura direciona o desenvolvimen-
to da mente de diversas maneiras: aprendemos a língua falada
por aqueles que nos cercam, organizamos nossas operações
com números de Forma consistente com o sistema de nume-
ração usado em nossa cultura, classificamos objetos, pessoas
e acontecimentos de acordo com as categorias significativas
em nossa sociedade. Nenhuma dessas direções seguida por
nosso pensamento precisa ser concebida como a única da qual
somos capazes; se tivéssemos nascido em outro lugar, apren-
deríamos outra língua, usaríamos outro sistema de numera-
ção e classificaríamos objetos, pessoas e acontecimentos de
acordo com outros conceitos. No entanto, crescemos usando
esses instrumentos culturais - língua, sistema de numera-
ção - e somos cercados por pessoas que também os utili-
zam. Nossa tendência termina por considerá-los como naturais,
e não culturais; como a maneira correta de organizar siste-
mas de numeração e sistemas conceituais. A passagem de
correto para superior é um passo muito pequeno e que acon-
tece com muito pouco esforço: frequentemente agimos como
se nossas Formas de adaptação cultural fossem superiores a
outras. Quando a escola transmite maneiras particulares de
1 kalar, calcular e categorizar - e, especialmente, quando a es- gos por muito tempo nas mais diversas condições de compa-
I I
cola adota a nossa maneira - ficamos ainda mais convictos ração (vcr Bruner, 1966; Luria, 1976; Scribner e Cole, 1973;
,
I
da perfeição de nossos instrumentos culturais e da inferiori. The Quartely Newsletter of the Laboratory of Comparative
1 dade de outros modos de adaptação as tarefas de representa. Human Cognition, 1983). A fim de analisar as semelhanças e
i ção, comunicação e raciocínio. Os universais dessas funções
sHo obscurecidos pelas diferenças. Frequentemente termina- diferenças entre conceitos, porém, precisamos adotar uma
mos por chegar a infeliz conclusão de que as pessoas que abordagem específica ao estudo de conceitos. No entanto, os
usam os recursos intelectuais privilegiados pela escola são, modelos teóricos usados nessas análises têm-se mostrado insa-
elas próprias, privilegiadas intelectualmente; os outros são, tisfatórios, por não permitirem comparações mais sutis entre
por extensão do mesmo raciocínio, inferiores. os conceitos resultantes da aprendizagem dentro e fora da es-
cola. Frequentemente, as teorias apóiam-se mais sobre pres-
Discutimos nesse trabalho os universais e as peculiarida- supostos a respeito da forma de aprendizagem na educação
des na adaptação a mesma cultura de pessoas engajadas em di- formal e informal, predizendo, a partir dessas diferentes for-
versas formas de interação numa sociedade complexa, indus- mas de aprendizagem, a formação de conceitos diferentes. No
trializada e repleta de oportunidades para a obtenção de ex- entanto, as análises hoje existentes sobre as formas de apren-
periências com números. Um dos grupos tem pais instruídos dizagem não confimam nem as expectativas sobre como pro-
e teve o privilégio de viver cercado, na escola e em casa, dos
cede a aprendizagem nem oferecem suporte teórico 5s predi-
modos escolares de falar e pensar. São pessoas que aprendem
ções sobre a relação entre formas específicas de instrução e
a matemática escolar desde cedo, antes que tenham tido ne- seus resultados. Por exemplo, Greenfield & Lave (1982) sugeri-
cessidade de utilizá-la fora da sala de aula. O outro grupo vem
ram que a aprendizagem em situações práticas é obtida por
de camadas pobres da população, em que o lazer necessário
a freqüência a escola não esteve disponível a seus pais nem a
observação, havendo poucas verbalizações, enquanto a apren-
eles próprios na infância; um grupo que provavelmente teve dizagem escolar seria predominantemente verbal. Tem-se pro-
necessidade de utilizar a matemática na vida antes de tê-la posto (ver Scribner & Cole, 1973) que é exatamente o caráter
aprendido na sala de aula. Quando as crianças pobres come- verbal da aprendizagem escolar que favorece a abstração e
çam a frequentar a escola. em geral entre sete e nove anos, a generalização. No entanto, esse pressuposto sobre a ausên-
a qualidade do ensino que Ihes é oferecido e as necessidades cia de verbalização nas situações cotidianas não foi confir-
de suas vidas são tais que elas provavelmente aprendem mais mado, por exemplo, nos estudos de atividades na feira. Ao
cedo e mais matemática fora do que dentro da escola. Esses fazer os cálculos do valor da compra e demonstrar que a quan-
dois grupos de pessoas. utilizando os mesmos universais da tidade de troco dado é correta, os feirantes o fazem oralmente,
mente humana, parecem abordar os problemas de matemática explicitando os passos de seu raciocinio como parte da ética
de formas bastante distintas. As diferenças são superficiais ou da relação vendedor-freguês. Além disso, as próprias explica-
profundas? Residem ris nível dos calculos ou encontram-se ções sobre que tipo de conceito resulta de que processo de
nos modelos matemáticos usados na concepção dos proble-
aprendizagem são, frequentemente, feitas não a partir de aná-
mas? Há vantagens de uma abordagem sobre a outra? Os mo-
lises teóricas consistentes, mas constituem explicações geradas
delos ou conceitos usados têm o mesmo poder e a mesma
eficiência? após a obtenção de resultados específicos - um tipo de ex-
plicação que denominamos post hoc, por ser criada após a
A análise & conceitos observação, o que dificulta nossa possibilidade de avaliar se a
/ ,I

i teoria usada na explicação teria realmente conduzido àquelas

1
"
A questão das diferenças e semelhanças entre conceitos previsões (para uma revisão recente desta literatura, ver
aprendidos dentro e fora da escola vem interessando psicólo- Dasen, 1987).
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