SOARES-BONAMINO - Estudos Sobre A Educacao Brasileira - Multiplos Olhares
SOARES-BONAMINO - Estudos Sobre A Educacao Brasileira - Multiplos Olhares
SOARES-BONAMINO - Estudos Sobre A Educacao Brasileira - Multiplos Olhares
sobre a
educação
brasileira
MÚLTIPLOS
OLHARES
Reitor
Pe. Josafá Carlos de Siqueira SJ
Vice-Reitor
Pe. Francisco Ivern Simó SJ
Decanos
Prof. Júlio Cesar Valladão Diniz (CTCH)
Prof. Luiz Roberto A. Cunha (CCS)
Prof. Luiz Alencar Reis da Silva Mello (CTC)
Prof. Hilton Augusto Koch (CCBM)
TUFI MACHADO SOARES
ALICIA BONAMINO
ORGANIZAÇÃO
Estudos
sobre a
educação
brasileira
MÚLTIPLOS
OLHARES
AUTORES
ADRIANA TOMAZ LUÍS A. F. PONTES
ALEXANDRE NICOLELLA LUÍSA ARAÚJO
ALICIA BONAMINO MARIANA CALIFE NÓBREGA
ANA CRISTINA PRADO DE OLIVEIRA NAIRA DA COSTA MUYLAERT LIMA
BEATRIZ DE BASTO TEIXEIRA NEIMAR DA SILVA FERNANDES
CYNTHIA PAES DE CARVALHO NIGEL BROOKE
DIOGO ALVES DE FARIA REIS PATRÍCIA COSTA
ERISSON VIANA CORREA PAULA BATISTA LESSA
GLADYS ROCHA RAQUEL ARAÚJO
HILDA MICARELLO TATIANE MORAES
JULIANA RIBEIRO-PASSOS TUFI MACHADO SOARES
© Editora PUC-Rio
Rua Marquês de S. Vicente, 225
Projeto Comunicar – casa Agência/Editora
22451-900 – Gávea – Rio de Janeiro, RJ
Telefax: (21)3527-1760/1838
[email protected]
www.puc-rio.br/editorapucrio
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por quaisquer
meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco
de dados sem permissão escrita das Editoras.
Revisão tipográfica
Cristina da Costa Pereira
Editoração do miolo
SBNigri Artes e Textos Ltda.
Editoração de capa
Guilherme Xavier
Revisão
Tufi Machado Soares
Alicia Bonamino
Luís Antônio Fajardo Pontes
Carolina Reihn
Patrocinadores
CNPq
Capes
Estudos sobre a educação brasileira : múltiplos olhares / Tufi Machado Soares, Alicia
Bonamino(orgs.). – Rio de Janeiro : Ed. PUC-Rio, 2017.
276 p. : il. ; 23 cm
Inclui bibliografia
ISBN: 978-85-8006-222-9
Apresentação................................................................................................. 9
Parte 1 –
Desigualdades educacionais
Uma análise do fracasso escolar no Ensino Médio público
de Minas Gerais........................................................................................... 15
Alexandre Nicolella
Mariana Calife Nóbrega
Neimar da Silva Fernandes
Tufi Machado Soares
Evolução da proficiência em Matemática no Projeto Geres
e diferenças de desempenho entre escolas públicas e privadas.................. 33
Luís A. F. Pontes
Nigel Brooke
Tatiane Moraes
Efeito da repetência em estudantes do Ensino Fundamental:
uma análise com o uso de Propensity Scores Matching............................... 67
Erisson Viana Correa
Alicia Bonamino
Tufi Machado Soares
Parte 2 –
Aprendizado de leitura
Avaliação da leitura na Europa................................................................... 89
Patrícia Costa
Luísa Araújo
Apropriação da leitura nos anos iniciais do Ensino Fundamental: uma
reflexão com base nos conceitos de justiça social e eficácia escolar......... 115
Hilda Micarello
Alicia Bonamino
Cadernos escolares: a palavra escrita e a Matemática
nos anos iniciais do Ensino Fundamental................................................ 139
Alicia Bonamino
Gladys Rocha
Diogo Alves de Faria Reis
Parte 3 –
Organização e contexto escolar
Diretores e currículo unificado: uma pesquisa em Minas Gerais............ 179
Beatriz de Basto Teixeira
Cynthia Paes de Carvalho
Ana Cristina Prado de Oliveira
Paula Batista Lessa
As estratégias de enturmação dos alunos nas escolas e suas
relações com a (re)produção de desigualdades educacionais.................. 207
Naira da Costa Muylaert Lima
Erisson Viana Correa
Famílias e sucesso escolar em camadas populares................................... 231
Juliana Ribeiro-Passos
Adriana Tomaz
Raquel Araújo
A avaliação nacional moçambicana de Língua Portuguesa
em 2013: principais resultados e uma proposta de definição de
níveis de proficiência para a 3ª classe do Ensino Primário...................... 253
Luís A. F. Pontes
Apresentação
Desigualdades educacionais
Uma análise do fracasso escolar no Ensino
Médio público de Minas Gerais1
Alexandre Nicolella2
Mariana Calife Nóbrega3
Neimar da Silva Fernandes4
Tufi Machado Soares5
1 Introdução
O fenômeno do abandono escolar é particularmente grave no sistema
educacional público brasileiro. Sabe-se que os alunos de diferentes perfis que
compõem esse sistema encontram-se sujeitos a uma diversidade de condições
educacionais. Silva e Hasenbalg (2000) destacam que a educação no Brasil é
conhecida por apresentar distintas características, como distribuição muito
desigual da escolaridade da população; ausência de igualdade de oportunida-
des educacionais, retratada pela alta correlação entre o nível educacional das
crianças e o de seus pais e avós; profundas disparidades regionais nos níveis
educacionais e nível educacional médio demasiadamente baixo.
É sabido que as desigualdades sociais tendem a se acumular ao longo dos
anos. Dessa forma, as instituições de ensino podem tanto diminuir essas lacunas
como aprofundá-las. Perrenoud (1999) comparou as desigualdades escolares na
França nos anos 1960, e apontou naquele estudo que essas diferenças se deviam
às diferenças entre as instituições: algumas mais autoritárias e outras mais meri-
tocráticas. O estudo aponta, antecipadamente aos estudos dos anos 1970 sobre
1
Os autores agradecem ao Instituto Unibanco pelo financiamento do projeto, à Capes e ao CNPq, que fi-
nanciaram parcialmente esse estudo por meio do projeto Rede Multinível de Pesquisa em Eficácia Escolar
Casadinho/Procad, e ao apoio da Secretaria Estadual de Minas Gerais e do Centro de Avaliação de Políticas
Públicas da Educação (CAEd).
2
Doutor em Economia Aplicada pela Universidade de São Paulo. Professor do Departamento de Economia
da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto da USP. Especialista em eco-
nomia social e microeconometria, com ênfase nas áreas de educação e trabalho. E-mail: [email protected]
3
Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro (PUC-Rio) – Departamento de Educação. Entre as principais linhas de pesquisa estão: desigualdade
educacional, avaliação educacional, abandono escolar e análise contextual. E-mail: [email protected]
4
Bacharel em Ciências Exatas pela UFJF; auxiliar de pesquisa no CAEd/UFJF. Atuação nas áreas de pesquisa
quantitativa em educação e de estatísticas educacionais. E-mail: [email protected]
5
Doutor em Teoria Matemática de Controle e Estatística pela PUC-RJ. Possui pós-doutorado em Estatística
pela UFRJ e em Educação pela PUC-Rio. Professor titular do Departamento de Estatística do Instituto de
Ciências Exatas e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora
(UFJF). Especialista em Teoria da Resposta ao Item e outros métodos psicométricos, em modelagem mul-
tinível aplicada em avaliações educacionais em larga escala, e em avaliação de políticas públicas na área da
educação. E-mail: [email protected]
16 Estudos sobre a Educação brasileira: múltiplos olhares
a eficácia escolar, a importância das relações institucionais para além dos efeitos
culturais e sociais e suas reprodutibilidades no sucesso escolar de seus filhos.
Em uma extensa revisão, Rumberger e Lim (2008) separam em dois gru-
pos os fatores associados ao abandono escolar: os individuais e os institucio-
nais, da comunidade e da família. Nas características individuais mostram-se
importantes na explicação do abandono o desempenho educacional e sua tra-
jetória, o comportamento e as atitudes, as características demográficas e suas
experiências prévias.
Com relação aos aspectos familiares, três mostram-se importantes: a es-
trutura e as mudanças nessa estrutura familiar, as características econômicas e o
acompanhamento dos pais ou capital social. No que diz respeito às características
escolares, a composição dos estudantes da escola, os recursos escolares, as polí-
ticas e práticas da escola e outras características estruturais mostram-se correla-
cionados ao abandono apesar de pouca evidência robusta favorável. Entretanto,
pequenas classes de alunos e o clima escolar mostram-se importantes. Por fim, as
características da comunidade na qual está inserido, como níveis de pobreza ou
riqueza, exercem um papel importante na decisão de abandonar a escola.
Tanto em estudos nacionais quanto internacionais, quase sempre se ob-
serva que alunos que vêm de famílias mais modestas e que não concluem as
etapas mais básicas de ensino acabam por trabalhar nas profissões de menor
prestígio e mal remuneradas; no entanto, essas relações nem sempre são tão
claras aos jovens. Sabendo das influências de sua origem e das oportunidades,
qualquer trabalho e/ou as ruas tornam-se mais atrativos do que as instituições
escolares, impulsionando o abandono escolar precoce. A importância que as
famílias atribuem à educação também é um fator importante a ser exposto, já
que é perceptível uma influência positiva quando a família aposta em fichas
escolares, incentivando e mantendo os jovens em instituições de ensino. Por
outro lado, pais permissivos, com pouca ambição educacional, podem ocasio-
nar o efeito contrário: aumentar o abandono escolar (Janosz et al., 1997).
Um dos fatores indicados na literatura nacional como sendo um dos que
mais afastam os jovens dos bancos escolares é a necessidade de trabalhar, que
pode estar ligada a questões financeiras como desemprego dos pais (Ramos,
2001), complementaridade de renda, necessidade de suprir interesses parti-
culares, entre outras diversas situações. É sabido que os alunos que precisam
trabalhar tendem a se matricular em turnos noturnos (Arroyo, 1993), turno
este em que as taxas de abandono são ainda mais elevadas. É muito comum
Uma análise do fracasso escolar no Ensino Médio público de Minas Gerais 17
Atributos
Trabalha para ajudar Pessoais Gênero
a família
Escolaridade Condição
dos Pais 3-Família Socioeconômica
1-Dimensão Intraescolar
2-Dimensão do Aluno
3-Dimensão Familiar
ele mostrou que quase 80% dos alunos que abandonam em um momento, já
repetiram o ano escolar em outro, e que a repetência aumenta de 20% a 50%
a chance de um abandono futuro. Assim, o entendimento da trajetória sobre
o desempenho e o abandono tem sido alvo de intensa discussão na literatura
recente, pois, conforme argumentado por Karweit (1991), tanto a promoção
social como a retenção têm se mostrado por si só pouco efetivas para dar ins-
trução apropriada para os estudantes de baixo desempenho e maior risco.
3 Análise empírica
3.1 Construção da amostra
Este trabalho se baseia nos resultados de uma pesquisa realizada simul-
taneamente em 46 escolas municipais e estaduais de Minas Gerais, no final do
ano de 2009, e que teve como objeto de análise alunos cursantes do Ensino
Médio e alunos que abandonaram a mesma etapa de escolaridade antes de
sua conclusão6 nos anos de 2009, 2008, 2007 e 2006. Para a construção de um
sistema de referência utilizaram-se os dados informados pelo Censo Escolar
2007 (Brasil, 2008), complementando com os registros escolares obtidos após
o sorteio das escolas. No total, foram aplicados 3.418 questionários, o que per-
mitiu delinear um panorama dos jovens que frequentam/frequentaram o sis-
tema educacional mineiro em suas particularidades como: situação familiar,
dificuldades enfrentadas dentro e fora da escola, expectativas para o futuro,
entre outras.
A população de alunos foi estratificada segundo os polos educacionais
definidos pela Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE/MG):
Centro, Norte, Sul, Triângulo Mineiro, Vale do Aço e Zona da Mata. Foi tam-
bém estratificada pelas redes de ensino (estadual e municipais); pelas moda-
lidades (regular, EJA, profissionalizante); pela última série matriculada e, por
fim, pelo estado do aluno (cursante ou não cursante). A amostra foi subdividi-
da segundo todos estes estratos.
Cada um dos seis polos foi subdividido pelas Superintendências Regio-
nais de Ensino (SRE). Sendo infactível estratificar a amostra por estas Superin-
tendências, decidiu-se por uma amostra por conglomerados em que para cada
polo foram sorteadas algumas SREs (conglomerados primários), e, dentro das
SREs, sorteadas cidades (conglomerados secundários), e, das cidades sortea-
6
Para a construção de um sistema de referência utilizaram-se os dados informados pelo Censo Escolar 2007
(divulgado em 2008) complementados com os registros escolares obtidos após o sorteio das escolas.
Uma análise do fracasso escolar no Ensino Médio público de Minas Gerais 23
7
A escolha desses anos levou em consideração a dificuldade de encontrar os alunos mais antigos, bem como
a maior fidedignidade de registros mais recentes.
24 Estudos sobre a Educação brasileira: múltiplos olhares
ISE (0,82)
Gênero
(2,04)
(Masculino)
Gravidez
Trabalha para
(2,20)
ajudar a família
Defasagem (1,03)
Número de
abandonos no (1,49)
1º ano
Número de
Reprovações no (1,77)
1º ano
ISE (1,12)
Gênero
(0,74)
(Masculino)
Gravidez (0,46)
Trabalha para
(0,84)
ajudar a família
Falta de Qualidade do
(0,89)
Trabalho do Professor
Trabalha (1,583)
Masculino (0,437)
Pardo (0,861)*
Negro (0,618)*
Luz (1,908*)
Filtro (1,432)
1 2 3
Percepção de
melhores
Fatores de Influência Positiva oportunitdades de
trabalho com a
Fatores de Influência Negativa Continuanção dos
estudos
Escola
próxima ao
ISE local de
trabalho
Intenção de
retorno à escola
Interesse e
Incentivo da Trabalhar com
Família nos carteira assinada
Estudos
4 Considerações finais
Este trabalho teve o caráter de estabelecer metodologias de pesquisa e aná-
lise quantitativa que permitiram olhar para a questão do abandono de acordo
Uma análise do fracasso escolar no Ensino Médio público de Minas Gerais 29
tos de partida para novos estudos. Por exemplo, os efeitos da “percepção pelo
aluno da falta de qualidade no trabalho do professor” e da “dificuldade geral,
sentida, nas disciplinas”, são indicativos de uma inadequação dos métodos de
ensino para os alunos mais propensos ao abandono. Cabe investigar qual mo-
delo de ensino e quais características do professor poderiam ser mais exitosos
para esse aluno vulnerável. Abre-se, assim, um caminho para a intervenção pe-
dagógica, no sentido de que a percepção e a motivação do aluno, quanto a cer-
tos aspectos dos processos escolares, podem ser modificadas. Resta entender
ainda a natureza objetiva e subjetiva dessa percepção para que ações concretas
sejam eficazes. De qualquer forma, aqui fica demonstrado que elas estendem
sua influência para além das influências das variáveis sociodemográficas e de
trajetórias escolares. Em outras palavras, diferentes escolas, ou diferentes pe-
dagogias escolares, podem atender mais adequadamente a diferentes perfis de
alunos no sentido de sintonizar seus anseios com as expectativas da sociedade
e dos professores.
Referências
ARROYO, M. G. Educação e exclusão da cidadania. In: BUFFA, Ester. Educação e ci-
dadania: quem educa o cidadão. 4. ed. São Paulo: Cortez, 1993.
BOURDIEU, P. A Escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura. In:
NOGUEIRA, M. A. & CATANI, A. (orgs.) Escritos de educação. Petrópolis: Vozes,
1998.
BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amos-
tragem de Domicílios (PNAD). Rio de Janeiro: IBGE, c2013. Disponível em: <http://
www.ibge.gov.br/downloads>.
_______. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira.
Censo Escolar 2007. Brasília: Inep, 2008. Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/
basica-levantamentos-acessar>. Acesso em: 20 jun. 2008.
CORREA, E. V.; BONAMINO, A. & SOARES, T. M. Evidências do efeito da repetência
nos primeiros anos escolares. Estudos em avaliação educacional, São Paulo, v. 25, n.
59, p. 242- 269, 2014.
EIDE, E. R. & SHOWALTER, M. H. The Effect Of Grade Retention On Educational
And Labor Market Outcomes. Economics of Education Review, Provo, v. 20, n. 6, p.
563-576, dec. 2001.
FINN, J. D. Withdrawing From School. Review of Educational Research, California, v.
59, n. 2, p. 117-142, summer 1989.
Uma análise do fracasso escolar no Ensino Médio público de Minas Gerais 31
1 Introdução
A série histórica do Saeb, que desde 1995 vem retratando as médias de de-
sempenho em Matemática dos alunos da 4ª série/5º ano do Ensino Fundamental
no Brasil, apresenta alguns resultados otimistas quanto à evolução do aprendi-
zado dessa disciplina no país. Após quatro anos de declínio, entre 1997 e 2001,
em que a proficiência média baixou de 190,8 para 176,3 pontos, a melhora nos
resultados a partir de 2003 tem se mostrado firme, com a ocorrência de ganhos
significativos a cada novo ciclo. A partir de 2007, o ganho médio a cada dois anos
tem sido de mais de 10 pontos na escala do Saeb (Inep, [2016]).
Gráfico 1: Proficiência média, Matemática,
4ª Série/5º Ano e 8ª série/9º ano. 1995-2011. Brasil.
260
240
220
8ª série/9º ano
200 4ª série/5º ano
180
160
1995 1997 1999 2001 2003 2005 2007 2009 2011
Fonte: Elaborado pelos autores a partir de dados fornecidos pelo Inep (Brasil, [2016]).
1
Doutor em Educação pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF); analista de dados do CAEd/UFJF.
E-mail: [email protected]
2
Doutor em Estudos do Desenvolvimento pela Universidade de Sussex, Inglaterra; professor da UFMG.
E-mail: [email protected]
3
Mestranda em Gestão e Avaliação da Educação (PPGP/CAEd/UFJF); especialista em Educação Matemáti-
ca e em Gestão Pública pela UFJF; professora de matemática no Colégio Stella Matutina/Juiz de Fora (MG).
E-mail: [email protected]
34 Estudos sobre a Educação brasileira: múltiplos olhares
Proficiência na
escala Geres
de Matemática
nas escolas participantes do Geres4. Ou, em outras palavras, está-se aqui par-
ticularmente interessado no fenômeno pelo qual a distância entre as médias
de Matemática das redes particular e pública (favorável à primeira) aumenta
significativamente na onda 3 (final da 2ª série/3º ano) e estabiliza-se com esse
novo, e maior, valor nas ondas restantes da série temporal.
Com base nisto, o propósito da presente análise é tentar responder à se-
guinte questão fundamental: uma vez observado esse afastamento das médias
das duas redes, o que diferencia o aprendizado nelas? Em outras palavras, que
tipo de itens os alunos da escola pública necessitariam acertar mais para que se
fechasse, ou diminuísse, a distância de proficiência entre as redes? Em termos
ainda mais concretos, a quais tipos de itens apresentados nas provas mais se
vincula essa constatada diferença de desempenho, e qual é a associação entre
as diversas áreas curriculares de Matemática e os padrões de defasagem de
desempenho entre as escolas públicas e privadas avaliadas no Geres?
4
Neste estudo não foram incluídas as oito escolas federais e/ou centros pedagógicos de universidades públi-
cas participantes do Geres no grupo especial do Gráfico 1 (das quais sete se situam no Rio de Janeiro e uma
em Belo Horizonte), devido ao fato de que, embora públicas, elas possuem um perfil institucional e discente
em geral bastante distinto das escolas municipais e estaduais observadas neste painel. Dessa forma, os dois
grupos de escolas aqui consideradas são as “públicas” (estaduais e municipais) e as particulares.
38 Estudos sobre a Educação brasileira: múltiplos olhares
6
A repetição de itens permite a equalização das diferentes versões dos testes e a comparabilidade dos re-
sultados dos alunos.
40 Estudos sobre a Educação brasileira: múltiplos olhares
em que:
Perc_corrigido: percentual esperado corrigido do item para o acerto casual
Perc_real: percentual esperado bruto de acerto do item
N: número de opções da múltipla escolha para o item específico.
Por esse procedimento, um item que, por exemplo, teve 25% de acerto
esperado bruto, ficaria com um percentual nulo de acerto corrigido:
Se, por acaso, o item teve um percentual esperado bruto de acerto inferior
a 25%, pela fórmula aqui empregada o seu respectivo percentual corrigido se-
ria negativo. Para evitar esse valor impossível, optou-se por, nessas situações,
simplesmente atribuir um percentual nulo para tais itens.
Por outro lado, caso um item tivesse 100% de acerto bruto, o seu percen-
tual esperado corrigido assumiria este mesmo valor, visto que:
25,0
20,0
15,0
10,0
5,0
0,0
1_02
1_14
1_11
1_10
1_06
2_14
2_13
2_11
2_04
3_22
3_02
3_14
3_11
3_15
4_08
4_02
5_13
5_22
5_18
5_30
5_11
4_16
5_10
-5,0
-10,0
-15,0
-20,0
Onda 1
Os resultados dos itens que compuseram a onda inicial do Geres apare-
cem no Quadro 2.
Evolução da proficiência em Matemática no Projeto Geres 45
100,0
80,0
60,0
40,0 DIF
PART
20,0 PÚBL
0,0
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15
-20,0
-40,0
Onda 2
O Quadro 3 apresenta os itens da segunda onda, correspondente ao final
da primeira série do Ensino Fundamental. A ela, segue um gráfico explicitan-
do os percentuais de acerto em cada rede e também a diferença entre elas, à
semelhança do que já se mostrou na 1ª onda.
48 Estudos sobre a Educação brasileira: múltiplos olhares
80,0
60,0
DIF
40,0 PART
PÚBL
20,0
0,0
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
-20,0
Onda 3
O Quadro 4 apresenta os itens da 3ª onda, correspondente ao final da 2ª
série, atual 3º ano, do Ensino Fundamental.
100,0
90,0
80,0
70,0
60,0
DIF
50,0
PART
40,0
PÚBL
30,0
20,0
10,0
0,0
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14
17 Carolina foi à Loja “SÓ MEIAS” com R$75,00. Veja o preço das meias que ela
comprou.
R$ 12,00 R$ 28,00
B) R$ 38,00
C) R$ 35,00
D) R$ 105,00
Onda 4
No Quadro 5 e no Gráfico 7 apresentam-se os itens da 4ª onda, corres-
pondente ao final da 3ª série ou 4º ano do Ensino Fundamental.
56 Estudos sobre a Educação brasileira: múltiplos olhares
80,0
60,0
DIF
40,0 PART
PÚBL
20,0
0,0
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
-20,0
A) 2,5 m
B) 3 m
C) 3,5 m
D) 4 m
altura de uma pessoa). Nesse caso, como a altura é dada por um número ra-
cional, espera-se também que o aluno saiba operar com esse tipo de repre-
sentação numérica. Os baixos percentuais de acerto desse problema, tanto na
rede particular quanto na pública, sugerem a grande dificuldade dos alunos
avaliados de se apropriar do conceito de estimativa e/ou lidar com números ra-
cionais em sua representação decimal. Por sua vez, tal fato parece indicar uma
abordagem dos conceitos relativos às grandezas e às medidas desvinculada das
características e das relações numéricas.
Outra habilidade na qual os percentuais de acerto das duas redes se asse-
melharam aos do exemplo anterior é o item M027061, a seguir:
A) 2,6
B) 2,8
C) 3,4
D) 3,6
Onda 5
Apresentam-se, a seguir, os resultados dos itens da quinta e última onda,
correspondente ao final da 4ª série ou 5º ano do Ensino Fundamental:
A distância do ponto A até o ponto B é de 11,2 cm. Ao retirar o comprimento 1,6 cm,
essa distância ficará igual a
A) 11,2 cm C) 10,4 cm
B) 10,6 cm D) 9,6 cm
Fonte: Brooke e Bonamino (2011).
Evolução da proficiência em Matemática no Projeto Geres 61
A) 1 caixa
B) 2 caixas
C) 3 caixas
D) 4 caixas
possível observar quais são os pontos curriculares mais desafiadores para am-
bas as redes de ensino, que as nivelam por baixo, em termos do desempenho
de seus alunos de índice socioeconômico médio.
Nesse sentido, o que se percebe recorrentemente é que os itens mais de-
safiadores para os alunos de ambas as redes são aqueles que abordam mais
diretamente situações da vida real, usando contextos verossímeis, e que ten-
dem a requerer a realização de mais de uma operação para serem resolvidos.
E outros itens mais dificultosos são aqueles cujo tratamento formal requer a
atuação direta da escola, como a manipulação de números decimais e o uso de
convenções geométricas, algo que as crianças costumam aprender principal-
mente dentro do contexto escolar.
Por fim, cabe dizer que a dinâmica apresentada pelas diferenças de per-
centuais de acerto dos itens ao longo das diferentes séries serve para ressaltar
que, em termos de políticas públicas educacionais, parece ser premente a ne-
cessidade de se investir, de modo mais eficaz, nos primeiros anos do Ensino
Fundamental, visto que neles parece haver um processo de clivagem capaz de
contribuir, posteriormente, para as grandes desigualdades de aprendizado ob-
servadas nas séries finais do Ensino Fundamental, no Ensino Médio e na esco-
larização na vida adulta.
Referências
BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Esta-
tísticas do Ideb 2015 – Brasil. [2016]. Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/web/
portal-ideb/planilhas-para-download>. Acesso em: 21 mar. 2016.
______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros
Curriculares Nacionais: Introdução. Brasília: MEC, 1997.
BROOKE, Nigel & AGUIAR, Andréia. O aprendizado da Matemática nas escolas da
pesquisa Geres. In: Dalben, Angela et al. (orgs.). Convergências e tensões no campo
da formação e do trabalho docente. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2010. Coleção
Didática e Prática de Ensino. Textos selecionados do XV ENDIPE, Belo Horizonte,
20 a 23 abril, 2010.
BROOKE, Nigel & BONAMINO, Alicia (orgs.). Geres 2005: razões e resultados de
uma pesquisa longitudinal sobre a eficácia escolar. Rio de Janeiro: WalPrint, 2011.
CARLSON, D. Focusing State Educational Accountability Systems: Four Methods Of
Judging School Quality And Progress. Disponível em: <http://www.nciea.org/publi-
cations/Dale020402.pdf>. Acesso em: 12 mar. 2010.
66 Estudos sobre a Educação brasileira: múltiplos olhares
1 Introdução
A emergência de dados longitudinais de Educação no Brasil tem aberto
novas fronteiras de investigação sobre os efeitos e consequências da repetência
escolar sobre a aprendizagem e a autoestima de estudantes. Muito embora esse
tipo de pesquisa seja ainda pouco comum no Brasil, no cenário internacional
essa abordagem está consolidada há pouco mais de um século, como revela
a revisão de estudos apresentada por Crahay (2006), em que se sintetizam a
trajetória desse tipo de pesquisa e suas principais evoluções metodológicas.
Um dos primeiros estudos brasileiros sobre os impactos da repetência
com a utilização de dados longitudinais é a pesquisa de Luz (2008), que utiliza
dados de alunos repetentes e promovidos da 7ª série no ano letivo de 2002.
Esse estudo utilizou-se de dados provenientes da pesquisa “Fatores Associados
ao Desempenho Escolar”, realizada pelo Cedeplar em parceria com o Inep4.
1
Mestre em Educação pela PUC-Rio. Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Educação da PUC-
-Rio, integrante do Laboratório de Avaliação da Educação (LAEd). Atua como orientador pedagógico no
Colégio Pedro II. Seus interesses de pesquisa se concentram na área de Educação nos temas: avaliação da
educação básica, desigualdades educacionais e política educacional. E-mail: [email protected]
2
Doutora em Educação pela PUC-Rio. Professora associada do Departamento de Educação da PUC-Rio e
coordenadora do LAEd. Atua na área de Política Educacional, principalmente nos seguintes temas: avalia-
ção da educação básica, aprendizagem nos anos iniciais do Ensino Fundamental e desigualdades educacio-
nais. E-mail: [email protected]
3
Doutor em Teoria Matemática de Controle e Estatística pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro (PUC-RJ). Possui pós-doutorado em Estatística pela UFRJ e em Educação pela PUC-Rio. Professor
titular do Departamento de Estatística do Instituto de Ciências Exatas e do Programa de Pós-Graduação
em Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Especialista em Teoria da Resposta ao Item
e outros métodos psicométricos, em modelagem multinível aplicada em avaliações educacionais em larga
escala e em avaliação de políticas públicas na área da Educação. E-mail: [email protected]
4
Cedeplar é o Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da UFMG. Ele abriga os programas de
Pós-Graduação (mestrado e doutorado) da UFMG em Demografia e em Economia e desenvolve um amplo
programa de pesquisas nestas áreas. O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Tei-
xeira (Inep) é uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Educação cuja missão é promover estudos,
pesquisas e avaliações sobre o sistema educacional brasileiro com o objetivo de subsidiar a formulação e a
implementação de políticas públicas para a área educacional.
68 Estudos sobre a Educação brasileira: múltiplos olhares
5
Do termo em inglês Propensity Scores Matching.
Efeito da repetência em estudantes do Ensino Fundamental 69
2 Delineamento da pesquisa
Nosso objetivo neste trabalho é investigar os potenciais efeitos da
repetência escolar sobre a aprendizagem de alunos nos anos iniciais do
Ensino Fundamental. A questão disparadora é saber o quanto alunos reti-
dos em uma determinada série aprendem em comparação com seus pares
que não repetiram. Em outras palavras, pretendemos mensurar os ganhos
efetivos de proficiência, em Língua Portuguesa e Matemática, alcançados
por alunos repetentes após uma retenção, vis-à-vis os alunos que não pas-
saram pela mesma experiência escolar. Caso seja possível, pretendemos
ainda verificar a magnitude dos ganhos e a duração dos efeitos no decorrer
da trajetória acadêmica de alunos dos anos iniciais, a fim de compreender
se esses ganhos se justificam frente ao atraso de um ano na escolarização
imposto pela medida.
Para tal, utilizaremos a base de dados do Geres6, estudo que monitorou
as proficiências em Língua Portuguesa e Matemática de um painel de cerca de
10 mil alunos ao longo dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Nosso dese-
nho de pesquisa se inspira em modelos observacionais e quase experimentais
para a realização de comparações entre repetentes e não repetentes.
Os estudantes que compõem a pesquisa foram divididos em dois gru-
pos. No primeiro, denominado experimental, estão alunos que repetiram uma
6
O estudo foi realizado em 303 escolas públicas e privadas de cinco cidades brasileiras entre os anos de
2005 e 2008.
70 Estudos sobre a Educação brasileira: múltiplos olhares
O1 O2 X O3 O4 O5
O1 O2 O3 X O4 O5
O1 O2 O3 O4 X O5
O1 O2 O3 O4 O5
7
Essa opção se justifica pela necessidade de se dispor de ao menos uma medida posterior à repetência para
todos os alunos repetentes. Além disso, foi verificado que, em Salvador, a maioria dos alunos eram mais ve-
lhos devido à entrada tardia no Ensino Fundamental, pois, naquela cidade, à época da realização do Geres,
o Ensino Fundamental tinha a duração de 8 anos, com ingresso do aluno aos 7 anos de idade, ao em vez dos
usuais 6 anos utilizados em outras cidades participantes, creditando, assim, um ano a mais de idade entre
os alunos de Salvador com relação aos alunos das demais cidades. Sabendo-se dessas condições específicas
de aplicação do Geres naquela cidade, optou-se pela retirada de Salvador da base de dados a ser utilizada.
Efeito da repetência em estudantes do Ensino Fundamental 71
Experim.1 X Experim.1
1ª série Experim.2
Experim.3
Controle
Experim.1
2ª série Experim.2 X Experim.2
Experim.3
Controle
Experim.1
3ª série Experim.2
Experim.3 X Experim.3
Controle
4ª série
Controle
10
Estrato especial abrange os Colégios de Aplicação vinculados a Universidades nas cidades do Rio de Ja-
neiro e Belo Horizonte, bem como as escolas federais de Educação Básica no município do Rio de Janeiro.
74 Estudos sobre a Educação brasileira: múltiplos olhares
Desvio- Desvio-
N Média N Média
-Padrão -Padrão
12
Alunos, caso remanejados, poderiam ser aprovados ou reprovados de acordo com a turma que os recebes-
se. Como motivadora desta distorção, Crahay apontou a tentativa dos professores de realizarem uma ava-
liação com referência à norma, isto é, comparar os alunos dentro de uma escala de excelência predefinida.
Além disso, existiria também a questão da credibilidade profissional do professor em relação aos seus cole-
gas docentes que explicaria por que, em muitos casos, a retenção se pratica em silêncio e pouco se sabe como
fazer para explicar as suas razões e em que os alunos reprovados devem melhorar. Outro motivo apontado
por Crahay é que a repetência é um instrumento para motivar o estudo por parte dos alunos e é importante
que esta ameaça seja, sobretudo, acreditada. Portanto, importa que ela atinja constantemente um grupo de
alunos, a fim de que a simples possibilidade dessa experiência seja percebida pelos demais estudantes.
13
O uso da variável turma em conjunto com a variável estrato da escola do aluno se mostrou um indicador
bastante preciso e estável para nível socioeconômico e rede, dispensando o uso dessas duas variáveis no
modelo.
14
Esta alternativa foi bem-sucedida na maioria das vezes. Entretanto, no caso particular de Belo Horizonte,
foi necessário recodificar a variável estrato agrupando escolas municipais e estaduais, de um lado, e escolas
privadas e especiais, do outro, devido ao desbalanceamento entre os casos controle e experimental nessas
duas redes. Com isso, reduzimos o número de alunos de escolas privadas e do estrato especial pareados com
alunos de escolas estaduais e municipais.
78 Estudos sobre a Educação brasileira: múltiplos olhares
68,7
77,0
85,3
93,6
101,9
110,2
118,5
126,8
135,2
143,5
151,8
160,1
168,4
Mais
MATEMÁTICA MATEMÁTICA
250 100
90
200 80
70
150 60
50
100 40
30
50 20
10
0 0
54,7
66,7
77,9
88,9
100,9
111,1
123,1
133,6
145,3
156,8
167,5
179,5
191,5
203,2
213,7
54,8
67,3
79,7
92,2
104,7
117,2
129,7
142,2
154,7
167,2
179,6
192,1
204,6
Mais
NSE NSE
100
800
90
700 80
600 70
500 60
400 50
40
300
30
200 20
100 10
0 0
-1,26
-1,21
-1,33
-0,97
-0,73
-0,49
-1,45
-0,47
-0,27
-0,26
-1,06
-0,08
-0,86
-0,65
0,12
0,32
0,51
0,71
0,91
1,13
1,31
1,50
0,22
0,46
0,70
0,94
1,18
1,42
-0,02
Mais
5 Resultados
Tradicionalmente, duas são as abordagens básicas utilizadas pela literatu-
ra quando se pretende mensurar os efeitos da repetência sobre o desempenho
de estudantes. A primeira delas chama-se same-age comparison ou compara-
ção no mesmo ano, e é feita a partir da comparação dos resultados de repe-
tentes e não repetentes levando-se em conta apenas a idade ou o ano letivo em
que a avaliação foi realizada, ignorando-se a diferença de série escolar entre
repetentes e repetentes na ocasião da avaliação. A segunda maneira de compa-
ração dos resultados é chamada de same-grade comparison ou comparação na
mesma série, e consiste em comparar o desempenho obtido por repetentes e
não repetentes na mesma série cursada, independentemente do ano letivo em
que foram avaliadas.
Na Tabela 5 sintetizamos os principais resultados para comparação por
ano letivo, incluindo as duas avaliações realizadas no ano de início do Geres,
82 Estudos sobre a Educação brasileira: múltiplos olhares
2005
1,2 -1,84 4,24
(Onda 2) Repetentes 717 117,3 29,5
2008 Não Repetentes 707 219,8 59,9
37,1 30,88 43,32
(Onda 5) Repetentes 710 182,7 59,5
3ª série / Não Repetentes 668 174 55,4
-8,7 -14,79 -2,61
4º ano Repetentes 710 182,7 59,5
2005 Não Repetentes 667 95,3 24,4
0,5 -2,17 3,17
Língua Portuguesa
15
É interessante notar que a diferença observada no início do ano letivo de 2005 (onda 1) de 4,6 pontos
(intervalo de confiança entre 1,5 e 7,7) a favor dos alunos que não irão repetir é reduzida para cerca de
1,4 pontos (intervalo de confiança entre -1,8 e 4,2) ao final desse mesmo ano letivo (onda 2). O fato de o
intervalo de confiança da onda 2 incluir o zero nos permite ainda afastar a hipótese de que ambos os grupos
não são iguais, ou seja, mesmo tendo obtido um crescimento superior ao de seus pares, os alunos do grupo
experimental irão repetir ao final do ano letivo de 2005.
16
Além de um aumento na dispersão natural observada nos resultados de Matemática, há também uma
ampliação devida ao fato de termos mantido nos resultados finais os estudantes de proficiência mais alta
(estudantes de nível socioeconômico mais alto e matriculados em escolas privadas e especiais), que não
coincidentemente são também aqueles que obtiveram maior crescimento ao longo dos anos.
Efeito da repetência em estudantes do Ensino Fundamental 83
nos não repetentes avançam, entre 2005 (onda 2) e 2008, cerca de 63 pontos
contra 48 pontos dos não repetentes. Isso equivale a uma diferença média de
15 pontos (intervalo de confiança entre 12,5 e 17,5) a favor dos não repetentes.
Aqui, porém, a distribuição dos resultados permanece mais homogênea, com
pouca alteração ao longo dos quatro anos da pesquisa.
Como podemos observar, a comparação por série dá ampla vantagem aos
alunos não repetentes em comparação aos repetentes. Porém, a simples cons-
tatação das diferenças ao longo do tempo não nos permite validar as desvan-
tagens da repetência como medida pedagógica, pois os alunos não repetentes
estão uma série escolar à frente dos seus pares que passaram pela experiência
da repetência, tendo sido expostos a conteúdos e aprendizagens que não fo-
ram oferecidos aos repetentes. Além disso, a lógica utilizada pelo professor
ao recomendar que o aluno repita uma determinada série é a de lhe oferecer
uma nova oportunidade de refazer o processo e reaprender aqueles conteúdos
que não foram completamente aprendidos. Então parece mais adequado que
a análise para se entender o verdadeiro efeito dessa medida pedagógica parta
da comparação por série, para perceber se, ao final do processo, a repetência
foi realmente eficaz em permitir ao aluno uma nova oportunidade de aprendi-
zagem. No Gráfico 4, abaixo, apresentamos a comparação dos resultados dos
alunos repetentes com os resultados obtidos pelos seus pares na mesma série,
porém no ano letivo anterior.
6 Conclusão
Quando um estudante falha em demonstrar as competências necessárias
para ser promovido à série seguinte, uma das decisões que cabe ao corpo do-
cente no final do ano é a retenção do aluno na série, sob a justificativa/expec-
tativa de que, no próximo ano, a maturidade e a reexposição aos conteúdos da
série irão prepará-lo melhor para as demandas escolares que lhe serão exigidas
no decorrer das séries seguintes. Entretanto, esse tipo de decisão docente e
os argumentos em favor da retenção na série como intervenção pedagógica
favorável a alunos de baixo desempenho não têm encontrado respaldo nas evi-
dências empíricas obtidas a partir de uma variedade de metodologias em mais
de meio século de pesquisas sobre o efeito da retenção. Os resultados desses
estudos sugerem que reter alunos em uma mesma série não acrescenta a eles
maiores benefícios em relação aos seus pares promovidos. Em alguns casos,
inclusive, a repetência pode ter um impacto negativo para o seu desenvolvi-
mento acadêmico, social ou emocional, estando também fortemente associada
ao abandono escolar.
Efeito da repetência em estudantes do Ensino Fundamental 85
REFERÊNCIAS
BRANDÃO, Z.; BAETA, A. M. B. & ROCHA, A. D. C. Evasão e repetência no Brasil: a
escola em questão. 2. ed. Rio de Janeiro: Dois Pontos, 1983.
COOK, T. D. & CAMPBELL, D. T. Quasi-Experimentation: Design and Analysis for
Field Settings. Chicago: Rand McNally, 1979.
CORREA, E. V.; BONAMINO, A. & SOARES, T. M. Evidências do efeito da repetência
nos primeiros anos escolares. Est. Aval. Educ., São Paulo, v. 25, n. 59, p. 242-269, set.
2014.
CRAHAY, M. É possível tirar conclusões sobre os efeitos da repetência? Cadernos de
Pesquisa, São Paulo, v. 36, n. 127, p. 223-246, jan.-abr. 2006.
______. Podemos lutar contra o insucesso escolar? Lisboa: Instituto Piaget, 1996.
EARP, M. L. S. A cultura da repetência em escolas cariocas. Rio de Janeiro: UFRJ, 2006.
(Tese de Doutorado em Educação).
KLEIN, R. & RIBEIRO, S. C. A pedagogia da repetência ao longo das décadas. Ensaio:
Avaliações e Políticas Públicas em Educação, Rio de Janeiro, v. 3, n. 20, p. 55-61, jul.-
-set./1998.
LUZ, L. S. O impacto da repetência na proficiência escolar. Uma análise longitudinal do
desempenho de repetentes em 2002-2003. Belo Horizonte: UFMG, 2008. (Dissertação
de Mestrado em Educação).
PATTO, M. H. S. A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia. São
Paulo: T. A. Queiroz, 1996.
RIANI, J. L. R.; SILVA, V. C. & SOARES, T. M. Repetir ou progredir? Uma análise da
repetência nas escolas públicas de Minas Gerais. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.
38, n. 3, p. 623-636, set. 2012.
RIBEIRO, S. C. A pedagogia da repetência. Estudos Avançados, São Paulo, v. 5, n. 12,
maio-ago. 1991.
2
Parte
Aprendizado de leitura
Avaliação da leitura na Europa
Patrícia Costa1
Luísa Araújo2
1
Patrícia Costa é doutorada em Engenharia Industrial e de Sistemas pela Universidade do Minho, onde
estudou modelos multidimensionais da Teoria da Resposta ao Item. Atualmente é investigadora na unida-
de de Human Capital and Employment do Joint Research Center da Comissão Europeia. É especialista em
Psicometria e Estatística Aplicada e o seu trabalho foca a avaliação educacional, em particular a análise de
resultados de testes de larga escala. E-mail: [email protected]
2
Luísa Araújo é doutorada em Ciências da Educação pela Universidade de Delaware, onde estudou o bi-
linguismo e o ensino de uma língua materna e de uma segunda língua. É autora de diversas obras sobre
didática do ensino da Língua Portuguesa e de línguas estrangeiras. É professora coordenadora do Instituto
Superior de Educação e Ciências (ISEC) e investigadora na unidade de Human Capital and Employment do
Joint Research Center da Comissão Europeia. E-mail: Luisa para: [email protected]
3
O nível de instrução é calculado relativamente a adultos abaixo dos 25 anos de idade. A UE21 inclui
os seguintes países europeus: Áustria, Bélgica, República Tcheca, Dinamarca, Estônia, Finlândia, França,
Alemanha, Grécia, Hungria, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Países Baixos, Polônia, Portugal, República da
Eslováquia, Espanha, Suécia e Reino Unido.
90 Estudos sobre a Educação brasileira: múltiplos olhares
2.4 Concepção
No que respeita à concepção da amostra do PIRLS, primeiramente é
feita uma seleção aleatória estratificada das escolas (com uma probabilidade
proporcional à estimativa do número de alunos inscritos no nível alvo) e, em
seguida, são aleatoriamente selecionadas uma ou duas turmas de alunos em
cada uma das escolas. O PIRLS é aplicado segundo o formato “papel e lápis” e
inclui questões de múltipla escolha e questões de resposta elaborada. Os dados
relativos à escala de desempenho do PIRLS têm por base a Teoria de Resposta
ao Item (TRI), sendo os resultados obtidos por forma a obter uma média in-
ternacional de 500 e um desvio-padrão de 100 pontos.
3 Métodos
3.1 Análise estatística
Atendendo à estrutura hierárquica dos dados (alunos agrupados em es-
colas), foi usado um modelo de regressão multinível (Goldstein, 2003), que
inclui informação dos questionários aplicados aos alunos, aos pais e aos dire-
tores das escolas. Foi aplicado um modelo de três níveis recorrendo à versão
2.24 do MLWIN (Rabash et al., 2009) e considerando as variáveis referentes
aos alunos no nível 1, as da turma no segundo nível e as variáveis da escola no
terceiro nível. O modelo de componentes de variância foi aplicado aos dados
e o procedimento de estimação usado foi o método dos mínimos quadrados
iterativos generalizados5. O procedimento bottom-up, a desviância e o critério
5
Iterative generalized least squares – IGLS (Goldstein, 1986).
100 Estudos sobre a Educação brasileira: múltiplos olhares
3.2 Variáveis
Tendo como objetivo investigar os fatores relacionados com o aluno, a
turma e a escola que explicam os resultados em leitura dos alunos europeus
que participaram no PIRLS 2006 e 2011, o enquadramento teórico baseia-se
Avaliação da leitura na Europa 101
4 Resultados
A comparação do modelo nulo com o modelo final no PIRLS 2011 (Cos-
ta, Almeida e Araújo, 2013) mostra que, nos 14 Estados Membros da UE em
análise, entre 78% (na Romênia) e 96% (na Holanda) da variância da profici-
ência em leitura é devida à variabilidade dos alunos. Por sua vez, a percenta-
gem de variância da proficiência em leitura dos alunos relativa à turma é no
máximo 10 (na Bulgária). No que concerne à variação entre escolas, a percen-
tagem máxima é de 16 (Itália e Romênia). Esses resultados mostram que, na
maioria dos países europeus, existem diferenças consideráveis nos resultados
dos alunos que se devem às características das turmas e, sobretudo, às carac-
terísticas das escolas.
A Tabela 1 apresenta uma síntese das variáveis com efeito significativo na
análise de regressão multinível. Esta mostra quais as variáveis que influenciam
o desempenho em leitura nos diferentes Estados Membros da UE que partici-
param nos dois ciclos do PIRLS: 20066 e 20117.
6
Os coeficientes obtidos no modelo de cada país bem como informação mais detalhada podem ser encon-
trados em Araújo e Costa (2012).
7
Os coeficientes obtidos no modelo de cada país bem como informação mais detalhada podem ser encon-
trados em Costa, Almeida e Araújo (2013).
Avaliação da leitura na Europa 103
Itália Itália
Áustria Áustria
Lituânia Lituânia
Bélgica FR Bélgica FR
Holanda Holanda
Bulgária Bulgária
Polônia Polônia
Frequência de leitura no seio familiar Eslovênia Eslovênia
Romênia Romênia
Espanha Espanha
República da República da
França França
Eslováquia Eslováquia
Hungria Hungria
Aluno
Suécia Suécia
Áustria Itália
Bélgica FR Lituânia
Bulgária Polônia
Leitura como forma de divertimento
Eslovênia Romênia
fora da escola**** - 2006
Espanha República da
França Eslováquia
Hungria Suécia
Gênero do professor (categoria de
Lituânia
referência: feminino)
5 Conclusões e discussão
No presente estudo, a natureza do conjunto de dados do PIRLS permitiu
pesquisar os fatores individuais e os fatores relacionados com a turma e com
a escola que estão associados à capacidade de leitura. Mais especificamente, o
presente estudo identifica os aspectos únicos de diferentes sistemas escolares e
os fatores comuns relacionados com o aluno e com o contexto familiar que es-
tão associados ao desempenho em leitura, observados em contextos variados.
Nesse sentido, o presente estudo contribui para uma melhor compreensão da
variação existente a nível das competências de literacia nos países europeus.
Os recursos de aprendizagem em contexto familiar, o gosto dos alunos
pela leitura, o reconhecimento da maioria das letras do alfabeto e a frequência
de leitura no seio familiar são as principais características referentes aos alunos
que estão associadas às suas competências. Os resultados para esses preditores
referem-se a países europeus cujos alunos atingem diferentes níveis de compe-
tências de leitura e têm diferentes sistemas educativos, mas mantêm-se estáveis
ao longo do tempo.
Em particular, concluiu-se que a atitude dos alunos relativamente à leitu-
ra e os recursos educativos à sua disposição no contexto familiar têm um forte
impacto nas competências de leitura em todos os países europeus. Isso indica
que os alunos que gostam de ler e têm um contexto familiar favorável, em
termos de recursos e de nível de instrução dos pais, estão em vantagem quan-
do se trata da sua proficiência em leitura no contexto escolar. Vários estudos
(Sainsbury e Schangen, 2004; Van der Voort, 2001) mostram que os alunos que
leem por prazer e participam em aspectos sociais da leitura, como a discussão
de livros com familiares e amigos, desenvolvem competências de leitura mais
elevadas.
O presente estudo demonstra igualmente que os conhecimentos e as
competências de literacia nos diferentes países europeus estão associados, de
forma positiva, à proficiência em leitura, o que tem implicações na prática. As
presentes conclusões corroboram as de Sénéchal (2012) relativamente às crian-
ças canadenses e apoiam a ideia de que a leitura de livros em casa deveria ser
incentivada antes do início da escolaridade obrigatória. A diferença positiva
que esta prática pode ter na proficiência em leitura contrabalança a influência
do contexto social familiar, como se comprovou igualmente na Austrália (Kalb
e Van Ours, 2014). Adicionalmente, as conclusões deste estudo confirmam a
ideia de que os currículos escolares no período pré-escolar devem abranger o
108 Estudos sobre a Educação brasileira: múltiplos olhares
tes influências dos dados do PIRLS (2001, 2006, 2011) utilizaram as mesmas
medidas (Alivernini, 2013), ou medidas semelhantes às do questionário pre-
enchido em casa (Myrberg e Rosén, 2009), enquanto variáveis explicativas do
desempenho dos alunos, e obtiveram resultados semelhantes. A estabilidade
dos resultados ao longo do tempo verificada no nosso estudo reduz uma even-
tual conveniência social ou, pelo menos, mantém esse fator constante ao longo
do tempo, enquanto característica específica do país.
Referências
AKAIKE, H. Likelihood Of A Model And Information Criteria. Journal of Econome-
trics, Amsterdam, v. 16, n. 1, p. 3-14, may 1981.
ALIVERNINI, F. An Exploration Of The Gap Between Highest And Lowest Ability Re-
aders Across 20 Countries. Educational Studies, Abingdon, v. 39, n. 4, p. 399–417, feb.
2013.
ARAÚJO, L. & COSTA, P. Home Book Reading And Reading Achievement In EU
Countries: The Progress In International Reading Literacy Study 2011 (PIRLS). Edu-
cational Research and Evaluation: from Theory to Practice, Abingdon, 21, p. 422-438,
nov. 2015.
______. Reading Literacy in PIRLS 2006: What Explains Achievement In 20 EU Coun-
tries? Luxembourg: Publications Office of the European Union, 2012. Disponível em:
<http://publications.jrc.ec.europa.eu/repository/bitstream/111111111/25703/1/lb-
na24949enn.pdf>. Acesso em: 07 set. 2016.
BELLIN, N.; DUNGE, O. & GUNZENHAUSER, C. The Importance of Class Compo-
sition for Reading Achievement, Migration Background, Social Composition, and Ins-
tructional Practices: An Analysis of the German 2006 PIRLS data. In: von Davier,
M. & Hastedt, D. (Eds.). IERI monograph series, volume 3. Hamburg: IERI, 2010.
BROWN, D. & SWANSON, L. Challenges for rural America in the twenty first century.
Pennsylvania: The Pennsylvania State University Press, 2003.
CARO, D. H.; SANDOVAL-HERNÁNDEZ, A. & LÜDTKE, O. Cultural, Social, And
Economic Capital Constructs In International Assessments: An Evaluation Using
Exploratory Structural Equation Modeling. School effectiveness and School Improve-
ment, Abingdon, v. 25, n. 3, p. 433-450, 2014.
CHALL, J. Learning To Read: The Great Debate (revised). New York: McGraw-Hill,
1996.
CHOI, Á. & JERRIM, J. The Use (and Misuse) of Pisa in Guiding Policy Reform: The
Case of Spain. Social Science Research Network, Rochester, n. 6, 2015. Disponível
em: <https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2580141>. Acesso em:
12 set. 2016.
COLEMAN, J. S. Equality Of Educational Opportunity. Washington, DC: Government
Printing Office, 1966.
112 Estudos sobre a Educação brasileira: múltiplos olhares
CORTINA, K.; CARLISLE, J. & ZENG, J. Context Effects On Students´ Gains In Re-
ading Comprehension In Reading First Schools In Michigan. Zeitschrift Für Er-
ziehungswissenschaft, Deutschland, v. 11, n. 1, p. 47-66, mar. 2008.
COSTA, P.; ALMEIDA, P. & ARAÚJO, L. Reading Literacy in EU Countries: Eviden-
ces from PIRLS. Luxemburg: Publications Office of the European Union, 2013. Dis-
ponível em: <http://publications.jrc.ec.europa.eu/repository/bitstream/JRC86217/
pirls_report_final.pdf>. Acesso em: 07 set. 2016.
CREEMERS, B. P. M. & KYRIAKIDES, L. The Dynamics Of Educational Effectiveness:
A Contribution To Policy, Practice And Theory In Contemporary Schools. London:
Routledge, 2008.
DOMPNIER, B.; PATISU, P. & BRESSOUX, P. An Integrative Model Of Scholastic
Judgments: Pupils’ Characteristics, Class Context, Halo Effect And Internal Attri-
butions. European Journal of Psychology of Education, Sofia, v. 21, n. 2, p. 119-133,
june 2006.
European Commission. EU High Level Group of Experts on Literacy. (Final Report).
Luxembourg: Publications office of the European Union, 2012. Disponível em:
<http://ec.europa.eu/education/policy/school/doc/literacy-report_en.pdf>. Acesso
em: 08 set. 2016.
GOLDSTEIN, H. Multilevel Mixed Linear Model Analysis Using Iterative Generalized
Least Squares. Biometrika, Oxford, v. 73, n. 1, p. 43-56, 1986.
______. Multilevel Statistical Models. 3. ed. London: Hodder Arnold, 2003.
GUTHRIE, J. T. & HUMENICK, N. M. Motivating Students To Read: Evidence For
Classroom Practices That Increase Reading Motivation And Achievement. In: Mc-
Cardle, P.; Chhabra, V. (Eds.). The Voice Of Evidence In Reading Research. Baltimore:
Brookes, 2004. p. 329-354.
HANUSHEK, E. & WOESSMANN, L. The Knowledge Capital Of Nations: Education
And The Economics Of Growth. Massachusetts: Massachusetts Institute of Techno-
logy, 2015.
HECKMAN, J. & JACOBS, B. Policies To Create And Destroy Human Capital In Eu-
rope. IZA Discussion Papers, Bonn, n. 4680, dec. 2009.
HIPPE, R. & FOUQUET, R. The Human Capital Transition And The Role Of Policy.
Grantham Research Institute on Climate Change and the Environment, London,
Working Paper n. 185, mar. 2015.
Kalb, G. & VAN OURS, J. C. Reading To Young Children: A Head-Start In Life? Eco-
nomics of Education Review, v. 40, p. 1-24, june 2014.
KYRIAKIDES, L. & CHARALAMBOS, Y. Educational Effectiveness Research And
International Comparative Studies: Looking Back And Looking Forward. In: Strie-
tholt, R. et al. Educational Policy Evaluation Through International Comparative As-
sessments. Germany: Waxmann Publishers, 2014. p. 33-50.
Avaliação da leitura na Europa 113
MA, X.; MA, L. & BRADLEY, K. D. Using Multilevel Modeling to Investigate School
Effects. In: Connell, A. & McCoach, D. B. Multilevel Modeling of Educational Data.
USA: Information Age Publishing Inc., 2008.
MARTIN, M. O. et al. Effective Schools In Reading, Mathematics, And Science At The
Fourth Grade. In: Martin, M. O.; Mullis, I. V. S. (eds.). TIMSS and PIRLS 2011: Rela-
tionships Among Reading, Mathematics, And Science Achievement At The Fourth
Grade – Implications For Early Learning. Chestnut Hill, MA: TIMSS & PIRLS Inter-
national Study Center, Boston College, 2013. p. 109-180.
MULLIS, I. V. S. et al. IEA’s Progress In International Reading Literacy Study In Prima-
ry School In 40 Countries. Chestnut Hill, MA: TIMSS & PIRLS International Study
Center, Boston College, 2007.
______. PIRLS 2006 Assessment Framework And Specification. 2. ed. Chestnut Hill,
MA: TIMSS & PIRLS International Study Center, Boston College, 2006.
______. PIRLS 2011 Assessment Framework. Chestnut Hill, MA: TIMSS & PIRLS In-
ternational Study Center, Boston College, 2011.
______. PIRLS 2011 International Results In Reading. Chestnut Hill, MA: TIMSS & PIRLS
International Study Center, Boston College, 2012. Available: <http://timssandpirls.
bc.edu/pirls2011/reports/international-results-pirls.html>. Acesso em: 06 set. 2016.
MYRBERG, E. & ROSÉN, M. Direct And Indirect Effects Of Parents’ Education On
Reading Achievement Among Third Graders In Sweden. British Journal of Educa-
tion Psychology, v. 79, n. 4, p. 695-711, dec. 2009.
OECD. Education at a Glance 2014: OECD Indicators. Paris: OECD Publishing, 2014.
Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1787/eag-2014-en>. Acesso em: 14 set. 2016.
______. Learning For Tomorrow’s World: First Results From Pisa 2003. Paris: OECD
Publications, 2004.
______. Let’s Read Them a Story! The Parent Factor in Education. Paris: OECD Pu-
blishing, 2012. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1787/9789264176232-en>.
Acesso em: 09 set. 2016.
______. OECD Skills Outlook 2013: First Results from the Survey of Adult Skills. Paris:
OECD Publishing, 2013.
______. Pisa 2006: Science Competencies For Tomorrow’s World Executive Summary.
Paris: OECD Publications, 2007.
______. Pisa 2009 Results: Learning to Learn – Student Engagement, Strategies and
Practices (Volume III). Paris: OECD Publishing, 2010a. Disponível em: <http://
dx.doi.org/10.1787/9789264083943-en>. Acesso em: 01 set. 2016.
______. Pisa 2009 results: What Students Know And Can Do. Paris: OECD Publica-
tions, 2010b.
OPDENAKKER, M. C. & VAN DAMME, J. Relationship Between School Composition
And Characteristics Of School Process And Their Effect On Mathematics Achieve-
ment. School Effectiveness and School Improvement, v. 27, n. 4, p. 407-432, sep. 2001.
114 Estudos sobre a Educação brasileira: múltiplos olhares
1 Introdução
Este artigo apresenta resultados parciais da pesquisa “Análise transversal
de estratégias de leitura mobilizadas por estudantes do Ensino Fundamental
em interação com diferentes gêneros textuais” (Micarello e Ferreira, 2016).
A pesquisa fundamentou-se no pressuposto de que estratégias de leitura são
meios de que os leitores se valem para produzir sentidos para aquilo que leem,
e teve o objetivo de identificar e analisar estratégias de leitura mobilizadas por
estudantes do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental ao interagirem com textos
de diferentes gêneros. Subsidiariamente, a pesquisa buscou, também, identi-
ficar se e como essas estratégias se modificam entre estudantes ao longo do
primeiro segmento do Ensino Fundamental.
Com foco na análise dos desempenhos de estudantes dos cinco primei-
ros anos do Ensino Fundamental de duas escolas públicas, a pesquisa esteve
balizada, do ponto de vista teórico e metodológico, pelo debate relativo aos
processos de alfabetização e letramento dos estudantes e pela discussão sobre
o papel da escola nesses processos.
Neste artigo, analisamos os modos de interação dos estudantes com os
textos, levando em conta aspectos do contexto no qual esses estudantes vão
1
Doutora em Educação pela PUC-Rio. Professora da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Gra-
duação em Educação da UFJF e do Programa de Pós-Graduação profissional do Caed/UFJF. Líder do grupo
de pesquisas LINFE, realizando pesquisas na área de linguagem, currículo e avaliação.
2
Doutora em Educação pela PUC-Rio. Professora associada do Departamento de Educação da PUC-Rio
e coordenadora do LAEd. Atua na área de Política Educacional, principalmente nos temas: avaliação da
Educação Básica, aprendizagem nos anos iniciais do Ensino Fundamental e desigualdades educacionais.
E-mail: [email protected]
116 Estudos sobre a Educação brasileira: múltiplos olhares
a partir da sua inserção em esferas da vida social, nas quais vai se apropriando
desses conhecimentos: a esfera da vida privada (o ambiente familiar), da vida
social coletiva (participação na vida comunitária), da vida escolar. Cabe a essa
última esfera a tarefa de, a partir da sistematização dos conhecimentos e do
planejamento de situações intencionais de ensino e aprendizagem, promover a
ampliação/apropriação daqueles conhecimentos necessários a um engajamen-
to eficaz dos sujeitos nas práticas sociais de leitura.
Essas práticas sociais, “que usam a escrita, enquanto sistema simbólico
e enquanto tecnologia, em contextos específicos, para objetivos específicos”
(Scribner e Cole apud Kleinman, 1995, p. 19), é o que denominamos letramen-
to. Contemporaneamente, o termo letramento vem sendo utilizado no plural,
“letramentos”, em reconhecimento ao fato de que essas práticas são múltiplas
e apresentam características diversas, em contextos também diversos. As prá-
ticas escolares de leitura e escrita são representativas daquilo que se denomina
letramento escolar. Os conhecimentos apropriados nesse contexto específico
de letramento cumprem importante papel de permitir o engajamento, pelos
sujeitos, em outros contextos de letramento, o que nos leva a questionar o pa-
pel da escola na promoção de condições mais equânimes de participação dos
sujeitos nas situações nas quais a leitura e a escrita se fazem necessárias. Numa
sociedade fortemente organizada em torno da escrita, como a contemporânea,
as condições de participação dos sujeitos em práticas letradas impactam dire-
tamente suas condições de exercício de cidadania.
Ao refletir sobre o papel da escola de Educação Básica na promoção de
condições mais justas de acesso, pelos estudantes, ao conhecimento, Crahay
(2002) propõe dois conceitos que se imbricam: o de justiça corretiva e o de
igualdade de conhecimentos. O autor desenvolve esses conceitos partindo de
uma reflexão sobre o papel da escola na sociedade e sobre o modo como esse
papel vem sendo interpretado contemporaneamente. Para Crahay (2002), a
escola tem um duplo papel: o de socialização, ao exercer sua função de agente
de coesão social pela promoção da educação dos sujeitos com base em parâ-
metros comuns; e o de educar esses sujeitos, libertando-os de crenças e supers-
tições, pelo acesso aos conhecimentos sistematizados pela sociedade.
Esse duplo papel da escola requer que ela, na qualidade de instituição so-
cial, assuma o compromisso ético de promoção da justiça em suas ações. Para
Crahay (2002), a dimensão ética da justiça pode ser abordada à luz de três prin-
cípios básicos: o de justiça igualitária, o de justiça meritocrática e o de justiça
corretiva.
Apropriação da leitura nos anos iniciais do Ensino Fundamental 119
3 Metodologia
As pesquisas sobre estratégias de leitura, em geral, se utilizam do recurso
da fala dos estudantes acerca de como realizaram determinada tarefa de lei-
tura, ou da aplicação de questionários que permitam identificar as estratégias
mais frequentemente utilizadas pelos leitores e, ainda, a frequência e as situa-
ções em que as adotam.
Esses instrumentos, entretanto, são pouco eficazes quando se trata de in-
vestigar estratégias de leitura de leitores iniciantes, pois estes, muitas vezes,
não têm muita clareza sobre as estratégias que mobilizam e sobre suas finali-
dades. Para contornar essas limitações, na presente pesquisa foi elaborado um
instrumento, o protocolo de leitura, o qual foi ministrado aos estudantes por
um aplicador que também intermediou a interação entre os estudantes e os
textos. Nesse processo de mediação, o aplicador formulava as perguntas que
compunham os itens do protocolo de leitura e cujo objetivo era identificar os
modos como os leitores liam.
Apropriação da leitura nos anos iniciais do Ensino Fundamental 121
3
De acordo com a versão preliminar do “Relatório Educação para todos no Brasil, 2000-2015”, 95,8% da po-
pulação entre 7 e 14 anos estão na escola. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_
docman&view=download&alias=15774-ept-relatorio-06062014&Itemid=30192>. Acesso em: 18 ago. 2016.
4
Dados obtidos a partir de consulta ao QeDU. Disponível em: <www.qedu.org.br>. Acesso em: 18 ago.
2016.
Apropriação da leitura nos anos iniciais do Ensino Fundamental 123
A leitura pode ser dividida em duas grandes partes, uma que lida
com a forma linguística e outra que se relaciona com o significado.
Essas partes, por sua vez, podem ser ainda subdivididas. O proces-
samento da forma, também tratado como decodificação, será aqui
subdivido em processamento lexical e processamento sintático.
estudantes do 5º ano não conseguiram associar nem mesmo a frase mais sim-
ples à imagem que a representava.
Na escola B é mais perceptível a melhoria no desempenho dos estudan-
tes na leitura de frases na passagem do 3º para o 4º e 5º anos de escolaridade.
Ainda assim, o percentual de estudantes do 4º e 5º anos da escola B que leram
a frase mais simples não chega a 90%. Consultando os números absolutos da
escola B, de ambos os anos, constata-se que quatro alunos do 4º ano e três do
5º ano não conseguiram associar nem mesmo a frase mais simples à imagem
que a representava.
Esses dados indicam que, tanto na escola A quanto na escola B, há alunos
do 4º e também do 5º ano que podem ser considerados ainda não alfabetiza-
dos.
Esse primeiro conjunto de dados parece indicar que a meta da alfabetiza-
ção até os 8 anos de idade, foco de políticas públicas de avaliação, de formação
de professores e de produção de materiais didáticos, como é o caso do PNAIC,
tem sido objeto de atenção nas escolas que participaram da pesquisa. Essa hi-
pótese se sustenta na comparação dos resultados das turmas do 1º e 2º anos
com o avanço apresentado pelas turmas do 3º ano, em ambas as escolas, na
leitura de frases com compreensão.
No entanto, observa-se, ainda com relação a essas habilidades básicas de
leitura, que não existe um progressivo investimento nas etapas posteriores de
escolarização, uma vez que não se observa um desempenho significativamen-
te melhor das turmas do 4º e 5º anos em relação às turmas do 3º ano. Esse
dado leva a concluir que, muito provavelmente, os estudantes que terminam
o 3º ano ainda com dificuldades relacionadas à alfabetização inicial não con-
seguem superar essas dificuldades posteriormente. Tal conclusão é respaldada
pela constatação de que há, em ambas as escolas, estudantes do 4º e 5º anos
não alfabetizados.
No caso da escola A, selecionada por apresentar, nas avaliações em larga
escala, desvio-padrão alto (acima de 100), o que indica uma situação de iniqui-
dade, muito provavelmente a transição entre o 3º ano e os anos subsequentes
representa uma fase na qual se produzem diferenças no desempenho acadê-
mico dos estudantes que repercutirão na etapa posterior, uma vez que não se
observa um ganho significativo, em termos da habilidade de ler sentenças com
compreensão, entre essas duas etapas de escolarização.
130 Estudos sobre a Educação brasileira: múltiplos olhares
40,00%
sintezou parcialmente o
20,00% poema
0,00% contou outra história
1º -2º 3º ano 4º -5º 1º -2º 3º ano 4º -5º
anos A A ano A ano B B ano B
6 Considerações finais
Os dados da pesquisa indicam que a habilidade de leitura de frases, to-
mada em seu sentido mais estrito, enquanto capacidade de decodificar o es-
crito, se mostra desenvolvida para a maioria dos estudantes no 3º ano, etapa
136 Estudos sobre a Educação brasileira: múltiplos olhares
na qual entre 65% e 80% dos estudantes de ambas as escolas leram, ainda que
com alguma dificuldade, todas as três frases do protocolo, que apresentavam
diferentes níveis de dificuldade tanto na estrutura silábica das palavras quanto
em sua estrutura sintática da sentença. Observa-se, ainda com relação a essa
habilidade, que na escola B há uma progressão no desempenho dos estudantes
na passagem do 3º ao 4º e 5º anos, o que não acontece na escola A. Esse dado
indica que, no caso desta última escola, possíveis problemas de aprendizagem
de uma parcela dos estudantes que concluem o 3º ano, relacionados à alfabeti-
zação inicial, perduram nas etapas posteriores de escolarização.
Quanto às estratégias de leitura – antecipação do gênero e síntese do texto
–, não se observam mudanças significativas no desempenho dos estudantes na
passagem do 3º ao 4º e 5º anos, e esse é um dado que diz respeito tanto à escola
A quanto à escola B. Observa-se, entretanto, que o desempenho dos estudantes
do 4º e 5º anos da escola B é um pouco melhor do que aquele dos estudantes
da mesma etapa, na escola A.
Com relação à realização de inferências a partir da leitura da HQ, ob-
serva-se, no caso da escola A, que o desempenho dos estudantes do 3º ano é
ligeiramente melhor do que aquele dos estudantes do 4º e 5º anos da mesma
escola. Na escola B, o quadro se inverte, demonstrando haver uma progressão
do desempenho dos estudantes ao longo dos anos iniciais, nessa habilidade.
A perspectiva transversal, adotada pela pesquisa, na qual se observam e
comparam os desempenhos de estudantes do 1º ao 5º anos do Ensino Funda-
mental, possibilitam apreender aspectos relevantes da dinâmica curricular das
escolas pesquisadas. A comparação dos grupos de estudantes – 1º/2º anos, 3º
ano e 4º/5º anos – indica que a meta da alfabetização até o 3º ano de escolariza-
ção parece ser um objetivo para o qual ambas as escolas convergem, com relativo
êxito, seus esforços, uma vez que a progressão de conhecimentos é perceptível ao
se comparar o desempenho dos estudantes do grupo do 1º/2º anos com aquele
dos estudantes do grupos do 3º ano. Em ambas as escolas é significativo o melhor
desempenho dos estudantes do 3º ano quando comparado àquele do grupo do
1º/2º anos. Entretanto, a comparação entre o desempenho dos estudantes do 3º
ano com aquele do grupo do 4º/5º anos, indica que, uma vez alcançada a meta da
alfabetização no 3º ano, não existe uma progressão dos conhecimentos nos anos
subsequentes. Nesse sentido, cabe indagar: quais seriam as metas a serem alcan-
çadas após a alfabetização inicial? Em que se sentido se encaminha a formação
do leitor, para que ele se aproprie de conhecimentos que lhes permitam interagir,
com competência, com textos de diferentes gêneros? Que conhecimentos se fa-
Apropriação da leitura nos anos iniciais do Ensino Fundamental 137
Referências
COSCARELLI, C. V. Entendendo a leitura. Revista de Estudos da Linguagem, Belo
Horizonte, v. 10, n. 1, p. 7-27, jan./jun. 2002.
CRAHAY, M. Poderá a escola ser justa e eficaz? Da igualdade de oportunidades à igual-
dade de conhecimentos. Tradução Vasco Farinha. Lisboa: Instituto Piaget, 2002.
FREIRE, P. A importância do ato de ler. Col. Polêmicas do Nosso tempo. São Paulo:
Editora Cortez, 1985.
JOHNSTONE, C. J.; BOTTSFORD-MILLER, N. A. & THOMPSON, S. J. Using The Think
Aloud Method (Cognitive Labs) To Evaluate Test Design For Students With Disabilities
And English Language Learners (Technical Report 44). Minneapolis, MN: University of
Minnesota, National Center on Educational Outcomes. Retrieved, 2006. Disponível em:
<http://education.umn.edu/NCEO/OnlinePubs/Tech44/>. Acesso em: 06 jul. 2016.
KARNAL, A. R. A atualidade da pesquisa sobre estratégias de leitura no Brasil. Revista
(Con)textos Linguísticos, Vitório, v. 8, n. 10, p. 6-23, 2014.
KOCH, I. V. & ELIAS, V. M. Ler e compreender: os sentidos do texto. São Paulo: Con-
texto, 2007.
KLEIMAN, A. B. Os significados do letramento. Campinas: Mercado das Letras, 1995.
MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo:
Parábola Editorial, 2008.
MICARELLO, H. A. L. S. & FERREIRA, R. V. J. Relatório final da pesquisa Análise trans-
versal de estratégias de leitura mobilizadas por estudantes dos anos iniciais do Ensino
Fundamental. Grupo de pesquisa LINFE. Universidade Federal de Juiz de Fora, 2016.
OLIVEIRA, A. M. & CAPELLINI, S. A. Compreensão leitora de palavras e frases: ela-
boração de procedimento avaliativo. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 18, n. 2, Apr./
June 2013. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S1413-73722013000200010>.
Acesso em: 08 jul. 2016.
Cadernos escolares: a palavra escrita e a
Matemática nos anos iniciais do Ensino
Fundamental
Alicia Bonamino1
Gladys Rocha2
Diogo Alves de Faria Reis3
Apresentação
Os dois textos aqui apresentados constituem o registro de estudos de na-
tureza exploratória realizados por Gladys Rocha, Alicia Bonamino, Erisson
Viana Correa e Diogo Alves de Faria Reis, a partir da análise de cadernos es-
colares, com o objetivo de caracterizar práticas e concepções de ensino de Lín-
gua Portuguesa e Matemática nos primeiros anos do Ensino Fundamental. Os
estudos que deram origem a esses artigos foram planejados inicialmente para
auxiliar na compreensão de resultados obtidos pelo Geres, entre 2005 e 2008,
nessas duas áreas de conhecimento escolar.
A escolha de cadernos como fonte de pesquisa para apreensão de práticas
e concepções do ensino teve origem em 2010. Naquele momento, resultados
preliminares do Geres apontavam para a existência de processos de desacele-
ração nos ritmos de aprendizagem de habilidades de Língua Portuguesa e de
Matemática, notadamente entre o 2º e o 3º anos, em escolas públicas, munici-
pais e estaduais que tinham participado da pesquisa.
1
Alicia Bonamino possui doutorado em Educação pela PUC-Rio. É professora associada do Departamento
de Educação da PUC-Rio e coordenadora do Laboratório de Avaliação da Educação (LAEd). Atua na área
de Política Educacional, principalmente nos seguintes temas: avaliação da Educação Básica, aprendizagem
nos anos iniciais do Ensino Fundamental e desigualdades educacionais. E-mail: [email protected]
2
Gladys Rocha possui doutorado em Educação pela Faculdade de Educação da UFMG. É professora asso-
ciada do Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino da Faculdade de Educação da UFMG. È membro
do Grupo de Avaliação e Medidas Educacionais (GAME) e coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa
em Didática. No âmbito da pesquisa, dedica-se fundamentalmente a questões relacionadas ao ensino e à
avaliação interna e externa à escola. A autora agradece o financiamento do CNPq, na modalidade bolsa de
pós-doutorado júnior, realizado na PUC-Rio entre fevereiro de 2011 e fevereiro de 2012. E-mail: gladysro-
[email protected]
3
Diogo Alves de Faria Reis possui doutorado em Educação pela UFMG. É professor de Matemática do
Centro Pedagógico da Escola de Educação Básica e Profissional da Universidade Federal de Minas Gerais
CP/UFMG e professor do Mestrado Profissional em Educação da Faculdade de Educação da Universidade
Federal de Minas Gerais FaE/UFMG. Atua na área de Educação Matemática, principalmente nos seguintes
temas: avaliação de Matemática na Educação Básica, TICs na Educação Matemática e História da educação
Matemática. E-mail: [email protected]
140 Estudos sobre a Educação brasileira: múltiplos olhares
Diante disso, o estudo dos cadernos parecia poder lançar alguma luz so-
bre as práticas pedagógicas de sala de aula e sobre as atividades realizadas pelos
alunos, iluminando a compreensão dos resultados obtidos pelo Geres.
Além disso, a pesquisa com cadernos escolares também parecia justificar-
-se pela importância crescente da sala de aula, decorrente da compreensão de
que não apenas a escola e as condições socioeconômicas das famílias devem ser
tomadas como fatores cruciais na determinação do desempenho escolar dos alu-
nos. Os estudos acerca da distribuição e gestão do tempo de ensino consagrado
à aprendizagem (Sacré, 1992; Slavin, 2003), da didática do professor (Anderson,
1988; Rosemberg, 1998; Oliveira, 2012), ou ainda das formas mais ou menos ho-
mogêneas de agrupar os alunos nas turmas (Oakes, 1992; Slavin, 1987; Barboza,
2006; Alves e Soares, 2007), vêm demonstrando que o desempenho escolar é
fortemente associado ao que acontece no contexto da sala de aula.
Ao mesmo tempo, o uso dos cadernos como fonte de pesquisa do contexto
da sala de aula tem bons exemplos em países da Europa e da América Latina
(Frago, 2008; Hébrard, 2001; Chartier, 2007; Gvirtz, 1999; Mignot, 2008). Nessa
produção, o caderno deixa de ser visto como um simples suporte do texto escri-
to, para ser entendido como fonte de dados sobre o trabalho do professor e sobre
o processo de aprendizagem em um determinado momento da escolaridade.
O caderno escolar tem a propriedade de conservar o que foi registrado,
de permitir ser guardado, colecionado, revisado e revisitado ao longo do tem-
po, o que o distingue de outros suportes de escrita utilizados em sala de aula,
como os trabalhos em folhas avulsas, o uso do quadro branco ou da tela do
computador.
Nessa literatura, no entanto, as possibilidades de pesquisa colocadas por
esses dispositivos escolares não obscurecem o fato de que nem tudo o que está
nos cadernos foi efetivamente ensinado ou aprendido e de que nem tudo o que
se passa em sala de aula é registrado no caderno, como acontece notadamente
com as atividades que envolvem oralidade, gestos e interações entre professo-
res e alunos, ou mesmo com os intervalos entre tarefas ou com o que os alunos
fazem enquanto escrevem.
Nas palavras de Frago (2008, p. 25):
real, pode-se cair na tentação de que essa fonte reflita quase toda a
realidade escolar. [...] o que podemos fazer é nos aproximarmos do
passado e reconstruí-lo de modo parcial e com um enfoque deter-
minado. [...] Nem tudo está nos cadernos.
-se, neles, o modelo da semiótica médica que busca criar condições para que o
diagnóstico de doenças seja feito com base na observação direta de sintomas
superficiais, às vezes imperceptíveis aos olhos do leigo.
Para o autor, o traço característico da abordagem indiciária é o de “per-
mitir partir de dados aparentemente negligenciáveis, remontar a uma realida-
de complexa, não experimentável diretamente” (Ginzburg, 1986, p. 152).
Ao discutir as raízes do paradigma indiciário, Ginzburg (1986) indaga
sobre seu estatuto, sua “cientificidade”. Pode ele ser considerado rigoroso? Ele
responde a essa questão referenciando-se na relevância dos resultados. Segun-
do o autor, a partir de Galileu, a visão antiantropocêntrica e quantitativa das
Ciências da natureza colocou um difícil dilema para as Ciências Humanas:
optar entre um estatuto científico frágil para chegar a resultados significativos,
relevantes, ou assumir um estatuto científico forte para chegar a resultados
pouco expressivos. Isso posto, o historiador remete-nos ao conceito de rigor
flexível como algo ineliminável. Nas palavras dele:
estão sobre a mesa vêm do pacote (caso); logo, pode-se inferir dedutivamente,
sem olhar, que os feijões que estão soltos sobre a mesa também são brancos
(resultado). Raciocinando-se indutivamente, a questão configura-se de outra
forma: eu sei que os feijões que estão espalhados na mesa vieram do pacote
(caso), observo que eles são brancos (resultado) e infiro, através da indução,
com certo grau de probabilidade, que todos os feijões do pacote são brancos
(regra). Já a inferência abdutiva tem o seguinte funcionamento: Eu sei que to-
dos os feijões do pacote são brancos (resultado); observo que os feijões soltos
sobre a mesa também são brancos (resultado); infiro abdutivamente que os fei-
jões espalhados sobre a mesa vieram do pacote. Ainda em relação ao conceito
de abdução, Parret assinala que, embora ela não represente um mecanismo de
compreensão de caráter certo e definitivo, constitui uma estratégia extrema-
mente adequada quando o que se busca é uma “teoria da compreensão”. Ao
fazer referência ao caráter problematizador inerente ao raciocínio abdutivo, o
autor diz:
{
Vida Quotidiana
Situações espaçotemporais
Análise Campos de Interação
sócio-histórica Instituições sociais
Estrutura social
Meios técnicos de transmissão
{
Referencial
Metodológico da Análise semiótica
Hermenêutica de Análise formal Análise de conversação
Profundidade ou discursiva Análise sintática
Análise narrativa
Análise argumentativa
Interpretação/
Reinterpretação
Categoria 2005 2006 2007 2008 2005 2006 2007 2008 2005 2006 2008
Aquisição do sistema
0,21 0,21 0,07 0,00 0,27 0,30 0,31 0,00 0,18 0,24 0,09
de escrita
Leitura 0,06 0,05 0,04 0,09 0,14 0,07 0,31 0,23 0,07 0,05 0,11
Interpretação de
0,06 0,08 0,14 0,10 0,05 0,18 0,13 0,23 0,11 0,25 0,20
texto
Cópia 0,09 0,12 0,19 0,00 0,00 0,03 0,06 0,00 0,14 0,13 0,05
Ditado 0,05 0,02 0,00 0,01 0,11 0,15 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00
Produção de texto 0,01 0,00 0,01 0,01 0,04 0,08 0,00 0,08 0,03 0,01 0,01
Categorias
0,14 0,12 0,24 0,26 0,07 0,15 0,06 0,31 0,31 0,10 0,38
gramaticais
Atividade não
0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,03
identificada
Desenho 0,01 0,01 0,01 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,02 0,02 0,01
Colorido 0,02 0,01 0,00 0,01 0,11 0,03 0,06 0,15 0,08 0,04 0,00
Aspectos
relacionados à sala 0,01 0,03 0,00 0,00 0,03 0,00 0,06 0,00 0,00 0,00 0,00
de aula
Outros aspectos 0,02 0,05 0,13 0,18 0,04 0,00 0,00 0,00 0,05 0,09 0,10
Total 1,00 1,00 1,00 1,00 1,00 1,00 1,00 1,00 1,00 1,00 1,00
prática. A “leitura” figura, como se verá mais adiante, muito atrelada à “inter-
pretação de texto” e, curiosamente, à “cópia”.
Já “desenho” e “colorido”, embora o caderno escolar provavelmente não
seja o material mais adequado para a observação da incidência dessas catego-
rias, destacaram-se pela ausência, pela baixa significância de ocorrências e pela
inexistência de qualquer tipo de correlação quanto à idade e/ou ano escolar.
A expectativa inicial era a de que houvesse ao menos algumas folhas coladas,
propostas para o aluno ilustrar um texto ou para colorir uma imagem, mas,
como mencionado, a frequência é pequena. Ela é superior a 0,05 em apenas
quatro situações em “colorido”. Na categoria “desenho”, não há índices maiores
que 0,02, e, em cinco turmas de diferentes anos escolares, não se identificou
sequer uma ocorrência. Esse aspecto nos pareceu merecedor de atenção em
função do papel e do significado do desenho para alunos com idades entre 7 e
10 anos, já que nesse período (estágio das operações concretas ou fase do es-
quematismo) a criança geralmente começa a incluir elementos intelectuais no
seu desenho, como relações entre cores e objetos, e a desenvolver a habilidade
de se colocar no lugar do outro, e tem noção de perspectiva, ou seja, já produz
desenhos que dão a impressão de profundidade e distância (Mèredieu, 2000).
Por fim, a “cópia”, embora também demonstre uma distribuição aleató-
ria ao longo dos anos escolares, tem significância alta na maioria dos casos.
Em apenas três turmas não constam registros de “cópia”, e, dessas, duas eram
do 5° ano e apenas uma do 2°. Ainda, em apenas um o índice foi inferior a
0,05. É interessante notar que, nesse último caso, e em uma das turmas em que
não houve cópia, a presença do “ditado” foi significativa. Apesar de a “cópia”
ser predominante no escopo desta pesquisa e de não dispormos de elementos
para aprofundar o entendimento dessa aparente oposição entre práticas que
evidenciam “cópia” ou “ditado”, a possibilidade de esse tipo de situação estar
relacionada a diferentes modos de organizar o fazer docente parece situá-la
como expressivo objeto de análise de práticas pedagógicas e concepções de
ensino de alfabetização.
Isso posto, passamos a focalizar agora alguns exercícios que se configura-
ram como ilustrativos dos modos como a “cópia” é abordada nos cadernos. A
fim de permitir ao leitor uma maior contextualização das atividades, optou-se
por delimitar um conjunto de um mesmo caderno. A eleição do 3° ano se deu
pelo fato de ser um ano intermediário entre os trabalhados, por sua legibilida-
de e por ser representativo do que foi notado no restante do material. Vamos
nos deter agora na imagem 2:
158 Estudos sobre a Educação brasileira: múltiplos olhares
era levado a copiar para aprender. Como se o que está dito na escrita
e copiado no manuscrito entrasse na mente do aluno mediante a
repetição que é inerente à exercitação. Em outros termos, a acultu-
ração pela escrita se daria mediante inscrição dos conhecimentos na
mente do aluno pela via da repetição (Rocha, 2013, p. 109).
Referências
ALVES, M. T. G. & SOARES, J. F. Efeito-escola e estratificação escolar: o impacto da
composição de turmas por nível de habilidade dos alunos. Educação em Revista,
Belo Horizonte, n. 45, p. 25-59, jun. 2007.
ANDERSON, L. W. Opportunity To Learn. In: DUNKIN, M. J. (ed.) The International
Encyclopedia of Teaching and Teacher Education. Oxford: Pegamon Press, 1988. p. 368-72.
BARBOZA; E. M. R. A composição das turmas e o desempenho escolar na rede pública
de ensino de Minas Gerais. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2006. (Tese de Doutorado em
Educação).
Cadernos escolares: a palavra escrita e a Matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental 175
BONFANTINI, M. A. & PRONI, G. Suposição: sim ou não? In: ECO, Umberto &
Sebeok, Thomas A. (orgs.) O signo de três. São Paulo: Perspectiva, 1991. p. 59-88.
Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Cur-
riculares Nacionais de Matemática. 1997. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/
seb/arquivos/pdf/livro03.pdf>. Acesso em: 28 out. 2016.
CARDOSO, V. C. A cigarra e a formiga: a hermenêutica de profundidade como pro-
posta de método de pesquisa em Educação Matemática. In: Conferência Interameri-
cana de Educação Matemática, 13, 2011, Recife. Anais... Recife: UFPE, 2011.
______. A cigarra e a formiga: uma reflexão sobre a Educação Matemática brasileira
da primeira década do século XXI. Campinas: Unicamp, 2009. (Tese de Doutorado
em Educação).
CARETTINI, G. P. Pierce, Holmes, Popper. In: ECO, Umberto & SEBEOK, Thomas A.
(orgs.) O signo de três. São Paulo: Perspectiva, 1991. p. 149-169.
CHARTIER, A. M. Exercícios escritos e cadernos de alunos: reflexões sobre práticas
de longa duração. In: CHARTIER, Anne Marie. Práticas de leitura e escrita: História
e atualidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2007. (Coleção Linguagem e Educação).
CHEVALLARD, Y. La transposición didáctica; del saber sabio al saber enseñado. 3. ed.
Argentina: Pensée Sauvage Éditions, 2000.
FORQUIN, J. C. Saberes escolares, imperativos didáticos e dinâmicos sociais. Teoria e
Educação, Porto Alegre, n. 5, p. 28-49, 1992.
FRAGO, A. V. Os cadernos escolares como fonte histórica: aspectos metodológicos e
historiográficos. In: MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. Cadernos à vista: escola,
memória e cultura escrita. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2008.
GERALDI, J. W. Portos de passagem. 5. ed. São Paulo: Martins Campos, 2013.
GINZBURG, C. Chaves do mistério: Morelli, Freud e Sherlock Holmes. In: ECO, Um-
berto & SEBEOK, Thomas A. (orgs.) O signo de três. São Paulo: Perspectiva, 1986.
p. 89-129.
______. Sinais: raízes de um paradigma indiciário. In: GINZBURG, Carlo. Mitos, em-
blemas, sinais: morfologia e história. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
GVIRTZ, S. El discurso escolar através de los cuadernos de clase. Buenos Aires: Editorial
Universitária de Buenos Aires, 1999.
HÉBRARD, J. Por uma bibliografia material das escritas ordinárias: o espaço gráfico
do caderno escolar (França – séculos XIX e XX). Revista Brasileira de História da
Educação, Campinas, v. 1, n. 1, p.115-141, jan./jun. 2001.
KAMII, C. A criança e o número. Campinas: Papirus, 2001.
LE GOFF, J. Documento/monumento. In: Enciclopédia Einaudi. Lisboa: Imprensa Na-
cional/Casa da Moeda, [s.d.]. p. 95-105.
MARCUSCHI, L. A. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. 10. ed. São
Paulo: Cortez, 2010.
MÈREDIEU, F. O desenho infantil. 7. ed. São Paulo: Cultrix, 2000.
176 Estudos sobre a Educação brasileira: múltiplos olhares
1 Introdução
A discussão sobre a adoção de um currículo nacional comum não é recen-
te, apesar de estar atualmente no centro da agenda educacional, considerando
que, a partir do Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado em 2014, o Minis-
tério da Educação (MEC) se lança à elaboração de uma base nacional comum.
A Constituição Federal de 1988 já dispunha sobre conteúdos mínimos
para o Ensino Fundamental em seu artigo 210. Essa disposição estimulou a
produção pelo MEC de uma série de orientações para os vários níveis da Edu-
cação Básica a partir de 1995. A aprovação da Lei de Diretrizes e Bases (LDB),
Lei nº 9.394/1996, em seu artigo 26, traz de forma mais enfática que “os currí-
culos do Ensino Fundamental e Médio devem ter uma base nacional comum,
a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar,
por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da
sociedade, da cultura, da economia e da clientela” (Brasil, 1996). Cabe ressaltar
que não havia na LDB obrigatoriedade quanto à implementação dessas orien-
tações. Nesse cenário, foram definidas então novas diretrizes da Educação
nacional, referenciais para a Educação Infantil e parâmetros para os ensinos
Fundamental e Médio, mas não um currículo propriamente dito.
1
Graduada em Ciências Sociais, mestre e doutora em Educação pela USP, com estágio pós-doutoral na
PUC-Rio. Professora do Departamento de Ciências Sociais, do Programa de Pós-Graduação em Educação
e do mestrado profissional em Gestão e Avaliação da Educação da UFJF. Pesquisadora das áreas de política
educacional e currículo. E-mail: [email protected]
2
Licenciada em Física pela PUC-Rio, mestre em Educação pelo IESAE, da FGV/RJ e doutora em Educa-
ção pela PUC-Rio. Professora adjunta do Departamento de Educação da PUC-Rio. Coordena o grupo de
pesquisa Gestão e Qualidade da Educação (GESQ). Desenvolve pesquisas relacionadas aos temas de Gestão
Educacional e escolar, Sociologia e Política da Educação. E-mail: [email protected]
3
Doutora em Educação pela PUC-Rio. Atualmente é professora substituta no Departamento de Educação
da UFRJ e realiza um estágio de pós-doutoramento (PDJ, CNPq) na PUC-Rio. Sua pesquisa na área educa-
cional envolve os seguintes temas: gestão escolar, liderança, clima escolar, avaliação, aprendizagem, políticas
públicas. E-mail: [email protected]
4
Pedagoga, mestre e doutora em Educação pela UFJF. Professora da rede municipal de ensino de Juiz de
Fora e membro da equipe de suporte acadêmico do mestrado profissional em Gestão e Avaliação da Educa-
ção da UFJF. Faz parte do grupo de pesquisa Política e Sociologia da Educação. Pesquisadora das áreas de
política educacional e currículo. E-mail: [email protected]
180 Estudos sobre a Educação brasileira: múltiplos olhares
5
O survey foi aplicado em novembro de 2012 e teve a finalização do processamento da base de dados em
maio de 2013. Contou com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FA-
PEMIG) e do Projeto “Casadinho”, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq) em parceria com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
Diretores e currículo unificado: uma pesquisa em Minas Gerais 181
suas posições partidárias (Lessa, 2014; Palafox, Klinke e Silva, 2013). Voltar
a esse contexto, ainda que rapidamente, é um modo de recuperar como as
orientações e as políticas curriculares foram tratadas de lá para cá na história
recente da Educação nacional.
Os anos 1990 foram marcados pela aprovação da nossa atual LDB, pela
criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental
e Valorização do Magistério (Fundef) e pela consolidação de uma política de
avaliação em larga escala nos vários níveis da Educação, especialmente a partir
da implantação do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). Naquele
contexto, a proposição de uma orientação curricular nacional parecia ser o que
faltava para que aqui também se realizasse uma reforma da Educação à moda
do que era considerado o receituário neoliberal. Entretanto, a perspectiva de
um currículo nacional obrigatório não se concretizou naquele momento. A
LDB dispunha sobre uma base comum nacional, algo que dependeria de um
processo amplo de discussão na visão de educadores como Nereide Saviani
(1996). Um documento curricular assim elaborado seria algo muito diferen-
te de um currículo mínimo obrigatório elaborado por especialistas baseados
apenas em seus próprios saberes. Essa era uma possibilidade combatida por
diversos setores da sociedade – em particular, intelectuais que atuam no cam-
po da pesquisa educacional –, pois poderia tornar esse currículo o ponto de
partida de uma avaliação que classificaria as escolas para fins de recebimento
de recursos (Teixeira, 2000). Do embate político na década de 1990 resultou
uma solução intermediária que manteve o sistema nacional de avaliação para
o universo das escolas que atendem o Ensino Fundamental, e, ao mesmo tem-
po, estabeleceu uma orientação curricular não obrigatória: os PCN do Ensino
Fundamental6.
Os PCN foram elaborados seguindo a perspectiva de se tornarem uma
orientação curricular que as redes de ensino e escolas têm a liberdade de ado-
tar ou não. O texto introdutório do documento destinado ao Ensino Funda-
mental destaca o seu caráter flexível e referencial (Brasil, 1997, p. 4).
Mesmo considerando que o primeiro PNE (aprovado em janeiro de 2001)
apresentasse como meta para o Ensino Fundamental, naquele momento, que
as escolas formulassem projetos pedagógicos baseados na proposta curricular
do MEC, no prazo de três anos após sua publicação, isso não constituía um ca-
6
Foram elaborados parâmetros para os ensinos Fundamental e Médio, e referenciais para a Educação Infan-
til, entre os anos de 1995 e 2000.
Diretores e currículo unificado: uma pesquisa em Minas Gerais 183
características de seus alunos. O anseio pelo suprimento dessa lacuna pode ser
a razão pela qual professores das redes de ensino e gestores tenham opinião fa-
vorável a uma base curricular comum, conforme mostram pesquisas recentes
(Fundação Lemann, 2014; Batista e Ribeiro, 2015). Sobre a formação docente,
é importante considerar o que vários estudos têm apontado sobre a qualidade
da formação inicial realizada nas diferentes licenciaturas, mais frequentemente
em estabelecimentos de ensino privado, que não necessariamente tem logrado
garantir uma base sólida de conhecimentos às novas gerações de professores.
A frequente precariedade dessa formação e das condições de trabalho, parti-
cularmente nas redes públicas estaduais e municipais, parece contribuir para
reforçar a dependência de recursos externos às escolas7.
Embora se deva reconhecer a legitimidade da busca da qualidade do
ensino com a articulação do conjunto dos conteúdos necessários à Educação
Básica em materiais de apoio ao professor, que frequentemente envolve um
considerável esforço financeiro da rede de ensino, sabe-se que tais kits reme-
tem quase sempre apenas ao treinamento para as avaliações externas. Sobre a
prática de adoção desses materiais nas redes públicas de ensino, em entrevista
concedida a Marques e Silva (2012), Cury destaca a intensificação da relação
entre as esferas pública e privada, e afirma: “o segmento privado não postula
dinheiro do Estado sob a forma de subsídios. Ele postula retribuição financei-
ra pela venda de kits pedagógicos aí compreendidos, principalmente material
curricular” (Marques e Silva, 2012, p. 10). O autor complementa sua análise
assinalando ter havido “um erro de avaliação, da parte da crítica universitária,
quanto à apropriação dos PCNs. Eles foram uma presença rara da União na
oferta de material curricular” (Marques e Silva, 2012, p. 10) e estariam atual-
mente sendo substituídos pelos kits pedagógicos.
Cabe lembrar, por outro lado, que a existência de um currículo nacional
poderia ser também um insumo importante para uma necessária revisão da
formação docente atualmente praticada no ensino superior, enfatizando a ne-
cessidade de articular essas duas vertentes do debate. Na verdade, junta-se à
falta de orientações curriculares mais objetivas a pouca compreensão das ma-
trizes curriculares do Saeb – que estabelecem descritores para as habilidades
e conhecimentos mínimos em Língua Portuguesa e Matemática exigidos para
cada etapa dos ensinos Fundamental e Médio. Embora as matrizes sirvam de
7
Recente publicação organizada por Bernardete Gatti propõe uma “revolução no campo da formação de
professores” a partir de um diagnóstico que, resumidamente, está expresso neste parágrafo (Gatti et al.,
2015).
Diretores e currículo unificado: uma pesquisa em Minas Gerais 185
8
O trecho citado refere-se à meta 2, estratégia 2.1, do PNE, que trata do Ensino Fundamental. Porém, a dis-
posição sobre direitos de aprendizagem também se faz em relação ao Ensino Médio (meta 3, estratégia 3.2).
A meta 7, estratégia 7.1, deixa claro o objetivo de “estabelecer e implantar, mediante pactuação interfedera-
tiva, diretrizes pedagógicas para a Educação Básica e a base nacional comum dos currículos, com direitos e
objetivos de aprendizagem e desenvolvimento dos(as) alunos(as) para cada ano do Ensino Fundamental e
médio, respeitada a diversidade regional, estadual e local” (Brasil, 2014a).
186 Estudos sobre a Educação brasileira: múltiplos olhares
9
Esses autores destacam a importância do papel do diretor, cuja liderança na escola pode mediar ou mesmo
conduzir a interpretação das políticas educacionais e sua implementação no plano da escola. Diferentes opi-
niões sobre a existência de um currículo comum não necessariamente inviabilizam ou excluem esse papel
desempenhado pelo diretor de escola.
Diretores e currículo unificado: uma pesquisa em Minas Gerais 189
3 A pesquisa e os dados
A expectativa em relação à pesquisa cujos dados ora apresentamos era,
além de traçar um perfil do diretor de escola pública em Minas Gerais, com
resultados para as várias regiões do estado e cidades de diferentes portes, co-
nhecer suas opiniões sobre a elaboração de uma proposta curricular para suas
escolas. Para tanto, procuramos dar escala ao estudo e a pesquisa abrangeu um
universo de 3.483 diretores de escolas estaduais de Minas Gerais.
A elaboração do questionário aplicado considerou questões e termos uti-
lizados em pesquisas realizadas anteriormente (de 2004 a 2010) com profes-
sores da rede estadual mineira de ensino, com diferentes abrangências e dife-
rentes técnicas de pesquisa – de recursos qualitativos a surveys (Teixeira et al.,
2004; Teixeira, 2006; Teixeira e Lessa, 2010). Essa trajetória validou, inclusive,
que o emprego da expressão “currículo unificado e padronizado” pudesse ser
feito como referência a um currículo comum a uma rede de ensino.
O questionário foi enviado junto a uma carta que informava aos diretores
o propósito da pesquisa e continha 61 questões objetivas que versavam sobre:
o perfil socioeconômico dos gestores; sua trajetória acadêmica e profissional;
o desenvolvimento curricular na escola; e a gestão dos recursos materiais e
financeiros da unidade escolar.
Com a aplicação do survey, foram obtidos dados sobre a adesão dos ges-
tores à proposta de um currículo unificado que convidam à reflexão sobre es-
sas políticas, do ponto de vista da gestão escolar. O objetivo era saber se os
diretores eram favoráveis ou não à criação de um currículo unificado e pa-
Diretores e currículo unificado: uma pesquisa em Minas Gerais 191
dronizado, nas esferas de governo federal e estadual, bem como seu grau de
adesão à implementação de uma possível política curricular oficial e comum.
Analisamos a seguir essas informações, associadas a algumas caracterís-
ticas profissionais dos gestores (tempo de experiência como diretor de escola;
tempo na gestão da escola pesquisada; formação) e à localização de sua escola,
tomando como referência a Superintendência Regional de Ensino (SRE) a que
pertencia. Como pode ser observado nas tabelas que se seguem, há variações
na percepção expressa pelos diretores sobre o tema ao considerarmos essas
variáveis contextuais.
Na Tabela 1, a seguir, é apresentado o percentual de respostas ao questio-
namento feito aos diretores sobre a criação de um currículo unificado e padro-
nizado no país e no estado. Um total de 67% dos diretores apontou ser favorável
a essa iniciativa em âmbito federal, e 83% se pronunciaram favoráveis à criação
desse currículo no estado10.
10
A apresentação dos dados derivados de duas questões do instrumento de pesquisa em uma mesma tabela
visa a facilitar a observação pelo leitor de forma comparada.
192 Estudos sobre a Educação brasileira: múltiplos olhares
(75%) do que a média geral (63%). Os dados relacionados aos diretores com
formação acadêmica inferior ao Ensino Médio devem ser desconsiderados
levando-se em conta a sua baixa representatividade (são apenas oito diretores,
ou 0,2%, com Ensino Médio e dois diretores, ou 0,1%, com Ensino Fundamen-
tal).
(em destaque na Tabela 4). Os diretores das SREs de Campo Belo, Caxambu,
Monte Carmelo, Paracatu e Pouso Alegre apresentaram um grau maior de ade-
são ao currículo unificado, tanto para o nível nacional quanto estadual. Por
outro lado, os diretores das SREs de Divinópolis, Teófilo Otoni e Uberlândia
se mostraram menos favoráveis, em termos percentuais, ao currículo comum
do que a média estadual, nas duas modalidades (83% para o estado e 67%
para o país). A análise dos resultados nos aponta que a distribuição geográ-
fica dos diretores por todo o estado de Minas Gerais, considerando sua vasta
extensão e a amplitude de sua rede de escolas, produz uma pequena variação
na distribuição percentual de diretores que se mostram favoráveis à adoção
do currículo nacional e/ou estadual. Uma possível questão a ser analisada a
partir destes dados se refere às diferenças na formação inicial e continuada
dos diretores escolares dependendo de sua região e SRE, que podem produzir
diferentes níveis de compreensão e de opinião sobre o tema. Outra hipótese a
ser levantada se refere às interações e reflexões que integrariam os consensos
entre os agentes em cada SRE, que poderiam comportar diferenças conforme
os grupos que as dirigem.
Na distribuição das respostas dos diretores entre as SREs, prevalece sua
maior concordância com um currículo comum estadual (salvo os casos das
SREs de São João del-Rei, Itajubá e Carangola). Podemos considerar que essa
maior adesão a um currículo mineiro estaria relacionada ao fato de os direto-
res dessas SREs depositarem, na esfera estadual, uma expectativa positiva em
relação à formulação de uma proposta curricular mais próxima das demandas
locais. Minas Gerais já possui um currículo estadual, o CBC, que é imple-
mentado nas escolas desde 2005. Esse currículo é referência para o Simave,
que, por sua vez, tem efeitos sobre a bonificação de professores (Pereira, 2008).
Cabe ressaltar, entretanto, que os números da pesquisa, mais que indicar uma
concordância com o atual currículo estadual, provavelmente revelam a mani-
festação de uma adequação a rotinas instituídas na rede de ensino.
Há que se considerar também que a indução de políticas pelo governo fe-
deral é muito mais sentida nas cidades que no estado, mesmo no caso de Minas
Gerais (Oliveira, 2014). Desde 2007, a presença da política educacional federal
tem se feito mais visível nas redes municipais de ensino, especialmente a partir
da formulação do Plano de Desenvolvimento da Educação (Malini, 2009).
Observa-se que a demanda por um currículo comum é apresentada tanto
nos textos oficiais quanto pelos gestores escolares pesquisados, o que os desca-
Diretores e currículo unificado: uma pesquisa em Minas Gerais 197
4 Considerações finais
A aprovação do PNE de 2014 abriu uma nova fase de discussão sobre o
currículo nacional. Esse momento possibilita uma maior reflexão e a emer-
gência de novos olhares sobre a possibilidade de construirmos uma base co-
mum nacional, no sentido de que estabeleçamos algum consenso sobre o que
ensinar. Apoiados nas experiências de implementação dos PCN nas propostas
Diretores e currículo unificado: uma pesquisa em Minas Gerais 199
Referências
BALL, S. Profissionalismo, gerencialismo e performatividade. Cadernos de Pesquisa,
São Paulo, v. 35, n. 126, p. 539-564, set./dez. 2005.
BALL, S. & BOWE, R. El curriculum nacional y su “puesta en práctica”: El papel de
los departamentos de materias o asignaturas. Revista de Estudios del Curriculum,
Barcelona, v. 1, n. 2, p. 105-131, 1998.
Batista, A. A. G. & Ribeiro, V. M. (coord.). Consensos e dissensos sobre a Base Nacional
Comum Curricular: Por uma educação que o Brasil merece. São Paulo: CENPEC/
Fundação Lemann, 2015. Disponível em: <http://wwwh2.cenpec.org.br/wp-con-
tent/uploads/2015/09/Consensos_Dissensos_Final.pdf>. Acesso em: 02 out. 2015.
BENEVIDES, M. V. Educação para a Democracia. Lua Nova Revista de Cultura e Polí-
tica, São Paulo, s/v, n. 38, p. 223-237, 1996.
BONAMINO, A. & SOUSA, S. Z. Três gerações de avaliação da Educação Básica no
Brasil: interfaces com o currículo da/na escola. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 38,
n. 2, p. 373-388, jun. 2012. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/ep/article/
view/47883>. Acesso em: 07 jan. 2016.
BRASIL. Lei 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação –
PNE e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 26 jun. 2014a.
Edição extra, p. 1. Disponível em: <http://presrepublica.jusbrasil.com.br/legisla-
cao/125099097/lei-13005-14>. Acesso em: 10 jul. 2014.
202 Estudos sobre a Educação brasileira: múltiplos olhares
1 Introdução
O tema da estratificação social tem sido objeto de constante interesse por
parte de pesquisadores que tentam compreender as desigualdades entre in-
divíduos e grupos decorrentes de processos e relações sociais historicamente
estabelecidas. Estes estudos têm buscado compreender as manifestações con-
cretas das desigualdades de oportunidades, condições e recompensas na socie-
dade através da identificação de fatores sociais determinantes para a formação
das estruturas desiguais entre diferentes classes e grupos de status (Silva e Ha-
senbalg, 2003; Costa Ribeiro, 2009).
Um importante conjunto de pesquisas dessa linha vem contribuindo no
campo da Educação ao apontar para a persistência das desigualdades sistêmi-
cas na oferta de oportunidades de escolarização entre diferentes grupos so-
ciais (Crahay, 2002; Silva, 2003; Soares e Marotta, 2009; Barbosa, 2011). Esses
trabalhos têm confirmado o paradoxo de que a universalização e ampliação
dos sistemas educacionais não têm resultado em maior igualdade de chances
educativas, mesmo em sistemas escolares mais desenvolvidos e democráticos
(Boudon, 1981).
No nível dos sistemas escolares e dos estabelecimentos de ensino, algu-
mas pesquisas têm se esforçado em compreender as relações existentes entre
características individuais e de origem socioeconômica dos alunos, na entrada
e na saída do sistema escolar, e os mecanismos capazes de produzir e/ou am-
pliar as desigualdades entre os diferentes grupos sociais (Silva, 2003). Dentre
1
Doutora em Educação pela PUC-Rio e trabalha como analista de avaliação no Centro de Políticas Públicas
e Avaliação da Educação (CAEd/UFJF). É pesquisadora do Laboratório de Avaliação da Educação (LAEd)
da PUC-Rio e as duas grandes áreas de atuação são: políticas públicas em avaliação da educação e desigual-
dades educacionais. E-mail: [email protected]
2
Doutorando em Educação pela PUC-Rio e técnico em assuntos educacionais do Colégio Pedro II. É pes-
quisador do Laboratório de Avaliação da Educação (LAEd) da PUC-Rio e as duas grandes áreas de atuação
são: políticas educacionais e avaliação de sistemas, instituições, planos e programas educacionais. E-mail:
erisson.viana.yahoo.com.br
208 Estudos sobre a Educação brasileira: múltiplos olhares
2 Revisão de literatura
As ações de natureza didático-pedagógica se caracterizam por um ob-
jetivo identificável, intencional, cujas consequências práticas e pedagógicas
não devem ser negligenciadas pelos sujeitos envolvidos. No que diz respeito
à equidade, algumas ações podem ser caracterizadas como positivas ou como
negativamente “discriminatórias” se buscam dar tratamento desigual a sujeitos
e situações desiguais. São ”negativas” se resultam na ampliação das desigual-
As estratégias de enturmação dos alunos nas escolas 209
Por outro lado, nas pedagogias renovadas, como a defendida por Meirieu
(apud Crahay, 2002), argumenta-se que a formação de grupos homogêneos
institui clivagens que impedem a comunicação entre indivíduos cujo encontro
poderia ser enriquecedor e, por isso, defende a formação de turmas nas quais
sua heterogeneidade permita trocas que enriqueçam a formação de cada indi-
víduo.
Municipal
Municipal
Municipal
Estadual
Estadual
Estadual
Estadual
Especial
Especial
Especial
Especial
Privada
Privada
Privada
Privada
MUNICÍPIO
Belo Horizonte 3 62 88 32 3 62 88 28 3 54 73 31 3 58 71 28
Campinas 0 57 68 41 0 56 71 38 0 54 63 37 0 61 69 34
Campo Grande 0 37 97 21 0 37 78 15 0 31 75 15 0 30 71 15
Rio de Janeiro 31 0 90 46 33 0 83 43 33 0 97 42 33 0 111 40
TOTAL 34 156 343 140 36 155 320 124 36 139 308 125 36 149 322 117
205
185
165
145
125
105
85
Onda 4 Onda 5
Onda 4 Onda 5
7
Escolas com apenas duas turmas não possuem representantes no segundo tercil.
8
Testes t para amostras independentes. As perdas amostrais entre as ondas 2 e 5 (2005 e 2008) para a reali-
zação dos testes foram da ordem de 8 a 10%.
9
Estamos pensando na escola como um modelo fechado em que as trocas ocorrem entre as turmas dentro
de uma mesma escola.
Tabela 3: Resultados do Teste t para amostras independentes (apenas significativos) de 2005 a 2008
2005 2006 2007 2008
LP MAT LP MAT LP MAT LP MAT
Modelo 1
Erro padrão
Erro padrão
Erro padrão
Erro padrão
Erro padrão
Erro padrão
Erro padrão
Erro padrão
Difer. média
Difer. média
Difer. média
Difer. média
Difer. média
Difer. média
Difer. média
Difer. média
Sig. (2 extrem.)
Sig. (2 extrem.)
Sig. (2 extrem.)
Sig. (2 extrem.)
Sig. (2 extrem.)
Sig. (2 extrem.)
Sig. (2 extrem.)
Sig. (2 extrem.)
Modelo 2
Erro padrão
Erro padrão
Erro padrão
Erro padrão
Erro padrão
Erro padrão
Erro padrão
Erro padrão
Difer. média
Difer. média
Difer. média
Difer. média
Difer. média
Difer. média
Difer. média
Difer. média
Sig. (2 extrem.)
Sig. (2 extrem.)
Sig. (2 extrem.)
Sig. (2 extrem.)
Sig. (2 extrem.)
Sig. (2 extrem.)
Sig. (2 extrem.)
Sig. (2 extrem.)
Masc. -0,01 0,04 -0,01 0,00 0,05 -0,01 0,00 0,05 -0,01 -0,02 0,04 -0,01
Fem. 0,00 -0,05 -0,01 0,00 -0,05 -0,01 0,00 -0,05 -0,01 -0,01 -0,04 -0,01 0,00 -0,05 -0,02 -0,03 -0,04 -0,02
Preto
Branc.
Pardo -0,02 -0,04 -0,02 -0,05 -0,03 -0,02 0,00 -0,05 -0,02 0,00 -0,05 -0,02
10
Todos os resultados significativos apresentaram erro padrão variando de 1% a 2%.
As estratégias de enturmação dos alunos nas escolas 223
11
Intervalo de confiança.
224 Estudos sobre a Educação brasileira: múltiplos olhares
4 Considerações finais
O presente estudo procurou mostrar como as desigualdades são engen-
dradas no interior das escolas segundo as turmas e, também, segundo os di-
ferentes grupos sociais. De um modo geral, os resultados apontam para uma
ampliação das desigualdades de desempenho em Matemática ao longo do ciclo
de alfabetização, ao passo que em Língua Portuguesa as desigualdades iniciais
se mantêm. Os resultados também mostraram as desigualdades de desempe-
nho entre as turmas das escolas, permitindo observar que, em algumas escolas,
a variação da proficiência média é alta no interior das turmas. Isso significa
que dentro de uma mesma turma há alunos com bom desempenho e, também,
alunos com rendimento insatisfatório.
Por fim, o estudo apresentou a desigualdade de proficiência média das
turmas segundo os grupos sociais, por sexo, cor/raça e nível socioeconômico,
evidenciando a existência de uma correlação entre a composição social das tur-
mas e a média de proficiência. Um dos resultados, por exemplo, aponta que,
em turmas com mais meninas, a proficiência média em Língua Portuguesa é
maior, enquanto em Matemática a proficiência média é mais alta para turmas
com maior percentual de meninos. Foram observadas também variações da mé-
dia de desempenho segundo o nível socioeconômico e a cor/raça da composição
social das turmas, nas quais também podemos observar variações do desempe-
nho médio.
Este estudo buscou fomentar a discussão acerca da correlação existen-
te entre a composição social das turmas e o desempenho escolar mensurado
pelos testes cognitivos de uma avaliação em larga escala. Outros estudos com
metodologias estatísticas apropriadas precisam ser realizados para se verificar
a significância e a magnitude do impacto da composição social das turmas
sobre a proficiência média, de forma a fornecer mais subsídios empíricos para
que as ações escolares possam efetivar modificações nos critérios de formação
das turmas, visando à diminuição das desigualdades.
Compreender a correlação entre a composição social das turmas e o de-
sempenho escolar é essencial para a implementação de políticas e práticas edu-
cacionais que objetivem a redução das desigualdades, uma vez que a atuação
do poder público na regulação dos processos educacionais precisa contribuir
para que os resultados da escola sejam satisfatórios em termos de eficácia e
equidade.
As estratégias de enturmação dos alunos nas escolas 225
Referências
BARBOSA, M. L. O. Desigualdade e desempenho: uma introdução à sociologia brasileira.
Belo Horizonte: Editora Fino Traço, 2011.
BARBOZA, E. M. R. A composição social das turmas e o desempenho escolar na rede
pública de ensino em Minas Gerais. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2007. (Tese de Douto-
rado em Educação).
BERNARDO, E. S. Composição social e cognitiva de turmas e desempenho em Leitura
e Matemática: como evoluem as desigualdades educacionais? Rio de Janeiro: PUC-
-Rio, 2008. (Tese de Doutorado em Educação).
BROOKE, N. & SOARES, J. F. Pesquisa em eficácia escolar: origem e trajetórias. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2008.
CLAPARÈDE, E. L´école sur mesure. Lausanne: Payot, 1920.
COSTA RIBEIRO, C. A. Desigualdade de oportunidades no Brasil. Belo Horizonte: Edi-
tora Fino Traço, 2009.
CRAHAY, M. Poderá a escola ser justa e eficaz? Da igualdade de oportunidades à igual-
dade de conhecimentos. Tradução Vasco Farinha. Lisboa: Instituto Piaget, 2002.
______. Qual pedagogia para os alunos em dificuldade escolar? Cadernos de Pesquisa,
São Paulo, v. 37, n. 130, p. 181-208, jan./abr. 2007.
DUPRIEZ, V. & DRAELANTS, H. Classes homogènes versus classes hétérogènes: les
apports de la recherche à l´analyse de la problématique. Cachier de Recherche du
GIRSEF, Bélgica, n. 24, p. 1-24, out. 2003.
HASENBALG, C. & SILVA, N. V. Origens e destinos: desigualdades sociais ao longo da
vida. Rio de Janeiro: Editora Topbooks, 2003.
MEIRIEU, Ph. Enseigner, Scénario pour un métier nouveau. Paris: Edições E. S. F, 1985.
OLIVEIRA, R. P. (coord.) Análise das desigualdades intraescolares no Brasil. Estudos
e Pesquisas Educacionais, São Paulo, n. 14, 2013.
PERRENOUD, P. La pedagogie à l’ école des différences. Paris: ESF, 1995.
SILVA, N. V. Expansão escolar e estratificação educacional no Brasil. In: HASENBALG,
C. & SILVA, N. V. Origens e destinos: desigualdades sociais ao longo da vida. Rio de
Janeiro: Editora Topbooks, 2003.
SLAVIN, R. E. Salas de clase efectivas, escuelas efectivas: Plataforma de Investigación
para una Reforma Educativa en América Latina. Santiago: PREAL, 1995. Disponível
em: <http://www.monografias.com/trabajos-pdf4/escuelas-efectivas/escuelas-efec-
tivas.pdf>. Acesso em: 15 ago. 2016.
SOARES, T. M. Influência do professor e do ambiente em sala de aula sobre a pro-
ficiência alcançada pelos alunos avaliados no Simave-2002. Estudos em Avaliação
Educacional, São Paulo, n. 28, p. 103-124, jul./dez. 2003.
SOARES, J. F. & MAROTTA, L. Desigualdades no sistema de Ensino Fundamental
brasileiro. In: Veloso, F. et al. Educação básica no Brasil: construindo o país do futuro.
Rio de Janeiro: Editora Campus-Elsevier, 2009, p. 73-91.
226
ANEXO
Tabela 4: Teste-t para igualdade de médias – Turmas de alta proficiência
em Matemática x Demais turmas – 2005 e 2008
Teste de Levene para
teste-t para Igualdade de Médias
igualdade de variâncias
ONDA
95% Intervalo de Confian-
Sig. (2 Diferença Erro padrão ça da Diferença
Z Sig. t df
extrem.) média de diferença
Inferior Superior
Variâncias iguais
0,119 0,731 -1,390 632 0,165 -0,0197784 0,0142300 -0,0477222 0,0081655
assumidas
Masculino
Variâncias iguais
-1,377 409,790 0,169 -0,0197784 0,0143599 -0,0480067 0,0084500
não assumidas
Variâncias iguais
0,073 0,787 0,559 632 0,576 0,0079132 0,0141460 -0,0198656 0,0356920
assumidas
Feminino
Estudos sobre a Educação brasileira: múltiplos olhares
Variâncias iguais
0,554 409,821 0,580 0,0079132 0,0142747 -0,0201476 0,0359740
não assumidas
Variâncias iguais
4,175 0,041 1,217 632 0,224 0,019806 0,016271 -0,012145 0,051757
assumidas
Branco
2,0 Variâncias iguais
1,168 377,262 0,243 0,019806 0,016951 -0,013524 0,053136
não assumidas
Variâncias iguais
0,385 0,535 -0,035 632 0,972 -0,000544 0,015417 -0,030818 0,029730
assumidas
Pardo
Variâncias iguais
-0,035 407,469 0,972 -0,000544 0,015591 -0,031193 0,030105
não assumidas
Variâncias iguais
0,581 0,446 -1,871 632 0,062 -0,019430 0,010383 -0,039820 0,000960
assumidas
Preto
Variâncias iguais
-1,836 398,970 0,067 -0,019430 0,010585 -0,040240 0,001380
não assumidas
Teste de Levene para
teste-t para Igualdade de Médias
igualdade de variâncias
ONDA
95% Intervalo de Confian-
Sig. (2 Diferença Erro padrão ça da Diferença
Z Sig. t df
extrem.) média de diferença
Inferior Superior
Variâncias iguais
1,103 0,294 0,729 574 0,466 0,0123372 0,0169292 -0,0209136 0,0455880
assumidas
Masculino
Variâncias iguais
0,742 400,418 0,459 0,0123372 0,0166359 -0,0203675 0,0450420
não assumidas
Variâncias iguais
1,407 0,236 0,194 574 0,846 0,0032878 0,0169134 -0,0299319 0,0365074
assumidas
Feminino
Variâncias iguais
0,198 399,931 0,843 0,0032878 0,0166279 -0,0294012 0,0359767
não assumidas
Variâncias iguais
8,168 0,004 2,726 574 0,007 0,050068 0,018363 0,014000 0,086135
assumidas
5,0 Branco
Variâncias iguais
2,591 334,636 0,010 0,050068 0,019325 0,012053 0,088082
não assumidas
Variâncias iguais
0,032 0,857 0,565 574 0,572 0,010862 0,019213 -0,026874 0,048598
assumidas
Pardo
Variâncias iguais
0,569 388,312 0,570 0,010862 0,019097 -0,026685 0,048409
não assumidas
Variâncias iguais
3,082 0,080 -2,286 0574 0,023 -0,031070 0,013590 -0,057763 -0,004378
assumidas
Preto
Variâncias iguais
-2,367 419,305 0,018 -0,031070 0,013128 -0,056875 -0,005266
não assumidas
Variâncias iguais
1,143 0,286 -2,821 630 0,005 -0,0395304 0,0140150 -0,0670522 -0,0120086
assumidas
Masculino
Variâncias iguais
-2,883 442,601 0,004 -0,0395304 0,0137111 -0,0664773 -0,0125835
não assumidas
Variâncias iguais
1,456 0,228 2,493 630 0,013 0,0347234 0,0139303 0,0073680 0,0620788
assumidas
Feminino
Variâncias iguais
2,536 437,126 0,012 0,0347234 0,0136917 0,0078137 0,0616330
não assumidas
Estudos sobre a Educação brasileira: múltiplos olhares
Variâncias iguais
0,275 0,600 0,616 630 0,538 0,010018 0,016267 -0,021926 0,041963
assumidas
2,0 Branco
Variâncias iguais
0,621 427,480 0,535 0,010018 0,016123 -0,021671 0,041708
não assumidas
Variâncias iguais
0,197 0,657 0,116 630 0,907 0,001776 0,015246 -0,028163 0,031715
assumidas
Pardo
Variâncias iguais
0,117 423,648 0,907 0,001776 0,015161 -0,028025 0,031577
não assumidas
Variâncias iguais
0,299 0,585 -1,092 630 0,275 -0,011384 0,010422 -0,031851 0,009083
assumidas
Preto
Variâncias iguais
-1,082 407,107 0,280 -0,011384 0,010522 -0,032068 0,009300
não assumidas
Teste de Levene para
teste-t para Igualdade de Médias
igualdade de variâncias
ONDA 95% Intervalo de Confian-
Sig. (2 Diferença Erro padrão ça da Diferença
Z Sig. t df
extrem.) média de diferença
Inferior Superior
Variâncias iguais
0,986 0,321 -1,499 574 0,134 -0,0253385 0,0169040 -0,0585398 0,0078627
assumidas
Masculino
Variâncias iguais
-1,525 399,877 0,128 -0,0253385 0,0166195 -0,0580111 0,0073340
não assumidas
Variâncias iguais
1,102 0,294 1,501 574 0,134 0,0253385 0,0168808 -0,0078172 0,0584943
assumidas
Feminino
Variâncias iguais
1,523 397,248 0,129 0,0253385 0,0166376 -0,0073701 0,0580472
não assumidas
Variâncias iguais
5,347 0,021 1,935 574 0,053 0,035646 0,018422 -0,000537 0,071829
assumidas
Branco
5,0 Variâncias iguais
1,887 357,850 0,060 0,035646 0,018886 -0,001496 0,072787
não assumidas
Variâncias iguais
0,327 0,567 0,157 574 0,875 0,003018 0,019218 -0,034727 0,040764
assumidas
Pardo
Variâncias iguais
0,159 397,408 0,873 0,003018 0,018938 -0,034212 0,040249
não assumidas
Variâncias iguais
4,863 0,028 -2,497 574 0,013 -0,033898 0,013578 -0,060568 -0,007229
assumidas
Preto
Variâncias iguais
-2,714 476,464 0,007 -0,033898 0,012492 -0,058445 -0,009351
não assumidas
1 Introdução
Este capítulo apresenta um trabalho sobre a visão de famílias de camadas
populares acerca do processo de escolarização de seus filhos e das estratégias
utilizadas para que essas crianças alcancem sucesso escolar. Como mostram
os estudos sociológicos, a escola, juntamente com professor, família e aluno
são grandes fatores associados ao desempenho escolar. A fim de investigar,
especificamente, práticas familiares que poderiam cooperar para os resultados
positivos e negativos constatados pelo Estudo Longitudinal da Geração Esco-
lar 2005 (Geres), este capítulo apresenta uma análise do discurso de famílias de
alunos que participaram da pesquisa entre 2005 e 2008. Por meio de entrevis-
tas realizadas em 2011, buscamos analisar o que as respostas das famílias nos
revelam a respeito de suas práticas e quais dessas práticas poderiam, segundo
as concepções de Lahire (1997) e Nogueira (1998; 2005; 2011), cooperar para
o sucesso escolar de seus filhos, como identificado na pesquisa longitudinal.
Assim, este capítulo apresenta uma breve revisão das concepções de Lahi-
re e Nogueira, autores que abordam a importância das famílias para o fracasso
ou sucesso escolar dos alunos. Lahire, especialmente, destaca a importância
das relações sociais, que se dão desde o início da vida da criança e que servirão
1
Mestranda em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Especialista
em Língua Inglesa pela Universidade Veiga de Almeida. Bacharel e licenciada em Letras – Português, Inglês
e Literaturas – pela PUC-Rio. Pesquisadora do Laboratório de Avaliação da Educação (LAEd/PUC-Rio).
Bolsista como professora da educação básica pelo programa Observatório da Educação, da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), durante o desenvolvimento desta pesquisa. E-mail:
[email protected].
2
Doutoranda em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Mestre em
Educação pela Universidade Estácio de Sá. Bacharel e licenciada em Educação pela Universidade de Joinvi-
lle (UNIVILLE). Pesquisadora do Laboratório de Avaliação da Educação (LAEd/PUC-Rio). Bolsista como
professora da educação básica pelo programa Observatório da Educação da CAPES, durante o desenvolvi-
mento desta pesquisa. E-mail: [email protected].
3
Licenciada em Educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Pesquisadora do Laboratório de Ava-
liação da Educação (LAEd/PUC-Rio) e bolsista como professora da educação básica pelo programa Obser-
vatório da Educação da CAPES, durante o desenvolvimento desta pesquisa. E-mail: [email protected].
232 Estudos sobre a Educação brasileira: múltiplos olhares
de base para relações futuras com e nos âmbitos escolares em que a criança
será inserida ao longo de sua trajetória no sistema educacional. Na sequência,
apresentamos a metodologia utilizada no estudo, o perfil das famílias entre-
vistadas e das localidades onde residem e, por último, a análise das entrevistas
com as famílias, realizadas em diálogo com os autores de referência, notada-
mente Lahire e Nogueira.
AP 1: Centro
AP 2: Zona Sul e Tijuca
AP 3: Ramos, Méier, Madureira, Inhaúma, Penha, Pavuna e Ilha do Governador
AP 4: Jacarepaguá e Barra da Tijuca
AP 5: Bangu, Campo Grande, Santa Cruz e Guaratiba
: Famílias entrevistadas
Fonte: Plano Municipal de Cultura Rio (MAPEAMENTO, 2012).
de a extensão territorial da zona norte ser maior que a da zona sul, podemos
observar, como apontado acima, que o número de equipamentos culturais da
primeira é muito inferior ao da segunda.
enfatizar que a influência familiar se deve à sua condição social e não às ações,
iniciativas e mobilizações que estas fazem em prol da escolarização de suas
crianças. Ou seja, até os anos 1970, as pesquisas não exploravam a relação da
família com a escola. Como afirma Nogueira:
Lahire enfatiza a importância das relações sociais que se dão desde o iní-
cio da vida da criança e servirão de base para relações futuras nos meios em
que a criança será inserida no decorrer de sua trajetória de vida.
que as famílias apresentem a visão que têm da escolarização dos filhos e a for-
ma com que nela intervêm, nos auxiliando na busca por respostas quanto ao
sucesso escolar dos alunos pesquisados em meio a um contexto social no qual,
como dito, é mais frequente o fracasso escolar. Lahire afirma que
Assim, Lahire aponta cinco traços que considera pertinentes para uma
leitura sociológica quando investigadas as famílias e sua relação com o pro-
cesso de escolarização dos filhos – as formas familiares da cultura escrita, as
condições e disposições econômicas, a ordem moral doméstica, as formas de
autoridade familiar e as formas familiares de investimento pedagógico. Com
base nessas dimensões, foi elaborado um roteiro que serviu de orientação para
que pudéssemos concentrar a entrevista em pontos que consideramos chaves
para a compreensão da relação das famílias com a escolarização dos filhos.
Para investigar a relação das famílias das camadas populares com a es-
colarização dos filhos, é preciso questionar qual a relação que estas famílias
possuem com a cultura escrita e suas aproximações e distanciamentos com a
escola. A intimidade com a leitura, por exemplo, pode conduzir a práticas fa-
miliares voltadas para a criança que culminariam no seu sucesso escolar. Para
Lahire, importa que as práticas de leitura da família sejam vivenciadas pela
criança de maneira positiva, como algo que faça parte de seu cotidiano e que
lhe seja prazeroso. Atitudes rotineiras como o uso do calendário ou a escrita de
bilhetes contribuem para que a criança construa esquemas de pensamento que
serão de grande ajuda na objetivação do tempo e no planejamento de ativida-
des futuras, na aprendizagem da capacidade de prorrogar e planejar decisões.
os pais “sacrificam” a vida pelos filhos para que cheguem aonde gos-
tariam de ter chegado ou para que saiam da condição sociofamiliar
em que vivem. [...] Os efeitos da escolaridade da criança podem va-
riar segundo as formas para incitar a criança a ter “sucesso” ou a
estudar para ter “sucessoö, segundo a capacidade familiar de ajudar
a criança a realizar os objetivos que lhe são fixados (Lahire, 1997,
p. 29).
5
Informações obtidas em entrevista realizada em 2010.
6
Todos os nomes foram alterados para utilização na pesquisa.
Famílias e sucesso escolar em camadas populares 243
Em relação à continuidade dos estudos dos filhos, as falas apontam para pers-
pectivas diferenciadas. A família de Camila não apresenta expectativas em relação
à filha cursar o ensino superior; a família entende que concluir apenas o Ensino
Médio seja suficiente. Por sua vez, Camila diz que não pensa no ensino superior.
Nem como um desejo, ela coloca a possibilidade de continuar estudando a ponto
de ingressar em uma faculdade.
Esse distanciamento em relação à universidade também está presente na
fala da família de Anderson. O pai diz que sua expectativa é de que o aluno
faça um curso técnico e que comece a trabalhar logo depois, pois eles são pes-
soas pobres e “faculdade é um sonho”. De acordo com o pai, a continuidade
dos estudos, para além do Ensino Médio, ficará a cargo do filho, porque não
será mais sua responsabilidade.
Na família de Aline, ao contrário, a mãe acredita na conclusão do ensino
superior e a filha já sabe que cursará Direito. A mãe investe acompanhando os
estudos de perto, procurando manter a menina em uma boa escola e buscando
cursos extras, como o inglês, visando a ampliar as possibilidades de êxito da
filha. Também aparece a intenção de concluir o ensino superior no caso de
Vivian. Quando perguntamos qual seria a pretensão de conclusão dos estudos,
a menina afirma: “Curso, não, faculdade”.
Os entrevistados, apesar de morarem na mesma comunidade e de os fi-
lhos estudarem na mesma escola, apresentam, em suas falas, diferentes pontos
de vista em relação aos objetivos da família, na forma da família lidar com a
escola e também com a localidade em que moram. De modo geral, podemos
considerar que as famílias acompanham os filhos e, de formas diferenciadas, se
fazem presentes na vida escolar dos mesmos.
Por outro lado, percebemos que as famílias de Camila e Anderson demons-
tram bastante preocupação com a proteção de seus filhos, que, por viverem em um
lugar considerado violento, não são autorizados a interagir com outras pessoas da
comunidade. Seu círculo de amizade é formado pelos pais e a igreja que frequen-
tam. O medo da violência se manifesta, nesses casos, através do controle excessivo.
A mãe de Camila conta que a menina “fica mais em casa. Quando vem cole-
ga, é um coleguinha daqui de casa mesmo, [...] em cima da laje”. O mesmo é rela-
tado pelos pais de Anderson, e, nesse relato, o discurso da religião é bem presente.
Os pais declaram que participam da igreja Testemunhas de Jeová e que os valores
que norteiam suas escolhas familiares são aqueles compartilhados com a comu-
nidade religiosa da qual fazem parte. O pai chama, inclusive, essa comunidade
Famílias e sucesso escolar em camadas populares 247
de “rede de ensino”. Os pais dizem que estão criando o filho com base em valores
religiosos e que, por isso, o filho também frequenta a igreja. Eles contam que só
permitem que Anderson brinque com os colegas da igreja e com o primo. Dizem
que não deixam Anderson ir à rua ou brincar com os vizinhos porque temem a
violência, que é fato de conhecimento comum na comunidade onde moram.
Outro ponto importante é a participação dos alunos em cursos extracur-
riculares. A família de Camila conta que sua dificuldade financeira impede o
custeio do transporte para a realização de cursos. Uma vez que a família mora
em um ponto alto do morro, acaba sendo sacrificante para a menina fazer esse
percurso a pé duas vezes ao dia (para ir ao curso e depois voltar para a escola).
O tempo dedicado aos cursos foi, então, preenchido pela televisão que, de cer-
ta forma, é menos enfadonha e praticamente não tem custo.
Vinícius junto’.” Vemos que o vínculo que a família de Vinícius tinha com a
professora era forte a ponto de o menino acompanhá-la, mudando de escola
junto com a professora.
No caso da família de Eduardo, não fica claro na entrevista o motivo da
escolha da escola. A mãe fala bastante sobre a escola, os professores e a direção,
mas não explicita o motivo de tê-la escolhido.
Ao perguntarmos se a família gostava da escola, se os pais conhecem os
professores e participam dos eventos escolares, os pais de Vinícius elogiam a
escola do filho e se mostram participativos, pois dizem interagir sempre com a
instituição. O pai se refere a ela como “uma escola excelente, uma escola muito
boa”. A mãe de Vinícius afirma ser próxima, inclusive, dos professores: “Eu co-
nheço Todos, sempre procurei saber, eles sempre vêm conversar comigo sobre
ele, eles gostam muito dele também, sempre vêm conversar comigo e com ele.
Eu sempre conheci todos os professor (sic.) dele”.
Conforme relatado nas entrevistas, os pais de Vinícius e Eduardo parti-
cipam de forma ativa na escolarização dos filhos, conhecem os professores e
participam de eventos promovidos pela escola. As famílias valorizam a opinião
dos professores e apoiam suas decisões quanto à vida escolar dos filhos. Isso
fica claro quando os pais de Vinícius contam que ele não precisava mais fazer
uso da sala de recursos7, mas a professora disse que preferiria que ele continu-
asse, e os pais concordaram.
Quando indagadas sobre o motivo pelo qual as famílias guardavam os ca-
dernos, na família de Vinícius, notamos que essa ação envolve um valor senti-
mental, como uma lembrança da infância do menino que será mantida por ge-
rações. “Pra ele, né, pra gente, quando ele tá já formado, com os filhos dele eu
mostrar, ‘olha, isso aqui era do seu pai’... só de lembrança, coisa assim... eu não
planejava ter outro... eu digo, vou... fui guardando”. Em relação à perspectiva
de continuidade dos estudos dos filhos, as famílias afirmam que os filhos irão
cursar o Ensino Superior. O pai de Vinícius diz que o filho quer ser engenheiro
civil e que já faz até projetos de construção com cálculos precisos. Ao mesmo
tempo, a mãe de Eduardo também afirma que o filho fará curso superior.
Faz-se presente no transcorrer das duas entrevistas a tentativa dos pais de
proporcionarem condições para que os filhos concluam os estudos. Eles fazem
cursos de Inglês, têm acesso à internet. Os pais deixam clara a importância
7
Espaços físicos localizados em escolas públicas, onde se realiza atendimento educacional especializado.
250 Estudos sobre a Educação brasileira: múltiplos olhares
de estudar. Os filhos, por sua vez, também dizem que gostam de estudar, que
fazem as tarefas de casa sem precisar da cobrança dos pais.
Em relação a Eduardo, a família toma como exemplo alguém que supe-
rou as dificuldades e chegou ao Ensino Superior, de modo a que isso sirva
de motivação para que os filhos também consigam concluir os estudos. Uma
iniciativa importante é o fato de a mãe retomar os estudos e concluir o Ensino
Fundamental em nível de supletivo com o intuito de auxiliar os filhos na es-
cola. “Mais pra ensinar os meninos mesmo, né. Às vezes um dever de casa, às
vezes tinha, né”, declara.
As duas famílias relatam que os filhos tiveram dificuldade no início de
sua escolaridade porque já estavam alfabetizados quando começaram a cursar
a classe de alfabetização. No caso de Vinícius, os pais dizem que ele teve que
refazer três anos letivos já cursados em outra escola, porque era muito calado
e teve dificuldade para se adaptar ao meio. Pelo depoimento dos pais de Viní-
cius, ele se caracteriza como uma pessoa especial, com capacidades cognitivas
além da média da idade, e que, por isso, a família se faz muito presente, bus-
cando acompanhar o desenvolvimento do filho e auxiliar quando for preciso,
uma vez que suas dificuldades e capacidades ainda não foram diagnosticadas.
Na entrevista com a família de Eduardo, foi notório que a mãe se remete
continuamente ao filho mais velho, precisando inclusive o entrevistador per-
guntar de quem a mãe está falando, já que o foco da entrevista era Eduardo,
e não o irmão. A mãe conta: “O pessoal fala muito que eu paparico mais o X
(irmão de Eduardo), que é o mais velho do que ele, né? O Eduardo também, ele
é assim, ele é inquieto. Ele é nervoso... o Eduardo fazia o mesmo curso que ele,
junto com o X. Só que o Eduardo tem um problema sério de dicção... ele, acho
que quando ele começar a usar aparelho, acho que vai melhorar, é por causa
dos dentes”. Apesar da mãe de Eduardo evidenciar uma preferência por um
dos filhos, ela afirma que faz o mesmo investimento pedagógico para ambos,
proporcionando os mesmos tipos de cursos e aulas extraclasse.
8 Conclusão
Por meio das entrevistas, conseguimos perceber a visão das famílias sobre
a escolarização dos filhos. No início da investigação, era esperado que, devido
ao sucesso escolar de seus filhos, apontado pelos dados da pesquisa Geres, as
famílias almejassem o ensino superior e participassem assiduamente da vida
escolar dos alunos. No entanto, os dados revelaram situações diferentes.
Famílias e sucesso escolar em camadas populares 251
Referências
BOURDIEU, P. A miséria do mundo. Petrópolis: Vozes, 1999.
CASTRO, C. M. Desenvolvimento econômico, educação e educabilidade. Rio de Janeiro:
Tempo Brasileiro/Fename, 1976.
GARCEZ, P. M. Transcrição como teoria: a identificação dos falantes como atividade
analítica plena. In: MOITA-LOPES, L. P.; BASTOS, L. C. (orgs.) Identidades: recortes
inter e multidisciplinares. Campinas: Mercado de Letras, 2002. p. 83-95.
252 Estudos sobre a Educação brasileira: múltiplos olhares
LAHIRE, B. Sucesso escolar nos meios populares: as razões do improvável. São Paulo:
Ática, 1997.
Mapeamento dos equipamentos culturais da cidade. Plano Municipal de Cultura – Ci-
dade do Rio de Janeiro. [2012]. Disponível em: <http://planomunicipaldeculturario.
wordpress.com/mapeamento-dos-equipamentos-culturais-da-cidade/#jp-carou-
sel-79>. Acesso em: 02 out. 2014.
MCDONOUGH, J. & MCDONOUGH, S. Research Methods for English Language Te-
achers. London: Edward Arnold, 1997.
NOGUEIRA, M. A. A ação família-escola na contemporaneidade: fenômeno social/
interrogações sociológicas. Análise social, Lisboa, v. 40, n. 176, p. 563-578, out. 2005.
______. Relação família-escola: novo objeto na sociologia da educação. Paideia, Ribei-
rão Preto, v. 8, n. 14-15, p. 91-103, fev./ago. 1998.
______. Trajetórias escolares, estratégias culturais e classes sociais. In: LOPES, E. M. T.
& PEREIRA, M. R. (orgs.) Conhecimento e inclusão social: quarenta anos de pesquisa
em educação. 1. ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011. p. 89-121.
______. Família e escola: trajetórias de escolarização em camadas médias e populares.
Petrópolis: Editora Vozes, 2011.
A avaliação nacional moçambicana de
Língua Portuguesa em 2013: principais
resultados e uma proposta de definição de
níveis de proficiência para a 3ª classe do
Ensino Primário
Luís A. F. Pontes1
1 Introdução
O propósito do presente artigo é discutir os resultados de Língua Portu-
guesa na 3ª classe do Ensino Primário de Moçambique, conforme aferidos em
uma avaliação nacional realizada no ano de 2013. Esta última, por sua vez, foi
concebida e executada pelo Instituto Nacional de Desenvolvimento da Educa-
ção (Inde), órgão do Ministério da Educação daquele país, como resultado de
um projeto de cooperação técnica com o Centro de Políticas Públicas e Ava-
liação da Educação (CAEd) da Universidade Federal de Juiz de Fora, Brasil.
Nesse sentido, aplicou-se, no ano em questão, uma prova a uma amostra
representativa de alunos de todas as onze províncias moçambicanas, distribuídas
pelas três regiões geográficas do país: o Norte, o Centro e o Sul. E, com base nos re-
sultados verificados, foi possível obter três tipos de informação consideravelmente
relevantes para a investigação do atual estado da proficiência em Português em
Moçambique. Primeiramente, conseguiu-se criar uma classificação de três catego-
rias para as questões ou itens utilizados na prova nacional, de modo a retratar o seu
nível de dificuldade e as habilidades que eles se propõem a mensurar. Em segundo
lugar, com base nessa classificação de itens, logrou-se estabelecer quatro níveis de
proficiência em Língua Portuguesa para os alunos avaliados, e, por fim, a partir
daí, conseguiu-se também estimar o desempenho discente tanto em termos gerais
e nacionais, quanto separadamente para cada província moçambicana.
Para apresentar e discutir tais resultados, o presente texto divide-se em
algumas seções, que se seguem a esta introdução. Na segunda delas, apresenta-
-se sucintamente o contexto da aprendizagem e da avaliação da Língua Portu-
guesa em Moçambique, e, na terceira, aborda-se o caso específico da avaliação
nacional de desempenho de 2013.
1
Doutor em Educação pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF); analista de dados do CAEd/UFJF.
E-mail: [email protected]
254 Estudos sobre a Educação brasileira: múltiplos olhares
dos alunos, o que dificulta ainda mais o processo de seu aprendizado no sistema
educacional oficial. Por sua vez, o domínio nativo do Português apresenta uma
considerável heterogeneidade nacional, devido à grande extensão e diversidade
geográfica e cultural do país. Nesse sentido, segundo Norte (2006, p. 2):
Essa última citação, por sua vez, chama a atenção para outro ponto de
considerável interesse para a situação educacional de Moçambique: a necessi-
dade de se produzirem indicadores confiáveis, que sejam capazes de nortear o
delineamento de políticas públicas mais eficientes, propostas e implementadas
em prol do desenvolvimento da Educação nacional. E, entre esses indicadores,
cabe ressaltar a relevância das medidas que avaliam a proficiência dos alunos
em disciplinas específicas.
Dessa forma, nas últimas décadas, vêm-se observando alguns esforços
moçambicanos no sentido de se realizarem avaliações educacionais em larga
escala, principalmente no nível do seu Ensino Primário. Por exemplo:
Vê-se, portanto, que, para acertar esse item, os estudantes precisam ler
uma frase simples e reconhecer que a sua primeira letra consiste da letra “E”.
Entre os estudantes de proficiência mais elevada – correspondente ao nível
“adequado” anteriormente especificado –, esse item foi acertado por nove em
cada dez dos examinados. Já entre os alunos de nível regular, a taxa de acerto
foi de aproximadamente dois terços. Quanto aos de desempenho insuficiente,
pouco menos da metade o acertou, e o índice de acerto foi nulo entre os não
alfabetizados.
Outro item dessa primeira categoria é o de nº 14, que, embora tenha apre-
sentado um comportamento semelhante ao que se acaba de descrever para o
item 6, parece ter sido ainda um pouco mais “fácil” do que o anterior:
Este item foi acertado por praticamente todos os estudantes com profici-
ência no nível adequado, e por cerca de quatro em cada cinco alunos situados
no nível regular. Já entre os examinados de proficiência insuficiente, ele foi
acertado por cerca da metade deles, ao passo que não houve acerto entre os
alunos não alfabetizados.
Portanto, percebe-se que essa primeira categoria de itens tende a abran-
ger aqueles relacionados ao domínio de símbolos gráficos de nível bastante
fundamental na linguagem escrita, qual seja, as letras e algumas de suas com-
binações mais simples, como os dígrafos, ditongos e encontros consonantais.
Em termos operacionais, e com base no comportamento observado dos
estudantes da presente amostra, poder-se-ia dizer que os itens dessa primeira
categoria demarcam o “território” da alfabetização, ou, melhor dizendo, da sua
ausência. Ou seja, são itens extremamente simples, de modo que, na escala de
proficiência adotada, eles começam a ser acertados pelos alunos de proficiên-
cia situada num nível insuficiente. Porém, entre os alunos não alfabetizados,
suas taxas de acerto são literal ou aproximadamente nulas.
Como se vê, este item solicita do aluno uma habilidade de leitura e tam-
bém de fala, que lhe permite distinguir uma pronúncia específica da letra “c”,
dependendo da combinação que esta pode fazer com outras letras do alfabeto,
sejam vogais ou outras consoantes, como o “h”, neste caso.
Em termos de desempenho dos alunos em relação a essa questão, o pa-
drão é bastante semelhante ao do item anterior: nenhum dos alunos não alfa-
betizados o acertou, ao passo que ele foi acertado por uma minoria (um em
seis) dos estudantes de proficiência insuficiente, por cerca da metade daqueles
de nível regular e por quase todos do nível adequado.
Os itens pertencentes a essa última categoria não são acertados por pra-
ticamente nenhum dos alunos com proficiência insuficiente (e, naturalmente,
tampouco o são pelos não alfabetizados). Por outro lado, eles tendem a ser
corretamente respondidos por uma minoria de alunos com proficiência situ-
ada no nível regular, ao longo de uma faixa que se estende de um sexto a um
terço dos estudantes avaliados. Por outro lado, esses mesmos itens tendem a
ser acertados pela maioria – algo em torno de três quartos ou um pouco mais
– dos alunos situados no nível adequado de proficiência, muito embora, neste
caso, os percentuais de acerto deixem de corresponder à quase totalidade en-
contrada nas duas categorias anteriores de itens.
E, analogamente ao que já se comentou nas duas categorias anteriores,
poder-se-ia dizer que os itens dessa terceira categoria possuem baixa discri-
minação entre os alunos não alfabetizados e os de proficiência insuficiente,
ao mesmo tempo em que eles servem melhor para discriminar os alunos dos
níveis de proficiência regular e adequado.
A seguir, apresentamos dois exemplos deles, começando pelo de número 16:
Neste caso, como se percebe, é necessário que, sem nenhuma outra dica
falada ou escrita, mas sim fornecida apenas de forma visual, o aluno precisa
identificar a ação que se executa na imagem, bem como descrevê-la – ou, visto
de outra forma, lê-la – em Português. Nos dois níveis inferiores de proficiência
– o dos não alfabetizados e o insuficiente –, os percentuais de acerto estiveram
próximos de zero. Porém, eles subiram para um quarto de acertos no nível
regular, e para cerca de 80% no nível adequado.
Um último exemplo para esta terceira categoria é fornecido pelo item 17,
a seguir:
Nesse caso, o comportamento dos acertos ficou bem próximo daquilo que se
acaba de comentar para o item anterior e pertencente a esta mesma categoria:
ele não foi acertado, nem pelos não alfabetizados, nem pelos de alfabetização
insuficiente, ao passo que, entre os situados no nível regular, o acerto foi de
cerca de um sétimo, e correspondeu a três quartos dos alunos de proficiência
adequada.
Uma vez criadas essas três categorias de itens, apresentam-se, na tabela
a seguir, algumas informações básicas sobre eles. Nela, os itens encontram-se
dispostos em ordem crescente de categoria, de modo que, em geral, seu grau
de dificuldade aumenta, nas linhas, de cima para baixo. Além da indicação da
categoria do item, informam-se também os percentuais de acerto corrigido
que cada um deles obteve nos quatro níveis de proficiência definidos para os
alunos, bem como uma descrição sucinta das habilidades que avaliam.
30
25
20
15
%
10
0
Não alf. Insuf. Reg. Adeq.
Por sua vez, nas províncias do Centro, os resultados vão inegável, porém
timidamente, melhorando, fazendo com que em três delas – Tete, Manica e
Sofala –, haja cerca de 50% com alunos de uma proficiência abaixo da regular.
E, no caso da Zambézia, os resultados são um pouco piores, de modo que eles
ficam muito próximos dos de Nampula, já mencionados.
Por fim, nas quatro províncias do Sul, os alunos com proficiência abaixo
do nível regular correspondem a cerca de um terço deles. E talvez o melhor
resultado seja o de Maputo Cidade, onde, de um lado, os alunos não alfabeti-
zados e os de nível insuficiente correspondem a 36% dos examinados, ao passo
que 40% do total de discentes encontram-se no nível mais alto, o adequado.
Porém, mesmo nesse último caso há também que ter em conta que um
considerável contingente de alunos – na verdade, a sua maioria – ainda pre-
cisa melhorar bastante sua proficiência em Português. Isso sem contar o fato
– não tratado nesta pesquisa – de que, possivelmente, também existem alunos
que simplesmente se encontram fora do sistema educacional, de modo que,
caso estes fossem também incluídos em uma avaliação similar, os resultados
ficariam ainda piores, visto que as crianças com idade para frequentar a 3ª
classe, mas que, por qualquer motivo, não o fazem, muito provavelmente não
se encontram alfabetizadas, ou, no máximo, possuem um nível insuficiente de
alfabetização.
7 Conclusões
Este estudo teve três objetivos principais. O primeiro deles foi, com base
nos resultados do exame nacional moçambicano de Português para a 3ª classe
do Ensino Primário, definir níveis de proficiência nessa língua que, a um só
tempo, fossem significativos, e também que estivessem estreitamente associa-
dos ao desempenho dos alunos conforme averiguado numa amostra nacional,
avaliada segundo uma matriz de proficiência previamente estabelecida pelo
Inde e pelo CAEd.
Dessa forma, foi possível definir quatro níveis de proficiência, correspon-
dentes a um desempenho adequado, regular, insuficiente, e também ao caso de
os alunos examinados simplesmente não terem sido alfabetizados. Por sua vez,
com base no desempenho desses quatro níveis de estudantes nos diferentes
itens do teste, um segundo propósito foi agrupar esses itens em três categorias,
as quais, por sua vez, também se encontram diretamente associadas ao tipo de
habilidades mensuradas pelo teste.
274 Estudos sobre a Educação brasileira: múltiplos olhares
Referências
BANCO MUNDIAL. Moçambique – Análise de pobreza e impacto social: admissão
e retenção no Ensino Primário – o impacto das propinas escolares. Relatório pu-
A avaliação nacional moçambicana de Língua Portuguesa em 2013 275
Anexo
Apresentam-se, a seguir, para cada uma das três categorias de itens defini-
das no presente trabalho, uma sucinta descrição de suas características princi-
pais, tanto em termos das habilidades que mensuram, como também da região
do espectro de proficiência em que apresentam uma maior capacidade de dis-
criminação.
Categoria: 1
Domínio geral sobre:
Identificação e compreensão de letras em textos escritos e simples
Habilidades específicas, pelas quais o(a) estudante:
Identifica letras em textos simples
Compreende e combina letras em textos simples
Os itens desta categoria discriminam melhor os alunos:
Não alfabetizados e os de nível insuficiente de proficiência.
Ou, em outras palavras, os estudantes que nada ou muito pouco dominam des-
tas habilidades podem ser considerados como não alfabetizados.
276 Estudos sobre a Educação brasileira: múltiplos olhares
Categoria: 2
Domínio geral sobre:
Identificação e compreensão de sílabas e palavras em linguagem escrita ou oral
Obtenção de informações em textos escritos e simples
Habilidades específicas, pelas quais o(a) estudante:
Identifica letras em fala simples
Identifica sílabas em textos simples
Identifica sílabas em fala simples
Identifica palavras em textos simples
Obtém informação em textos simples
Os itens desta categoria discriminam melhor os alunos:
Insuficiente e regular de proficiência.
Ou, em outras palavras, os estudantes que nada ou muito pouco dominam
destas habilidades podem ser considerados como situados em um nível de
proficiência insuficiente ou menor.
Categoria: 3
Domínio geral sobre:
Obtenção de informações a partir de imagens a elas associadas, ou então por
meio de textos escritos e mais complexos
Habilidades específicas, pelas quais o(a) estudante:
Obtém informação a partir de imagens
Obtém informação em textos mais complexos
Os itens desta categoria discriminam melhor os alunos:
Regular e adequado de proficiência.
Ou, em outras palavras, os estudantes que nada ou muito pouco dominam
destas habilidades podem ser considerados como situados em um nível de
proficiência regular ou menor.
Por outro lado, os estudantes no nível adequado acertam a maioria dos itens
desta categoria, além de acertarem praticamente todos os itens das duas cate-
gorias anteriores.