P-036 - o Flagelo Do Esquecimento - Clark Darlton - Projeto Futurâmica Espacial

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P36

1
O Flagelo Do Esquecimento
Clark Darlton

Tradução
S. Pereira Magalhães

Digitalização & Revisão


Arlindo_San

Formatação
ÐØØM SCANS

PROJETO FUTURÂMICA ESPACIAL

2
Foi no ano de 1971 que Perry Rhodan,
antigo oficial da Força Espacial Americana,
atingiu a Lua com a nave Stardust e, com a
tecnologia que adquiriu da nave espacial dos
arcônidas encalhada, fundou sua Terceira
Potência.
Conflitos na Terra, invasões de fora, bata-
lhas no espaço, lutas em planetas longínquos
— por tudo isto passou gloriosamente a Ter-
ceira Potência no curto espaço de sua exis-
tência.
No momento, são ainda os saltadores —
aqueles comerciantes da galáxia que há milê-
nios conseguem defender seu monopólio co-
mercial com determinação contra qualquer
concorrente que apareça — que representam
o perigo mortal para toda a Terra.
Perry Rhodan, até hoje, tem feito tudo
que está a seu alcance para impedir que os
saltadores façam da Terra um mundo de es-
cravos. Levtan, o traidor, desempenhou um
papel importante no jogo de Rhodan, pois
somente através dele é que foi possível fazer
com que um grupo de agentes conseguisse
penetrar na Grande Conferência dos Patriar-
cas dos Saltadores.
Estes homens, lutadores experimentados
do Exército de Mutantes de Rhodan, cumpri-
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ram seu dever. E agora eles ainda vão mais
longe: Libertam um planeta inteiro do jugo
estrangeiro.
O FLAGELO DO ESQUECIMENTO serve-
lhes de instrumento para a libertação.

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Personagens Principais:

John Marshall, Tako Kakuta, Kitai Ishibashi,


Tama Yokida e Gucky — Formam o comando
de assalto para libertar o planeta de Goszul.
Enzally — O único goszul que domina a tele-
patia.
Ralv — O chefe dos revoltosos goszuls.
Ralgor e Etztak — Dois patriarcas dos salta-
dores.
Perry Rhodan — Comandante da Stardust-III
e chefe da Terceira Potência.

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1

Água no porto estava lisa como um espelho.


Não soprava a menor brisa e se podia ver, atrás
da quilha do grande barco a vela, nitidamente,
o terreno cultivado com plantas variadas. Car-
dumes de peixes das formas mais esquisitas se
moviam de um canto para o outro, desviando-
se apenas das barcaças de carga vazias, cuja
missão era descarregar as mercadorias do barco
a vela.
As casas da cidade se alinhavam ao longo da
enseada do porto, numa quase meia-lua. Subi-
am o suave aclive das colinas, que logo se trans-
formavam num planalto uniforme a se estender
até o horizonte. Assim, o interior do território
não diferia muito do oceano, pois formava tam-
bém com o céu uma linha reta, sem interrup-
ção.
O veleiro era, sem dúvida alguma, um navio
de guerra, pois nos dois costados podiam-se ver
as bocas dos canhões. No entanto, conduzia
uma carga que neste momento estava sendo re-
cebida pelos empregados do cais.
A tripulação trabalhava arduamente e sem
parar, enquanto os homens morenos de basta
cabeleira também cochichavam entre si e lança-
vam olhares tímidos na direção da popa. De-
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pois continuavam arrastando obedientemente
seus fardos até o parapeito, onde eram recebi-
dos pelos proprietários das barcaças que esta-
vam esperando.
No tombadilho do veleiro estavam sentados
quatro homens, que observavam o movimento
a bordo do barco com mais ou menos alguma
atenção. Embora se pudesse supor à primeira
vista que o descarregamento da mercadoria fos-
se negócio de seu interesse, isto não era verda-
de. Era-lhes completamente indiferente a carga
que se encontrava nos porões do barco e tam-
bém não lhes interessava que chegasse às mãos
dos destinatários ou fosse jogada na água.
Um deles lamuriava, olhando para cima,
para o sol causticante, que podia estar brilhan-
do tão bem em Trípoli como em Buenos Aires,
se realmente se tratasse do sol da Terra. Mas
não era ele.
— Este calor me deixa louco — resmungou
ele, passando a mão pela barba desgrenhada.
— Ficarei contente quando me livrar desta bar-
ba horrível. Não posso compreender que senti-
do tem a gente andar mascarado.
— No momento, nenhum — respondeu seu
colega, um rapaz de pequena estatura, de olhos
vivos e pequenos. — Mas quando um saltador
aparecer a bordo do navio, a coisa ficará dife-
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rente.
— Que nada — continuou o primeiro, com
um movimento de mão indicando desprezo. —
Meu caro Tako, qualquer saltador notará imedi-
atamente que nós não passamos de imitação,
basta dar-lhe um pouquinho de tempo.
— Mas nós não lhes deixaremos tempo para
isto, John — disse o japonês sorrindo. — Além
disso, não creio que eles venham a bordo. Para
isso, têm sua gente, os goszuls.
Os goszuls eram os nativos da terra, que ti-
nha sido transformada em colônia pelos salta-
dores, uma raça inteligente de navegadores do
espaço. Ao mesmo tempo, os saltadores utiliza-
vam este planeta como base militar e como
ponto de apoio para operações comuns contra
eventuais inimigos.
E um desses inimigos era exatamente Perry
Rhodan, administrador do planeta Terra, contra
o qual se dirigiam os planos dos saltadores no
momento. Daí, a presença dos quatro terranos
camuflados no tombadilho do barco, que estava
parado tão pacificamente no porto do pequeno
continente, a que os nativos davam o nome de
Terra dos Deuses.
Sua missão secreta era expulsar os saltado-
res do planeta de goszul, sendo que Rhodan
queria continuar incógnito. Assim, os quatro
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homens do barco só podiam contar consigo
mesmo, pois a frota de Perry Rhodan estava es-
perando no espaço, a oito dias-luz de distância.
John Marshall, competente telepata do
Exército de Mutantes, olhava pensativo para
seus três colegas. Seu olhar ficou longo tempo
parado sobre Tako Kakuta, o teleportador.
— É isso mesmo — disse finalmente. — Os
goszuls me preocupam. É verdade que Kitai
Ishibashi lhes fez um bloqueio mental. Mas nin-
guém sabe por quanto tempo a situação conti-
nuará assim. Quando começarem a pensar in-
dependentemente, haverão de desconfiar e nos
entregarão às criaturas dos saltadores, os cha-
mados goszuls inteligentes. Não se esqueçam,
amigos, de que estes nativos primitivos conside-
ram os saltadores como deuses.
Kitai esfregou um pouco a barba postiça.
— A duração de um bloqueio mental depen-
de da força de vontade do paciente — disse ele,
bem objetivamente. — Não posso, portanto,
prever quando estes corajosos marinheiros co-
meçarão a pensar independentemente.
O quarto homem sorriu para o telepata.
Chamava-se Tama Yokida, era também japonês
e membro do Exército de Mutantes de Rhodan.
Sua especialidade era a telecinésia. Podia movi-
mentar a matéria no espaço infinito, apenas
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com as emanações energéticas do pensamento.
— Nós podemos nos defender deles, caso
seja necessário, meu caro Kitai. Mas espero que
não seja necessário. Quanto mais tempo ficar-
mos despercebidos, tanto melhor para nossa
missão. Quando tivermos em mãos os arma-
mentos necessários, tudo sai bem.
John Marshall pigarreou.
— As coisas estão no fundo de um rio, bem
perto do espaçoporto dos saltadores, alguns
quilômetros daqui. Gucky teve que afundá-las
naquele local para não caírem nas mãos do ini-
migo. Estou feliz porque ele conseguiu escapar
vivo.
Olhou em volta.
— Onde é que ele está, realmente?
— Estou aqui, meu amigo — falou uma voz
clara e estridulante, bem atrás de John.
O telepata virou-se para trás e fixou os
olhos, admirado, para o alto da amarra que es-
tava bem perto do parapeito. A roldana da
amarra se moveu um pouco. Em sua extremida-
de superior surgiram duas orelhas pontudas, co-
bertas de pêlo, depois dois olhos de brilho astu-
to, e finalmente um focinho comprido e fino
onde tremulavam uns fios de cabelo.
— As barbas compridas dão a vocês uma
aparência de grande bondade — cochichou a
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mesma voz, enquanto os olhos rápidos observa-
vam tudo em volta. — Todos os homens devi-
am usar barbas compridas, para darem a im-
pressão de bondosos e adultos.
Depois deste conselho, Gucky arrastou-se de
seu esconderijo e parou no chão, no meio dos
quatro homens. Parecia sentir-se aí seguro de
olhares indiscretos.
Gucky era realmente uma visão deslumbran-
te. Parecia um misto de castor e de rato, mais
ou menos um metro de altura, com um pêlo
marrom-ferrugem. Além disso, uma longa cau-
da que lhe servia de apoio ao caminhar. De
uma distância maior, podia-se tomá-lo por uma
espécie de Mickey Mouse fugido de Hollywood,
mas olhando mais de perto, percebia-se logo o
engano. Gucky era muito mais poderoso do
que um Mickey Mouse. Habitante de um lon-
gínquo e solitário planeta, era telecineta, telepa-
ta e teleportador ao mesmo tempo. Gucky era
de fato mais do que um valoroso membro do
Exército de Mutantes. E, em nome de Perry
Rhodan, defendia a Terra no infinito do cosmos
contra todos os ataques das forças extraterre-
nas.
— Obrigado pelo conselho — confirmou Ki-
tai, sério, e começou a coçar o rato-castor atrás
da orelha direita, o que muito lhe agradava. —
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Mas, quando eu imagino você de barba compri-
da...
Não terminou o quadro da horrenda visão,
sorriu a contragosto, enquanto John ria calma-
mente.
— Gucky de barba comprida? Santo Deus, o
planeta inteiro aqui extrapolaria os limites do
espaço-tempo de tanta alegria. Eu também.
Gucky assobiou como sinal de aviso. John
percebeu que uma mão invisível o erguia, e não
fosse a situação tão séria para permitir uma
brincadeira, Gucky o teria feito flutuar até o pa-
rapeito e depois o teria deixado cair n’água.
Por este motivo, Gucky se satisfez com o
aviso.
— Gostaria de saber por que razão uma bar-
ba em mim seria mais ridícula que em vocês.
John Marshall estava para responder, quan-
do seu cérebro bem adestrado sentiu impulsos
estranhos. Piscou ligeiramente para seus três
companheiros e comprimiu Gucky contra o
chão. Ali ninguém o podia ver, se ele não apa-
recesse no convés. Durante quase dois minutos
ele ficou escutando, de olhos semicerrados, até
que acenou com a cabeça e olhou brevemente
para Kitai. Enquanto os outros permaneciam
quase estarrecidos em seus lugares, de respira-
ção presa, ele anunciou, quase sussurrando:
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— São os nossos goszuls, pelo menos alguns
deles. Libertaram-se do bloqueio hipnótico, Ki-
tai. Estão pensando agora quem somos nós. Es-
tamos a bordo de um navio deles e eles não ati-
nam como chegamos aqui. Já perceberam, na-
turalmente, que não somos goszuls inteligentes,
isto é, os nativos que receberam doutrinação
hipnótica dos saltadores. Nossa semelhança
com os saltadores não representa muita coisa
para eles, já que nunca os viram pessoalmente.
Portanto, consideram-nos simplesmente estran-
geiros, o que realmente somos. Pretendem nos
dominar e “nos entregar aos deuses”.
Tako, o teleportador, viu lá embaixo os pri-
meiros servos dos deuses — assim eram chama-
dos pelos nativos os seus irmãos de raça que se
tornaram repentinamente inteligentes — que
começavam a entrar no navio, para vigiar o
descarregamento das mercadorias de seus se-
nhores. Estavam acompanhados de robôs de
combate dos saltadores.
— Como devemos entrar em ação? — per-
guntou o japonês, quase sussurrando. — Quan-
do os condicionados notarem, lançarão sobre
nós os robôs de combate. Não vamos tirar as
máscaras, não é ou...?
— De maneira alguma — concordou John
Marshall e continuou se concentrando febril-
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mente. — Kitai, o que você diz a isso? — Não
pode daqui...?
— Pessimamente — disse o sugestor aba-
nando a cabeça. — O método mais seguro de
manter os revoltados novamente sob controle é
a confrontação direta. Daqui, a minha influên-
cia sobre eles seria deficiente, sem considerar
ainda que poderá surgir qualquer complicação e
eu não possa então me concentrar para exercer
minha influência.
— Com outras palavras — interrompeu o te-
lecineta Tama Yokida — quer dizer que não é
muito provável que desta distância possa isolar
alguém dentro da multidão e influenciá-lo hip-
noticamente; não é isto que queria dizer, Kitai?
O sugestor fez sinal afirmativo com a cabeça
e nada falou. John Marshall levantou-se.
— Devemos fazer alguma coisa, se quiser-
mos manter o bando todo sob bloqueio hipnóti-
co. As emanações mentais se tornam cada vez
mais intensas. Daqui a pouco, os homens aban-
donam o trabalho e se precipitam sobre nós.
Um deles já está com a faca na mão.
Os goszuls viviam numa civilização que po-
dia ser comparada com a do século XVIII na
Terra. As facas eram, portanto, muito eficientes
nas mãos dos nativos.
— Maldito robô — resmungou Kitai furioso.
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— Nunca experimentei em minha vida colocar
um robô sob meu controle mental.
John sorriu levemente.
— Tenho medo de não termos sorte com
isso. Mas os robôs haveriam de notar, caso
acontecesse algo com seus subordinados. Esta-
mos, portanto, num beco sem saída.
— Perguntemos a Rhodan — propôs
Gucky, que ainda estava agachado no meio dos
homens, evitando ser visto. — Ele pode, talvez,
nos dar um conselho.
— Poder, pode — continuou John — resta
saber se quer. Vocês sabem que os saltadores
não podem nunca saber quem é que está se in-
trometendo em seus assuntos particulares. É
claro que o nosso micro-comunicador tem um
raio de ação de três meses-luz, enquanto que
Rhodan está apenas a uma distância de oito
dias-luz. Mas acho que não temos mais tempo
de entrar em contato com Rhodan. Olhem só lá
para baixo.
As cabeças dos homens viraram todas para
o mesmo lado. Lá embaixo no convés, um dos
carregadores tinha deixado cair seu fardo e es-
tava de pé perto de um dos servos dos deuses,
gesticulando muito e falando com ele. Dois dos
cinco robôs de combate que entraram no navio
se aproximaram. Essas máquinas, de constru-
15
ção completamente positrônica, tinham um cé-
rebro de funcionamento normal e podiam to-
mar decisões próprias e transformá-las em reali-
dade, enquanto estivessem em contato com o
controle central. Suas radiações energéticas em-
butidas faziam deles máquinas de combate in-
vencíveis. Naturalmente, para os primitivos gos-
zuls estes robôs tinham que ser criaturas seme-
lhantes a um deus, pois não conheciam nem
ainda a navegação espacial. Para eles, os deu-
ses desciam do céu e voltavam para ele de
novo.
O mais inteligente dos servos dos saltadores
— não havia normalmente mais do que vinte
deles no planeta dos goszuls — ouviu atenta-
mente o que o nativo lhe tinha para comunicar.
Seu olhar percorreu o convés do navio e se de-
teve finalmente na escada para o tombadilho.
Acenou com a cabeça, deixou de lado seu
interlocutor e se dirigiu para a escada que dava
para o tombadilho. Como estava parecendo,
era uma visita que ele tencionava fazer aos qua-
tro indivíduos misteriosos do tombadilho. Por
felicidade, não lhe passou pela cabeça a idéia
de levar como acompanhante um dos robôs de
combate.
John Marshall auscultava o cérebro do gos-
zul. Tinham-lhe falado da presença a bordo de
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pessoas estranhas e de aparência misteriosa,
que talvez fossem interessantes para os deuses.
Além disso, podia John reconhecer o nome do
homem. Chamava-se Geragk.
Marshall fez um sinal rápido para Kitai. Tra-
balhavam muito bem juntos. Geragk sairia de-
pois do navio, sem se lembrar de nada.
O servo dos deuses subiu os degraus de ma-
deira para o tombadilho e de repente ficou pa-
rado junto ao parapeito, como se seus pés esti-
vessem colados ao assoalho. Com os olhos ar-
regalados, fixava os quatro homens que, no pri-
meiro instante, tinha de supor serem saltadores.
Seu cérebro ainda pensava normalmente e po-
dia compreender a situação.
“Saltadores? Aqui, no barco a vela dos pri-
mitivos? Que significava tudo isto?”
Inclinou-se profundamente, nos seus olhos,
porém, havia dúvidas. John constatou que Ge-
ragk procurava febrilmente uma explicação. Os
saltadores dominavam certamente este planeta,
mas eram demasiadamente orgulhosos para se
preocuparem com os problemas dos nativos,
muito menos ainda para se misturarem com
eles desta maneira.
— Perdoai-me, ilustres senhores — come-
çou vagarosamente, fixando os olhos nervosa-
mente nas pranchas de madeira a seus pés,
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como se delas pudesse tirar as palavras para se
desculpar. — Mas o capitão deste barco está
tão constrangido por ter a honra de abrigar
neste navio pequeno hóspedes tão eminentes.
Posso perguntar se vos posso ser útil em algu-
ma coisa?
Era realmente uma boa pergunta. John sor-
riu.
— Ótimo, Geragk, obrigado. Estamos em-
preendendo uma viagem de inspeção, mas
como o senhor sabe, os primitivos não nos co-
nhecem. Não queremos empregar violência,
por esta razão os robôs que aqui estão garanti-
rão a nossa saída.
John reconheceu que suas palavras não che-
garam a tranqüilizar o goszul. Geragk estava
mesmo decidido a comunicar o inexplicável
acontecimento. Não havia, portanto, nenhum
outro expediente, a não ser lhe tolher a memó-
ria e lhe sugestionar um outro quadro mental.
Foi Kitai quem se incumbiu do caso.
O japonês não modificou sua postura, per-
maneceu sentado e dirigiu seu olhar simples-
mente para Geragk, que, por sua vez, não se
sentiu à vontade com o olhar fixo do outro.
Mas durou pouco. Seus traços se iluminaram de
repente, sorriu obsequioso, inclinou-se mais
profundamente ainda, quase tocando o chão.
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Retirou-se sem dizer uma palavra e desceu para
o convés inferior, onde ouvira o goszul que lhe
chamara a atenção sobre os estranhos a bordo.
John Marshall comprimiu os olhos.
— Só uma pequena folga, Kitai. Você não
pode botar todos na fila e sugestionar um por
um. Acho que só nos interessa uma sugestão
em massa, se nós não quisermos ser atacados,
e eu não gostaria principalmente por causa dos
robôs de combate. À menor suspeita, eles se
transformam em fortalezas a vomitar fogo.
— E eu os faço voar para dentro da água —
avisou Gucky chiando.
John botou os dedos nos lábios fechados.
— Psiu, mais baixo, Gucky. Se alguém o vê,
vai haver barulho. Ninguém poderá realmente
confundi-lo com um patriarca saltador. Kitai,
notou alguma coisa de esquisito neste Geragk?
Naturalmente, não, pois não sabe ler pensa-
mentos. Antes de você lhe ter impregnado a
nova memória e de lhe ter ordenado que esque-
cesse o acontecido, eu peguei uns pedaços de
pensamento. Nenhum pensamento claro e com
muita coordenação, infelizmente, mas mesmo
assim com detalhes interessantes.
— O quê, então? — sussurrou Kitai e não
perdeu de vista o convés, onde o capitão do na-
vio conversava com alguns dos seus.
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— Geragk queria realmente nos denunciar a
seus superiores, porque suspeitava de alguma
coisa. Não o fez para prestar um serviço aos
saltadores. Tinha outros motivos.
— Quais?
— Queria convencê-los de sua lealdade, que
realmente não possui. Não sei bem exatamen-
te, mas me parece que por alguns momentos
ele pensou numa organização secreta que podia
causar muitos danos aos saltadores e tornar no-
vamente livre e independente o planeta Goszul.
— Um movimento de resistência? — disse
Kitai admirado. — Haverá um movimento de
resistência de fato no planeta Goszul? Não
acredito. Quem se atreveria a lutar contra os
deuses?
— Aqueles que os conhecem melhor, seus
servidores. Geralmente é assim.
— Eles estão atacando agora — silvou
Gucky, interrompendo a conversa e se telepor-
tou como um raio para a roldana da amarra. Os
quatro homens permaneceram sentados, indeci-
sos em seus lugares, até que Kitai falou:
— Eu vou dominar todos eles de uma só
vez. Nosso único esconderijo é o navio. Nin-
guém nos pode ver em terra, isto traria compli-
cações desagradáveis.
Com um rápido olhar ele se certificou que
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os robôs continuavam rígidos nos lugares que
haviam assumido. O episódio num navio dos
nativos não lhes representava nada, enquanto
os interesses de seus senhores não fossem atin-
gidos.
— Fiquem sentados calmamente, até que
acabe tudo. Os rapazes vão descarregar o navio
como se nada tivesse acontecido.
Embora John, Tako e Tama conhecessem
as qualidades assustadoras de seu colega, fica-
vam sempre atônitos quando presenciavam as
inconcebíveis alterações dos atingidos.
O capitão do navio parecia haver convenci-
do a tripulação ou ao menos uma parte dela, de
que alguma coisa não estava certa a bordo. Tal-
vez ele se preocupasse com o fato de não saber
como os estranhos entraram no barco. De qual-
quer maneira, não deu fé às palavras apazigua-
doras de Geragk, mas gritou para sua tripulação
alguma coisa. Nem todos, mas alguns abando-
naram o trabalho e desembainharam as facas.
Ameaçadores, dirigiram-se ao tombadilho.
Os robôs permaneciam passivos. Kitai se
concentrou, lançou sua corrente de pensamen-
to contra a tripulação.
O capitão estancou de repente, passou a
mão pela cabeça, como se lembrasse de alguma
coisa. Com a esquerda, guardou novamente a
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faca na cintura. Vagarosamente os outros segui-
ram seu exemplo. O primeiro deu meia-volta e
caminhou para seu local de trabalho. Como se
nada tivesse acontecido, pegou o fardo e o ati-
rou para a barcaça que estava atracada embai-
xo. As emanações mentais de Kitai não tinham
ainda atingido os servos dos saltadores. Apesar
de sua inteligência relativa, não podiam com-
preender o que se passava a bordo do veleiro.
Antes que pudessem suspeitar de alguma coisa,
caíram sob a influência dos dons de Kitai. Não
aconteceu muita coisa, simplesmente esquece-
ram. Isto foi tudo.
Estava salva a situação, pelo menos no mo-
mento. A experiência ensinava que a capacida-
de de Kitai tinha seus limites. Passado algum
tempo, a consciência das pessoas bloqueadas
neutralizava a força mental que lhes fora impos-
ta.
O importante, porém, foi que os robôs não
perceberam nada do incidente. Estavam imó-
veis em seus postos e cuidavam de que nin-
guém atacasse os servos de seus senhores.
Horas depois, terminava o desembarque da
mercadoria.
— Que foi que descarregamos mesmo? —
perguntava Tama que, como telecineta, não
podia ler os pensamentos. Antes que John pu-
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desse responder, disse Gucky, que entrementes
já havia descido da roldana da amarra:
— Cânhamo ou coisa semelhante. Os salta-
dores pagam bem por isso, porque extraem daí
um famoso entorpecente que já colocou muitos
planetas sob seu jugo.
— De onde é que você sabe disso?— per-
guntou Kitai admirado.
Gucky virou para frente as orelhas pontudas
e disse chiando:
— Gucky sabe tudo.
John Marshall olhou para o céu.
— Está ficando escuro e eu ainda estou pen-
sando se ficamos no navio ou se vamos para
terra. Os saltadores ficam somente neste conti-
nente, o resto do planeta não lhes interessa. Se
quisermos, pois, atacar, tem que ser aqui.
— Ah, se Rhodan desse ao menos uma indi-
cação — lamentou Tako.
John olhou rapidamente para o franzino ja-
ponês.
— Se não me engano, ele nos mandou
Gucky para estarmos a par de suas intenções.
Até agora, porém, Gucky está calado. Quem
sabe não chegou ainda a hora...
O rato-castor compreendeu aquela fina indi-
reta. Desde que tinha recebido a incumbência
de acompanhar o grupo dos quatro mutantes,
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ainda não tinha conversado nada sobre seus
planos, claro que principalmente devido aos fa-
tos que se precipitaram, não lhe permitindo
tempo para isto. Inclinou a cabeça e murmurou
alegre:
— Chegará logo a hora, meu caro colega te-
lepata, como você sabe tão bem como eu. Pen-
se apenas neste Geragk, que no momento está
abandonando o navio com os seus robôs. Ele é
apenas um entre muitos.
— Que está dizendo com isto? — queria sa-
ber John, pois Gucky guardava bem seus pen-
samentos.
— Existem realmente alguns goszuls que se
preocupam com a idéia de sacudir o jugo dos
saltadores e de tocar pelo universo afora estes
comerciantes da galáxia. Poderiam se tornar
nossos aliados.
— Certo — confirmou John, não demons-
trando nenhum entusiasmo. — E como faremos
contato com estas forças da resistência? Isso
não é tão fácil assim, ou...?
— É sim — silvou Gucky feliz e ficou olhan-
do como os marinheiros, depois de terminar o
trabalho, saíam para descansar fora do navio.
— É muito simples. Você se lembra daquela voz
mental que percebeu há pouco? Alguém se in-
trometeu em nossa conversa telepática, mais ou
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menos como uma terceira emissora interrompe
o diálogo de dois interlocutores. Neste planeta
deve existir, portanto, pelo menos um telepata.
John concordou.
— Eu tinha o mesmo pressentimento — dis-
se ele. — Mas como é que sabe que ele nos vai
ajudar?
— Porque é uma das figuras mais importan-
tes do movimento de resistência — disse Gucky
com tal naturalidade que surpreendeu John e os
três japoneses. — Faça contato com ele, quan-
do se apresentar, vai ser muito simples.
John se recuperou de sua grande surpresa.
— De onde você sabe tudo isto?
— Eu sei ainda mais — disse Gucky fugindo
da pergunta. — O telepata dos goszuls se cha-
ma Enzally.
Tako fechou a boca, quando John o olhou
fixamente. Kitai apenas meneou a cabeça, mur-
murando qualquer coisa como “segredos traiço-
eiros”, enquanto Tama, sem maior interesse na
conversa, contemplava o céu que já estava fi-
cando escuro, onde se delineavam constelações
estranhas. Era astrônomo e este mundo distava
da terra 1.012 anos-luz. Motivo suficiente para
se interessar pelo céu.
— E isso você somente diz agora? — falou
John Marshall com ares de repreensão.
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Gucky concordou conscientemente.
— Você nunca me perguntou nada a respei-
to — e sem mais nem menos acrescentou: —
Quando pegaremos as coisas que eu trouxe de
Rhodan?
John já havia quase esquecido. Sim, as coi-
sas. Em sua viagem repleta de aventuras, Gucky
tinha trazido toda espécie de bagagem que, no
entanto, teve de abandonar em virtude de acon-
tecimentos imprevistos. Estava bem acondicio-
nada no fundo de um rio, bem longe da região
povoada.
— Durante o dia — continuou John — pois
de noite precisaríamos de luz e isto chamaria a
atenção dos robôs de vigia postados nas proxi-
midades do espaçoporto. Com a claridade do
dia, nossas chances serão melhores. Amanhã,
pois, proponho eu. Aliás, Gucky, apenas uma
pergunta: Que é que você trouxe?
Gucky mostrou seu dente de roedor, pois
sempre que sorria este dente isolado ficava à
vista. O rato-castor, de alguma maneira, sorria
com o dente por mais paradoxal que isto possa
parecer. E quando mostrava o dente, não se
conseguia entender bem suas palavras.
— Bombas — sussurrou ele com voz extra-
ordinariamente clara. — Uma mochila inteira
cheia de bombas, bombas comicamente peque-
26
nas.
— Bombas? — suspirou John, fixando
Gucky com olhos arregalados. — Que vamos
fazer com bombas? Não temos nem um avião
para lançá-las. Além disso, os saltadores nos
prendem imediatamente, se começarmos a jo-
gar bombas.
Gucky balançou a cabeça compassivamente.
— Os homens são criaturas de compreensão
difícil — observou muito pensativo. — Quando
ouvem a palavra bomba, pensam logo em ex-
plosivos. Não, colega John, não se trata desta
vez de bombas que explodem, mas simplesmen-
te de bombas que se devoram antes de produzi-
rem efeito. É tudo tão simples.
John concordou, sem compreender.
— É, é tudo tão simples — murmurou, con-
templando o rato-castor, como se lhe quisesse
arrancar o pêlo. — Proponho que você agora
nos diga o que vai acontecer, do contrário vai
mesmo acontecer alguma coisa...
O dente de roedor de Gucky desapareceu de
repente.
— Pois bem, meus amigos, então ouçam
com atenção.

***

27
Sete planetas giram em volta do sol 221-Ta-
tlira, que percorre sua órbita em torno da Via
Láctea a uma distância da Terra de 1.012 anos-
luz. Só o segundo planeta tem vida inteligente,
a raça dos goszuls, semelhante à dos homens,
no momento dividida em duas metades pelos
saltadores. Um patriarca desta raça de comerci-
antes da galáxia, de nome Goszul, descobriu o
planeta e lhe deu seu nome. A partir deste tem-
po, o planeta de Goszul passou a pertencer ao
império dos saltadores.
Os saltadores, ou também chamados comer-
ciantes, não tinham propriamente pátria. Com
suas grandes naves, percorriam as galáxias e fa-
ziam comércio. Não davam muita importância à
solidariedade, a menos que seus interesses esti-
vessem em jogo. Aí então mostravam uma
grande união e esqueciam suas rixas, que fre-
qüentemente separavam as famílias.
Um caso assim estava se passando no mo-
mento. Os saltadores haviam descoberto a Ter-
ra e tentavam transformá-la num entreposto co-
mercial, quando foram repelidos energicamente
por Perry Rhodan. Aqui, no planeta de Goszul,
estavam pois reunidos os mais poderosos che-
fes dos clãs, a fim de estabelecerem um plano
de como se libertarem do incômodo e misterio-
so Rhodan, que tenazmente resistia às “bem in-
28
tencionadas” invasões.
Os primeiros ataques dos mutantes tinha re-
duzido consideravelmente o número dos patri-
arcas presentes, mas ninguém cedia. Aliás, nin-
guém supunha, nem podia supor, que era exa-
tamente Perry Rhodan, o homem que estava a
1.012 anos-luz, o autor destes ataques.
A história de 1.012 anos-luz não era verda-
de. A frota de Rhodan estava realmente a oito
dias-luz distante do sistema de Tatlira, esperan-
do no espaço.
O coração da frota de Rhodan era a podero-
sa belonave Stardust-III, uma nave esférica com
diâmetro de 800 metros. Era comandada e diri-
gida pelo próprio Rhodan. Trazia no seu interi-
or armas dos tipos mais modernos e em grande
parte de origem arcônida. Dois transmissores
que transportavam a matéria a qualquer distân-
cia imaginável e no ponto de chegada desejado
a rematerializavam — inclusive bombas atômi-
cas — formavam uma arma irresistível.
Três cruzadores, igualmente esféricos, com
diâmetro de apenas 200 metros, acompanha-
vam a Stardust. Seus comandantes eram o capi-
tão McClears, o major Nyssen e o major De-
ringhouse.
Sem serem atingidos pelos rastreadores es-
truturais dos saltadores e por isso despercebi-
29
dos, percorriam estes quatro gigantes do espa-
ço o longínquo sistema solar. Rhodan não tinha
intenção de intervir diretamente nos aconteci-
mentos, embora fosse indiretamente o respon-
sável. Não tinha pressa. Na Terra, tudo corria
normalmente. O Governo Mundial era entre-
mentes uma realidade. Rhodan fora nomeado
por seis anos para Administrador do planeta.
Durante sua ausência, era o coronel Freyt, seu
substituto permanente, quem dirigia os negó-
cios.
Mas nem todo mundo tinha a mesma calma
que Rhodan.
Muito menos Reginald Bell, seu íntimo ami-
go e cooperador. Os cabelos vermelhos de Re-
ginald Bell, que era chamado simplesmente de
Bell, estavam penteados à escovinha e aquelas
cerdas verticais não contribuíam exatamente
para embelezar seus traços já rígidos. Nos olhos
de um azul-claro, cintilava uma ira contida.
Com exceção de alguns oficiais de serviço e téc-
nicos de radiotransmissão, a sala estava vazia,
mas Bell não era homem que se preocupava
com a ausência de alguns subordinados, quando
se tratava de dar expansão a sua ira.
— Quem sabe você pode ter a gentileza —
rosnou rispidamente — de me dizer para que
esta demora toda.
30
Perry Rhodan olhava constantemente o fra-
co cintilar da tela, onde Tatlira parecia tão pe-
quena como uma estrela insignificante. A luz
fraca da central fazia desaparecer um pouco seu
corpo magro, mas com o reflexo da tela seus
traços fisionômicos eram realçados. Os lábios
contraídos formavam uma linha reta. Nos
olhos, o fogo tranqüilo da expectativa. Os cabe-
los escuros e lisos formavam um contraste be-
néfico com a cabeleira hirsuta de Bell.
— Você ouviu o que eu disse? — perguntou
Bell impaciente, quando não recebeu nenhuma
resposta. Rhodan virou-lhe rapidamente a cabe-
ça e continuou fixando a tela. — Há necessida-
de disso? — perguntou objetivamente.
O rosto de Bell ficou mais sombrio. As pon-
tas do cabelo tremiam, mas sua voz abrandou
um pouco. Isso, porém, não queria dizer que
seu nervosismo acabara. Pelo contrário.
— Para que falar, se ninguém me escuta? —
disse para si mesmo. — Perguntei por que esta-
mos aqui dependurados no infinito e esperando
o quê?
Rhodan continuou olhando para a tela.
— Tanto tempo, meu amigo, até que possa-
mos descer lá do outro lado, daqui a oito dias-
luz. Naturalmente ninguém pode prever quanto
ainda ficaremos aqui. Isto depende primeira-
31
mente de John Marshall, seus mutantes e de
Gucky.
— Sempre este rato desgraçado — gritou
Bell, esfregando o queixo. — Quer dizer que
tudo depende deste camundongo.
— E depende mesmo — concordou Rho-
dan, esforçando-se para permanecer sério. —
Estou curioso para saber o que Gucky vai dizer
quando souber o que seu melhor amigo pensa
dele.
— Não, por todos os deuses do Universo —
gritou Bell, como se alguém lhe enfiasse uma
agulha através de toda a espinha dorsal. —
Tudo menos isso, não provoque desnecessaria-
mente o maldito rato. Eu não poderia revidar.
Acha que eu gostaria de ficar de novo três ho-
ras dependurado sob o teto, até que o espanta-
lho se dignasse me deixar descer? Afinal, não
sou nenhum mutante, sou um homem normal.
Rhodan tirou os olhos da tela e olhou pensa-
tivo para ele. Um esboço de sorriso apareceu
nos seus lábios. Parecia que, apesar de sua rela-
tiva imortalidade, tinha envelhecido nas últimas
semanas.
— Muito bem — respondeu ele, nada mais.
— Talvez não? — Bell fez uma contra-per-
gunta, mas não esperava resposta, pois logo
acrescentou: — Já teve confirmação se Gucky
32
encontrou os mutantes?
— Conseguiu, mas não sem dificuldades. No
momento nossa tropa de ataque está num bar-
co a vela, ancorado no porto de terra dos deu-
ses. O nome me escapou. Desde ontem, po-
rém, Marshall não se manifesta.
— Quem sabe foram presos — disse Bell
triste.
— Esperamos que não, Bell. Isto escanga-
lharia todo meu plano.
— Que plano, Santo Deus.
— O de conquistar pacificamente o planeta
de Goszul.
— Conquistar pacificamente?... Você é mui-
to otimista, Perry. Conquista pacífica, e os co-
merciantes matam os nossos onde os encon-
tram.
— No planeta de Goszul não vivem apenas
comerciantes — disse Rhodan com ar sério. —
Os aborígines primitivos são totalmente inofen-
sivos, os servos que se tornaram inteligentes na
Ilha da Terra dos Deuses não representam mai-
or perigo se compreenderem que se trata de
sua própria liberdade. A Terra dos Deuses é
uma colônia dos saltadores. Deste ponto aí é
que dominam o planeta. Normalmente, porém,
permanecem na Terra dos Deuses, quando
muito, duas dúzias de saltadores. A aglomera-
33
ção atual é uma exceção, com a qual temos que
contar. A tudo isso acrescente ainda os milha-
res de robôs de trabalho e de combate, que te-
mos que ter em conta de inimigos sérios. Não
obstante tudo isto, ainda aspiro a uma conquis-
ta pacífica.
— Muito prazer em sabê-lo — resmungou
Bell, que ainda não compreendia onde Rhodan
queria chegar. — E como você vai conseguir
isto? Ficando aqui, esperando até estarmos per-
didos?
Rhodan apontou para uma caixinha quadra-
da à sua frente, em cima da mesa de controle.
Ao lado dela havia alguns botões, enquanto que
a parte superior apresentava um conjunto de
lâmpadas de controle.
— Olhe lá. Com isso posso entrar em conta-
to com Marshall ou com Gucky. Aguardo notí-
cias e antes que cheguem não podemos tomar
nenhuma iniciativa.
— Com os transmissores fictícios podemos
mandar tantas bombas...
— Já recusei uma vez tal proposta, Bell —
lembrou-o Rhodan. — Não quero que nossa
posição seja descoberta. Se deixarmos o serviço
para Marshall e seu grupo, nenhum dos saltado-
res chegará a imaginar que nós é que estamos
atrás desta ação, se é que algum dia cheguem a
34
perceber que isto foi uma ação. Pelo contrário,
atribuirão sua derrota muito mais a uma doença
normal.
A cara de Bell parecia um ponto de interro-
gação.
De repente seus olhos se iluminaram.
— Minha inteligência é a mesma que a sua,
mas eu nunca entendi bem de palavras cruzadas
e charadas. Por favor, tenha a gentileza de...
Rhodan teve realmente a gentileza.
— Gucky levou consigo uma multidão de
coisas utilíssimas, a mais útil delas são as bom-
bas do esquecimento.
— As bombas do quê?
— As bombas do esquecimento. Foram de-
senvolvidas na Terra e simultaneamente com
elas também o anti-soro. Resumindo: trata-se
de uma arma bacteriológica que após algum
tempo ataca o invólucro plástico das bombas e
se espalha rapidamente. Todo homem que en-
trar em contato com a bomba, manifesta logo
sintomas de uma doença desconhecida. Placas
vermelhas no rosto, dores na nuca, sensação de
cansaço, etc. Mas o pior vem ainda: o cérebro
da pessoa atingida não funciona mais direito.
Não poderá mais se lembrar de nada. Esquece
tudo. Numa palavra, os atingidos ficam doidos.
— E a isto você dá o nome de conquista pa-
35
cífica? — protestou Bell espantado. — Quer,
pois, deixar os goszuls doidos? Que tem isso a
ver com humanidade?
— Não se esqueça do anti-soro. Atua no
sentido contrário. Os doentes se curam imedia-
tamente e a doença não deixa absolutamente
nenhuma conseqüência. É como se nunca tives-
sem ficado doentes.
Bell parecia indeciso.
— Não estou compreendendo nada. Para
que então toda esta palhaçada?
— Os saltadores provêm da mesma raça que
os goszuls, isto é, dos arcônidas. Portanto não
são imunes a nossa doença.
O rosto de Bell se iluminou como um sol
resplandecente.
— Ah... quer dizer então que têm de chegar
até nós, se quiserem obter o antídoto.
Rhodan abanou a cabeça.
— Não havia pensado diretamente nesta hi-
pótese. Para mim o essencial é que daí em di-
ante eles evitem o planeta dos goszuls, como a
própria peste. Se chegarem à conclusão de que
o planeta está perdidamente contaminado, nun-
ca mais voltarão. Você tem outra idéia melhor?
Bell tinha que conceder que não podia haver
uma idéia melhor. Seus cabelos já pareciam
mais deitados um pouco, pois sua incerteza não
36
existia mais. Sabia agora por que Rhodan esta-
va esperando.

***

Quando o dia amanheceu, John Marshall


acordou seus companheiros. Os japoneses abri-
ram os olhos e viram os primeiros raios de luz
penetrando pela pequena clarabóia em sua ca-
bina.
— Já é dia — acrescentou Tako, e pulou
para fora do beliche.
— Como vai Gucky?
O rato-castor se materializou no meio da ca-
bina, como se tivesse ouvido a pergunta, o que,
na verdade era um fato.
— Estou aqui — disse chiando e alisando
seu pêlo. — Dei uma olhada em volta, os mari-
nheiros ainda estão dormindo. Parece que tra-
balharam demais ontem, estão cansados. Tudo
calmo, como que preparado para nossa opera-
ção.
— Estou feliz de não ser teleportador —
murmurou Kitai, permanecendo tranqüilo na
cama. — Acham que dão conta de tudo sozi-
nhos?
Tako abotoava seu casaco.
— Acho que sim, Gucky e eu. Juntos conse-
37
guiremos tudo, mesmo que não seja de uma só
vez. Perto do lugar em que Gucky afundou as
coisas no rio, há um banco de areia. Lá coloca-
remos o negócio.
— E de lá traremos caixa por caixa para o
navio — acrescentou o rato-castor. — Espera-
mos que os robôs não nos atrapalhem os cálcu-
los. Os homens de aço estão equipados com
instrumentos de rastreamento de alta sensibili-
dade.
— E além disso, com raios energéticos —
ponderou John. — Vocês devem agir com mui-
ta cautela.
— É claro — chiou Gucky, e alegre pegou a
mão de Tako para o guiar. — Você está pron-
to?
O teleportador abanou a cabeça afirmativa-
mente, procurando esboçar um sorriso.
— Pegar pela mão não adianta muito, mas
dá a qualquer um pouco mais de coragem. As
coordenadas do salto, eu já conheço.
— Pousaremos no banco de areia, Tako. Se
houver perigo, não pular cegamente, mas voltar
para cá.
Gucky concordou, dizendo:
— Tudo pronto?
John e seus dois companheiros presencia-
ram como o japonês e o rato-castor se desma-
38
terializaram. Era sempre o mesmo quadro. Pri-
meiro parecia que os dois estavam atrás de uma
muralha de água transparente, que aos poucos
se punha em movimento. Depois, não restava
mais nada.
John, Kitai e Tama ficaram sozinhos na ca-
bina.

Vagarosamente o rio caracolava na direção


do mar. Percorria quase a metade do continen-
te que os aborígines chamavam de Terra dos
Deuses, mas não via muita coisa da civilização
ali existente. Em contraste com os outros conti-
nentes, a Terra dos Deuses tinha atingido um
alto grau de civilização, em virtude das grandes
instalações dos saltadores aqui construídas.
Principalmente no litoral, surgiram instalações
portuárias de alto nível técnico que pareciam
modernas demais para os barcos a vela e não
tinham, portanto uma utilização adequada.
O mais notável era o espaçoporto, que devia
ser considerado o centro da administração colo-
nial. As naves dos saltadores eram aí revisadas
e consertadas. Era um traço característico desta
raça que eles não tinham propriamente um pla-
neta-pátria. Possuíam, no entanto, muitos pla-
39
netas-colônia como pontos de apoio, que se
tornaram, aliás, necessários para uma existên-
cia pacífica no espaço.
Naturalmente, todas as instalações tinham
que ser protegidas contra possíveis sabotagens
por parte dos nativos, pois os saltadores não se
preocupavam em lutar com raças subdesenvol-
vidas. Para isso eles tinham os robôs, máquinas
aperfeiçoadas, comandadas positronicamente e
de aparência humanóide. Tinham tudo que uma
fortaleza em miniatura devia ter, para se defen-
derem contra forças superiores. Sua semelhan-
ça com as máquinas de combate dos arcônidas
não era mera coincidência. Os saltadores per-
tenceram igualmente ao grande reino estelar
dos poderosos arcônidas, ficando mais tarde in-
dependentes e fundando seu próprio império,
sem, porém, dar maior importância a limites fi-
xos. Faziam comércio onde podiam. E comerci-
avam com tudo que pudesse trazer dinheiro,
bem-estar e poder.
A Terra dos Deuses era, pois, menos con-
trolada pelos saltadores do que propriamente
pelos robôs. Apoiavam-se assim nos colabora-
dores voluntários, isto é, nos goszuls submeti-
dos a um doutrinamento hipnótico, nos nativos
desprezados, mas também temidos, chamados
servos dos deuses. Eram tidos como traidores
40
de sua ruça.
O banco de areia mal tinha um metro de al-
tura na sua parte mais elevada, acima do nível
da água calma do rio. As margens estavam lon-
ge, mas não longe demais para comprometer a
segurança de cem por cento. O rio, aliás, não
constituía nenhum impedimento para os pesa-
dos robôs.
Gucky se materializou do nada e viu como
também Tako surgia do ar vazio. Um simples
relance de olhos mostrou aos dois que estavam
sozinhos. Aliás, quem é que viria procurar algu-
ma coisa no banco de areia a estas horas da
manhã?
— Um pouco frio, acho eu — disse o japo-
nês desconfiado. — E com esta temperatura te-
mos que tomar um banho?
— Não tem importância — disse Gucky. Eu
dou um pulo de experiência e lhe dou então as
coordenadas exatas. Depois saltaremos juntos.
Materializamo-nos no fundo do rio, que em ne-
nhum lugar tem mais de cinco metros de fundu-
ra. Pegaremos uma caixa e voltaremos para cá.
Não ficaremos mais de dez segundos debaixo
d’água.
— Dez segundos é muito tempo, quando
não se pode respirar.
— Isto tem menos importância que o frio, e
41
o medo de que alguém perceba nossa operação
secreta.
Tako examinou o ambiente em volta. A
margem norte era plana e não oferecia nenhum
esconderijo. Deste lado ninguém podia surgir
despercebido, muito menos um robô. A mar-
gem sul estava coberta de florestas e era muito
irregular. Havia pequenas enseadas e pontas de
terra que avançavam para dentro do rio. Se ti-
vesse que haver um ataque, teria que começar
por estes lados.
— Enquanto os robôs de vigilância não nos
perceberem, não haverá nenhum ataque — dis-
se o japonês tentando encorajar o rato-castor e
a si mesmo. — Comecemos logo para não per-
dermos tempo.
Gucky concordou e imediatamente desapa-
receu.
Tako ficou esperando.
Dez segundos mais tarde, materializou-se a
seu lado uma caixa metálica reluzente e pingan-
do água e junto dela Gucky.
— Já trouxe uma comigo — guinchou o
rato-castor ofegante. — Que sorte que a cor-
renteza não está forte, do contrário não encon-
traríamos nem a metade das coisas. O negócio
está espalhado num raio de 50 metros, direção
exata leste. Vamos tentar mais?
42
O japonês concordou e pularam na água.
Meia hora depois, já tinham recolhido quase
tudo. Nem tudo foi tão fácil como no início,
pois algumas caixas tinham sido encobertas
pela sedimentação da areia do rio. De qualquer
maneira, foi-lhes possível, depois de muitos
mergulhos, libertar as caixas da areia e final-
mente trazê-las para cima. Lá estavam elas em-
pilhadas propositalmente em forma de pirâmi-
de.
Tako estava com os olhos bem comprimi-
dos, quando falou:
— Gostaria de sugerir que primeiro ponha-
mos a salvo estas aqui, antes de continuarmos
com a procura no fundo do rio. O que estiver
lá, está em segurança, o que não se pode dizer
das que estão no banco de areia.
— Combinado — disse Gucky. — Uma su-
gestão muito lógica, eu carrego a caixa com as
bombas e você a com os gêneros alimentícios.
Vamos embora depressa.
John quase teve um colapso quando, no
meio da cabina, surgiu uma caixa, empurrando-
o para o lado, de modo que checou a tropeçar
no beliche próximo, continuando deitado.
Gucky materializou-se em cima da caixa, com
ares de um herói.
— Mercadoria expressa acaba de chegar —
43
disse ele, dando um pulo para o beliche superi-
or, pois na mesma hora se materializou a se-
gunda caixa. Tako passou raspando nela e aca-
bou deitado no úmido chão de madeira.
— É só isso — perguntou John de cima da
cama, contente de que Kitai e Tama estavam
no momento dando um giro pelo barco para se
convencerem do estado de espírito pacífico da
tripulação. — Aqui não cabe mais muita coisa.
— Vocês podem ir ajudando um pouco —
disse Tako — colocando as caixas num lugar
seguro, que possa ser fechado, enquanto nós
vamos buscar as outras. São ao todo talvez vin-
te caixas.
— Vinte! — suspirou John saindo da cama.
— Vinte destas caixas?
— A maioria delas é de tamanho pequeno e
está bem empacotada. Infelizmente sofreram
um pouco com o transporte, mas continuam
impermeáveis. Gucky confirmou as palavras de
Tako com um aceno de cabeça, dizendo:
— Precisamos continuar o trabalho, vamos
embora.
Deram um pulo para fora. Infelizmente esta-
vam pulando numa cilada que lhes fora prepa-
rada.

***
44
RK-071 era um dos robôs de combate que
tinham a incumbência de controlar uma deter-
minada região. Geralmente estes robôs ficavam
em seus abrigos aguardando o sinal de entrar
em ação. Este sinal era transmitido, através do
rádio pelos robôs de vigilância, que existiam em
grande número e cuja missão era controlar per-
manentemente o território de sua jurisdição.
Em geral, era um serviço apenas de rotina, pois
ninguém contava com uma revolta dos inofensi-
vos goszuls, nem mesmo por parte dos descon-
fiados governadores da Terra dos Deuses. Con-
sideravam os nativos como súditos dóceis, que
ainda deveriam estar gratos pela tutela de uma
raça superior.
Os robôs não se deixavam levar por senti-
mentos nem por suposições. Estavam progra-
mados e cumpriam seu dever, que lhes era dita-
do pelo cérebro positrônico. Só se baseavam
em fatos e nada mais.
A operação no banco de areia era um fato.
O robô de vigilância RW-895 registrara esta
alteração e a transmitira ao cérebro central do
seu posto de comando. Ali, a mensagem foi ex-
plorada e tomadas as providências cabíveis. O
robô de combate responsável pela região era o
já mencionado RK-071. Recebeu a ordem de
45
ativamento e se pôs em marcha na direção do
rio.
Mas a central de comando do posto de vigi-
lância devia se lembrar ainda dos acontecimen-
tos anteriores, pois não se baseavam apenas
nas informações de um só robô. Sabia-se que
se tratava de um adversário misterioso, que não
devia ser menosprezado, e com toda certeza
não era nenhum habitante deste planeta atrasa-
do.
Tais eram as conclusões lógicas do cérebro
positrônico que tudo dirigia, embora silenciasse
sempre que se perguntava sobre a identidade
do inimigo misterioso. Ninguém devia saber
quem era, ao menos no começo.
Vindos de diversas direções, seis robôs de
combate marchavam em direção ao banco de
areia, para se colocarem sob o comando do
RK-071. Na margem sul do rio, estava de pron-
tidão um pelotão de goszuls de quociente inte-
lectual mais elevado, equipado com armamento
leve, com a incumbência de não permitir a pas-
sagem de ninguém e de prender qualquer pes-
soa suspeita.
Tudo isto aconteceu exatamente enquanto
Gucky e Tako mergulhavam à procura das cai-
xas caídas no fundo do rio, para empilhá-las no
banco de areia. Das duas margens, não se po-
46
dia ver bem o que se passava. De vez em quan-
do, os observadores notavam uma figura huma-
na, que podia ser tão bem um goszul como
também um saltador. De qualquer maneira,
aquele pequeno vulto estava causando muita
dor de cabeça ao cérebro positrônico do posto
de comando.
E, de repente, desapareceram as duas figu-
ras, como se tivessem sido dissolvidas, junta-
mente com duas caixas, em pleno ar.
Isto foi para eles, os robôs de combate, o
motivo de ocuparem o banco de areia. Cami-
nharam simplesmente para frente e desapare-
ceram dentro do rio. Assim não perdiam sua
possibilidade de locomoção no espaço, a água
também não lhes apresentava dificuldades.
Com a maior naturalidade, caminhavam no fun-
do do rio e, quando a água começou a ficar
rosa, subiram para o banco de areia. Aí, procu-
raram um esconderijo, para surpreenderem os
dois seres estranhos quando estivessem de vol-
ta. A ordem que haviam recebido era de não
matarem, mas sim de pegar vivos os dois des-
conhecidos.
E exatamente aí é que estava a sorte de
Gucky.

***
47
Mais ou menos a cinco metros da pilha de
caixas, Gucky e Tako se materializaram simulta-
neamente. Este estranho fenômeno não provo-
cou nenhuma reação nos robôs, pois estes
monstros mecânicos não se admiram de nada,
nem mesmo de acontecimentos quase impossí-
veis. Mas o fenômeno foi realmente tão rápido,
que Tako já havia pegado a caixa e iniciado a
volta, quando os quatro robôs se puseram a ca-
minho, abandonando seu esconderijo.
Gucky estava exatamente escolhendo uma
determinada caixa.
O barulho que ouviu às suas costas o obri-
gou a virar para trás. Os quatro monstros mar-
chavam resolutos e ameaçadores na areia solta,
contra ele. Dois deles se desviaram para os la-
dos, para lhe cortar a retirada — aliás, uma coi-
sa muito difícil, no caso de um teleportador,
como veriam logo a seguir.
Gucky deixou a caixa onde estava e se tele-
portou a uma altura de duzentos metros, onde
de novo se materializou. Suas propriedades te-
lecinéticas lhe permitiam pairar normalmente
no ar e, de lá de cima, contemplar calmamente
o desenrolar dos acontecimentos.
Não era difícil perceber o que estava aconte-
cendo.
48
Lá no fundo, na margem norte estavam três
outros robôs de combate em posição de senti-
do, aguardando ordens para entrar em ação.
Os goszuls na margem sul do rio estavam um
pouco mais camuflados, mas Gucky os desco-
briu imediatamente. Devia, porém, admitir que
a automatização do sistema de vigilância dos
saltadores era perfeita e funcionava instantane-
amente. No espaço de meia hora, tinham eles
percebido sua atividade na ilha e tomado as
providências cabíveis.
E Tako, que não estava a par de nada, podia
voltar a qualquer momento. Gucky resolveu en-
tão tomar as contramedidas. Em vez de se des-
materializar, deixou-se simplesmente cair. Des-
pencou como uma pedra em cima dos robôs e
com um pequeno desvio caiu a quase cinqüenta
metros deles, na parte leste do banco de areia.
Agora ele poderia se concentrar bastante e pôr
em atividade suas forças telecinéticas.
Um dos robôs de combate se ergueu no ar,
sem maior esforço, antes que Gucky tivesse
tempo para se virar e tomar conhecimento da
situação. Subiu até uma altura de cem metros,
atirando loucamente em volta e foi de tal ma-
neira para o lado até que parou sobre a mar-
gem sul, no trecho cheio de florestas e de ro-
chedos, onde os goszuls tinham tomado posi-
49
ção. Gucky não tinha propriamente tempo,
mas não conseguiu vencer a tentação.
E assim, o robô não caiu imediatamente,
mas executou no ar dois loopings completos,
descreveu uma curva maravilhosa em cima dos
goszuls, perplexos, e foi bater com extrema ve-
locidade de encontro a uma rocha na margem,
espatifando sua cabeça metálica. O resto rolou
como sucata nas águas tranqüilas do rio, desa-
parecendo para sempre.
Chegou a vez do segundo robô.
Depois de um passeio artístico no ar, termi-
nou também de encontro ao rochedo, apenas
com a grande diferença de que ele conseguiu
transformar um pedaço da rocha em lava incan-
descente. Isto, porém, apressou seu fim. Sibi-
lando se precipitou nas águas do rio juntamente
com um bloco de pedra em brasa.
Gucky ia se concentrar no terceiro robô exa-
tamente quando Tako voltou. E o japonês se
materializou diretamente entre os dois monstros
que estavam atacando Gucky. Estava tão per-
plexo que nem se mexeu. Felizmente os robôs
não deram muita atenção a Tako. Sua preocu-
pação era, com toda razão, o pequeno rato-cas-
tor, o adversário mais perigoso que era neces-
sário botar fora de combate.
A ordem recebida tinha que ser cumprida.
50
Ainda não tinha sido transmitido o comando de
matar. Os robôs em geral têm muito pouca
consideração consigo mesmo, embora os robôs
de combate formem uma certa exceção. Quan-
do eles estavam em perigo de serem aniquila-
dos pelo adversário, fundia-se automaticamente
o relê de travamento e passavam então a fazer
uso de suas armas mortíferas.
— De volta para o navio — guinchou
Gucky, que julgava ter ainda uns segundos li-
vres. — Eu volto também, quando tudo estiver
normalizado.
Tako obedeceu, desaparecendo no ar.
Gucky pensou na opinião de John a respeito
da humanidade e optou por um espetáculo mui-
to impressionante. Esperava também assim po-
der influenciar beneficamente os goszuls, que
futuramente seriam seus aliados.
Os dois robôs de combate que ainda resta-
vam foram transformados em dois aviões. Exa-
tamente em cima dos goszuls, que naturalmente
não compreendiam o que estava se passando e
acreditavam que os deuses metálicos estavam
loucos, exatamente em cima deles é que os tais
aviões começaram a executar loopings, folhas-
secas e os vôos rasantes assustadores. Final-
mente, como ponto alto da exibição, os dois se
distanciaram, fizeram uma curva de volta e se
51
precipitaram, com velocidade extrema, um con-
tra o outro, até se chocarem, sob enorme ex-
plosão. Enganchados um no outro, caíram os
dois “aviões”, semi-fundidos, nas águas do rio,
onde desapareceram.
Os goszuls acompanhavam o espetáculo
com toda atenção, embora não pudessem expli-
car a razão de tudo. Haveriam de imaginar que
os dois deuses estavam brigando e assim se des-
truíram. Ninguém deles chegaria à conclusão de
que o animalzinho peludo no banco de areia
era o responsável por tudo.
Somente o RK-071 é que chegou à conclu-
são tão absurda e deu a ordem de ataque e de
destruição a seus colegas de aço. A partir daí,
não haveria mais consideração. O mini-adversá-
rio era demasiadamente perigoso para poder
ser preso.
Os monstros marcharam na direção da mar-
gem norte e não hesitaram em mergulhar no
rio. Gucky percebeu o perigo. Sabia que a água
não podia prejudicar o mecanismo dos robôs.
Apanhou uma caixa e a teleportou para o na-
vio.
Tako estava exatamente descrevendo para
John a situação no banco de areia, quando sur-
giu na cabina o rato-castor. Estava bem aperta-
do, pois Kitai e Tama já estavam de volta.
52
— Olha ele aí — exclamou Tako com fisio-
nomia de aliviado. — Que se passou por lá?
Você fugiu?
Apesar da seriedade do momento, Gucky
teve tempo de se sentir ofendido.
— Fugiu...? — repetiu perplexo e encoleri-
zado ao mesmo tempo. — Como poderia ima-
ginar isto? Só tive um pensamento. Kitai, uma
companhia inteira de goszuls está lá no rio es-
perando por um tratamento seu. Quem sabe
você vai transformá-los em nossos bons aliados.
— Uma companhia inteira? — disse Kitai ar-
regalando os olhos. — Que podemos fazer com
eles?
— Muita coisa. Você vai sugerir na mente
deles que devem esquecer todas as outras or-
dens e se dirigirem para o porto. Aqui, eles se-
rão recebidos por nós. Tenho uma missão vital
para estes irmãos.
Kitai queria perguntar ainda alguma coisa,
mas um gesto de John o deixou calado. O tele-
pata já tinha compreendido o plano de Gucky.
— Kitai fará o que você disse — falou diri-
gindo-se a Gucky. — E os armamentos, estão
garantidos?
Gucky se preparou para saltar. Fixou os
olhos em Kitai que ele tinha que levar consigo e
o pegou pela mão, dizendo:
53
— Ainda não. Três robôs de combate estão
lá tentando se apoderar deles. Mas eu vou botar
muita pimenta nesta sopa.
— Robôs de combate? — disse John horro-
rizado. — Como vai se desvencilhar deles?
— Não se preocupe, amigo. Quatro deles eu
já destruí, servindo-me de seus poucos conheci-
mentos de pilotagem. Mais três ou menos três,
não tem maior importância.
Com esta explicação sumária e mais ou me-
nos misteriosa, ele desapareceu; Kitai também
não estava mais na cabina. Tako, julgando-se
preterido, perguntou a John:
— E eu? Posso também...?
— Espera um pouco — resolveu Marshall.
— Gucky vem buscá-lo quando precisar. A úni-
ca coisa que podemos fazer é esperar.
Gucky se materializou. Não se via ainda
nada dos robôs. Deviam estar ainda debaixo
d’água, podendo aparecer a qualquer momento
na praia do banco de areia.
— Do lado de lá, na margem sul, Kitai. Os
goszuls ainda estão em posição de sentido e
não sabem o que pensar das maravilhas que es-
tão presenciando. Tome conta deles e não se
preocupe com o que vai acontecer aqui. É me-
lhor você se esconder para que os robôs não o
vejam.
54
— Que robôs?
— Estão brincando de submarino, mas de-
vem emergir logo — explicou Gucky, continu-
ando a olhar para a praia do banco de areia. —
Mas, vamos embora, não temos muito tempo.
Notou a uns metros de distância da praia um
redemoinho na superfície da água. O primeiro
dos robôs, com sua cabeça metálica apontou
fora d’água.
Gucky gostava de variar. Nada lhe era tão
desagradável como a monotonia. E se ele des-
truísse estes três robôs do mesmo modo como
os quatro primeiros, seria terrivelmente monó-
tono.
De um momento para o outro arquitetou um
plano e o pôs em execução. Lá na margem sul,
havia muitas rochas separadas, que poderia fa-
cilmente comandar telecineticamente. Até que
enfim o rato-castor podia brincar à vontade,
como sua raça lá no Planeta Vagabundo chama
a movimentação da matéria por telecinésia.
Os goszuls, que ainda não se tinham recupe-
rado da primeira surpresa, presenciavam uma
outra. Ao invés de robôs voando, havia agora
rochedos flutuando no ar, em grande fila. Er-
guiam-se da água, na parte rasa da margem,
velejavam num vôo tranqüilo ao longo do rio e
se chocavam de repente contra o espelho das
55
águas, para afundar borbulhantemente. Natural-
mente, os goszuls não podiam saber que sob es-
tes rochedos voadores havia três robôs, cujas
armas poderosíssimas de nada valiam sob a
água.
Finalmente surgiu uma ilha nova de pedra,
bem rente ao banco de areia, completando as-
sim o plano de Gucky. Debaixo desta ilha, sabia
ele, os robôs estariam bem guardados, embora
mais tarde eles conseguissem se libertar, ou tal-
vez não. De qualquer maneira, não era preciso
se preocupar com eles no momento. O fato de
que os robôs soterrados pudessem transmitir à
central o que acontecera com eles, também não
preocupava Gucky. Foi de encontro a Kitai no
esconderijo do banco de areia e perguntou:
— Está tudo pronto?
— Sim, penso que está. Ainda vai levar uns
minutos. Tenho que percorrer toda a margem,
para não escapar ninguém.
— Ótimo, então continue. Vou recomeçar o
transporte das caixas e apanhar Tako. Em meia
hora estará tudo terminado.
Voltou às pilhas de caixas e desapareceu
com uma delas. Depois que Tako voltou, in-
cumbiu-o de transportar o resto do armamento
para o navio, enquanto ele próprio tiraria do
fundo do rio as últimas caixas.
56
Kitai, entrementes, conseguira tudo. Isto se
podia ver agora, como os goszuls abandonavam
sossegados seus abrigos e se punham em forma
para marchar. Um deles assumiu o comando.
Sem se incomodarem mais com os dois ho-
mens e com o rato-castor na ilha, tomaram a
direção do litoral e começaram a caminhar. An-
tes da desembocadura do rio, havia uma ponte,
sabia Kitai. De lá não era muito longe para o
porto.
Gucky chegou.
— Chegarão ao porto amanhã, ao meio-dia,
e se apresentarão aos nossos — sorriu o suges-
tor. — Estão agindo de livre vontade e ainda le-
vam alguns amigos, de maneira que amanhã
nós temos que contar com uma bela multidão
de auxiliares voluntários.
— Poderemos nos utilizar deles — sorriu
Gucky, pegando Kitai pela mão. — Feche os
olhos, irmão, eu o levo para o navio.
Duas horas depois, todo o equipamento es-
tava bem estocado numa das grandes cabinas
da proa, para onde John e seus mutantes ti-
nham mudado, para não deixarem largadas as
preciosas caixas. Com toda calma, podiam ago-
ra examinar o conteúdo das caixas impermeá-
veis.
Gucky os ajudou. Apontou para a pilha de
57
pacotes compridos e relativamente chatos, en-
voltos em chapas metálicas e disse:
— O conteúdo é o mesmo, basta abrir uma
delas.
E assim o fizeram. Quando a tampa pulou
fora, os quatro olharam estupefatos para a fila
dupla de bombas pequenas, do tamanho talvez
de uma granada de mão. O invólucro não era
de metal, mas de um material plástico de várias
cores. Gucky apontando para as vermelhas:
— Estas atuam muito depressa. O período
de incubação da infecção é de apenas alguns
dias. Dentro de uma semana, a doença irrom-
pe. Nas outras demora um pouco mais. Aí den-
tro há uma lista exata.
— Guerra bacteriológica — disse John, bai-
xo, sem muito entusiasmo.
— Não se preocupem — disse Gucky, de-
monstrando muita alegria. — Nas caixas ver-
des, lá do outro lado, está o anti-soro. Aliás, es-
tamos diante da deflagração de uma guerra que
vai ser muito interessante.
— Uma guerra interessante? — continuou
Kitai, num tom de reprovação.
Gucky sorriu feliz:
— Esta será de fato interessante.

3
58
O bloqueio hipnótico feito por Kitai na men-
te de Geragk não durou muito tempo. Ele havia
voltado para seu alojamento depois de termina-
da a descarga do navio, após haver comunicado
ao robô de vigilância competente a execução
do serviço. Este providenciou imediatamente a
remoção da carga do barco para a rampa do
espaçoporto.
Sentou-se na cama de seu alojamento, apoi-
ou a cabeça com as mãos. Os nervos tremiam-
lhe debaixo da pele bronzeada. Nos olhos mon-
golóides havia um piscar nervoso. Não teria es-
quecido alguma coisa, que lhe parecia muito
importante? Alguma coisa que poderia melho-
rar sua situação perante os deuses?
Por mais que refletisse, não conseguia se li-
vrar do trauma que envolvia sua cabeça como
um cinturão de aço. Quando alguém bateu à
porta, tremeu todo como um criminoso sur-
preendido em flagrante. Exatamente hoje, Ralv
queria conversar alguma coisa com ele — quase
se esquecera disso. Mandou o tardio visitante
entrar e fechou de novo a porta. Ralv era o ca-
beça da organização que pretendia pôr fim no
fantasma dos deuses, e aliás, com violência.
Sua estatura ultrapassava a de Geragk por uns
vinte centímetros. A pele, de um vermelho-
59
escuro, exibia pêlos pretos e fortes tendões.
Ralv devia dispor de uma força física descomu-
nal.
— Não se sente bem? — perguntou depois
de ter sentado.
Geragk alçou os ombros.
— Não sei direito como me sinto. Quem
sabe é apenas o trabalho e o calor de hoje. É
como se tivesse um peso amarrado na cabeça.
Ralv olhou para ele com atenção, depois
acrescentou:
— Acontece o mesmo com Rendex, hoje.
Estive em sua casa agora, aliás ele pertencia ao
seu pelotão de estivadores. Será uma casualida-
de?
— Como?
— O fato de ele estar em condições idênti-
cas a você.
Geragk fitou Ralv.
— Alguma coisa aconteceu no navio, mas
eu não me lembro o que foi. Como é que a
gente pode esquecer uma coisa assim? Certa-
mente me lembrarei depois, mas por enquanto,
não me lembro de nada. Que coisa esquisita.
Ralv mudou de assunto.
— Nossos elementos de ligação consegui-
ram capturar um robô de vigilância e estran-
gulá-lo...
60
— Vocês assassinaram um deus de metal?
— Não diga besteira. Você sabe tão bem
como eu que toda esta história de deuses e de
deuses de metal é bobagem. Os tais deuses são
seres humanos como nós, possuem naves espa-
ciais com as quais podem voar de estrela para
estrela. É apenas isso. São aventureiros que ex-
ploram a nossa ignorância. Com sua superiori-
dade tecnológica conseguiram escravizar nosso
mundo. Haveremos de expulsá-los do planeta
de Goszul, como chamam nosso mundo.
— Mas capturar um deus de metal, um
robô... O prejuízo não vai provocar a ira dos
deuses? Haverão de nos perseguir com estas
máquinas de combate.
Ralv dava a impressão de ser dono de um
grande segredo.
— Talvez você não saiba ainda, mas nós
conseguimos aliados inesperados. Há algum
tempo, estão aqui no nosso mundo estranhos
que também combatem os deuses e lhes infli-
gem pesados danos.
— Estranhos? — perguntou Geragk, ficando
de um momento para o outro muito pensativo.
— Como pode acontecer que esta palavra me
faz sentir algo diferente? Não estive ocupado
hoje com estranhos?
Meneou a cabeça e cerrou os punhos.
61
— Então? — perguntou Ralv. — Não se
lembra de nada ainda?
— Preciso dormir, Ralv. Quem sabe amanhã
minha cabeça ficará mais clara. Tenho pressen-
timento de que é coisa muito importante mes-
mo. Fora disso, que é que aconteceu mesmo
com o robô que vocês pegaram?
— Que aconteceu com ele? Examinamos
seu interior e constatamos que se trata de uma
simples máquina. Em caso de necessidade po-
deremos também construir tais artefatos, se ti-
vermos as máquinas para isso, o que não levará
muito tempo. Se quisermos expulsar os deuses,
temos que tomar suas fábricas e fazer nossas
espaçonaves, com as quais atingiremos as estre-
las.
— Temos as bases indispensáveis para tais
empreendimentos?
— Está tudo preparado. Já podíamos ter co-
meçado esta noite, se Enzally não nos tivesse
chamado a atenção.
— Enzally? Que quer o vidente?
— Devíamos chamá-lo propriamente de o
receptor, pois ele pode ler o pensamento de
outros homens, mas não apenas o pensamento
dos homens, mas o dos chamados deuses, tam-
bém. E o dos estranhos.
— Dos estranhos? Terá ele ligação com os
62
estranhos?
— Pequena e por poucos momentos. Ele in-
terceptou uma conversa telepática. Os estra-
nhos devem ser também leitores do pensamen-
to. Mas quando ele interveio, as correntes de
pensamento se dissolveram e não ouviu mais
nada. Uma coisa, no entanto, ele ficou saben-
do: Os deuses são também os adversários dos
estranhos. Ocuparam seu planeta natal, mas fo-
ram expulsos. Vieram para cá para destruírem
uma assembléia geral dos deuses, que chamam,
aliás, de saltadores. Nós mesmos já presencia-
mos como eles foram em parte bem sucedidos.
— Aliados — raciocinou Geragk. — Nunca
poderíamos ter contado com amigos e agora de
repente os temos. Mas por que não se apresen-
tam? Por que se escondem e não nos procu-
ram?
— Terão seus motivos. Enzally tenta entrar
em contato com eles, até agora sem resultado.
Ele me avisará quando souber de alguma coisa.
Você compreende, nossa situação não é deses-
peradora, mas é mais prudente que aguarde-
mos um pouco.
— Se os deuses já não estiverem cientes de
tudo, em virtude do desaparecimento de um de
seus robôs.
— Temos que contar com isto — disse Ralv
63
levantando-se. — E procure se lembrar do que
aconteceu hoje no barco. É muito singular que
todos que estiveram sob seu comando hoje, es-
tão sofrendo de perda da memória. Há alguma
lebre escondida por aí.
Geragk abriu-lhe a porta.
— Mas que será? — disse ele, sem esperar
nem receber resposta.

***

A notícia da extraordinária batalha entre um


animalzinho e sete robôs de combate penetrou
também nos ouvidos dos rebelados clandesti-
nos. Em toda parte, nos centros da administra-
ção, estavam os goszuls que davam apoio ao
trabalho dos cérebros positrônicos e da multi-
ramificada automatização, graças aos ensina-
mentos hipnóticos que haviam recebido. Alguns
deles tinham tomado conhecimento da ordem
de ataque repentina dada antes do meio-dia e
da destruição dos sete robôs de combate.
E um pouco mais tarde, uma outra notícia
provocou enorme perplexidade — mas não so-
mente entre os goszuls, mas principalmente nos
círculos governamentais dos saltadores. A com-
panhia dos goszuls destacada para o rio, não
estava mais dando nenhuma atenção à missão
64
recebida, ao invés, após a destruição dos robôs,
se retirara e se encontrava agora a caminho do
porto marítimo. O que iria fazer lá e quem lhe
dera ordem para isto, ninguém conseguia sa-
ber.
De qualquer maneira, assim que Ralv soube
da novidade, procurou imediatamente seu cole-
ga Geragk, que não tendo recebido neste dia
nenhum comando, ainda estava em casa.
— Não sei o que aconteceu, mas acho abso-
lutamente necessário que nos preocupemos
com os nossos. Não quero acreditar que alguns
dos nossos subordinados resolvam agir sozi-
nhos. Não vão ter nenhuma chance com os ro-
bôs de combate.
Geragk, que ouviu calado o relato, disse
pensativo:
— Como era este indivíduo que lutou com
os robôs e os venceu. Não era nenhum ser hu-
mano?
— Nem goszul, nem saltador, nada. Era um
animal.
— Um animal jamais poderá destruir robôs
— disse Geragk, sem compreender nada. —
Ou será um destes estranhos de quem falou En-
zally?
— É possível — continuou Ralv. — Você
me acompanha?
65
Os dois homens saíram apressadamente da
casa e pegaram o primeiro carro para levá-los à
região do porto. A companhia ainda estava a
caminho, não tinha, porém, alterado a direção.
Se mantivessem o mesmo ritmo de marcha,
chegariam ao porto somente ao raiar do dia se-
guinte. Portanto, se não quisessem levantar sus-
peitas, deviam esperar pelo menos até este mo-
mento.
A tarde e a noite já tinham passado. Haviam
se escondido na casa de um amigo, que tam-
bém pertencia à organização secreta. Um men-
sageiro estava a caminho para pôr Enzally a par
de tudo. Ele poderia estar de volta em três ho-
ras, se não o detivessem.
O tempo passava lentamente.
Não percebiam nada da atividade febril que,
entrementes, tomara conta das Centrais de Vi-
gilância. Rádios cruzavam a Terra dos Deuses,
em todas as direções e davam conta às esferas
governamentais dos saltadores dos inexplicáveis
acontecimentos. No momento, uma recém-
fabricada unidade de robôs de combate estava
deixando a fábrica e marchando em direção ao
porto. Chamar forças que mantinham o contro-
le do espaço, parecia muito arriscado para os
dirigentes dos saltadores.
Quando o dia clareou, o porto parecia um
66
acampamento militar. Em toda parte, nos en-
troncamentos mais importantes, havia robôs de
combate controlando todo o trânsito de viatu-
ras. Os goszuls, já acostumados, suportavam
pacientemente o controle dos saltadores e se
comportavam com muita disciplina.
O telepata Enzally conseguiu penetrar na ci-
dade quase despercebido, sem causar suspeita a
ninguém. Sua mente perscrutadora localizou
Ralv e Geragk. Momentos depois, batia ele à
sua porta.
Os dois amigos respiraram tranqüilos quan-
do reconheceram o homem tão importante. En-
cheram-no de perguntas, mas o velho telepata
levantou suplicante as duas mãos e sorriu. Sen-
tou-se na cabeceira de uma cama e disse:
— Dêem-me um momento para descansar,
meus amigos, tenho atrás de mim uma longa
caminhada, e não foi fácil chegar até aqui. Os
saltadores estão irrequietos; estão vendo que
não os chamo mais de deuses. O motivo é sim-
ples de se explicar: Tive um novo contato com
os estranhos. Estão bem perto daqui, talvez
mesmo na cidade.
— Aqui na cidade? — irrompeu Ralv e tinha
dificuldade de dominar sua surpresa. — Onde?
— Saberemos logo, pois me pediram para
hoje cedo entrar de novo em contato com eles.
67
Não sei quantos são, mas pelo menos dois de-
les são telepatas como eu.
Geragk estava sentado num canto e fixava
um ponto na parede, parecendo fazer um esfor-
ço muito grande de concentração. Enzally lan-
çou-lhe um olhar rápido e fez um gesto para de-
ter Ralv, que parecia querer falar alguma coisa.
O telepata inclinou um pouco a cabeça e fitou
Geragk com insistência.
De repente falou:
— Vou ajudá-lo, Geragk, para refrescar sua
memória; talvez consigamos saber mais alguma
coisa. Que aconteceu ontem no navio?
Ralv compreendeu imediatamente e ficou es-
perando. Sabia que Enzally estava penetrando
nos pensamentos de Geragk e quem sabe con-
seguiria o telepata ativar a memória apagada.
— Esquisito — murmurou Enzally subita-
mente. — É como se houvesse um véu diante
dos seus pensamentos, posso até percebê-lo fi-
sicamente. Não é de origem corporal. Unica-
mente um outro telepata, ou força semelhante,
talvez um sugestor, poderia tê-lo colocado para
amarrar sua memória. Ontem você esteve no
barco que estava no porto? E lá aconteceu algu-
ma coisa? Que foi? Não, não precisa falar, isto
cansa muito. Basta somente pensar, pensar.
Sim, está melhor. Estranhos estavam a bordo?
68
O capitão disse a você? Quatro homens estra-
nhos, que se pareciam com os deuses? E você
se dirigiu a eles; e acabou tudo? Você não se
lembra de mais nada?
Enzally respirou profundamente e apoiou as
costas na parede, sem tirar os olhos de Geragk.
— Olhe para mim. Geragk. Estes quatro ho-
mens, você os viu bem? Que disseram a você?
Sim, pode se lembrar se quiser. Isto, isto, agora
está se lembrando. Foram eles que lhe deram a
ordem de esquecer tudo, a você e a todos do
comando. Vocês todos esqueceram o que vi-
ram. Estes quatro homens são os estranhos que
procuramos, são nossos aliados.
Geragk parecia como que saído de um so-
nho. Os olhos arregalados fixavam o vazio. De-
pois, abanou a cabeça.
— Tem razão, Enzally. Os quatro estranhos
estão no navio. Lembro-me agora, deram a
mim e aos meus a ordem de esquecer tudo. Por
que isto, se eles são nossos amigos?
Enzally sorriu.
— Você se esquece que no barco havia tam-
bém robôs. Que aconteceria se desconfiassem?
São somente quatro homens, contra um mundo
todo. Devem ser precavidos. Mas tenho a im-
pressão que procuram amigos. Havemos de
descobrir isso logo.
69
— Quando? — perguntou Ralv que até en-
tão se mantivera calado.
Enzally ergueu a mão direita.
— Agora — murmurou, dando a entender
aos dois homens que deviam ficar calados no
momento. Sentado na cama, completamente
calmo e imóvel, ouvia seu próprio íntimo.
Demorou quase uns dez minutos. Nem Ge-
ragk, nem Ralv podiam imaginar o que estava
acontecendo naqueles dez minutos. Sabiam que
seu telepata estava conversando com alguém,
mas não podiam entender nenhuma palavra
deste diálogo.
Finalmente Enzally abanou a cabeça muitas
vezes para frente, olhou em redor e disse:
— Preparem-se, amigos, vocês vão me
acompanhar. Acho que a batalha vai começar.
Geragk sabia a resposta, mas assim mesmo
perguntou:
— Para onde vamos?
— Para o porto, um navio nos espera lá.

***

O capitão do veleiro estava convencido fir-


memente de ter agido por sua própria vontade,
quando permaneceu no porto, ao invés de ir
embora, como prescrevem as normas. Não po-
70
dia saber por que agira assim. Kitai tinha arran-
jado tudo para que suas ordens fossem executa-
das e o efeito de seu sugestionamento durasse
um pouco mais.
A figura do japonês, levemente recurvada,
se encostava na balaustrada. Fazia a guarda, en-
quanto John Marshall e os dois outros mutantes
revistavam com toda calma o armamento que
Gucky trouxera. Na cabina havia lugar suficien-
te para colocar tudo em ordem.
O próprio Gucky estava ajudando Kitai em
sua missão de aguardar a chegada dos três gos-
zuls. Estava lá sentado, com seus sensores tele-
páticos à espera. Não demorou muito para que,
entre os milhares de impulsos que fluíam em
sua direção, pudesse selecionar os certos e
isolá-los. Com muita dedicação, ouviu a conver-
sa de Enzally, Ralv e Geragk, quando estes se
dirigiam para o porto e com muito jeito evita-
vam o controle dos robôs de vigilância, o que
nem sempre era fácil. Pois, nem mesmo um te-
lepata como Enzally conseguia captar os pensa-
mentos dos robôs.
A lealdade dos três goszuls era inconteste. O
simples diálogo, quase à surdina, que Gucky es-
tava captando, era uma prova suficiente. O
rato-castor se teleportou para junto de Kitai,
que levou um susto quando Gucky se materiali-
71
zou ao lado dele.
— Já estão chegando.
Kitai suspirou.
— É absolutamente necessário que você ain-
da sobrecarregue mais meus pobres nervos já
em pandarecos? Não pode andar meia dúzia de
passos, como um homem ajuizado?
— Não sou homem — respondeu Gucky
triunfante. Seu orgulho neste ponto era um
fato. — Por que devo fazer força, quando tudo
pode ser mais fácil?
Kitai sorriu.
— Quando houver oportunidade, vou suges-
tioná-lo de que é uma galinha. Talvez chegue-
mos então a ter um ovo fresco.
Gucky contraiu a fisionomia, murmurou algo
ininteligível e apontou para o porto.
— Lá vêm os três, está vendo? O mais velho
deles é o telepata Enzally, com quem John já
manteve muitas conversas. O da direita deve
ser Ralv, o chefe dos rebeldes. Logicamente, o
da esquerda deve ser o nosso amigo Geragk,
que você já teve em tratamento.
Kitai reparou como os três homens, com
muita habilidade, se esquivaram de um robô de
vigilância e depois simularam ter um trabalho
muito importante para realizar no porto. Pas-
sando pelos depósitos, aproximaram-se do cais,
72
onde estava o veleiro. Enquanto caminhavam,
cumprimentavam naturalmente alguns goszuls
que os olhavam com curiosidade.
Gucky, excitado de contentamento, escon-
deu seu dente de roedor e chiou:
— Vou avisar os outros. Não é exatamente
necessário que os três negociadores vejam ime-
diatamente todo o nosso arsenal de munição.
Com este tempo bonito, podemos conversar no
tombadilho. Que pensa você?
— Procure saber primeiro o que John pensa
a respeito. Ele é o nosso chefe.
— Também o meu? — disse Gucky admira-
do — e desapareceu.
Preferiu de novo poupar suas forças corpo-
rais.
Kitai concentrou toda a sua atenção nos re-
beldes, que, meio indecisos, estavam parados
diante do portão de entrada, que ligava o navio
com o cais. Levantou-se e acenou para eles.
Enzally correspondeu à saudação e cami-
nhou para frente.
John Marshall e seus companheiros aguar-
davam os hóspedes no convés superior. Com
auxílio dos meios que possuíam, conseguiram
alterar finalmente sua fisionomia. Pareciam
agora goszuls normais e não mais se assemelha-
vam aos saltadores. Já era chegada a hora em
73
que não precisavam mais andar incógnitos en-
tre os comerciantes das galáxias, pelo contrário,
queriam passar por nativos, pelo menos peran-
te os saltadores.
Gucky se manteve um pouco nos fundos.
Devia aparecer somente mais tarde — e o rato-
castor planejava fazer isto de uma maneira mui-
to marcante.
Enzally e John se mediram com olhares
perscrutadores. Invisivelmente, seus pensamen-
tos iam e voltavam, pesquisando, perguntando
e dando respostas, após o que Enzally estendeu
ambas as mãos e caminhou de encontro a
John.
— Bem-vindo, filho de um mundo estranho
— disse ele no mais puro Intercosmo, língua de
comunicação dos saltadores e também do Impé-
rio Arcônida. — Vieste para nos ajudar, vejo
que não mentes.
— Estamos felizes por não estarmos mais
sozinhos — afirmou Marshall, cumprimentando
também os dois companheiros do telepata.
Apresentou depois os três japoneses. — Sen-
temo-nos aqui, ninguém nos perturbará e pode-
mos, além disso, supervisionar todo o porto.
Suponho, Enzally, que temos muitas coisas a
debater mutuamente.
Sentaram-se nos rolos das amarras e em es-
74
teiras. No céu brilhava um sol quente, no porto
havia pouco movimento. O aparecimento súbi-
to dos muitos robôs de vigilância era coisa co-
mum, mas o fato de haver robôs de combates
em todos os pontos estratégicos provocava um
ar de desconfiança.
— Quereis saber, certamente, alguma coisa
sobre a nossa organização — disse Enzally obje-
tivamente. — Ralv é a pessoa indicada para ex-
plicar isto, é seu fundador e chefe.
Ralv abanou a cabeça orgulhoso e disse:
— Faça perguntas, senhor, e eu responde-
rei.
John fez sinal que concordava.
— Permaneçamos no tom confidencial,
como convém aos conspiradores e seus aliados,
Ralv. Minha primeira pergunta a você é: Qual é
a força do seu grupo de resistência? Com quan-
tos elementos conta?
Ralv fez uma cara de surpresa.
— Honestamente falando, não sei exata-
mente. O conjunto das circunstâncias exige, em
benefício da segurança própria, que não tenha-
mos uma organização como deveria ser. Só
posso dizer que temos aliados em toda parte,
que gostariam que os deuses desaparecessem
hoje e não amanhã. Nem todo mundo está
pronto para lutar por estes ideais e abdicar des-
75
ta vida relativamente cômoda e segura ou até
mesmo para correr o risco. Eles... você com-
preende, como estou pensando?
John fez que sim, mas não disse nada. Ralv
continuou:
— Temos nossa senha. “Queremos cami-
nhar com segurança”, assim dizemos. Se rece-
bermos a resposta correspondente, sabemos
que estamos lidando com um membro de nossa
organização.
— Isto não é um pouco perigoso?
— De maneira alguma, não há traidores no
meio dos goszuls, há no máximo covardes.
— O senhor poderia, por favor, me explicar
qual é neste caso a diferença?
Enzally se intrometeu:
— Eu posso explicar? Nenhum goszul irá
para os saltadores, por motivos egoísticos, para
lhes dizer que existe um grupo de resistência.
Independente do fato de que a ira de seu pró-
prio povo o haveria de atingir, pois os saltado-
res não os protegeriam. Mas nós temos muita
gente a quem agrada a vida que levam; estes ja-
mais se revoltarão contra os saltadores, mas
também não trairão os lutadores da resistência.
Estes são os tais que chamamos de covardes.
— E se alguém os obrigar a trair seus patrí-
cios?
76
Enzally sorriu friamente.
— Estamos acostumados a suportar qual-
quer sofrimento e, em caso de necessidade, su-
portamos até a morte, mas não abrimos a
boca.
Quem ria agora era John, mas era um sorri-
so de reconhecimento.
— Neste caso, eu não os chamaria de covar-
des, Enzally. São corajosos, mas não conse-
guem tomar uma decisão. É só isso. Não os
condenemos. De qualquer maneira, não repre-
sentam um empecilho. É isto que eu queria sa-
ber.
— E sua segunda pergunta? — perguntou
Ralv.
— Existem rebeldes só aqui nesta cidade ou
também em outras?
— Toda a Terra dos Deuses está cheia de
rebeldes, esperando apenas por um comando
para caírem em cima dos, assim chamados,
seus senhores. Possuem até ferramentas com
que atacam e deixam fora de combate os robôs.
— Mesmo robôs de combate?
Ralv fez uma cara triste.
— Ainda não, infelizmente. Mas quando
ocuparmos as máquinas e as fábricas havere-
mos de...
— As fábricas estão guardadas pelos robôs
77
de combate — interrompeu John seriamente.
— Você vê que não se pode contar este ponto
como realizável. Temos que proceder de outra
maneira se quisermos liquidar os saltadores e
seus robôs.
— Como? — perguntou Ralv perplexo.
— Por que estamos aqui reunidos? Vejam
bem, os robôs são seus senhores, porém são ao
mesmo tempo servos dos saltadores, que vocês
chamam de deuses. Expulsemos, pois, os salta-
dores deste mundo, que eles então deixam para
trás seus robôs, que em virtude de sua progra-
mação continuam nossos inimigos figadais. Mas
isto não é problema insolúvel, pois, sob certas
condições, os robôs podem ser desprograma-
dos. Se os saltadores desaparecerem, a maior
batalha já está ganha.
Ralv sorria incrédulo, do mesmo modo
como Geragk. Enzally, porém, parecia compe-
netrado em seu íntimo, demonstrando na fisio-
nomia traços de preocupação.
— Temos os meios e um plano para reali-
zarmos o incrível — continuou John e, olhando
para Ralv: — Para execução deste plano, preci-
so de seu apoio e de sua confiança ilimitada.
— Se Enzally confiar em você, nós também
confiaremos — disse Ralv simplesmente. — Ele
pode ler seus pensamentos e sabe que você não
78
está mentindo.
— Eu também sou telepata e posso proteger
meus pensamentos — avisou John. — Posso
mesmo lhe impingir pensamentos falsos. Meu
amigo Kitai é um sugestor, pode impor a vocês
todos a vontade dele e vocês pensarão que é a
vontade de vocês mesmos. Estão vendo que a
sua confiança tem que ser muito maior do que
supõem. Você tem realmente a certeza de en-
contrar em nós seus legítimos aliados?
Ralv abanou a cabeça afirmativamente, sem
pestanejar.
— Certamente, pois você não nos contaria
tudo isto, se pretendesse fazer um jogo sujo.
Diga-nos, pois, o que devemos fazer.
John Marshall não precisava pesquisar os
pensamentos de seu interlocutor para perceber
a veracidade de suas palavras. Mas devia agir
com muita prudência, pois se Ralv soubesse o
que se iria exigir dele e de sua gente, talvez fica-
ria indeciso.
— Pode ser — disse ele, transmitindo ao
mesmo tempo a Enzally o seguinte comando
mental: “Você deve calar a boca agora, pois
não quero proteger meus pensamentos. Você
poderá lê-los abertamente. Não se espante,
quando souber da verdade. Mais tarde conver-
saremos mais.” Mais alto, disse ele a Ralv: —
79
Pode ser que minhas ordens lhe pareçam desu-
manas e cruéis, principalmente porque atingem
seus próprios amigos. Muitos deles terão que se
declarar prontos para adoecer espontaneamen-
te.
— Para ficar doente? — disse Ralv perplexo.
— Você já deve ter compreendido há muito
tempo, que é meramente impossível expulsar
os saltadores para fora daqui à força. Minha
raça, que está em estado de beligerância com
os saltadores, não pode oficialmente se intro-
meter nestes assuntos dos comerciantes, por-
tanto, temos que permanecer incógnitos. Por
outro lado, vocês são demasiadamente fracos
para se lançarem abertamente contra eles. Te-
mos, portanto que usar de astúcia.
— Até aqui, só posso concordar — disse
Ralv.
Também Geragk fez sinal que sim. Enzally
continuava de cócoras, imóvel, concentrado em
si mesmo.
— Uma astúcia, portanto — continuou
John, escolhendo palavras para expor seu in-
tento aos goszuls, o mais suavemente possível.
— Os saltadores só conhecem a violência,
quando se trata de atingirem seu objetivo. Ha-
veriam, pois, de defender este planeta com vio-
lência, se tivessem que defendê-lo de um ata-
80
que. Que fariam, porém, se fossem atacados
por algo completamente desconhecido a eles?
Digamos, por exemplo, por uma doença, por
uma terrível epidemia?
— Uma epidemia? — Ralv se assustou, ape-
sar de tudo. — Você supõe que uma epidemia
poderia expulsá-los? E quando isto acontecesse,
de que nos serviria um planeta devastado pela
epidemia? Morreríamos todos juntos.
— Trata-se de uma epidemia sem desfecho
mortal — consolou John. — Mais ainda, possu-
ímos um antídoto que produz efeito imediato.
Uma única injeção é suficiente para deixar o
doente, quase que imediatamente após, com-
pletamente curado.
O chefe dos rebeldes concordou lentamente.
— Se estou compreendendo bem, vocês
querem travar uma guerra bacteriológica com
os saltadores.
— Não apenas com os saltadores; em certo
sentido, também com os goszuls.
Um manto de sombra encobriu a fisionomia
do interlocutor. Abanou a cabeça confuso.
— Não estou compreendendo. Por que tam-
bém contra nós, se a questão toda é expulsar os
saltadores?
— Aí está a astúcia. Se os saltadores apenas
suspeitarem de que se trata de uma epidemia
81
artificial, que tem unicamente a finalidade de
expulsá-los daqui, haverão de procurar antído-
tos e não sairão deste planeta. Não, no nosso
plano de ação, temos que dar a impressão, em
quaisquer circunstâncias, de que se trata real-
mente de uma verdadeira epidemia, surgida de
repente neste planeta, para a qual não há cura.
Somente assim é que conseguiremos que eles
fujam do planeta dos goszuls, para nunca mais
voltarem. Sua fuga deve se desenrolar com tan-
to pânico e afobação que deixem aqui simples-
mente suas instalações técnicas e seus robôs,
para não levarem também para o espaço a ter-
rível doença.
Ralv e Geragk cruzaram seus olhares. Final-
mente, falou Ralv:
— Mas não morrerá ninguém e mais tarde
todos ficarão curados?
— Naturalmente, a epidemia é extremamen-
te contagiosa e devemos contar com que quase
a metade da população seja atingida por ela,
porém ninguém morrerá, pelo contrário. No
meu planeta natal, comprovou-se, com a expe-
riência que lá fizemos, que depois da cura surgi-
ram efeitos benéficos. É como o soro antídoto,
que no fundo não é outra coisa senão uma do-
ença que faz bem. Primeiramente fica-se com
febre, para depois cair num sono de convales-
82
cença, para acordar depois completamente são.
Assim será também com a nossa epidemia arti-
ficial. Assim que os doentes tomarem mais tar-
de a injeção, dormirão e acordarão com saúde.
Com um detalhe: após este tratamento, sua in-
teligência aumentará em pelo menos 20%. É
uma vantagem que virá em benefício de toda a
sua raça.
Enzally ergueu de repente os olhos.
— John Marshall, você não quer dizer a Ralv
e Geragk em que consiste propriamente esta
epidemia? Acho que eles têm o direito de saber
isso.
— É claro que tenho a intenção de lhes con-
tar tudo. Seria, porém, taticamente muito im-
portante que, fora de nós, ninguém soubesse
que esta epidemia realmente não prejudica a
ninguém. Somente o medo sincero dos nativos
pode convencer os saltadores de que a epide-
mia é de origem natural — fez um sinal para
Enzally e depois continuou, virando-se para os
dois outros goszuls, usando um timbre de voz
diferente: — Aparecem primeiramente no rosto
da pessoa atingida pela doença placas verme-
lhas, que depois se espalham por todo o corpo.
Após uma semana, mais ou menos, a memória
começa a enfraquecer, até desaparecer comple-
tamente. Outros sintomas não existem. Assim
83
que a injeção, com o soro, for aplicada, começa
a doença a desaparecer e em três dias está tudo
normal. A memória volta novamente, as placas
vermelhas somem, e a inteligência começa a
trabalhar melhor que antes.
Ralv ficou olhando por muito tempo para
seu companheiro, antes de falar:
— É, pois um estado passageiro, mais ou
menos como um resfriado.
— Sim, pode-se comparar com um resfria-
do, embora os sintomas externos sejam muito
mais assustadores. Mas tem que ser assim para
atingir seu objetivo. Agora, eu pergunto se está
preparado para transmitir a doença entre seu
povo. A companhia que está marchando para
cá vai ajudar você. Ralv estarreceu e ficou páli-
do.
— O quê? Quer que eu infeccione meu
povo?
— É o único modo de convencer os saltado-
res de que eles têm que deixar o planeta, antes
que a epidemia os atinja.
Ralv ficou por uns momentos fitando a água
turva do porto.
Finalmente, virou-se para seu interlocutor e
disse:
— Está bem. Explique-me o que tenho que
fazer.
84
4

Demorou quatro semanas, mas aí estava o


grupo de resistência de Ralv, como uma unida-
de bem camuflada e excelentemente organiza-
da. Seus agentes estavam distribuídos por toda
parte, nas Centrais de Administração, em todas
as instalações dos saltadores e de seus robôs.
A Terra dos Deuses era um pequeno conti-
nente de, talvez, 120.000 quilômetros quadra-
dos. Seu comprimento tinha uns 500 quilôme-
tros, com uma largura em geral de 250. Os lí-
deres dos saltadores residiam em diversos luga-
res e mantinham contato entre si através do rá-
dio. Contatos com outros continentes do plane-
ta eram muito raros. Os saltadores não tinham
realmente a intenção de se estabelecer aí. Inte-
ressava a eles, primeiramente, um ponto de
apoio, embora ninguém tivesse nada contra os
lucros que obtinham dos nativos.
John Marshall mantinha diariamente contato
com Enzally, por via telepática, para estar a par
dos acontecimentos. Um dos objetivos destes
contatos era o “Navio dos Mortos”, uma opera-
ção importante que daria início ao movimento
contra os saltadores.
Do sucesso dessa operação “Navio dos Mor-
85
tos” dependia o fato de os saltadores se deixa-
rem contaminar — contaminar de pânico, para
abandonarem de uma vez por todas este plane-
ta que não lhes pertencia.

***

Dos lados do oeste, se aproximava da Terra


dos Deuses um veleiro de porte médio. Dos
dois mastros pendiam as velas frouxas e em de-
sordem, pois a brisa era muito fraca, vinda do
oeste, mal dando para mover o barco. Navega-
va lentamente a uma distância de duzentos qui-
lômetros do litoral da Terra dos Deuses, aproxi-
mando-se do continente.
Algumas figuras se moviam pelo convés, va-
gando de um lado para o outro, sem nada fa-
zer, embora até um cego pudesse ver que havia
muita coisa para fazer. Por todo canto havia su-
jeira. Nas escadas reinava desordem e confu-
são. Peças de roupas, dependuradas sem senti-
do, balançavam num vento fraco que não re-
frescava nada. Debaixo do convés, as coisas
não estavam melhores. Alguns marinheiros dei-
tados nos beliches primitivos de suas cabinas
despertavam abobalhados e ninguém se preocu-
pava com eles e mesmo o capitão do quase
abandonado navio não ligava a nada, indiferen-
86
te mesmo ao rumo que o barco tomava. Estava
de pé no tombadilho, atrás do timão, man-
tendo-o relaxadamente com uma mão, enquan-
to seu piloto dormia lá embaixo. Mas mesmo
sem o leme, o barco se encaminhava para o
leste. Que pretendia ele na Terra dos Deuses?
O capitão passou a mão pela testa, abando-
nando o timão. Sim, que queria ele na Terra
dos Deuses? Não sabia mais. Lembrava-se va-
gamente apenas do irrompimento da peste há
duas semanas atrás, quando deixavam o porto
do Continente do Oeste — com que objetivo,
mesmo?
O primeiro a ser atingido foi o cozinheiro,
exatamente o cozinheiro. Apareceram-lhe pla-
cas vermelhas no rosto e principalmente na
nuca. Isolaram-no imediatamente, mas já era
tarde demais. Dois dias depois, as misteriosas
placas vermelhas se manifestavam, sem exce-
ção, em todos os membros da tripulação. Não
havia propriamente dores, mas uma febre baixa
constante.
Somente uma semana depois é que o cozi-
nheiro perdeu a memória. Por mais que os ou-
tros se esforçassem, não conseguia mais se lem-
brar quem ele era. Sabia apenas que estava
num veleiro e adoecera. A partir deste ponto,
sua memória funcionava de novo. Tudo que ha-
87
via acontecido antes simplesmente não existia.
Então, também dois dias depois, todos os
outros perderam a memória. Cada um no navio
tinha a impressão de ter nascido há uma sema-
na atrás. Exatamente há oito dias viera ele ao
mundo, com uma inteligência funcionando, po-
rém, sem memória. Era esta a situação. Ou se-
ria talvez loucura?
O capitão encolheu os ombros. Era-lhe mais
ou menos indiferente o que estava se passando.
Não sabia por que se dirigia para o leste. Os
porões de carga estavam vazios, como se tives-
se que apanhar alguma coisa na Terra dos Deu-
ses. Mas onde e o quê? Não sabia nem mais de
que porto havia partido. Nenhuma resposta.
Olhou lá para baixo, para o convés, obser-
vando aquelas figuras que se moviam atônitas e
que representavam sua tripulação. Que poderia
fazer com eles? Uma pessoa sem memória é
como uma criança, apenas com muito menos
inteligência. Podia censurá-los? Que iria aconte-
cer com eles?
Quando chegassem a um porto, todo mun-
do não fugiria deles, como se foge da peste?
Não seriam presos ou mesmo liquidados, para
que a peste não contaminasse os outros? Peste
que não tinha cura... para a qual não havia re-
médio.
88
Pelos lados do leste, bem distante no hori-
zonte, surgiu um ponto que se aproximava rapi-
damente. O capitão do veleiro comprimiu os
olhos, tentando distinguir quem vinha ao seu
encontro. Um veleiro não podia ser, de modo
algum, seria então um destes barcos dos salta-
dores que viajavam sem vento. E era exatamen-
te isto.
Se descobrissem o que se passava aqui no
navio, haveriam de chegar à idéia de afundar
aqui mesmo o veleiro, para evitar a propagação
da epidemia.
Mas, apesar de ter perdido a memória, a in-
teligência do capitão trabalhava muito mais fir-
me do que antes. O primeiro efeito positivo da
epidemia já estava se manifestando. A quota de
inteligência do capitão tinha aumentado. Mais
tarde, quando recebesse o soro de regeneração,
este efeito ficaria para sempre.
Como é que sabia da existência da Terra dos
Deuses e dos próprios deuses?
Quando o esguio contratorpedeiro se apro-
ximou e se encostou a bombordo, o capitão já
sabia como iria salvar a si e a sua tripulação.
Mas seu temor foi sem fundamento.
O saltador que se encontrava a bordo do
contratorpedeiro não pensava em afundar o ve-
leiro com sua tripulação contaminada. Ele esta-
89
va é muito curioso e queria saber exatamente
tudo. As informações que recebera da Central
de Vigilância aumentavam seu interesse. Não
podia supor o que o estava esperando mas ti-
nha a certeza de que se tratava de algo muito
importante.
Um grande perigo se aproxima do oeste,
era a comunicação da rádio dos robôs. Este pe-
rigo estava a bordo de um veleiro cuja posição
era conhecida. Era indispensável uma severa in-
vestigação. Mais do que isto, não sabiam os ro-
bôs.
O governador, seu nome era Gorlap, não
perdeu um minuto, mandando preparar um
contratorpedeiro. Ele, pessoalmente, iria ao en-
contro do misterioso veleiro, para descobrir o
que realmente era tão perigoso nele. Puxa, um
barco a vela, ser perigoso para os invencíveis
saltadores? Ridículo.
Não sabia que haveria de mudar de opinião,
em breve.
Deu ordem a dez robôs de combate, para
que, como vanguarda, entrassem no veleiro,
que aliás não dava o mínimo sinal de resistên-
cia. Pelo contrário, os marinheiros que estavam
na balaustrada assistiam a tudo indiferentemen-
te e nem se mexeram.
Os dez robôs entraram a bordo, sem encon-
90
trar nenhuma resistência. Gorlap não queria se
arriscar, mandou também dez robôs de vigilân-
cia, cuja inteligência era mais desenvolvida, em-
bora não possuíssem armas. Se houvesse algu-
ma coisa errada em toda esta história, eles ha-
veriam de notar.
E notaram realmente alguma coisa. Um de-
les transmitiu a mensagem:
— Todos aqui a bordo estão doentes.
Gorlap não podia esconder sua surpresa.
— Doentes? — transmitiu ele de volta, fixan-
do os olhos nos marinheiros lá do outro lado,
debruçados na balaustrada. — Que quer dizer
isto, doentes?
— Não podemos identificar a doença — res-
pondeu o robô.
Ninguém podia dizer que Gorlap era covar-
de. Armou-se com um aparelho de raio mortífe-
ro e saltou pela balaustrada, entrando no esqui-
sito veleiro. Sua barba avermelhada, caracte-
rístico de sua raça, tremia de excitação. Os ro-
bôs de combate estavam imóveis em suas posi-
ções. Não encontraram nenhuma resistência e
se mantinham passivos.
Quando Gorlap viu as caras imundas dos
marinheiros, levou um susto. Os saltadores não
podiam se queixar do progresso de suas ciên-
cias médicas, mas o medo de doenças desco-
91
nhecidas ainda calava fundo em seu subconsci-
ente. Quantas vezes já acontecera que desciam
num planeta estranho e eram atacados por um
bacilo, contra o qual não tinham defesa. Quan-
tas famílias já tinham sido dizimadas, antes que
os médicos tivessem desenvolvido um antídoto
correspondente. Aqui nos planetas dos goszuls
não havia doenças desconhecidas, pelo menos
até então.
O homem que estava atrás do timão, soltou
a roda e se encaminhou para Gorlap, que per-
manecia imóvel no parapeito, como se não fos-
se mais dono dos próprios movimentos.
— Que aconteceu — perguntou o saltador
sufocado, fixando os olhos nas placas verme-
lhas que ocupavam quase toda a pele. — Vocês
estão doentes?
O capitão, por uns segundos, ainda ficou
pensando como era possível que ele ainda en-
tendesse a língua dos deuses, se tinha perdido
toda a memória. Não achou resposta a nem
quis quebrar mais a cabeça com isso.
— Uma epidemia — disse ele arrastando-se
— irrompeu há duas semanas. Ninguém neste
veleiro está com saúde.
— Há mortos?
— Nenhum. A doença parece não ser mor-
tal.
92
Gorlap parecia mais aliviado. Quem sabe se-
ria uma simples infecção e nada mais?
— Qual é o porto de destino do navio? O
capitão encolheu os ombros.
— Não sei.
— Não sabe? Deve saber qual é a incumbên-
cia que recebeu.
— Talvez eu soubesse antes, mas agora es-
queci. Esquecemos tudo. A epidemia nos tirou
a memória e eu sei apenas que sou comandante
deste navio e acordei há oito dias atrás.
— Acordou?
— Sim, como de um sonho. Tudo que havia
antes desapareceu no nada. Pouca coisa ficou.
Eu nem sei mais meu nome. Ninguém neste na-
vio sabe o seu nome.
Gorlap deu um passo para trás e levantou os
braços, como que se protegendo do comandan-
te. Não longe dali, um robô de combate se pôs
em estado de prontidão.
— Todos vocês perderam o juízo? — suspi-
rou Gorlap, horrorizado.
— Não o juízo — defendeu-se o capitão. —
Somente a memória, mas é igualmente desa-
gradável. A epidemia é contagiosa. O senhor
não deve permanecer muito tempo aqui.
Gorlap se afastou mais ainda.
— Nós temos antídoto — disse, procurando
93
dar coragem a si mesmo. — Seu navio não
deve, porém, ir para o porto da Terra dos Deu-
ses. Volte para trás.
— Para trás, onde? Não sei de onde venho.
Gorlap mordeu os lábios.
— Você vai de volta para o oeste ou os
meus robôs matarão todos vocês e incendiarão
o navio. Só assim posso ficar tranqüilo de que a
epidemia não atingirá a Terra dos Deuses.
Vagarosamente, o capitão abaixou a cabeça.
Um sorriso frio percorria seu semblante.
— O senhor se engana — disse ele. — Se
quer proteger a Terra dos Deuses do flagelo do
esquecimento, deve destruir não somente meu
navio, mas também seus robôs e a si mesmo.
Todos vocês já estão com o germe da doença
inoculado.
O saltador pulou por cima da balaustrada e
voltou para bordo de seu contratorpedeiro.
Teve um momento de hesitação, mas depois,
sem dizer uma palavra, desapareceu sob o con-
vés. Segundos após, o barco fez uma curva e
disparou com toda velocidade rumo ao leste.
Gorlap não destruíra o terrível veleiro, mas
deixara lá seus vinte robôs. Talvez tivessem eles
realmente o germe provocador da doença des-
conhecida.
E ele, Gorlap?
94
O saltador tentou espantar o terrível pensa-
mento. Não esteve em contato direto com o ca-
pitão doente.
Contato?
Sim, as solas de seus sapatos tocaram as
pranchas de madeira do veleiro e suas mãos
também tocaram a balaustrada.
Desgraçado, deveria ter afundado o veleiro.
Se o vento continuasse assim, alcançaria o por-
to em uma semana. Até lá, teriam que ser to-
madas todas as providências. Nada estava ainda
perdido. Qualquer Central de Comando podia
ainda transmitir a ordem aos robôs do navio
contaminado, para que afundassem o barco. Os
robôs obedeceriam imediatamente, mesmo que
com isso fossem parar no fundo domar. Estan-
do não muito distante do litoral, conseguiriam
se salvar, caso a pressão da água não os destru-
ísse antes.
Gorlap olhou para suas mãos. A pele estava
bem morena e sadia.
Quanto tempo levaria até que começassem
a aparecer as horríveis placas vermelhas? Será
que iriam aparecer?

***

Em órbitas diferentes estavam ainda muitas


95
naves dos saltadores circunvoando o planeta
Goszul. Tratava-se dos patriarcas de cada um
dos clãs que estavam se reunindo neste ponto
de apoio situado um pouco para fora das linhas
comerciais, a fim de planejarem o ataque con-
tra a longínqua Terra.
Assustados com as fantasticamente rápidas
ações dos mutantes e horrorizados com os pre-
juízos sofridos, abandonaram o planeta com
suas naves, e no momento se mantinham no
espaço, que não tinha nenhum segredo para
eles. Aguardavam lá em cima que os governa-
dores conseguissem em pouco tempo restabele-
cer a normalidade.
Não sabiam quem era seu inimigo e, algu-
mas semanas depois, quando a Terra dos Deu-
ses já estava mais calma, começaram a se sentir
mais seguros. Os primeiros patriarcas desceram
no gigantesco espaçoporto da Terra dos Deu-
ses, sem abandonarem suas naves. As discus-
sões deviam ser retomadas brevemente.
Neste meio tempo, o veleiro com os mari-
nheiros doentes foi afundado na entrada do
porto da cidade. Os robôs receberam a ordem
respectiva de Gorlap, ainda antes de ele perder
a memória. Foi sua última ação consciente,
porque depois disso o passado desapareceu
para ele. Desesperado e sem nenhum interesse
96
pelo que se passava em torno dele, vegetava
em cismas infrutíferas, até que o governador da
região vizinha o veio visitar.
Assim a epidemia se abateu sobre a segunda
vítima entre os saltadores.
Entrementes chegavam as primeiras notícias
de catástrofes nos continentes primitivos. Ralv e
sua organização cuidava para que estas novida-
des inquietadoras chegassem aos ouvidos dos
saltadores também através das Centrais de Vigi-
lância.
Com isto se conseguiram duas coisas. Pri-
meiramente, saiu um decreto que declarava o
porto fechado para todo tipo de navios, inter-
rompendo assim as ligações com outros conti-
nentes. Segundo, fazia com que os saltadores
se sentissem cada vez mais inseguros.
Levaram Gorlap para uma instalação hospi-
talar controlada por robôs, onde se tentou des-
cobrir a causa da epidemia. Mas não chegaram
aos agentes provocadores e por isso não pude-
ram fabricar nenhum anti-soro. Quando uns
dias depois, o governador da região vizinha
também adoecia e, quando depois das placas
vermelhas, começou a fase do esquecimento,
um grande pânico se apoderou dos outros de-
zoito saltadores. Doenças e morte não lhes
eram conceitos desconhecidos, pois não eram
97
imortais, mas em pleno uso da razão, perder de
repente a memória, parecia-lhes pior do que a
morte.
Os saltadores que estavam nas naves pensa-
vam naturalmente bem diferente. Julgavam-se
bem seguros e distantes dos acontecimentos. O
planeta Goszul não lhes significava nada, a não
ser um ponto de encontro passageiro. Se havia
aí alguma coisa a perder, eram no máximo, as
preciosas instalações técnicas e os fantásticos
robôs, cada um deles valendo uma verdadeira
fortuna.
O patriarca Ralgor, ao ouvir as notícias alar-
mantes, pensou diretamente nesses robôs.
Mentalmente ele já estava vendo como os pri-
mitivos nativos caíam em cima dos robôs de vi-
gilância desarmados e os destruíam, antes de
chegarem os robôs de combate com seus raios
mortíferos.
Talvez não fosse preciso ir tão longe. Se vi-
essem em auxílio dos governadores, podiam
conseguir ainda um ótimo negócio. Ralgor sem-
pre tivera o desejo de possuir um robô de com-
bate novinho em folha, mas nunca teve dinhei-
ro para isto.
Pensando assim, tomou a direção de sua
nave Ral II, saiu de órbita e desceu no espaço-
porto da Terra dos Deuses, onde já haviam
98
pousado várias naves dos clãs, permanecendo
em espera.
Ralgor não tinha absolutamente vontade de
ficar esperando parado até que o flagelo atingis-
se todo o planeta e com isso também a Terra
dos Deuses. Queria bancar o pioneiro, dar o
primeiro exemplo, para depois poder ser re-
compensado como o homem da iniciativa. As-
sim que pousou em terra, pôs-se em contato
com as outras naves.
Contactou primeiramente Etztak, um dos
mais idosos patriarcas dos mercadores reuni-
dos. O desconfiado barba cinzenta não lhe quis
dar ouvidos, até que o muito mais jovem Ralgor
lhe fez uma certa proposta, passando daí a
ouvi-lo com crescente interesse.
— ...é claro que, sob estas condições, não
podemos mais perder tempo. Se não quisermos
nos prejudicar, não podemos mais ficar parados
aqui. Está na hora de tomarmos nossa decisão.
Por que nos reunimos aqui? Para elaborar um
plano de como podemos transformar o planeta
Terra numa colônia comercial. Pacificamente,
parece que não é mais possível, resta-nos então
apenas o caminho da luta, onde teremos de
contar, aliás, com destruições.
— Para mim, não se trata de uma colônia
comercial, o que me interessa é me vingar de
99
Rhodan. Ele causou grandes prejuízos ao nosso
clã.
— Por que, pois, ficamos aqui esperando,
enquanto os goszuls causam mais danos? Quan-
tos dos nossos eles já mataram?
— Foram os goszuls? — perguntou Etztak
espantado. — O método parece mais de uma
outra raça, que eu conheci a mil anos-luz daqui.
— Os terranos não sabem onde os saltado-
res realizam seu encontro.
— Está bem — disse Etztak, aceitando a
ponderação de Ralgor. — O que você propõe?
— Que convoquemos imediatamente uma
reunião e tomemos uma decisão de como e
quando atacaremos a Terra.
Etztak abanou a cabeça lentamente.
— Bem, eu estou de acordo e apoio seu pla-
no. Mas, e a respeito do planeta Goszul? Ainda
não ouviu falar da terrível epidemia que devasta
os continentes primitivos e que já está pene-
trando na Terra dos Deuses?
Dois dos governadores já foram atingidos e
perderam a memória. Não conhecemos ne-
nhum antídoto.
Ralgor percebeu que estava chegando perto
de seu objetivo.
— Por isso, recomendo uma decisão rápida
por causa da Terra. E depois abandonamos o
100
planeta Goszul, antes que a peste nos atinja.
Queremos ao menos salvar os preciosos robôs.
Podem ser reprogramados a qualquer momento
pelos nossos cérebros positrônicos de bordo.
O barba cinzenta sorriu compreensivo.
— Começo a entender, Ralgor, mas não sei
se posso aderir a suas conclusões. As instala-
ções no planeta Goszul pertencem a todos os
clãs coletivamente. Não estaríamos nos enri-
quecendo ilicitamente?
Ralgor achou melhor mudar de assunto.
— Vai convocar a reunião, Etztak, você é o
mais velho.
— Vou perguntar aos outros se querem se
reunir — prometeu o patriarca, sem se compro-
meter.
Ralgor interrompeu o diálogo e ficou senta-
do sozinho, muito tempo em sua central. De-
pois resolveu dar uma volta pela vizinhança.
Certamente não podia prejudicar. Junto com
seu navegador, deixou a Ral II e tomou o pri-
meiro carro-robô para a cidade.

John julgou conveniente deixar seu quartel-


general no veleiro. Já há muito tempo que ele e
seus mutantes haviam tomado a dose de injeção
101
que os imunizaria da epidemia do esquecimen-
to, embora Gucky afirmasse constantemente
que o aumento do quociente intelectual prove-
niente da doença não prejudicaria a ninguém.
Também os chefes dos rebeldes estavam vaci-
nados contra a aparentemente terrível doença,
que na realidade não tinha a gravidade nem de
uma gripe normal. “O que representa a perda
da memória”, explicava John sempre que se
tratava do assunto, “se podemos recuperá-la a
qualquer momento e muito mais vigorosa que
antes? É como uma anestesia sem dor”, dizia
ele, “da qual se acorda com saúde.”
O veleiro estava mais ou menos a cem me-
tros do cais, no ancoradouro. Tako acabava de
voltar de uma operação. Como de hábito, ma-
terializou-se no meio dos mutantes, sentados no
convés superior, combinando com Ralv as
próximas providências. Gucky estava deitado de
costas, ao lado de Tama e cocava a barriga.
Apenas Ralv se assustou; não havia se acos-
tumado ainda com as extraordinárias faculdades
de seus novos amigos.
John olhou para cima.
— Conseguiu alguma coisa, Tako?
O japonês fez sinal afirmativo e sentou-se
junto deles.
— Tenho que confessar que a Organização
102
do Movimento de Resistência, nas últimas se-
manas, fez enormes progressos. O nome de
Ralv se tornou uma palavra mágica. Obedecem
a ele incondicionalmente, com toda confiança e
seguem suas ordens. Levei a caixa com as bom-
bas provocadoras da epidemia para o Conti-
nente do Leste. Lá é que o conteúdo vai ser dis-
tribuído.
— Você esteve muito tempo fora, talvez ho-
ras.
— O grupo de rebeldes lá vive muito isola-
do. Tinha que responder a algumas perguntas;
embora se confie muito em Ralv, não se pode
desconhecer completamente a curiosidade,
você compreende, não é, Ralv.
O revolucionário de pele bronzeada fez sinal
afirmativo.
— Minhas instruções são sucintas e não ex-
plicam muita coisa. O povo aproveita natural-
mente a oportunidade para olhar um pouco
atrás dos bastidores. Que foi que você contou a
eles?
— Nada mais do que a verdade.
John franziu as sobrancelhas.
— Você disse o que lhes vai acontecer? Eles
sabem, portanto, que vão se contaminar a si e
aos outros, que haverão de perder a memória?
— Sim, e lhes expliquei ainda por que tem
103
que ser assim. Se desejam que os saltadores
abandonem sua terra, sem guerra e em deban-
dada de pânico, devem fazer o que se exige de-
les. Talvez os goszuls não cheguem a penetrar
completamente nosso plano, mas sentem que
não há outro caminho. As bombas ainda hoje à
noite vão explodir em diversas cidades do Con-
tinente Leste e espalhar as bactérias.
— Podemos esperar, portanto, que dentro
de uma semana os sintomas externos da epide-
mia já se manifestem por lá. Com isso termina
a primeira parte de nossa atividade.
John parecia mais aliviado.
— Não é fácil fazer um país todo ficar doen-
te, mesmo que se tenha já preparado o remédio
para a cura. Mas quando este país ficar livre e
seus filhos recuperarem a saúde, sua inteligên-
cia vai crescer tanto que saberão o que fazer
com sua força mental. A curva de crescimento
futuro vai ser vertiginosa.
Por uns momentos houve silêncio. O sol
queimava num céu sem nuvens e fazia com que
a água quase parada do porto cintilasse como
chumbo líquido. Alguns goszuls desocupados
vagavam pela beira do cais à espera de um bis-
cate. A Central de Robôs desde muito tempo
não transmitia nenhuma ordem.
Os goszuls não sabiam que o germe da epi-
104
demia neles já incubado continuava agindo e
que, talvez no dia seguinte, provocasse o apare-
cimento das placas vermelhas em suas faces.
Tako suspirou:
— Gostaria de dar uma cochilada, John.
Qual será a próxima missão?
— Não posso dizer nada ainda. Hoje de noi-
te é que Enzally vai entrar em contato comigo.
Vai depender dele quando e onde atacaremos.
Os saltadores se mantém em expectativa. De-
pois que dois governadores adoeceram, estão
com mais precaução. Estão evitando todo con-
tato com os nativos. Além disso, os robôs afun-
daram o nosso navio dos mortos. Felizmente,
toda a tripulação se salvou a nado.
— Quer dizer que não esqueceram a nata-
ção? — admirou-se Tako.
John sorriu displicentemente.
— A memória desaparece, mas não a facul-
dade de realizar ações adquiridas pelo hábito.
Além disso, a memória não foi dissolvida.
Como seria isto possível, se mais tarde tudo
tem que voltar a funcionar. Em algum lugar tem
que estar esta memória. Nadaram, pois, para a
praia e transmitiram a doença aos outros.
Ralv se levantou.
— Tenho que liquidar uns assuntos, se sou-
ber de alguma novidade, lhe mandarei uma co-
105
municação.
Dirigiu-se à balaustrada do convés médio e
desceu pela escada de corda para o barco que
estava esperando ao lado do veleiro. Com re-
madas tranqüilas, o barco afastou-se em direção
ao cais. Deu ainda um abano de mão e depois
sumiu entre os silos dos armazéns.
Kitai suspirou.
— É um rapaz legal — disse. — Deve confi-
ar de fato em nós plenamente, do contrário não
faria tudo isto para nós. Afinal de contas, ele é
quem carrega toda responsabilidade perante
seu povo.
— Sem nós, os pobres goszuls ficariam uma
eternidade sendo dominados e explorados pelos
saltadores. Ralv sabe disso.
— Tem razão, John, mas nem por isso eu
deixo de admirar a coragem cega deste rapaz.
Sua influência é enorme. Nos últimos dias, não
é mais necessário impor nossa vontade a nin-
guém.
John queria exatamente responder, quando
levantou de repente a mão, fazendo sinal ao ja-
ponês para que parasse de falar Também
Gucky endireitou-se repentinamente e pôs-se a
escutar com os olhos fechados. Os três japone-
ses se mantiveram em silêncio, pois sabiam que
os dois telepatas estavam recebendo uma men-
106
sagem mental. Só podia vir de Enzally, pois de
acordo com o que sabiam, não havia nenhum
outro telepata neste planeta.
Era um fenômeno de aspecto interessante e
ao mesmo tempo inquietante. Um homem e
um rato-castor, sentados imóveis no chão de
madeira, ao sol causticante, ouvindo calados o
que uma voz muda lhes tinha para dizer. No
rosto de John, lia-se uma grande tensão, como
se ouvisse algo sombrio, mas logo depois esbo-
çou-se um leve sorriso. As reações de Gucky
corriam admiravelmente sincronizadas. O seu
dente roedor estava indicando que a quase mo-
notonia das semanas anteriores parecia que ia
acabar. Apesar de que o pêlo da nuca se eriça-
va de vez em quando, sinal de que a variação
que estava se aproximando, trazia também mui-
ta dificuldade. Mas não se podia perceber em
que consistia esta variação.
Enzally devia ter muita coisa para comuni-
car, porque o silêncio artificial durou mais de
quinze minutos.
Finalmente John terminou aquela postura
rígida e respirou profundamente. Depois de um
olhar rápido para Gucky, disse ele:
— Foi Enzally. Virá nos procurar hoje à noi-
te, depois de conseguir mais detalhes. Aconte-
ceu alguma coisa lá no espaçoporto. Você de-
107
via dar uma chegada lá para ver, Tako. Os sal-
tadores estão descendo. E nós acreditávamos
que eles desapareceriam correndo, quando sou-
bessem da epidemia. Ainda estão em contato
com os governadores, sabendo assim o que se
passa no planeta de Goszul. Não estou com-
preendendo bem.
— Que aconteceu, propriamente? — inda-
gou Kitai.
John ergueu os olhos para o céu, pensativo,
como se a resposta viesse de lá, mas Rhodan
estava muito longe.
— Os saltadores estão descendo — repetiu
ele. — Sabemos que há ainda uns trinta deles
no espaço, dando voltas em torno do planeta.
Esperávamos que iam fugir. Fizeram exatamen-
te o contrário do que pensávamos. Estão des-
cendo numa terra que eles sabem estar conta-
minada.
— Isto eu não posso entender — afirmou o
sugestor. — Ninguém vai por livre vontade de
encontro ao perigo de perder a memória. De-
vem ter um motivo muito importante para des-
cerem.
— E eles têm mesmo — confirmou John
com seriedade. — Enzally conseguiu ouvir al-
guns deles telepaticamente. Já abdicaram há
muito tempo do planeta e dos governadores
108
que aqui mandavam, mas não querem se desfa-
zer das instalações técnicas e dos robôs. Neles é
que está todo o seu interesse.
Kitai fez cara de quem não entendia.
— Falando honestamente, não estou enten-
dendo. Devem estar cientes de que o germe da
doença está em toda parte, até nos metais. En-
tregam-se voluntariamente ao perigo da infec-
ção...
— Naturalmente subestimam o perigo — ex-
plicou John. — Sua ambição é maior do que
sua prudência. Um robô de combate vale tanto
como uma nave espacial de porte pequeno. O
planeta de Goszul faz lembrar no momento
uma cidade em retirada, sendo entregue à pi-
lhagem. Cada um tenta, como pode, se enri-
quecer mais. Os saltadores são comerciantes.
— Infelizmente são também lutadores —
murmurou Tama, muito compenetrado.
— Sabemos disso muito bem — confirmou
John. — E por isso não acredito que Enzally já
esteja a par de tudo. Posso apostar que há mui-
to mais coisa escondida atrás de tudo isto, coisa
muito mais importante do que roubar robôs e
máquinas uns dos outros.
— Mas então, o quê?
— Esperemos até que Enzally volte. Talvez
aí saberemos mais coisas. Estará aqui em pou-
109
cas horas.
Gucky, que até aqui estava calado, pergun-
tou chiando, pois era muito preguiçoso para re-
tirar o dente de roedor:
— Alguém tem alguma coisa contra, que eu
dê uma volta por aí?
Meio desprevenido, John fez uma contra
pergunta:
— Onde é que quer dar uma volta?
— Ora, onde então? No espaçoporto, natu-
ralmente. É apenas um pulo de rato até lá.
— Somente para teleportador — disse,
John, e refletindo um pouco. — Quatro olhos
enxergam mais do que dois... e dois cérebros
telepatas percebem mais do que um. Está bem,
mas cuidado para não ser visto pelos saltadores,
alguns deles já conhecem você e sabem que
você está ligado com Perry Rhodan. Qualquer
imprudência prejudicaria muito nossos planos.
— Ninguém me verá — prometeu, não es-
condendo a alegria antecipada da aventura. —
Voltarei logo para lhes dizer o que os saltadores
tencionam fazer, além de roubar robôs.
Falou e desapareceu. John ficou fitando o
lugar onde Gucky estava sentado. Finalmente
falou:
— Estou muito feliz por ser um homem, mas
as vezes gostaria de ser um rato-castor. Estes
110
seres pequenos são formidáveis.
— Também em relação à sua raça, Gucky é
um exemplar extraordinário — lembrou Kitai.
— A raça dos ratos-castores é um grupo de ani-
mais de reduzida inteligência. Gucky se diferen-
cia deles, como um telepata desenvolvido do
resto da humanidade.
— Muito bem — interferiu John. — Então
ficaria realmente feliz de poder ser, às vezes, o
Gucky. Está correto?
Kitai sorriu.
— Independente do fato de que não se pode
em geral falar de desejos corretos, posso enten-
der seu desejo. Eu preferia, além de sugestio-
nar, poder também ler pensamento. O homem
tem uma conformação tal, que nunca está real-
mente contente.
— E exatamente isto é a mola propulsora de
sua ambição — filosofou Tako, olhando para
seus pés descalços. — Eu estou com fome.
Todos riram da brusca mudança de assunto
e olharam para John. O telepata concordou, le-
vantando-se.
— Vamos lá para baixo, lá existe uma gela-
deira. Eu também estou com fome. Tomara que
Gucky venha logo.
Infelizmente, esta esperança não se concreti-
zou.
111
***

Gucky não foi realmente imprudente, ape-


nas sua curiosidade foi maior que toda sua cau-
tela. Seu primeiro pulo de teleportador o trans-
portou para a beira do imenso espaço-porto,
onde se escondeu entre alguns barracões que
não tinham nada em comum com os grandio-
sos edifícios da administração em que se guar-
davam os robôs. Bem perto dele patrulhava um
robô de vigilância, com sua monótona marcha
de vaivém. Gucky sabia que entre ele e o próxi-
mo robô de vigilância havia uma ligação sem
fio. Evitou cautelosamente cair sob as lentes do
monstro de aço.
O que lhe chamou primeiro a atenção foram
as numerosas naves espaciais dos saltadores
que haviam descido e ali estavam apoiadas na
parte traseira da fuselagem. Eram, pelo menos,
vinte destas espaçonaves de mais de duzentos
metros de envergadura, cujas carcaças metáli-
cas cintilavam ao sol; eram o símbolo marcante
do poderio dos saltadores. Cada uma delas era
suficiente para transformar o planeta Goszul
num inferno incandescente, sem possibilidade
de vida futura.
Gucky sabia que era a epidemia e a ganân-
112
cia dos saltadores que estava impedindo isto,
portanto, enquanto existisse neste mundo um
robô em funcionamento, este perigo estaria
afastado.
Agachou-se mais ainda à sombra do barra-
cão, numa reentrância do terreno. A margem
do campo de aterissagem estava a uns cinqüen-
ta metros dele, mas lá não havia possibilidade
de se esconder. Seria então melhor operar daí
mesmo.
O rato-castor chegou à conclusão de que o
robô de vigilância, em sua ronda repetida, se
afastava cada vez mais do barracão. Dependia
dele, portanto, escolher a espaçonave certa,
embora precisasse de muita sorte para não se
materializar exatamente na frente dos olhos de
Etztak, que já o conhecia.
Para agir com mais segurança, resolveu rea-
lizar primeiro telepaticamente um salto de ins-
peção, para estudar o ambiente. Por quase dois
minutos ficou tentando identificar os pensamen-
tos de Enzally, dentre o confuso fluxo de impul-
sos que chegavam até ele. Depois desistiu.
Quem sabe estava o goszul automática e instin-
tivamente protegendo seu cérebro, quando es-
tava trabalhando. Ele, Gucky, também fazia
isto, às vezes. O único jeito que havia era en-
frentar diretamente os saltadores que tinham
113
descido. Os saltadores, felizmente, não eram
robôs. Não era, pois, difícil para Gucky pôr em
ordem e ler seus pensamentos. A única dificul-
dade da operação era que em cada espaçonave
havia pelo menos vinte pessoas, entre as quais
só interessavam a Gucky o comandante e o res-
pectivo patriarca do clã. Devia, pois, pular ce-
gamente, com seus pensamentos, na primeira
nave e sondar até descobrir o patriarca.
Seu corpo ficaria, entrementes, com a capa-
cidade de reação muito reduzida, um fato que
realmente diminuía a alegria dele. Mas não po-
dia fazer nada contra isto. Além disso, aqui nes-
ta reentrância, julgava-se relativamente seguro.
Depois de isolar os pensamentos que fluíam
para ele, e fazer com que apenas um fosse ou-
vido, percebeu que era testemunha de uma con-
versa, pois eram dois pensamentos que falavam
na mesma freqüência.
— ...admito realmente que estão exageran-
do. Não nos concedem nem licença para de-
sembarcarmos e descansarmos um pouco, en-
quanto eles pretendem deixar a nave esta noite.
— Trata-se, porém, de uma conferência,
não é?
— E que seja, isto não altera nada. É inte-
ressante que a tal epidemia é perigosa para
nós, enquanto para eles não faz mal nenhum.
114
Eu quero é ficar livre de tudo isso.
— Você sabe qual é o castigo que eles apli-
cam neste caso, Holflersy. Não o aconselho a
abandonar sua cozinha.
Gucky sorriu e mudou de freqüência. Fazia
isto com a mesma naturalidade com que um ho-
mem do século XX usava um receptor de rádio.
De qualquer maneira, ele sabia que os co-
mandantes das espaçonaves planejavam uma
reunião para esse mesmo dia. Seria de grande
vantagem ler os pensamentos de um coman-
dante, para não haver nenhuma surpresa. O
próprio Enzally não sabia o que os saltadores
planejavam desta vez com a nova conferência.
Ah, sim. Isto já era uma outra voz muda. Al-
guém tentava transmitir um pensamento, mas
ninguém respondia. Devia, pois, estar sozinho.
Gucky continuou escutando e teve sorte. Foi
por mero acaso que foi dar com o avarento e
ambicioso Ralgor.
Estava sentado em sua cabina particular e
imaginando o que iria falar hoje na reunião dos
patriarcas dos saltadores. Estava elaborando o
discurso, como se costuma dizer. Fazia-o sem
palavras, em pensamento, o que porém, não
impedia que fosse ouvido. Às vezes chegava a
pronunciar nitidamente as palavras.
— Se eu conseguisse ao menos convencer
115
Etztak — murmurou desconfiado, continuando
a pensar. — Quero desviar toda a atenção dele
para a Terra, deixando de lado a questão com o
planeta dos goszuls. Os governadores sozinhos
não terão mais força para se dirigirem aos pon-
tos de apoio para pedir auxílio. Em poucas se-
manas, a epidemia os levará. Aliás, este flagelo
do esquecimento é propriamente uma bênção
para os que se servem deles no setor dos negó-
cios.
“Posso mandar vir, por hiperirradiação, mi-
nhas duas outras espaçonaves — continuou ele
murmurando, como se o simples pensamento
não bastasse mais. — Seus porões de carga po-
dem abrigar, pelo menos, duzentos robôs de
combate e de vigilância. Independentemente
dos aparelhos das instalações técnicas da usina
das espaçonaves, vou fazer agora o negócio da
minha vida, se...”
Para desgraça de Gucky, a sucessão de pen-
samentos do honrado patriarca foi bruscamente
interrompida, neste ponto. Alguém deveria ter
penetrado na cabina.
— Senhor, aqui está o mapa sideral que o
senhor desejava — devia ser o navegador, su-
punha Gucky. — As coordenadas dos saltos já
estão calculadas. E o senhor acha que consegui-
remos?
116
— Com toda certeza — respondeu Ralgor,
porém, não estava pensando no que devia ser
feito nem no hipersalto. — Por favor, entregue
este bilhete ao telegrafista. Ele deve mandar um
rádio sigiloso às duas espaçonaves do clã. As-
sim que tiver resposta, quero ser cientificado.
Depois voltou a ficar sozinho, mas as espe-
ranças de Gucky não se realizaram, pois Ralgor
não voltou novamente aos seus pensamentos
secretos. Mas Gucky estava convencido de uma
coisa: A pilhagem bem planejada de Ralgor
contra o planeta de Goszul estava em íntima li-
gação com seus planos de conquistar a Terra e
com os mapas siderais recém-trazidos. Também
o fato de haver requisitado as duas espaçonaves
de seu clã fazia parte do grande plano. Os deta-
lhes deste plano, porém, Gucky não conhecia
ainda. E ele tinha que ficar a par disso.
Este Ralgor não o conhecia ainda e nunca o
tinha visto antes. Portanto, se por acaso os dois
se encontrassem, não seria tão perigoso assim.
Além disso, Ralgor tinha que ter muita cautela
para não permitir que seus irmãos de raça che-
gassem a saber de seus planos. Caso suspeitas-
se que Gucky tinha alguma coisa em comum
com Perry Rhodan e a Terra seria o primeiro a
ter que silenciar tal encontro.
Gucky respirou profundamente e se telepor-
117
tou. Desceu exatamente na Central de Ralgor,
mas teve sorte. O saltador estava de costas para
ele, estudando os mapas siderais recém-trazidos
pelo navegador. Estava sentado numa poltrona
e não suspeitava que, no máximo, a um metro
atrás dele, surgira do nada algo pequeno, de
aparência desagradável, que rapidamente se es-
condera atrás da porta aberta de um armário de
parede.
Daí Gucky podia ver bem e estava ao mes-
mo tempo protegido. Tinha que constatar ur-
gentemente em que setor da galáxia estavam os
interesses de Ralgor.
Ralgor raciocinava com conceitos diferentes
e Gucky não conseguia atinar com que nomes
os saltadores se referiam aos astros e aos siste-
mas solares e assim não pôde prontamente des-
cobrir com que sistema solar ele se preocupava.
De repente, Gucky percebeu a aproximação de
outros pensamentos. Lá fora, atrás da porta,
havia alguém parado, que entrou depois de ba-
ter. Devia ser novamente o navegador.
— O telegrama foi recebido normalmente e
a resposta chegou neste instante, senhor. A Ral
III e a Ral V chegam ainda esta noite aqui. De
acordo com as instruções ficarão circulando a
uma altura de dois dias-luz do sistema de Gos-
zul.
118
Ralgor levantou os olhos e sorriu com malí-
cia.
— Foi por muito tempo o sistema de Goszul
— disse ele traindo uma parte do seu plano se-
creto. — Talvez, um dia, terá o nome de siste-
ma de Ralgor.
O navegador sorriu também.
— Um bom negócio?
— Naturalmente, do contrário, não estaria
me preocupando com isto.
O semblante do navegador se anuviou.
— Que é que nosso clã vai fazer com um
planeta pestilento?
Ralgor reagiu bruscamente.
— Estou contente de que nem você acha
resposta para tal pergunta. Este fato me prova,
de fato, que os outros patriarcas não estão a
par dos meus planos. Pode ir, Gromsk. Aí pelo
pôr do sol vou deixar a nave. Cuide do necessá-
rio revezamento da guarda. Quero que a Ral II
aguarde, preparada para partir, até que eu este-
ja de volta a bordo.
O navegador se retirou, sem dar resposta.
Mais dez minutos ficou Ralgor sentado à
mesa, debruçado sobre os mapas siderais, exa-
minando as coordenadas do salto ali desenha-
das; levantou-se de repente, olhou para o cro-
nômetro dependurado na parede e deixou a ca-
119
bina. Nem fechou a porta, deixou-a apenas en-
costada.
Gucky ainda esperou uns momentos, depois
saiu de seu esconderijo e correu para a mesa do
escritório. Era tão pequeno que teve de ficar de
pé em cima da cadeira para poder ver os ma-
pas.
Mapas siderais são documentos difíceis de
ler. Tem-se que estudá-los a fundo, para se con-
cluir alguma coisa, principalmente quando os si-
nais são incompreensíveis.
Gucky viu uma confusão de pontos minúscu-
los, ligados entre si por linhas pontilhadas. Ha-
via números e mais abaixo nomes que para ele
não tinham nenhuma importância.
Um outro mapa mostrava uma ampliação.
Os poucos sistemas solares consistiam não de
pontos minúsculos, mas de fato de sóis e plane-
tas a eles pertencentes. Não foi muito difícil
identificar um destes sistemas. Principalmente
porque estava assinalado com uma cruz verme-
lha. Com um simples olhar, Gucky percebeu
que Ralgor se interessava pelo Sol e seu planeta
Terra.
Atrás de Gucky, ouviu-se um ruído. Antes
que pudesse se virar, Gucky se conscientizou de
que, nos últimos segundos, esquecera de ficar
atento às coisas em volta dele. Ralgor estava de
120
volta.
O saltador soltou um grito de pavor, quando
viu o animal esquisito debruçado sobre seus ma-
pas. Demorou pelo menos dois segundos até
que conseguisse dominar a estupefação. Sua
mão direita correu para a cintura e saiu com a
arma energética, já com o cano apontado para
o rato-castor.
Gucky podia ter se teleportado, mas isto se-
ria para ele uma fuga covarde. Além disso, leva-
ria pelo menos um segundo para se desmateria-
lizar. O saltador teria tempo para desfechar o
tiro de morte.
Havia também outro meio e muito melhor.
— Bom dia — disse Gucky, em puro Inter-
cosmo, mostrando com ar de amizade o dente
de roedor. — Como vai você, Ralgor?
A estupefação foi tão grande, que seu quei-
xo caiu por alguns centímetros, deixando a
boca aberta.
— Você fala? Quem é você?
— Você também fala, não é verdade? — dis-
se Gucky em tom de conciliação e concentran-
do toda a sua atenção na pistola. Seus fluxos
mentais telecinéticos se descarregaram na arma
e de repente seu cano estava apontado para o
teto. O saltador, surpreendido ao ver um objeto
inanimado executar por si mesmo um movi-
121
mento daquele, ficou totalmente tolhido em
seus movimentos. Perplexo, viu como a arma
energética escapou de seus dedos petrificados e
estava flutuando no teto, como se fosse um ba-
lão. Encostada no teto, a arma dirigiu seu cano
na direção da cabeça de Ralgor.
— Bem, agora você está bonzinho, não é?
— perguntou Gucky e chiou como um passari-
nho da Terra. — Feche a porta.
Ralgor não quis obedecer à ordem, soltou
um segundo grito, mas desta vez com uma fúria
diabólica e se atirou contra o intruso. Gucky re-
fletiu sobre os sérios conselhos de John e desis-
tiu de outras experiências. Desmaterializou-se,
estragando assim a parte mais atraente da
aventura.
Ralgor foi atirado para frente, pela violência
de seu pulo, quando seus punhos possantes
atingiram o vazio. Bateu com a cabeça contra o
intercomunicador de bordo, formando um terrí-
vel galo avermelhado na testa, cuja origem ele
nunca soube explicar a seus irmãos de clã, que
se apiedavam do ferimento.
E aí estava ele, perplexo, fitando os mapas.
Com a cabeça doendo e com um movimento
involuntário das mãos, os jogou fora da mesa.
Caiu depois pesadamente na poltrona, em cima
da qual Gucky estivera de pé, três segundos an-
122
tes.
Desgraçado... Existem de fato assombra-
ções.

— Estão tramando alguma coisa contra a


Terra.
John parecia não acreditar.
— Acho que já desistiram há muito tempo,
Gucky, não posso acreditar que tentem nova-
mente. A primeira lição deve ter sido suficiente
para eles.
— O sujeito tinha mapas, nos quais a Terra
estava assinalada com uma cruz vermelha.
Aposto como vão tratar deste assunto hoje à
noite. Não podemos deixar de mandar um ob-
servador para a conferência.
— Enzally vai nos informar.
— Isto não basta, independente do fato de
que, com a nossa visita, atingiremos um objeti-
vo muito importante.
— E qual seria este objetivo? — perguntou
John, muito interessado.
— Nós vamos espalhar os germes da doença
na reunião dos patriarcas — disse Gucky.
O telepata estava querendo fazer um sinal de
recusa, quando, de repente, parou. Seus traços
123
fisionômicos davam mostra de preocupação.
Acabou abanando a cabeça afirmativamente.
— Uma idéia verdadeiramente maluca,
Gucky, mas creio que para isso preciso da auto-
rização de Rhodan. Sem qualquer ordem, não
podemos contaminar com uma epidemia salta-
dores que não residem no planeta de Goszul. A
doença é contagiosa e eles poderiam levá-la
pelo espaço afora. E a mim repugna contami-
nar propositalmente o universo.
— Pergunte então a Rhodan — propôs
Tako. — Ele naturalmente saberá pelo que
pode e pelo que não pode se responsabilizar.
John também achava que este era o cami-
nho certo. Tirou do esconderijo o aparelho com
o qual se podia obter uma ligação simultânea
até uma distância de três meses-luz. Exatamente
após trinta segundos se estabeleceu contato
com a Stardust-III.
— Há uma oportunidade única de encontrar
reunidos aqui, em assembléia, os saltadores,
Rhodan, devemos contaminá-los com a epide-
mia ou não?
— Uma pergunta direta, John. Responderei
também diretamente, se você me puder dar
uma outra informação: O que vai ser debatido
nesta assembléia dos saltadores?
— Ninguém sabe ao certo. Gucky acha que
124
é o ataque à Terra.
— Quer dizer então que ainda não estão cu-
rados — murmurou Rhodan, refletindo por uns
segundos. — Bem, terá sua resposta: Bem, se
os saltadores hoje à noite resolverem que ataca-
rão a Terra, então devem ser contaminados.
Será que me exprimi bem claramente?
— Perfeitamente. E o que acontece se espa-
lharem a epidemia pelo universo?
Incrível, reconhecer-se através da distância
de oito dias-luz a risada de Rhodan.
— Quase nada — respondeu ele, interrom-
pendo a ligação.
A fisionomia de John não estava exuberan-
te, quando ele guardou o aparelho e olhou in-
deciso para seus companheiros.
— Vocês ouviram? Quase nada, foi a res-
posta de Rhodan. Alguém compreendeu isso?
— É necessário compreender? — acrescen-
tou Gucky e continuou apressadamente: —
Atenção, eu sinto que Enzally está chegando.
Tomara que não perceba nossa dúvida, seria
muito desagradável.
Mas Enzally estava muito calmo. Cumpri-
mentou os quatro homens com a mesma incli-
nação, com a qual também se dirigiu a Gucky,
sentou-se e disse meio sorrindo:
— A reunião dos saltadores começa a qual-
125
quer momento. Vim com um carro oficial da
Administração do Espaçoporto até aqui, para
colocá-los a par de tudo. Estão admirados por
causa do carro? Pois é, temos nossos amigos
agora por toda parte. Mas, voltando aos salta-
dores, qual é a sua intenção? Querem mesmo
acabar com a reunião deles?
— Queremos contaminar os saltadores —
disse John asperamente.
Um sorriso frio percorreu o semblante do
velho goszul.
— Excelente. Os deuses comerciantes já vi-
ram o que acontece com uma raça atacada com
esta epidemia do esquecimento. Ao notarem a
mesma doença em si mesmos, fugirão para o
universo em pânico, para lá procurarem cura. E
nos deixarão futuramente em paz.
Tako abriu uma caixa comprida e tirou dela
cinco bombas pequenas. Tentou medir-lhes o
peso, colocando uma em cada mão.
John percebeu.
— Gucky vai acompanhar você. É melhor
que dois teleportadores executem a missão. Jo-
guem as bombas e desapareçam imediatamen-
te. Talvez seja possível, Gucky, saber alguma
coisa sobre o objetivo da reunião, antes. Rho-
dan deu a ordem de jogar as bombas somente
se os saltadores manifestarem a intenção de
126
atacar a Terra.
— Pode confiar em nós — disse Gucky,
tranqüilizando o telepata.
Tirou de Tako duas das cinco bombas e o
pegou pela mão, fazendo-lhe um sinal.
Um segundo depois, já tinham desapareci-
do.

***

Os dois teleportadores se materializaram


não longe do edifício, à beira do espaçoporto,
que já lhes era conhecido. Lá se realizaria hoje
a grande assembléia. Enzally lhes descreveu
bem detalhadamente a situação. Pela redondeza
não se via ninguém, nem mesmo robôs de vigi-
lância. Em frente à entrada do edifício, porém,
lá estavam dois importantes robôs de combate,
com armas de raios energéticos, de prontidão.
Não havia possibilidade de querer passar por
eles.
— Portanto, diretamente para a caverna do
leão — disse Tako pouco entusiasmado. Pare-
cia um legítimo goszul e ninguém o diferencia-
ria de um aborígine deste mundo. — Não sabe-
mos onde desceremos e se descermos no meio
do salão de reunião, vai dar alguma complica-
ção.
127
— Principalmente quando me virem —
acrescentou Gucky com toda simplicidade.
— Mas de outro lado, eu tenho mais recur-
sos que você. Afinal de contas, sou também te-
lecineta. Vou torcer o nariz deles...
Tako sorriu levemente.
— Pois bem, então pule você primeiro e vol-
te logo para dar informações. Depois pulamos
juntos.
Gucky olhou em volta.
— Fique aqui, atrás do ponto de táxi, e es-
conda-se o melhor que puder. Mas quem é que
passaria por aqui? Um goszul não o atraiçoará
e os robôs de vigilância não estão à vista. Não
creio que corra perigo.
— Além disso, você voltará logo, não é? —
tranqüilizou-se Tako.
Gucky fez sinal que sim e desmaterializou-se.
O japonês ficou para trás sozinho e prepa-
rou tudo para poder fugir, quando fosse preci-
so. Mas tudo estava calmo. O espaçoporto com
suas enormes naves parecia morto. Lá ao lon-
ge, patrulhava um robô. O sol já tinha desapa-
recido no horizonte e estava escurecendo. De-
morou uns cinco minutos até Gucky reaparecer.
— Descobri um ótimo lugar — disse ele com
sua voz incrivelmente estridulante. — Uma es-
pécie de galeria, em cima do salão de reunião.
128
Ninguém nos vê e gozamos de uma bela vista.
Podemos até ouvir tudo que falarem, pois já
que os saltadores falam diversos dialetos, vão
discutir em intercosmo.
— Leve-me pela mão, é mais garantido. Pu-
laram e numa fração de segundo desceram num
local escuro, que mal recebia um raio de luz vin-
da de baixo. Ouvia-se um vozerio abafado.
— A galeria — sussurrou Gucky. — Mova-se
com muito cuidado, quando chegarmos ao cor-
redor. Acho que antigamente, o pessoal senta-
va aqui em cima também, mas agora que os sal-
tadores estão dizimados, a sala de baixo lhes é
plenamente suficiente.
Deixaram o local, onde se armazenava obje-
tos velhos, entre eles um robô colocado fora de
serviço. Na galeria mesmo, estava mais claro e
havia pouca possibilidade de se esconder. Ti-
nham que confiar que ninguém passaria por lá.
Arrastaram-se cautelosamente com as mãos e
os pés e depois se levantaram um pouco.
O que viram então fez seu coração disparar.
Mais ou menos vinte saltadores estavam sen-
tados ou de pé, em grupos, falando com algu-
ma excitação. Como parecia, as conversações
tinham sido interrompidas, para dar liberdade a
cada saltador de discutir individualmente seus
assuntos.
129
Lá na frente estavam sentados Etztak e Ral-
gor, este último numa mesa comprida; Gucky o
reconheceu logo pelo estupendo galo vermelho
na testa. O patriarca de barba cinzenta falava
muito com Ralgor, mas os dois escutadores não
conseguiam entender uma palavra. Gucky en-
tão passou para a via telepática e percebeu que
Etztak mencionava a possibilidade de invadir a
Terra. Falou de um plano que iria levar a deba-
te. Dos pedaços de pensamento de Ralgor, en-
tremeados no diálogo, percebeu que se tratava
mesmo daquele plano que Ralgor queria impor
ao velho patriarca.
— Acho que está na hora de ficarmos livres
destas bombas — chiou Gucky para seu compa-
nheiro impaciente. — Ainda não perderam este
planeta e já pensam em conquistar outro. Va-
mos estragar a festa deles.
Lá embaixo, no salão, o quadro tinha muda-
do. Etztak pediu aos patriarcas presentes que
tomassem seus lugares. Esperou até que hou-
vesse silêncio total e começou a falar:
— Vimos inicialmente para o planeta de
Goszul, a fim de discutirmos a possibilidade de
enfrentarmos em conjunto a crescente ameaça
de um certo Perry Rhodan, que representa a
Terra. Infelizmente nossa intenção foi um pou-
co adiada por acontecimentos imprevistos.
130
Agora mesmo, surge um outro fato, com que
não contávamos. Irrompeu no planeta de Gos-
zul uma epidemia, de natureza completamente
ignorada. Para nosso desapontamento, temos
que confessar que não somos imunes a ela.
Conforme os últimos comunicados, sete dos
vinte e um governadores já estão doentes e per-
deram a memória. Nós, que ainda não estive-
mos em contato com os goszuls, não ficaremos
doentes, mas é evidente que devemos sair daqui
o mais breve possível, para não nos expormos
ao perigo de contágio.
Etztak aguardou até que a inquietação geral
se acalmasse e com voz diferente continuou:
— Neste momento, quero lembrar aos se-
nhores o objetivo específico de nossa reunião
aqui, pois desta vez não se trata de assuntos
técnico-comerciais. Ao tentar estabelecer conta-
to com o planeta Terra, meu clã foi derrotado
por um poderoso inimigo. Falo de Perry Rho-
dan, administrador ou presidente deste planeta.
Parece trabalhar com a cooperação dos arcôni-
das, cuja atividade repentina parece incrível.
Rhodan conseguiu destruir um grande número
de nossas naves, com armas desconhecidas.
Além disso, este Rhodan conhece com toda
certeza o segredo do mundo da vida eterna, da-
quele mundo encantado onde se pode conse-
131
guir a imortalidade.
Novamente um murmúrio surdo entre os
presentes. Os patriarcas chegavam-se uns aos
outros e começavam a cochichar.
Mais do que qualquer outra riqueza, a vida
eterna os fascinava. Uma simples lenda parecia
ter se transformado numa realidade.
Mas Etztak não permitiu muito falatório.
— Temos que abandonar este planeta, meus
irmãos, ninguém duvida disso. E assim como
estão as coisas, vou propor, no Conselho dos
Saltadores, uma quarentena de cinqüenta anos.
Infelizmente temos que perder as preciosas ins-
talações técnicas, mas isso é irremediável. E
agora, minha proposta, que encontra apoio na
opinião de Ralgor: Partiremos unidos com nos-
sas espaçonaves e armamentos corresponden-
tes para o planeta Terra e destruímos a frota de
Rhodan. Tenho a certeza de que encontrare-
mos na Terra mais riquezas do que em todos os
outros mundos que conhecemos. Lembro ape-
nas o planeta da imortalidade.
Alguém, nos fundos, se levantou e gritou:
— E a escolta de proteção?
Parece que Etztak esperava a pergunta.
— Topthor, o superpesado. Receio que não
podemos confiar nele. Enquanto eu parlamen-
tava com Rhodan, tentou atacar a Terra inde-
132
pendentemente, sofrendo uma derrota tremen-
da. Sua frota foi destruída quase toda. Quando,
mais tarde, eu lhe pedi reforço, já estava em
fuga. Acho que não terá mais vontade de atacar
a Terra.
— Por que não fazemos um acordo com
Rhodan, se ele é tão forte assim?
— É realmente forte. Alguém, aqui neste sa-
lão, acredita que podemos contar com vanta-
gens de um adversário poderoso? Ele é quem
dita as condições, não nós. Que é que ganharí-
amos com isso? Portanto, só temos uma opção:
Temos de atacar de surpresa este planeta Terra
e enfraquecer de tal maneira sua força de resis-
tência, que o possamos tomar de assalto.
Três ou quatro dos patriarcas gritaram exci-
tados:
— Por que ainda estamos discutindo? Deixe-
mos o planeta de Goszul, do qual nada mais po-
demos esperar, vamos depressa para a Terra
aproveitar a riqueza dos arcônidas. Investigue-
mos a posição do planeta da vida eterna e obte-
nhamos a imortalidade.
Etztak concordou, fazendo um sinal.
— Nossa decisão deve ser unânime, para
que ninguém saiba do plano. Quem tem argu-
mentos contrários?
Um saltador, ainda jovem, da primeira fila,
133
levantou a mão.
— Vamos abandonar os robôs de combate
no planeta de Goszul?
Ralgor, que estava ao lado de Etztak, ficou
nervoso, mas se dominou maravilhosamente,
deixando a resposta para o mais idoso.
— Temos outra opção? — perguntou Etz-
tak, com as sobrancelhas levantadas.
— Nossos recursos de desinfecção são ino-
perantes. Não podemos, de maneira alguma,
espalhar esta doença pelo universo. Conse-
qüências inimagináveis pesariam sob nossa res-
ponsabilidade. As raças inteligentes do universo
sem memória... uma visão horripilante.
Para Ralgor, este assunto era muito desagra-
dável. Interrompeu Eztak.
— Mais alguma objeção? Se ninguém tem
mais nada a dizer, proporia que Etztak proce-
desse à votação.
O velho de barba cinzenta concordou.
— Há alguém aqui, que não concorda com
uma operação comum dos comerciantes das
galáxias para transformar a Terra em colônia e
tirar das mãos de Perry Rhodan o segredo da
vida eterna?
A pergunta foi feita de tal maneira que nin-
guém se atreveu a dar opinião contrária. A pro-
posta de conquistar a Terra foi, pois, aprovada
134
por unanimidade.
Etztak gesticulava contente.
— Vamos, portanto, aos detalhes. Propo-
nho que por mais três semanas, fiquemos em
órbita em torno do sistema de Goszul e lá nos
encontremos. Para que escolher um outro lu-
gar?...
Gucky já tinha ouvido bastante. Virou-se
para Tako.
— As bombas estão prontas, vamos explodi-
las.
O japonês meteu a mão no bolso e tirou
dele os três invólucros de plástico.
— Regular o detonador para cinco segundos
— mandou Gucky.
Enquanto preparavam o seu atentado, discu-
tiam-se grandes problemas embaixo. Não ti-
nham mais nenhum interesse para os dois espi-
ões, pois os patriarcas não conseguiriam mais
executar os planos concebidos.
Tako colocou o terceiro detonador e olhou
para baixo. Gucky já estava pronto.
— Depois de atiradas, levam ainda cinco se-
gundos para explodir. A detonação é inofensi-
va, tem apenas a finalidade de espalhar as bac-
térias. Além disso, a pequena explosão dá uma
impressão de bomba de dinamite. Portanto, va-
mos lá... um, dois, três...
135
As cinco bombas descreveram uma grande
curva no ar e caíram no chão ou sobre as me-
sas por entre as pessoas reunidas. Por um se-
gundo houve pleno silêncio, depois, ouviu-se
um berro de Ralgor, que foi o primeiro a se do-
minar:
— Protejam-se.
Era fácil falar, mas como se proteger, se nin-
guém sabia quanto tempo levariam as bombas
para explodir? Todos se atiraram no chão auto-
maticamente, como que para evitar os estilha-
ços. Quando, porém, reboaram as cinco deto-
nações e nada aconteceu, todos se sentiam ali-
viados, mas aos poucos foi surgindo a dúvida de
algum truque — o que realmente se aproximava
da verdade. Ninguém, porém, chegou a mani-
festar a suspeita de que se tratava de bombas
bacteriológicas.
Etztak já estava de volta a seu lugar, tendo
na mão uma pequena pistola energética e exa-
minando com os olhos a galeria vazia. As bom-
bas vieram lá de cima. Mas Gucky e Tako ti-
nham sumido há muito tempo.

Perry Rhodan empurrou para trás a peque-


na alavanca que estabelecera o contato simultâ-
136
neo com John Marshall.
Desapareceu o leve chiado da estática
cósmica. Virou-se vagarosamente, olhando para
Reginald Bell. Os dois estavam sozinhos na cen-
tral de comando do gigante do espaço Stardust,
a oito dias-luz do sistema de Goszul.
— Então, que é que você acha?
Bell fez cara de dúvida.
— Por que todo este teatro no planeta de
Goszul, se queríamos apenas expulsar vinte sal-
tadores? Acho que seria suficiente contaminar
apenas os vinte.
— Exatamente, não — contradisse Rhodan.
— Se ficassem contaminados somente os patri-
arcas e suas tripulações, não poderiam saber de
onde é que veio a epidemia. É claro que ainda
agora, eles não sabem. Mas têm que saber que
no planeta de Goszul, até mesmo os robôs e as
instalações estão contaminados. Além disso,
presenciaram o horrível espetáculo dos goszuls
que perderam a memória e tinham de começar
tudo de novo. Não, sem este exemplo, o resul-
tado não podia ser tão eficaz. Conseguimos
cem isto duas coisas ao mesmo tempo: Vão pôr
o planeta de Goszul cinqüenta anos de quaren-
tena e seu plano de conquistar a Terra será
logo desfeito.
— Tomara que você tenha razão, Perry. Eu
137
não sinto nenhum prazer em ficar a eternidade
toda lutando contra estes saltadores pelo espa-
ço afora. Afinal de contas, temos outros assun-
tos para tratar.
— A assembléia se realizou, faz oito dias. Já
devem estar aparecendo os primeiros sintomas
nas espaçonaves dos saltadores. Até agora os
nossos instrumentos mostram apenas que circu-
lam em torno do sistema a uma distância de
dois dias-luz, recebendo sempre mais reforços.
O major Nyssen informa do sistema solar que já
contou ao todo sessenta e nove espaçonaves.
Bell assobiou por entre os dentes e alisou
com a palma da mão as pontas dos cabelos eri-
çados.
— É um belo número. Gostaria de saber
como é que vamos dar conta disso.
— Não é preciso. As bactérias dão conta
disso. Nyssen informa que nos últimos dias tem
havido muita discussão. Os patriarcas visitam os
comandantes das naves que vêm se ajuntando a
eles. Podemos, pois, calcular que todos ficarão
contaminados. Mais um ou dois dias e o diabo
estará solto no meio dos saltadores, pode estar
certo disso.
Bell olhava ansiosamente para a longa fila
das válvulas de controle. Sabia que cada uma
delas representava o contato invisível com as
138
naves dos saltadores. O enfoque do ponto se
processava mais veloz do que a luz através do
rastreador de estrutura e do cérebro positrôni-
co. Assim que qualquer nave dos saltadores al-
terasse sua posição no espaço, uma das válvulas
acendia. Cálculos que se desenvolviam automa-
ticamente davam em apenas alguns segundos a
direção exata e o distanciamento do salto. Um
sistema especial registrava todos os impulsos.
Logo após, se podia constatar num mapa exa-
tamente para onde iam os diversos clãs.
— Deve começar a qualquer momento —
resmungou Bell. — Quando perceberem que
estão todos contaminados com a peste, tenta-
rão procurar o primeiro médico.
Rhodan sorriu maliciosamente.
— Não sei onde reside seu médico mais
próximo, mas seu cuidado não tem fundamen-
to. Acha que eu iria contaminar toda a galáxia
com uma epidemia diabólica? Não se preocupe,
Bell. É verdade que os saltadores ficarão com a
pele cheia de placas vermelhas no rosto, perde-
rão por algumas semanas a memória, mas aos
poucos estes sintomas vão enfraquecendo e fi-
nalmente desaparecem por completo. Tam-
bém, depois de seis dias, as bactérias perdem o
poder de infecção. Não há, portanto, nenhuma
possibilidade de contaminar outras raças.
139
Bell ouviu com muito interesse.
— Por que então você não tranqüilizou
Marshall quando ele falou do receio de contami-
nar outros povos?
— Porque todo mundo, até mesmo ele, de-
via ficar acreditando que se tratava realmente
de uma doença verdadeira. Alguém podia se
trair, mesmo contra sua vontade. Está, pois, no-
tando que usamos um simples truque.
— E como é este negócio de aumento da in-
teligência?
— Isto não é truque, funciona realmente. Os
convalescentes da breve epidemia se tornam re-
almente mais ajuizados.
— Até mesmo os saltadores?
— Espero que sim. Pois, se ficarem mais
ajuizados, vão certamente desistir de querer in-
corporar a Terra ao seu império.
Bell sorriu satisfeito.
— Estou então moralmente tranqüilo e
Marshall ficará feliz quando souber da verdade.
— Ainda é um pouco cedo para isto — disse
Rhodan, silenciando de repente. Na fila das vál-
vulas, acendeu uma lampadazinha vermelha.
Quase que ao mesmo tempo saiu de uma fenda
estreita uma tira de papel dobrada. Rhodan
apanhou-a e leu:
“Mudança de direção Setor XP-578-H. Dis-
140
tância 389,057 anos-luz.”
Bell apanhara, entrementes, um mapa side-
ral e o estava consultando. Parecia muito assus-
tado.
— Exatamente em direção oposta à Terra
— deu um sorriso largo. — Talvez isto significa
que resolveram outra coisa e...
Uma outra lâmpada acendeu, logo após
uma terceira. E começou um verdadeiro jogo de
luz na central da Stardust, como nunca antes
acontecera. As lâmpadas acendiam uma após a
outra e da fenda estreita, que estava em ligação
com o cérebro positrônico, saía uma mensa-
gem escrita após a outra.
Bell já havia desistido de comparar as men-
sagens positrônicas com o grande mapa sideral.
Bastaram-lhe algumas provas avulsas.
— Nem um único dos aparelhos espaciais se
dirige para a Terra — em menos de vinte minu-
tos, as sessenta e nove lampadazinhas estavam
acesas no painel de controle. A frota inteira dos
saltadores havia abandonado o sistema de Gos-
zul em debandada, sem opção e comandada
apenas pelo pânico, disparada em todos os sen-
tidos.
Rhodan olhou para a fila das lampadazinhas
e para a pilha de mensagens escritas. Sua fisio-
nomia estava carregada e não mostrava muita
141
satisfação. Nos olhos brilhava uma luz fria, mas
lhes faltava a habitual rigidez.
— Só lamento uma coisa — disse ele sem
olhar para Bell — mas não se pode conseguir
tudo ao mesmo tempo.
— Mas que coisa é esta?
— Que não conseguimos falar com os salta-
dores. Gostaria muito que se tornassem nossos
amigos.

***

Seguindo as instruções de Rhodan, transmi-


tidas pelo rádio, Marshall começou a enviar
para os continentes contaminados o soro de
cura. Este antídoto era recebido pelos adeptos
de Ralv e distribuídos. Eram agulhas muito pe-
quenas embebidas no soro, colocadas num es-
paradrapo de tal maneira que, ao contato com
a pele, provocava uma espécie de injeção. Já
dois dias após, desapareciam as placas verme-
lhas e no terceiro dia, começava também a apa-
recer a memória. Além disso, o quociente inte-
lectual do ex-portador da doença, subia cerca
de 20 por cento.
No mesmo dia em que a frota dos saltadores
entrou em pânico e debandou, John e seus mu-
tantes se transferiram do veleiro para as imedia-
142
ções do espaçoporto, para aí estabelecer seu
novo quartel-general. Era a residência oficial do
Supremo Governador dos saltadores, que no
momento estava no hospital, tentando inutil-
mente se lembrar quem era ele.
O edifício não muito grande, estava equipa-
do com extraordinárias instalações de seguran-
ça. O simples toque de um botão de alarme era
suficiente para colocar toda a casa sob a prote-
ção de um envoltório energético. Mesmo os ro-
bôs de combate não podiam então entrar. John
se sentiria mais seguro aí, pois, desde que qua-
se a metade dos governadores tinha caído do-
ente, os robôs estavam começando a ficar irre-
quietos. Sabia que a batalha ainda não estava
terminada.
Chegou então Ralv para dar conta dos acon-
tecimentos. Enquanto Gucky estava sentado no
terraço do último andar do edifício, olhando
para todos os lados, John e os três japoneses
aguardavam a chegada de seu aliado. O chefe
dos revolucionários tinha se transformado nes-
tes últimos dias.
De um combatente da resistência, obrigado
a viver sempre na clandestinidade, passara a
um estadista consciente de sua responsabilida-
de. Formou-se nele uma personalidade de gran-
de serenidade e senso de responsabilidade, con-
143
siderando seus amigos de um outro mundo
como parceiros, jamais se esquecendo de lhes
demonstrar gratidão.
— Conseguimos, na noite passada, ocupar
uma sucursal da Central Automática de Contro-
le. Dez robôs de vigilância que eram controla-
dos por ela, destruíram a si mesmos.
John, que ouvia com muita atenção, inter-
veio:
— Destruíram a si mesmos? Mas como? Pa-
rece impossível, pois os robôs de vigilância não
possuem armas. Como pode ser isso?
— Não tenho a menor idéia. Ocupamos a
central, situada fora da cidade, depois que des-
truímos seu robô de combate. E isto não foi lá
muito difícil. Um dos nossos o atropelou com
um carro. Infelizmente, ele morreu no acidente,
mas o robô foi atirado com tanta força contra a
parede que se transformou num monte de suca-
ta. Quando penetramos na central ficamos en-
tendendo alguma coisa das ligações e controles,
En-zally estava nos orientando, demos aos dez
robôs a ordem de matar os treze governadores
reunidos no Edifício de Administração.
— Idéia maluca — interrompeu John, come-
çando a entender o que se passara.
Ralv não se deixou interromper e continuou:
— Os dez robôs ficaram parados, sem se
144
mexer. Começaram então, de repente, a ficar
incandescentes de dentro para fora e derrete-
ram. Não sobrou nada deles a não ser pedaços
de metal disformes.
— Curto-circuito — confirmou John. — É o
fator de segurança com que estão construídos.
Não podem jamais atacar um saltador, a não
ser que sejam antes reprogramados. Mas isso
só pode ser feito através do posto de comando,
que está resguardado na mão dos robôs de
combate e dos outros governadores. Que farão
os últimos saltadores? — perguntou a Ralv. —
A frota debandou e o planeta de Goszul está
sob quarentena, com outras palavras: ninguém
pode mais descer.
— Também aí os nossos estão trabalhando
muito bem — continuou Ralv, orgulhoso. —
Enzally ouviu uma das últimas reuniões. Os go-
vernadores sabem que estão numa terra conta-
minada pela epidemia, de onde ninguém os virá
buscar, para ficarem também contaminados.
Assim sendo, não têm mais nenhuma vontade
de passar aqui, isolados, o resto de sua vida.
Precisam, então, de uma nave espacial para fu-
girem deste mundo e com isso da epidemia do
esquecimento, antes de perderem a memória.
— Muito compreensível. Resta apenas saber
de onde pretendem arranjar uma nave espacial.
145
Enquanto eu sei, não dispõem de nenhuma
nave intergaláctica, possuem apenas naves pe-
quenas, com as quais, por muito favor, poderão
chegar aos planetas vizinhos. Isto, porém, não
vai ajudá-los.
— Em algum lugar, eles têm que ter uma
nave espacial, uma grande nave, ao menos es-
tavam falando disso. Infelizmente Enzally não
conseguiu pegar mais nada porque mudaram de
assunto.
— Uma grande nave dos saltadores...?! —
continuou John, refletindo com muita intensida-
de a respeito.
Rhodan não tinha expressado o desejo, já
há tempo, de poder estudar com calma as parti-
cularidades técnicas de uma nave dos saltado-
res? Não estava havendo uma possibilidade
para isto agora?
— Temos de investigar o que planejam os
governadores.
Ralv abanou a cabeça confirmando.
— Os robôs me causam muita preocupação.
Como podemos nos tornar donos do nosso
próprio planeta, se os robôs não nos permi-
tem? Já temos um governo provisório e já esta-
mos preparados para começar o trabalho de re-
construção, mas surgem novas complicações.
Os robôs devem ter recebido a ordem de nos
146
expulsar em qualquer lugar que nos encontrem.
— Como é que explica isto? — perguntou
John, curioso.
— Antigamente nós éramos os servos dos
deuses. Trabalhávamos com os robôs e recebía-
mos ordem deles. Agora nem podemos mais
nos aproximar deles, que nos atacam imediata-
mente, mesmo que não tenhamos nenhuma in-
tenção agressiva contra eles.
— Devem ser os governadores. Para evitar
outra infecção, devem ter dado ordem aos ro-
bôs de não permitirem a aproximação dos nati-
vos. Acho muito natural. Tudo tem sua explica-
ção natural, Ralv.
O revolucionário queria dizer alguma coisa,
mas foi interrompido.
Em cima da única mesa do salão, havia uma
caixa metálica de tamanho reduzido, que de re-
pente começou zumbir, acendendo simultanea-
mente uma luz vermelha. John deu um pulo e
correu para a mesa, apertando alguns botões,
dizendo:
— Comando de ataque, Marshall.
— Aqui fala Rhodan — foi a resposta imedi-
ata. — Desceremos em dez minutos — por uns
dois segundos John pareceu que perdeu a fala.
Depois respondeu afobado: — O planeta ainda
está sob o controle dos saltadores, senhor. A
147
Central dos Robôs está em mãos dos governa-
dores que deram a ordem aos robôs de comba-
te para que...
— Estamos descendo exatamente para para-
lisar a Central de Controle — respondeu a voz
tranqüila de Rhodan. — Onde está você com
seu pessoal?
— Aqui no lado do espaçoporto, na margem
oeste. O senhor reconhecerá facilmente o edifí-
cio pelo seu teto chato.
— Não desligue o aparelho, assim posso me
manter em contato com você, depois de descer.
Que poderão fazer os robôs contra as nossas
quatro naves?
— Eu também não sei — concordou John.
Mas sabia que Rhodan nunca se expunha a pe-
rigos sem necessidade. Gostava tanto da vida
como todo mundo, talvez mais, pois era quase
imortal. Mesmo assim, uma punhalada o podia
matar.
— Espere-nos, portanto — disse Rhodan,
concluindo a mensagem.
Ralv ouvira tudo com interesse. Entendeu o
diálogo mantido na linguagem dos ex-deuses,
ouvida nitidamente pelo aparelho. John preten-
dia dar uma explicação:
— São nossos amigos, somos do mesmo
mundo, vieram para libertar definitivamente seu
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planeta.
Ralv perdeu um pouco a segurança.
— Libertar? Como poderia alguém querer
nos libertar sem segundas intenções? Por que
vocês o fizeram? Eu ainda não me havia per-
guntado por quê.
— Rhodan haverá de explicar tudo a você
— disse John, tentando consolá-lo. — Porém,
não temos tempo para planos futuros, temos
que agir. Dentro de poucos minutos, os saltado-
res vão saber com quem estão lidando, se é que
eles já ouviram falar da Terra.
Oito minutos mais tarde, o céu se escurecia
na região do espaçoporto, quando a gigantesca
esfera da Stardust descia lentamente e tocava o
solo do planeta de Goszul pela primeira vez.
Desceram também os três cruzadores Terra,
Solar System e Centauro de tal forma que a
Stardust ficou entre eles e assim estava protegi-
da.
Um pequeno planador a jato transportou
Rhodan e Bell para a casa onde John o espera-
va. O pequeno veículo pousou no terraço, onde
Gucky os esperava.
— Como vai, Gucky — perguntou Rhodan,
abaixando-se para acariciar o pêlo do rato-cas-
tor. — Tempos difíceis, não é?
— Foi maravilhoso — disse Gucky abanando
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a cabeça, para surpresa de Rhodan. — Ao me-
nos, por umas duas semanas não me foi preci-
so olhar para a cara deste monstro.
O monstro estava saindo naquele instante do
planador a jato e ouviu as últimas palavras. Os
fios do cabelo vermelho se levantaram, mas a
boca de Bell, para surpresa de todos, não se
abriu. Com toda seriedade passou ele diante de
Gucky, como se não fosse realmente o Gucky,
mas um simples cachorro da rua, indigno de
qualquer atenção. Com a firmeza de um sonâm-
bulo, achou Bell a descida para a casa, desapa-
recendo segundos após.
Gucky, decepcionado, o acompanhou com
o olhar. Rhodan sorriu e o tentou consolar:
— Não se preocupe com isso, Gucky. Ele se
irritou com a sua frase. Você é telepata e devia
saber disso.
— É isso mesmo — lamuriou Gucky, ainda
meio perplexo. — Ele nem se lembrou de mim,
ou me xingou mentalmente. Nem olhou para
mim.
— Alguma coisa ele deve ter pensado,
Gucky.
— Sim, sempre a mesma coisa. Só besteira.
Bolo, chocolate com pudim, bombons, geléia
disso ou daquilo... Ninguém pensa nessas coi-
sas.
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— Pensa, sim — afirmou Rhodan, continu-
ando a sorrir. — É um espertalhão. Pensou só
bobagens para despistar você, para você não
saber o que ele realmente pensa. Fora disso, há
alguma novidade? — Gucky se concentrou
logo.
— A Central de Controle dos robôs de com-
bate está a dois quilômetros daqui. Nós temos
que ocupá-la ou destruir todos os robôs. Seria
um grande prejuízo.
— É a minha opinião também — concordou
Rhodan. — Espero você lá embaixo com
Marshall, dentro de dez minutos. Até lá, fique
vigiando e mantenha contato telepático com os
saltadores. Avise-me de qualquer mudança na
situação.
Seguiu o mesmo caminho de Bell, que aca-
bou encontrando na sala de Marshall. Cumpri-
mentou os mutantes e foi apresentado a Ralv,
que apesar de sua nova posição de chefe do go-
verno, sentia de repente um inexplicável aca-
nhamento quando olhou para os olhos de Rho-
dan. Só então que ele compreendeu que não
estava diante de um superior, mas de um ami-
go. Pegou impulsivamente as mãos de Rhodan
e as apertou fortemente.
Nem tiveram tempo de trocar algumas pala-
vras, quando Gucky se materializou entre eles.
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— Os robôs estão marchando — estridulou
ele, quase ofegante. — Em quinze minutos es-
tão aqui. Duzentos ao todo.
Rhodan empalideceu um pouco. Sabia que
somente a Stardust era suficiente para reduzir
os duzentos robôs a um montão de ferro velho,
mas não era isto que ele queria. Os goszuls pre-
cisariam destes robôs, para reconstruir seu
mundo, ou teriam de perder a oportunidade
única de se aproveitarem das instalações técni-
cas ali existentes.
— Os governadores — disse John, que esta-
va interpretando mal a preocupação de Rho-
dan. — Eles são os responsáveis. Uma só bom-
ba bastaria...
— Não — interveio Rhodan. — Eu gostaria
de parlamentar com os saltadores. Mas antes,
liquidemos os robôs. Gucky, Tako, vocês são
teleportadores, pulem para a Central de Con-
trole e desliguem os instrumentos de centraliza-
ção de impulsos. Gucky, leia meus pensamen-
tos que você sabe o que estou pensando. Quero
salvar os robôs. Quando forem desativados, se
tornarão inofensivos e mais tarde poderão ser
reprogramados à vontade. Compreendido,
Gucky?
O rato-castor confirmou.
— Estamos logo de volta. Vamos, Tako, dê
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cá a mão.
Ainda pensando constantemente em bolos e
pudins, Bell estava fixando o local onde, há al-
guns segundos, estivera Gucky. A este endia-
brado rato-castor queria ele mostrar de que va-
lia um telepata, quando o outro não queria que
lhe lessem o pensamento. John Marshall estava
olhando para Bell, fez um sinal para Rhodan e
perguntou:
— Você não está se sentindo bem, Bell?
— Como assim?
— Por que você constantemente está... Bell
amaldiçoou todos os telepatas, vivos ou ainda
por nascer. Era da conta de Marshall saber o
que ele estava pensando? Teria dado uma res-
posta à altura, quando Tako se materializou. O
raquítico teleportador tentou dominar a respira-
ção antes de falar:
— Robôs de combate, na estação. Ataca-
ram-nos. Não é tão fácil como nós pensáva-
mos.
— Que aconteceu com Gucky? — foi a per-
gunta de Bell.
— Está mantendo a posição. Tenho que lhes
dizer que vai demorar pelo menos três minu-
tos... se ele conseguir.
Rhodan ligou seu transmissor de pulso e en-
trou em contato com a Stardust.
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— Fischer, ligar o envoltório energético. Se
robôs de combate atacarem, não abrir fogo. Dê
ordens idênticas aos três cruzadores. Fim — vi-
rando-se para Tako, disse: — Vá ajudar Gucky,
leve aqui minha pistola energética. Um robô só
não vai fazer falta.
O japonês apanhou a pistola e desapareceu.
Rhodan correu com os outros para o terraço
do edifício. Daí se podia ver tudo, até mesmo o
edifício da administração, onde se encontravam
os governadores. Mais ao lado e um pouco iso-
lado das casas, estava o prédio da Central de
Controle dos Robôs. Uma gigantesca antena
esférica transmitia em todos os sentidos os im-
pulsos de comando.
Numa faixa bem larga, aproximavam-se os
robôs de combate, com as pistolas energéticas
em posição de fogo. Era realmente uma força
de combate incalculável. Poderia, no entanto,
acontecer que os saltadores lhes dessem outra
ordem, quando percebessem que não consegui-
riam fazer nada contra as quatro espaçonaves.
— Tomara que Gucky tenha sorte — disse
Bell para Rhodan. Podia-se notar sua grande
apreensão não apenas com o ataque maciço
dos robôs, mas principalmente com seu amigo
Gucky. — Devemos ajudá-lo.
— É tarde para isto, Bell. Gucky tem que ver
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como ele sozinho dá conta das máquinas.
Os primeiros robôs atingiram a linha invisí-
vel da campânula energética, que se havia for-
mado em torno das quatro naves. Pararam subi-
tamente e começaram logo em seguida a atirar
com todas as armas disponíveis. Feixes de raios
multicores se chocavam contra a muralha invisí-
vel, ricocheteavam para todos os lados, sem
produzir nenhum efeito. Alguns robôs foram
atingidos pelos próprios raios de suas armas e
ligaram seu envoltório de proteção.
E então, quando os robôs começaram siste-
maticamente a dar voltas em torno das espaço-
naves, mantendo o fogo cerrado, o exército de
metal parou repentinamente, como que petrifi-
cado.
Quase no mesmo segundo, Gucky e Tako se
materializaram na beira do terraço, olharam pri-
meiro para os robôs de combate completamen-
te imóveis e vieram depois para o grupo dos
seus. Gucky olhou com ares de triunfo para Bell
e se dirigiu a Rhodan:
— Tive que destruir a fiação coletora da an-
tena, não havia outro jeito. Mas é fácil con-
sertá-la depois. Os robôs estão agora sem im-
pulso e não sabem o que fazer. Suponho que
voltem agora para seus quartéis, esperando no-
vas ordens. Assim que a antena ficar pronta,
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podemos mudar sua programação.
— Ótimo serviço, Gucky — elogiou Rhodan,
acariciando os pêlos da cabeça de seu pequeno
amigo. — Você também, Tako. Aliás, tenho
que expressar minha gratidão e meu reconheci-
mento ao comando de John Marshall. Sem ele,
levaria muito mais tempo e não teria sido tão
simples assim.
— Mas e a epidemia... — começou John,
sendo então interrompido pelo sorriso aberto
de Rhodan.
— É mais ou menos como uma gripezinha
ou um sarampo. Temos anti-soro, mas mesmo
que não tivéssemos, não teria nenhum perigo.
Os saltadores que fugiram daqui, haverão de sa-
ber, no máximo dentro de dois meses, que per-
deram inutilmente este planeta. Mas então já
será muito tarde para pensarem em voltar, pois
tomaremos nossas providências.
— E o que acontecerá com os treze saltado-
res que estão lá na Central de Comando, tra-
mando planos contra nós? — perguntou Bell.
— Com eles, nós vamos parlamentar. Sem-
pre foi minha intenção manter um diálogo com
os representantes deste povo poderoso. Acho
que existem agora as condições ideais para um
diálogo. Falta-lhes o apoio que sempre tiveram
e nós temos tudo. Pode crer, Bell, os resultados
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dos entendimentos serão ótimos. O ponto de
partida dos entendimentos é sempre mais im-
portante do que os próprios entendimentos.
Gucky saiu de seu lugar, passou por Rhodan e
se dirigiu diretamente a Bell. Com uma voz qua-
se sentimental, pegou-lhe a mão, dizendo:
— Desculpe-me, Bell, se eu o magoei há
pouco. Não foi minha intenção. E muito obriga-
do pelo fato de não estar pensando obstinada-
mente só em bolos e pudins. Assim, eu sei pelo
menos em que você está pensando.
— Está certo — murmurou Bell comovido,
olhando para o céu, como se lá houvesse algo
importante. — Está certo, meu velho compa-
nheiro, nós já sabemos como tratar um ao ou-
tro.
— Velho companheiro? — continuou
Gucky. — Se você me chama de velho, está en-
ganado, mas redondamente. Se eu sou velho,
você é uma criancinha de colo...
Bell olhou suplicante para Rhodan e respi-
rou profundamente, mas Gucky não lhe deu
tempo para falar:
— Eu tenho apenas cento e cinqüenta anos,
para que você saiba, seu neném de colo, mas
isto não é idade para mim. Eu viverei... boba-
gem, ninguém sabe quanto tempo ainda viverá.
Você, porém, com seus quarenta anos, ainda
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está no jardim da infância, principalmente
quando se sabe que sua inteligência agora é que
está se desenvolvendo. Finalmente alguém lhe
devia dizer que...
— Gucky — interrompeu Rhodan, muito
calmo — você quer fazer o favor de ir até os
saltadores e convocá-los para uma reunião?
— O rato-castor abanou a cabeça afirmativa-
mente e com seus olhos castanhos e suaves fi-
tou por um instante Bell:
— Sim, já vou, mas quando voltar, quero
mostrar a este, a este... — e não achando a pa-
lavra certa, desapareceu.
Bell olhou espantado para o local, repenti-
namente vazio.
— É realmente um companheiro fantástico
— murmurou meio envergonhado, enfiando as
mãos no bolso e passando para o outro lado do
terraço, onde começou a observar o exército
dos robôs paralisados.
Rhodan estava ao lado de John. Ambos ob-
servavam Bell.
— Chama-se isto de retirada estratégica —
disse o telepata.
Rhodan concordou.
— Esperamos que os saltadores também co-
nheçam a retirada estratégica — disse ele, colo-
cando a palma da mão acima dos olhos, para
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poder ver melhor o edifício que ficava a dois
quilômetros, no qual, neste momento, os salta-
dores estariam presenciando a maior surpresa
de sua vida.
Não é muito comum, encontrar-se, subita-
mente, cara a cara com um rato gigantesco,
surgido do nada... Principalmente quando não
se acredita em assombrações.
E os saltadores certamente não acreditavam.

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Os saltadores têm pavor do FLAGELO
DO ESQUECIMENTO. Mais pavor do que da
própria morte. Por este motivo, abandonam
furtivamente o planeta e libertam os goszuls,
que até então serviam de escravos para eles.
Que acontecerá, porém, se os saltadores
anteciparem sua volta?
Perry Rhodan já tem resposta para esta
eventualidade. Chama-se: O PLANETA LOU-
CO, o título do novo volume de Perry Rho-
dan.

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ÐØØM SCANS
PROJETO FUTURÂMICA ESPACIAL
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