Avaliação Da Potencialidade de Microalgas Dulcícolas Como Fonte de Matéria-Prima Graxa para A Produção de Biodiesel

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Quim. Nova, Vol. 36, No.

1, 10-15, 2013

AVALIAÇÃO DA POTENCIALIDADE DE MICROALGAS DULCÍCOLAS COMO FONTE DE MATÉRIA-PRIMA


GRAXA PARA A PRODUÇÃO DE BIODIESEL
Artigo

Rafael Silva Menezes, Maria Inês Gonçalves Leles, Aline Terra Soares, Pedro Ivo Brandão e Melo Franco e Nelson Roberto
Antoniosi Filho*
Instituto de Química, Universidade Federal de Goiás, Campus II - Samambaia, CP 131, 74001-970 Goiânia – GO, Brasil
Célia Leite Sant´Anna
Seção de Ficologia, Instituto de Botânica, Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, Av. Miguel Estéfano, 3687,
04301-012 São Paulo – SP, Brasil
Armando Augusto Henriques Vieira
Departamento de Botânica, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade Federal de São Carlos, Rodovia Washington
Luís, km 235, 13565-905 São Carlos – SP, Brasil

Recebido em 8/12/11; aceito em 9/8/12; publicado na web em 28/11/12

EVALUATION OF THE POTENTIALITY OF FRESHWATER MICROALGAE AS A SOURCE OF RAW MATERIAL FOR


BIODIESEL PRODUCTION. In this work, the fatty acid quantity and composition of six freshwater microalgae and soybean grains
was determined by direct transesterification and gas chromatography analysis. The results showed that all the freshwater microalgae
species presented a higher quantity of fatty acid than soybean grain. Choricystis sp. (A) provides 115% more fatty acids per gram of
biomass than soybean grain. With regard to the fatty acid composition, Choricystis sp. (A) showed an adequate proportion of saturated
and unsaturated fatty acids, with lower quantity of polyunsaturated fatty acids and, akin to some marine microalgae, constitutes an
alternative raw material for biodiesel production.

Keywords: microalgae; transesterification; biodiesel.

INTRODUÇÃO produção de biodiesel, tais como soja e canola.4,5


Atualmente o processo utilizado para a produção de biodiesel a
Atualmente, o Brasil se destaca por gerar 45% de sua matriz partir de microalgas é a transesterificação do óleo extraído via catálise
energética a partir de fontes renováveis de energia, com destaque ácida ou básica na presença de um álcool. Na literatura são descritos
para a produção de biocombustíveis. Entre os biocombustíveis mais vários processos de transformação de triacilglicerídeos em biocombus-
promissores destaca-se o biodiesel, o qual no mundo é produzido tíveis,6 entretanto muitos são inviáveis economicamente devido ao alto
basicamente utilizando óleos como os de soja, canola e palma.1 No custo da matéria-prima graxa. A fim de reduzir o custo da produção de
caso do Brasil, a produção de biodiesel a partir da soja representa, biodiesel de microalgas e aumentar o rendimento em FAME, para essa
aproximadamente, 80 a 90% da totalidade da matéria-prima graxa biomassa se utiliza a transesterificação direta (TD), na qual a extração
empregada para tal finalidade.2 e transesterificação ocorrem simultaneamente numa única etapa.7,8
A soja, contudo, apresenta pouco teor de óleo no grão e baixa Apesar da abundância das microalgas dulcícolas, a maioria das
produtividade por hectare, além de ser uma commodity agrícola. Essas microalgas utilizadas para a produção de biodiesel é de origem marinha.
características indicam que o aumento da produção de biodiesel no Um estudo com uma mistura de biodiesel contendo 20% de biodiesel
mundo tendo como base esta oleaginosa pode acarretar sérios danos feito a partir de Chlorella vulgaris em motores a diesel demonstrou a
econômicos e ambientais, especialmente se sua produção em larga redução da emissão de dióxido de carbono e óxidos de nitrogênio em
escala for acompanhada do aumento da área cultivada, com expansão comparação ao diesel fóssil.9 Esta microalga é composta por 28,56%
da fronteira agrícola e da ocupação humana via novos desmatamentos, (m/m) de ácidos graxos saturados e 51,91% (m/m) de insaturados.10
com consequente perda de biodiversidade.2 O biodiesel produzido através da microalga Chlorella protothe-
Nesse sentido, é essencial pesquisar fontes de matérias-primas coides apresentou propriedades de combustão similares ao diesel e
alternativas para a produção de biodiesel e, nesse contexto, destaca- aos parâmetros estabelecidos pela American Society for Testing and
-se o potencial das microalgas. Um dos mais importantes apelos Materials (ATSM).11-13 Outra espécie que se tem mostrado como grande
para produção de biodiesel a partir de microalgas é que este tipo de potencial para produção de biodiesel é a microalga Dunaliella tertio-
cultivo não deslocará as tradicionais áreas de cultivo voltadas para lecta.14 A análise do perfil de ácidos graxos em D. tertiolecta mostrou
a alimentação humana – uma das principais críticas à produção de teores de C18:3 e PUFA (polyunsaturated fatty acids) de aproximada-
biodiesel a partir de plantas oleaginosas.3 mente 14,8 e 11,5%, respectivamente.15 Apesar do elevado conteúdo
Assim como as oleaginosas, muitas microalgas são ricas em tria- em PUFA, esta microalga apresenta elevada taxa de crescimento e
cilglicerídeos, os quais podem ser convertidos em ésteres metílicos capacidade de crescimento em diferentes condições ambientais.14
de ácidos graxos (FAME - fatty acids methyl esters) para produção Em relação à composição de ácidos graxos entre as diferentes
de biodiesel. Adiciona-se ainda o fato de que estudos demonstram espécies de microalgas marinhas, a maioria delas não atenderá os
que a composição química de ácidos graxos presentes em algumas parâmetros exigidos por normas internacionais, devido apresenta-
microalgas é similar às oleaginosas atualmente utilizadas para a rem consideráveis teores de ácidos insaturados, especialmente tri- e
poli-insaturados. Assim, diante das potencialidades de produção de
*e-mail: [email protected] biodiesel a partir de microalgas marinhas, estima-se que o biodiesel
Vol. 36, No. 1 Avaliação da potencialidade de microalgas dulcícolas 11

produzido por espécies dulcícolas demonstrará melhor qualidade nas obtidas neste processo foram, respectivamente, de 3 L e 1,0801 g para
propriedades físico-químicas do biodiesel. Além disso, deve-se levar Choricystis (A); 3 L e 1,3337 g para Choricystis (B); 2 L e 0,8437 g
em consideração que o perfil lipídico pode ser manipulado conforme para Kirchneriella lunaris; 3 L e 1,874 g para Kirchneriella irregula-
as condições de cultivo,16 objetivando baixa produção de PUFA entre ris; 2 L e 1,3698 g para Monoraphidium kormakovae e, 3 L e 1,3532
as espécies de interesse. g para Tetranepris brasiliensis.
Considerando que o Brasil é um país de dimensões continentais Após a liofilização, as amostras de microalgas foram acondicio-
e que algumas áreas de grande incidência de luz solar – essencial nadas em freezer.
para a produção de microalgas – se encontram afastadas do oceano, é
fundamental encontrar espécies de microalgas dulcícolas que possam Determinação do teor de água por análise termogravimétrica
ser produzidas nessas regiões situadas no interior do país.
Para que as microalgas dulcícolas se consolidem como uma As microalgas liofilizadas foram analisadas em analisador ter-
alternativa viável é fundamental conhecer sua composição química mogravimétrico da marca Mettler Toledo, modelo TGA/SDTA 851e,
a fim de que o biodiesel produzido alcance os padrões de qualidade em cadinho de α-alumina de 900 µL, com atmosfera de purga de
especificados por normas internacionais, reguladas principalmente nitrogênio com fluxo de 50 mL min-1.
pela ASTM e European Standards (EN), como também pela Agência Os estudos termogravimétricos foram realizados de modo dinâ-
Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), no caso mico,23 com determinação do teor de água utilizando a 1ª derivada
específico do Brasil.17 da curva TG para indicar os pontos de inicio e término do evento
Assim, de acordo com os parâmetros estabelecidos busca-se sele- térmico, definido no intervalo de 30 a 100 ºC.
cionar espécies de microalgas que apresentem alta produtividade em
ácidos graxos, os quais devem ser preferencialmente uma mistura de Transesterificação direta (TD) da biomassa microalgal e de
ácidos saturados e monoinsaturados, com reduzido teor de ácidos com farelo de soja
duas ou mais duplas ligações, o que leva à obtenção de biodiesel com
alta estabilidade oxidativa e adequada propriedade de congelamento. O rendimento e a análise do perfil de ésteres metílicos de ácidos
Este trabalho teve como objetivo avaliar a adequabilidade de graxos foram obtidos segundo método de Hartman e Lago adaptado
espécies de microalgas dulcícolas como matéria-prima graxa para a para microescala.24
produção de biodiesel. Foram estudadas 6 taxa de microalgas dulcí- Inicialmente realizou-se o preparo de uma mistura esterificante, a
colas oriundas da Coleção de Culturas de Microalgas de Água Doce qual foi utilizada no decorrer do processo de transesterificação. Para
da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). O potencial das isso, adicionaram-se 2,0 g de cloreto de amônio (Merck®) a 60 mL
espécies foi avaliado em relação ao rendimento e à composição de de metanol (Tedia®) seguido pela adição de 3,0 mL de ácido sulfúrico
ésteres metílicos de ácidos graxos através da transesterificação direta concentrado (Merck®). A mistura, contida em balão de fundo redondo
da biomassa microalgal. adaptado a um condensador, foi mantida em refluxo sob agitação por
15 min. O reagente obtido foi então estocado em balão volumétrico
PARTE EXPERIMENTAL de 100 mL com tampa de vidro.
Posteriormente, em um tudo de ensaio autoclavável de 20 mL,
Microalgas dulcícolas pesou-se cerca de 200,0 mg da biomassa de microalgas. A seguir,
adicionaram-se 3,0 mL de solução 0,5 mol L-1 de hidróxido de sódio
Foram utilizadas as seguintes microalgas dulcícolas: Choricystis (Merck®) em metanol seco (Tedia®) e aqueceu-se o tubo de ensaio
sp A e B (Chlorellaceae, Chlorococcales), isoladas do Rio Madeira por 10 min em banho-maria a 90 ºC. Resfriou-se o tubo de ensaio em
(RO); Kirchneriella lunaris (Selenastraceae, Chlorococcales), isolada banho de gelo e adicionaram-se 9,0 mL da mistura esterificante pre-
de um chafariz na cidade de São Carlos (SP); Kirchneriella irregularis viamente preparada segundo o procedimento descrito anteriormente.
(Selenastraceae, Chlorococcales), isolada de um lago de jardim na Aqueceu-se novamente o tubo de ensaio por 10 min em banho-maria a
Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade 90 ºC. Resfriou-se o tubo de ensaio em banho de gelo e adicionaram-se
de São Paulo (ESALQ-USP - Piracicaba, SP); Monoraphidium 5,0 mL de n-heptano (Tedia®) e 2,0 mL de água destilada. Agitou-se
komarkovae (Selenastraceae, Chlorococcales), isolada do Pantanal o tubo de ensaio algumas vezes e colocou-se o sistema em repouso
Matogrossense (MT) e Tetranephris brasiliensis (Dictyosphaeriaceae, até a separação de fases. A fase heptânica foi coletada com pipeta
Chlorococcales), isolada da Represa de Guarapiranga (SP). tipo Pasteur e analisada por cromatografia gasosa.
A identificação foi feita segundo critérios diacríticos descritos Para o cálculo do teor de éster da biomassa microalgal retirou-se
por Hindák.18-20 1 mL da fase heptânica, obtida via TD, e transferiu-se para frasco
Eppendorf® previamente pesado. As amostras foram deixadas em
Cultivos dessecador para evaporação do solvente até a massa de FAME atingir
peso constante. O teor de éster de cada microalga foi obtido pela rela-
Após o isolamento com procedimentos mecânicos,21 as espécies ção entre a massa de FAME no frasco Eppendorf® e a massa inicial da
foram cultivadas em frascos pirex de 2 L de capacidade com 1,8 L biomassa utilizada no procedimento de TD. Neste cálculo subtraiu-se
de meio WC,22 sob intensidade luminosa de aproximadamente 300 da massa inicial (cerca de 200 mg) a massa de água contida na mi-
µmol fótons m-2 s-1, fornecida por tubos fluorescentes de 40 W em croalga, a qual foi determinada por análise termogravimétrica (TG).
fotoperíodo de 12:12 h, e temperatura de 23 ± 1 ºC. Os cultivos foram O procedimento de TD também foi adotado para a determinação
feitos com borbulhamento de ar enriquecido com 4% de CO2 a uma do teor de ésteres em grãos de soja previamente triturados e secos
vazão de 0,1 L min-1. em estufa.
No final da fase exponencial do crescimento, as células foram
retiradas do meio de cultura através de filtração tangencial em car- Análise cromatográfica dos FAME
tucho de fibra oca. Posteriormente as amostras foram congeladas
em nitrogênio líquido e, em seguida, submetidas à liofilização. Os Para análise da composição de FAME e cálculo do teor de éster foi
volumes de cultivo usados para liofilização e as massas de microalgas utilizado um cromatógrafo a gás Agilent 7890, equipado com detector
12 Menezes et al. Quim. Nova

FID e injetor split/splitless. A coluna capilar utilizada foi a DB-WAX Vale observar que, para a produção de biodiesel, atualmente se
(30 m x 0,25 mm x 0,25 µm). O forno operou sob temperatura inicial busca atingir elevada produção de óleo a partir de microalgas e, desta
de 70 ºC, sendo aquecido a 10 ºC min-1 até 240 ºC, e mantido nesta forma, conforme já mencionado, taxa marinhos são os mais comu-
temperatura por 13 min, sendo novamente aquecido a 5 ºC min-1 até mente estudados, pois apresentam teores de óleos que podem variar
250 ºC. O injetor foi mantido à temperatura de 310 ºC, com volume em média de 20 a 50% (porcentagem de óleo por biomassa seca),
de injeção de 2 µL, no modo split, com razão de split de 10:1. A como o que ocorre em espécies dos gêneros Dunaliella, Chlorella,
temperatura do detector FID foi mantida a 310 ºC. Hidrogênio 5,0 Tetraselmis, Neochloris, dentre outros.26 Entretanto, os métodos apli-
foi utilizado como gás de arraste à velocidade linear de 42 cm s-1 e cados de determinação da quantidade de óleo são bastante diversos e,
nitrogênio 5,0 foi usado como gás auxiliar a 20 mL min-1. devido ao uso de solventes apolares e à alta quantidade de pigmentos
Os FAME foram identificados pela comparação direta com amos- lipofílicos existentes nessas amostras, elevados teores de óleos nem
tras de composição conhecida, tais como o óleo de soja, amendoim e sempre correspondem a elevados rendimentos em ésteres. Assim
crambre, pela análise de padrões de referência de FAME (Nu-Check sendo, para avaliar a potencialidade para a produção de biodiesel
Prep®) e por análises via cromatografia gasosa de alta resolução torna-se necessário avaliar o rendimento em ésteres, o que é obtido
acoplada à espectrometria de massas (GC-MS), usando cromatógrafo pela transesterificação direta da biomassa microalgal.
a gás modelo Shimadzu 17A acoplado a espectrômetro de massas Pela transesterificação direta da biomassa das espécies,
QP-5050 Shimadzu, com interface a 280 oC. O gás de arraste utili- Choricystis sp. (A) foi a microalga que proporcionou o maior rendi-
zado nos ensaios foi o hélio 5,0 à velocidade linear de 42 cm s-1. As mento em ésteres metílicos de ácidos graxos, correspondendo a 422,9
condições operacionais para forno, injetor e coluna capilar foram as mg de ésteres por grama de biomassa seca, o que é 115% maior do
mesmas utilizadas para HRGC-FID. que o proporcionado pela soja (196,9 mg de ésteres por grama de
biomassa seca), a qual é a oleaginosa mais utilizada para produção
RESULTADOS E DISCUSSÃO de biodiesel no Brasil. Neste sentido, todas as microalgas estudadas
(Choricystis sp. (A), Choricystis sp. (B), Monoraphidium komarko-
Determinação do teor de água na biomassa microalgal vae, Kirchneriella lunaris, Kirchneriella irregularis e Tetranephris
brasiliensis) apresentaram teores de ésteres maiores que o obtido
A análise termogravimétrica das amostras de microalgas, exem- para a soja (Figura 2).
plificada na Figura 1, demonstra que os processos de liofilização
e armazenamento sob refrigeração fazem com que essas amostras
apresentem baixos teores de água, os quais corresponderam a 1,78%
em Kirchneriella lunaris, 2,36% em Kirchneriella irregularis, 2,38%
em Monoraphidium komarkovae, 2,56% em Tetranephris brasiliensis,
2,85% em Choricystis sp. (A) e 3,93% em Choricystis sp. (B). Esses
valores foram utilizados na determinação da quantidade de biomassa
seca utilizada no cálculo do teor de éster em cada microalga.

Figura 2. Rendimento em ésteres a partir da biomassa das microalgas


dulcícolas

Ressalta-se que o rendimento em ésteres de Choricystis sp. (A)


é aproximadamente 68% maior que o da microalga Choricystis sp.
(B) que, apesar de ser de mesmo gênero, gerou 252,2 mg de ésteres
Figura 1. Análise termogravimétrica da biomassa da microalga dulcícola por grama de biomassa seca.
Chroricystis sp. (B) De acordo com os dados da Tabela 1, os ácidos graxos comu-
mente encontrados em todas as microalgas foram: mirístico (C14:0),
Composição de ácidos graxos palmítico (C16:0), palmitoleico (C16:1 cis9), hexadecenoico (C16:1
cis11), hexadecadienoico (C16:2 cis7, cis10); heptadecenoico
A transesterificação direta da biomassa microalgal apresentou (C:17:1 cis9), esteárico (C18:0), oleico (C18:1 cis9), vacênico
como vantagens a eliminação das etapas de extração e purificação (C18:1 cis11) e linoleico (C18:2 cis9, cis12). Entre esses se destaca
do óleo,25 reduzindo o custo de produção e o tempo de reação. Além a presença em grande quantidade do ácido graxo palmítico que, nas
disso, todos os ácidos graxos – mesmo aqueles contidos em compos- microalgas estudadas, apresentou participação percentual variando
tos minoritários com extremidade polar (como os lipídios ligados às de 24,7 a 35,6% da composição total de FAME. Destaca-se ainda
proteínas), que normalmente não compõem um extrato oleoso – são a variação percentual do teor de ácido oleico nas microalgas estu-
convertidos a ésteres de ácidos graxos, o que maximiza a quantidade dadas, para o qual o menor teor encontrado foi de 2,1% e o maior
de biodiesel obtida a partir da biomassa microalgal. atingiu o patamar de 46%.
Vol. 36, No. 1 Avaliação da potencialidade de microalgas dulcícolas 13

Tabela 1. Composição percentual dos ácidos graxos encontrados nas microalgas dulcícolas

Composição para cada microalga (%)


Ácidos graxos
Mk Tb Ki CA CB Kl
C6:0 - - - - - 0,7
C8:0 - - - - - 0,9
C10:0 - - - 0,5 3,0 0,9
C12:0 - - - 0,5 0,8 0,5
M (C14:0) 0,2 0,2 0,3 5,9 6,4 22,5
Mo (C14:1 cis9) 0,2 0,2 - 3,1 2,6 1,1
Pt (C15:0) - - - 1,5 1,6 1,1
C15:1 cis9 0,2 - - 0,6 0,6 0,4
P (C16:0) 26,2 30,5 27,7 28,1 37,1 24,7
C16:1 cis7 0,2 0,3 - 2,4 0,5 2,3
Po (C16:1 cis9) 0,2 0,4 0,7 10,2 4,3 27,8
C16:1 cis11 0,2 0,3 0,3 0,6 0,7 2,8
C16:2 cis7,cis10 0,9 0,6 1,2 1,3 0,8 1,1
C16:3 cis4, cis7, cis10 - - 2,9 - 1,0 -
Mg (C17:0) 0,5 - 0,6 1,1 1,1 1,3
C17:1 cis9 1,0 1,3 0,9 2,4 0,7 2,0
C17:3 cis4, cis7, cis10 1,8 3,2 - - - 0,3
S (C18:0) 1,8 3,7 3,2 4,7 7,1 1,3
C18:1 cis7 - - - 1,0 2,4 1,2
O (C18:1 cis9) 40,6 33,8 46,0 12,7 5,2 2,1
V (C18:1 cis11) 0,4 0,5 0,3 5,1 2,5 1,6
L (C18:2 cis9,cis12) 7,2 11,0 2,8 6,8 1,6 1,8
γ-Ln (C18:3 cis6, cis9,cis12) 0,2 - - 0,5 0,3 0,3
Ln (C18:3 cis 9,cis 12,cis 15) 12,7 12,4 10,4 3,4 1,9 -
C18:4 cis6, cis9, cis12, cis15 3,8 1,6 2,7 0,4 - -
C19:0 - - - 1,2 1,1 -
C19:1 cis9 1,4 - - 0,9 3,2 -
C20:0 - - - 1,2 3,9 -
AA (C20:4 cis5, cis8, cis11, cis14) - - - 1,0 - -
EPA (C20:5 cis5, cis8, cis11, cis14, cis17) 0,3 - - 2,9 9,6 1,3
Saturados (SFA) 28,7 34,4 31,8 44,7 62,1 53,9
Insaturados (UFA) 71,3 65,6 68,2 55,3 37,9 46,1
Monoinsaturados (MUFA) 44,4 36,8 48,2 39,0 22,7 41,3
Di-insaturados (DUFA) 8,1 11,6 4,0 8,1 2,4 2,9
Tri-insaturados (TUFA) 14,7 15,6 13,3 3,9 3,2 0,6
Poli-insaturados (PUFA) 4,1 1,6 2,7 4,3 9,6 1,3
(Mk): M. komarkovae; (Tb): T. brasiliensis; (Ki): K. irregularis; (CA): Choricystis sp. (A); (CB): Choricystis sp. (B); (Kl): K. lunaris.

A composição de ácidos graxos das microalgas Monoraphidium microalga marinha Dunaliella tertiolecta - apontada como potencial
komarkovae, Tetranephris brasiliensis e Kirchneriella irregularis é matéria-prima graxa para a produção de biodiesel - apresentou teores
caracterizada por elevados teores de ácidos como o palmítico, oleico médios de ácidos graxos saturados (SFA) de 28,8 e de 73,2% para
e linolênico, seguidos pelos ácidos esteárico e linoleico em menores insaturados.14 As insaturações reduzem a viscosidade do biodiesel e
proporções. O perfil de ácidos graxos nestas espécies de microalgas melhoram as propriedades de ponto de entupimento de filtro a filtro.
é composto majoritariamente por ácidos graxos saturados (28,7 a Entretanto, a presença de ácidos graxos insaturados, principalmente
34,4%) e monoinsaturados (34,4 a 36,8%). Além disso, observou-se os PUFA, irá causar baixa estabilidade oxidativa ao biocombustível.27
nestas amostras considerável presença de ácidos graxos com três Adicionalmente aos ácidos graxos mais comuns, foram encontrados
ou mais duplas ligações. A presença considerável de ácidos graxos nessas três espécies a presença de C18:4, como também C19:1 em
com ligações insaturadas também ocorre em microalgas marinhas. A M. komarkovae. A presença desses ácidos também foi identificada
14 Menezes et al. Quim. Nova

em espécies de microalgas dos gêneros Amphora, Chaetoceros, teores de di-, tri- e poli-insaturados.
Chlorella, Dunaliella e Isochrysis.28 A microalga Choricystis sp. (B) apresentou perfil de ácidos
Em Choricystis sp. (A) e (B) também se observou a presença de graxos com maior percentual de ácidos graxos saturados em rela-
C19:1, como também de C19:0. A microalga Choricystis sp. (A) é ção aos insaturados, correspondentes a um teor de 62,1 e 37,9%,
majoritariamente composta pelos ácidos palmítico, palmitoleico e respectivamente. Diante dos efeitos discutidos anteriormente da
oleico (Figura 3). A razão entre o teor de ácidos graxos saturados presença de ácidos graxos saturados nas propriedades do biodiesel e
(44,7%) e monoinsaturados (39,0%) é próxima de 1:1, além de apre- considerando o elevado conteúdo de EPA (9,6%), a aplicação desta
sentar baixo teor de TUFA (3,9%) e PUFA (4,3%). Isso é inferior microalga como fonte alternativa deste ácido essencial apresentará
aos teores de TUFA e PUFA obtidos para microalgas que apresentam maior valor para as indústrias de fármacos e alimentos do que para
potencial como fonte de matéria-prima para a produção de biodie- a produção de biodiesel, pois o EPA é um agente importante para o
sel, tais como Chlorella vulgaris (TUFA=21,2% e PUFA=4,8%), sistema cardiovascular dos seres humanos.30
Dunaliella tertiolecta (TUFA=31,4% e PUFA=10,6%) e Neochloris Avaliando os parâmetros estabelecidos pela norma EN 14214,
oleabundans (TUFA=18,4% e PUFA=9,3%).10 o limite máximo estabelecido para o teor de ácido linolênico ou, no
A predominância dos ácidos oleico e palmitoleico, dentre os caso de microalgas, de ácidos tri-insaturados, é de 12%; e de 1% para
ácidos insaturados de Choricystis sp. (A), e os baixos teores de di, o teor máximo de ácidos graxos com mais de três duplas ligações
tri e poli-insaturados favorecem algumas das propriedades físicas (PUFA). Levando em consideração estas determinações, as microal-
do biodiesel, tais como as de ponto de entupimento e viscosidade. gas M. komarkovae e T. brasiliensis não estão em concordância com
o teor máximo de TUFA. Em relação à quantidade de PUFA, todas as
microalgas apresentaram teores acima de 1%, com destaque para a
microalga K. lunaris, que apresentou teor de 1,3%, o qual é próximo
ao máximo estabelecido pela EN 14214 e similar ao encontrado em
espécies marinhas do gênero Chlorella,28 cuja espécie Chlorella pro-
tothecoids propiciou a obtenção de biodiesel de qualidade adequada.13
Entretanto, no Brasil a normatização da ANP não estabelece limites
máximos para teores de ácidos tri- e poli-insaturados.31

CONCLUSÕES

Levando em consideração a produção de biodiesel, o rendimen-


to da conversão de lipídios em ésteres é de extrema importância
para assegurar a rentabilidade do processo. Neste sentido, dentre
as microalgas dulcícolas analisadas a Choricystis sp. (A) foi a que
apresentou melhor rendimento na obtenção de ésteres metílicos de
ácidos graxos, sendo este 115% superior ao apresentado pela soja.
Ademais, todas as 6 espécies de microalgas estudadas forneceram
Figura 3. Cromatograma apresentando os principais ácidos graxos da mi- teores de ésteres de ácidos graxos superiores ao fornecido pela soja
croalga dulcícola Choricystis sp. (A) via transesterificação direta da biomassa.
A microalga Choricystis sp. (A) também apresentou proporção
A propriedade de índice de cetano, que mede a qualidade da com- adequada entre ácidos graxos saturados e monoinsaturados, e teores
bustão, está relacionada com a velocidade de ignição. Um alto índice de ácidos graxos tri- e poli-insaturados inferiores a muitas micro-
de cetano indica bom funcionamento do motor, com minimização da algas marinhas apontadas como potenciais matérias-primas para a
quantidade de poluentes emitidos. Esta propriedade é influenciada produção de biodiesel.
pelo grau de saturação e comprimento da cadeia carbônica. Um bio- Desta forma, a microalga dulcícola Choricystis sp. (A), por
diesel composto por ésteres de ácidos graxos saturados e de cadeia apresentar elevados rendimentos em ésteres e adequada composi-
longa apresentará alto índice de cetano, o que favorece a qualidade do ção de ácidos graxos, demonstra potencialidade para ser utilizada
biocombustível.29 Portanto, os biodieseis das microalgas Kirchneriella como fonte de matéria-prima para a produção de biodiesel, o que é
lunaris e Choricystis sp. (A) e (B) apresentarão maiores índices de importante para a interiorização da produção desse biocombustível
cetano comparativamente aos de M. komarkovae, T. brasiliensis e K. a partir de microalgas.
irregularis, por demonstrarem maior presença de ácidos saturados
de cadeia média. AGRADECIMENTOS
A microalga K. lunaris é caracterizada por ácidos graxos de cadeia
curta a média, sendo que dentre esses últimos se destacam princi- Ao Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação (MCTI) ao apoio
palmente os ácidos mirístico, palmítico e palmitoleico. Observa-se financeiro concedido por meio da FINEP (Convênio nº 01.10.0457.00)
que esta microalga é composta por baixos teores dos ácidos caproico e do CNPq (Processo nº 574796/2008-8), à CAPES pela bolsa
(0,7%) e caprílico (0,9%), os quais não foram observados nas demais concedida a A. T. Soares, ao CNPq pela bolsa concedida para N. R.
amostras. Desta forma, espera-se que o biodiesel da microalga K. Antoniosi Filho (Produtividade em Pesquisa, Processo 309832/2010-
lunaris apresente menor ponto de fulgor do que o das demais amos- 1) e à FUNAPE pela administração dos recursos financeiros.
tras, o que é prejudicial em termos de segurança, devido a maior
inflamabilidade. Ainda com relação à microalga K. lunaris, o teor REFERÊNCIAS
total de saturados em relação aos demais ácidos corresponde a 53,9%,
o que favorecerá a estabilidade oxidativa do biocombustível. Assim 1. Ferrari, R. A.; Oliveira, V. S.; Scabio, A.; Quim. Nova 2005, 28, 19.
como em Choricystis sp. (A), em K. lunaris verificou-se uma razão 2. Suarez, P. A. Z.; Santos, A. L. F.; Rodrigues, J. P.; Alves, M. B.; Quim.
entre teores de saturados e insaturados próxima de 1:1, com baixos Nova 2009, 32, 768.
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