Improvisacao Sobre Eternamente A Importa

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CÉSAR DE ALMEIDA BRAGA

IMPROVISAÇÃO SOBRE “ETERNAMENTE”: A


IMPORTÂNCIA DO CONHECIMENTO TEÓRICO

Monografia apresentada à Universidade Vale


do Rio Verde – UNINCOR como parte das
exigências do Programa de Pós-graduação
Lato Sensu, área de concentração Música, para
obtenção de título de Especialista em “Teoria
e Prática da Interpretação Musical:
Improvisação - piano”

Orientador Prof. Ms. Álvaro Borges.

Três Corações
2008
Aos meus irmãos Célio, Maísa e Viviane; meus pais Aparício e Edilamar;
À minha amada esposa, Débora.
DEDICO
AGRADECIMENTOS

A Deus, por traçar meus caminhos, levando-me por onde Ele quer.
Aos meus pais Aparício e Edilamar, arqueiros de mim, pela ajuda financeira, afetiva, moral,
sem a qual, não teria ingressado neste curso.
À minha querida e amada esposa Débora pelas noites solitárias, pela paciência, pelos
“ouvidos” incansáveis, pelo amor incondicional.
Aos meus irmãos Célio e Maísa e Viviane, meu fã-clube pessoal, pelo crédito incondicional.
Ao orientador, Ms. Álvaro Borges pelos incentivos, pela paciência, pelos grandes e
inesquecíveis ensinamentos, pela mui prezada amizade e pela brilhante orientação.
Ao professor Lúcio Gomes pelas aulas incansáveis, pelas correções imprescindíveis, pela
grandiloqüência, refinamento e maestria em suas aulas de arranjo e improvisação.
Ao Ms. Fernando Pacheco pela recepção de braços abertos a esta Universidade, pelas
excelentes aulas de harmonia e improvisação e pelas estórias e conversas que fizeram a
diferença e pela correção da análise de “Eternamente”.
Aos amigos Maurílio, Vivian, Ricardo, Ed Wilson, Taciana, Adercângelo, Pachequinho,
Cloércio, Henrique e Fabrício, grandes músicos e professores, pelo convívio durante o curso,
por me receberem em sua roda de amigos, por terem me ensinado tanto e pela amizade
infinda.
Aos colegas do Conservatório Municipal de Patos de Minas e amigos Ivan Rosa, Alcino
“Castor” Dias, Anísio Dias, Wellik Soares, Wilmar Carvallho e demais professores do
Conservatório Municipal de Patos de Minas pelas “tocadas” e sessões de aprendizado prático,
motivo primário desta monografia e pela amizade mais que sincera.
À Dona Rita, pela exortação excelente, pelo apoio na busca do conhecimento, pelo carinho,
pelas conversas, pela amizade e receptividade.
Ao músico André Mehmari pelos e-mails, sempre muito atencioso e paciente, pela grandiosa
obra que vem desenvolvendo, inspirando ouvintes e músicos e pelo empréstimo de sua linda
valsa “Eternamente”.
À Universidade Vale do Rio Verde (UNINCOR) por oferecer um curso tão raro em nosso
país, com qualidade, excelência e competência.
A todos que direta ou indiretamente fizeram parte deste trabalho e de meu êxito profissional.
“Tudo quanto te vier às mãos, faze-o conforme as tuas forças, porque
no além para onde tu vais, não há obra, nem projetos, nem
conhecimento, nem sabedoria”.

Salomão
SUMÁRIO

LISTA DE FIGURAS ........................................................................................................ 8


LISTA DE QUADROS ...................................................................................................... 10
RESUMO ............................................................................................................................ 11
ABSTRACT ....................................................................................................................... 12
INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 13
OBJETIVOS ...................................................................................................................... 16
1 BREVE TEORIA DA IMPROVISAÇÃO .................................................................... 17
1.1 A Improvisação no Bebop ........................................................................................... 17
1.2 Subsídios para a improvisação ................................................................................... 18
1.2.1 Intelecto e intuição .................................................................................................... 18
1.2.2 Melodia e harmonia .................................................................................................. 20
1.3 Análise harmônica ....................................................................................................... 22
1.3.1 Campo harmônico maior ......................................................................................... 22
1.3.2 Inversão e falsa inversão .......................................................................................... 24
1.3.3 Funções e encadeamentos ........................................................................................ 25
1.3.4 Cadência II-V-I ......................................................................................................... 27
1.3.5 Escala do acorde e suas opções ................................................................................ 28
1.3.6 Acordes fora do tom ................................................................................................. 33
1.4 Prática ........................................................................................................................... 35
1.4.1 A escala sob uma nova visão .................................................................................... 35
1.4.2 Escalas flexíveis ......................................................................................................... 36
1.4.3 Conexão de escalas.................................................................................................... 37
2 MATERIAIS E MÉTODOS .......................................................................................... 39
2.1 O tema “Eternamente” ............................................................................................... 39
2.2 Análise de “Eternamente” .......................................................................................... 41
2.3 Improviso sobre “Eternamente” ................................................................................ 45
3 RESULTADOS ............................................................................................................... 46
3.1 Resultado da análise da transcrição do primeiro take ............................................. 46
3.2 Resultado da análise da transcrição do segundo take .............................................. 50
4 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS .............................................................................. 55
5 CONCLUSÃO ................................................................................................................ 56
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................... 57
ANEXO ............................................................................................................................... 58
8

LISTA DE FIGURAS

Página

Exemplos da escala de Fá mixolídio sem e com nota


17
FIGURA 1 cromática adicionada...........................................................
Exemplos da escala de Dó maior, as tríades construídas
sobre as notas da escala, suas cifras e análise de
23
FIGURA 2 graus.....................................................................................
Tétrades construídas sobre as notas da escala maior, cifras
23
FIGURA 3 e análise de graus.................................................................

24
FIGURA 4 Inversões de acorde e notação de baixo cifrado..................

24
FIGURA 5 Inversões de acorde e notação de cifragem moderna..........

26
FIGURA 6 Funções primárias subdominante, dominante e tônica........

Funções primárias subdominante, dominante e tônica;


26
FIGURA 7 secundárias relativas e anti-relativas...................................
Exemplo da resolução pelo quinto grau, análise de graus e
27
FIGURA 8 seta sobre V-I.......................................................................
Exemplo de cadência com II seqüencial e resolução pelo
quinto grau, análise de graus, colchete sob II-V e seta
27
FIGURA 9 sobre V-I..............................................................................

Modos da escala maior. Dó Jônio, Ré Dórico, Mi Frígio,


29
FIGURA 10 Fá Lídio, Sol Mixolídio, Lá Eólio e Si Lócrio.....................
Notas do acorde de lá maior com sétima de dominante
30
FIGURA 11 (A7)......................................................................................
Tétrade do acorde de lá maior com sétima de dominante
acrescida das notas de tensão nona, décima primeira e
31
FIGURA 12 décima terceira.....................................................................

Escala do acorde de lá maior com sétima de dominante


31
FIGURA 13 com notas de tensão incorporadas.......................................

33
FIGURA 14 Exemplo de acorde de empréstimo modal em dó menor.....
34
FIGURA 15 Modulações possíveis. ........................................................

35
FIGURA 16 Modulações passageiras para ré maior e si maior...............
9

36
FIGURA 17 Exercício de escala flexível – primeiro passo. Mi Lídio.....

37
FIGURA 18 Exercício de escala flexível – segundo passo. Dó Jônio.....

37
FIGURA 19 Exercício de escala flexível – terceiro passo. Dó Jônio......
38
FIGURA 20 Conexão de escalas..............................................................
38
FIGURA 21 Conexão de escalas com cromatismo..................................
40
FIGURA 22 Partitura de “Eternamente” .................................................

FIGURA 23 Análise da parte A de “Eternamente”.................................. 41


42
FIGURA 24 Análise dos compassos dezessete ao vinte..........................
43
FIGURA 25 Análise dos compassos 21 ao 24.........................................
44
FIGURA 26 Análise da parte final da música..........................................
Transcrição do improviso do primeiro take, compassos
46
FIGURA 27 um a doze.............................................................................
Transcrição do improviso do primeiro take, compassos
47
FIGURA 28 treze a dezesseis...................................................................
Transcrição do improviso do primeiro take, compassos
47
FIGURA 29 dezessete a vinte..................................................................
Transcrição do improviso do primeiro take, compassos 21
48
FIGURA 30 a 24......................................................................................
Transcrição do improviso do primeiro take, compassos 25
48
FIGURA 31 a 28......................................................................................
Transcrição do improviso do primeiro take, compassos 29
49
FIGURA 32 a 40......................................................................................
Transcrição do improviso do segundo take, compassos um
51
FIGURA 33 a vinte..................................................................................
Transcrição do improviso do segundo take, compassos 21
52
FIGURA 34 a 24......................................................................................
Transcrição do improviso do segundo take, compassos 25
53
FIGURA 35 a 28......................................................................................
Transcrição do improviso do segundo take, compassos 29
53
FIGURA 36 a 31......................................................................................
Transcrição do improviso do segundo take, compassos 32
54
FIGURA 37 a 40......................................................................................
10

LISTA DE QUADROS

Página
Exemplo de música com o emprego de harmonia com
modulações passageiras e modos diferentes sobre a
QUADRO 1 mesma fundamental............................................................. 21
Exemplo de música com o emprego de harmonia
QUADRO 2 unimodal, unitonal............................................................... 21
Exemplo de música com o emprego de harmonia unitonal,
QUADRO 3 polimodal............................................................................. 21
Exemplo de música com o emprego de harmonia
QUADRO 4 unimodal, politonal.............................................................. 21
Exemplo de música com o emprego de harmonia
QUADRO 5 polimodal, politonal............................................................. 21

QUADRO 6 Notas a evitar....................................................................... 32


11

RESUMO
BRAGA, César de Almeida. Improvisação sobre “Eternamente”: A importância do
conhecimento teórico. 2008. 63 p. (Monografia – Especialização em Teoria e Prática da
Interpretação Musical: Performance em Improvisação). Universidade Vale do Rio Verde –
UNINCOR – Três Corações - MG

Este trabalho de pesquisa propõe uma reflexão sobre a importância do conhecimento teórico
para a improvisação. “Eternamente”, canção de cunho lírico-jazzístico, é o objeto primário
deste estudo. Trata-se de uma canção aparentemente fácil, com duas partes bem definidas:
primeira apresentando harmonia tonal com um empréstimo modal e segunda parte com
harmonia complexa, mais difícil para improvisar. A inquietação surgiu quando se improvisou
nesta parte, causando embaraço e desconforto. Em hipótese, uma análise harmônica com vias
para escolha de escalas e prática com exercícios de escalas flexíveis e conexão de escalas
podem resolver o problema. Após a análise, foram gravados alguns takes com improvisações
sobre o tema, na medida em que ia se praticando os exercícios para fixação e dois deles foram
aproveitados, o primeiro e o último. Os mesmos foram transcritos para partitura e analisados
para resultados. Verificou-se uma melhora na sonoridade da improvisação em questão e
confirmada a hipótese de que o estudo da parte teórica – Harmonia – e exercícios de fixação
poderão auxiliar o músico a desfrutar seu lirismo e aproximar-se de um modelo de
improvisação mais ligado à expressão artística.


Prof. Ms. Álvaro Borges – UNINCOR (Orientador)
12

ABSTRACT
BRAGA, César de Almeida. Improvisation over “Eternamente”: The importance of the
theoretical knowledge. 2008. 63 p. (Monograph – Specialization in Musical Interpretation
Theory and Practice: Improvisation Performance). Universidade Vale do Rio Verde –
UNINCOR – Três Corações - MG

This research work proposes a reflection on the importance of the theoretical knowledge for
improvisation. “Eternamente”, a lyric-Jazz song, is the subject of this study. This song is
apparently easy, with two well-defined parts: A first one presenting tonal harmony with some
modalism, and a second part with complex harmony, harder to improvise. The disquieting
came out when one improvised on this part, causing uneasiness, embarrass and discomfort.
Hypothetically, harmonic analysis towards scale choice, flexible scale practice and scale
connection can put and end to this problem. After the analysis, takes with improvisation on
the theme were recorded along with practice on scale connection and two out of them were
taken, the first and the last ones. Both were transcribed to the score sheet and analyzed for
results. An improvement was noticed in improvising related here and confirmed the
hypothesis that the study on theory – Harmony – and memorizing exercices will help
musicians enjoy their lirism and become closer to a more artistic and expressive improvisation
fashion.


Professor. Ms. Álvaro Borges – UNINCOR (Major Professor).
13

INTRODUÇÃO

A improvisação é um recurso com o qual o músico desenvolve o processo criativo,


tecendo melodias sobre canções ou temas, utilizando técnica, linguagem, combinando
material novo e velho para sua feitura. Em outras palavras, é uma composição instantânea em
que se espera que o músico respeite certas exigências e se adapte a elas. Algumas dessas
exigências são: Competência técnica instrumental stricto sensu, ampla memória auditiva, bom
domínio do estilo de época, rítmicas, fraseado, conhecimento de harmonia, criatividade e
originalidade. Há músicos que se capacitam tecnicamente para improvisar cada vez melhor no
que se diz respeito ao domínio de instrumento, conhecendo-o plenamente: São capazes de
tocar frases rápidas, subir e descer escalas em andamentos acelerados. São ritmicamente
precisos, possuem boa articulação. No entanto, soam inseguros, desajeitados ou perdidos ao
improvisar em algumas músicas que são aparentemente simples. É o caso de “Eternamente”
do pianista e compositor André Mehmari, em que pode ocorrer desconforto e embaraço ao
improvisar sobre seu tema, mesmo contendo forte teor melódico e natureza lírica, o que pode
e deve inspirar o improvisador.
A obra em questão apresenta algumas dificuldades que a tornam difícil de ser
compreendida à primeira vista para o improvisador. O resultado é justamente o embaraço,
desajeito e escolhas pobres na composição do solo instantâneo. Será que um músico possuidor
de competência instrumental adequada poderá improvisar em tal tema se tiver bom
conhecimento teórico, mesmo que queira tocar “notas erradas” por opção artística? Será que o
mesmo libera o artista para desfrutar seu lirismo e criatividade? É bastante comum ouvir
improvisadores tocando frases com notas de escolha pobre e isso parece demonstrar falta de
conhecimento teórico e não consciência de seu infortúnio. Acreditamos que a análise possa
dar fim a este problema. Na tentativa de ajudar os músicos que se encaixem nesse perfil,
propomos pesquisa, para demonstrar a importância do conhecimento teórico, sobre tudo, da
harmonia. O objetivo dessa pesquisa, portanto será verificar recursos e subsídios que podem
ser adquiridos através do estudo teórico para a prática da improvisação.
A harmonia é o acompanhamento da melodia, e o improviso se submete à
harmonia, pois a sobrevém. Segundo Bouchard (2000, p.1) “[...] neste caso, eles tocam ‘de
ouvido’ e geralmente não sabem, na teoria, o que está acontecendo e, portanto, têm que
esperar que o melhor aconteça”. Não basta somente ter capacitação auditiva e técnica, mas é
14

necessário entender o que está acontecendo teoricamente na música. Quanto ao elemento


musical aplicado à improvisação, harmonia, Bouchard observa que:
É imprescindível desenvolver a habilidade de entender o que está de fato
acontecendo, harmonicamente, se você quiser fazer uma afirmação melódica
improvisada coerente e lógica. (BOUCHARD, 2000, p.7)

Entender teoricamente a harmonia de uma música, basicamente, implica em saber


o tom e a escala, compreender o encadeamento harmônico, compreender a relação dos
acordes com o tom, saber a função dos acordes, conhecer as escalas dos acordes e sua relação
com a melodia e saber a forma da peça.
Esses conceitos habilitam o improvisador com recursos que o ajudarão a
transformar suas idéias em material físico, em música, mesmo que estas soem “notas erradas”.
Uma nota isolada em qualquer freqüência jamais soará errada ou mesmo desafinada. Mas, em
havendo ponto de referência, as dissonâncias podem ser claramente identificadas. Os
conceitos “consonância” e “dissonâncias” são advindos do julgamento do ouvido. À medida
que a harmonia ganha novos rumos, ele vai mudando esses conceitos (SCHOENBERG,
1922/1949/1999). Ressaltamos as “notas evitadas” que ora são notas de ausência de uma
função, de choque harmônico ou, em certos casos, notas fora da escala do tom: são
consideradas escolhas pobres quando são enfatizadas (GUEST, 2006). Não é certo se
doutrinar de notas “permitidas” ou “proibidas”, mas equipar-se para as escolhas que fará.
Desprezar o estudo teórico por justificativas tais como “Não existem notas erradas: qualquer
nota serve no improviso” é um equívoco. O Improvisador deve tocar com total consciência do
que faz. Daí a importância do conhecimento teórico. Quando o improvisador faz o estudo da
peça, se prepara tecnicamente e adquire a consciência para se adaptar à improvisação sobre
ela: seu improviso soa seguro. A segurança traz a liberdade para criar e então inovar e
transcender os limites da técnica e da teoria.
Para investigar essa hipótese, será feita a análise harmônica da partitura da música1
de acordo com as técnicas descritas por Guest (2006). Depois de identificados os acordes,
passaremos à escolha de suas respectivas escalas. Essa abordagem dá a base para a
composição de melodias que não contenham choques harmônicos ou escolhas pobres.
No entanto, somente a teoria não faz com que o músico esteja apto para o processo
criativo. Esta teoria precisa ser colocada em prática. Por isso, acreditamos que a prática da

1
Análise da partitura editada, sem a levar em conta a crítica genética.
15

conexão de escalas descrita por Halberstadt (2001, p.45) e outros pode ser um exercício útil
para a fixação da matéria. Essa prática consiste em tocar as escalas continuadamente com
rítmica fixa, ligando-as à medida que seus respectivos acordes vão mudando na peça. Há
ainda, outros recursos práticos para o treino de escalas, os quais serão introduzimos mais
adiante, em momento oportuno.
Vários takes serão gravados para verificarmos a evolução do improviso, que serão
transcritos para pauta e analisados quantitativamente: se houve o uso adequado das notas das
escalas de acordes, e qualitativamente: se o improviso soou conforme descrevemos acima.
Após o período de análise harmônica da obra, confecção do improviso e
transcrição, espera-se adquirir experiência com a improvisação e o uso destes recursos. Como
resultado, melhorar a improvisação, sem exageros rítmicos ou deficiências técnicas, sanando
o problema de desconforto e embaraço, liberando o ser artístico, tornando-o suscetível à arte.
Com isso, ajudar à comunidade musical local, sugerindo essa solução a improvisadores
intermediários e profissionais, levando-os a compreender a importância imperiosa de se
equiparem plenamente para esta empreitada, libertando o eu artístico com madureza e
consciência.
16

OBJETIVOS

Descrever algumas características da improvisação através de levantamento


bibliográfico para propor um modelo teórico e técnicas de treinamento.
Aplicar a metodologia de análise harmônica e exercícios práticos sobre o tema
“Eternamente” com vias à improvisação.
Gravar improvisações antes e depois dos procedimentos de aprendizado teórico e
prático para obtenção do objeto de estudo.
Analisar as transcrições dos improvisos para avaliar a proposta metodológica para
o problema, obtendo resultados e propondo um modelo de pragmática da improvisação.
17

1 BREVE TEORIA DA IMPROVISAÇÃO

1.1 A improvisação no Bebop


Existem várias formas de improvisação provenientes de diferentes formas musicais
e estilos de época. Nesse trabalho, no entanto, restringiremos ao uso da melódica, para análise
harmônica. Para isso, descreveremos aqui brevemente algumas características de um estilo
jazzístico interessantes para esta pesquisa.
A partir dos anos 20, músicos de Jazz já tentavam fazer linhas melódicas
improvisadas que soassem mais fluidas, usando escalas e cromatismos para conectar as notas
dos acordes. Nos anos 40, surgiu o estilo Bebop, cujos expoentes eram Charlie Parker e Dizzy
Gillespie, propondo uma forma de improvisação melódica, a qual acabou se tornando a base
para os estilos a seguir. Segundo Baker (1985a), “Nos anos seguintes, a música e seus
músicos não somente permaneceram, mas cresceram em estatura e influência. (...)
virtualmente, todas as vozes em Jazz pagaram tributo a eles e ao novo estilo pioneiro”, se
referindo ao estilo de época, o Bebop e sua influência nos anos seguintes.
Uma das características do estilo é o uso de escalas e cromatismos. Estes músicos
se baseavam em escalas para criar instantaneamente suas frases e usavam licks, que são
fragmentos pré-estabelecidos de uso comum entre diferentes músicos, combinando material
velho e novo. O movimento escalar descendente, o arpejo ascendente e as escalas octatônicas
são amplamente usadas neste estilo. A escala octatônica é composta das mesmas notas da
escala diatônica de sete notas com a adição de uma nota cromática. No caso da escala
dominante, a nota adicionada entre o sétimo grau menor e a fundamental recoloca o ritmo da
escala em compasso quaternário, fazendo com que as notas do acorde (fundamental, terça,
quinta e sétima) caiam sempre nos tempos fortes do compasso (FIGURA 1).

FIGURA 1 Exemplos da escala de Fá mixolídio sem e com nota cromática adicionada.


Fonte: (BAKER, 1985a, p.1)

No primeiro exemplo, as notas nos tempos fortes são fá, ré, si bemol, sol: A
fundamental, sexta, quarta e segunda do acorde de F7. No segundo, fá, mi bemol, dó e lá:
18

Fundamental, sétima, quinta e terça. Agora, a segunda, quarta e sexta se tornam notas de
passagem entre as notas do acorde. Daí se chega à linguagem ou idioma do Bebop.
O ponto aqui foi mostrar a improvisação baseada no movimento escalar e mostrar
a preocupação neste estilo com a escolha de notas mais adequadas. Estes conceitos se tornam
linguagem-base para a improvisação e, segundo Baker, “Há uma lei não-escrita que reza que
o entendimento e a habilidade de funcionar em Bebop representa a base sólida para lidar com
quase todos os outros estilos de Jazz”. Em improvisação jazzística, o músico terá a
consciência dessa linguagem (BAKER, 1985, p.4). Mesmo assim, vários improvisadores não
usam a escala octatônica, mas adotam uma prática escalar a moda deste estilo.
Até aqui, temos como fundamentos de improvisação a composição de melodias
baseadas em escalas e a preocupação com escolha de notas.

1.2 Subsídios para a improvisação


Apesar de constituir em composição instantânea, o músico improvisador deverá se
preparar para essa tarefa. Eis alguns subsídios interessantes para isso segundo Bouchard
(2000, p.3-9).

1.2.1 Intelecto e intuição


Quanto à questão do pensamento na improvisação, há uma analogia interessante
que descreve uma pessoa que passa sua vida sem pensar muito, preferindo viver reagindo aos
eventos, à medida que vão acontecendo. Outros pensam constantemente, tentando antecipar o
que irá acontecer para se prepararem mentalmente e decidirem como responderão a uma
determinada situação. Seria, talvez, a relação entre intelecto e intuição, que em música
estabelece a relação entre o conhecimento teórico e o ouvido com suas reações. A idéia
holística de ambos trabalhando igualitariamente seria o ideal. Segundo Bouchard,
Na verdade, tocar Jazz é uma circunstância onde pensamento e intuição unem-se em
um ponto específico – o momento. O melhor a fazer é preparar-se bastante antes,
para que no momento da verdade (tocar), você tenha consciência do que está
acontecendo ao seu redor musicalmente e, ao mesmo tempo, fazer escolhas e
decisões baseadas em sentimentos e emoções. (BOUCHARD, 2000, p.3)

O pensamento se relaciona ao preparo, à teoria. A intuição, ao momento. Ambos


estão relacionados, pois preparar é, de certa forma, antecipar o momento. A harmonia, ou uma
análise nunca poderá definir um improviso, mas ajuda o músico a se preparar para o
“Momento”. Para exemplificar, Bouchard cita o trompetista Louis Armstrong:
19

Quando você escuta Louis, ficava claro que ele trabalhava de antemão muito do que
ia tocar, e ainda suas performances eram sempre frescas e inovadoras, por causa da
forma como ele respondia no contexto da apresentação, deixando sua intuição e
inspiração trabalharem “por” ele no momento da criação musical. (idem, grifo do
autor)

Aos exemplos práticos. Boa parte do repertório para improvisação em Jazz,


considerado como música para tal é baseada em um conceito bem simples que Bouchard
descreve como Chord-Change, ou seja, “troca de acorde”. Significa improvisar sobre a
harmonia da música, trocando de escala à medida que os acordes mudam, relacionando assim,
escala e acorde. O que se faz é tocar idéias, ou motivos sobre tais acordes, que podem durar
um, dois, quatro ou oito compassos. Se em uma música, por exemplo, temos uma passagem
em C7 por dois compassos, a idéia é criar uma frase usando a escala correspondente que dure,
no máximo, dois compassos, antes de mover para o próximo acorde. O improvisador poderá
então prosseguir e continuar com uma nova idéia, relacionando-a com a anterior, porém
criando intuitivamente no momento. No entanto há uma subtilidade: O bom improvisador
pára sua frase em C7 antes de chegar ao próximo compasso e a conecta a frase dos compassos
seguintes quase imperceptivelmente. Em uma abordagem “menos intelectual”, o músico
estará tocando em C7 e só moverá para o próximo compasso depois de terminar sua frase. Aí
podem ocorrer colisões e choques se a frase não terminar a tempo e estará em um território
desconhecido; poderá ser tarde de mais tentar ligar idéias. Não haverá tempo hábil de se
ajustar à cadência harmônica na peça e conseqüentemente ficará perdido e haverá embaraços.
Para Bouchard (2000, p.4) “(...) se fizer uma preparação cuidadosa, analisando as progressões
de acordes, você verá muitos dos mesmos esquemas harmônicos em músicas que você vai
tocar”. Com o tempo, o músico vai ganhando experiência e reconhecerá cadências típicas com
mais facilidade. Preparamo-nos para antecipar respostas, trabalhando intelectualmente e
tecnicamente para tocar as escalas correspondentes, aumentar o vocabulário, de forma a
termos subsídios para a criação, uma vez que ela se dá em forma de recriação da melodia da
música, por assim dizer. Se o músico tiver que se preocupar de mais com a teoria durante o
momento, não poderá usar sua intuição para aquilo que realmente interessa: Expressão
artística. Vale ressaltar que músicos confiados somente na intuição, no ouvido, poderão ter
problemas harmônicos, ao passo que os que pensam de mais tendem a tocar exageradamente
(somente escalas, sem pausas ou desenvolvimento motívico) porque perdem o controle da
composição melódica.
20

1.2.2 Melodia e harmonia


A melodia é o movimento horizontal em música – notas consecutivas, formando
uma linha. Em improvisação, criamos uma nova melodia para a música, parafraseando,
fazendo improvisação paralela ou saindo completamente fora da forma original e inventando
uma totalmente nova. Podemos ainda mesclar essas duas abordagens, inventando e voltado,
fazendo breves alusões à morfologia da melódica original.
Para começar, a melodia deve ser consonante à harmonia dada ou implícita, sendo
diatônica aos centros tonais da peça (tonalismo expandido). Há a possibilidade de tocar notas
dissonantes à harmonia, mas isso deve ocorrer de forma consciente. O músico deve dominar o
campo harmônico e saber tocar “dentro”, para depois saber tocar “fora”. Quando músicos
inexperientes usam notas fora, raramente transparecem segurança: Soam ao ouvinte “notas
erradas”. Improvisadores experientes não admitem o conceito de notas erradas porque sabem
lidar com qualquer situação que envolva dissonâncias, verdadeiros veteranos no movimento
tensão-resolução. Mas, para intermediários, é necessário permanecer “dentro” da harmonia,
antes de partirem para um modelo de improvisação impressionista, utilizando escalas
exóticas, simétricas, etc.
A harmonia é menos óbvia. É o movimento vertical: notas simultâneas. É mais
fácil ouvir uma melodia e compreendê-la. Sendo assim, é muito difícil improvisar sem saber o
que vai acontecer, sem saber qual a cadência, confiando somente no ouvido. Há dois
agravantes no que diz respeito à composição improvisada “à primeira vista”: A não obviedade
da harmonia e o andamento. Mesmo assim, é possível ter um bom treinamento auditivo para
reconhecer acordes em frações de segundos, acelerando o pensamento e improvisando sem
preparação: Fica evidente que é mais fácil preparar.
Podemos improvisar sobre o centro tonal da peça, o tom da armadura, usando a
escala do tom. Podemos ainda pensar nos modos gregos, que são as escalas que partem de
cada grau da escala, assim como os acordes. No entanto, a harmonia de uma música de
improviso pode não apresentar este sistema, mas sim outros mais rebuscados que não seguem
uma tônica, ou seguem várias ou segue um modo. Novello (1986) descreve cinco ambientes
harmônicos para o que chama de “música modal”:
1) Eixo primário comum – Eixo de freqüência diferente – Modos diferentes.
Nesse ambiente, os acordes da cadência se estabelecem sobre a mesma nota, centros tonais
diferentes e modos diferentes (QUADRO 1).
21

QUADRO 1 Exemplo de música com o emprego de harmonia com modulações passageiras e


modos diferentes sobre a mesma fundamental.
Dó Dórico Dó Frígio Dó Lídio
8 compassos 4 compassos 4 compassos
Tom: Si b Tom: Lá b Tom: Sol
Fonte: (NOVELLO, 1986, p.326)

2) Unimodal, unitonal – Acordes construídos sobre a mesma fundamental, mesmo


tom e mesmo modo (QUADRO 2).
QUADRO 2 Exemplo de música com o emprego de harmonia unimodal, unitonal.
Dó Frígio Dó Frígio Dó Frígio
8 compassos 4 compassos 4 compassos
Tom: Lá b Tom: Lá b Tom: Lá b
Fonte: (idem)

3) Unitonal, polimodal – Cadência de acordes provenientes de diferentes modos


construídos sobre o mesmo centro tonal (QUADRO 3).
QUADRO 3 Exemplo de música com o emprego de harmonia unitonal, polimodal.
Sol mixolídio Ré Dórico Fá Lídio
4 compassos 4 compassos 4 compassos
Tom: Dó Tom: Dó Tom: Dó
Fonte: (NOVELLO, 1986, p.327)

4) Politonal, unimodal – Uma peça que contenha o mesmo acorde construído sobre
o mesmo modo em diferentes tons (QUADRO 4).
QUADRO 4 Exemplo de música com o emprego de harmonia unimodal, politonal.
Dó Frígio Ré Frígio Lá Frígio
4 compassos 4 compassos 4 compassos
Tom: Lá b Tom: Si b Tom: Fá
Fonte: (idem)

5) Politonal, polimodal – Cadência harmônica composta de acordes provenientes


de modos diferentes, sem centro tonal fixo ou único (QUADRO 5).
QUADRO 5 Exemplo de música com o emprego de harmonia polimodal, politonal.
Dó Jônio Ré Lídio Fá Eólio
6 compassos 3 compassos 3 compassos
Tom: Dó Tom: Lá Tom: Lá b
Fonte: (idem)
22

Os dois primeiros quadros se relacionam à música jazzística experimental com


harmonia impressionista, que não é o caso da peça de escolha para esta pesquisa. O terceiro
descreve o tonalismo puro, com o emprego de acordes sobre um mesmo centro tonal. Nesse
caso, a improvisação pode ser feita baseando-se em uma única escala, a diatônica à armadura
de clave, mesmo sobre todos os modos, mas correndo o risco de enfatizar notas de passagem.
Em alguns formatos, faz-se uso da escala pentatônica na improvisação sobre centros tonais. A
escala pentatônica pode ser constituída do primeiro, segundo, terceiro, quinto e sexto grau da
escala maior, evitando o quarto e sétimo. No Blues e até no Jazz insere-se a Blue Note, um
cromatismo entre os graus segundo e o terceiro. Toca-se a escala pentatônica construída
partindo da tônica sobre qualquer acorde dentro do campo harmônico. É amplamente usada e
geralmente é a primeira opção de vários improvisadores.
Esta escala fixa no tom da armadura pode não funcionar quando a harmonia for
aquela descrita nos itens quatro e quinto, que se relacionam mais com um tipo de tonalismo
expandido. Nesse sistema, ainda encontramos a característica básica do tonalismo: Tensão-
resolução por meio da cadência dominante-tônica, mas há “politonalismo”, em que os centros
mudam com freqüência. O repertório para improvisação moderno está repleto de canções
neste sistema. Terá que sair da zona de conforto, em que se improvisava sobre uma harmonia
unitonal para descobrir os outros centros tonais da peça. A ferramenta eficaz para encontrar
estes novos centros e escalas é a análise harmônica, que efetivamente define o tom, o modo e
a função de cada acorde.

1.3 Análise harmônica


Descreveremos a análise harmônica proposta por Guest (2006). Esta se institui em
verificar o tom da armadura, analisar a relação dos acordes com o tom e com os outros
acordes, encontrar empréstimos ou modulações, dizer as funções dos graus para encontrar e
escolher as escalas dos acordes dando base para a confecção do improviso.

1.3.1 Campo harmônico maior


O exemplo dado, em Dó maior, mostra a escala maior, as tríades construídas sobre
cada uma das notas com cifragem indicando a nota da fundamental e qualidade da terça,
maior ou menor e a análise de graus, que se escreve em números romanos (FIGURA 2).
23

FIGURA 2 Exemplos da escala de Dó maior, as tríades construídas sobre as notas da escala,


suas cifras e análise de graus.
Fonte: (GUEST, 2006a, p.41)

O sétimo acorde, por conter terça menor e quinta diminuta, é chamado diminuto e
nota-se com o símbolo “°” como mostra a figura anterior. É também chamado de dominante
sem baixo por conter as mesmas notas do quinto grau, sem a fundamental e com a adição da
nona. O tom-base ou centro tonal da música é ditado pela armadura de clave, não importa as
modulações que contenha. Há de verificar se é tom maior ou menor, o que depende de um
conjunto de fatores. Por exemplo, a predominância de cadência V-I caracteriza tom maior. Se
aparecer freqüentemente cadência III7-VIm na maior parte da música em uma tonalidade com
armadura de clave com e.g. um sustenido e melódica em escala menor, pode-se dizer que está
em mi menor e não sol maior, passado a análise a ser V7-Im.
Para as tétrades construídas sobre as notas da escala, fazemos a análise
acrescentando a sétima na notação (FIGURA 3).

FIGURA 3 Tétrades construídas sobre as notas da escala maior, cifras e análise de graus.
Fonte: (GUEST, 2006a, p.46)

Quando a sétima for menor, colocamos somente o número “7” na análise. Se for
maior, acrescentamos “7M”. O sétimo acorde, por conter quinta diminuta e sétima menor é
notado como tal, tendo entre parênteses a indicação da quinta diminuta. De acordo com
Guest:
Representando as tríades diatônicas em outros tons maiores (outras armaduras),
notaremos que notas e cifras mudam, embora a análise continue a mesma, posto que
a análise representa a estrutura característica de qualquer tom maior. (idem)
24

A estrutura da escala diatônica e o campo harmônico com a disposição de


qualidades são sempre os mesmos em todos os tons. A estrutura mencionada é aquela da
análise de graus. A estrutura intervalar da escala maior é sempre tom, tom, semitom, tom,
tom, tom, semitom.

1.3.2 Inversão e falsa inversão


O acorde pode ter sua estrutura invertida, o que muda sua estrutura intervalar. É
possível construirmos o acorde com a terça no baixo, assim como a quinta e a sétima
(FIGURA 4).

FIGURA 4 Inversões de acorde e notação de baixo cifrado.


Fonte: (SHOENBERG, 1922/1949/1999, passim)

O acorde com a terça no baixo é chamado de acorde de sexta. O intervalo entre os


extremos passa a formar uma sexta e não mais uma quinta, como o é na posição fundamental.
O acorde com a quinta no baixo tem estrutura intervalar de quarta da primeira nota para a
segunda e sexta, da primeira para a terceira. É chamado de acorde de quarta e sexta. Com a
sétima no baixo, acorde de segunda, por causa da relação entre sétima e fundamental. Em
cifragem moderna, notamos o acorde e o baixo seguido de barra (FIGURA 5).

FIGURA 5 Inversões de acorde e notação de cifragem moderna.


Fonte: (GUEST, 2006a, passim)

Se a inversão do acorde se dá pela reconstrução de intervalos das notas do acorde,


não é possível por no baixo notas de tensão como nona, décima primeira ou décima terceira.
Alguns acordes com barra não são inversões, mas “estruturas superiores” (LEVINE, 1989,
p.109-124). Segundo Levine (1989, p.109), “uma boa definição de uma estrutura superior é
‘uma tríade sobre uma tétrade’”. Levine (1995) apresenta o conceito de Slash Chords, ou
acordes de barra. No exemplo de C/D, o pianista tocará o baixo ré na mão esquerda e a tríade
25

dó maior na mão direita. O que teremos na realidade é um acorde de sétima com quarta e
nona. Este sistema facilita a leitura e a velocidade de execução de acordes com mais
alterações. O acorde menor com sexta também pode ser um acorde disfarçado. Para Guest
(2006a, p.32), “Inversões de acordes de sexta coincidem com outras inversões de tétrades e a
cifragem é escolhida conforme o contexto harmônico”. Tomando como argumento a
facilitação de leitura, o compositor pode optar por uma cifragem mais simples para chegar à
sonoridade harmônica desejada. Este recurso pode apresentar “acordes disfarçados”, como é o
exemplo de Abm6/G. Notado com ou sem a barra e complemento e dependendo da armadura
de clave (aqui, dó maior), este acorde pode ser um dominante primário disfarçado, G7(b9,
b13), ou dominante substituto disfarçado, Db7(9). Isso ocorre por causa da reunião de tensões
contidas no acorde menor com sexta e sua escala. A notação é mais simples e a execução é
mais fácil. Estes são exemplos de falsas inversões.

1.3.3 Funções e encadeamentos


O movimento é a palavra chave em arte, principalmente a temporal. Em música
tonal, o movimento consiste em tensão e resolução, impulso e descanso, preparação e
resolução. Em harmonia, as funções dos acordes se encarregam deste movimento (GUEST,
2006b). A dominante é o ponto culminante de todo o sistema. É o acorde construído partindo
da nota do quinto grau com a presença da sensível. A função deste acorde demanda a
resolução na tônica. A subdominante, o quarto grau, é meio estável, meio tensa. Estas são as
funções principais e a base do sistema tonal. Todo o movimento harmônico tonal se resume
nestas três funções. O que vai além são funções secundárias e acordes de passagens. As
funções nos ajudam a escolher a escala e ainda entender melhor sobre notas a evitar. Na
análise funcional segundo Guest, basta colocar a letra da função sobre o acorde. As funções
tônica, subdominante e dominante podem ter caráter forte, meio forte e fraca, de acordo com
o acorde usado (FIGURA 6).
26

FIGURA 6 Funções primárias subdominante, dominante e tônica.


Fonte: (GUEST, 2006b, p.54)

Os acordes Dm, Am e Em, o segundo, terceiro e quarto grau são chamados


relativos e anti-relativos. São as funções secundárias, consideradas fracas (FIGURA 7).

FIGURA 7 Funções primárias subdominante, dominante e tônica; secundárias relativas e


anti-relativas.
Fonte: (GUEST, 2006b, p.61)

Uma tríade possui sua relativa e anti-relativa. A relativa se encontra a uma terça
menor abaixo e a anti-relativa, terça maior acima. Outra característica delas é o número de
notas em comum: relativas possuem duas notas em comum e anti-relativas, uma nota. Vide
Dm, Fm e Am. As três contêm a função de subdominantes. C, Am e Em têm a função de
tônica. G, seu relativo, Em e seu anti-relativo, Bdim, que já foi mencionado como “dominante
sem baixo”, formam a função dominante (por isso a notação entre parênteses). Em e Am
podem exercer duas funções em uma cadência. A escolha depende dos acordes que a cercam e
a função que exercem.
A cadência é a combinação das funções harmônicas. Eis algumas das cadências
mais típicas.
Cadência perfeita é aquela que citamos acima, criando resolução, e.g. V-I, II-V-I,
IV-V-I. Cadência imperfeita se dá quando um dos acordes ou ambos estiverem invertidos, e.g.
27

V-I6, V6-I, VII°-I. Cadência plagal é a conclusão pela subdominante, e.g. IV-I, bII-I, bVI-I.
Cadência à dominante termina na Dominante. Não é conclusiva. Cadência deceptiva tem o
quinto grau seguido por acorde de outra função que não seja a tônica, ou função de tônica
relativa ou anti-relativa. E.g. V-III, V-VI, VbII, V V/VI.
A cadência mais freqüente em Jazz é a cadência perfeita com adição do segundo
grau cadencial, ou II-V-I.

1.3.4 Cadência II-V-I


Como o tonalismo é caracterizado pelo movimento tensão-resolução, este se faz
através da preparação da tônica pela dominante. Para identificar esse movimento na análise,
usamos uma seta sobre os números romanos V e I (FIGURA 8).

FIGURA 8 Exemplo da resolução pelo quinto grau, análise de graus e seta sobre V-I.
Fonte: (GUEST, 2006a, p.51)

A adição de outro acorde faz o desdobramento da dominante, a subdominante.


Este pode ser o quarto grau ou segundo (relativo), como é muito comum no repertório
popular. O II seqüencial como é chamado, é identificado na análise por um colchete que é
notado sob a análise de graus entre a subdominante e dominante (FIGURA 9).

FIGURA 9 Exemplo de cadência com II seqüencial e resolução pelo quinto grau, análise de
graus, colchete sob II-V e seta sobre V-I.
Fonte: (GUEST, 2006a, p.62).

Em tonalidade menor, a cadência II-V-I se dá pelos acordes Bm7(b5), E7, Am.


Aqui, o centro é recolocado no sexto grau do campo maior. Para que a escala possa funcionar
28

harmonicamente, aumenta-se o sétimo grau, passando a ser sol sustenido. Agora, a dominante
passa a ser um acorde maior e conter a sensível (mi-sol#-si-ré). Esta escala é chamada de
menor harmônica.
Quando a subdominante é o quarto grau, não se nota o colchete. O mesmo ocorre
na resolução do quinto no sexto grau.

1.3.5 Escala de acorde e suas opções


Para encontrarmos as escalas de cada grau, basta tomar da fundamental do grau
desejado e ascender usando as mesmas notas da escala da tônica (do centro tonal) até a sétima
nota a partir desta fundamental, formando uma nova escala com as mesmas notas e estrutura
intervalar diferente. Estas escalas são chamadas de “modos gregos” (FIGURA 10).
29

FIGURA 10 Modos da escala maior. Dó Jônio, Ré Dórico, Mi Frígio, Fá Lídio, Sol


Mixolídio, Lá Eólio e Si Lócrio.
Fonte: (LEVINE, 1989, p.13).

Cada escala tem suas características básicas. Além de maior e menor, existem
características que diferenciam escalas da mesma qualidade, como é o caso dos modos
maiores Jônio, Lídio e Mixolídio. Todos possuem os mesmos graus, com algumas exceções.
Em Lídio é a quarta aumentada e em Mixolídio, a sétima menor. Os modos Dórico e Eólio,
ambos menores, se distinguem pelo sexto grau: em Eólio é menor e em Dórico, maior. Frígio
e Lócrio são idênticos, exceto pelo quinto grau, que no último é diminuto. Falta-nos aqui, a
análise do campo harmônico da escala menor harmônica e menor melódica. Mais adiante,
30

veremos algumas escalas e acordes de empréstimo destes campos, mas somente alguns que se
tornarem importantes para esta pesquisa.
Para fazer a escolha da escala dos acordes, basta, entre outros critérios, escolher a
escala pertinente ao grau na análise. Através da cifra, temos as notas para formar o acorde e
sua inversão. Para Guest:
Pelo conceito atual, o acorde (e seu símbolo, a cifra) não só reúne as notas que o
caracterizam, chamadas notas de acorde (n.a), mas outras notas também que o
enriquecem, chamadas notas de tensão (T), embora a cifragem não indique
necessariamente essas notas. As n.a. e as T, reunidas formam uma escala de sete
notas (às vezes seis ou oito), chamada escala de acorde. (...) Encontram-se ainda na
escala de acorde notas de escala (S), que não são T nem n.a. e servem como simples
complementos ou alternativas de n.a. para reforçar o timbre, como a 6M nos acordes
maiores e menores.
Finalmente, a escala de acorde também pode incluir notas a serem evitadas (EV) na
realização do acorde, mas que podem ser usadas na linha melódica, em caráter
passageiro. Quando usadas no acorde, comprometem a clareza e/ou a identidade no
som do acorde. (GUEST, 2006a, p. 86-87)

Fica bem claro que a escala é uma excelente fonte para compor melodias
improvisadas. Todavia, pode haver, dentro da escala, algumas notas a evitar. Alguns critérios
para a escolha da escala do acorde, de acordo com Guest, são: A cifra, que inclui as notas do
acorde e algumas notas de tensão; a análise, que é a relação do acorde com o centro tonal ou
tom do momento; a melodia, que ajuda na escolha da escala; o estilo, que vai temperar a
escolha de escalas concêntricas ou excêntricas. Vale ainda ressaltar que “a escolha da escala
do acorde é governada pelo respeito às notas indicadas na cifra; as demais notas são
geralmente diatônicas. A indicação específica de tensões pela cifra pode apontar notas não-
diatônicas” (GUEST, 2006a, p.87). Analiticamente, constroem-se as escalas tomando das
notas do acorde (FIGURA 11).

FIGURA 11 Notas do acorde de lá maior com sétima de dominante (A7).


Fonte: (GUEST, 2006a, p.88).

Se acrescentarmos outras terças à tétrade, teremos as notas de tensão que serão a


nona, a décima primeira e a décima terceira (FIGURA 12).
31

FIGURA 12 Tétrade do acorde de lá maior com sétima de dominante acrescida das notas de
tensão nona, décima primeira e décima terceira.
Fonte: (GUEST, 2006a, p.89).

E incorporando-as, temos a escala do acorde com as sete notas (FIGURA 13).

FIGURA 13 Escala do acorde de lá maior com sétima de dominante com notas de tensão
incorporadas.
Fonte: (idem).

Notas evitadas podem ser aquelas que causam choque com as notas do acorde, ou
notas da próxima função.
No modo Jônio, o quarto grau é nota a evitar. A razão é simples: Causa choque de
nona diminuta com uma das notas do acorde, a terça. Quando o acorde tiver função de tônica
e a quarta for tocada em tempo forte sendo enfatizada e não resolvida para o terceiro grau, soa
extremamente duro. A quarta é também a sétima de dominante. A terça e sétima do modo
Mixolídio formam um trítono, intervalo de caráter instável, sensível. É através da resolução
dele em um intervalo de terça ou sua inversão, a sexta, é que temos a sensação de tensão-
resolução. Ora, mantemos a quarta em um acorde tônico e não resolvemos, teremos confusão
de características de funções e choque harmônico.
No acorde Dórico, a sexta é nota a evitar. Esta nota é também a sétima de
dominante; enfatizá-la, por exemplo, em um início de compasso ou frase, soa antecipar
prematuramente a próxima função, caso esteja numa cadência tonal II-V, desdobrando o
dominante e tomando a função de subdominante.
Em Eólio, a sexta menor causa choque harmônico de nona diminuta com uma das
notas do acorde, a quinta. Soa melhor como apojatura.
32

Em Lócrio, a segunda é nota a evitar no mesmo sentido: Forma intervalo de nona


diminuta com nota do acorde, a fundamental.
Para o modo Frígio, há dois casos distintos na classificação de notas a evitar.
Dependendo da função, tomar-se-á a quarta da escala ou a sexta para nota a evitar. Se for
tônica anti-relativa substituindo a tônica, a quarta será evitada pelas razões já desveladas
anteriormente. Se for dominante relativa, a sexta será a nota evitar, também discutido
anteriormente. Nos dois casos, o esforço é no sentido de evitar a quarta de cada função
primária.
Da mesma forma, a quarta é nota a evitar em Lídio se tiver caráter de
subdominante. Já em cadência plagal, é desejável. Eis todas as notas evitadas descritas
(QUADRO 6).
QUADRO 6 Notas a evitar
Escala Função Notas a Evitar
Jônio Tônica Quarta
Dórico Subdominante relativa Sexta
Frígio Tônica anti-relativa Nona
Frígio Dominante relativa Sexta menor
Lídio Subdominante Quarta aumentada
Lídio Dominante -
Mixolídio Dominante Quarta
Eólio Tônica relativa Sexta menor
Lócrio Dominante Nona
Fonte: (GUEST, 2006b)

Reiteramos que notas a evitar não são proibidas, mas notas que devem ter caráter
de passagem. Os sons supracitados são diatônicos, notas que fazem parte da escala. Qualquer
outro som que não esteja dentro do grupo das sete notas da escala é também nota a evitar. Elas
são importantes e o uso do cromatismo é extremamente interessante em improvisação, como
já foi exposto na linguagem do Bebop, mas devem ter caráter passageiro (GUEST, 2006).
É importante assinalar que o emprego de notas de tensão no acorde dominante é
interessante. É aqui que o improvisador pode e deve criar tensão. Recomenda-se o uso de
escalas excêntricas, simétricas e alteradas e, possivelmente, até mesmo de notas a evitar, se
dispuser de madureza e consciência de seu uso e bom manejo de resoluções. Aliás, as notas
evitadas são assim chamadas pelo alto grau de tensão que proporcionam, principalmente onde
não deveriam.
33

1.3.6 Acordes fora do tom


Em peças para improvisação, alguns acordes podem estar fora do campo
harmônico. Isso faz com que a improvisação pelo centro tonal primário tenha que ser
interrompida, mudando a escala ou modo do acorde em questão. Refletindo sobre isto,
conclui-se que se não houvesse acordes ou cadências deste tipo, somente notas e acordes
diatônicos, a tarefa do improvisador seria demasiadamente fácil e tediosa. As dificuldades e
barreiras proporcionam oportunidades de expandir, crescer, progredir, conquistar, reinventar.
Além disso, tornam todo o processo mais interessante e empolgante.
Já mostramos um quadro com diferentes ambientes harmônicos. Ainda, são tais as
circunstâncias em que o acorde está fora: vindo de outro campo ou de vários ao mesmo
tempo, empréstimos do tom menor ou tom vizinho, preparações para um acorde diatônico que
podem vir precedidas de segundo cadencial, dominantes substitutos, acordes de passagens,
acordes diminutos. Para este trabalho, no entanto, trataremos aqui de empréstimo modal e
modulação passageira.
O acorde de empréstimo modal é tomado do tom homônimo ou tons vizinhos.
Homônimos são tons que possuem a mesma fundamental e qualidades diferentes: maior e
menor. Se o tom for menor, aparecem acordes do tom homônimo maior; o maior apresenta
acordes do tom homônimo menor. Sobre acordes de empréstimo modal, Guest relata:
A área de AEM é uma espécie de “ilha”, feita de um ou mais acordes do tom
homônimo, cercada (precedida e seguida) pela harmonia do tom principal. Se esta
harmonia abandonar temporariamente o tom principal, passando pelo tom
homônimo (AEM) ou pelos tons vizinhos (dominantes secundários), é considerada,
técnica e tradicionalmente, modulação passageira. Na linguagem da música popular
este fenômeno ocorre com muita freqüência, já não soando modulação e
inteiramente incorporado ao vocabulário principal.
(GUEST, 2006b, p.11)

O acorde de empréstimo modal provindo do homônimo é o caso a seguir


(FIGURA 14).

FIGURA 14 Exemplo de acorde de empréstimo modal em dó menor.


Fonte: (GUEST, 2006b, p.18).
34

A progressão em dó menor apresenta um acorde proveniente do homônimo maior,


C7M. Nota-se AEM na análise. Para improvisar, usa-se a escala pertinente ao centro tonal do
acorde, dó Jônio. Este acorde se encontra “ilhado” por acordes diatônicos ao tom menor,
como já foi demonstrado. O improvisador precisa estar atento a estas pequenas mudanças. Se
continuar improvisando no tom menor terá, pelo menos duas notas de choque: terça menor e
sexta menor. Mesmo que esteja usando a escala menor melódica, terá a terça menor chocando
com a harmonia. Estes acordes podem ocorrer por um breve espaço de tempo, sendo uma
“ilha” composta por um ou mais acordes, caracterizando empréstimo modal.
Agora, à modulação para outros tons. A figura a seguir mostra um esquema com a
relação entre um tom e seus vizinhos diretos e indiretos, relativos e anti-relativos e
homônimos (FIGURA 15).

FIGURA 15 Modulações possíveis.


Fonte: (GUEST, 2006b, p.88).

A modulação ocorre quando há um afastamento do tom primário e uma sensação


de mudança de tom, que pode divergir para outros centros ou convergir para o centro inicial.
Para Guest (2006b, p. 89), estes acordes são aqueles que ou não se enquadram no vocabulário
e não podem ser analisados como empréstimo modal, dominantes secundários etc, ou formam
um clichê ou cadência com mais de dois acordes soando fora do tom primário.
35

Para caracterizar a modulação em uma música, notamos a nota da nova tônica


dentro de um quadrado na região em que ocorre (FIGURA 16).

FIGURA 16 Modulações passageiras para ré maior e si maior.


Fonte: (GUEST, 2006b, p.90).

1.4 Prática
Descreveremos doravante modelos de treinamento prático.

1.4.1 A escala sob uma nova visão


Se a escala é de onde se tiram notas para criar melodias, vejamos alguns conceitos.
Halberstadt (2001, p.35) descreve uma forma de pensamento bastante simples e prática para a
improvisação ao piano: sugere que a escala seja visualizada por blocos. Subir e descer em
movimento escalar são um conceito amplamente difundido em nossa rotina. Para alguns
músicos serve como exercício para aquecimento, construção da técnica e até para a
improvisação. Podemos ver a escala linearmente; aliás, escalar significa linear. No entanto,
não quer dizer que se improvisa assim o tempo todo. O improvisador faz saltos, dá pausas,
desenvolve motivos. É mais interessante ver a escala como um “banco de opções”, como em
um jogo de cartas, em que se joga com o que se tem na mão. A escala é a “mão” e o jogador
as dispõe conforme lhe for mais conveniente. Pode ser assim na improvisação e o conceito de
visualização da escala por blocos vem a calhar para esta pesquisa. Para Halberstadt:
36

(...) Me refiro a essa abordagem como um sistema de visualização. Quando você


improvisa com a escala em uma forma mais entalhada, usando intervalos maiores,
você precisa ver todas as notas de uma só vez para que possa saltar de uma nota à
outra com confiança. Se você visualizar a escala como dois grupos ao invés de sete
notas individuais, então saberá aonde vai. Então o grupo de 3 e o grupo de 4 o
ajudam a visualizar a escala, mesmo quando você não estiver usando o dedilhado
próprio da escala.
(HALBERSTADT, 2001, p.35)

O “grupo de três” e “grupo de quatro” a que se refere nesta citação é um sistema


de dedilhado em que se passa o primeiro dedo após tocar o terceiro ou quarto. Esta abordagem
facilita a visualização e a memorização das escalas. Como o piano é disposto em um sistema
de decodificação visual, podemos maximizar este recurso através desta abordagem. Além do
mais, ajuda o pianista a tocar inícios de frases que não sejam sempre partindo da tônica. O
hábito de desligar frases involuntariamente, não dando continuidade em uma progressão de
notas sob mudanças de acordes, também pode ser evitado através deste sistema.

1.4.2 Escalas flexíveis


Apresentaremos neste tópico um exercício para prática e memorização de escalas,
tão logo a mesma seja visualizada em blocos, como descrito anteriormente. Para quebrar mais
ainda com o paradigma da escala linear partindo da fundamental, Taylor (2007) ensina um
modelo de prática de escalas mais próximo do que ocorre na improvisação. O músico
praticará a escala ascendendo, descendendo e saltando conforme lhe aprouve. Taylor descreve
três passos para a feitura do exercício de escalas flexíveis. O primeiro passo consiste em
ascender e descender por grau conjunto à vontade (FIGURA 17).

FIGURA 17 Exercício de escala flexível – primeiro passo. Mi Lídio.


Fonte: (TAYLOR, 2007, p.2).

Neste exemplo, a escala é iniciada pela terça e movimenta-se à vontade, sem a


obrigatoriedade de começar na fundamental e terminar na fundamental. Isto já confere mais
verossimilhança com o ato da improvisação. Pode levar um tempo para adquirir facilidade.
Após este primeiro passo, o estudante seguirá para o segundo passo, que inclui saltos
(FIGURA 18).
37

FIGURA 18 Exercício de escala flexível – segundo passo. Dó Jônio.


Fonte: (TAYLOR, 2007, p.3).

A escala começa com intervalos menores e na medida em que vai ganhando mais
confiança, os saltos ficam maiores. Aqui há a ruptura com o conceito de escala linear, mas há
uma aproximação com o conceito de composição. E por último, no terceiro passo, o músico
pode adicionar rítmica à prática (FIGURA 19).

FIGURA 19 Exercício de escala flexível – terceiro passo. Dó Jônio.


Fonte: (TAYLOR, 2007, p.4).

Concluído, os benefícios são evidentes: Ao mesmo tempo em que o músico


aprende uma escala, ele treina sua criatividade, se aproximando de um modelo mais real de
improvisação, aumentando a habilidade de ouvir e criar ritmos e, aliada à nova forma de
visualização de escalas em blocos, fixa escalas não familiares em sua memória. O músico
pode fazer o uso de um metrônomo, começando em andamento lento e aumentando aos
poucos.

1.4.3 Conexão de escalas


Baker (1985, p.28-33), Novello (1986, p.117-119), Levine (1989, p. 87-89) e
Halberstadt (2001, p.44-45) descrevem o que será aqui chamado de “conexão de escalas”.
Todos o concebem com algumas divergências, variando nomenclaturas, mas concordando em
um aspecto: Iniciar o movimento em rítmica fixa sem pausas, mudando as escalas conforme
mudam os acordes (FIGURA 20).
38

FIGURA 20 Conexão de escalas.


Fonte: (HALBERSTADT, 2001, p.44)

Incrementamos este exercício com a linguagem do Bebop e sua dinâmica. Ao fazer


a conexão de escalas, notas a evitar podem cair em tempos fortes. O cromatismo pode evitar
este problema, fazendo com que as notas do acorde caiam nos tempos fortes (FIGURA 21).

FIGURA 21 Conexão de escalas com cromatismo.


Fonte: (autor)

É possível também usar pausas para recolocar as notas do acorde nos tempos
fortes, como na linguagem do Bebop. É verdade que a nota a adicionar é a sétima maior no
caso da escala dominante e quinta aumentada na maior natural, mas o praticante não precisa
necessariamente se ater a elas; pode e deve desfrutar toda a escala cromática. O cromatismo
pode ser usado para “salvar” a escala, manipulando-a para que certas notas caiam no tempo
forte.
A conexão de escalas é extremamente útil na fixação das mesmas na memória. Faz
com que o improvisador agregue a teoria à sua técnica, tendo as escalas “nas pontas dos
dedos”. O ponto mais importante deste exercício é obrigar o músico a pensar rápido sob uma
rítmica fixa e andamento ininterrupto. Há de começar em andamento lento, acelerando aos
poucos. Levará tempo no início, mas os resultados são altamente benéficos, influenciando
também na performance em improvisação sobre peças futuras.
39

2 MATERIAIS E MÉTODOS

2.1 O tema “Eternamente”


Analisar-se-á a canção “Eternamente”, de André Mehmari, composta no ano de
2003. Aparentemente, é uma música simples, em compasso ternário e andamento em 126
semínimas por minuto. Contém parte A e B, um vamp antes da volta ao A e coda. O
improviso remonta a abordagem clássica no esquema tema-improviso-tema, ou tema-
improviso. Outras opções são tema, improviso no vamp dos últimos quatro compassos e tema,
sem improvisar sobre a harmonia da canção. Optamos pelo procedimento clássico tema-
improviso para que haja oportunidade de esclarecer certas dificuldades que surgiram à
primeira vista. A segunda parte da canção apresenta harmonia complexa e forte teor melódico.
Os acordes de barra nem sempre são inversões, o que agrava a dificuldade da análise.
Simplifica para a leitura e execução, mas dificulta a análise. Não poderíamos dizer que se
insere no sistema tonal, nem modal, muito menos atonal, mas vamos considerá-la no sistema
tonal expandido.
Passaremos a explanar a análise da partitura da canção (FIGURA 22).
40

FIGURA 22 Partitura de “Eternamente”.


Fonte: (www.andremehmari.com.br/new/paginas/frameset%20partituras.html)
41

2.2 Análise de “Eternamente”


Usamos a metodologia de análise harmônica de acordo com Guest (2006). Em
análise auditiva, temos a impressão de que se trata de uma canção meramente tonal. É
aparentemente “fácil de se improvisar”. No entanto, “Eternamente” possui harmonia com
empréstimos modais e modulações. Não se pode dar ao luxo de menosprezar a tarefa
imperiosa de verificar as escalas mais adequadas para improvisar. Não que isso vá definir o
improviso, uma vez que há vários fatores envolvidos, como a simples escolha de não
improvisar aqui e ali.
Fizemos a análise harmônica da peça que compreende a relação do acorde com a
tônica notada em números romanos e a análise funcional que classifica o acorde em três
funções principais e suas relativas, modalismo e escolha de escalas (FIGURA 1A).
A primeira parte da peça apresenta harmonia simples, compassos 1-16, com
acordes de funções principais, tônica, dominante, subdominante (FIGURA 23).

FIGURA 23 Análise da parte A de “Eternamente”.


Fonte: (autor)
42

Aparece a função relativa da tônica no final de cada frase formando uma cadência
deceptiva (compassos três, sete, onze e quinze). Para esses acordes diatônicos, escolhemos
sempre a escala que corresponde ao modo do grau. Nos compassos cinco e treze, há um
acorde com falsa inversão A/D. Como foi descrito no capítulo teórico, não há inversões da
tríade com notas de tensão no baixo, sendo este acorde uma montagem de duas estruturas para
facilitar a feitura do mesmo ao piano. Trata-se de uma estrutura superior (LEVINE, 1989,
p.109-124), desejando acorde de ré com sétima e nona. Essa notação foi substituída por DM9.
O ponto culminante nesta parte está no compasso nove, quando se quebra a
simetria da melodia e da harmonia com um acorde de barra, criando surpresa. A nota que
ocupa todo o compasso com uma mínima pontuada é fá bequadro (enarmonicamente grafado,
pois se trata da quinta do acorde de A7M(#5), sendo então mi sustenido). O acorde é Db/A,
como ocorre nos compassos cinco e treze com A/D. A mão esquerda toca A e a mão direita,
Db. Esta abertura resulta em um acorde com sétima maior e quinta aumentada. Trata-se de um
empréstimo modal do relativo menor fá sustenido. A escala de nossa escolha é do terceiro
modo do campo harmônico de fá sustenido menor harmônico ou melódico. Se usar a menor
harmônica, teremos a quarta, ré, como nota a evitar. Se usar a melódica, a quarta passa a ser
aumentada, deixando de ser nota evitada. Ademais, afasta mais a escala do tom principal,
reforçando a idéia de expansão. Daí em diante, segue diatônico.
A segunda parte apresenta acordes de empréstimo modal partindo do compasso
dezoito até vinte (FIGURA 24).

FIGURA 24 Análise dos compassos dezessete ao vinte.


Fonte: (autor)

São a subdominante menor e a tônica menor. A escala para improvisação sobre


ambos é também advinda do campo harmônico de lá menor harmônico. Compasso dezenove:
um acorde disfarçado, Gm6. Ainda dentro do tom do homônimo menor, este acorde pode ser
analisado como a preparação para o sexto menor. A escala para improvisação aqui pode
seguir o acorde em questão, sol menor melódico. [C7(#11)/G] foi escrito em nossa análise
logo abaixo do acorde disfarçado. Em A/G, analisamos como dominante secundário para a
43

subdominante maior, convergindo ao tom principal. Escolhemos várias escalas (tonais,


alteradas e simétricas) para este acorde.
Identificamos uma modulação para si maior nos compassos 21 até 24, iniciada
pelo II-V secundário da subdominante do tom passageiro (FIGURA 25).

FIGURA 25 Análise dos compassos 21 ao 24.


Fonte: (autor)

A melodia confirma a modulação. Mesmo assim, acontece uma espécie de


empréstimo modal do homônimo menor do tom de passagem. Os dois primeiros acordes
pertencem ao campo harmônico de mi menor, mas resolvem em mi maior. Para o acorde de
Fá#m7(b5), podemos escolher o modo Lócrio, por ser um acorde meio diminuto. Mas como a
cadência resolve em acorde maior, a escala do sexto modo de lá menor melódico troca a nona
diminuta (nota a evitar pelo choque) para nona maior, tornando-a mais consonante à tônica
maior. Ainda, há um motivo mais importante: a nota da melodia sol sustenido, a nona maior
de Fá#m7(b5). O acorde de B7(b9) soa muito bem com a escala simétrica diminuta (de
estrutura meio tom/tom) chamada de Dominante Diminuta, quando resolve em acorde maior.
Daí a nossa escolha. Para respaldá-la, encontramos as notas provenientes da mesma escala na
melodia, dó, ré sustenido, fá sustenido, lá, ré e dó. Nenhuma escala alterada tem quinta justa,
com exceção da escala dominante diminuta. O próximo acorde é a tônica desta cadência e a
subdominante de si maior, que aparece no compasso 24, com a melodia contendo mi, quarta
justa de si. Foi aqui que decidimos que se tratava de um acorde tônico, logo, uma modulação.
O próximo acorde pode ser analisado ainda dentro da modulação como empréstimo modal: é
o bIII (FIGURA 26).
44

FIGURA 26 Análise da parte final da música.


Fonte: (autor)

É também a subdominante do tom da armadura. Por isso escolhemos a escalas do


modo Lídio. Mas é aceitável a escala do modo Jônio por tratar-se de acorde de empréstimo
modal. Finalizando estas modulações, mais uma para si bemol, anti-relativo maior do
homônimo menor do vizinho direto (ré menor) do tom original. Escolhemos a escala do modo
Lídio por causa da nota da melodia, mas jônio é aceitável se a intenção for afastar-se do
tonalismo a fim de caracterizar ainda mais uma expansão tonal ou modalismo. Daí em diante,
segue diatônico. Antes de voltar ao início, o vamp de quatro compassos com repetição, que
contém harmonia tonal simples. Aqui também aparece o acorde com inversão aparente A/D.
Mudamos para DM9, como feito anteriormente. Na segunda vez, termina na coda, sem tocar o
vamp. A coda é uma cadência perfeita subdominante-dominante-tônica.
Evidencia-se, nesta análise, uma composição requintada. Mesmo com todo o
lirismo que aparenta simplicidade, é de uma genialidade afiada, com harmonização rica,
original ao estilo do compositor.
É complicado improvisar em tal peça sem o devido conhecimento teórico. Há
algumas alternativas para o improviso nesta canção: criar um solo e escrever pra tocar no
momento (o que não é improvisação), não improvisar sobre certas partes, usando o vamp para
desenvolver uma improvisação livre, incluindo a participação dos outros instrumentistas ao
estilo Free ou estudar a harmonia para ver as possibilidades. Para isso, é necessário estudar.
45

2.3 Improviso sobre “Eternamente”


Depois de feita a parte prática, conexão de escalas e escalas flexíveis, vários takes
foram gravados e transcritos para análise e resultados.
Para a metodologia empregada na execução do improviso sobre esta música,
utilizamos um piano digital de marca Yamaha, série P-70 com conexão midi a um módulo
especializado em timbres de pianos de marca Kurzweil, série Micropiano. A plataforma para
gravação usada foi o programa Cakewalk Sonar Producer Edition versão 4.0.3. O
acompanhamento foi seqüenciado à moda da gravação original com uma bateria e baixo. Para
a bateria, usamos o programa Batterie versão 2.1.0.004 da marca Native Instruments e
samplers de baixo acústico usando módulo de timbres Alesis série Nanopiano. As gravações
ocorreram no mês de fev. de 2008.
Os takes gravados totalizam uma média de cinquenta. Em parte, porque errávamos
na execução do tema, sem nem mesmo chegar a improvisar. O primeiro take em que houve
um improviso foi conservado. Na medida em que estudávamos a análise e fazíamos a prática
de conexão de escalas, gravávamos. O andamento do exercício variou de sessenta até 120
semínimas por minuto em rítmica fixa em colcheias. Utilizamos algum cromatismo e pausas
durante a prática, no formato Bebop. Parávamos a gravação quando havia problemas de
embaraço na forma da música ou quando havia problemas de ordem técnica. O último take
“bom”, o nono, foi conservado. Este material compreende em dois takes, para não delongar
muito este trabalho, que foram transcritos para partitura usando o programa Finale versão
2004.r3. Notamos a partitura em clave de sol e fá com a cifra prática para facilitar a análise do
material (FIGURAS 2A, 3A, 4A e 5A).
Sobre a transcrição, não nos concentramos em dinâmicas, articulações, nem
síncopes extremas. O foco da análise foi o uso de notas pertinentes à escolha de escalas da
harmonia da peça. No entanto, alguns sinais são importantes para a análise, como por
exemplo, os parêntesis. Este sinal nos serviu para informar que as notas foram tocadas
pianíssimo, quase inaudíveis. Notamos em clave de sol e fá, por se tratar de um improviso ao
piano. A clave de fá revelou-se importante para a análise da transcrição.
46

3 RESULTADOS

3.1 Resultado da análise da transcrição do primeiro take


A transcrição da parte A confirma nossa análise auditiva com respeito à
simplicidade do desenvolvimento melódico. Aqui, a harmonia é praticamente toda tonal
(FIGURA 27).

FIGURA 27 Transcrição do improviso do primeiro take, compassos um a doze.


Fonte: (autor)

Por uma nota, quase podemos dizer que a escala usada foi a pentatônica maior em
lá. A exceção é a nota sol sustenido do décimo compasso, clave de sol. A mão esquerda
acompanha tocando as fundamentais dos acordes, com quintas e oitavas. Verificamos um
desenvolvimento motívico nos compassos cinco e seis, desenrolando em uma frase maior
partindo do final do compasso oito até o compasso doze, com um desenvolvimento motívico
interessante, afastando do tema da música. Não se encontram notas a evitar.
47

No ponto culminante da parte A, no acorde A7M(#5), ele usa uma “parte segura”
da escala, fundamental, terça e quarta, não enfatizando a nota que caracteriza a escala, a
quinta aumentada (FIGURA 28).

FIGURA 28 Transcrição do improviso do primeiro take, compassos treze a dezesseis.


Fonte: (autor)

A quarta pertence à escala de fá sustenido menor harmônica, portanto, está dentro


da escala, lembrando que as escalas de escolha são ambas a menor harmônica e menor
melódica. É uma nota a evitar, mas o improvisador a utiliza em caráter passageiro, resolvendo
na terça. Não há acompanhamento neste momento. Segue diatônico partindo do compasso
quatorze, com o retorno do acompanhamento da mão esquerda, que ganha espaço no
compasso quinze. No compasso dezesseis, inicia-se uma cadência de notas na escala de lá
maior, em colcheias, partindo de mi três, um salto de quarta e ascendendo até mi cinco
(FIGURA 29).

FIGURA 29 Transcrição do improviso do primeiro take, compassos dezessete a vinte.


Fonte: (autor)

No compasso dezessete a nota de tensão nona do acorde de DM9 cai em tempo


forte e as notas do acorde viram notas de passagem. No início do compasso dezoito, segue a
idéia de ascensão escalar, aparecendo ré, a quarta em tempo forte. É uma nota a evitar, mas é
resolvida na quinta. À parte B. Percebe-se uma fissura no desenvolvimento do improviso nos
compassos 22 e 23, principalmente, 23 (FIGURA 30).
48

FIGURA 30 Transcrição do improviso do primeiro take, compassos 21 a 24.


Fonte: (autor)

Neste compasso, soando pianíssimo, temos as notas lá, si bemol, sol, si, dó. Há
várias possibilidades de inferência aqui. Terá o pianista tocado pianíssimo por opção própria,
ou terá se embaraçado por não ter certeza qual era a escala no momento? As notas marcadas
por parêntesis estão corretas: pertencem à escala de sol menor melódica. As notas que soam
logo após no terceiro tempo são uma antecipação de A/G, uma aproximação cromática para a
terça deste acorde. O acompanhamento da mão esquerda permanece tocando apenas
fundamentais, oitavas, quintas. No compasso 21, toca uma sexta. O incidente no compasso 23
atrapalhou também a mão esquerda: toca fá sustenido, antecipando prematuramente o baixo
do próximo compasso, F#m7(b5). A presença de ré no compasso 24 tem um caráter de nota
enfatizada, mas não soa tão mal por estar sincopado, antecipando o próximo acorde no
compasso 25, sendo a sexta menor (FIGURA 31).

FIGURA 31 Transcrição do improviso do primeiro take, compassos 25 a 28.


Fonte: (autor)

No compasso 26, acorde de B7(b9), temos as notas ré sustenido, mi, si e lá. A


primeira nota é a terça maior do acorde: está bem colocada, enfatizando a qualidade do
acorde. Para um acorde com nona diminuta, podemos usar a escala dominante diminuta,
menor harmônica quinta a baixo ou sétimo modo da menor melódica. Todas contêm a
fundamental, nona diminuta e a sétima. Apenas a menor harmônica contém a quarta justa.
49

Este fragmento em B7(b9) pode ser considerado partindo da escala menor harmônica. A
quarta justa nesse caso é uma nota a evitar. Isto não está em consonância com a análise, visto
que a escala de escolha foi a dominante diminuta, pelo fato de aparecer a quinta justa na
melodia do tema.
Encontra-se uma nota fora da escala de mi lídio no compasso 27, sol natural que
resolve em lá no compasso 28, outra nota fora da escala de si maior. Parece que o improviso
insiste em ficar dentro do tom da armadura de clave, acompanhando as modulações
minimamente, buscando delinear a qualidade dos acordes, como foi visto nos compassos 22,
26, 28 e agora, no compasso trinta (FIGURA 32).

FIGURA 32 Transcrição do improviso do primeiro take, compassos 29 a 40.


Fonte: (autor)

A escala aqui dá a impressão de acorde de empréstimo modal, subdominante


menor. Como mi natural faz parte da frase, deduzimos que foi utilizada a escala do modo
lídio. Daí em diante, segue diatônico, utilizando sempre a escala do centro tonal, lá maior,
50

sem preocupação em enfatizar as notas dos acordes. Durante seis compassos, na região da
modulação, não soa nenhuma nota na clave de fá. A mão esquerda só retorna agora, no
compasso 31, tocando dó sustenido em Bm7. O improviso termina com um arpejo em lá
maior.

3.2 Resultado da análise da transcrição do segundo take


Neste improviso, a parte A já começa com um desenvolvimento motívico mais
livre, mais rico em motivos, número de notas, rítmicas e uso de sons das escalas escolhidas na
análise (FIGURA 33).
51

FIGURA 33 Transcrição do improviso do segundo take, compassos um a vinte.


Fonte: (autor)

Percebe-se logo no início o uso da sétima maior e apojaturas. O uso destas


apojaturas revela maior segurança, pois, para usá-las, precisa estar bem seguro quanto à
escala. O acompanhamento só entra após o oitavo compasso, usando aberturas para mão
52

esquerda comuns ao estilo do Jazz. Não aparecem sons na clave de fá no compasso treze. No
entanto, a melodia do improviso faz uma bordadura enfatizando as notas de caracterização do
acorde de A7M(#5): fá, mi, fá. O motivo é repetido no próximo compasso em forma de
resposta, apresentando no mesmo compasso um outro motivo a ser desenvolvido. Apesar da
surpresa, o improvisador antecipa sua escolha de escalas e as usa para compor uma nova
melodia. Percebe-se o uso variado de rítmicas, como semicolcheias, quiálteras e síncopes. A
mão esquerda inicia seu acompanhamento com aberturas em blocos e termina
complementando a melodia da mão direita. Desta vez, ambas fazem um tipo de improvisação
contrapontística simples, além de dar apoio harmônico.
O início da parte B é marcado por um acorde tocado no tempo forte, uma abertura
em posição fechada sem baixo (FIGURA 34).

FIGURA 34 Transcrição do improviso do segundo take, compassos 21 a 24.


Fonte: (autor)

No compasso seguinte, toca a tríade de ré na segunda inversão e não toca lá menor.


Poderá ser talvez um momento de lapso na memória. Notamos um pequeno silêncio aqui. No
compasso 23, retoma o solo tocando Gm6 com uma abertura em posição fechada com a sexta
no baixo, fazendo uma condução de vozes linear. A melodia na mão direita segue
normalmente, fazendo uma bordadura em mi, ré, mi, com o uso correto da quarta justa,
colocando-a em caráter de passagem. No compasso 23, faz uma descendência em
semicolcheias na escala de sol menor melódica, fazendo a conexão para a escala do próximo
acorde. A mão esquerda continua com a mesma abordagem de acompanhamento, fazendo
aberturas. A tríade de lá maior na segunda inversão também tem uma condução linear para o
próximo acorde, F#m7(b5), mudando a voz superior extrema dó sustenido para dó natural em
síncope.
53

No compasso 25, a melodia do improviso inicia em mi, a nona natural,


característica principal da escala escolhida, o sexto modo da menor melódica, seguindo as
notas da mesma (FIGURA 35).

FIGURA 35 Transcrição do improviso do segundo take, compassos 25 a 28.


Fonte: (autor)

A última nota da melodia neste acorde, si, se conecta perfeitamente ao dó natural,


nono bemol de B7(b9). A abertura feita na mão esquerda apresenta nona aumentada. A
mesma aparece na melodia. O compasso 27 mostra o uso da escala do modo lídio que resolve
na quinta do acorde jônio, classificado, nesta modulação para si maior, como uma cadência
plagal (IV-I). A mão esquerda ganha espaço, fazendo condução da voz superior do bloco em
posição fechada sem baixo resolvendo em D7M, apesar de ser D6 no próximo compasso.
Preenche, dando descanso para a melodia do improviso, que acabou de terminar uma frase de
quatro compassos. Neste instante, emana uma preparação para o momento culminante do
solo, o qual não é encontrado naquele do primeiro take. O ponto culminante acontece nos
compassos 29 ao 31, quando há uma cadência de semicolcheias, fazendo a conexão entre três
escalas, ré maior, si bemol Jônio e si menor (FIGURA 36).

FIGURA 36 Transcrição do improviso do segundo take, compassos 29 a 31.


Fonte: (autor)

A mão esquerda descansa agora, dando uma pausa nos compassos trinta e 31. No
compasso 29, o pianista arpeja uma tétrade de F#m7 sobre o acorde de D6, não revelando se a
escala usada foi o do modo Jônio ou Lídio e antecipa, através das duas últimas notas do
54

compasso si bemol e lá, a escala do acorde seguinte. Percebemos o uso de mi bemol na frase
do compasso trinta; conclui-se ter usado a escala do modo Jônio. Percebemos a caída da
quarta justa no terceiro tempo, porém em caráter rapidamente passageiro, resolvendo em ré, a
terça do acorde. Não houve uso de cromatismos aqui. A conexão com o acorde de Bm7 se dá
através da ligação da nona de Bb/D à terça de Bm7, e segue com um arpejo nas notas deste
acorde. Depois um descanso; a mão esquerda retorna fazendo fundamentais (FIGURA 37).

FIGURA 37 Transcrição do improviso do segundo take, compassos 32 a 40.


Fonte: (autor)

Nos compassos 35 e 36, é tocada a mesma abertura, que serve para ambos os
acordes e termina em um arpejo de lá maior com nona.
55

4 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Obtivemos dois solos com lirismo, desenvolvimento melódico e uso de escalas. O


primeiro, porém, tem um caráter mais comedido, sem se aventurar muito. Não apresenta um
ponto culminante aparente. Na parte B, é bem simples, e não cria tensões. Parece estar
acompanhando a harmonia, tendo cuidado para não errar, e por isso não nos soam muitas
notas erradas. Permanece dentro do campo harmônico de lá maior. Na parte B, algumas notas
são tocadas em pianíssimo, que transparecem a insegurança do pianista em sair da escala
diatônica. Verificamos que não estão erradas, estão todas dentro da escala pedida: A incerteza
desvia o foco de atenção para questões secundárias. Aparecem também notas a evitar e notas
fora do tom de passagem. O acompanhamento da mão esquerda é pouco articulado, dando a
entender que está somente apoiando a harmonia. Não foram tocados acordes na mão esquerda.
Isto remonta um quadro de excessiva preocupação do pianista em “acompanhar” a harmonia,
tocando fundamentais para basear sua composição melódica: a fez como uma forma de apoio
para não pestanejar na troca de acordes.
O segundo solo nos soa mais solto, mais seguro. Não sentimos uma preocupação
excessiva em fazer as escalas corretas, mas sim em se expressar e compor. As inseguranças
presentes no primeiro solo parecem diminuir bastante. Há apojaturas, o que não identificamos
no primeiro. Há um ponto culminante, em que o improvisador ascende e descende
rapidamente ligando as escalas dos acordes. Quanto à mão esquerda: Apresenta-se
acompanhando a melodia com acordes e aberturas bem próprias do estilo pianístico jazzístico.
O que ouvimos claramente é um desenvolvimento melódico mais afastado da preocupação
com a harmonia, seguindo uma evolução de idéias. Essa despreocupação não significa que o
músico está tocando qualquer nota: com propriedade, faz sua composição, com bom
desenvolvimento motívico e bom uso de escalas. Não precisa mais de se preocupar com a
harmonia, pois se preparou antes. Está pensando em liberar todo seu lirismo, fazer
composição. Outro fato interessante que nos chamou à atenção foi o uso da mão esquerda
como parte da improvisação. O pianista usa acordes com aberturas jazzísticas que
complementam a melodia da mão direita, articulando-os e reservando momentos de maior
aparição. Isso não aconteceu no primeiro improviso. Logramos êxito nos resultados
encontrados.
56

5 CONCLUSÃO

Este trabalho apresenta uma perspectiva que consideramos importante de ser


assimilada pela classe de músicos improvisadores: A análise harmônica como recurso
preparatório para a prática da improvisação acompanhada de exercícios de fixação de escalas
como fonte para a composição melódica. Em um repertório repleto de canções bem
elaboradas, com harmonia impressionista, com é o caso da atualidade, parece não haver outra
saída para músicos intermediários. É imprescindível se dar ao trabalho intelectual.
Assim, verificamos que a metodologia aplicada para a resolução do problema
proposto foi bem-sucedida. O emprego da teoria na pragmática da improvisação em temas,
aliado a exercícios práticos pode desembaraçar o músico, liberando-o para a livre expressão
artística. O improvisador provido de boa carga teórica aplicada poderá ter facilidade em sua
prática. Julgamos ser de extrema importância que o músico se prepare anteriormente,
idealizando um tipo de improvisação para cada estilo de época. No início, pode levar mais
tempo, mas, pelo muito fazer, chega-se à perfeição, se familiarizando com este método,
identificando harmonias quase instantaneamente.
Com isso, acreditamos ser possível futuramente criar uma metodologia de ensino,
utilizando as ferramentas aqui apresentadas, para solucionar alguns problemas e perguntas
existentes. Há no Brasil, uma escassez de material nesta área escrito em língua portuguesa.
Este trabalho vem a calhar para aqueles com pouquíssima ou nenhuma leitura em língua
estrangeira em que se encontra boa literatura, ou para estudantes afastados de grandes centros,
da academia e escolas afins, ou para aqueles desprovidos de tecnologias de comunicação.
57

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAKER, David. How to play Bebop: The Bebop scales and other scales in common use. Bloomington :
Frangipani Press, 1985.

BOUCHARD, George. Intermediate Jazz improvisation: A study guide for developing soloists. New Albany :
Jamey Aebersold Jazz, 2000.

GUEST, Ian. Harmonia: Método prático. Rio de Janeiro : Editora Lumiar, 2006. Vol 1.

GUEST, Ian. Harmonia: Método prático. Rio de Janeiro : Editora Lumiar, 2006. Vol 2.

HALBERSTADT, Randy. Metaphors for the musician. Pentaluma : Sher Music, 2001.

LEVINE, Mark. The Jazz piano book. Petaluma : Sher Music, 1989.

LEVINE, Mark. The Jazz theory book. Pentaluma : Sher Music, 1995.

MEHMARI, André. Eternamente. [S.l. : s.n.], 2003. Disponível em:


http://www.andremehmari.com.br/new/paginas/frameset%20partituras.html. Acesso em: 15 Nov. 2005.

NOVELLO, John. The contemporary keyboardist. Valley Village : Source Productions, 1986.

SCHOENBERG, Arnold. Harmonia. São Paulo : Editora UNESP, 1922/1949/1999.

TAYLOR, Bob. Inside flexible scales. [S.l] : Visual Jazz Publication, 2007. Disponível em: http://www.visual-
jazz.com/art070130a.pdf Acesso em: 12 Fev. 2008.
58

ANEXO

Página
FIGURA 1A Partitura com análise harmônica de “Eternamente”............ 59
FIGURA 2A Transcrição do primeiro take, parte A................................. 60
FIGURA 3A Transcrição do primeiro take, parte B................................. 61
FIGURA 4A Transcrição do segundo take, parte A................................. 62
FIGURA 5A Transcrição do segundo take, parte B.................................. 63
59

FIGURA 1A Partitura com análise harmônica de “Eternamente”.


Fonte: autor
60

FIGURA 2A Transcrição do primeiro take, parte A.


Fonte: autor
61

FIGURA 3A Transcrição do primeiro take, parte B.


Fonte: autor
62

FIGURA 4A Transcrição do segundo take, parte A.


Fonte: autor
63

FIGURA 5A Transcrição do segundo take, parte B.


Fonte: autor
64

Link (youtube) para ouvir os takes 1 e 9.

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