A Essência Do Jogo: Desvendando o Ser No Espetáculo Do Esporte
A Essência Do Jogo: Desvendando o Ser No Espetáculo Do Esporte
A Essência Do Jogo: Desvendando o Ser No Espetáculo Do Esporte
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ELDERNAN DOS SANTOS DIAS
Aos amores da minha vida, Marcela, Maria Alice, Filipe, Tiago e João Pedro.
À minha amada família, pais, irmão e agregados, vocês fazem o meu mundo completo.
4
AGRADECIMENTOS
5
A todos os meus amigos, que sempre estiveram comigo na minha jornada
incansável pelo conhecimento. Muito obrigado por me incentivarem nas ocasiões de
desânimo e celebrarem comigo muitas etapas concluídas.
Agradeço as orações e pensamentos positivos de muitos para que este trabalho
fosse realizado, pois como se diz na letra da música: “A vitória de um homem as vezes
se esconde, num gesto forte que só ele pode ver....”
Ao querido orientador Edson Marcelo Húngaro, que desde o início desse projeto
me apresentou o amor pela educação e pela humanidade, o carinho e dedicação para
desenvolver o cuidado com o outro permitindo abrir portas da percepção e desvelar o real
necessário ao desenvolvimento desse trabalho. Agradeço o apoio, o incentivo, as palavras
e as ações sempre tão generosas. Muito obrigado por me mostrar a importância de viver
com alegria e equilíbrio no trabalho, na academia e na vida.
Aos professores da banca,.........por acrescentarem importantes contribuições para
a concretização deste trabalho.
Aos colegas e amigos do AVANTE, que me proporcionam crescimento no
conhecimento, e pelas relações que extrapolam os muros da Universidade. Agradeço por
fazerem parte desse feito.
Enfim, agradeço a todos que contribuíram de alguma forma, direta ou
indiretamente, para a elaboração deste trabalho, muito obrigada pela dedicação, paciência
e presteza, quando mais precisei de vocês.
6
Olha lá quem vem do lado oposto
e vem sem gosto de viver
Olha lá que os bravos são escravos
sãos e salvos de sofrer
Olha lá quem acha que perder
é ser menor na vida
Olha lá quem sempre quer vitória
e perde a glória de chorar
7
SUMÁRIO
Resumo ............................................................................................................................10
Abstract ............................................................................................................................11
Introdução ........................................................................................................................12
Metodologia .....................................................................................................................21
Capítulo 1
Capítulo 2
MODO DE PRODUÇÃO DO SER NA ORDEM BURGUESA
Composição Alienada
8
16. Alienação ao Objeto ..................................................................................................66
17. Alienação ao Ato de Produção ..................................................................................67
18. Alienação à Condição de Ser Genérico .....................................................................68
19. Alienação a Outro Ser Humano .................................................................................73
20. Reificação e Fetiche da Mercadoria ..........................................................................76
21. Emancipação Humana ...............................................................................................80
Capítulo 3
Conclusão ......................................................................................................................
Referencial Bibliográfico ..............................................................................................
9
RESUMO
O que são os seres? Essa é a pergunta chave que irá nortear todo o curso dessa pesquisa.
Como pressuposto teórico e filosófico foi utilizada a teoria do ser social para uma possível
resposta a essa pergunta. Desenvolvida pelo intelectual Húngaro György Lukács, o autor
acredita haver nos trabalhos de Karl Marx e Friedrich Engels muito mais que uma
explicação sobre a organização social burguesa, e sim uma verdadeira teoria sobre o que
são os seres humanos no mundo dos homens. Partindo então da teoria do ser social, o
desenrolar da pesquisa foi no sentido de traçar as mediações existentes entre a formação
humana e a espetacularização do esporte. Acreditando que por meio de suas ações o
homem muda o mundo e por ele é modificado, na espetacularização do esporte não foi
diferente. O homem criou formas sofisticadas de relacionamento social, criou os esportes,
os jogos, criou as mídias, desenvolveu patamares elevados de comunicação, criou tudo
isso e por essas criações também se modificou. Então o objetivo desse trabalho acadêmico
foi desvelar o movimento do real contido nas relações entre a formação humana, o esporte
e o espetáculo.
10
ABSTRACT
What are beings? That is the key question that will guide the entire course of this research.
As a theoretical and philosophical assumption we used the theory of the social for a
possible answer to this question. Developed by intellectual Hungarian György Lukács,
the author believes there is the works of Karl Marx and Friedrich Engels much more than
an explanation of the bourgeois social organization, but a true theory of what are human
beings in the world of men. then starting from the theory of social being, the development
of the research was made to trace the existing mediations between human development
and the spectacle of the sport. Believing that through their actions the man changes the
world and it is modified him, the spectacle of the sport was no different. Man created
sophisticated forms of social relationship, created sports, games, media created,
developed high levels of communication, created all this and these creations also changed
him. So the aim of this academic work was to reveal the real movement contained in the
relations between the human, sport and spectacle.
11
INTRODUÇÃO
12
difusão de suas formulações no meio acadêmico e na luta política. Pode-se colocar aqui
o marxismo-leninismo, o stalinismo, as interpretações de Louis Althusser na França (o
estruturalismo francês), entre outros autores que acabaram por empobrecer a riqueza
categorial ofertada pelo pensamento de Marx para um melhor entendimento do mundo de
hoje (HÚNGARO, 2001).
Tão logo, a partir daqui algumas observações desse referencial teórico se fazem
necessárias. Primeiro, ele nos esclarece e nos permite uma condição de pensar o
contemporâneo. Mas esse mesmo referencial não pode ser tratado de maneira dogmática,
como se fosse um livro sagrado no qual se vai buscar o conhecimento essencial, a verdade
de forma mistificada e afastado do exercício racional.
Cabe aqui lembrar que Marx é um pensador do século XIX, nasceu em 1818 e
morreu em 1883. Assim, é equivocado esperar que um autor dessa época trate dos temas
do século XXI. Porém, a riqueza categorial desenvolvida ao tratar dos temas de seu tempo
permite alguns esclarecimentos sobre a sociedade e sobre o momento histórico em que
vivemos.
A partir daí é possível inferir que:
x Primeiro, Marx é um autor insuficiente, por ser um autor do século XIX.
Por isso, sua teoria pressupõe uma série de atualizações necessárias e, em
certa medida, estas atualizações vêm sendo feitas por uma boa tradição do
pensamento marxista (HÚNGARO, 2010).
x Segundo, Marx, apesar de insuficiente, é absolutamente indispensável
porque todo seu esforço e pensamento foram no sentido de entender o que
é a ordem burguesa, a fim de propor uma alternativa de superação dessa
mesma ordem. Então, enquanto existir a ordem burguesa, as descobertas
do Marx têm algo a dizer. Contudo, é preciso não se esquecer da primeira
observação, pois há uma série de fenômenos que eram inteiramente
desconhecidos no momento histórico do autor alemão.
x E em terceiro, mesmo no século XIX houve limitações e erros por parte
do autor, como acreditar que a revolução comunista surgiria do país mais
desenvolvido, o que não ocorreu, pois, o feito acabou acontecendo na
antiga União Soviética. Entretanto, esse detalhe não tira o brilhantismo de
Marx e se procurarmos um intelectual na filosofia ou na ciência com a
mesma expectativa quando se lê, por exemplo, uma escritura religiosa, o
problema está nas limitações de entendimento de conjuntura social,
13
percepção de homem e de mundo do leitor e pesquisador de Marx e não
no próprio Marx.
Em meados dos anos de 1950 até o ano de 1971 do século passado, o autor húngaro
György Lukács trabalhou no sentido de compreender como no pensamento desenvolvido
na obra do filósofo alemão Karl Marx haveria uma nova ontologia: uma ontologia do ser
social (LUKÁCS, 2007). Essa ontologia envolveria principalmente um determinado
entendimento a respeito da relação dos indivíduos com o gênero, mediada pelo trabalho.
A ontologia do ser social envolve principalmente uma determinada compreensão
que Marx fez em relação aos indivíduos com o gênero humano, mediados pela ação do
trabalho humano.
O tema da ontologia do ser social e a educação física é de suma importância e
será contumaz no desenvolvimento desse trabalho devido a sua inerente relação com a
formação humana. Compreender os nexos entre o ser singular, da pessoa humana, e a
organização do mundo dos homens na atualidade é essencial, pois “O homem nasce em
uma determinada sociedade, sob determinadas condições sociais e inter-humanas que
ele próprio não escolhe; são elas resultado da atividade de gerações anteriores”
(SCHAFF, 1967, p. 71). Assim, é preciso procurar apreender o que foi e como se
viabilizou o desenvolvimento genérico humano, ou seja, buscar desvelar a situação na
qual a humanidade está e quais circunstâncias sociais impedem os homens de serem
tudo aquilo que poderiam ser:
14
“O homem não é um ser abstrato, acocorado fora do mundo. O homem é o mundo do
homem, o Estado, a sociedade. ” (MARX, 2010, p. 145).
Outra característica deste estudo é a compreensão e o favorecimento de uma
condição humanista: Lukács possui o entendimento de que a elaboração do Marx é
indiscutivelmente uma condição humanística. Uma forma de humanismo racionalista. O
humanismo foi uma corrente cultural muito propagada pela Europa na época do
Renascentismo do século XVI. Essa teoria foi fundamentada na cultura greco-romana e
tem por princípio a valorização do saber crítico e racional, inserindo o homem em
primeiro lugar. Trata-se de um conhecimento do homem e uma cultura a fim de produzir
e desenvolver as potencialidades da condição humana, do gênero humano.
15
Pode-se concluir assim que a prosperidade do desenvolvimento social é
impraticável sem os indivíduos. O homem nasce em uma determinada sociedade, sob
determinadas condições sociais e inter-humanas que não são escolhidas por ele mesmo,
mas são resultado da atividade de gerações anteriores (SCHAFF, 1967, p. 71).
1
Marx denominou de “Subsunção Formal” do trabalho ao capital, o fato de o capitalista possuir tanto os
meios como o produto do trabalho, e de “Subsunção Real” quando o capital detém os meios, os produtos,
bem como determina os processos de produção, ou seja, ao trabalhador não cabe nem mais ditar o ritmo de
seu trabalho (Ex: as metas de produtividade e a jornada de trabalho pré-estabelecida).
16
Os homens contemporâneos apresentam como um verdadeiro ato de felicidade
passear nos shopping centers. Caminhar entre as lojas e ver o que estão precisando. Por
fim, se sabe que não precisam de nada efetivamente. Mas, a ação de comprar, nessa
sociedade, a atitude de posse dos bens parece dar aos seres humanos a sensação de poder,
poder de relacionamento e de pertencimento. Daí esse modo de agir parecer ser da
natureza humana. Mas, na verdade, é um modo de ser construído socialmente.
De tudo isso se pode concluir que há uma íntima relação entre os indivíduos e a
prosperidade do desenvolvimento social. E é impraticável esse desenvolvimento coletivo
sem o desenvolvimento particular dos indivíduos. Quanto mais evoluídas forem as
singularidades, maiores serão as possiblidades de prosperidade social. E é plausível dizer
também que o contrário é inversamente proporcional. Com uma sociedade tanto mais
primitiva quanto mais forem subdesenvolvidas essas singularidades.
“O modo de produção da vida material condiciona o processo geral da vida social,
política e espiritual. Não é a consciência dos homens que determina seu ser, mas, ao
contrário, é o seu ser social que determina sua consciência. ” (MARX, 1982, p. 25) O
homem nasce em uma determinada sociedade, sob determinadas condições sociais e inter-
humanas que ele próprio não escolhe; são elas resultado da atividade de muitas gerações
anteriores (SCHAFF, 1967, p. 71).
17
Na História, o homem passa a ser instrumento do homem no sentido de
acumulação, de interesses muitas vezes os mais mesquinhos. Assiste-se à promoção do
cotidiano do descartável – avança do fenômeno da exploração e opressão para uma
realidade cuja raiz da pertença social é ferida e os excluídos são, mais que explorados,
resíduos e sobras.
18
que troquemos os atores adaptemos a cultura corporal aos novos tempos e encontraremos
o mesmo cenário no jogo do poder.
As lutas, os jogos, as danças, as brincadeiras que futuramente vieram a estruturar
o esporte como hoje o conhecemos estiveram, por muitas vezes, na história, ligadas a
antigas formas de espetáculo, elaborando práticas corporais e mediando uma determinada
forma de ser da sociedade da época.
Com a necessidade da espécie humana de transformar a natureza para uma melhor
adaptação e sobrevivência a diferentes regiões e climas, o homem vivencia diferentes
formas de movimento e relacionamento com o mundo e com os seus pares. Nesse trilhar
histórico, o homem modifica a natureza e por ela é modificado.
Em tempos modernos, com a criação humana dos meios de comunicação para as
massas, desenvolvimento e massificação da internet ligada ao compartilhamento de
informações em tempo real, a espetacularização da cultura esportiva se torna um dos
pilares, no modo de ser da sociedade contemporânea. O vínculo central nessas relações
sociais se dá no consumo de mercadorias, na alienação do trabalhador, no próprio
trabalho, na reificação dos seres humanos e no fetiche das mercadorias. O espetáculo
como entretenimento é uma importante ferramenta geradora de lucro e poder e
manipulação. Enfim na constituição dos seres na modernidade.
O esporte espetacularizado passa de patrimônio cultural da humanidade e direito
social a veículo mercadológico, propriedade privada alienada do homem. Ator e
coadjuvante na manutenção de valores, padrões, perfis, afinidades e padronização de
comportamentos aos interesses da acumulação do capital.
Nesse modelo de produção material, os grandes veículos de comunicação como
os jornais, revistas, rádio e imprensa televisiva tem o jornalismo esportivo facilmente é
confundido apenas com o entretenimento desenvolvido e planejado pela publicidade, pela
propaganda e por meio do marketing.
Os atletas de alto rendimento tornam-se modelos publicitários e as enormes
quantias pagas e amplamente veiculadas nos meios de comunicação fazem com que os
indivíduos menos favorecidos pelo capital almejem essa ascensão social. Um batalhão de
sonhadores são formados, mas o espaço é restrito.
Por meio das mídias, o esporte espetacularizado atua de forma eficiente na criação
de novas necessidades humanas, que serão atendidas não através dos valores de uso e sim
dos valores de troca, do fetiche, da reificação.
19
Na comunicação midiatizada, o receptor capta as informações, admira o que vê, o
que ouve, identifica-se e busca adaptação. Como num sonho, um mundo perfeito é
apresentado. E a sociedade, como numa válvula de escape, mergulha na fantasia. Então,
compra e consome querendo fazer, sem sucesso, da sua realidade concreta aquilo que está
apenas no plano ideal dos anúncios publicitários.
Nesse sentido, o enfoque deste trabalho é a compreensão do que é a formação
humana, em seu sentido ontológico, ou seja, o modo de ser na sociedade contemporânea
e sua relação à educação física e consequentemente a espetacularização do esporte.
20
Metodologia
21
Marx e Engels não deixaram um método de pesquisa, mas percorreram um caminho
buscando conhecer um objeto: a ordem burguesa (HÚNGARO, 2008).
Na busca por conhecer esse modo de produção humana, deixaram pressupostos
teórico-metodológicos e apontamentos na busca pela verdade. Afirmaram que para se
conhecer um objeto é necessário um movimento de idas e vindas, em que se parte da
aparência do objeto, superficial e imprecisa, seguindo para uma compreensão mais
madura, buscando assim a saturação de determinações. Essa saturação representa um
acúmulo de conhecimento sobre o objeto, o contexto em que está inserido e seu tempo
histórico:
22
Este é o fluxo também denominado como materialismo histórico dialético. Tal
conhecimento sistematizado permitiu uma aproximação à essência do objeto, que é
dinâmica. Os corpos estão em constante movimento e não é possível captar um objeto
e recriá-lo de forma idêntica, mas sim apreender, no campo das ideias, o movimento
desse objeto. O clássico pensador grego Heráclito de Éfeso apresenta em um dos seus
mais famosos fragmentos do tratado Sobre a natureza essa problemática: “um homem
não entra duas vezes no mesmo rio” (HERÁCLITO, 1978). E a posteriori, presente
também na tradição hegeliana, em que a essência pressupõe processualidade: “a
autonomia, enquanto amadurecimento do ser para si, é processo, é vir a ser” (HEGEL,
1988).
Reafirmando o que já foi dito, anteriormente, neste tipo organização do
conhecimento, não há como dissociar o enriquecimento teórico do pesquisador da
pesquisa e apenas assim, conseguirá, compreender o objeto estudado, como coloca
Goldmann (apud NETTO, 2011, p. 55):
23
leitura de livros e de autores clássicos originados na tradição do pensamento clássico, e
revisão bibliográfica norteada por análise de fontes documentais. Nesse sentido,
trazendo como técnicas de pesquisa, Netto (2011, p. 25) apresenta os seguintes
esclarecimentos:
24
Por fim este trabalho é teórico e fundamentado no materialismo histórico e
dialético, utilizando da técnica de pesquisa bibliográfica. Num primeiro momento, em
consonância com o método, foi realizada uma revisão sistemática na literatura marxista,
marxiana e no campo da educação física, a fim de buscar as primeiras aproximações ao
objeto, discordâncias e possíveis consensos já produzidos na área de conhecimento. A
busca se deu no movimento de apreender a gênese do objeto pesquisado, tentando
sempre, delimitar o movimento histórico da formação humana e as mediações a
espetacularização do esporte, percebendo as possíveis conexões internas e externas.
Compreendendo no plano das ideias, após a experiência com a materialidade, o que o
objeto foi, o que é e o que pode vir a ser.
25
CAPITULO 1
A FORMAÇÃO HUMANA NA CENTRALIDADE DA ONTOLOGIA DO SER
SOCIAL
1. Essência imutável
2
Cléverson Minikovsky. Heraclito Versus Parmenides. Biblioteca24horas; ISBN 978-85-7893-226-8. p.
25.
26
pedestal de imutabilidade. No mundo atual, a noção de ciência e de verdade ainda é muito
marcada por essa compreensão de ser. E esse entendimento é marcado por um princípio
racional: para a razão e para o bom pensar. Esse princípio é o da identidade. Uma coisa é
igual a ela própria. E, por consequência, essa definição exclui o princípio da contradição.
Uma coisa não pode ser diferente dela própria.
As buscas, mesmo nos dias de hoje, da verdade, de respostas sobre o que os seres
são estão muito marcadas por esse sentimento de argumentação confortável de poder tem
uma explicação, palpável e imutável, sobre determinadas coisas. Os indivíduos, pelo
menos em sua grande maioria, vivem do trabalho assalariado. Para o homem médio é
impossível imaginar uma sociedade que não seja esse, o suposto da relação social de
produção.
3
Adam Schaff em seu livro O marxismo e o indivíduo, de 1967, traz a seguinte compreensão a respeito da
expressão mundo dos homens: “...o mundo do homem só é compreensível como independente de quaisquer
forças existentes fora deste mundo (isto é, fora da natureza e da sociedade), e entendida como obra do
homem”.
4
Para a compreensão da luta em torno da definição da jornada normal de trabalho, ver Marx (1971a,
especialmente capítulo 8).
5
Em outro estudo, é apresentada uma boa explicação sobre as relações entre trabalho e lazer, onde é possível
salientar o entendimento do tempo livre como uma conquista social e histórica dos trabalhadores Ver
Mascarenhas (2000).
27
sociedade, uma sensação de poder, de poder de relacionamento e de pertencimento. Daí
esse modo de agir parecer ser da natureza humana. Mas na verdade é um modo de ser do
ser construído socialmente.
Quando um evento acontece com uma frequência muito alta (devido a uma
influência positivista na maneira de se investigar a verdade), a tendência é se naturalizar,
generalizando indevidamente. Indivíduos humanos deste século adaptaram-se a maneira
burguesa de pensamento, pois desde sempre conviveram sob a propriedade privada,
submetidos a essas relações sociais de produção.
28
Até os dias de hoje o pensamento de Parmênides marca o modo de ser da nossa
sociedade. Por exemplo: o estudante busca se formar no ensino superior achando que será
suficiente. Terminando o curso percebe que ainda há muito a aprender, então busca a pós-
graduação. Terminando a pós-graduação, ainda se percebe incompleto. Isso marca nossos
anseios, nossa visão de educação e de mundo. Entretanto, a busca por um ponto
confortável, um momento de imutabilidade, de conclusão persiste – a buscar por entender
qual é a identidade de determinado fenômeno.
As ideias de Heráclito só vieram a ser retomadas em torno de mil anos depois por
um filósofo alemão chamado Hegel. “Nessa polêmica, durante muito tempo, Parmênides
teve a hegemonia, porém, Hegel recupera Heráclito e o entendimento do ser como vir-a-
ser” (HÚNGARO, 2008, p. 200).
29
Desde a Antiguidade, no período pré-socrático, há uma questão que atravessa
o pensamento filosófico: a essência do mundo é a identidade ou a contradição.
Em outras palavras, a substância do mundo estaria na identidade ou no
movimento. Em torno dessa questão se alinharam, respectivamente,
Parmênides (Nascido em Eléia, em torno de 530 AC) e Heráclito (Nascido em
Éfeso, em torno de 540-470 AC) (HÚNGARO, 2008, p. 200).
Ainda para Heráclito, e já em Hegel, o princípio movente do ser é que ser é vir a
ser. Ser é constante vir a ser. Ser é processo. Tanto que não é possível dizer o que os seres
são. Mas sim o que eles foram, o que estão sendo e analisando o presente e o passado dos
seres torna possível vislumbrar as suas possibilidades e especular o que poderiam vir a
ser. Ou até, alicerçado na ética, dizer o que os seres deveriam vir a ser, levando em conta
os interesses mais universais da humanidade. Essa processualidade do ser é o princípio
da contradição, a essência do raciocínio dialético. Por isso, quando se pergunta qual é a
identidade da Educação Física, ou de outro determinando fenômeno, causa estranheza a
quem opera com os pressupostos teóricos marxistas por se tratar de um pensamento contra
dialético. Para essa teoria não é possível chegar à identidade de alguma coisa porque ser
é processo.
Os gregos, há mais de dois mil anos, se preocupam em explicar o que são os seres.
Mas devido as intempéries da História, com guerras, as invasões bárbaras culminam com
o declínio do Império Greco-Romano e o mundo pautado nesse modo de ver e buscar
entender o que são os seres apresenta um hiato. No movimento cíclico e processual
próprio da História, surge um componente exógeno dessa cultura, que culminará
novamente nessa discussão que queria explicar os seres, surgida do Oriente,
contradizendo a visão politeísta. Até aquele momento os gregos possuíam vários deuses
e esses tinham os mesmos defeitos dos seres humanos.
30
monoteísta católica, as respostas, as explicações e a busca de conforto em uma série de
questionamentos e fenômenos do mundo e dos homens.
Essa visão teocêntrica também apresenta uma explicação do que os seres são. A
humanidade existe porque existe um ser superior que permitiu a existência da vida. Essa
explicação, de caráter ontológico, possui uma visão acima do universo físico, metafísico
– acima daquilo que se vê ou se experimenta por meio dos sentidos humanos.
6
De acordo com Maggie Humm e Rebecca Walker, a história do feminismo pode ser dividida em três
"ondas". A primeira teria ocorrido no século XIX e início do século XX; a segunda nas décadas de 1960 e
1970; e a terceira na década de 1990 até a atualidade. A teoria feminista surgiu desses movimentos
31
A explicação é meta porque está acima. E a fundamentação teocêntrica se propõe
a provar as questões fundamentais da metafísica, mas se propõe a provar, primeiro, a
existência de Deus. Os gregos queriam saber o que os seres são. Os filósofos da
metafísica, como São Tomás de Aquino e Santo Agostinho, vão tentar provar
filosoficamente a existência de Deus, questão fundamental a ser provada na metafísica,
todavia impossível de ser provada numa teoria existencial dos seres, na explicação do que
somos de fato.
Toda explicação sobre o ser vem seguida de uma explicação sobre o dever ser. O
dever ser, ou devir, é o ramo da Ética, um esclarecimento sobre como os homens devem
agir. A perspectiva teocêntrica traz um ensinamento do devir, uma culpa, o pecado
original e, advindo desse erro originário, o padrão existencial a ser cumprido pelo homem.
Os Dez Mandamentos, por exemplo, é um código de ética. Código de ética teocêntrico,
ainda não totalmente superado, pois nos dias atuais grande parte da população ainda segue
muitos desses ensinamentos. Essas explicações metafísicas proporcionam segurança a
muitos questionamentos da humanidade, como a morte, pois o problema da finitude traz
um desconforto à existência humana.
Platão (427 a.C – 347 a.C)7, filósofo grego, base dessa compreensão, evoca o
esclarecimento no qual o mundo vivido pelos homens é o mundo das sombras, o mundo
femininos e se manifesta em diversas disciplinas como a geografia feminista, a história feminista e a crítica
literária feminista (WALKER, Rebecca. Becoming the Third Wave. [S.l.: s.n.], 1992. 39–41 p.)
7
Diógenes Laércio p. 21, David Sedley, Plato's Cratylus, Cambridge University Press 2003.
32
da caverna. O homem tem vida nesse mundo porque tem um corpo. E esse corpo é o
cárcere da alma. Os homens estão nesse mundo, mundo da aparência, mundo da
escuridão, porque estão marcados pelo pecado original, pecado da ignorância (PLATÃO,
2000, p. 289).
Nesse sentido, a natureza humana é imperfeita porque ela não capta a essência das
coisas. Portanto, do ponto de vista do ser humano, essa visão é negativa. Os seres
humanos são imperfeitos, marcados pelo pecado original, a ignorância, e no mundo
vivido e material a essência é inacessível aos homens.
Ainda, em acordo com Platão (2000), o homem está nas trevas em função da
ignorância, o que contrasta com a concepção do Velho Testamento: o homem cai do
paraíso exatamente por causa da sabedoria. No entanto, no contexto da Idade Média,
embora concepções diferentes, elas não são contraditórias. Aqui, o conhecimento é
revelado, mas por meio de alguém. Revelado por meio das divindades ou descoberto pelo
próprio homem.
33
4. Do Paradigma Teocêntrico ao Antropocêntrico
Porém, o burguês começa a ter problemas à medida que começa a acumular moeda
e com a necessidade de trocá-las. Para isso, precisava de proteção, porque senão, seus
pertences e suas posses acumuladas poderiam ser saqueados. O burguês, assim, começa
a concentrar riquezas em forma mobiliária, de dinheiro e de metais. Ademais, uma ação
da Igreja (as Cruzadas)9 fortalece ainda mais esses burgueses.
8
Em 3 de março de 1794, Saint-Just afirma na tribuna da Convenção, pensando nas possibilidades abertas
pela Revolução Francesa: “A felicidade é uma ideia nova na Europa”.
9
As Cruzadas foram guerras estimuladas pela Igreja Católica com o intuito de aumentar seu poderio
ideológico e econômico com a justificativa de difundir o Evangelho. Huberman (1983 apud Húngaro, 2001:
64) afirma que “As cruzadas levaram novo ímpeto ao comércio. Dezenas de milhares de europeus
atravessaram o continente por terra e mar para arrebatar a Terra Prometida aos muçulmanos. Necessitavam
de provisões durante todo o caminho e os mercadores os acompanhavam a fim de fornecer-lhes o de que
precisassem. Os cruzados que regressavam de suas jornadas (...) traziam com eles o gosto pelas comidas e
roupas requintadas que tinham visto e experimentado. Sua procura criou um mercado para esses produtos.
[...]. Frequentemente, as guerras fronteiriças contra os muçulmanos, no Mediterrâneo, e contra as tribos da
Europa Oriental eram dignificadas pelo nome de Cruzadas quando, na realidade, constituíam guerras de
pilhagens e por terras. A Igreja envolveu essas expedições de saque num manto de respeitabilidade,
fazendo-as aparecer como se fossem guerras com o propósito de difundir o Evangelho ou exterminar
pagãos, ou ainda defender a Terra Santa”.
34
As cruzadas foram o movimento dos militares de inspiração cristã que se estendeu
do século XI ao XIII. Partiam da Europa Ocidental em direção à Palestina (região
cotrolada pelos turcos mulçumanos e também considerada Terra Santa para os cristãos)
e à cidade de Jerusalém. Tinham o intuito de conquistá-las, ocupá-las e mantê-las sob
domínio cristão. Na Região do oriente médio as cruzadas foram chamadas de "invasões
francas", pois os habitantes da região percebiam estes movimentos armados como
invasões. A maioria dos soldados eram dos territórios do antigo Império Carolíngio, hoje
região da França, e se autodenominavam francos.
Por volta dos séculos XI e XIII, a visão dualista de mundo entra em decadência.
Na disputa entre burguesia e igreja surgem novas visões de mundo. Entendimentos esses
que questionavam o poderio ideológico da Igreja, na qual a verdade era uma revelação
Divina, permitida apenas ao clero. E o poder nas mãos dos nobres como sendo um dom
divino e sendo assim os reis, a nobreza e o clero eram os verdadeiros representantes de
Deus na terra não devendo jamais serem questionados. (Patriarca, 2012, pág. 16)
35
A fé, como se sabe, funda-se na crença e a ciência, na dúvida. A verdade deixa de
ser, portanto, uma revelação e passa a ser compreendida como uma “descoberta”,
resultado do exercício racional da dúvida. Não se faz religião com dúvida. Os homens,
aos poucos, vão se percebendo como seres racionais e, portanto, como aqueles a quem é
possível a “descoberta da verdade”. Essa é a essência do racionalismo: é a razão humana
e não a fé que distingue o verdadeiro do falso!
A mudança das circunstâncias faz surgir novas ideias: não é atoa que as cidades
comerciais vão estimular a atividade científica, as atividades das artes no período do
Renascimento, porque era uma forma de negar aquela concepção de homem ruim.
36
considerado um dos principais filósofos do Iluminismo. Para ele, os homens são bons por
natureza, o problema é o mundo. Sabe-se que esse ideal alimentou movimentos
revolucionários.
Por outro lado, a economia francesa passava por uma crise: mais da metade da
população trabalhava no campo, além de vários fatores (clima, secas e inundações)
piorarem ainda mais a situação da agricultura, fazendo com que os preços subissem. Nas
cidades e no campo, a população sofria com a fome e a miséria. Além da agricultura, a
indústria têxtil também passava por dificuldades por causa da concorrência com os
tecidos ingleses que chegavam do mercado interno francês. Como consequência, vários
trabalhadores ficaram desempregados e a sociedade teve o seu número de famintos e
marginalizados elevado. Toda essa situação fazia com que a burguesia (ligada à
manufatura e ao comércio) ficasse cada vez mais infeliz. A fim de contornar a crise, o Rei
Luís XVI resolveu cobrar tributos do povo (3º estado), em vez de fazer cobranças ao clero
e à nobreza.
Em meio a uma crise fiscal, o povo francês fica cada vez mais irritado com as
ações do rei Luis XVI, com sua indiferença contínua em relação ao povo. Esse
ressentimento, aliado aos cada vez mais populares ideais iluministas, alimentaram
37
sentimentos severos os quais desencadeiam a revolução em 1789, culminando com a
morte da familia real em 1793. A execução do rei Luís XVI, com sua cabeça cortada e
seu sangue “vermelho humano” jorrado em praça pública demostra a força do pensamento
de que os nobres não são divindades enviadas das alturas e que os homens são iguais
abaixo dos céus.
38
como a mobilização e a tomada de consciência do real. A Revolução Francesa é um
exemplo clássico dessa afirmação: ela foi muito mais do que a simples ocorrência do dia
14 de julho; mais do que um movimento linear, estanque e desarticulado. A Revolução
Francesa foi um período de intensa agitação com causas remotas e imediatas: sociais,
econômicas e políticas.
Assim, o povo começa a perceber que essa classe social que ascendeu,
protagonista do movimento revolucionário, não cumpriu o que prometeu. É nesse
momento que a classe ascendente traz à tona a construção de outra concepção de homem
e de mundo, com o ser humano sendo ruim por natureza.
39
Como o que sustenta o existente é a definição das diferenças inatas, é possível
notar, agora, outro discurso da classe burguesa no poder: o problema não se encontra no
mundo, não está na sociedade – o problema são as pessoas. Os seres humanos são
desiguais por natureza. Em outras palavras, um determinado indivíduo já nasce com a
capacidade de pensar, refletir, apto a trabalhos mais nobres na sociedade. Outro,
entretanto, nasce com a capacidade para trabalhos inferiores. Nessa nova ontologia as
aptidões naturais devem ser respeitadas. O problema não está na organização burguesa.
Por que existe desigualdade? Porque uns possuem mais capacidade do que os outros. Essa
concepção é a concepção das diferenças inatas.
Presentes, ainda hoje, é possível notar cada uma dessas concepções. Ditos
populares como: Pau que nasce torto morre torto. O entendimento é que o problema é
original, já estava na origem do ser. Nas escolas, é notadamente perceptível no cotidiano,
atitudes no sentido de não repreender as crianças pois são fruto de legitima
espontaneidade. Esse discurso é produto do romantismo. Outro discurso é o dos
problemas no mundo contemporâneo serem resultado da falta de fé em Deus! Ou seja, há
sincretismo de concepções de homem e mundo.
Essas compreensões do que são os seres dizem o que o homem é de fato. Sobre os
humanos e seu modo de relacionamento em sociedade. Entretanto são limitadas e
impedem que a sociedade alcance patamares superiores de civilidade.
40
Desde Heráclito (apud Spinelli, 2003) e Parmênides (apud Bornheim, 2005), já se
percebe o exemplo do indivíduo que olha para o mundo: quando o observa tem a
impressão de que as coisas passam, que são imutáveis, mas é considerável notar que há
uma diferença entre perceber e pensar. Nos dois casos, Parmênides (idem) observou as
coisas e relatou que elas são imutáveis. Mas, para Heráclito (idem), elas não permanecem:
a ideia do vir a ser. O observador tem a falsa impressão de que elas, as coisas observadas,
ficam sempre da mesma forma.
Ambos olharam para o mesmo mundo, ambos perceberam o mesmo mundo, mas
chegaram a conclusões distintas: uma coisa é ter essa possibilidade de percepção; outra
coisa é fazer juízo sobre isso. Essa dualidade da filosofia clássica (ver-pensar o mundo)
possibilitou outro questionamento sobre os seres humanos: como é que se conhecem os
seres? Como é que se conhece a essência das coisas?
41
8. Por uma Teoria do Ser Social
42
ocorrido e defendendo os desvalidos, mas percebe que necessita de fundamento teórico
para sustentar sua posição, pois ela é tão somente uma posição de princípio: os seres
humanos têm que vir à frente da propriedade privada. Mas o que é o direito à propriedade
privada?
Hegel (1998) acredita que a sociedade civil burguesa é o reino da miséria física e
moral. Marx (1974; 1985), por sua vez, objetivava interpretar essa sociedade a fim de
entender o poder nele estabelecido. A sociedade civil burguesa coloca o homem em
primeiro lugar? Esse é um princípio iluminista: só se transforma aquilo que se conhece.
Assim, o conhecimento teórico é uma arma revolucionária. O suposto desses autores é
que toda e qualquer forma de dominação sobre o outro tem que operar necessariamente
com alguma forma de consentimento, de forma a convencer de que aquele domínio é
legítimo. Marx (1974; 1985) propõe as mesmas questões que vinham desde a Grécia
Antiga: o que importa para ele é responder o que os seres são.
O que Marx (1985) argumenta é que a alienação é uma condição existencial: para
o burguês, na metáfora do Sartre (2007), o inferno é sempre os outros, mas para Marx os
burgueses não são os outros; os burgueses somos nós. O burguês, por exemplo, é o tipo
humano cuja obra de arte da sala é para combinar com a cortina; é o tipo humano que fica
feliz quanto mais possui; que põe sua felicidade nas mercadorias. “O capital” de Marx,
segundo uma leitura de Lukács (1979), é uma nova explicação sobre o ser, o que os seres
são, e por que eles são da maneira que são.
Aristóteles (2008) afirma que o homem é um ser um animal político e social. Marx
(2001) e Lukács (1979) estão de acordo com essa afirmação: cada um é uma construção
social, histórica e cultural. Assim, o homem é um ser social, mas possui uma dimensão
que é universal. Somo seres sociais e seres singulares. Não existem seres idênticos
repetidos. Os seres humanos são seres singulares, porém a sua singularidade advém do
43
viver em sociedade. Essa singularidade é fruto do meio, de condições históricas, culturais,
políticas e econômicas.
...o homem é por natureza um animal social, e que é por natureza e não
por mero acidente, não fizesse parte de cidade alguma, seria desprezível
ou estaria acima da humanidade […]. Agora é evidente que o homem,
muito mais que a abelha ou outro animal gregário, é um animal social.
Como costumamos dizer, a natureza não faz nada sem um propósito, e
o homem é o único entre os animais que tem o dom da fala. Na verdade,
a simples voz pode indicar a dor e o prazer, os outros animais a possuem
(sua natureza foi desenvolvida somente até o ponto de ter sensações do
que é doloroso ou agradável e externá-las entre si), mas a fala tem a
finalidade de indicar o conveniente e o nocivo, e portanto também o
justo e o injusto; a característica específica do homem em comparação
com os outros animais é que somente ele tem o sentimento do bem e do
mal, do justo e do injusto e de outras qualidades morais, e é a
comunidade de seres com tal sentimento que constitui a família e a
cidade (ARISTÓTELES, p. 34, 2008).
Há, então, condicionantes sociais e históricos que agem sobre os homens, mas não
os imobiliza, pois, os seres não são só fruto do sistema, mas interferem nessa realidade.
Os homens são, de alguma forma, agentes da sua própria história, agentes do seu próprio
destino. E precisam de atitude e estratégia para interferir na maneira de pensar dos seus
semelhantes. O ser singular interfere no modo de pensar dos seus pares mais próximos,
mas isso não quer dizer que vai acabar com a fome em escala global. Entretanto, por meio
da ação individual é possível criar os mecanismos necessários para a ação e organização
coletivas capazes de uma reorganização social mais humanizada frente aos desafios e
dificuldades. As transformações sociais dependem das ações humanas, concretas e
coletivas, emaranhadas num tecido social complexo e articulado.
Sabe-se, dessa forma, que o homem é um ser social. Para Vygotsky (1996), há a
formação social da mente: a consciência é construída socialmente. Em outras palavras, é
a aprendizagem que determina o desenvolvimento. Sendo assim, é possível o poder sobre
44
o mundo. As escolhas e alternativas são possíveis. Quanto mais se ampliam as
alternativas, maiores as condições de escolhas.
Marx (1997) se vincula a uma compreensão humana que envolve a práxis. O que
é práxis? É a ação intencional que o homem produz, executa, consigna. A mais importante
delas, segundo Marx (idem), é o trabalho. Nós que somos seres naturais nos distinguimos
da natureza porque transformamos a natureza intencionalmente, de forma consciente, um
ato que se divide em três momentos fundamentais: o primeiro, o momento do projeto; o
segundo, o momento da execução; o terceiro, a concretização daquilo que mobilizou suas
forças, o produto.
Para Marx,
45
Por meio do trabalho o homem transforma a natureza e por essa mediação é
transformado. O homem é o único ser que transforma intencionalmente a natureza; essa
transformação intencional, ela é teleologicamente posta, porque o homem antes de
transformar na realidade ele transforma na sua cabeça; ele projeta, ele é um ser de
teleologia (tele é prefixo que significa distância; logia, pensamento). Quer dizer, ele pensa
à distância. “No fim do processo de trabalho obtém-se um resultado que já no início deste
existiu na imaginação do trabalhador, e, portanto, idealmente” (Marx, 1985, p. 298). Essa
prévia ideação tem por base, por fundamento, por origem da materialidade do mundo,
aqui na direção inversa do que pensava Descartes: o homem pensa e existe. Em Marx, ao
contrário, o homem existe e por isso ele pensa. Assim, o materialismo na filosofia é
sempre considerar o existir anterior ao pensar.
Hegel (1998) propõe, juntamente com a incerteza, uma certeza: se nós somos vir
a ser, nós não somos todos poderosos. Primeiro ele oferece uma certeza (nós somos vir a
ser), ao que ele dá uma resposta à questão o que os seres são? Eles são o vir a ser. No
objeto do trabalho do ser está a objetivação do sujeito - qual é a forma que o ser humano
tem de se pôr no mundo? Objetivando-se, externalizando-se, concretizando-se. Sendo
assim, o que diferencia o homem dos animais não é só a consciência, mas também a ação.
46
Uma imanente relação entre objetivação e subjetivação, pode ser constatada. Um
processo dialético no qual o homem existe como consciência e como coisa, objeto e
produto. Desse modo, o homem transforma a natureza e é por ela transformado, em um
elo consciente o qual supera o homem enquanto sujeito singular.
Uma tribo, por exemplo, pratica a caça. No entanto, antes os indivíduos vão
projetar, prévia-ideação: antes da caça propriamente dita, eles desenharam a
representação da caça na parede. Fizeram pela necessidade de planejar, mas fizeram
também por uma função mística religiosa, porque acreditavam alegrar os seus deuses,
representando aquilo que é domínio deles. Tanto é que mais para frente inventaram as
cores, porque acreditavam que quanto mais pintar fosse representativo do fato, mais
estariam agradando aos seus deuses. Podemos dizer que isso é a própria forma da pintura
47
da tribo, ou seja, é pura no seu estado original, mas a finalidade que essa pintura tinha
nessa sociedade não era artística. No entanto, sem essa expressão eles não teriam
desenvolvido as habilidades pictóricas.
As artes, por sua vez, são sistematizações humanas da própria natureza, elas não
poderiam existir se não fosse essa nossa capacidade de transformar intencionalmente a
natureza. Por exemplo, o castor constrói uma represa. Mas alguém já presenciou uma
represa com sistema de produção de energia? Não. Os diques feitos pelos castores, há
centenas de anos, são feitos da mesma forma. O quanto há de nível de consciência lá?
Segundo Marx, “para produzir materialmente, para além das formas instintivas de
trabalho, o homem necessita antecipar em ideias os objetivos da ação. Desse modo, o
produto é um resultado que já existia antes idealmente na imaginação do trabalhador”
(MARX, 2005, p. 212).
Ainda segundo o autor, “o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que
ele figura na mente sua construção antes de transformá-la em realidade” (MARX, 2005,
p. 211-212). É a atividade vital consciente que diferencia o homem imediatamente da
atividade vital animal (MARX, 2004), pois “o homem vive da natureza significa” que “a
natureza é o seu corpo, com o qual ele tem de ficar num processo contínuo para não
morrer”, de modo “que a vida física e mental do homem estar interconectada com a
48
natureza não tem outro sentido senão que a natureza está interconectada consigo mesma”,
porque “o homem é parte da natureza” (MARX, 2004, p. 84).
Todo nosso acúmulo histórico universal, fruto do trabalho que está em forma
potencial no gênero humano é: a arte, os livros, as técnicas – tudo aquilo que a raça
humana desenvolveu. Também chamado de desenvolvimento genérico ou do gênero.
49
Saviani nos traz a contribuição de que educar, ou formar, é incutir cultura humana
nos homens. A humanidade do homem não é um dado natural, mas construída
socialmente por meio da relação com o outro. Educar é incorporar cultura humana nos
homens como uma segunda natureza.
... natureza humana não é dada ao homem, mas é por ele produzida sobre a
base da natureza biofísica. Consequentemente, o trabalho educativo é o ato de
produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade
que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens.
(SAVIANI, 2008b, p.13)
A arte retórica, para Aristóteles (apud Bosi, 1985), não constitui – como para os
sofistas – a arte de persuadir, mas se caracteriza por conhecer os meios adequados para
persuadir e os diversos gêneros de persuasão. É preciso que o orador sempre procure tocar
os sentimentos dos ouvintes, pois ele não deve se dirigir ao intelecto do ouvinte, mas aos
seus sentimentos, de forma a suscitar medo, cólera, ódio, amor, piedade, etc. Assim,
Aristóteles (apud Bosi, 1985) reconhece que o orador pode por meio de seus argumentos
gerar sentimentos que não estavam presentes no ouvinte.
A arte poética, para Aristóteles (apud Bosi, 1985), pode ser trágica, lírica, cômica
ou épica. Poesia, para o filósofo, é toda arte que imite (emule ou simule) caracteres,
paixões e ações. A poesia não é um conhecimento teórico como a filosofia, pois tem por
finalidade imitar sentimentos humanos e não analisar a natureza das coisas. Todavia, a
poesia volta-se para o universal, pois procura sempre trabalhar não com os sentimentos
individuais deste ou daquele, mas com os sentimentos de todos; nesse sentido, se
aproxima da filosofia (universalidade). Segundo Aristóteles, a tragédia é capaz de
promover a catarse, ou seja, uma função ético-pedagógica que incide sobre o expectador,
fazendo-o sentir os sentimentos narrados e vivenciá-los interiormente, libertando-se num
segundo momento. Alguém que assiste a um filme que lhe coloque em contato com a
condição humana universal e chora, o faz pois vivencia intensamente a problemática do
filme e também de sua própria vida, assim e se purifica, se reconhece e se humaniza –
isso é catarse. Por isso, ela é uma espécie de medicina da alma, pois explora as paixões
humanas e coloca o homem em contato com sua própria humanidade no gênero por meio
da arte (BOSI, 1985). Um momento de síntese e transparência simultânea entre aparência
e essência.
De toda forma, sabe-se que alguém para gostar de determinado tipo de música
precisa ser estimulado, educado, mas em nossa sociedade muitas vezes o indivíduo
51
precisa de dinheiro para tal. Vive-se em uma época em que a cultura está mercantilizada.
A escola, então, deve ser um meio de socialização de ciências e artes, de forma a oferecer
ao indivíduo, desde cedo, objetos paralelos para ele se apropriar do gênero, humanizando-
se.
Só que para elaborá-la, Cervantes teve também que estudar, pesquisar. Então, para
avaliar se é uma obra de arte ou não, é necessário colocar tudo em voga. É preciso avaliar
o conteúdo e a forma. Seria possível alguém pensar em conteúdo, forma, se não fosse ser
humano? Se não tivesse essa capacidade de transformar o que acontece em meio à
natureza? O que se apresenta aqui, então, são as enormes possibilidades e capacidade que
o gênero humano possui em potencial de construir. Mas, por outro lado, a alienação
proporciona a inadequação ao indivíduo ao gênero (deformação humana).
São quatro músicas que tratam da temática discutida até agora. A discussão é
desenvolvida nos moldes e no método do materialismo histórico dialético ao tratar da
52
concepção de trabalho. Muitas seriam as possibilidades de mediação, entretanto nos
ateremos apenas a uma análise com fins pedagógicos, sem a pretensão de ter aqui o peso
e rigor dos profissionais críticos literários.
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Guarda bem minha viola, meu amor e meu cansaço
Hoje eu vim minha nega mostra a condição humana nos dias de hoje. Por mais
que o artista trabalhe com a arte, que é por natureza humanizante ainda persistem as
características do trabalho alienado. A necessidade de trabalhar mesmo quando não se
quer, da auto realização fora do trabalho, num modo de organização social onde tudo é
transformado em mercadoria e posta à venda, no caso da música, a força de trabalho do
artista dando vida e produzindo e reproduzindo o samba. Visitar a nega, por conta do
trabalho, é para quando sobra tempo e não quando se quer.
54
Belchior - De Primeira Grandeza
Essa vida que nos foi ofertada poderia ser diferente do que é? Sim, porque o
homem é maior. Haja vista todo seu potencial, as belíssimas obras de arte, a música, o
cinema, a tecnologia, a ciência, o domínio e superação da natureza e das barreiras naturais
antes impostas a vida humana no planeta. No sentido de que o ser humano se constrói e é
capaz de mudar sua própria história, independentemente dos grilhões religiosos e sociais
construídos pelos próprios homens que dizem o contrário.
Mas o que é o homem: anjo, herói, deus, poeta, dançarino? A história se destina à
vida, ao gozo, mas esta vida só se destina ao trabalho, ao trabalho alienado, ao trabalho
destinado a ganhar o seu sustento com o suor do rosto, tendo em vista que isso foi imposto
e não é fruto da nossa própria escolha. Nessa música, como se vê, diz o contrário de tudo
isso: o ser humano se destina a muito mais do que essa pobreza e esse empobrecimento;
a nossa vida necessita ser muito mais gozo do que ela é.
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Violeta Parra - Gracias a lá Vida (Violeta Parra)
Gracias a la Vida
Gracias a la Vida
Gracias a la Vida
Gracias a la Vida
A música “Graças a lá vida” diz que o ser humano possui a capacidade de ciência,
mas graças à vida, e não a seres ou capacidades sobrenaturais advindas de meios
metafísicos. Graças à vida que nos ofertou dois olhos que, quando são usados, são
responsáveis pelo ato sensorial da cultura, da história. Abre-se o olho e distingue-se o
negro do branco. Distingue negro do branco e no alto céu, no fundo estrelado do céu e
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nas multidões, se pode distinguir o homem amado. E de acordo com a música, a vida
doou mais: ela deu ouvido que, na sua amplitude, grava noite e dia, grilos, canários,
martelos, motores, latido, trovoadas e a voz tão terna do bem-amado. Ouvidos e sentidos
humanos que são produzidos. Produzidos pela humanidade no processo históricos
vivenciado pela raça humana. Graças à vida, conhece-se o a, b, c, dário, o que se pensa e
o que se declara. Conhecimento produzido e transmitido ao gênero humano de geração
em geração, na produção e reprodução da língua e da linguagem.
A música diz mais: graças à vida, possui-se um coração, que agita seu ritmo
quando se vê o fruto do cérebro humano, essa nossa capacidade teleológica, interventiva
de projetar primeiro na mente o que faremos como projeto. Capacidade essa que nos faz
humanos e nos distingue dos animais inferiores no planeta. Graças ao coração, se enxerga
o bem tão longe do mal, o fundo dos olhos claros da pessoa amada. Graças à vida, possui-
se a marcha dos pés cansados de tanto caminhar pela vida: pela cidade, pelos campos,
pelas praias desertas, pelas montanhas e planícies, na rua, no quintal. Somos seres sociais.
Graças à vida, possui-se o riso e o choro, a felicidade e o sofrimento, o canto, a expressão
enquanto indivíduo singular – um canto que é de todos, é de um, é o mesmo canto, o canto
de toda humanidade. Somos seres humanos, genéricos produzidos e humanizados na
coletividade.
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Que yo cambie no es extraño
A música diz que não muda o amor por mais distante que o eu poético se encontre:
nem a memória, nem a dor do seu povo e da sua gente, ou seja, o eu poético traz em si o
movimento dialético da mudança e da permanência. Permanecem exatamente iguais,
parecem exatamente iguais, mas num fluxo histórico humano e processual se tem os
ventos da transformação e humanização. Assim, se houvesse a condição material nesta
sociedade de se doar gratuitamente para entender essas músicas, talvez toda essa
elaboração filosófica e acadêmica fosse dispensada, a fim de se entender o que é uma
compreensão materialista, histórica e dialética do mundo, do enriquecimento do gênero e
da inadequação dos indivíduos ao gênero.
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Nesse painel o artista representa a ocasião do bombardeio sofrido pela cidade
espanhola de Guernica em 26 de abril de 1937 por aviões alemães, apoiando o ditador
Francisco Franco. O ataque foi lançado a uma cidade civil sem a mínima condição de
defesa e na pintura, Picasso fez uso apenas do preto, branco e cinza, eram cabeças da vaca
de um lado, criança chorando do outro o que demonstrava o sentimento de repúdio do
artista a ação militar alemã. Como um artista com um mínimo de humanidade pode
retratar tamanha atrocidade colorida? Então, forma e conteúdo estão necessariamente e
intimamente interligados na composição artística.
59
Capítulo 2
MODO DE PRODUÇÃO DO SER NA ORDEM BURGUESA
Composição Alienada
60
tipo de ser dos seres humanos neste corpo social. Sendo assim, Fromm (1964, p. 88)
sinaliza: “Nosso caráter é engrenado para trocar e receber, para negociar e consumir.
Tudo, tanto os objetos espirituais como os materiais, tornam-se objeto de troca e de
consumo. ”
Por um lado, então, o ser humano da sociedade capitalista será uma expressão dos
interesses de classe. Partindo do pressuposto que os interesses dominantes numa
determinada sociedade de classe são os interesses da classe dominante, é viável constatar
que na sociedade capitalista os interesses predominantes são os interesses da burguesia.
Destarte, o ser humano do capitalismo será impelido a existir em acordo com essas
inclinações. E uma das características fundamentais desses interesses é o trabalho
alienado ou trabalho estranhado. Entender o trabalho e o trabalho alienado são elementos
fundamentais para uma essencial compreensão o modo de ser dos seres no capitalismo.
61
os animais irracionais, mas ao contrário, é capaz de fazer da sua atividade objetiva
instrumento constituinte de sua consciência.
Com a ação humana o homem modifica a natureza e por ela é modificado. Essa
ação se dá em um movimento de intervenção e superação das barreiras limitantes naturais.
Onde se realizada uma dinâmica de aprendizado e apropriação das atividades, dos
fenômenos e objetos de toda sorte e assim sendo, com essas mediações, à espécie humana
se apresentam novas possibilidades de desenvolvimento, em níveis acumulação cada vez
maiores de universalidade e liberdade.
Os animais irracionais, diferentemente dos humanos, ficam restritos à
necessidades biológicas, cada qual a sua espécie. Deveres esses indispensáveis a
reprodução da vida animal e determinados geneticamente. Marx denomina a atividade
vital dos animais irracionais como: atividade vital limitada. Ele afirma que o animal
também produz, constrói ninho, habitações, como a abelha, castor, formiga e etc.. Porém
produz apenas o necessário de maneira imediata para si e para seus filhotes, executando
as ações em uma forma unilateral. Como exemplo é didático citar o joão-de-barro, o
pássaro constrói sua casa nos galhos das árvores e frente a condições climáticas adversas
como, chuvas e ventos, repetidas vezes refaz a sua casa da mesma maneira. Ainda que
construa seu próprio ninho esta ação é condicionada e limitada pelas características
biológicas da espécie. O animal não aprende e não modifica sua prática com o
aprendizado. Mesmo por meio das mediações determinadas entre a ave e o meio ambiente
ela nunca fará do seu ninho como peça de transformação consciente.
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compreende e evoluído é o homem em relação a sua dimensão animal tanto maior é o
domínio humano e o respeito em relação a natureza orgânica e inorgânica da qual ele vive
e é parte.
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A partir da compreensão do trabalho e sua condição como categoria fundante
formação e constituição do homem é possível, a partir desse momento, perceber a relação
entre a objetivação e subjetivação. Essa conexão entre a atividade interventiva do homem
no mundo e o resultado em sua formação e autoconstrução se dá de maneira dialética e
processual onde o ser humano existe como consciência, que não deixa de ser uma forma
evoluída de matéria, e como coisa, como matéria, um objeto, um produto. Logo, o homem
transforma a natureza e por ela é transformado em uma conexão consciente que extrapola
o homem enquanto sujeito singular.
64
15. Do Trabalho Alienado
65
Buscado ainda uma explicação mais detalhada sobre a categoria da alienação do
trabalho é possível compreender, em acordo com Marx (2010), quatro níveis diferentes
de alienação na práxis humana.
66
Deste episódio podemos entender que a alienação do trabalhador em seu produto,
não significa que o trabalho se converta apenas em objeto, assumindo assim uma
existência externa ao planejamento de sua mente. Mas ainda, que o objeto passa a existir
independente de seu criador, fora das forças humanas que o construíram, estranhos ao
homem. E esses objetos dotados de uma força autônoma, (força essa que parecem vir do
próprio objeto criado) se defrontam contra o seu criador. A vida dada aos objetos se
voltam contra o criador, uma força estranha e hostil.
67
O homem forjado no trabalho alienado, do modo de produção capitalista, apenas
se sente à vontade fora do trabalho, em seus momentos de folga. A entrega ao trabalho
não é voluntaria, é imposta. O trabalho é forçado. O trabalho deixa de ser uma realização
humana e passa a ser, apenas um meio para a satisfação de outras necessidades.
O caráter alienado do trabalho é notado tão logo não haja qualquer compulsão
física a qualquer outra imposição ao trabalhador. Esse trabalho é evitado como uma
doença. O trabalho alienado materializado revela o homem alienado de si próprio e é um
sacrifício, uma mortificação. Por fim, a face revelada do trabalho no modo capitalista, é
de que o produto e o próprio trabalho não pertencem ao homem que trabalha e sim a outro
detentor dos meios de produção que o contratou.
A conclusão que se chega e que o homem que trabalha, que vende a sua força de
trabalho, se sente livre e ativo apenas em suas funções animais (Comer, beber, sexo, em
sua residência e no culto ao corpo e as aparências). Não que comer, beber e fazer sexo
não sejam atividades genuinamente humanas, mas consideradas isoladamente e
convertidas como um fim em si mesmas, deixando de lado outras atividades humanas são
funções animais. Assim a dimensão animal do homem é hipertrofiada e a dimensão
humana construída na história é subjugada. O animal se torna homem e o homem se torna
animal.
10
O nome ente-espécie utilizado por Marx, no primeiro manuscrito econômico filosófico é uma clara
referência ao livro de Feuerbarch “ A essência do cristianismo. Marx se vale do termo para distinguir a
consciência do homem da consciência dos animais. Aqui o Homem é consciente de si mesmo como
indivíduo e também da espécie, da essência humana. (Fromm, 1961)
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de ação humana, mas sim no sentido de tratar-se a si mesmo como uma espécie animal
consciente, vivo e livre. Um ser universal.
Tanto para o homem quanto para as espécies animais inferiores a sua base física
se encontra no fato de viverem da natureza inorgânica. Como o homem, por meio de sua
consciência é mais universal que outros animais, assim também, os limites da natureza
inorgânica vividos pelo homem são expandidos e mais universais.
Água, ar, luz, minerais, vegetais e animais são constitutivos de uma parte da
consciência humana. São a natureza inorgânica espiritual do homem, meios constitutivos
e formadores da vida intelectual humana. Nos quais a raça humana prepara sua fruição,
seu prazer e a perpetuação da espécie. De um ponto de vista acadêmico objetos das
ciências naturais e das artes. Sob o ponto e vista prático formam parte das atividades
humanas e da vida.
Numa primeira aproximação, aparentemente, o homem vive apenas desses
produtos naturais: alimento, abrigo, roupas, aquecimento, etc., entretanto a universalidade
do homem aparece, na prática, na universalidade do gênero humano que faz da natureza
inteira uma extensão do seu corpo orgânico. Natureza que é meio imediato de vida e
instrumento para suas atividades humanas.
A natureza é o corpo inorgânico do homem quando se exclui o próprio corpo
humano da natureza. E sendo assim, dizer que o homem vive da natureza significa dizer
que a natureza é o corpo humano. E essa relação deve ser mantida em constante equilíbrio
de intercambio a fim de não morrerem.
De tudo isso se pode afirmar que o bem-estar físico e mental e a própria vida
humana no planeta são interdependentes com a natureza. Unicamente, significa dizer
também que: A natureza é interdependente dela mesma pois o ser humano é natureza.
De tal maneira o trabalho alienado desencaminha o homem de particularidades
que lhes são próprias. Priva o homem da natureza e o afasta de si mesmo, da sua atividade
vital. Isto posto, aliena o homem de sua espécie, do seu ser universal, do seu gênero. O
69
trabalho alienado transforma a vida social e coletiva dos homens em uma falsa sensação
de vida individual.
Num primeiro momento essa forma de trabalho aliena a vida enquanto gênero e
dialeticamente também modifica a vida individual. Transforma a vida singular em uma
abstração, uma ilusão com um discurso do bem maior coletivo, esse também, nesse
modelo, já se encontra abstrato e alienado.
O produto do trabalho humano é também um trabalho incorporado em um objeto.
É coisa física, objeto tornado real por meio e tão somente pela ação humana. Algo antes
apenas na mente do produtor, por meio do trabalho, se materializa. No próprio ato de
execução do trabalho acontece uma simultaneidade entre construção do objeto e a própria
construção do ser que está trabalhando, agindo e em movimento.
O trabalho, atividade vital e vida produtiva dos seres humanos, no modo de
produção capitalista, aparecem apenas como meios para satisfação de uma necessidade,
a manutenção da vida em suas funções biológicas. A vida, porém, é muito mais que isso.
A forma como os homens produzem os bens de consumo é também a forma como os
homens produzem sua própria humanidade. É a produção da vida material produzido a
vida social.
Um momento definido por objetivação e subjetivação dos homens. Esses
processos envolvidos na execução do trabalho, tal qual estão postos na economia
contemporânea, podem ser percebidos como uma degradação do trabalhador, da própria
constituição do ser humano que trabalha.
Como já foi mencionado, no tipo de atividade vital, reside todo caráter de uma
espécie. As características da espécie são a livre atividade do animal e a consciência é o
caráter da espécie humana. A vida se assemelha ao meio de vida.
Na concretização dos objetos produzidos acontece algo como uma perda e
também uma servidão do trabalhador em face do serviço prestado e dos objetos por ele
produzidos. O fluxo evolutivo no qual deveria acontece a formação da humanidade do
homem e acumulo genérico, acontece assim, de maneira alienada e estranhada. O gênero
vai se construindo dilacerado perdendo características que lhe deveriam ser próprias se
construindo de forma distorcida.
Mesmo com os avanços tecnológicos e o aumento da produção, o trabalhador fica
mais pobre a medida em que produz mais riquezas. Torna-se uma mercadoria cada vez
mais barata, de maneira inversamente proporcional a maior quantidade de bens que cria.
70
A desvalorização do mundo humano aumenta na razão direta do aumento de valor do
mundo dos objetos.
Com esse entendimento o ser humano deveria, por meio do trabalho, apropriar-se
da humanidade historicamente produzida e avançar a níveis superiores de
desenvolvimento, entretanto na conformação da ordem burguesa, o humano tem no
trabalho, apenas um meio para a satisfação de necessidades imediatas.
A busca imediata dos meios subsistência, conferem a vida uma forma abstrata e
estranha, isto é, unilateral e alheia ao gênero. Ela inibe a capacidade humana de
apropriação da sua essência omnilateral, de um modo de ser omnilateral, portanto um
homem total. (Marx, 2010, p. 108)
71
pensar, portanto, mas com todos os sentidos o homem é afirmado no mundo objetivo”
(Marx, 2010, p. 110). O ser omnilateral é livre em sua atividade vital consciente que se
expressa objetiva e subjetivamente.
Ainda, para não deixar a falsa impressão de que apenas aos desprovidos de
dinheiro é que são destinadas falta de sentido da ordem social e econômica vigente.
Notemos, por exemplo: As mais belas paisagens com deliciosas águas termais, aos olhos
de um corretor de imóveis não passam de uma excelente oportunidade de negócio, na
construção de um possível Resort. Ou mesmo um comerciante de joias preciosas que
72
percebe apenas o valor comercial dos utensílios e perde a beleza, o brilho, dentre outras
características peculiares do mineral.
Os resultados desse processo comprometem assim não só a classe que vive do
trabalho assalariado, mas toda espécie humana.
Desta forma, a humanidade do homem é formada a partir das atividades
historicamente desenvolvidas e produzidas, pelas quais os seres singulares se colocam no
mundo. Nenhum ser humano se desenvolve como indivíduo sem se fazer presente em
formas socialmente criadas de objetivação. E qualquer caminho longe disso é
fundamentalmente, um afastamento da totalidade do gênero. “[...], portanto, a objetivação
da essência humana, tanto do ponto de vista teórico quanto prático, é necessária tanto para
fazer humanos os sentidos do homem quanto para criar sentido humano correspondente
à riqueza inteira do ser humano e natural” (Marx, 2010, p. 110).
73
sociedades mais primitivas, nos modos de produção mais antigos, até houve uma
explicação nesse sentido limitada, mas plausível considerando o grau de evolução das
sociedades da época. Entretanto nos dias de hoje e nos níveis evolutivos alcançados pelo
mundo moderno não parece razoável tal explicação. Com os conhecimentos de hoje
sabemos que os Deuses nunca foram por si só donos do trabalho e da ação humana. Muito
menos as forças da Natureza. De tal modo seria uma enorme contradição o crescente
domínio do homem sobre as forças naturais, tanto quanto o abandono das crenças
fantasiosas, se a fruição do agir humano, do trabalho e da produção fossem motivados
pela força desses poderes.
Então, o ser estranho a quem pertence o trabalho e o produto, por quem o trabalho
é devotado só pode ser o próprio homem. Se o produto do trabalho não pertence ao
trabalhador, mas este o enfrenta como uma força estranha, isso só pode acontecer porque
pertence a um outro homem que não trabalhou. Se o trabalho, é hoje, para o homem
moderno um tormento, para outro homem, esse mesmo trabalho é motivo de satisfação,
prazer e realização.
A conexão do homem consigo mesmo se constrói por meio de sua relação com
outros homens. Então, o homem está intimamente ligado, como vimos anteriormente, ao
resultado do seu trabalho, ao produto que é o trabalho materializado. Entretanto o
resultado dessa equação é um produto estranho, hostil, poderoso e independente. Assim
sendo os homens estão ligados a outros homens, estranhos, hostis, poderosos e
independentes, donos dos objetos produzidos. O ser que trabalha se relaciona com o
trabalho como uma atividade não-livre, está ligado a esta atividade como um serviço
subjugado, coagido e dominado por outro ser humano.
74
A totalidade da auto-alianação do homem é postulada numa tríade onde o homem
se perde de si mesmo, dos seus semelhantes e da natureza onde todos esses elementos
estão contidos. O meio no qual a alienação humana se propaga é um meio prático e real.
No mundo material, diferentemente, do mundo espiritual, onde a alienação ou a perda de
algo que lhe é próprio, como o amor de Deus, está no pecado e na culpa que depende do
religare que se dá na intervenção de um sacerdote, a própria Divindade e o leigo pecador;
na prática, no mundo real, a auto alienação humana se expressa na relação real, prática e
direta dos homens com seus semelhantes.
Por causa do modo como os seres produzem os bens, no mundo moderno,
permeados pelo trabalho alienado, em consequência produzem a relação humana com os
objetos, com a produção, com outros seres humanos de maneira estranha e hostil e o pior
uma conexão social refletida nos outros, no processo e nos produtos criados desvirtuada
do gênero humano. De tal maneira que o homem cria os seus bens num contexto de
perversão, de punição, e o seu próprio produto como uma perda, como algo que não lhe
pertence, assim também é criada a dominação do não-produtor sobre a produção e os seus
resultados. O trabalhador ao alienar o valor de uso de sua atividade trocando pelo salário
outorga a um estranho sua atividade e os seus produtos resultantes. Um estranho se
apropria de algo que não lhe pertencia.
Assim, concluindo, devido ao trabalho alienado o ser humano cria um
determinado tipo de relação de produção como outros seres humanos. Um outro que não
trabalha, está fora do processo, mas se apropria dos bens produzidos. O elo entre o
trabalhador e o trabalho passa também a ser expresso numa relação com o dono da mão
de obra, dos meios de produção, o capitalista que nos dias de hoje conhecemos como
empresário. Se tem aqui a propriedade privada como um produto e resultante do trabalho
alienado, associação externa inevitável do homem como a natureza, com o trabalho e
consigo mesmo.
75
20. Reificação e Fetiche da Mercadoria
76
vendedor. Nosso capitalista previu o caso que o faz sorrir. (Marx, 1996,
pág. 311)
Numa sociedade onde os seres humanos são nada mais que guardiões de
mercadorias (Marx, p. 165) as relações humanas com outros seres humanos, a intimidade,
são uma ameaça. Contraditoriamente, a alienação as questões sociais e a propriedade
privada nesse modo de produção significam segurança. O indivíduo burguês impelido a
acumulação torna-se tendente à desconfiança e tem um senso particular de justiça que por
ventura que o que é dele o pertence e o que é do outro também lhe pertence ou lhe
pertencerá. (Fromm, 1960, p. 58).
Conduzidos por esta maneira de viver e de se relacionar com os outros, o indivíduo
é seduzido pela mercadoria (fetiche), e ao mesmo tempo é transformado em uma coisa.
77
As pessoas são transformadas em coisas; suas relações umas com as
outras assumem o caráter de propriedade [...] Mas a questão essencial
não é tanto o que seja o conteúdo do eu, senão que o eu seja sentido
como uma coisa que cada um possui, e que essa “coisa” seja a base de
nosso sentido, de que essa “coisa” seja a base de nosso sentido de
pertença social (Fromm, 1987, p. 82).
78
“O homem é um estranho de si mesmo, assim como lhe são estranhos seus semelhantes”
(1984, p. 118).
A deformação dos sentidos e do sentido humano vai se generalizando e rebaixando
os patamares de civilidade no mundo. Surge daí um mundo doentio, consequentemente,
pessoas doentias. A humanidade do homem deixa de ser o centro de si e o mesmo é levado
a adorar o mundo das coisas, o mundo das mercadorias.
Esses sentimentos gerados pelos valores morais produzidos nessa sociedade vão
sendo internalizados e se tornando dominantes no corpo social, configurando assim o ser
do homem no capitalismo. Onde o medo, problemas psíquicos, enfim, um mal-estar
constante será uma característica fundamental e constante na vida cotidiana dos homens
nesse modo de produção.
Essa condução social da vida humana provoca a dominação da morte sobre a vida.
Como pode ser visto no crescente índice de suicídio11 e na generalização das guerras, da
exploração e opressão social.
Como exposto até aqui é possível verificar, um determinado modo de ser dos
seres, num determinado período histórico. Sob determinado modo de produção da vida
material e social. Uma humanidade construída socialmente, que não é dada de forma
natural. E, como contribuição para se pensar o conceito de homem na contemporaneidade,
um ser humano moldado a existir e se reproduzir à imagem e semelhança do capitalismo
e da burguesia que o sustenta, Erick Fromm, nos aponta:
Ainda assim, acerca do ser humano na sociedade capitalista, antes de mais nada,
é componente de uma determinada classe social. Nesse sentido, a patologia que domina
o mundo é consequência de um interesse voraz e sistêmico que leva uma determinada
classe dominante, no caso do capitalismo a burguesia, a buscar constantemente o mais
valor, o lucro. E toda a sociedade é forçada a agir conforme os interesses do capital.
11
Segundo, relatório inédito, divulgado no ano de 2014 pela Organização Mundial da Saúde, OMS, o Brasil
é o quarto país latino-americano com o maior crescimento no número de suicídios entre 2000 e 2012. O
documento, que reúne dados compilados em dez anos de pesquisas sobre o suicidio ao redor do planeta,
descreve a questão como um grave problema mundial de saúde pública.
79
Não obstante, a generalização do descontentamento coletivo, proveniente desse
mal-estar ontológico vindo do capitalismo, conduzirá ao questionamento desse modo de
vida por parte de membros dessa sociedade.
“A verdadeira emancipação humana, segundo Marx, exige a transformação não apenas das leis, mas do
sistema social de produção e distribuição das riquezas. A liberdade política depende, em última análise,
da liberdade econômica. O ser humano só será verdadeiramente livre quando todos os homens
puderem desenvolver uma atividade criadora que não esteja sujeita às pressões deformadoras da
propriedade privada e do dinheiro”
(KONDER, 1999, p. 29).
As pessoas não são, como acreditam alguns ideólogos, uma folha em branco em
que se precisa o seu conteúdo. Ou predestinados a seguir destino posto. “Os homens
fazem a sua própria história, mas não a fazem segundo a sua livre vontade, em
circunstâncias escolhidas por eles próprios, mas nas circunstâncias imediatamente
encontradas, dadas e transmitidas”. (Marx,1982, p.5)
O ser humano do capitalismo, por um lado é impelido a viver as condições tal qual
estão postas em consequência da sua posição de classe. O que, algumas vezes, lhe
possibilita o atendimento de suas necessidades básicas. E, em confronto a posição da
classe dominante, outros são aqueles que resistem ao próprio capitalismo, e buscam por
sua superação, a exemplo das classes oprimidas que em consequência dos conflitos
provenientes ao não atendimento das suas necessidades básicas se movimentam no
sentido contra sistêmico, mesmo que isso, represente, muitas vezes o custo de suas
próprias vidas. Mas também não se pode generalizar a uma luta apenas “dos de baixo”,
visto que é possível encontrar indivíduos pertencentes a extratos superiores da sociedade
que dotados dos valores mais universais de humanidade lutam pela superação da
arquitetura sócio econômica vigente.
Mesmo submetido a forças exteriores que lhe orientam para uma determinada
forma de ser e de viver, o homem é capaz de questionar e trabalhar para transformar essas
tendências. Mudar no sentido de uma orientação e organização social diferente da que
vem sendo estabelecida no capitalismo. Modo de produção esse que coloca em xeque o
80
próprio ser humano em detrimento de sua reificação. Erick Fromm chama esse processo
de resistência, ou seja, o de tornar conscientes as necessidades reprimidas no inconsciente,
e assim, buscar superá-las na prática. “O Homem não é uma coisa; é um ser vivo
envolvido num processo contínuo de desenvolvimento. Em cada ponto de sua vida, ele
ainda não é o que pode ser é o que ainda pode vir a ser” (Fromm, 1986, p. 138).
Tomar consciência é importante, entretanto também se faz necessário transformar
a materialidade de forma objetiva pois como já nos alertava Marx: "Não é a consciência
do homem que lhe determina o ser, mas, ao contrário, o seu ser social que lhe determina
a consciência." (Marx, 1982, p. 25)
As condições para que o homem se humanize são encontradas no gênero humano
constituído na história. O meio para alcançar a humanidade buscando sua humanização e
consequente desfetichização se encontra latente, porém adormecido, na sociedade
capitalista, devido a alienação do trabalho. Fromm (1992, p. 84) nos adverte de que o
conhecimento do inconsciente se torna um elemento essencial na busca da verdade, e a
verdade se dá no processo de remover ilusões, passo a passo na direção do desengano e
na apreensão da verdade.
A questão dada é de numa sociedade dividida em classes sociais e a consciência
do indivíduo é uma expressão dos valores e interesses da classe hegemônica, valores
morais inautênticos se tomamos como parâmetro os princípios éticos mais universais da
humanidade.
O inconsciente, que não deixa de pertencer a consciência humana, por sua vez é a
expressão de necessidades inatas do ser humano, necessidades autênticas, básicas, que
permitem a sobrevivência do ser humano. Fromm (1986) denomina essa expressão das
necessidades inatas, como requisitos para a sobrevivência, os quais numa sociedade de
classe são reprimidos.
Nesse sentido, o ser humano da sociedade capitalista, na concepção de Fromm,
vive este conflito de viver essa constante imposição de agir conforme os valores
burgueses, e ao mesmo tempo, de querer expressar e viver na prática as suas necessidades
básicas, autênticas. Desta maneira, a vontade de viver, na prática, suas necessidades
humanas básicas, autênticas, torna-se para os homens um desejo final (ainda que velado
pelo sistema) de tornar-se plenamente humano e de ficar em união completa com o mundo
realizando finalmente o seu bem-estar. (Fromm, 1965)
O ser humano forjado no modo burguês tende a responder à posição que ocupa na
sociedade, agindo contra a sua desumanização na busca por uma humanização do mundo.
81
O mundo, este que não deixa de ser uma extensão de seu próprio corpo humano, extensão
de sua própria humanidade.
82
no ambiente de exploração, em particular nesta sociedade capitalista, os homens são
impelidos a delimitações ou deformações que o fazem aquém da condição animal.
A questão da superação desta sociedade não se trata da eliminação da vida na
Terra, embora o modo de produção capitalista tenha uma tendência a crises sequenciais e
ao esgotamento dos recursos naturais com a superprodução. Ou seja, quando a referência
se trata da defesa dos interesses da burguesia e o seu modo de reprodução esta ideia é
levada ao limite colocando em risco a própria vida do ser humano. Diante desta sociedade
capitalista “a destruição da humanidade como um todo é uma possibilidade concreta,
porque dispomos hoje de meios de autodestruição em maça. ” (Fromm, 1986, p. 142).
Fromm (1969, p. 222) completa: “Importa hoje preservar o mundo, mas para isso
são necessárias certas modificações, e para essas modificações, as tendências históricas
terão de ser compreendidas e antecipadas”
O homem enquanto totalidade sente necessidade de relacionar-se com o mundo.
O mundo é a extensão da própria humanidade do homem. O homem como um ser que
trabalha sente a necessidade de construir e transformando a natureza e por ela ser
transformado. “Ao atuar, por meio desse movimento, sobre a natureza externa a ele e ao
modificá-la, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza. ” (Marx, 1996, p. 297)
De tudo isso se pode concluir que há uma íntima relação entre os indivíduos e a
prosperidade do desenvolvimento social. E é impraticável esse desenvolvimento coletivo
sem o enriquecimento particular dos indivíduos. Quanto mais ricas forem as
singularidades, melhores serão as possiblidades de evolução social. E é plausível dizer
também que o contrário é inversamente proporcional. Com uma sociedade tanto mais
primitiva quanto mais forem empobrecidas essas singularidades.
Só assim torna-se possível perceber que no capitalismo o ser humano só pode ser
pensado como sendo aquele que é reproduzido por esta sociedade, ou seja, o ser humano
como integrante do modo de produção da sociedade de classes, onde o homem subjuga
seus pares havendo assim há necessidade de superação para a evolução da sociedade
humana.
83
Capítulo 3
Espetacularização do Esporte e formação humana
Dialética da Espetacularização do Esporte
Câmera , luz e ação ! Essas são as palavras de ordem dos novos tempos. É notório
o culto ao espetáculo nos mais diversos estratos sociais. Mas é importante salientar
também a diferença entre espetáculo enquanto possibilidades e ações humanas dos mais
altos patamares de civilidade e a espetacularização da vida ao qual acomete os homens
em suas produções e reprodução na sociedade.
Com o advento da internet e das redes sociais o mais comum dos cidadão tem
acesso aos seus 15 minutos de fama como previa o cineasta norte americano Andy Warhol
nos anos 60. E esses 15 minutos de exposição refletem em grande medida o grau de
evolução social no qual a humanidade se encontra. É a espetacularização da vida
objetivada no show do eu !E assim como a vida está espetacularizada também estão os
produtos e fenômenos criados e vividos pelos homens e o esporte é uma dessas
manifestações.
84
E porque falar do esporte espetáculo e espetacularizado no século XXI citando
especificidades da antiguidade clássica e do século XIX? Talvez haja um motivo válido,
que permanecerá latente ao longo destas páginas e procurará encontrar suas sínteses cada
vez mais elaboradas, entretanto sempre provisórias, antes do ponto final. Mas, por
enquanto, bastará tomar alguns elementos dessa provocação que vem de tão longe, na
tentativa de disparar o problema.
23. Do Espetáculo
85
As danças, as lutas, os jogos, as brincadeiras que futuramente vieram a compor o
esporte como hoje o conhecemos estiveram, por muitas vezes, na história, ligadas a
antigas formas de espetáculo, compondo práticas corporais e mediando uma determinada
forma de ser da sociedade da época.
Carl Dien nos apresenta, em sua obra A história dos esportes, interessante
consideração em relação a esse fato histórico: “Cada época da humanidade tem o seu
esporte, e a essência de cada povo se reflete nele” (1966, p. 9). Entretanto, se faz
necessário deixar claro que é impraticável fazer uma comparação direta, sem as devidas
adaptações, do que vemos hoje, com o que foi produzido na antiguidade clássica, mesmo
que esses eventos da cultura corporal sejam, em grande parte dos casos, exatamente os
mesmos dos dias de hoje (Rouyer, 1977).
Com a necessidade humana de modificar a natureza para uma melhor adaptação e
sobrevivência a diferentes regiões e climas, o homem vivencia diferentes formas de
movimento e relacionamento em sociedade. Nesse movimento, o homem modifica a
natureza e por ela e suas necessidades também é modificado.
Em 776 a.C. tem-se relatos do início dos Jogos Olímpicos. A partir de 580 a.C. se
tem a instituição dos primeiros prêmios aos vencedores das competições esportivas, nas
diversas modalidades de disputas físicas que se expandiam pelo mundo. Essas
modalidades esportivas tinham, geralmente, finalidades lúdicas, competitivas ou de
preparação para o combate. Nesse movimento histórico, o que conhecemos hoje como
esporte, assim como toda a sociedade, vai acompanhando, se modificando e se
desenvolvendo conforme são postas as mudanças nas organizações sociais e no modo de
produção humana e chega como está posto hoje em práticas com os mais diversos fins.
(Rouyer, 1977)
O esporte como entendermos em sua maneira mais elaborada, próxima ao que
temos hoje, teve sua gênese do final do século XVII ao início do século XIX,
acompanhando a transição do modo de produção feudal ao modelo de organização
capitalista. Formalizado na Inglaterra, o esporte apresentou um modelo e vocabulário que
se difundiu em enorme velocidade aos demais países (HOSBSBAWM, 1988). A forma
esportiva apresentava como características a competição e o rendimento, atributos que
estavam em fundamentação na era moderna que se instalava.
Ainda sem negar a composição das práticas corporais na cultura esportiva, mas
com a preocupação em refletir sobre o esporte nas suas diferenças e semelhanças
relacionadas as atividades corporais, constatadas em períodos históricos anteriores, é
86
valoroso tomar conhecimento de possíveis dissonâncias, como nas palavras de Parlebas
(1986, pág. 128), citada na dissertação de mestrado da professora Ana Marcia, A
mercadorização do movimento corporal humano:
A utilização do mesmo termo esporte mascara a nossos olhos, uma
flagrante disparidade de práticas físicas profundamente diferentes, tanto
na significação histórica, quanto na lógica motora. Entre os torneios da
idade média, de maneira geral, entre os jogos físicos tradicionais do
segundo milênio e o esporte deste último século, está instaurada uma
ruptura.
Nesse período do início da Idade Moderna, é possível perceber uma íntima relação
dos interesses e objetivos da classe social burguesa, a qual se despontava, e o esporte. A
prática esportiva é associada à classe média emergente e à burguesia. Esse
comportamento social foi adotado para distinguir os membros dessa nova classe em
desenvolvimento daqueles provenientes da classe operária e dos trabalhadores do campo.
Formava-se assim uma prática social que evidenciava essas novas classes em ascensão
(HOBSBAWM, 1988). Devido a algumas especificidades, alguns esportes tinham um
potencial de adaptação muito grande ao novo modo de vida urbano, como, por exemplo,
o tênis. Os locais de prática do tênis eram de fácil construção para os padrões da época,
pois não careciam de grandes espaços. Viabilizava-se, assim, uma ampliação dos círculos
familiares e uma possível procura por novos parceiros em outras famílias. Nesse contexto,
é importante salientar que o esporte foi importante meio para a promoção da emancipação
feminina, favorecendo maior contato entre jovens de sexo diferentes (HOBSBAWN,
1988).
Ao tratar do fenômeno esportivo é fundamental a atenção a reciproca interferência
social e as transformações ocorridas, isto é, as modificações na história e na humanidade
ocorridas em um complexo correlacionado e mediado em uma totalidade. Onde o real ou
todo é muito mais que a soma das partes, e sim sistema humano de diversas conexões
articulada e em movimento.
Perceber o esporte atual é conceitua-lo como um fenômeno de múltiplas
dimensões. Conhecer é saturar o objeto estudado de determinações. E quais são as
determinações do esporte? Esse movimento implica em observar e viver o fenômeno na
sua evolução e transcorrer histórico aliados a ricas diversidades de mediações. Se hoje, o
esporte moderno é facilmente reconhecido como esporte espetáculo exercendo direta
influencia social é porque, antes de mais nada, foi criado imerso a transformações e
desenvolvimento societal próprios dos seres humanos, entretanto o fenômeno esportivo,
87
assim como tudo na corrente dos mercados suas mercadorias, também assume
características próprias, autônomas e reificadas.
12
O termo indústria cultural (em alemão Kulturindustrie) foi criado pelos filósofos e sociólogos alemães
Theodor Adorno (1903-1969) e Max Horkheimer (1895-1973), a fim de designar a situação da arte na
sociedade capitalista industrial. Theodor Adorno e Max Horkheimer. A indústria cultural – o iluminismo
como mistificação das massas. In: Indústria cultural e sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 2002
88
formas e conteúdos muito parecidos. A impressão e de não termos mudado de emissora
ao mudarmos de canal. Quando o conteúdo é ruim e pobre, ele não possui recursos para
se diferenciar de outros. Pelos limites do produto tende a ser tudo igual. Adorno e
Horkheimer explicam esse conceito quando classificam uma obra como medíocre quando
está se apresenta muito semelhante a outras, ou seja, uma “cópia barata” incapaz de
suscitar um mínimo de catarse estética. A indústria cultural termina por produzir a
imitação empobrecida como algo absoluto.
Ainda aportados nos autores da Escola de Frankfurt13, inferimos da Indústria
Cultural a decomposição de elementos fundamentais da cultura e o seu rearranjo em um
modo oportuno a reprodução do capital.
Esse produto industrial, geralmente, possui enorme poder de penetração no
coração e mente das massas. A compreensão de homem e de mundo não passam imunes
aos efeitos da indústria cultural.
O aporte tecnológico presente nos eletroeletrônicos dos meios de comunicação
são eficazes na criação de ilusões e fantasias, na criação sensorial de um mundo
totalmente diferente do percebido naturalmente pela consciência fora dessa teia de
informações, e o mais importante nesse arcabouço continuam sendo os valores de troca
possibilitados pelo mercado criado.
Criticando o modo de produção, Adorno e Horkheimer (1985, p.114) dizem que
o cinema e o rádio não precisam mais se apresentar como arte na indústria cultural. Para
esse sistema, cultura humana não passa de um negócio. Negócio que serve de aporte
ideológico capaz de legitimar próprio lixo produzido.
A Indústria Cultural é desenvolvida na necessidade humana de diversão mas
oferece um produto apenas com fins de entreter. Há que se diferenciar aqui o que é
necessário e o que é vendido. O mecanismo de ação da indústria cultural age justamente
quando os homens buscam o lazer no seu tempo livre do trabalho alienado e é justamente
nesse momento que acontece a ação parasita da indústria do consumo. No momento do
13
Escola de Frankfurt (em alemão: Frankfurter Schule) refere-se a uma escola de teoria social
Interdisciplinar Marxista, particularmente associada com o Instituto para Pesquisa Social da Universidade
de Frankfurt. A escola inicialmente consistia de cientistas sociais marxistas dissidentes. Acreditavam que
alguns dos seguidores de Karl Marx tinham se tornado "papagaios" de uma limitada seleção de ideias de
Marx. Entretanto, mesmo entre os mais ortodoxos, existia o consenso de que, somente a tradicional teoria
marxista sem as devidas atualizações, não poderia explicar adequadamente o turbulento e inesperado
desenvolvimento de sociedades capitalistas no século XX. Críticos tanto do capitalismo e do socialismo da
União Soviética, as suas escritas apontaram para a possibilidade de um caminho alternativo para o
desenvolvimento social.
"Frankfurt School". (2009). In Encyclopædia Britannica. Cited from Encyclopædia Britannica Online:
http://www.britannica.com/EBchecked/topic/217277/Frankfurt-School (Retrieved December 19, 2009)
89
trabalho as oportunidades e o tempo para o consumo é muito limitada, entretanto no
período do lazer as possibilidades são potencializadas. Para o modo de produção
capitalista é no espaço tempo do lazer que a massa desempenha a função primordial do
consumo. No livro dialética do esclarecimento, Adorno e Horkheimer, afirmam: Até
mesmo os mais distraídos, os indivíduos como menor propensão a compra irão consumir
os produtos da indústria cultural. Esta não da folga a ninguém. Tempo de trabalho ou
descanso não existem preconceitos aos negócios.
As elaborações da Indústria Cultural são diretamente ligadas com o movimento
banalizador da cultura por meio da sua mercantilização. A cultura é esvaziada de seu valor
real (valor de uso) para ser preenchida apenas por seu valor de mercado (valor de troca)
tudo isso potencializado no consumo para as massas.
Os veículos de transmissão de informações se tornam uma importante ferramenta
na ampliação deste processo sendo a sua função mediadora entre a produção cultural e
sociedade contemporânea condição fundamental.
As produções midiáticas associadas ao esporte revelam a força dessa indústria
que consegue modificar as regras dos jogos a conveniência de seus interesses, transmitir
valores, crenças e ideologias, produzindo maiores índices de audiência, ampliando lucros,
tudo isso servindo de base como elementos de sustentação.
No modo de produção social capitalista a questão do indivíduo é hipertrofiada e é
perceptível uma supervalorização do eu. Aqui ele é sujeito do seu próprio destino, no
direito à propriedade privada e nas trocas das mercadorias. Necessidades pré-
programadas ao consumo são satisfeitas na indústria cultural, todo um comportamento é
direcionado à saciar esse desejo. Parafraseando Descartes: Eu existo, logo consumo.
A indústria cultural, assistida pela publicidade comercial, cria clichês para o auto
reconhecimento do público. Os programas e as transmissões esportivas são repletos
desses clichês. Neles o público se reconhece. Se reconhece numa mensagem repleta de
anúncios publicitários. O consumo aumenta e a parceria se fortalece.
No modo de ser dos seres na sociedade burguesa os indivíduos precisam e
valorizam o lazer, o tempo de folga. Este os alivia da pressão ao saírem da rotina do
trabalho alienado. Segundo Adorno e Horhkeimer (1985, p. 128), a diversão é procurada
por quem quer escapar ao processo de trabalho mecanizado, para se pôr de novo em
condições de enfrentá-lo. Para os autores, a indústria cultural incentiva à produção de
mercadorias destinadas a diversão e entretenimento, também incentiva o consumo de bens
90
da própria indústria cultural num movimento cíclico que aproveita todo o tempo das
pessoas, dentro ou fora do trabalho.
A persuasão da Indústria Cultural é mediada pelo entretenimento dos
consumidores. Nos programas esportivos, principalmente aqueles transmitidos aos
domingos, são cada dia mais movidos na perspectiva da espetacularização. Os
apresentadores se desdobram para entreter os telespectadores com piadas, sorrisos,
gargalhadas, mulheres bonitas, humilhações de colegas, prémios, vale tudo pela audiência
e sempre tem um papel a ser encenado nesse espetáculo. Quanto e estas características,
semelhantes as circenses, há destaque no texto da Indústria Cultural de Adorno e
Horkheimer:
91
de outra época, ficam evidentes que essas são também questões produzidas sócio e
culturalmente. Frequentar os clubes e escolinhas esportivas, treinar para competir, ser
bem-sucedido no futuro por meio do esporte profissional, viajar e morar em diversas
partes do mundo, ser reconhecido, ganhar sucesso, fama, status, é para algumas pessoas
mais “pobres” a possibilidade de visar lucro e alimentar o sonho do modo de ser burguês.
92
do movimento da produção e dos troféus consumíveis, que são a
tradução acessível desta incessante vitória. Imobilizada no centro
falsificado do movimento do seu mundo, a consciência espectadora não
conhece na vida outra coisa senão uma passagem para a sua realização
e para sua morte. (Debord, 2002, p.106)
93
O esporte do XX passou por significativas transformações. É consumido
avidamente, é não por acaso, pelas massas. Saboreado como entretenimento, por meio
das imagens veiculadas pelos aparelhos televisores. Fenômeno produzido com tecnologia
de ponta, enfatizando a beleza do gesto técnico, compondo uma imagem mais que
espetacular, e também se convertendo em excelente negócio, com ramificações tanto
econômicas quanto ideológicas. Dessa maneira, o esporte adquiriu as características de
um verdadeiro show de entretenimento, associado a leis de mercado e a espetacularização
das imagens. A essa propagação, Marx a quase um século de antecedência, já denominava
como fetiche da mercadoria.
Ainda em acordo com Betti (1997), é sensível a percepção que na televisão a
lógica trabalhada é a da espetacularização dos acontecimentos. No caso do esporte a
apropriação dos momentos mais envolventes, como por exemplo, a enterrada no
basquetebol, a cortada no voleibol, o gol no futebol, aos acidentes nas corridas
automobilísticas e a violência dentro e fora das competições. A espetacularização por
meio das imagens e dos sons poder ser sentida via atuação e desempenho de um guerreiro.
Cai, rola, se contorce frente as dores. Às vezes chora na vitória ou na derrota, pois a
batalha foi implacável. Estes elos são marcantes, e compõem todo um enredo da
mensagem na espetacularização esportiva, envolvendo sempre, a emoção que seduz o
telespectador.
94
pelo capital almejem essa ascensão social. Acham que esse caminho esportivo será
acessível, visto que a maioria dos jogadores veio de uma origem mais sofrida e humilde,
passando pelos obstáculos nos quais boa parte da população pobre passa todos os dias.
Assim, a mídia vai contribuindo com a construção do sonho de milhares de pessoas de
que o esporte lhes conduzirá ao patamar de sucesso social e tranquilidade material para a
vida inteira.
Por meio das mídias14, a utilização do esporte se mostra eficiente na criação de
novas necessidades humanas, que serão atendidas não através dos valores de uso e sim
dos valores de troca, do fetiche, da reificação.
Para estudiosos da escola de Frankfurt, a luz dos escritos de Karl Marx, esse
movimento é conhecido como fetiche de mercadoria. O fetiche é como um feitiço que
encanta aquele que é exposto a sua presença. Adorno e Horkheimer (1985, p. 18) citam,
para ilustrar melhor o fetiche de mercadoria, o herói grego Ulisses, amarrado ao mastro
do navio ouvindo maravilhado e lutando contra o canto das sereias. Basicamente, o fetiche
de mercadoria coloca o valor de troca muito acima do valor de uso. As pessoas acabam
comprando bens não por uma necessidade de consumo, valor de uso, mas para atender às
demandas de uma ideologia mercadológica, o valor de troca.
Na comunicação midiática, o receptor capta as informações, admira o que vê, o
que ouve, identifica-se e busca adaptação. Como num sonho, um mundo perfeito é
apresentado. E a sociedade, como numa válvula de escape, mergulha na fantasia. Então,
compra e consome querendo fazer, sem sucesso, da sua realidade concreta aquilo que está
apenas no plano ideal dos anúncios publicitários.
Outra característica percebida é a veiculação do jogador como “ícone”.
Transformado em objeto de consumo é também descartável. Como um outdoor, é
construída não só a imagem do atleta, como também dos produtos a serem
comercializados. Produtos de projeção global com esportistas uniformizados à imagem e
semelhança de suas marcas patrocinadoras. Os atletas reificados consomem e promovem
suas bebidas, aparecem em hotéis luxuosos, demonstram suas paixões por carros potentes,
sempre publicitando um modo de ser na sociedade contemporânea. Casos de uso de
14
Referenciando na tese de doutorado do professor Mauro Betti, Janela de Vidro, entendemos por
"mídia" (do latim media, plural de medium, que significa "meio"), e ainda mídias de massa os meios de
comunicação destinados a uma enorme quantidade de pessoas, muitas vezes em escala global e em
tempo real. Como exemplo desse tipo de veículo de comunicação temos a internet, blogs, portais,
televisão e rádio.
95
atletas e equipes esportivas anunciando marcas e produtos são comuns e notórios, desde
às primeiras décadas do século XX, como por exemplo o caso do jogador brasileiro
Leônidas da Silva, apelidado de “Diamante Negro”, o qual “emprestou” seu nome a uma
marca de chocolate na década de 1940, guloseima que existe até hoje como o mesmo
nome.
Como definição de reificação, Bottomore apresenta a seguinte definição:
O homem, como todo animal, tem necessidade física e psíquica de jogar, e não
se pode nem se deve renunciar a esse desperdício lúdico, posto que tal prática significa
livrar-se da tirania do trabalho alienado e é indispensável como uma válvula de escape.
(Huizinga, p. 51)
O inconveniente é quando o jogo e o aspecto lúdico descambam para a
competição. Competição essa que doutrina e amortece a força das práxis, esse modo de
jogo e de jogar serve, no fundo, para neutralizar a ação, daí se tira a formação de seres
humanos destinados a competir também em outras esferas da vida que não o jogo o que
fomenta a geração de seres humanos degenerados, deformados (Eco, pág. 221) em sua
humanidade e em tudo que poderiam ser enquanto possibilidades já alcançadas pelo
gênero humano na história. É possível perceber no esporte moderno a figura do atleta
96
como uma serpente de duas cabeças; de um lado, o esporte é praticado em um viés para
promoção da saúde, do outro o esporte assistido é a mistificação da saúde.
O jogo representa uma entidade autônoma: “O conceito de jogo enquanto tal é de
ordem mais elevada do que o de seriedade. Porque a seriedade procura excluir o jogo, ao
passo que o jogo pode muito bem incluir a seriedade” (Huizinga, p.51)
Com o surgimento do novo modo de produção das grandes capitais urbanas, e
consequentemente a mudança do mundo, advindos da revolução industrial do século XIX
juntamente com crescimento dos componentes econômicos provenientes da evolução
tecnológica, o homem perde aquele “espírito” impregnado de mistério e de mitos que ele
semeava em suas formas mais arcaicas de civilização. O racionalismo e o utilitarismo da
época moderna, contraditoriamente a outras correntes de pensamento do século passado,
eram avessos ao fator lúdico na vida social.
Jamais se tomou uma época tão a sério, e a cultura deixou de ter alguma
coisa a ver com o jogo. As formas exteriores já não se destinavam a
criar a aparência, ou a ficção, se se quiser, de um modo de vida ideal e
mais elevado. Não há sintoma mais flagrante da decadência do fator
lúdico do que o desaparecimento de todos os aspectos imaginativos,
fantasiosos e fantásticos do vestuário masculino após a revolução
francesa. (Huizinga, p. 51)
97
1. A prática, em primeira pessoa, o que o praticante sente e
percebe em sua própria singularidade.
O jogo, antes, praticado em primeira pessoa, passa a ser uma espécie de discurso
sobre o jogo, isto é, o jogo passa a ser um espetáculo para os outros. O jogo deixa de ser
uma atividade praticada por qualquer participante, e passa a ser visto por meio de suas
características próprias e particulares, muitas vezes inatingíveis ao cidadão comum –
surge a figura do outro, do espectador.
O esporte moderno representa, assim, o espetáculo esportivo sobre o qual se
exercem especulações e comércios, movimento da bolsa de transações, vendas e
consumos. O esporte espetáculo se dá também em outra esfera que é o momento onde
impera o discurso sobre o esporte assistido. O discurso da imprensa esportiva.
E em terceiro ponto, o conceito produzido pela trabalho da imprensa esportiva, ou
seja, o componente auto referencial que a imprensa esportiva ratifica, ao amplificar as
discussões sobre as práticas esportivas. Neste momento, a discussão e o relato não são
mais sobre o esporte, mas sim sobre uma falação a respeito do esporte. (Eco, p. 224).
Desse modo, o esporte que foi espetacularizado é na atualidade, essencialmente, uma
mistura de realidade e ficção apresentados pela imprensa esportiva. Se alguns eventos
esportivos não acontecessem, mas fossem contados, por meio de imagens fictícias, nada
ou muito pouco mudaria no sistema esportivo internacional.
Trespassado o jogo esportivo, onde deveriam predominar as características
lúdicas, na satisfação das necessidades humanas físicas e psíquicas a falação15 esportiva
é o assombro da fetichização e por isso o ponto máximo de consumo. Sobre ela e nela o
Homem consumista do modo de produção capitalista consome e reproduz diretamente a
si próprio, num especifico modo de ser do ser, em demarcada época histórica.
15
Falação esportiva é o termo utilizado por Humberto Eco em seu livro, de 1984, Viagem na irrealidade
cotidiana.
98
O excesso na falação esportiva midiática, (muitas vezes representadas nas
intermináveis rodas de bate papo dos canais de televisão), apresenta todos os aspectos e
características do discurso político, (Eco, 1984) entretanto o objeto em debate não é a
“Polis”, a cidade, o Estado ou o bem coletivo, mas sim o estádio e as atividades contidas
em seus bastidores. Essa falação midiática se parece mais com uma paródia do modo de
fazer político. Todavia nessas paródias do esporte são esgotadas e limitadas todas as
forças do indivíduo para o fazer político e cidadão. O discurso midiático esportivo passa
então a ser substituto do discurso político, chegando ao ponto de ser o próprio discurso
político. Dado isso o esporte, por meio da espetacularização da mídia, desempenha um
papel de falsa consciência, velando o real.
A espetacularização do esporte passa a falsa impressão, a ilusão, de que se prática
esporte. A falação midiática esportiva possibilita a pseudo compreensão do fenômeno
esportivo sem qualquer apropriação, mais acurada, do objeto. Ela, é o discurso profético
com um fim em si própria e algo a mais, um trabalho ideológico continuo com uma
exposição repetitiva que ofusca e esconde o fazer político e social em seus propósitos
coletivos. Passa a ser o próprio ideário sobre a cidade e seus objetivos.
Nos grandes espetáculos esportivos como os atuais Megaeventos o esporte
moderno representa um “espetáculo cósmico sem sentido”, (não segue em direção a
humanização do homem) ligado a uma “ ausência de senso e à inutilidade da coisa “ (o
valor de uso da cultura esportiva é alienado em função do valor de troca) incluindo-se o
sentimento que Umberto Eco (1984, p.224) no seu livro chamado “irrealidade cotidiana”:
99
espectadores, telespectadores, torcedores e leitores de jornais, se entretenham em
gerenciar a “Coisa Pública Esportiva”, entretanto, sem os cuidados, deveres, e dilemas de
uma discussão política:
Em vez de se julgarem os atos do ministro das Finanças (para o que é
preciso entender de economia e de outras coisas), discutem-se os atos
do treinador; em vez de se criticarem as posições do deputado, critica-
se a posição do atleta; em vez de se perguntar (pergunta difícil e
obscura) se o ministro fulano assinou ou não pactos ainda mais obscuros
com o poder sicrano, pergunta-se se a partida final ou decisiva terá sido
fruto do acaso, da forma atlética, ou de alquimias diplomáticas. O
discurso futebolístico requer uma competência não vaga, decerto, mas
de uma forma geral, restrita, bem concentrada; permite assumir
posições, expressar opiniões, propor soluções sem que ninguém seja
detido ou fique por isso exposto. (Eco, 1984, p.231)
100
A espetacularização do esporte moderno interessa e contribui, à manutenção do
“status quo”. É conveniente a classe dominante que as discussões sobre o esporte ganhem
cada vez mais simpatizantes, uma vez que a contestação do poder político e do sistema
público é transposta para a esfera das agremiações esportivas, do treinador ou do dirigente
do clube. E essa atribuição adquiri delineamento espetacular no corpo das torcidas
organizadas, que, de maneira geral, são financiadas por diretores de clubes. Por
consequência são servis a possíveis conchavos servindo de massa de manobra aos
dirigentes. Torcedores fanáticos, alienados pela espetacularização esportiva e movidos
pela força das massas, apresentam uma compreensão superficial e inconsistente dos
problemas sociais pelos quais o país atravessa e nunca se posicionam contra questões
mais relevantes e significativas que acabam constituindo e limitando esporte – como a
hegemonia e monocultura esportiva, fundo público (boa parte dele) destinado a
construção de infraestrutura em contraposição a programas sociais destinados a
democratização do esporte e lazer como um direito, orçamento público insuficiente para
universalização de programas sociais falta de incentivo público as práticas esportivas
populares, direito ao esporte, falta de incentivo estatal aos atletas, de esporte e lazer,
corrupção e organizações antidemocráticas filiadas ao esporte, etc. (Figueiredo, 2009)
Apreendidos estes argumentos, as considerações apresentadas anteriormente, nos
alertam para o fato de que o esporte espetacularizado expresso, principalmente no
discurso da imprensa esportiva sobre si mesma, só serve para referendar o sistema
vigente. A ideia da alienação, normalmente atribuída aos jornalistas esportivos, sempre
esteve ligada a esses profissionais desde o início de suas atividades, no início do século
XX (Marques,2002).
Por enquanto, depois de tantos ataques e investidas, negando a espetacularização
do esporte. Pode ficar a falsa impressão de se estar negando o próprio esporte. Que se
faça então a defesa do esporte, antes que o mesmo seja condenado a “cadeira elétrica”. O
contraponto proposto servirá como entendimento, do porquê da relação tão intima,
estigmatizada e duradoura do esporte, do espetáculo, dos grandes meios de comunicação
e da mercadorização do esporte. Relacionamento vivo e intimo há tantas décadas,
ocupando espaço nos jornais, rádios, televisões, e mais atualmente nos blogs, twettes,
entre outros veículos de comunicação da internet. – Afinal de contas, ao término de cada
rodada é preciso alfinetar o rival especular se o juiz errou ou não e sondar quem vai
arbitrar a próxima partida.
101
28. Afirmação do Esporte frente a Espetacularização
102
programação, focam excessivamente em momentos inoportunos e criam citações muitas
vezes inexistentes.
É sabido que, a maior demonstração de alienação é ignorar os efeitos e
manifestações ligadas ao esporte. Como boa parte dos intelectuais da época insistiam em
ignorar a força da manifestação cultural que é o esporte, isso já no início do século XX,
Magnane traz o seguinte apontamento:
Os representantes do mundo esportivo respondem com insolência e
irritação ao desdém do mundo intelectual. Mas acho particularmente
irrazoável a atitude do “homem de bem” do século XX que se recusa a
tomar consciência de um fato da civilização tão enormemente visível
como o esporte. (Magnane, 1969, p. 18)
Nos dias de hoje, é praticamente, impossível, não perceber a relação entre cultura
de massas e o esporte, e mesmo nas limitações tecnológicas da primeira metade do século
XIX, quando se deu o início ao que conhecemos hoje como esporte moderno, a sociedade
se transformava e demanda uma nova organização do espaço urbano, passando assim a
exigir uma nova conformação dos corpos e necessidades humanas em um metabolismo
social com as cidades da época.
103
a história da cidade é a história da liberdade, ela é também a da tirania,
da admiração estatal que controla o campo e a própria cidade. A cidade
é o campo de batalha da liberdade histórica, não sua posse. A cidade é
o meio da história, porque ela é, ao mesmo tempo, concentração do
poder social que torna possível a empreitada histórica, e consciência do
passado. (Debord, 2002, p.114)
Na busca pelos laços de parentesco que ligam todos os seres humanos perdidos no
modo de produção capitalista, vínculos perdidos pelo trabalho alienado, os seres são
atraídos como imãs a paixão esportiva. Paixão que irmana estranhos e os faz comungarem
de ideais objetivos e sonhos em comum. Enraizando gigantescas famílias vestindo as
mesmas cores.
Dessa maneira, ainda no século XIX, com a gênese da indústria cultural e do meios
de comunicação em massa, foi possível perceber o aparecimento de diversas modalidades
esportivas: o esporte passa a nutrir um mecanismo de afirmação dos valores capitalistas
como a ganância, mesquinhez, desconfiança, frieza, ansiedade, obstinação, indolência,
pedantismo, obsessão, desejo de posse, vitória as custas de subjugar o outro, etc...., a
criança que prática esporte respeita as regas do jogo capitalista.(Bracht, 1986) Para tanto,
não é aleatório o esporte, (nesse contexto, ainda em seus primeiros passos do que
conhecemos hoje de esporte moderno) como “lazer” e como “indústria” terem surgido no
momento histórico das sociedades industriais urbanas de massa.
Diversas modalidades esportivas como o: turfe, a luta livre, o boxe, o remo o tênis
e o atletismo surgiram nesse período do século XIX. Momento em que a Inglaterra
consolidava o sistema liberal democrático. Os Ingleses aprenderam, impelidos pelas
determinações do momento, a projetar no lazer o esporte e seus valores. Princípios ligados
aos combates com regras, obediência aos horários, respeito as regras e aos regulamentos,
aceitar as definições hierárquicas, etc.
Em específico o futebol toma contornos especiais. Por ser praticado ao ar livre,
sobre a grama ou na terra remete ao saudosismo campesino advindo do fluxo migratório
para as metrópoles advindo da revolução industrial, em uma sociedade cada vez mais
cercada de concreto e aço. O futebol, dessa maneira, figura e encena o mito do mundo
agrário cercado na “ selva de pedras”.
104
multiplicidade da presença coletiva. Essa paisagem é o oposto de uma
natureza-morta. As mídias modernas tentam espelhar – palidamente,
quase sempre – essa multiplicidade da vida concentrada através da
multiplicação de seus pontos de vista: narração, comentário, entrevista,
observações detrás do gol, no caso do rádio; obtenção de imagens de
diferentes ângulos, em câmara lenta, ‘replays’, no caso da televisão.
(Aguiar, 1999 p. 162)
105
civil, para, por meio da suprassunção destas, produzir e gozar sua
infinitude. ” (Marx, 2005, p. 19)
106
Essa comparação entre os super-heróis dos contos de fadas e os atletas de alto
nível, notadamente percebido no esporte, satisfaz desejos ocultos do homem moderno.
Como no mito da caverna de Platão (2000), sabendo-se condenado e limitado, sonha, um
dia, romper os grilhões que lhe prendem, deseja acender como um ser evoluído de luz,
um super-herói.
Na época atual, o mito assume formas diferentes de comunicação com o homem.
O discurso mítico foi, durante muito tempo, ocupado pela prosa narrativa. Hoje se tem no
gênero literário do romance como uma verdadeira epopeia da vida burguesa.
Essa definição vale tanto para a leitura de um romance, quanto ao indivíduo que
hoje vai a um parque de diversões, à exibição de uma peça de teatro ou a um jogo de
futebol: busca-se, em última instância, um tempo imaginário, diferente do tempo real,
perseguidor, que estará à espera desse mesmo indivíduo do lado de fora do parque, na
107
calçada em frente à sala do teatro ou na praça do estádio de futebol, tão logo acabem os
espetáculos. (Marques, 2002)
O consumo do tempo cíclico das sociedades antigas estava de acordo
com o trabalho real dessas sociedades, mas o consumo pseudocíclico
da economia desenvolvida encontra-se em contradição com o tempo
irreversível abstrato da sua produção. O tempo cíclico era o tempo da
ilusão imóvel, realmente vivido, ao passo que o tempo espetacular é o
tempo da realidade que e transforma, vivido ilusoriamente. (Debord,
2002, p. 105)
A tríade Midas, Esporte e Espetáculo cria uma cultura pouco interessada em transformar
seus consumidores em praticantes de esporte, mas ao contrário, permanecer e aumentar o número
de torcedores ávidos em seus estádios, hoje arenas esportivas. Na medida em que essa cultura
massificada na espetacularização do esporte avança, ela reflete um modo de ser e de viver fora
108
desse enredo espetacular, uma vida alimentada pela competição desenfreada e opressão. No
esporte espetacularizado a pessoa entroniza esse culto como se fosse a própria vida, e perde de
vista a diferença entre o tempo livre e o entretenimento. Sendo que esta diferença é um dos
sentidos emancipadores que o esporte pode permitir num sistema de relações humanas opressoras.
O esporte quando tenciona o domingo no maracanã e a diferença da semana miserável de trabalho
é emancipador. Entretanto da pratica esportiva transformada pelo consumo do espetáculo não se
pode esperar nada mais que o caráter tenebroso do tempo livre como disciplinador, da
continuidade da lógica do trabalho alienado, da repetição, tendo o entretenimento aqui
mercadorizado justificando o sofrimento da maneira de ser no dia a dia.
A fabula e o encanto esportivo no mundo contemporâneo industrial urbano é
dirigido a espetacularização dos eventos esportivos em massa. Desse modo, acompanhar
uma partida ao vivo, no estádio, aparentava e ainda hoje, evidencia, um espetáculo
análogo ao visto nas apresentações de dança, balé, ópera e encenações teatrais. Em favor
do esporte moderno, ainda, apesar de representar um movimento ritualizado, fetichizado,
encarna a particularidade da imprevisibilidade em sua prática. Uma peça teatral pode
variar, e geralmente varia, de uma apresentação a outra pois dependem da execução dos
atores, da disposição e do tipo dos equipamentos cenográficos, dos diretores de arte, de
luz, etc, todavia o script é sempre o mesmo e este é seguido. No esporte moderno, por
conseguinte, apesar de suas regras rígidas e universais, tem sua concretização na
imprevisibilidade. Como exemplo, é impossível não citar o futebol como um dos
protagonistas nas modalidades esportivas no quesito imprevisibilidade. Isso devido a uma
série de determinações próprias, talvez pelo fato de ser jogado com os pés e de se fazer
uso do corpo como uma totalidade.
Dias Gomes, escritor, diretor e dramaturgo, apresentou entendimento muito
parecido, dizendo que no futebol não existe uma linguagem objetiva estruturada
previamente. Expressa o seguinte comentário a respeito da atuação da Seleção Brasileira
de Futebol na Copa do Mundo de 1982:
16
“O patrulhado Zico”, em Jornal dos Sports, 05/07/82, p. 8.
109
31. Linguagem e o Espetacular na Dimensão Cotidiana
Chutar e correr para o abraço Ato de fácil execução, cujo resultado seja
previamente conhecido
110
Estar na marca do pênalti Indivíduo que se encontra em situação
delicada
17
HAMMOUD, Ricardo H. Nahra. Crescimento, desenvolvimento e desigualdade de renda: análise dos
clássicos – Furtado, Cardoso e o “milagre” econômico. In: Anais do XI Encontro Regional de Economia –
ANPEC-Sul 2008. Curitiba, Universidade Federal do Paraná.
111
Ainda em consonancia como o exposto acima é possível fazer um paralelo ao que já tinha
cido dito por Marx e Engels na ideologia Alemã.
Caminhando cada vez mais rumo a universos em que o mundo social é descrito e prescrito
por meios de comunicação como a televisão. As mídias, dentre outros, se tornam árbitros do
acesso à existência social e política.
Quanto a mobilização e formação das massas, é notória o movimento dos
brasileiros e sua torcida em torno dos jogos das Copas do Mundo. Documento histórico
o qual retrata esse fato é o artigo publicado no Diário de Notícias do Rio de Janeiro de
1962 mostrando a relação entre esporte e cultura popular. Em Documento rememorado
pelo professor José Marques (2002).
112
ouvindo o jogo e se podia muito bem entrar, ir lá dentro no cofre, e sair
tranquilamente18...
18
Diário de Notícias, 02/06/62, p. 7, Segunda Seção
113
igualmente no espetáculo pela mediação técnica de signos e de sinais,
que finalmente materializam um ideal abstrato. (Debord, 2002)
Nos dias de hoje a estrutura para o esporte em cada país ou região possui traços
particulares produzidos pelo seu histórico e também pelo cenário político e econômico,
mostrando assim os diferentes graus de mercantilização concebidos para o esporte. A
valoração do esporte como investimento, alta concorrência entre equipes e atletas, altos
salários e enormes valores pagos nas disputas dos direitos de transmissões, são processos
que alteram as relações sociais, políticas, econômicas e culturais. Aos conceitos de
Globalização e Neoliberalismo Econômico podemos relacionar, entre outros
subprodutos: a desregulamentação de leis e marcos econômicos, destituição das fronteiras
e culturas regionais, desarticulação de estratégias e mecanismos institucionais de proteção
e coesão social.
114
documentos citados, mesmo os meios impressos e pequenos jornais, frente as grandes
corporações empresarias midiáticas, não mais poderiam ignorar o potencial esportivo, em
particularmente o poder de movimentação monetário por meio do mercado publicitário
em tempos e megaeventos esportivos. Ainda falando sobre futebol e copa do mundo, o
ano de 1994 foi emblemático ao mostrar esse direcionamento das mídias aos grandes
espetáculos esportivos. O Jornal a Folha de S. Paulo, analisando esse período, e o “carro
chefe do momento” para traz o seguinte relato (Marques 2002):
A partir daí o Esporte é notado como área importante na impressa, exige profissional
especializado, afim de escrever, noticiar, analisar partidas, informar e ensinar o espectador como
se desenrolam os sets, os circuitos e as competições. Informar, discutir novas regras, normas a
serem seguidas pelos atletas são também outras atribuições desse novo profissional que surge a
essas demandas da mídia esportiva.
Para a professora Vani Kenski em seu artigo, o impacto da mídia e das novas tecnologias
(1995), alguns são os elementos que compõem e alimentam essa tríade, Esporte, Mídias e
Espetáculo:
19
Junia Nogueira de Sá, “A hora da virada”, Folha de S. Paulo, 20/07/94, p. 6.
115
Atendendo a demanda de público a ida das pessoas aos estádios e locais ondem acontecem
os eventos é promovida e incentiva. Principalmente dos torcedores, que fazem parte e
alimentam o aparato espetacular, com as músicas, gritos de incentivo, e suas expressões de
alegria, tristeza entre outras tantas que compõem a materialidade do espetáculo esportivo.
A televisão e a interatividade da internet a todo instante ampliam e altera a relação direta
entre público, esporte e atletas formando assim um novo tipo ser em suas relações sociais
com os outros e com o esporte. Nessas poucas décadas muito mudou o esporte, muito se
mudou na relação das pessoas envolvidas com ele, seja profissionalmente, no caso dos atletas,
ou dos torcedores.
A público presente no estádio tem uma percepção diferente do telespectador que
acompanha de algum aparelho de televisor ou similar. Veem espetáculos diferentes da mesma
competição. O público presente no estádio, para o telespectador, é elemento do espetáculo
visto. O som das torcidas, organizadas ou não, as “olas”, os “olés”, a linguagem corporal e
expressões faciais obtidas pelo zoom das câmeras são ingredientes de destaque que nutrem o
show e fazem o espetáculo acontecer. O produto vendido ao telespectador é muito mais
complexo e amplo do que a competição isoladamente. O esporte é o elo fundamental,
entretanto outros elementos são adicionados afim de se conseguir atenção e sucesso de
audiência.
Ainda sobre o aparato tecnológico e suas inovações, as mídias procuram a todo instante
inovar nesse quesito. Por exemplo, capturas de imagens são realizadas dos mais diversos
pontos e posições do evento, do alto de uma torre, de um helicóptero, e hoje em dia, das
chamadas “action cams” facilmente compradas e colocadas nos capacetes ou vestimentas dos
atletas (de alto nível ou não), e mais comumente das câmeras dos ‘smart fones”. Vários
ângulos impossíveis de serem acompanhados” in loco”.
Outra ferramenta utilizada pelas mídias afim de envolver o espectador está no uso da
maneira coloquial de comunicação com seus interlocutores. Os narradores e comentaristas
esportivos também trabalham com as emoções no processo comunicativo falando de maneira
envolvente e entusiasmada dos lances e momentos das partidas. (Kenski, 1995)
A inserção de músicas, de sons, possibilidade recorte e apresentação de imagens em
momentos específicos alterando e ampliando a percepção temporal como: os “replays” das
faltas no futebol e linhas de impedimento, congelamento de uma imagem em um “record”,
replay ressaltando a plasticidade de um movimento em “slow motion”; os efeitos especiais
como por exemplo: O uso da computação gráfica nas mesas interativas( on board tables),
analises táticas em ambiente tridimensional, tecnologia “Goal – line” no futebol entre outros
fazem da experiência sensorial televisiva muito mais que uma simples transmissão esportiva,
mas sim um verdadeiro espetáculo de entretenimento.
116
Ainda parte do projeto espetacular cultivado, temos os atletas profissionais, jogadas
ensaiadas, coreografias para comemorar os pontos conquistados, acenos e gestos para as
câmeras, apelo à bandeira do clube, do país, o visual do clube e dos atletas, as entrevistas
antes e após as competições, o uniforme e vestimentas renovadas a cada temporada. Tudo
isso são sentidos dados, “novas” funções nas quais os atletas devem estar preparados para
desempenhar nos jogos. As responsabilidades dos competidores ao entrarem nos jogos, não
é apenas competir e alcançar a vitória, como foi em outrora, a imagem é fundamental e faz
parte dos rendimentos de um atleta profissional. O atleta, assim como o esporte, é
espetacularizado e precisa agradar seu público, precisa ser vendável ao consumidor.
Joaquim Cruz, citado por Kenski (1995), afirma: “Ter uma boa imagem diante da mídia
é garantir patrocínio”. A atuação profissional do atleta é de ser também espaço publicitário,
comercialmente vendável onde se possa publicitar as mensagens e a marca dos
patrocinadores. Junto a imagem do atleta vai também uma marca, um símbolo, na busca de
projeção associada a valores do esporte como saúde, vitória e sucesso. Os atletas vão as
competições marcados como vacas no pasto.
O produto associado a imagem do atleta é tanto melhor quanto mais vitórias o atleta
conquista. O produto é campeão quando o atleta é campeão. Temos aqui uma clara inversão
de valores onde o ser humano torna-se uma coisa, um outdoor, e o produto adquire
características humanas. Os torcedores expostos a essa dinâmica, buscam também
aproximação a imagem vendida, compram objetos e consomem produtos vinculados ao time
ou ao atleta seguidos.
Os patrocinadores, por sua vez, investem na exploração midiática dos programas de
auditório com as personalidades esportivas, programas de entrevistas, programas
retrospectivos, melhores momentos, debates com especialistas. Nesse cenário as
personalidades esportivas, cantam, dançam, contam piadas, lançam perfumes, produzem
moda e vendem alarmes de carro. São personagens de histórias de ficção, filmes e novelas.
As mídias comunicativas, nesse contexto, são direcionadas para a exploração e
consequentemente, espetacularização da imagem do sucesso esportivo imediato, consumi-lo
como mais um produto descartável de obsolescência programada. Sempre terá uma nova
competição, um novo time, um novo atleta do momento.
Os clubes, as equipes e os atletas procuram aproveitar ao máximo sua hiper-exposição,
aparecer frente a uma grande massa de pessoas, de telespectadores, se tornarem mais que
conhecidos, serem populares, ter uma boa visibilidade, assim garantir o patrocínio e
conquistar maiores lucros. Todos lucram, todos ficam satisfeitos. A ética de que o importante
é competir a muito e deixada para trás. Vencer a qualquer custo também está ficando para
trás. O importante agora, a nova moral é: Tão importante quanto ser vencedor é ser conhecido,
117
é ser famoso, aparece e lucrar. (Kenski,1995). Antes a contradição era em ser ou ter. Hoje
parecer é mais importante que ter.
Um projeto emancipatório só será possível, segundo nos parece, por meio de uma
verdadeira revolução, pois como já foi dito durante todo o trabalho, a verdade posta e
visível vai muito além do que se apresenta. E as medições aparentes possuem raízes bem
mais profundas e muda-las exige trabalho consciente. É necessário produzir ferramentas
capazes de ampliar consciências, buscar novos subsídios para a transformação de nossas
ações práticas, utilizar de metodologias comprometidas em primeiro lugar com os seres
humanos. Métodos questionadores, críticas e aguerridos. A emancipação humana, deve
ser concebida, alicerçada na própria materialidade da prática situada em nossa realidade,
diferente das concepções idealizadas com base em abstrações as quais muitas vezes são
apresentadas como sinônimo da verdade.
118
momento, tomo aqui as palavras do professor Jõao Paulo Medina (2010, p. 84), quando
diz:
Nos limites do horizonte estudado, foi desvelada uma discussão tocante a vida e
ao esporte espetacularizado insipiente. No complexo acadêmico da educação física,
contudo essa área de desenvolvimento do conhecimento humano pode apresentar aportes
importantes e relevantes, na medida em que muitos estudos de outras áreas do
conhecimento20, quando se inclinam a um fenômeno como o esporte, marcadamente
midiático, ignoram o minimizam o papel decisivo da mediação formação humana,
mercadorias e meios comunicação coletivas. A simples alusão ao enorme gosto das
pessoas aos aparelhos televisivos marca o equívoco desta omissão.
20
Apesar de trabalhamos numa perspectiva dialética, articulada e não linear. A realidade concreta da
organização social, no tocante da academia e da ciência ainda possui fortes traços lineares e cartesianos
na produção do conhecimento. Por isso essa separação pragmática de setores e ou áreas do
conhecimento humano. A opção aqui por apresentar dessa maneira foi muito mais um reflexo imposto
pela realidade a um posicionamento teórico e metodológico.
119
estão desacompanhadas de interesses mercadológicos e políticos. E se faz fundamental a
especial atenção a estas associações e mecanismos, que se dão de múltiplas formas,
envolvendo esporte e corporações midiáticas.
Outras mídias, outras Pautas: Ampliar o leque de opções aos objetos estudados
para além das mídias corporativas e dos principais meios de comunicação. E necessário
o movimento num vasto universo de produções – Populares, democráticas, comunitárias,
alternativas, nanicas, progressistas, independentes, de esquerda, dentre muitas outras
121
carentes de estudo a respeito do esporte e suas mediações. Há todo um mundo que não
entra na pauta da mídia hegemônica; mas também existe um movimento contra
hegemônico que mais dificilmente é estudado e encontrado no que diz respeito ao esporte
e temas agregados.
Do esporte real ao virtual: Mais recentemente, cresce o ramo dos jogos eletrônicos
e em rede, cujos estudos podem mostrar características e situações até então
desconhecidas nas mediações com o esporte, nos laços e vínculos criados com o usuário.
122
Conclusão
21
Termo utilizado pelo pesquisador e sociólogo francês Georges Magnane (1969). Em seu livro Sociologia
do Poder para falar a respeito das perspectivas do esporte a época se utilizou do argumento de que na
imprensa é que o esporte (chamado por ele de “a criança difícil do século”) se manifestava em sua presença
da maneira mais indiscreta.
123
megaeventos ocupasse cada vez mais espaço, chegando ao ponto de serem, no final do
século XX, as fontes de maior arrecadação de recursos financeiros para a indústria da
comunicação (Marques, 2002).
O respeito a uma nova moral esportiva reverbera intensamente no tecido social e
sua complexa rede de mediações. A lascívia pela espetacularização da vida e das mais
diversas modalidades esportivas impõem novas necessidades, práticas e regras em acordo
como o “modus operandi” corrente. É claro que estas modificações no cotidiano do
esporte buscam sempre a melhor criação e exploração do espetáculo midiático, veiculação
e amplificação dos espaços destinados a publicidade, assim como a criação e ampliação
do mercado consumido. Os horários, os calendários dos eventos são sincronizados a
conveniência do que for melhor as megacorporações detentoras dos direitos de
transmissão. A duração das partidas também dever estar em acordo com a grade de
programação das empresas de transmissão dos jogos. Alterações são previstas, em
determinadas modalidades, afim de que, hajam intervalos regulares, para que sejam
transmitidas as mensagens publicitarias nesses momentos. Modalidades esportivas com
partidas muito longas e imprevisíveis, que prejudiquem a grade de transmissão das
emissoras, como era o caso do Voleibol, são pressionados a terem suas regras
reformuladas.
Afim de produzir o espetáculo a própria arquitetura dos estádios é transformada e
projetada afim de construir mega estúdios televisivos com espaços previamente definidos
aos painéis publicitários. Estrategicamente projetados a colocação das câmeras,
microfones e toda estrutura das diversas equipes dos canais de transmissão.
Em relação ao esporte é criada uma hierarquia que privilegiam algumas
modalidades esportivas em detrimento de outras. Levando em consideração o apelo
popular, ou seja, a capacidade aglutinativa da massa consumidora. Algumas modalidades
menos expressivas sequer são transmitidas ou mencionadas pelas mídias.
Estas conexões e mediações dos meios de comunicação, formação humana e
esporte, ainda hoje, são novas para os estudiosos no complexo da educação, educação
física e esportes, e ainda não foram objeto de investigação com a devida importância e
significação que merecem na constituição dos seres humanos e da sociedade
contemporânea. O impacto das mídias e da espetacularização do esporte é recente se
comparado a história do esporte, entretanto profundamente marcante e precisa ser
investigado, analisado e compreendido criticamente.
124
O surgimento das redes sociais, da televisão e outros meios de comunicação
ligados a mercadorização e reificação do esporte e da vida estão ligadas, numa totalidade,
a todos os aspectos da vida cotidiana e essa é uma característica do estágio cultural de
desenvolvimento humano e civilização na qual a raça humana se encontra e é de
fundamental importância desvelar a realidade em sua essência para além da simples
aparência. Lidando assim com o real, não aceitando incondicionalmente apenas sua
aparência dada e equivocada num primeiro momento, mas sim, tomando partido e
procurando se posicionar de maneira a aproveitar da melhor forma possível aquilo que de
excelência foi e está sendo produzido pela humanidade. Assim caminhado em benefício
do enriquecimento do gênero humano.
As transformações sociais e culturais humanas presentes, e em curso, imbricadas
em todos os aspectos e segmentos do tecido social, não obstantes refletidas na
espetacularização do esporte tida na presença maciça das mídias e do mais alto nível
tecnológico de comunicação vem sendo, em certa medida, estudado e analisado por
pesquisadores das áreas de conhecimento da Sociologia, Antropologia, Comunicação
entre outros tantos campos de atuação acadêmica. E sendo assim o complexo da Educação
Física, no que lhe diz respeito em seu papel humano e social, não deve se abster dessa
discussão. Nas pesquisas de referencial bibliográfico foi possível notar profissionais
interessados em analisar o fenômeno da espetacularização esportiva e suas relações com
a formação humana ligadas a indústria cultual e diversos aspectos. Nesse fluxo os
estudiosos na área da Educação Física não devem adentrar cada vez mais nesses estudos
e reflexão? Dessa maneira se faz fundamental a abertura do complexo da Educação Física
para o conhecimento dessas determinações advindas do fenômeno espetacularização do
esporte no mercado global e a indústria da cultural. Refletir, pesquisar e intervir
assumindo posição como agente da própria história frente ao sistema e produtos criados
pela própria humanidade. Aspectos novos e antigos produzidos na história da raça
humana literalmente em jogo no encaminhamento do futuro das novas gerações e
organização humana em construção e movimento
No movimento de idas e vindas com as sucessivas aproximações na ontologia do
ser social suas conexões envolvem, principalmente, uma determinada compreensão que
Marx fez em relação aos indivíduos com o gênero humano, mediados pelo trabalho.
O tema da ontologia do ser social e o advento da espetacularização do esporte
espetáculo foi de suma importância e contumaz no desenvolvimento desse trabalho
devido a sua inerente relação com a formação humana. Compreender os nexos entre o
125
ser singular, da pessoa humana, e a organização do mundo dos homens na atualidade
foi essencial, pois “O homem nasce em uma determinada sociedade, sob determinadas
condições sociais e inter-humanas que ele próprio não escolhe; são elas resultado da
atividade de gerações anteriores” (SCHAFF, 1967, p. 71). Assim, para conhecer a
verdade no mundo dos homens e os produtos a ele relacionados foi preciso procurar
apreender o que foi e como se viabilizou o desenvolvimento genérico humano, ou seja,
se buscou no desvelar da situação na qual a humanidade se encontra, descobrir se
existem possibilidades evolutivas. Na firme crença do sim, procuramos falar a respeito
de algumas circunstâncias sociais que impedem os homens de serem tudo aquilo que
poderiam ser. Como a retroalimentação do modo de produção material produzindo a
vida social.
Há um número considerável de estudos sobre mídias inter-relacionadas à
educação e ao esporte, porém há uma lacuna em pesquisas na área da formação humana
e a espetacularização do esporte, e mais notadamente no prisma da ontologia do ser
social. Após levantamento bibliográfico, não foram encontrados muitos trabalhos
publicados sobre a espetacularização do esporte em seu sentido mais essencial, ou seja,
o posicionamento político ideológico em que esse tipo de manifestação social e cultural
é alicerçado. A capacidade persuasiva e alienante da espetacularização do esporte,
utilizando o corpo e a cultura corporal, também não se mostrou evidente nos artigos
pesquisados, quando confrontados em uma perspectiva materialista histórica e dialética.
Nessa perspectiva, para uma melhor compreensão, cabe ainda trazer à tona o
fato corriqueiro na empiria do senso comum. Quem nunca ouviu o incansável e
repetitivo jargão: “Agora um pequeno intervalo para os nossos patrocinadores, os
comerciais”. Hoje em dia, não só nos intervalos comerciais, mas antes, durante e depois
das programações os patrocinadores tem espaço para o anúncio de suas marcas e
126
produtos nas mídias, colaborando com esse processo de veiculação e influência na
formação do coletivo social. É fundamental saber que, no sistema socioeconômico
vigente, quem detêm o poder econômico, dita as regras. Karl Marx (1974, p. 30) traz
uma profunda reflexão sobre o poder do dinheiro nos Manuscritos econômico-
filosóficos quando afirma que:
127
A espetacularização do esporte é um reflexo, um desdobramento de um modelo
socioeconômico capitalista que incute nas relações de produção, tanto material quanto
social, o seu modo de ser. Inserida em um conjunto de instâncias culturais, comporta
em si uma ideologia que produz e reproduz valores e saberes, além de regular condutas,
modos de ser, modos de agir, apresentando modelos a serem seguidos, como ser e agir
socialmente e a maneira de pensar.
Intimamente ligada ao modo de produção humana, a espetacularização do esporte
assume o compromisso com o lucro, manutenção e criação de novos mercados, formação
de novos seres consumidores.
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