Identidade de Genero

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................ 4

2 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA IDENTIDADE DE GÊNERO ....... 5

2.1 A constituição do eu, e da identidade de gênero pelos sujeitos ......... 13

2.2 A Subversão das Identidades de Gênero ........................................... 18

2.3 Gênero e sexualidade ........................................................................ 25

2.4 Sexualidade, sexo e corpo ................................................................. 29

3 SEXO ........................................................................................................ 30

3.1 Sexo Genético .................................................................................... 31

3.2 Síndrome de Turner ........................................................................... 32

3.3 Síndrome de Klinifelter ....................................................................... 32

3.4 Sexo Endócrino .................................................................................. 33

3.5 Sexo Morfológico ................................................................................ 33

3.6 Sexo Psicológico ................................................................................ 34

3.7 Sexo Jurídico ...................................................................................... 34

4 ORIENTAÇÃO SEXUAL COMO TEMA TRANSVERSAL ......................... 35

4.1 Gênero, identidade sexual e orientação sexual nos pcns (parâmetros


curriculares nacionais) e na base nacional comum curricular (bncc) de 2017 ....... 38

5 A SEXUALIDADE SOB DIFERENTES OLHARES ................................... 39

6 CONDIÇÕES SEXUAIS ............................................................................ 42

6.1 A cirurgia de mudança de sexo .......................................................... 46

6.2 Consequência morfológica resultante do procedimento cirúrgico ...... 48

7 INTERSEXUALIDADE .............................................................................. 51

7.1 Transexualidade e intersexo – uma realidade da antiguidade à


atualidade 52

7.2 As Teorias da Intersexualidade .......................................................... 56

7.3 Intersexo: a importância da teoria queer ............................................ 60

2
7.4 Determinação/regulação sexual ......................................................... 64

8 PRECONCEITO E DISCRIMINAÇÃO NA VIVÊNCIA DOS


HOMOAFETIVOS ..................................................................................................... 68

9 SOFRIMENTO PSÍQUICO NA HOMOAFETIVIDADE .............................. 76

10 TEORIA COGNITIVA-COMPORTAMENTAL NO CONTEXTO DA


HOMOAFETIVIDADE ................................................................................................ 78

11 FORMAS DE ENFRETAMENTO E BEM-ESTAR SUBJETIVO NA


VIVÊNCIA DA HOMOAFETIVIDADE ........................................................................ 81

12 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................... 85

13 BIBLIOGRAFIA ...................................................................................... 88

3
1 INTRODUÇÃO

Prezado aluno!
O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante
ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um
aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma
pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é
que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a
resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas
poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em
tempo hábil.
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa
disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das
avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que
lhe convier para isso.
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser
seguida e prazos definidos para as atividades.
Bons estudos!

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2 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA IDENTIDADE DE GÊNERO

Fonte: ladige.it

Somos todos diversos. Mesmo que pontos de nossa biologia sejam comum aos
outros, a experiência vivenciada sobre o corpo é de fato bem singular para cada um.
A imagem apresentada de nossos corpos pode ser utilizada para nos distinguir, seja
pelo próprio sexo ou pelas características físicas que trazemos que, de certo modo,
nos classificam desde o nosso nascimento.
Nosso sexo biológico não faz parte de nossas escolhas, o mesmo se configura
a partir da terceira semana de gestação, e posteriormente conforme a identificação
deste nos é informado a qual sexo pertencemos, com o propósito que nos
enquadremos dentro das perspectivas dos padrões de comportamento, de acordo
com as representações sociais de cada um.
Mas o que ocorre quando o sujeito não se identifica com o sexo a qual
pertence? Quando os padrões sociais estabelecidos para cada sexo não são
compatíveis aos desejos e anseios do próprio indivíduo? A biologia prima sobre todas
as coisas, ou a sexualidade assim como o gênero são construções sociais? Tendo em
vista tais questões para se discutir a identidade de gênero, se faz necessário antes
compreender os conceitos que estão ligados a esta temática, bem como seu contexto
histórico.

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Nossa sociedade foi adquirindo com o passar do tempo uma ordem binária das
coisas, em que uma opõe-se à outra, de forma que as divisões estabelecidas tomaram
uma ordem natural. O sociólogo francês Pierre Bordieu (2011) atentou para as
condições sociais das divisões binárias, sobre tudo na divisão socialmente construída
dos sexos, em que ganham o sentimento de legitimação por meio da dominação do
homem sobre a mulher e pela divisão social do trabalho, atribuindo atividades para
cada um dos sexos.

Segundo Bordieu, o mundo social constrói o corpo como realidade sexuada


e como depositário de princípios de visão e de divisão sexualizantes. Esse
programa social de percepção incorporada aplica-se a todas as coisas do
mundo e, antes de tudo, ao próprio corpo, em sua realidade biológica: é ele
que constrói a diferença entre os sexos biológicos, conformando-a aos
princípios de uma visão mítica do mundo, enraizada na relação arbitrária de
dominação dos homens sobre as mulheres, ela mesma inscrita, com a divisão
do trabalho, na realidade da ordem social. (BORDIEU, 2011, p. 20)

A distinção presente no corpo entre os sexos, age como uma justificativa


natural da diferença socialmente construída, ocorrendo com o passar do tempo uma
naturalização da noção do sexo como algo inato ao ser humano.
Elisabeth Badinter (1986) aborda os aspectos socialmente construídos das
diferenças entre os sexos expondo a concepção antropológica da evolução humana
no que se refere a relação entre homens e mulheres. A autora recorre a pré-história
para retratar um sistema de poder em que se estabeleceu uma ordem hierárquica de
um sexo sobre outro a partir da complementariedade.
A divisão sexual do trabalho, como retrata a autora, foi fundamental para que
nossa civilização estabelecesse a noção do sexo feminino e masculino. O “contrato
sexual” abordado por Bandinter (1986), evidencia a noção histórica desta divisão, em
que para prover as necessidades, os sexos se uniram para sobrevivência da espécie.

Segundo Badinter, tudo começa na África, há uns oito ou nove milhões de


anos. Antes, cada um provia às suas necessidades e anda só. Segundo
alguns historiadores, foi quando se apresentou o problema das estações
secas prolongadas, e, portanto, a aparição de perigosas savanas, que os
proto-hominídeos tiveram de aprender transportar seus alimentos para
lugares seguros (...). Para muitos historiadores essa é a origem da Bipedia
(...). Inicialmente essa evolução do esqueleto, que fez progredir em direção a
humanidade, teve consequências nefastas para as fêmeas (...). A bipedia
obrigava a segurar o lactante em seus braços ou fixa-los nas costas. Assim
elas tinham mais dificuldades em capturar os animais e em prover às suas
necessidades e às de sua prole. Chegara o momento de fazer um acordo
com os machos. (BADINTER, 1986, p. 29-30)

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A divisão do trabalho norteia a separação entre os sexos, sendo o macho com
maior potencial para a caça, e a fêmea para o plantio e colheita, então uniram-se
ambos os sexos, para dar um sentindo de complementariedade, no qual um
“completa” as necessidades do outro, e a partir disto, cresce então as distinções entre
os mesmos.
A partir desta contextualização da noção sócio histórica das diferenças dos
sexos estabelecidos pela divisão do trabalho, podemos desconstruir o conceito
naturalizado que nossa sociedade estabelece, em que se enfatiza as diferenças entre
o feminino e masculino apenas pela anatomia de seus corpos.
Em análise nota-se que, a noção de sexo é contextual, e não algo determinado
pela biologia. Tendo isso em vista, observa-se que o discurso sobre a divisão dos
sexos é algo procedente de uma construção histórica, apegada a um determinado
contexto.
O historiador Tomas Laqueur (1992) aponta em seus estudos sobre o gênero
que no período pré-Iluminista não havia a compreensão a qual temos hoje da
existência dos dois sexos, acreditando então em um modelo de sexo único no qual, a
diferenciação não se dava pela anatomia dos corpos, mas nos diferentes
posicionamentos sociais a eles empregados.

Segundo Laquear, ser homem ou ser mulher era manter uma posição social,
um lugar na sociedade, assumir um papel cultural, não ser organicamente um
ou outro de dois sexos incomensuráveis [...], o sexo antes do século XVIII era
ainda mais uma categoria sociológica e não ontológica. (LAQUEUR, 1992,
P.19).

Partindo deste princípio, percebemos uma aproximação da noção do sexo a


uma representação socialmente construída, em que se torna necessário a utilização
de um outro termo para demarcar as atribuições e papeis sociais que foram dadas
historicamente aos sexos. No final do século XVIII surge a clara definição dos sexos,
como uma justificativa para a manutenção do poder masculino na organização social
dos papeis desenvolvidos por homens e mulheres.

Um novo modelo de divergência biológica e binária ganha evidência, em que


uma anatomia e fisiologia passam a ser intransferíveis, determinantes,
opostos, estáveis e incomensuráveis, substituindo a metafísica de hierarquia
na representação da mulher com relação ao homem. As diferentes inserções
sociais dos sexos passaram a ser legitimadas pelo determinismo natural dos
corpos que delineavam diferentes universos para machos e fêmeas. Ao
naturalizar e legitimar tal crença passou-se a legitimar também o domínio do
homem sobre a mulher, da divisão sexual no trabalho e práticas culturais.
Criaram-se características sociais na condição natural, marcando exclusão

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feminina da nova sociedade civil. (LAQUEUR, 1992, apud SORDI, 2014, p.
5).

Dada então a distinção homem-mulher pela diferenciação dos corpos, surge


então o conceito do termo gênero para dizer das configurações dos papeis sociais
representada pelos sexos. Abordamos aqui a noção antropológica de gênero,
proposta pela historiadora Joan Scott (1995) como sendo as relações estabelecidas a
partir da percepção social das diferenças biológicas entre os sexos. Gênero dessa
forma se classificaria pela noção social do ser homem/ mulher, associadas ao
masculino/feminino.
O conceito de gênero está fortemente associado a história do movimento
feminista, que foi, e ainda continua sendo um importante movimento social em nossa
história na luta pelos direitos das mulheres. O movimento passou a ter maior
expressividade no final do século XIX com o sufragismo, que tinha como objetivo
estender o direito ao voto pelas mulheres, passando a ser conhecida como a “primeira
onda do feminismo”.
No final da década de 60, se inicia a chamada “segunda onda do feminismo”,
em que além de suas reivindicações no campo social, político e econômico, o
feminismo volta-se para uma produção teórica e científica de seus constructos. Neste
momento, então é problematizado o conceito de gênero, em que se rejeitavam o
determinismo biológico dos sexos, alegando o caráter fundamentalmente social nas
atribuições do feminino e masculino.
A doutora em educação Guacira Lopes Louro (2007), afirma que o conceito
deve ser entendido como uma ferramenta analítica que se torna ao mesmo tempo
uma ferramenta política.

Segundo Louro, pretende-se, dessa forma, recolocar o debate no campo do


social, pois é nele que se constroem e se reproduzem as relações (desiguais)
entre os sujeitos. As justificativas para as desigualdades precisariam ser
buscadas não nas diferenças biológicas (se é que mesmo essas podem ser
compreendidas fora de sua constituição social), mas sim nos arranjos sociais,
na história, nas condições de acesso aos recursos da sociedade, nas formas
de representação. (LOURO, 2007, p. 21)

Não há pretensão de negar que o gênero se constitui sobre os corpos


sexuados, não negando a sua biologia, entretanto enfatiza a construção histórica e
social produzida sobre as características biológicas.

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Dessa forma, Louro (2007) afirma que as características sexuais dos corpos
são transportadas a para a prática social e tornadas assim como parte de um processo
histórico.
O conceito de gênero leva a pensar na forma social em que os sujeitos
empregam sua identificação, no sentido de se associar as práticas que envolvam o
feminino e o masculino. Segundo a autora, o gênero possui um fator constituinte da
identidade dos sujeitos, transcendendo assim meramente o cumprimento de papeis
sociais, mas na compreensão de que o gênero faz parte da constituição da identidade
dos indivíduos.
Nesta perspectiva é fundamental compreender que o discurso sobre a
sexualidade é percebido como um processo também histórico e que se torna moldado
culturalmente. Segundo Louro (2000), muitos consideram que a sexualidade é algo
que todos nós seres humanos possuímos "naturalmente", o que desconsidera sua
dimensão social e política ou de ser constituir socialmente. A sexualidade não é algo
inato a nossa existência.
A concepção binária dos gêneros masculino e feminino é realizada por meio
da diferenciação dos corpos, acreditando pertencer a um padrão comum a todos,
partindo de seus órgãos sexuais, categorizando a mulher por possuir a vagina, e o
homem a seu pênis, desconsiderando assim o fato de que não vivenciamos nosso
corpo de maneira universal, e que cada um vive a experiência de seu corpo de
maneira muito singular.
Louro (2000) afirma que podemos entender que a sexualidade engloba rituais,
linguagens, fantasias, representações, símbolos, e convenções que envolve
processos profundamente culturais e plurais. Nesse sentido, entende-se que
naturalizamos a nossa própria noção de corpo, uma vez que através dos processos
culturais vamos instituindo os padrões, que se tornam normativos para sociedade:

Segundo Louro, os corpos ganham sentido socialmente. A inscrição dos


gêneros — feminino ou masculino — nos corpos é feita, sempre, no contexto
de uma determinada cultura e, portanto, com as marcas dessa cultura. As
possibilidades da sexualidade — das formas de expressar os desejos e
prazeres — também são sempre socialmente estabelecidas e codificadas. As
identidades de gênero e sexuais são, portanto, compostas e definidas por
relações sociais, elas são moldadas pelas redes de poder de uma sociedade.
(LOURO, 2000, p. 11).

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Dinis (2008) ao abordar a História da Sexualidade produzida por Foucault
(1988) com base na produção pós-estruturalista, retrata a compreensão da
sexualidade como produção social, como um dispositivo com poderes regulatórios,
que ditam normas e verdades da vivência sexual humana:

Segundo Dinis, assim, entendemos sexualidade no sentido analisado por


Foucault (1988), ou seja, como um dispositivo da modernidade constituído
por práticas discursivas e não discursivas que produzem uma concepção do
indivíduo enquanto sujeito de uma sexualidade, ou seja, saberes e poderes
que buscam normalizar, controlar e estabelecer “verdades” acerca do sujeito
na relação com seu corpo e seus prazeres (DINIS, 2008, p. 482).

A sexualidade conforme observada por Dinis citando Foucault, supera a


tematização da sexualidade como objeto natural, considerando que sua análise
histórica é percebida como a construção de um dispositivo de poder, em que os
conhecimentos centrados no sexo, formam práticas sociais e técnicas que visam
produzir discursos normativos sobre a sexualidade.
Nesse sentido a sexualidade, não pertence a um produto da natureza, mas
deve ser considerada como uma produção social, e que suas condutas, podem ser
compreendidas como base da construção da identidade. Louro (2000) citando Tomaz
Tadeu da Silva (1998) sob a perspectiva da antropologia cultural, afirma:

Os diferentes grupos sociais utilizam a representação para forjar a sua


identidade e as identidades dos outros grupos sociais. Ela não é, entretanto,
um campo equilibrado de jogo. Através da representação se travam batalhas
decisivas de criação e imposição de significados particulares: esse é um
campo atravessado por relações de poder. (...) o poder define a forma como
se processa a representação; a representação, por sua vez, tem efeitos
específicos, ligados, sobretudo, à produção de identidades culturais e sociais,
reforçando, assim, as relações de poder. (LOURO, 2000, p. 16, apud, Tomaz
Tadeu da Silva 1998).

A sexualidade só pode ser entendida como um fator social, se antes for


analisado os múltiplos discursos que residem sobre o sexo. Ao dizer a respeito das
relações de poder, a autora manifesta a forma como a representação é concebida
pela cultura e mantida pela sociedade estabelecendo divisões e atribuindo rótulos que
visam definir as identidades.

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Criando assim conceitos naturalizados pelas referências tidas como “normais”,
ocupado lugares ditos de verdade, o que por sua vez recusa outras manifestações
que fujam à essa hegemonia. Louro (2007) esclarece que o gênero se estabelece nas
relações, sobretudo nas relações sociais, mas que seu aspecto relacional não deve
ser resumido apenas nas representações sexuais dos padrões estabelecidos
culturalmente.
Neste aspecto, não podemos ser seduzidos pelo senso comum no que diz
respeito do que vem a ser um homem, ou uma mulher, ou ainda no caráter
fundamentalmente lógico e arbitrário de nossa sociedade, que por meio de
mecanismos, criam um universo simbólico que constrói a dupla categorização do
gênero, estabelecendo papeis estereotipados, apoiados pelas relações de poder que
fundamentam a produção de uma hierarquia entre os sexos.
A ótica do gênero conforme louro (2007) deve ser compreendida então como
um processo, pelo qual os sujeitos podem manifestar sua sexualidade de diferentes
formas, e essas vivencias da sexualidade que constituirão suas identidades.
Compreendendo desta maneira a relação de gênero, como um componente
constitutivo da identidade dos sujeitos. A autora afirma que o processo de
reconhecimento de diferentes identidades, tem como consequência direta a atribuição
de diferenças.
Segundo o pensamento desta autora, a sociedade usa das diferenças entre os
sujeitos para dizer quem está fora ou dentro dos padrões adotados. E por esta lógica,
o sujeito que infere o padrão socialmente normalizado, é julgado por estar fora de
suas margens regulatórias, e se torna um desviante da norma, em que aquilo que não
reconheço em mim é apontado no outro por sua diferença como algo que não condiz
com um ideal. Deste modo, a sociedade define e separa, e por vezes segrega e
descrimina.
Ainda com a ideia desta mesma autora, podemos aqui esclarecer duas
classificações das identidades assimiladas pelo sujeito, uma diz da forma como os
sujeitos exercem sua sexualidade e a escolha de seus parceiros sexuais, sejam eles
do mesmo sexo, do sexo oposto, de ambos os sexos ou sem parceiros, que são aqui
descritas como Identidade sexual.
Já a outra forma refere-se à identidade de gênero, que é descrita pelo modelo
de identificação construído através da concepção histórica e social do feminino e
masculino.

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Entretanto, louro chama atenção para o fato que tanto a identidade sexual,
quanto a identidade de gênero estão profundamente inter-relacionadas no que diz
respeito a nossa linguagem e práticas, mas que ainda assim são conceitos bem
distintos, sendo importante considerar o caráter fundamentalmente construído de
ambas, à medida que não devem ser concebidas como dadas ou acabadas num
determinado momento da vida do sujeito. Louro (2007) afirma então que não é
possível fixar um exato momento em que a identidade seja sexual ou de gênero é
estabelecida.
Ambas não ocorrem especificamente em uma fase do desenvolvimento, ou
finalizadas em um dado momento, elas estariam sempre se constituindo, sendo assim
marcadas pela instabilidade, e, portanto, passíveis de transformação.
A autora citando Deborah Britzman (1996, p.74) afirma:

Nenhuma identidade sexual — mesmo a mais normativa — é automática,


autêntica, facilmente assumida; nenhuma identidade sexual existe sem
negociação ou construção. Não existe, de um lado, uma identidade
heterossexual lá fora, pronta, acabada, esperando para ser assumida e, de
outro, uma identidade homossexual instável, que deve se virar sozinha. Em
vez disso, toda identidade sexual é um constructo instável, mutável e volátil,
uma relação social contraditória e não finalizada. (BRITZMAN, 1996 apud por
LOURO, 2007, p.27)

O mesmo então pode ser entendido a respeito da identidade de gênero, uma


vez que apresentam também um caráter transitivo, podendo se constituir e
transformar de acordo as relações sociais que a ela estejam ligados, e pelos
atravessamentos dos diferentes discursos, símbolos, representações e práticas
sociais, que resultaram num posicionamento do sujeito nas construções do feminino
e do masculino.
Percebendo a identidade de maneira mais ampla, entendida como um processo
plural e flexível, Stuart Hall (1997) realiza uma crítica ao conceito de identidade
estável, afirmando uma flexibilidade do sujeito em assumir diferentes identidades em
variados momentos, afirmando existir dentro de nós identidades contraditórias que
nos empurram em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão
sendo continuamente deslocadas.
O autor ainda completa dizendo que por estar sempre em processo, a
identidade se se caracteriza pela incompletude:

Segundo Hall, surge não tanto da plenitude da identidade que já está dentro
de nós como indivíduos, mas de uma falta de inteireza que é “preenchida” a

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partir de nosso exterior, pelas formas através das quais nós imaginamos ser
vistos por outros. Psicanaliticamente, nós continuamos buscando a
“identidade”, e construindo biografias que tecem as diferentes partes de
nossos eus divididos numa unidade porque procuramos esse prazer
fantasiado da plenitude. (HALL, 1997, p.43).

Tendo isto em vista, nossa identidade não está evidenciada e fixada em nossos
corpos, ela se expressa de maneira subjetiva em cada ser, deste modo faz-se
necessário desnaturalizar o padrão de gênero já estabelecido em nossa sociedade,
visto que por muitas vezes se deduz a identidade de gênero de um indivíduo pela
caracterização biológica, ou seja, pela presença dos genitais feminino ou masculino.

2.1 A constituição do eu, e da identidade de gênero pelos sujeitos

A psicologia sócio histórica, formulada por Vygotsky (1991) citado por Diogo e
Maheirie (2007), acredita que a constituição do sujeito se relaciona com a significação
que o outro fornece sobre suas ações, sendo tais significações produto de um
processo histórico e cultural. Deste modo, a subjetividade se estabelece ao nível das
relações, na medida em que a relação com o outro, o transforma em um ser cultural.
A atividade mediada nas relações é um instrumento fundamental para a
compreensão do modo como um sujeito se constitui, pois, em função destas
mediações que o sujeito apropria das significações e transforma o seu contexto social.
(VYGOTSKY, citado por DIOGO E MAHEIRIE, 2007). Nesta perspectiva, a
constituição do sujeito se formula por meio de sua inserção no universo da significação
dado pela atividade mediada pelo outro. Se constituindo assim na medida que realiza
as conexões com seu meio.

Uma criança vai se constituindo como sujeito na medida em que se relaciona


com as pessoas, com as coisas, com seu corpo e com seu tempo.
Apropriando-se de sua cultura, objetiva-se nela. Esta dinâmica origina-se na
necessidade do ser humano em criar meios para sobreviver, transformando
a si próprio através da atividade. (VYGOTSKY, apud DIOGO E MAHEIRIE,
2007, p.4)

De acordo com as autoras, o pensamento da psicologia sócio histórica de


Vygotsky (1994) valoriza a teoria do estudo dos signos, entre eles o signo linguístico
para melhor compreensão dos processos históricos na constituição do sujeito. Os
signos asseguram o acesso as significações coletivas e sentidos que são
compartilhados e construídos socialmente.

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Desde o nascimento, a criança já está inserida em um universo sociocultural
em que permeiam inúmeros significados, cuja transmissão é fundamental para seu
desenvolvimento.
As autoras Diogo e Maheirie (2007) salientam o não determinismo destes
signos, alertando para singularidades dos sujeitos, uma vez que a criança apreende
o mundo que a cerca, e por intermédio deste processo ela irá se individualizar. O
processo de subjetivação então conta com um caráter ativo do sujeito, podendo a
criança ser considerada uma produção social, mas na condição de sujeito, uma vez
que o outro não o determina diretamente em sua constituição.
Em seus estudos Vygotsky observou a aquisição da linguagem pela criança, e
notou que a transmissão dos signos se dá principalmente através da linguagem:

Signos e palavras constituem para as crianças, primeiro e acima de tudo, um


meio de contato social com outras pessoas. As funções cognitivas e
comunicativas da linguagem tornam-se, então, a base de uma forma nova e
superior de atividade nas crianças, distinguindo-as dos animais.
(VYGOTSKY, 1994, apud por DIOGO e MAHEIRIE, 2007, p.144)

Nesta circunstância, nota-se que a linguagem se torna fundamental para que


haja a relação do sujeito com a sociedade e com a cultura. Assim, linguagem não deve
ser resumida na fala, mas deve ser entendida como fator histórico e cultural, em que
se comunicam os discursos que estão estabelecidos pela sociedade. A linguagem
nesse sentido incorpora o discurso, carregando um contexto ideológico, político,
social, econômico e cultural, que será um fator constitutivo do sujeito.
Analisando, portanto, as relações estabelecidas entre o indivíduo e seu
contexto social, podemos considerar o indivíduo como sendo produto e produtor de
seu meio, que se constrói na relação com sua atividade social num determinado
momento histórico.
Nesse sentido podemos compreender que o sujeito se constituindo através do
social, assimila representações com as quais iniciará seu processo identificatório.
Miranda (2014) fazendo menção a noção de identidade pela perspectiva da psicologia
social proposta por Antônio da Costa Cimpa (1987) discute a dialética presente no
processo, em que a identidade se apresenta como contraditória, múltipla, e mutável,
mas, no entanto, única. Nessa linha, a identidade apresenta uma característica
contextual conforme as relações sociais.

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“O sujeito é uno e se constrói através da multiplicidade e da mudança, de
acordo com os posicionamentos como que assume ator e autor do seu próprio
processo identitário”. (MIRANDA, 2014, p.126).
A autora abordando ainda a visão de Habermas (2002) expõe que a produção
do processo identitário transcorre dos processos de socialização e individualização,
no qual, o indivíduo interioriza atribuições sociais predicadas pelos papéis e
modificam-nas de acordo com seus interesses particulares. Deste modo, a produção
da identidade pode ser compreendida a partir da internalização das normas sociais,
que darão suporte para a constituição da identidade do Eu.
Silva (1999) ao abordar a noção de identidade para Costa (1989) a percebe
como sendo “tudo que se vivencia (sente, enuncia) como sendo eu, por ocasião àquilo
que se percebe ou anuncia como não-eu (aquilo que é meu; aquilo que é outro) ”, é
possível deduzir que a noção de identidade do eu é evidenciada pela diferenciação
com o outro. Eu me reconheço, a partir do momento em que assemelho ou me
distancio daquilo que representa o outro. Silva (1999) citando Costa (1989) aponta
que a identidade não é uma experiência uniforme, sendo formulada por sistemas de
representação diversos.
Tais sistemas remete ao modo como o sujeito se prende ao universo
sociocultural, podendo existir diferentes sistemas na ordem social, como por exemplo:
uma identidade social, religiosa, étnica, profissional, sexual e de gênero.
O autor ainda complementa os estudos sobre a identidade de gênero trazendo
referência a teoria do psiquiatra e psicanalista americano Stoller (1993), que insere o
termo gênero na psicanálise, com o objetivo de diferenciar sexo e identidade nos
estudos sobre a transexualidade.
Entendendo o gênero não como um fator biológico, mas correspondente a um
significado cultural, podendo apresentar mutações conforme a história e ao contexto
social. Sendo o gênero então manifestado sobre um corpo sexuado, podendo assim
se constituir independentemente de seu sexo biológico.
Silva (1999, p.75) aponta que na teoria de Stoller, a identidade de gênero é
percebida como “uma mescla de masculinidade e feminilidade em um indivíduo”,
significando que tanto a masculinidade como a feminilidade são encontradas em todas
as pessoas, porém em formas e graus diferentes.

15
Isso não é igual à qualidade de ser homem ou mulher, que tem conotação com
a biologia. Para o autor, a identidade de gênero encerra um comportamento
psicologicamente motivado. Investigando os estudos de Stoller, Silva (1999) aponta
que haveria uma relação direta entre a qualidade de ser homem com a masculinidade,
assim como a feminilidade na qualidade de ser mulher, entretanto, discorda do sexo
(condição de macho e fêmea) estejam diretamente relacionados ao gênero. Stoller
acreditava ainda que a identidade masculina e feminina eram um conjunto de
convicções obtidas por meio dos pais que acolhiam a criança, e que estas convicções
estariam semelhantes às que eram mantidas pela sociedade, de forma que a
reprodução das convicções era transmitida pela identificação com seus pais.
O autor ainda aborda uma relevante questão para este trabalho no que diz
respeito ao conflito de identidade sofrido pelos sujeitos. Para ele, o conflito identitário
ocorre quando o indivíduo se encontra em dissonância do sistema identificatório em
questão, a incompatibilidade com esse sistema daria origem a um conflito subjetivo.
O conflito vivenciado poderia segundo o autor gerar um sofrimento psíquico, por julgar
que seu desempenho identificatório não corresponderia ao ideal ou estivesse
desviado da “normalidade”. (SILVA, 1999).
A normatividade imposta na identificação dos sujeitos atreladas a sua biologia,
limitam os indivíduos a se identificarem conforme os padrões estabelecidos pela
sociedade. As masculinidades e feminilidades seriam sistemas de representações dos
papeis a serem seguidos conforme o sexo biológico. Entretanto quando o sujeito em
seu processo identificatório encontrasse em oposição ao socialmente estabelecido,
inicia-se então um conflito identificatório.
Em relação a classificação identitária do gênero, Silva (1999) esclarece que:

Segundo Silva, [...] gênero só existem dois: masculino e feminino.


Entendemos por identidade de gênero o conjunto de traços construídos na
esfera social e cultural por uma dada sociedade, que definem
consequentemente, quais os gestos, os comportamentos, as atitudes, os
modos de se vestir, falar e agir, de forma semelhante para homens e
mulheres. As identidades de gênero tendem a estar em consonância com o
sexo biológico do sujeito, porém, não são estruturas fixas, encerradas em si
mesmas; pelo contrário, podem e estão continuamente se renovando, em
ebulição e a cada momento podem ser novamente moldadas de outras
formas. Elas também são impostas pelo processo de socialização, que
impede construções singulares. [...]. Nós podemos encontrar sujeitos
masculinos ou femininos, que não necessariamente pertencem ao seu sexo
biológico, e que podem fazer uma escolha afetiva e sexual do sexo oposto ao
seu. (SILVA, 1999, p. 74).

16
No estudo sobre a construção social das identidades de género nas crianças,
Patrícia Miranda (2008) apresenta a noção de uma identidade psicossocial para se
referir a identificação com o gênero, na qual estão assentados nos valores,
comportamentos e atitudes que a sociedade considera apropriado em função do sexo
biológico, mas que incide também sobre o corpo, que se encontra presente
simbolicamente nas variadas formas de se ver e mostrar o mesmo.
A autora aborda em diferentes perspectivas teóricas a relevância da
constituição do gênero para a promoção da constituição do sujeito. No enquadramento
das perspectivas cognitivistas, sob a égide da psicologia do desenvolvimento,
pressupõe que as crianças apreendem os esquemas do gênero para o ganho de
sentido em suas experiências para processar novas informações. E através desse
processo, elas adquirem atributos comportamentais consistentes com as suas
estruturas cognitivas, ou seja, de sua auto percepção enquanto seres femininos ou
masculinos.

Segundo Miranda, deste ponto de vista, há todo um processo de


autoconstrução das identidades pessoais de género, oferecendo o vasto
mundo social, o material base a partir do qual as identidades de género são
construídas, guiando estas, por sua vez, a percepção e a ação humanas.
(MIRANDA, 2008, p. 6).

Nesta lógica a identidade de gênero é reconhecida como um processo de


autoconstrução tendo como base o mundo social, em que se destaca um ponto
importante no desenvolvimento infantil, dada a inserção da criança às práticas do
social, uma vez que se apropriam dos instrumentos fornecidos pela cultura a qual ela
está inserida, se apropriando e enquadrando nos sistemas de representação.
Segundo a autora o desenvolvimento do gênero inicia-se cedo, desde a “etiquetagem”
do bebê ao feminino e masculino, seguindo de variadas condutas e atitudes que
nortearam o tratamento com aquela criança baseado na diferenciação do sexo.
Posteriormente, com a aquisição da linguagem, assim como já visto na teoria de
Vygotsky pelas autoras Diogo e Maheirie (2007), a criança começa se auto categorizar
em termos de gênero, em se intitular menino ou menina, no uso de artigos, pronomes,
além é claro em suas preferências, como o gosto pelas brincadeiras e escolha dos
brinquedos associados a um gênero.

17
Miranda (2008) frisa que é ainda especificamente na fase da adolescência, que
se encontram mais visíveis as mudanças tanto ao nível biológico, psicológico, social,
quanto ao nível cognitivo com início da puberdade, que se apropria do componente
sexual biológico e dos papeis de gênero. A respeito das apropriações dos papeis de
gênero, a autora completa:

Segundo Miranda, note-se que, apesar da tendência para as crianças


adoptarem comportamentos de género estereotipados, de tal forma a
reforçarem a sua identidade de género, e está se tornar consistente, outros
fatores poderão interferir nos comportamentos e no processo de construção
das identidades de género, como a crescente individualização que origina
projetos singulares de identização. Assim, instituições e sujeitos sociais
atuam em simultâneo, mas não necessariamente de forma consensual, para
o desenvolvimento das identidades de género, sendo este um conceito
multidimensional, com diferentes componentes e significados em diferentes
fases da vida. (MIRANDA, 2008, p. 6).

De acordo com os autores acima citados a formação da identidade de gênero


apresenta-se como um importante fator na constituição dos sujeitos e na sua relação
com as configurações do social. A construção da identidade de gênero como ficou
claro, não é um processo resultante de um aspecto biológico, nem se concentra na
distinção dos sexos pela sua anatomia, mas correspondem a identificação dos
aspectos culturais da sociedade do que vem a ser o feminino e masculino por meio
das representações sociais.

2.2 A Subversão das Identidades de Gênero

Gênero e sexualidade se encontra em diferentes campos do saber, situando os


estudos de seus conceitos presente em várias teorias, mas entre elas destacam-se
as produções na antropologia, sociologia, filosofia, psicologia e aos estudos
feministas. Dentre o vasto aparato teórico, assim a seguir temos as principais teóricas
na interpretação do gênero e de sua subversão, desenvolvido pela filósofa Judith
Butler.
A autora argumenta que a compreensão do gênero está relacionada com os
significados culturais materializados por um corpo sexuado, marcado em sua
formação pelas práticas discursivas.
Butler (2013) salienta que o gênero não reflete o sexo e ou é por ele restrito, e
que quando contestado sua não causalidade, o próprio se torna um artifício flutuante,
à medida que se entende o sexo também como produção cultural e pré discursiva.

18
A autora atentando para o caráter contestável da determinação do sexo diz:
“talvez o próprio construto chamado “sexo” seja tão culturalmente construído quanto
o gênero; a rigor, talvez o sexo sempre tenha sido o gênero, de tal forma que a
distinção entre sexo e gênero se revela absolutamente nenhuma. ” (BUTLER, p.25,
2013). Deste modo, a análise de uma possível construção do gênero deve estar
associada aos elementos discursivos que naturalizam a ideia da divisão sexual e das
diferenças entre masculino e feminino, definidos pelo sexo.
Considerando-os como elementos pré-discursivos, Butler (2003) indaga a
posição do corpo diante desta materialização das significações culturais, ao
questionar a ideia de um corpo passivo a escolha do gênero ou de uma construção.
Nesta perspectiva se revelaria uma controvérsia diante da ideia simplista de que
somos determinados pelas normas de gênero, ou que temos a livre escolha do
mesmo, considerando assim se tratar de um determinismo ou um livre arbítrio do
sujeito em relação ao gênero. Tal noção segundo a autora se mostraria um erro, ao
pressupor que o corpo se resumiria na representação de um instrumento apenas.
Para autora, a linguagem age antes do sujeito, e continua agindo sobre ele em
todas suas ações. Deste modo, a constituição dos corpos seria materializada pela
linguagem, configurando as normas de gênero por meio de repetições condicionadas
ao discurso cultural previamente estabelecido.

Segundo Butler, os limites da análise discursiva do gênero pressupõem e


definem por antecipação as possibilidades das configurações imagináveis e
realizáveis do gênero na cultura. Isso não quer dizer que toda e qualquer
possibilidade de gênero seja facultada, mas que as fronteiras analíticas
sugerem os limites de uma experiência discursivamente condicionada. Tais
limites se estabelecem sempre nos termos de um discurso cultural
hegemônico, baseado em estruturas binárias que se apresentam como a
linguagem da racionalidade universal. Assim a coerção é introduzida naquilo
que a linguagem constitui como o domínio imaginável do gênero.
(BUTLER,2003, p.28)

Portanto para Butler (2003, p.29), o gênero é incorporado por meio de uma
materialização de um discurso marcado pela repetição das normas, abandonando a
noção de uma essência interna ao sujeito. Ela argumentou que o gênero se trataria
de um fenômeno inconstante e contextual, que não denotado em um ser substantivo,
“mas um ponto relativo de convergência entre conjuntos específicos de relações,
cultural e historicamente convergentes”.

19
Desta forma a autora se predispôs a investigar de que maneira as práticas
reguladoras de formação e divisão do gênero constituem a identidade a partir de um
modelo binário e de uma heterossexualidade compulsória.
Nesse sentido a autora traz a ideia de gênero como performance, em se torna
importante pensar nos processos das diferenças materiais, abrindo espaço para o
questionamento das práticas discursivas do gênero, entre as quais destaca-se a
própria noção de sexo como um ideal regulatório.
A autora afirma que nesse sentido o sexo não funciona apenas como uma
norma, mas uma prática que regula e produz sobre os corpos a materialização dos
sexos. Butler (2000) explica o caráter do sexo como um ideal forçosamente
materializado através do tempo, não se tratando de um fato ou uma condição estática
do corpo, mas um processo em que as normas regulatórias se inscrevem a reiteração
dessas normas. (BUTLER, 2000, p.154).
Deste modo, a performatividade deve ser entendida como uma prática
reiterativa e situacional, ou seja, por práticas que reafirmam as normas e sob efeitos
de um discurso, são reproduzidas por meio de repetições e citações que se realinham
à um contexto.
Este efeito de produção do poder normativo apresenta-se como um mediador
no processo de identificação dos sujeitos, através do qual a diferença sexual será
materializada. E é neste espaço que a autora abre um espaço para uma intervenção,
pois ao alegar o caráter performativo das materializações, ela também exibe seu
caráter subversivo. Assim, não se trata apenas das repetições da performatividade,
e sim de como elas são reguladas e dos dispositivos de poder que a elas estão
ligados, desta forma, deve-se pensar criticamente sobre as normas de gênero que
afirmam essa repetição.

Segundo Butler, a tarefa não consiste em repetir ou não, mas em como repetir
ou, a rigor, repetir e por meio de uma proliferação radical do gênero, afastar
as normas do gênero que facultam a própria repetição. [...] A desconstrução
da identidade não é a desconstrução da política; ao invés disso, ela
estabelece como os políticos os próprios termos pelos quais a identidade é
articulada. [...]. As configurações culturais do sexo e do gênero poderiam
então proliferar, ou melhor dizendo, sua proliferação atual poderia então
tornar-se articulável nos discursos que criam a vida cultural inteligível,
confundindo o próprio binarismo do sexo e denunciando sua não
inaturalidade fundamental. (BUTLER, 2003, p.213-214).

20
Nesta perspectiva a performatividade é considerada útil no sentido de que está
repetição pode ser usada para atingir as representações que sustentam essas
estruturas, ao adotarmos identidades subversivas que provocam deslocamentos e
desvios das normas de gênero. Nessa conjuntura, a lógica binaria que desde sempre
rege a compreensão dos sexos e do gênero homem/ mulher em nossa sociedade, se
mostra insuficiente para a compreensão ampla dos sujeitos que não se assentam
numa categoria ou na outra, ou os que não se ajustam a tais categorias, ou ainda o
que se mostram transitastes entre os mesmos.
O modelo binário é assumido pelo discurso como uma forma de assegurar a
heteronormatividade, supondo que exista uma forma natural de se exercer a
sexualidade. A autora indica que isso pode ser observado quando se é considerado
socialmente que a homossexualidade se apresenta como um desvio à
heterossexualidade.
Este pensamento restringe a noção de uma múltipla da manifestação da
sexualidade e do desejo, pensando os sexos e os gêneros em padrões binários e
opostos. Nesta lógica, a força performativa produz no sujeito o gênero; reiterando as
referências simbólicas do masculino e feminino relativas à sua cultura.
Em que o gênero é designado por sua realidade anatômica, e
consequentemente comprimi as manifestações opositoras a norma vigente, ao passo
que, a diversidade sexual e de gênero é desconsiderada quando analisada por uma
ótica binaria dos sexos.
O caráter subversivo do movimento queer sugere que rompemos com esta
lógica, abrindo espaço para novos diálogos. De modo a afirmar que as diferenças não
podem ser superadas por práticas e saberes cristalizados de uma identidade
unificada. Desta forma, a teoria queer contesta a performatividade vinculada a
materialização dos corpos, tendo em vista que o corpo não é negado em sua realidade
concreta, mas que se trata de compreender que o mesmo é estruturado socialmente
através da norma.
E é neste espaço que a teoria queer, proposta por Judith Butler inspirada pelos
movimentos pós-estruturalistas, desmitifica esta posição binária, ao contrapor com as
práticas discursivas que subjetivam as identidades, e que constituem do corpo um
sujeito de gênero.

21
É necessário romper com a lógica dominante muito além dos binarismos de
gênero e de sexualidade. Implica também na desconstrução do sistema que rege a
nossa cultura, promovendo também um questionamento sobre os discursos e nosso
posicionamento diante dele, refutando os limites dos conhecimentos
institucionalizados e legitimados pela nossa cultura, afim de se abrir para uma nova
organização social que aceite e respeite a diversidade.
A partir desta breve compreensão da teoria, podemos pensar de que maneira
ela poderia ser aplicada no campo da educação. Guacira Lopes Louro uma das
principais difusoras da teoria queer no Brasil, promove um intenso dialogo da teoria
no campo da educação. Em seu livro Um corpo Estranho (2004, p.7), diz: “A
irreverência e a disposição antinormalizadora da teoria queer me incitaram a jogar
com suas ideias, sugestões, enunciados e a testá-los no campo (usualmente
normalizador) da educação”.
Assim a teoria aplicada em contexto de ensino poderia propor um debate de
uma nova política de conhecimento, abrindo possibilidades de se repensar as práticas
educativas articuladas com a teoria queer, considerando como uma ferramenta de
análise e de política, para pensar os sujeitos fora dos limites estruturados e
normatizados pela cultura.
A autora traz nesse livro alguns artigos que discutem o caráter imutável, a-
histórico e binário do ato de nomear os corpos, que identifica o sexo como algo anterior
à cultura. Louro (2004) no texto viajantes pós-modernos realiza uma analogia entre a
ideia de “viagem” e identidade, construindo uma argumentação para se pensar a
lógica de uma distância em que o sujeito pode percorrer referida a um espaço e o
tempo em mediação pelos discursos da cultura.

Segundo Louro, a viagem transforma o corpo, o “caráter”, a identidade, o


modo de ser e de estar... Suas transformações vão além das alterações da
superfície da pele, do envelhecimento, da aquisição de novas formas de ver
o mundo, as pessoas e as coisas. As mudanças da viagem podem afetar os
corpos e identidades em dimensões aparentemente definidas e decididas
desde o nascimento (ou até mesmo antes dele). A declaração “É uma
menina! ” Ou “É um menino! ” Também começa uma espécie de “viagem”, ou
melhor, instala um processo que, supostamente, deve seguir um determinado
rumo ou direção. A afirmativa, mais do que uma descrição pode ser
compreendida como uma definição ou decisão sobre um corpo. [...] O ato de
nomear o corpo acontece no interior da lógica que supõe o sexo como algo
“dado” anterior à cultura e lhe atribui um caráter imutável, a-histórico e binário.
Tal lógica implica que esse dado sexo vai determinar o gênero e introduzir a
uma única forma de desejo. Supostamente não a outra possibilidade senão
seguir a ordem prevista. A afirmação “é um menino” ou “é uma menina”

22
inaugura um processo de masculinizarão ou feminilização com o qual o
sujeito se compromete. (LOURO, 2004, p.15).

Esta lógica é compreendida em seu texto como uma distância cultural, que
remete aos constantes e variados movimentos e transformações que os indivíduos
percorrem ao logo da vida atribuindo a esses deslocamentos distintos significados. A
subversão da identidade exposta pela autora demostra uma expressão de uma
identidade que possa assumir as fronteiras delimitadas pela cultura, ou mesmo
transgredi-las, deste modo é evidenciado os “sujeitos viajantes”, aqueles que resistem
as formas normalizadoras que regulam seus corpos e deslocam fora das fronteiras
delimitadas.
A autora usa esta noção para descrever os sujeitos fragmentados e desviantes
que não se fixam em uma identidade unificada, identificando assim as possibilidades
de transgressão a norma. Louro (2004) destaca que não se trata de colocar esses
sujeitos como exemplos e modelos a serem seguidos, mas pode-se entende-los como
sujeitos que desestabilizam certezas e provocam novas percepções.
Em outro texto desta obra: Uma política pós-identitária para a educação, a
autora aborda uma política de educação com os pressupostos da teoria queer. O texto
aponta que as pedagogias que tanto normalizaram os sujeitos hoje se mostram
insuficientes em relação a “novos” sujeitos, ou as novas manifestações de sexo,
gênero e sexualidade, como por exemplo as identidades homossexuais e as
identidades transgênero, ou ainda aquelas intersexuais e as não binárias, entre outras
que são observadas no cenário contemporâneo.
Sendo assim, a educação se encontra com a problemática de se repensar a
demandas e as práticas de ensino pensando em uma subversão da identidade. A
autora retrata a impossibilidade de se trabalhar com um currículo que tenha uma
percepção limitada do sujeito ao o considerar como desviante, ou fora do dito “normal”.
A educação subversiva tem por necessidade elaborar um currículo sistematicamente
corrigido, para assim se acolher o novo e as diferentes formas em que o sujeito se
apresenta.
Louro (2004) propõe uma política pós-identitária para a educação baseada nos
pressupostos teóricos da desconstrução de Derrida, em um procedimento
metodológico que apresenta mudanças nas estratégias de análise, focando nos
diálogos que visem desestabilizar os binarismos conceituais e linguísticos implicados
em nossa cultura em relação ao gênero.

23
A desconstrução das oposições entre masculino e feminino auxiliaria na
compreensão de que essas estruturas não se sustentam quando estamos diante das
identidades subversivas, que não se enquadram as perspectivas normalizastes da
identidade, e que analisando os discursos, evidenciamos a fragmentação e invariação
destes dois polos.
A autora nos chama a atenção ao apresentar a noção subversiva dos “sujeitos
abjetos”, sendo aqueles sujeitos que se encontram fora das fronteiras discursivas,
como sendo um ponto de fundamental importância, para se compreender e questionar
a materialização dos discursos sobre os corpos, mostrando que esta materialização
pode e deve ser contestada.
Uma pedagogia queer estaria então não só interessada em pensar a
ambivalência e as fluidez das identidades sexuais e de gênero, mas comprometida
em reorientar as relações de saber/poder característicos de nossa sociedade. Assim
conforme o relato da autora, o currículo estaria voltado para o processo de produção
das diferenças e trabalhariam, centralmente, com a instabilidade e a precariedade de
todas identidades.

Segundo Louro, ao colocar em discussão as formas como o "outro" é


constituído, levariam a questionar as estreitas relações entre não do eu com
o outro. A diferença deixaria está lá fora, do outro lado, alheia ao sujeito, e
seria compreendida como indispensável para a existência do próprio sujeito:
ela estaria dentro, integrando e constituindo o eu. A diferença deixaria de
estar ausente para se fazer presente: fazendo sentido, assombrando e
desestabilizando o sujeito. Ao se dirigir para o processo que produzem as
diferenças, o currículo passaria a exigir que se prestasse atenção ao jogo
político aí implicado: em vez de meramente contemplar uma sociedade plural,
seria imprescindível dar-se conta das disputas, das negociações e dos
conflitos constitutivos das posições que os sujeitos ocupam. (LOURO, 2004,
p. 48-49).

Nesta proposta verifica-se a existência de um campo ético e político para os


currículos de educação orientados pelo pensamento queer, em que a diferença passa
ser constitutiva do próprio sujeito, questionando o porquê de algumas identidades
serem consideras normatizadas e outras por outro lado marginalizadas na articulação
social. Assim, conclui-se que as velhas formas reguladoras presentes na construção
dos sujeitos de gênero e de sexualidade produzem desigualdades entre as
identidades, visto que elas não aparecem de maneira uniforme e padronizada, assim
seria necessário subverter também os modos de se fazer a educação, valorizando a
diferença neste espaço.

24
Para que ela ajude a defender e preservar o desejo, como direito à liberdade
de ser de existir dos sujeitos em ambos espaços da vida pública e privada.

2.3 Gênero e sexualidade

O organismo dos seres vivos apresenta características estruturais e funcionais


peculiares e distintivas entre os machos e as fêmeas. Gilbert, Hallet e Elldridge (1994),
citados por Nogueira (2001), dizem que para classificar os indivíduos segundo a
anatomia humana utiliza-se o termo sexo. Assim, um indivíduo é macho ou fêmea de
acordo com os cromossomos expressos em seus órgãos genitais. Stoller (1993),
citado por Oliveira e Knoner (2005), porém, procurou provar por meio de suas
investigações que as características de gênero não são garantidas pela biologia, uma
vez que muitos sujeitos apresentam características femininas ou masculinas em
dissonância com sua anatomia.

Já a palavra gênero designa, segundo o senso comum, qualquer categoria,


classe, grupo ou família que apresente determinadas características comuns.
Por exemplo, os filmes podem classificar-se de acordo com suas
características em românticos, policiais, comédias, de ação, dramas, etc. Da
mesma maneira, existem vários gêneros musicais: rock, samba, clássico,
romântico. A palavra gênero, na arte, pode ainda designar estilos distintos:
gênero dramático, gênero literário. (STOLLER, apud OLIVIERA e KNÖNER,
2005).

A partir de 1975, porém, o termo gênero passou a ser utilizado nos estudos cujo
objetivo era compreender as formas de distinção que as diferenças sexuais induzem
em uma sociedade. Assim, gênero passou a constituir uma entidade moral, política e
cultural, ou seja, uma construção ideológica, em contraposição a sexo, que se mantém
como uma especificidade anatômica. (OLIVIERA e KNÖNER, 2005)
O termo gênero, classificação construída pela sociedade, contribui para
exacerbar a distinção entre indivíduos de sexos diferentes. Essa classificação
possibilita a construção de significados sociais e culturais que distinguem cada
categoria anatômica sexual e que são repassados aos indivíduos desde a infância.
(DEZIN, 1995, apud NOGUEIRA, 2001). Assim, o conceito de gênero abrange as
“características psicológicas, sociais e culturais que são fortemente associadas com
as categorias biológicas de homem e mulher”. (DEAUX, 1985, apud NOGUEIRA,
2001, p. 9).

25
Para Gilbert, Hallet e Elldridge (1994), citados por Nogueira (2001, p.9), “gênero
é, portanto, o termo usado no contexto social, podendo ser definido como um esquema
para a categorização dos indivíduos (na perspectiva da cognição social) esquema
esse que utiliza as diferenças biológicas como base para a designação de diferenças
sociais”.
O termo gênero é bastante complexo, o que permite que seja definido e
redefinido. Heberle et al. (2006), citando diferentes autores, compreendem gênero
como uma categoria distinta da oposição macho/fêmea estabelecida pela biologia, e
socialmente construída, que permeia as interações sociais, uma vez que constitui
parte da tecitura argumentativa dos sentidos. Essas autoras citam também Günthner
(1998), para afirmar que a interação humana constitui um dos meios de construção
da realidade social, da transmissão das estruturas sociais relevantes, bem como da
construção e da perpetuação das identidades sociais.

Louro (1997), citado por Oliveira e Knöner (2005), afirma que o conceito
abrangia inicialmente as premissas concernentes às diferenças biológicas.
Percebeu-se, porém, que essa forma de considerar o conceito de gênero o
tornava limitado, uma vez que as características visíveis não permitiam a
ampliação de seu significado, impedindo que fossem incorporadas as demais
características. Para Scott (1990), citado por Oliveira e Knöner (2005), o
conceito de gênero enfatiza todo um sistema de relações que, embora possa
incluir o sexo, não é por ele determinado, nem determina diretamente a
sexualidade. Dessa forma, o termo gênero não poderia expandir-se para
outros contextos sem abranger um novo significado. (LOURO, 1997, apud por
OLIVEIRA e KNÖNER, 2005).

Ao final dos anos 80, esse termo passou a ser utilizado pelo movimento
feminista no Brasil. O conceito de gênero surgiu, então, como categoria de análise,
em estudos que objetivavam demarcar lugares e distinguir o que é da ordem do
masculino e do feminino. A nova concepção possibilitou, também, analisar as
diferenças entre pessoas, coisas e situações vivenciadas. A utilização do conceito de
gênero proporcionou o afastamento da ideia de determinismo biológico relativa ao
sexo. (OLIVEIRA e KNÖNER, 2005).
Para Mitchell (1988, citado por OLIVEIRA e KNÖNER, 2005), as sociedades
denominam as pessoas de homem e mulher, designando seus atributos
respectivamente por masculinidade e feminilidade. O autor reconhece, no entanto,
que essas qualidades não são fixas. Cada marca distintiva, porém, é condição da
outra, significando que em nenhum momento elas podem ocupar o mesmo lugar.

26
As informações sobre mulheres fazem parte das informações sobre homens, e
vice-versa; são interdependentes.
O gênero feminino só se constrói em oposição ao gênero masculino e, nas
diferenças, homens e mulheres se constroem juntos. A palavra diferença, porém, não
significa necessariamente contradição, luta, conflito ou desigualdade. (LAGO, 1999,
citado por OLIVEIRA e KNÖNER, 2005). Portanto, o conceito de gênero implica um
conceito de relação, uma vez que o universo das mulheres está inserido no universo
dos homens e vice-versa.
Dessa forma, o gênero acontece apenas nas relações. Essas relações não
implicam desigualdade ou poder. Para Sartori (2004, citado por OLIVEIRA e
KNÖNER, 2005), o gênero constitui uma construção social, abordando as relações de
poder entre homens e mulheres.
Essas relações variam em diferentes sociedades e culturas, e mesmo dentro
de uma mesma sociedade. Portanto, não são fixas. Para Martinez (1997), citado por
Pereira e Fernandes Filho (2008), o conceito de gênero inclui diversos componentes,
como identidade, valores, prestígio, regras, normas, comportamentos, sentimentos,
entre outros. As relações de gênero são, portanto, construídas pelas sociedades.
Scott (1990, citado por OLIVEIRA e KNÖNER, 2005), afirma que se poderia
considerar gênero uma busca da legitimidade institucional para os estudos sobre os
movimentos feministas dos anos 80.
Tem-se a noção de gênero o entendimento de relações estabelecidas a partir
da percepção social das diferenças biológicas entre os sexos, sendo essa percepção,
por sua vez, fundada em esquemas classificatórios que opõem masculino/feminino,
sendo esta oposição homóloga e relacionada a outras: forte/fraco; grande/pequeno;
acima/abaixo; dominante/dominado.
Silva discorre sobre a identidade de gênero ou sexual afirmando que a mesma
não tem necessariamente ligação com o sexo gonádico, ou endócrino, ou até mesmo
morfológico. A autora exprime que a identidade de gênero, ou sexual, possui
elementos conscientes ou inconscientes, ou seja, influência psicológica, além de ser
interligada com as características físicas da pessoa. Verifica-se que a identidade de
gênero será compreendida por fatores internos e externos.

27
Todavia, verifica-se atualmente que estas identificações de gênero não são
necessariamente confiáveis, pois a sociedade é um ente mutável, e os papéis das
pessoas mudam, pois aquilo que é visto como feminino e masculino não quer dizer
que seja necessariamente ligado ao sexo da pessoa.
Vemos atualmente que, com o movimento feminista, os papéis femininos
mudaram, todavia, o seu sexo continua o mesmo, da mesma forma que os papéis
masculinos mudaram.
Por exemplo, se vê que as mulheres exercem papéis antes vistos como
masculinos, de chefia de empresas ou de lares, papel anteriormente ocupado por
homens, enquanto as mulheres eram objeto de domínio masculino.
Na mesma linha, percebe-se que alguns homens se sentem ameaçados por
esta mudança, enquanto outros não têm dificuldades em compartilhar o espaço, pois
percebem que as mudanças sociais são infreáveis.
Estas colocações são importantes pois o transexual encontra-se em um vácuo
sexual, pois possuem sexo dominantemente masculino, por exemplo, mas tem
identidade de gênero feminina, o que acarreta como Erikson expressou, uma profunda
angústia no ser. Ou seja, não são nem uma coisa nem outra.
Por fim, entender as relações de gênero como fundadas em categorizações
presentes em toda a ordem social, permite compreender não somente a posição das
mulheres, em particular, como subordinada, mas também a relação entre sexualidade
e poder. A sexualidade, longe de ser um “domínio da natureza” é considerada aqui
como um “fato social” enquanto condutas, como fundadora da identidade e como
domínio a ser explorado cientificamente.
A sexualidade é perpassada por aqueles esquemas de classificação, fundados
na oposição e hierarquização entre masculino/feminino, a partir da oposição entre
ativo/passivo, o que estabelece uma ligação entre sexualidade e dominação: as
imagens, o vocabulário e as significações mobilizadas em cada sociedade para evocar
as relações sexuais são, em todos os lugares, utilizados para dizer igualmente a
dominação de sexo em geral.
A seguir, aborda-se o sexo numa apreciação de equilíbrio entre diferentes
fatores, e, as síndromes responsáveis por alterações sexuais nos indivíduos. Evolução
humana. Para algumas pessoas, o sexo destina-se somente à procriação, para outras
é fonte de prazer, decorrente de uma vida saudável.

28
2.4 Sexualidade, sexo e corpo

Segundo Foucault, cada sociedade tem seu regime de verdade, sua "política
geral" de verdade: isto é, os tipos de discursos que ela acolhe e faz funcionar
como verdadeiros; os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os
enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e
outros; as técnicas e os procedimentos que são valorizados para a obtenção
da verdade; o estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona
como verdadeiro tais discursos são reproduzidos na sexualidade e no gênero,
(FOUCAULT, 2004, p.12).

A sexualidade é tida como sensações corpóreas e subjetivas emocionais, onde


sua primeira abordagem inicia-se entre os cinco e seis anos e dar-se-á dentro do
espaço privado, ou seja, em casa, quando as diferenças são interiorizadas, levando a
organização dos papeis sexuais e demonstrando o lado que a sua sexualidade é
orientada, ou seja, homossexual, heterossexual ou bissexual.
Esta é derivada de uma produção cultural, e, não somente oriunda de um
processo biológico, sendo observada dentro dos seguintes contextos: subjetivo
(questões emocionais e cognitivas); familiar (valores morais e religiosos); e,
econômico (diferenças culturais e momentos históricos).
Diferentemente da sexualidade, o sexo está ligado a práticas sexuais, ou seja,
a questões genitais, sendo dividido em feminino, masculino ou intersexual. É a
expressão biológica que define um conjunto de características anatômicas e
funcionais, ou seja, é uma interpretação política e cultural do corpo, não existe a
distinção sexo/gênero em linhas convencionais; o gênero é embutido no sexo, e o
sexo mostra ter sido gênero desde o início‖ (BUTLER, 2017, p. 197).
Há uma restrição visualizada dentro das características de sexo que pressupõe
este atender as características reprodutivas previstas, dentro da heterossexualidade,
barreira que deverá ser retirada para a garantia de um sexo livre.
Nesta esteira, precisamos entender a função dos corpos na relação entre
gênero e sexualidade, onde estes podem ser entendidos como possíveis
mensageiros, produzidos na pluralidade de culturas e práticas educativas.

Segundo Goellner, falar do corpo é falar, também, de nossa identidade dada


a centralidade que este adquiriu na cultura contemporânea cujos
desdobramentos podem ser observados, por exemplo, no crescimento
mercado de produtos e serviços relacionados ao corpo, a sua construção,
aos seus cuidados, a sua libertação e, também, ao seu controle (GOELLNER,
2013, p. 31).

29
O corpo porta em si a marca da vida social nos mais diversos âmbitos, fazendo
com que a sociedade imprima nele determinadas transformações. Se viermos a
considerar todas as modelações que sofre, constataremos que o corpo é pouco mais
que uma massa de modelagem à qual a sociedade imprime formas segundo suas
próprias disposições: formas nas quais a sociedade projeta a fisionomia de seu próprio
espírito (RODRIGUES, 1983, p. 62).
Cultura dita normas em relação ao corpo, às quais o indivíduo tenderá, à custa
de castigos e recompensas, a se conformar, aceitar e aderir, assim, este é uma
construção social, cultural e histórica (GOELLNER, 2013, p. 35) e, por fim, é
considerado como uma realidade biopolítica (FOUCAULT, 1992, p. 77), já que, a partir
deste, é produzida sua identidade, sua personalidade, virtudes e defeitos. O corpo
deve ser educado para produzir e reproduzir o padrão normativo vigente.
Os que desviarem da norma, serão alvo de constante escrutínio e sofrerão as
sanções sociais inerentes. Uma matriz heterossexual delimita os padrões a serem
seguidos e, ao mesmo tempo, paradoxalmente, fornece a pauta para transgressões.
É uma referência a ele que se fazem não apenas aos corpos que se conformam às
regras de gênero e sexuais, mas também aos corpos que as subvertem (LOURO,
2016, p. 17). No caso dos homossexuais, por exemplo, eles se tornam o foco de
discursos homofóbicos que os desqualificam e deslegitimam em função de sua
sexualidade desviante da heteronormatividade. Esses discursos se fundam em ideais
moralistas, religiosos, higienistas, etc., e são mobilizados a fim de dizer a verdade
sobre eles.

3 SEXO

O sexo tem sido um mistério por muito tempo na história da evolução humana.
Para algumas pessoas, o sexo destina-se somente à procriação, para outras é fonte
de prazer, decorrente de uma vida saudável. Del-Campo afirma que o sexo não pode
mais ser abordado, senão levando em consideração vários fatores.
O autor indica que existem vários tipos de sexo: genético, dividindo-se em
cromossômico e cromatínico; endócrino; morfológico; psicológico e jurídico. Seguindo
o mesmo pensamento que Del-Campo, Maranhão exprime que o sexo deve ser visto
por várias correntes, sendo resultante de um equilíbrio de vários planos, desde o físico

30
até o psicológico. Maranhão ainda divide o sexo em: genético; endócrino; morfológico;
psicológico e jurídico. Estabelecido que o sexo abrange vários elementos, parte-se
para um relato direcionado as diversas classificações que integram o mesmo.

3.1 Sexo Genético

O sexo genético também é denominado sexo genotípico. Para Del-Campo,


conforme as divisões expressas anteriormente, o sexo genético divide- se em
cromossômico e cromatínico. O autor sustenta que o ser-humano possui 46
cromossomos, sendo 22 pares autossômicos e um sexual.
Neste sentido, o homem possui 44 cromossomos A (automossômico), mais um
cromossomo XY; enquanto a mulher possui 44 cromossomos A (automossômico),
mais um cromossomo XX. Neste sentido, o XX representa a mulher, e o XY representa
o homem, sendo estes os cromossomos sexuais.
Somente após 1961 conclui-se que o ser-humano possui 46 cromossomos,
sendo 44, ou 22 pares, autossomas e um par sexual. Assim Del-Campo, pontua que
os homens possuem 44 cromossomos autossomos e dois sexuais, do tipo XY, e
as mulheres possuem 44 cromossomos autossomos e dois sexuais, do tipo XX.
O Autor ainda faz referência à reprodução dos seres-humanos, sendo que os
óvulos possuem carga genética de 22 pares autossomos e um cromosso tipo X; e os
espermatozoides podem ter fórmula idêntica, ou possuir 22 pares autossomos e um
cromossomo Y. Se os óvulos e os espermatozoides tiverem fórmula 22 A + X, dar-se-
á origem à uma pessoa do sexo feminino, pelo menos cromossomicamente. Se o
espermatozoide tiver fórmula 22 A + Y, dar-se-á origem a uma pessoa do sexo
masculino, cromossomicamente.
Del-Campo ainda discorre sobre o sexo cromatínico, ou sexo nuclear. O sexo
cromatínico nada mais é do que a presença de um corpúsculo cromatínico nas
pessoas do sexo feminino. O autor da descoberta deste corpúsculo foi Murrey Barr,
no ano de 1949, sendo que o corpúsculo também pode ser chamado de corpúsculo
de Barr, em homenagem ao seu descobridor.
O sexo cromatínico foi descoberto por Murrey Barr, já o mesmo percebeu a
presença de uma substância nas pessoas do sexo feminino, a qual ele denominou
corpúsculo cromatínico ou cromatina sexual.

31
O autor ainda aduz que esta substância não é encontrada em homens, somente
em raros casos, mesmo assim, está sempre presente em pessoas do sexo feminino.
Existem certas síndromes que atingem homens e mulheres no âmbito cromossômico,
as quais os afligem sexualmente, com efeitos físicos. O fato de se mencionar estas
síndromes é a de que estas podem estar presentes em transexuais, objeto ora
estudado.

3.2 Síndrome de Turner

Del-Campo esclarece que a síndrome de Turner afeta às pessoas do sexo


feminino, apesar de as mulheres afetadas não apresentarem a cromatina de Barr.
Esta síndrome se caracteriza pela presença de apenas 45 cromossomos, sendo 44
do tipo A, e apenas um do tipo sexual (44 A + X).
O autor alega que esta síndrome atinge uma a cada três mil mulheres, sendo
que as mulheres afetadas na maioria são estéreis, seus ovários são atrofiados,
possuem baixa estatura e não possuem os caracteres secundários desenvolvidos, em
decorrência da falta de produção do hormônio estrógeno.
Maranhão refere-se à síndrome de Turner como a “síndrome de ovário
rudimentar”, e reafirma que as pessoas atingidas são do sexo feminino. As
características apresentadas pelo autor, referentes à esta síndrome, são similares às
de Del-Campo: cromossomo de forma 44 + X, amenorreia, mamas pouco
desenvolvidas, baixa estatura, infantilismo sexual e a pele da face aparentemente
ficaria com aspecto senil. A cromatina de Barr verifica-se presente, apesar de não se
assemelharem fisicamente às mulheres sem a síndrome.

3.3 Síndrome de Klinifelter

Enquanto a síndrome de Turner atinge as mulheres, a síndrome de Klinifelter


atinge aos homens, na proporção de um a cada quinhentos. Cromossomicamente,
eles apresentam cariótipos da seguinte forma: 44 A + XXY; ou 44 A + XXYY; ou 44
A + XXXY; ou 44 A + XXXYY; ou 44 A + XXXXY. Os efeitos destas síndromes são
o afinamento da voz, estatura elevada e as mamas são hipertrofiadas. Quanto ao
pênis, ele não é muito desenvolvido, o que não impede que o mesmo funcione,

32
podendo ter ereção e ejaculação, apesar de serem estéreis, já que os testículos não
produzem espermatozoides.
Os portadores da síndrome de Klinifelter apresentam leve diminuição da
capacidade mental. Atingidos pela síndrome são os do sexo masculino, cujas bolsas
escrotais são vazias, e o autor refere-se à expressão hipoplasia118, tanto do pênis
quando dos testículos, apesar de não apresentarem a cromatina de Barr. Há também
associação à retardamento mental.
Sgreccia, ao tratar da síndrome de Klinifelter, acresce que a referida síndrome
é decorrente com um defeito genético, pois o homem terá 47 cromossomos, ao invés
de 46, que é o considerado normal. Outra classificação pertinente ao sexo trata-se do
sexo endócrino.

3.4 Sexo Endócrino

O sexo endócrino é decorrente das glândulas reprodutoras, as chamas


gônadas. No homem, ela é representada pelos testículos, e nas mulheres é
representada pelos ovários. Em se tratando estritamente das gônadas, o autor
apresenta uma nova categoria de sexo, a do sexo gonádico, representado pelas
gônadas descritas anteriormente.
Quanto ao sexo endócrino, os testículos produzem um hormônio chamado
andrógeno, ou testosterona, enquanto os ovários produzem os hormônios estrogênio
e progesterona. Estes hormônios são responsáveis pelo desenvolvimento de
caracteres secundários em homens e mulheres, como o crescimento de pêlos nos
homens, e o desenvolvimento dos seios nas mulheres.
Tratando também das gônadas, Sgreccia define o sexo gonádico de forma
semelhante à Maranhão, com fundamento em Ciccarese. O autor aduz que enquanto
os homens possuem os testículos, as mulheres possuem os ovários, os quais
produzem hormônios para o desenvolvimento corporal. Classifica-se ainda o sexo em
sexo morfológico.

3.5 Sexo Morfológico

Sexo morfológico é responsável pela maior distinção entre homens em


mulheres, tanto internamente quanto externamente. As mulheres possuem ovários,

33
trompas, vagina, útero, enquanto os homens possuem pênis, testículos, próstata. E
as diferenças não atingem somente aos órgãos reprodutivos, mas também ao resto
do corpo, como, por exemplo, os homens, morfologicamente, possuem um esqueleto
mais forte, rude, enquanto o esqueleto feminino é mais frágil e gracioso. Há, todavia,
exceções à regra, que é o caso do intersexuais, ou hermafroditas.
Quanto ao sexo morfológico, Sgreccia o define de sexo fenotípico ou genital,
caracterizado pelos órgãos externos e internos. O autor ainda faz referência ao sexo
dos canais genitais (ductal): os homens possuem o canal de Wolf, enquanto as
mulheres possuem o canal de Muller, sendo cada um próprio de cada sexo. Outra
classificação ainda de sexo denomina-se sexo psicológico.

3.6 Sexo Psicológico

Apesar de, via de regra, homens e mulheres possuírem características sexuais


físicas do sexo com o qual nasceram, nem sempre isto corresponde com a sua atitude
como indivíduo. Por exemplo, na atual sociedade, espera-se que os homens sejam
fortes trabalhadores, e com o comportamento rude e bruto, apesar de atualmente isto
não estar sendo validado.
Todavia, ainda é sinal de um homem masculino, assim como as mulheres que
praticam esportes com frequência e não têm preferências por trajes femininas são
vistas com maus-olhos, pois a sociedade não espera isto delas.
Neste viés, o ambiente familiar, a cultura e a educação influem neste
desenvolvimento. Todavia, existem os casos em que a pessoa possui uma profunda
angústia psíquica, por não se sentir confortável com o seu sexo morfológico, ou seja,
não estando de acordo com o sexo psicológico. Este quadro será adiante descrito
quanto tratar-se da transexualidade. E, por fim, a classificação correspondente ao
sexo jurídico.

3.7 Sexo Jurídico

O sexo jurídico nada mais é do que uma decorrência do registro civil, já que o
mesmo é realizado perante testemunhas, normalmente pessoas leigas. Apesar disto,
poderão ocorrer casos em que o registro civil poderá ser alterado, casos como o de
pseudo-hermafroditismo ou até mesmo no caso de uma mudança de sexo.

34
Desta forma, sintetiza-se sexo, gênero e sexualidade, de acordo com alusão
de Musskopf, o qual alega que, estes têm comum entre si, assim como com todas as
outras características que definem a identidade dos seres humanos, é que elas são
significadas apenas em nossos corpos.
Não se referindo ao corpo humano apenas como um conjunto de órgãos e
partes, mas ao ser humano enquanto presença corporal e a sua relação consigo
mesmo, com outras pessoas, com a natureza e com a divindade. Uma forma de como
existimos e damos significado à nossa existência. Neste sentido, o corpo é a
“superfície de inscrição de valores” tanto sociais quanto sexuais. Os papéis de gênero
são construídos sobre os corpos e vivenciados através de uma sexualidade que lhes
corresponde.
Prossegue o autor informando que tradicionalmente a relação entre estes três
elementos constituintes da identidade tem sido considerada em uma sequência lógica
onde a um sexo físico-biológico correspondem um determinado comportamento de
gênero e uma maneira específica de vivência da sexualidade.
Assim, embasados ainda em Musskopf, pode-se distinguir sexo, gênero e
sexualidade reconhecendo o sexo como o dado físico-biológico, marcado pela
presença de aparelho genital que diferencia os seres humanos entre machos e
fêmeas; além do aparelho genital, a partir de pesquisas recentes, é dada atenção
também ao código genético.
Logo, entendo gênero como o dado social, formado por um aparato de regras
e padrões de comportamento que configuram a identidade social das pessoas
“normalmente” a partir do substrato físico-biológico e, a sexualidade, como o dado
sexual, composto pela forma (ou pelas formas) como e com quem é expresso o desejo
erótico e sexual. Esse dado também é chamado por alguns/as de “orientação sexual”.

4 ORIENTAÇÃO SEXUAL COMO TEMA TRANSVERSAL

As questões referentes à sexualidade não se restringem ao âmbito individual.


Pelo contrário, para compreender comportamentos e valores pessoais é necessário
contextualizá-los social e culturalmente. É nas relações sociais que se definem, por
exemplo, os padrões de relação de gênero, o que homens e mulheres podem e devem

35
fazer por serem homens e mulheres, e, principalmente, quais são e quais deverão ser
os direitos de cidadania ligados à sexualidade e à reprodução.
O alto índice de gravidez indesejada na adolescência, abuso sexual e
prostituição infantil, o crescimento da epidemia da Aids, a discriminação das mulheres
no mercado de trabalho, são algumas das questões sociais que demandam
posicionamento em favor de transformações que garantam a todos a dignidade e a
qualidade de vida, que desejamos e que estão previstas pela Constituição brasileira.
Os conceitos relacionados à sexualidade e aquilo que se valoriza são também
produções socioculturais. Como nos demais Temas Transversais, diferentes códigos
de valores se contrapõem e disputam espaço. A exploração comercial, a propaganda
e a mídia em geral têm feito uso abusivo da sexualidade, impondo valores discutíveis
e transformando-a em objeto de consumo.
Assim, como indicam inúmeras experiências pedagógicas, a abordagem da
sexualidade no âmbito da educação precisa ser clara, para que seja tratada de forma
simples e direta; ampla, para não reduzir sua complexidade; flexível, para permitir o
atendimento a conteúdos e situações diversas; e sistemática, para possibilitar
aprendizagem e desenvolvimento crescentes.
Será por meio do diálogo, da reflexão e da possibilidade de reconstruir as
informações, pautando-se sempre pelo respeito a si próprio e ao outro, que o aluno
conseguirá transformar, ou reafirmar, concepções e princípios, construindo de
maneira significativa seu próprio código de valores.
Para isso, optou-se por integrar a Orientação Sexual nos Parâmetros
Curriculares Nacionais, através da transversalidade, o que significa que tanto a
concepção quanto os objetivos e conteúdos propostos por Orientação Sexual
encontram-se contemplados pelas diversas áreas do conhecimento. Dessa forma, o
posicionamento proposto pelo tema Orientação Sexual, assim como acontece com
todos os Temas Transversais, estará impregnando toda a prática educativa. Cada
uma das áreas tratará da temática da sexualidade por meio de sua própria proposta
de trabalho. Ao se apresentarem os conteúdos de Orientação Sexual, serão
explicitadas as articulações mais evidentes de cada bloco de conteúdo com as
diversas áreas. A finalidade do trabalho de Orientação Sexual é contribuir para que
possam desenvolver e exercer sua sexualidade com prazer e responsabilidade.

36
Esse tema vinculasse ao exercício da cidadania na medida em que propõe o
desenvolvimento do respeito a si e ao outro e contribui para garantir direitos básicos
a todos, como a saúde, a informação e o conhecimento, elementos fundamentais para
a formação de cidadãos responsáveis e conscientes de suas capacidades. Sendo
assim a orientação sexual tem como objetivo:
 Respeitar a diversidade de valores, crenças e comportamentos relativos
à sexualidade, reconhecendo e respeitando as diferentes formas de
atração sexual e o seu direito à expressão, garantida a dignidade do ser
humano;
 Compreender a busca de prazer como um direito e uma dimensão da
sexualidade humana;
 Conhecer seu corpo, valorizar e cuidar de sua saúde como condição
necessária para usufruir prazer sexual;
 Identificar e repensar tabus e preconceitos referentes à sexualidade,
evitando comportamentos discriminatórios e intolerantes e analisando
criticamente os estereótipos;
 Reconhecer como construções culturais as características socialmente
atribuídas ao masculino e ao feminino, posicionando-se contra
discriminações a eles associadas;
 Identificar e expressar seus sentimentos e desejos, respeitando os
sentimentos e desejos do outro;
 Reconhecer o consentimento mútuo como necessário para usufruir
prazer numa relação a dois;
 Proteger-se de relacionamentos sexuais coercitivos ou exploradores;
 Agir de modo solidário em relação aos portadores do HIV e de modo
propositivo em ações públicas voltadas para prevenção e tratamento das
doenças sexualmente transmissíveis/Aids;
 Conhecer e adotar práticas de sexo protegido, desde o início do
relacionamento sexual, evitando contrair ou transmitir doenças
sexualmente transmissíveis, inclusive o vírus da Aids;
 Evitar uma gravidez indesejada, procurando orientação e fazendo uso
de métodos contraceptivos;

37
 Consciência crítica e tomar decisões responsáveis a respeito de sua
sexualidade.

4.1 Gênero, identidade sexual e orientação sexual nos pcns (parâmetros


curriculares nacionais) e na base nacional comum curricular (bncc) de 2017

Os currículos, a escola e as disciplinas podem produzir desigualdades de


gênero, sexo e raça, etc., incentivando, por conseguinte, o preconceito, a
discriminação e o sexismo. É indispensável que reconheçamos que a escola não
apenas reproduz ou reflete as concepções de gênero e sexualidade que circulam na
sociedade, mas que ela própria produz (LOURO, 1999, p. 80/81).
Para que se evite tal momento e se privilegie o respeito aos direitos humanos
há necessidade da realização de políticas setoriais, as quais são tidas como um
conjunto de medidas e decisões tomadas por todos aqueles obrigados pelo Direito a
privilegiar o interesse público.
Ressalta-se que, o termo política, no inglês, politics, faz referência às atividades
políticas: o uso de procedimentos diversos que expressam relações de poder (ou seja,
visam a influenciar o comportamento das pessoas) e se destinam a alcançar ou
produzir uma solução pacífica de conflitos relacionados a decisões públicas.

Segundo Maria Paula Dallari Bucci, propõe que as políticas públicas deverão
visar à realização de objetivos definidos, expressando a seleção de
prioridades, a reserva de meios necessários à sua consecução o intervalo de
tempo em que se espera o atingimento dos resultados‖. (BUCCI, 2002, p.29).

Dentro destas perspectivas nasceram os PCNs – Parâmetros Curriculares


Nacionais sendo considerados um marco para a entrada dos estudos de gênero e
sexualidade no espaço escolar, devido à necessidade da inclusão de uma agenda
cultural, sua chegada deu-se através das vozes dos movimentos sociais (feministas,
gays e lésbicas, negros, meio ambiente).
Foi exatamente através dos temas transversais, em especial orientação sexual,
que aponta reconhecer como construções culturais as características atribuídas ao
masculino e ao feminino, posicionando se contra as discriminações a eles associadas
(BRASIL, 1998, p. 311), que foi possível rever tais posicionamentos.

38
Estes trouxeram consigo as preocupações com questões éticas relativas à
igualdade de direitos, à dignidade do ser humano e à solidariedade e as questões de
meio ambiente, saúde, sexualidades foram cristalizadas.
A questão de sexualidade é apresentada no vol. 10, onde é dividida em três
eixos temáticos: corpo: matriz da sexualidade; relações de gênero; e, prevenção às
doenças sexualmente transmissíveis/AIDS.
Em 2016, a Base Nacional Curricular Comum começa a ser definida através de
inúmeras agendas, as quais definiram o que e como os alunos irão aprender a cada
ano, na educação básica.
Sua versão final foi revisada pelo MEC e encaminhada ao CNE, no fim de
novembro de 2017, sem a previsão de debates sobre dois tópicos: objetos de
conhecimento corpo, gênero e sexualidade nas tradições religiosas e definia que,
nesse eixo, as escolas deveriam discutir as distintas concepções de gênero e
sexualidade segundo diferentes tradições religiosas e filosofias de vida.
Em nota, o MEC diz que o documento "preserva e garante como pressupostos
o respeito, a abertura à pluralidade, a valorização da diversidade de indivíduos e
grupos sociais, identidades, contra preconceito de origem, etnia, gênero, convicção
religiosa ou de qualquer natureza e a promoção dos direitos humanos.
Esta versão foi aprovada pelo CNE, após audiências públicas regionais
realizadas em Manaus, Recife, Florianópolis, São Paulo e Brasília, com caráter
exclusivamente consultivo, através da Resolução CNE/CP nº 2, datada de dia 22 de
dezembro de 2017, que institui e orienta a implantação da Base Nacional Comum
Curricular a ser respeitada obrigatoriamente ao longo das etapas e respectivas
modalidades no âmbito da Educação Básica.

5 A SEXUALIDADE SOB DIFERENTES OLHARES

Na era vitoriana a sexualidade era abordada como prática legítima na família


conjugal, mais exatamente no quarto dos pais, com a única função da reprodução.
Não era concebida como tema de discursos e, de acordo com Giddens (1993), a
sexualidade foi censurada e não foi um segredo aberto, representado, analisado ou
avaliado junto à população.

39
De acordo com Foucault, a sexualidade passou a ser enquadrada numa nova
ordem discursiva, a partir da sua institucionalização, por meio dos diferentes
mecanismos sociais. O autor, contribui, retratando bem o comportamento sexual da
época:

Um rápido crepúsculo se teria seguido a luz meridiana, até as noites


monótonas da burguesia vitoriana. A sexualidade é, então, cuidadosamente
encerrada. Muda –se para de casa. A família conjugal a confisca. E absorve
– a, inteiramente, na sociedade da função de reproduzir. Em torno sexo, se
cala. O casal, legitimo e procriador, dita a lei [...]. E se o estéril insiste, e se
mostra demasiadamente, vira anormal: receberá este status e deverá pagar
as sanções. (Louro, G.L. 2004 apud Foucault, M. 1993).

Atualmente, a sexualidade ultrapassou a intimidade do quarto e ganhou as


ruas, os outdoors e as bancas de jornal. Faz parte do cotidiano das pessoas e é
consumida no decorrer das horas, no rádio do carro, na televisão das casas, na
Internet, nos jornais e nas revistas. Tornou-se um grande espetáculo para ser visto e
consumido, tendo a mídia como sua grande difusora.
Esta veicula simultaneamente campanhas educativas e imagens eróticas,
reunindo um conjunto de informações que ambiguamente atende a transformações
socioculturais e aprofunda estereótipos. A mídia veicula, ainda, corpos esculturais,
padrões de relacionamento e de beleza e fórmulas de prazer e de felicidade,
transformando pessoas e sentimentos em mercadorias, em resposta ao mercado
publicitário.
Sendo assim, frente a tanta publicidade, a sexualidade continua representando
um desafio, questionamentos e debates entre autores em termos de forma e
conteúdo, visualizando a promoção da saúde reprodutora dos indivíduos.
No entanto, pode-se afirmar que em nossa sociedade o tema sexualidade
persiste envolto em mistérios e tabus, pois, “Os conceitos atuais sobre sexualidade
ainda guardam consigo a essência de gerações anteriores, carregados de mitos e
crenças”. O que representa um verdadeiro atraso, frente a um tema tão relevante,
carente de clara discussão entre adultos e, principalmente entre os adolescentes.
Teoricamente, a sexualidade assim como se conhece, inicia-se juntamente à
puberdade ou adolescência, o que deve ocorrer por volta dos 12 anos de idade (Art.
2º - Estatuto da Criança e do Adolescente). Entretanto, em prática, sabe-se que não
se configura exatamente desta forma.

40
Para a maioria das pessoas, falar de sexualidade remete imediatamente ao ato
sexual e à reprodução. Mas a sexualidade é muito mais abrangente. Pode ser definida
como uma forma de expressão dos afetos, uma maneira de cada indivíduo se
descobrir e descobrir os outros.
A sexualidade engloba a identidade sexual (masculina e feminina); os afetos e
a autoestima; as alterações físicas e psicológicas ao longo da vida; o conhecimento
anatômico e fisiológico do homem e da mulher; a higiene sexual; a gravidez, a
maternidade e a paternidade; métodos anticoncepcionais; doenças sexualmente
transmissíveis; os transtornos sexuais, entre outros.
Declara Gherpelli que quando se fala de sexualidade, pressupõe-se falar de
intimidade, uma vez que ela está estreitamente ligada às relações afetivas. A
sexualidade é um atributo de qualquer ser humano. Mas para ser compreendida, não
se pode separá-la do indivíduo como um todo.
Ela é parte integrante e intercomunicante de uma pessoa consigo mesma e
para com as outras. Portanto, é muito mais do que simplesmente ter um corpo
desenvolvido ou em desenvolvimento, apto para procriar e apresentar desejos
sexuais.
Trata-se, também, de uma forma peculiar que cada indivíduo desenvolve e
estabelece, para viver suas relações pessoais e interpessoais a partir de seu papel
sexual. Daí pode-se afirmar que a sexualidade é um instrumento relacional importante,
embora não seja o único.
E, ainda afirma a autora que a sexualidade não é um fato isolado, mas é
moldada e expressa concretamente nas relações que o sujeito estabelece, desde a
mais tenra idade, consigo mesmo e com os outros.
Assim, de acordo com o conceito contemporâneo, a sexualidade é uma
experiência individual regida por diferentes desejos e condutas que a tornam um
processo absolutamente pessoal e natural. A forma como cada indivíduo se percebe
como um ser sexual é intrínseca à sua natureza e não pode ser modificada por fatores
externos como a moral, a religião e a imposição de papéis sexuais, sem que isto
resulte em grande sofrimento e angústia.
Para a Organização Mundial de Saúde (OMS), a sexualidade representa “[...]
um aspecto central do bem-estar humano, do começo ao fim da vida, envolvendo
sexo, identidade de gênero, orientação sexual, erotismo, prazer, intimidade e
reprodução.

41
Segundo Vitiello, a sexualidade, entendida a partir de um enfoque amplo e
abrangente, manifesta-se em todas as fases da vida de um ser humano,
tendo na genitalidade (coito) apenas um de seus aspectos, talvez nem
mesmo o mais importante. A sexualidade permeia todas as manifestações
humanas.

Em suma, como se afirmou inicialmente, nos últimos anos tem- se falado muito
no assunto. Criaram-se diversas teorias, realizaram-se vários estudos, e o tema
conquistou um espaço fantástico nos jornais e revistas. No entanto, toda esta
publicidade ocasiona, muitas vezes, uma idealização da vida sexual, dando a falsa
impressão de que existe uma fórmula única de viver plenamente a sexualidade, um
padrão sexual, um modelo estruturado ao qual todos os indivíduos devem se adaptar.
E, desse modo, inverte-se o ritmo natural das coisas.
Porém, conforme Gherpelli, seja qual for a sua visão íntima sobre o assunto, é
interessante que se possa manter uma relação de compreensão e aceitação de sua
própria sexualidade. O esclarecimento de dúvidas e a capacidade de se sentir à
vontade com seus desejos e sensações, colabora imensamente ao amadurecimento
desta, o que gera sensação de conforto e evita conflitos internos provenientes de
dúvidas e medos, gerando uma experiência positiva e saudável.
E, ainda complementa a autora declarando que a sexualidade existe para servir
ao indivíduo e não o contrário, o indivíduo para viver a serviço da sexualidade. Até
parece que ela é o seu objetivo de vida e não uma consequência natural de seu
desenvolvimento como ser humano. Cano, Ferriani e Gomes, afirmam que a
sexualidade é um dos importantes aspectos da adolescência, enfatizando que é nessa
fase da vida do ser humano que a identidade sexual está se formando.

6 CONDIÇÕES SEXUAIS

As pessoas podem adotar certos tipos de comportamento sexual, ou nascerem


com características pré-determinadas, morfologicamente ou psicologicamente. Neste
sentido, surgem as condições sexuais, que são caracterizadas pela forma com a qual
os indivíduos relacionam-se sexualmente ou emocionalmente com outros, ou a forma
com a qual as pessoas veem-se como indivíduo sexuado. Estas condições e
características serão descritas adiante, pois para o entendimento do comportamento
do transexual, é imperativo que as mesmas sejam identificadas.

42
Heterossexualidade:
Koogan e Houaiss sustentam que a heterossexualidade é representada pela
sexualidade do heterossexual, que por sua vez, é a pessoa que demonstra afinidade,
de cunho sexual, por pessoas do sexo oposto ao seu.
Colhe-se que a heterossexualidade, também denominada de
heterossexualismo, faz alusão a atração romântica ou sexual que ocorre entre
indivíduos de sexos opostos, sendo considerada a orientação sexual mais comum
entre os seres humanos. Quanto ao adjetivo heterossexual, o mesmo serve para
retratar relações de cunho pessoal ou sexual entre pessoas de sexo feminino e
masculino. Por muito tempo, foi tida como comportamento sexual “normal”, todavia, a
sociedade em suas mudanças admitiu que este comportamento era tido na realidade
como “comum”, pois existem outras opções sexuais. Por sinal, muitas entidades da
comunidade GLBT (gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros) manifestaram-se,
alegando que, por muito tempo, este comportamento foi o único admitido.
Homossexualidade:
Croce e Croce Jr. argumentam que a homossexualidade trata de uma atração
de pessoas, por outras pessoas do mesmo sexo que o seu. Quando este quadro se
manifestar nos homens, pode ser também classificado de uranismo, pederastia e
sodomia. Já, quando manifestar-se nas mulheres, poderá ser classificado como
safismo, lesbismo, lesbianismo e tribadismo. Del-Campo, ao tratar da
homossexualidade fala de sua origem, ponderando que alguns autores indicam ser
ela decorrente da educação, outros de forma psicogênica. Entretanto, o autor não
define um conceito para esta categoria.
Já Hercules exprime que homossexual é a pessoa que possui atração sexual,
de forma exclusiva, ou predominante, por pessoas do mesmo sexo que o seu, mesmo
que não haja relacionamento físico. O autor ainda faz menção de uma categoria para
a homossexualidade feminino, definindo-a de lesbianismo. Para Hercules, o
lesbianismo ocorre quando uma mulher sente atração por outra.
De acordo com o autor, o nome lesbianismo é decorrente da ilha de Lesbos,
localizada no mar Egeu, na qual este tipo de prática sexual era comumente difundido.
Há ainda uma outra forma de classificar o lesbianismo, que é safismo, em homenagem
a poetisa Safo, que viveu na referida ilha durante o século VI a.C.

43
Vale ressaltar que a homossexualidade pode ser, em alguns casos, uma forma
inicial da transexualidade. Isto ocorre porque a mente humana é de extremamente
complexa. Atualmente, tem-se o caso de Chastity Bono. Esta moça é filha da cantora
americana Cher, e há alguns anos assumiu-se publicamente como lésbica.
Todavia, neste ano de 2009 iniciou tratamento para submeter-se à cirurgia de
mudança de sexo, no momento identificando-se como Chaz Bono. Constata-se que
as pessoas muitas vezes não possuem total compreensão sobre sua opção sexual,
tampouco sobre sua opção como ser humano e graças ao desenvolvimento médico,
as possibilidades são infinitas atualmente.
Intersexualidade:
As pessoas com este quadro possuem anomalias genitais e extragenitais,
dificultando a possibilidade de identificar a qual sexo pertencem.
O doutrinador apresenta duas classificações para a intersexualidade:
hermafroditismo verdadeiro e pseudo-hermafroditismo. Quando a pessoa possui
gônadas do sexo masculino e feminino (testículos e ovários), é chamado de
hermafroditismo verdadeiro ou bigonodal, entretanto, quando a pessoa somente
apresenta caracteres externos de dois sexos, denomina-se pseudo-hermafroditismo,
ou monogonodal.
Já Del-Campo aduz de forma mais objetiva, que o intersexual, em decorrência
de alterações de origem genética ou hormonal, não tem sexo definido, apresentando
genitália interna e externa indefinidas, sendo frequentemente estéreis.
Travesti:
Del-Campo argumenta que os travestis são pessoas que sentem prazer em
utilizar as roupas do sexo oposto, como um homem vestindo-se de mulher.
Apesar disto, o travesti não possui interesse em submeter-se à cirurgia de
mudança de sexo, pois está consciente de seu sexo fenotípico.
Hercules pontua que o travesti é um tipo de compulsão, em que a pessoa se
veste com roupas do sexo oposto ao seu, como se fosse uma fantasia. Além de
roupas, utilizam maquiagem, e mudam a linguagem corporal.
O autor indica que este comportamento pode ser classificado também de
fetichismo travéstico, disfarcismo, inversão sexo estética e eonismo. A nomenclatura
eonismo é derivada etimologicamente de Chevalier D’Éon Beaumont, que no século
XVIII fazia parte da nobreza da França, que travestia-se, inclusive em missões
diplomáticas.

44
As mulheres também são representadas por Aurora Dupin, também francesa,
escritora de profissão, que se vestia como homem, e portava-se também como um,
fumando charutos e até mesmo criando um pseudônimo para este seu lado masculino.
Por fim, Hercules refere-se ao carnaval brasileiro, em que esta prática é disseminada,
todavia, nesta ocasião, sem preconceito, já que faz parte da festa. Croce e Croce Jr.
alegam que o travesti também pode ser chamado de eonismo, assim como Hercules.
Os doutrinadores sustentam que os travestis sentem atração pelo sexo oposto ao seu,
sendo assim, em sua maioria, heterossexuais. França possui o mesmo entendimento
que Croce e Corce Jr, e advoga que os travestis são em sua maioria heterossexuais,
e em muitos casos, apenas usam as indumentárias do sexo oposto na privacidade de
seu lar, para satisfazerem-se.
Transexualidade:
A transexualidade, por seu turno, ocorre quando a pessoa rejeita sua própria
identidade sexual e se identifica psicologicamente com o gênero oposto, havendo uma
confusão entre a identidade sexual física (o que a pessoa é) com a identidade sexual
psíquica (o que ela pensa ser), ocasionando, através de uma neurose racional
obsessivo-compulsiva, o desejo de reversão sexual integral.
Os transexuais, diferente dos intersexuais, apresentam correlação entre os
órgãos genitais externos com os internos. Vários estudiosos explicam as causas da
transexualidade, dentre os quais podemos citar Klotz e Dorina R. G. Epps Quaglia.
Para Klotz o transexual sofre uma impregnação hormonal no hipotálamo, pelo
hormônio contrário, nos últimos dias de vida fetal ou nas primeiras semanas de vida.
Para Dorina R. G. Epps Quaglia a transexualidade pode aparecer a partir da alteração
no número ou na estrutura dos cromossomos sexuais, testículo fetal pouco
funcionante, estresse inusitado na gestante, ingestão de substâncias
antiandrogênicas pela gestante na fase crítica de estampagem cerebral,
insensibilidade dos tecidos aos hormônios masculinos e fatores ambientais adversos,
como a identificação da menina com a figura materna.
O autor ainda traz uma valiosa informação, que tenta explicar a origem da
transexualidade na pessoa:

Segundo França, cinco teorias tentam explicar sua etiologia: 1. Teoria


genética – atualmente a mais aceita, que atribui existir um gene específico no
cromossoma sexual capaz de se transmitir; 2. Teoria fenotípica – que atribui
a influência da própria conformação física do indivíduo androginóide, levando
a mulher para a transexualidade masculino, e a conformação anatômica

45
androide, levando o homem para a transexualidade feminino; 3. Teoria
psicogênica – que admite a influência da orientação e do comportamento dos
pais como capazes de marca tendências nitidamente masculina ou feminina;
4. Teoria neuroendôcrina – que afirma existirem alterações nas estruturas dos
centros de identidade sexual, em face do hipotálamo não receber a
quantidade necessária de hormônios; - 5. Teoria eclética – que aceita os mais
diversos fatores andróginos e exógenos como causadores dessa alteração.
(FRANÇA, G. V. de. Medicina Legal, p. 217.)

Por fim, divide os transexuais em três categorias: Transexual pseudo-


travestido; transexual travestido-fetichista e transexual travestido- verdadeiro. O
transexual travestido-verdadeiro é o transexual que, de acordo com o autor, realmente
identifica-se com o sexo oposto, vestindo-se de acordo com este, buscando de
qualquer forma a modificação de sua genitália.
O transexual travestido- fetichista veste-se constantemente com indumentárias
do sexo oposto, mas não possui grandes conflitos com sua identidade sexual. Por fim,
o transexual pseudo- travestido veste-se com roupas do sexo oposto apenas
ocasionalmente, com pequeno grau de conflito sexual.
Constatado que o transexual verdadeiro, de fato, busca de todos os meios a
mudança de sexo mediante a cirurgia, parte-se agora para um estudo sobre as
condições e procedimentos a serem adotados para a realização da mesma.

6.1 A cirurgia de mudança de sexo

O artigo 4° da Resolução dispõe que para o transexual ser submetido a cirurgia


primeiramente deverá ser acompanhado, no período mínimo de dois anos, por uma
equipe multidisciplinar formada por médico psiquiatra, cirurgião, endocrinologista,
psicólogo e assistente social, sendo necessário que o paciente conte com mais de 21
anos de idade e não possua características físicas inapropriadas para a cirurgia.
Assim a cirurgia que converterá a genitália masculina em feminina
consistirá:
 Extirpação dos testículos ou seu ocultamento no abdômen, sendo
aproveitada uma parte da pele do escroto para a formação dos grandes
lábios
 Amputação do pênis, sendo mantida parte mucosas da glande e do
prepúcio para a formação do clitóris e dos pequenos lábios com
sensibilidade erógena

46
 Formação de vagina;
 Desenvolvimento das mamas, com o uso de próteses de silicone e/ou
administração de hormônios femininos
Já a cirurgia para que converterá a genitália feminina em masculina
consistirá:
 Ablação dos lábios da vulva sem eliminação do clitóris; ablação dos
lábios da vulva sem eliminação do clitóris;
 Fechamento da vagina;
 Ablação do útero;
 Ablação do ovário a fim de cessar com a menstruação, podendo ser
utilizado primeiramente o tratamento com hormônios masculinos;
 Elaboração do escroto, com o uso dos grandes lábios e bolinhas de
silicone para simular os testículos;
 Faloneoplastia, ou seja, construção de um pênis, usando retalho
abdominal para seu revestimento e prótese de silicone, existindo a
transferência de alguns nervos o que garantirá uma espécie de semi-
ereção.
Dessa forma, analisando os procedimentos que são realizados nas cirurgias de
mudança de sexo constatamos que existe ablação de órgãos sadios e ainda há a
deformidade permanente e a perda da função genética e sexual de forma permanente,
porém o Conselho Federal de Medicina entende que, obedecidos os critérios já
citados e entre outros motivos, considerando que trata-se de patologia, a cirurgia não
consiste em prática delituosa estando, assim, por ter fins terapêuticos, autorizada.
Como em toda profissão, existem procedimentos e códigos éticos a serem
seguidos, seja na Medicina, na Advocacia, ou em qualquer outra área de atuação.
Neste sentido, existem relatos de médicos que realizam os procedimentos descritos
acima, mas que não respeitam as condições descritas pela resolução do CFM.
Por exemplo, não são especializados em cirurgias de mudança de sexo, ou,
muitas vezes, nem são médicos, e atuam pautados em princípios morais, no sentido
de que precisam ajudar o transexual, todavia, sem possuir qualificação profissional
para atuar em uma situação tão delicada.

47
Ao submeter-se a um procedimento cirúrgico, de mudança de sexo, os
princípios da autonomia, justiça, beneficência e não-maleficência estão presentes: Há
autonomia, pois o paciente é quem decide a qual tratamento irá submeter-se; há
justiça, pois os recursos médicos estão sendo aplicados de forma justa; há
beneficência, pois o transexual ficará extremamente contente com a cirurgia, a qual
lhe trará benefícios; e por fim, não há mal o procedimento, pois o paciente está ciente
das limitações que encontrará ao submeter-se ao procedimento.

Segundo SUS, em 18 de agosto de 2008, o Ministro da Saúde José Gomes


Temporão, através da Portaria n° 1.707, de 18 de agosto de 2008, determinou
que a cirurgia de transgenitalização fará parte dos procedimentos médicos
que devem estar disponíveis nos hospitais brasileiros atendidos pelo Sistema
Único de Saúde (SUS).

6.2 Consequência morfológica resultante do procedimento cirúrgico

Tendo em vista que a cirurgia causa a remoção do órgão sexual da pessoa, ou


como referem-se os autores, emascula a pessoa, é preciso identificar quais os tipos
de impotência que existem.
Diniz pontua que existem três tipos de impotência, a couendi, generandi e
concipiendi. A impotência couendi acarreta a impossibilidade de realizar o ato sexual.
Já a generandi, deixa a pessoa incapaz para fecundar, para ter filhos, enquanto a
concipiendi, gera a incapacidade de conceber os filhos.
Gonçalves exprime de forma similar os tipos de impotência. O autor define a
couendi como um tipo de impotência “instrumental”, ou seja, aquela que impede que
a pessoa possa relacionar-se sexualmente. Neste sentido, o autor ainda pontua que
a impotência generandi é relacionada ao homem estéril, que não consegue gerar
filhos, enquanto a concipiendi é relacionada à mulher, que não pode conceber filhos.
Constatando entendimento comum entre os autores, verifica-se que, a
princípio, o único tipo de impotência que a cirurgia realmente gera é a couendi,
entretanto, couendi no sexo anterior, pois, após a cirurgia e o tempo de recuperação
necessário, nada impede que esta pessoa possa relacionar-se sexualmente com
outra. No que tange às impotências generandi e concipiendi, estas não são geradas
muito menos, pois, atualmente, graças ao desenvolvimento médico no campo da
fertilização humana, verifica-se que é possível congelar óvulos e espermatozóides,
para posteriormente ter filhos.

48
O método, obviamente, não será o convencional, de filhos gerados mediante o
ato sexual, todavia, serão filhos da mesma forma. Por exemplo: Um homem
transexual, o qual antes da cirurgia colhe espermatozoides e os congela para uso
posterior, pode ter um filho (a) biológico, usando seu espermatozoide para fecundação
em um óvulo de uma pessoa do sexo feminino, ou ainda, pode utilizar uma barriga de
aluguel. Para a mulher transexual, o procedimento é similar, já que a mesma pode
congelar seus óvulos, posteriormente fecundá-los com espermatozoides, hoje,
conseguidos com facilidades nos conhecidos bancos de esperma, e através de uma
barriga de aluguel, ter um filho (a). Verifica-se que a medicina é um campo fértil e
favorável aos transexuais.
Referência ao art. 129 do Código Penal (CP):
 Art. 129 - Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: Pena -
detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.
 § 1º - Se resulta:
 Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de 30 (trinta) dias;
 Perigo de vida;
 Debilidade permanente; IV - aceleração de parto:
 Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos.
 § 2º - Se resulta:
 Incapacidade permanente para o trabalho; II - enfermidade incurável;
 Perda ou inutilização de membro, sentido ou função; IV - deformidade
permanente;
 Aborto.
 Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos
Frente ao contexto, Teles exprime que, quando a cirurgia plástica, que extirpa
o órgão sexual da pessoa e constrói outro em seu lugar, apesar de ser fato típico, é
lícito, já que o “ofendido” consente tal procedimento, o que caracteriza assim, uma
excludente de ilicitude, pois, como o próprio autor destaca, “a integridade do corpo é
um bem disponível”.
Já Capez, ao discorrer sobre o assunto, faz referência ao parágrafo segundo,
inciso IV do referido art. 129 do CP., entretanto, o mesmo autor afirma que, quando a
cirurgia trouxer benefícios, entre eles, a correção do desajuste psicológico, o
procedimento tem finalidade curativa.

49
Neste viés, o dolo é de beneficiar, aliviar o paciente, e não lesioná-lo,
constituindo fato atípico. Quanto ao exposto, a Resolução nº 1.652/02 faz menção ao
art. 129 do Código Penal da seguinte forma: CONSIDERANDO que a cirurgia de
transformação plástico- reconstrutiva da genitália externa, interna e caracteres sexuais
secundários não constitui crime de mutilação previsto no artigo 129, do Código Penal, visto
que tem o propósito terapêutico específico de adequar a genitália ao sexo psíquico
[...]. Por fim, Mirabete concorda com Capez e Teles, fazendo referência ao caso de
um famoso cirurgião plástico, que havia sido denunciado pelo Ministério Público, e
condenado, por ter realizado tal procedimento.
Todavia, o Tribunal de Justiça de São Paulo reformou a sentença
condenatória, alegando que o médico, que procura curar o transexual com a ablação
de seus órgãos, não age dolosamente.
O famoso cirurgião plástico referido no parágrafo anterior é o Dr. Roberto
Farina. Silveira, em seu livro faz referência a um acórdão, em que há um trecho que
narra os fatos que ocorreram com este médico, que o levaram a ser denunciado. De
acordo com o referido autor, Farino estava no XV Congresso de Urologia Brasileiro, o
qual ocorreu em novembro de 1975.
No referido congresso, o Dr. Farina expôs uma tese, e para exemplificá-la,
exibiu o filme de uma cirurgia de mudança de sexo, que havia realizado no ano de
1971, ainda destacando que já havia realizado o procedimento em outros nove
pacientes. O público ficou impressionado com o fato, todavia, a reação mais
inesperada foi a do Ministério Público, que o denunciou por lesão corporal,
fundamentada no art. 129, § 2º, inc, III do CP, ou seja, lesão corporal grave, que gera
a inutilização de um membro.
Apesar de ter agido no sentido de beneficiar os seus pacientes, o médico foi
condenado na data de 06/07/78, à pena de dois anos de reclusão. Apesar disto, a
sentença, como explanado por Mirabete, foi reformada, absolvendo o médico.
Portanto, verifica-se que o cirurgião que realiza cirurgia de mudança de sexo não
sofrerá nenhum tipo de sanção penal, desde que, siga à risca a Resolução do CFM
nº 1.652/02184, e respeite todas as condições para realizar os procedimentos.

50
7 INTERSEXUALIDADE

A intersexualidade é um fenômeno presente em diversas civilizações ao longo


da história, no entanto seu significado modificou-se de acordo os saberes, crenças e
discursos dominantes em contextos socioculturais específicos.
Os conceitos de hermafroditismo e intersexualidade encontram-se
entrelaçados historicamente, funcionando em algumas civilizações como conceitos
similares, ou o hermafroditismo sendo percebido como uma subcategoria da
intersexualidade. A palavra hermafrodita, segundo Fausto-Sterling (2000) surgiu na
Grécia, relacionada a um mito que descreve a vida de hermafroditos. Hermes (o filho
de Zeus) e Afrodite (deusa da beleza e do amor sexual) tiveram um filho muito belo e
uma ninfa apaixonou-se por ele, mas não sendo correspondida pediu aos deuses para
que eles se tornassem um só, e assim foi feito, tornaram-se um só corpo.
Na segunda metade do século XIX emerge a noção de intersexualidade como
sinônimo de hermafrodita, embasada ainda na orientação sexual. Foucault (2001)
destaca que o hermafrodita era considerado como um tipo de monstro, visto como
imperfeição da natureza ou moralmente deturpado.
Na sociedade ocidental, a partir do século XX, a intersexualidade sai do campo
moral para inserir-se nas más-formações, os intersexuais passam a ser percebidos
como seres portadores de anomalias do desenvolvimento sexual (ADS). Nesta
perspectiva a intersexualidade, segundo Sutter (1993), se fundamenta na existência
de desequilíbrio entre os fatores responsáveis pela determinação do sexo, o indivíduo
possui caracteres tanto masculinos quanto femininos, ou seja, quando há conflito
entre os caracteres do sexo confirma-se o quadro de intersexo.
As instituições família e saúde parecem sustentar a visão do intersexo como
doença e não como identidade, havendo algumas, mas ainda incipientes conquistas
relativas ao direito à saúde da criança intersexual. Este é o caso da ISNA que
considera que a questão principal em relação à intersexualidade é a discriminação e
estigma social.
A vertente propagada pelos membros da ISNA e por alguns cientistas sociais
sugere que a intersexualidade é uma condição diferente e especial, mas não uma
doença que precisa ser controlada e combatida, devendo ser compreendido em sua
complexidade cultural.

51
Assim, diante das diferentes perspectivas sobre este fenômeno, percebe-se
que a construção da identidade intersexual é influenciada pelos sistemas de crenças
disseminados pela família, cultura médica e sociedade como todo. Esses atores
negociam saberes e questionamentos sobre o fenômeno da intersexualidade. Este
diálogo tanto constrói como reproduz significados sobre gênero, corpo e identidade.
A elaboração de saberes sobre a identidade do intersexual ultrapassa o campo
das especialidades médicas e envolve conceitos e teorias pertinentes ao campo das
ciências humanas e sociais. As publicações do campo científico tanto retratam os
saberes e poderes hegemônicos como constroem condutas e formas de pensar um
fenômeno. A elaboração de conhecimentos científicos possui no cerne da sua
existência o compromisso com a humanidade.
Seja na perspectiva da intersexualidade como doença ou na perspectiva que
como intersexualidade diferença, torna-se fundamental conhecer a dinâmica da
construção da identidade nos intersexuais, além de tornar público este valioso
conhecimento através das publicações. Estas últimas podem fornecer um respaldo
teórico que orientará práticas de saúde que priorizem o sujeito como um todo.

7.1 Transexualidade e intersexo – uma realidade da antiguidade à atualidade

Os mais antigos relatos que existem sobre formas de transgenderismo


reportam à Assíria (séc. VII A.C), cujo rei Sardanápalo vestia roupas de mulher, e ao
Império Romano (séc. III), cujo imperador Elagábalo foi travesti. No século XVII, a
Suécia viu a sua rainha, Cristina Augusta, renunciar ao trono.
Esta era considerada bissexual, tinha maneirismos ditos masculinos e voz
grossa, vestia roupas de homem e chegou mesmo a auto renomear-se de Conde
Dohna. O Visconde Cornbury (séc. XVII-XVIII), governador das colónias de New
Jersey e Delaware, vestia frequentemente em público roupas de mulher.
Em França (séc. XVIII) o espião do rei Luís XV, Geneviève d'Eon, viveu metade
da sua vida como homem e a outra metade como mulher. Recentemente, uma equipa
de arqueologia descobriu, na República Checa, um esqueleto masculino, datado entre
2900-2500 A.C (Idade da Pedra), enterrado de acordo com os rituais aplicados às
mulheres (deitadas sobre o lado esquerdo e cercadas de utensílios domésticos).

52
Acredita-se que o esqueleto em questão seja de um transgender. Na mitologia
grega, Tirésias é a figura por excelência do ser transexual, tendo vivido tanto enquanto
homem como enquanto mulher, em momentos distintos da vida. O adivinho desfrutou
o lisonjeio de experimentar o prazer de ambos os sexos, em momentos distintos, em
seu corpo. Ainda na mitologia grega, a figura por excelência hermafrodita é
Hermafrodito, filho do deus Hermes e da deusa Afrodite, que ter-se-á unido ao corpo
da ninfa Salmancis e assim permanecido eternamente uma entidade com dois sexos
- Hermafrodite.
O século XIX foi áureo em casos de hermafroditismo. Um dos mais famosos foi
o de Herculine Barbin (França, 1838-1868), hermafrodita registrado e criado como
rapariga (Adelaide Herculine Barbin), mas que fora, em idade adulta, coagido a mudar
de identidade, depois de ter sido considerado um homem pelos médicos, que
constataram a existência de um pénis (apesar de possuir também vagina). Pouco
depois de ter assumido a nova identidade, Herculine acabou por se suicidar.
Existem ainda casos famosos como: Gottlieb Göttlich, hermafrodita criado
como rapariga mais tarde declarado homem pela constatação de que o que se
pensava ser uma hérnia dupla serem afinal testículos descendentes. Göttlich ganhou
dinheiro a viajar por vários países a exibir-se em escolas de médicos; Marie-Madeleine
Lefort, pseudo-hermafrodita feminina.
Os seus genitais consistiam num clitóris hipertrofiado, lábios vaginais fundidos
e órgãos sexuais internos que se descobriram como sendo femininos quando
realizada a autópsia; Maria Arsano (Itália) viveu a vida inteira (80 anos) como mulher,
não obstante, durante a autópsia foi sabido que tinha testículos internos.
Sempre existiram pessoas transexuais, assim como homossexuais e
intersexuais; contudo, a sociedade insiste em classificá-las como anómalas e doentes.
Segundo Foucault (1994), foi a partir do século XVIII que se começou a racionalizar o
sexo, a classificá-lo e regulá-lo.
Prosperou o interesse pela sexualidade das crianças, das pessoas “loucas”,
das criminosas e homossexuais – sexualidades “desviantes”. Durante os séculos XIX
e XX multiplicaram-se os discursos e com eles as perversões. Foram estipuladas
normas de desenvolvimento sexual de acordo com as idades; as perversões eram
condenadas nos tribunais; era considerado/a doente mental quem praticasse as
irregularidades sexuais, sendo as mesmas controladas pedagogicamente ou através
de tratamentos médicos.

53
Segundo Dreger, as instituições de saber e poder controlavam a sexualidade,
tornando-se os discursos sobre o sexo locais de poder que se viam
perturbados pelos sexos ambíguos. Devido à racionalização do sexo e
consigo o aumento do acesso aos cuidados médicos, inclusive ginecológicos,
deu-se uma multiplicação dos discursos, sobretudo publicações médicas,
experimentando o século XIX um aparente súbito aumento de casos de sexo
atípico. Contribuiu também a proliferação de feministas e homossexuais
assumidos/as, considerados/as “hermafroditas comportamentais”, que
desafiavam os limites da sexualidade (Dreger, 2003: 26).

As consequências de tal diversidade resumiram-se numa delimitação


demasiado rigorosa de masculinidade e feminilidade por parte da comunidade médica
e científica, qualificando o que se desencaixasse nos padrões de raro, imoral e não-
natural. No mundo contemporâneo ocidental, tais classificações ainda vigoram: em
1977 a Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial de Saúde
(OMS) constava na sua lista de doenças mentais (CID-9) a homossexualidade.
O código da CID vigente (CID10) não apresenta a homossexualidade como
patologia23 mas anuncia, como já referi, critérios de diagnóstico para o “transtorno de
identidade sexual” (gender identity disorder), patologizando pessoas que se
identificam e desejam vestir, atuar, ou ser, conforme o determinado para o sexo
oposto, seja temporária (“travesti bivalente”), seja permanentemente
(“transexualidade”).
Tais desejos, contrários aos pressupostos para o seu sexo, mais não são do
que a masculinidade em mulheres e a feminilidade em homens tornada patologia.
Também a intersexualidade está patente no CID-10 nas suas mais variadas formas,
no capítulo IV - Endocrine, nutritional and metabolic diseases (Doenças endócrinas,
nutricionais e metabólicas), e no capítulo XVII - Congenital malformations,
deformations and chromosomal abnormalities (Malformações congênitas,
deformações e anormalidades cromossômicas.
Hoje em dia, o verdadeiro hermafroditismo é considerado um fenómeno raro. É
difícil saber a frequência de nascimentos sexualmente ambíguos, pois na literatura
médica encontram-se divergências significativas, seja porque existem discórdias
sobre o que deve ser considerado intersexo, seja pelo fator contextualização, pois os
números são sempre relativos às variáveis lugar e tempo. A título de exemplo, a taxa
de hiperplasia adrenal congénita na Nova Zelândia é de 43 num milhão, enquanto
entre os esquimós Yupik do sudeste do Alasca é de 3,500 num milhão (Fausto-
Sterling, 2000:20).

54
Uma das causas da chamada deficiência da enzima 5alfa-redutase (5-AR) é
genética, por conseguinte, em locais isolados onde ocorrem casamentos
consanguíneos há pouca variedade genética, logo uma preponderância genética a
essa variação enzimática. O fator cultural também é relevante pois existem culturas
em que o sexo raramente é examinado, o que impossibilita o conhecimento e registo
das incidências, ou ainda, culturas que por exemplo, consideram o macro clitóris um
fenômeno anormal, portanto intersexo, e outras que o consideram normal, sendo
descurado nas estatísticas. O fator temporal também é relevante.
Note-se o tratamento hormonal dado a muitas mulheres nos E.U. em 1960 para
prevenir o aborto espontâneo: como consequência verificou-se um surto de
nascimentos de crianças com hiperplasia adrenal congénita.
Alice Dreger (2003: 42), “Não é possível fornecer com alguma certeza uma
estatística da frequência de nascimentos em que o sexo da criança é questionado”,
“Tal estatística é sempre necessariamente específica da cultura”. Existem sempre
mais casos na totalidade do que casos conhecidos. Dreger (Ibid.) sugere entre um a
três para cada duzentos nascimentos, nos Estados Unidos.
De acordo com uma pesquisa realizada por Anne Fausto-Sterling em conjunto
com um grupo da Universidade de Brown, estima-se que em cada mil nascimentos,
dezassete dessas crianças sejam intersexuais de alguma forma (Fausto-Sterling,
2000: 20).
Na maioria das sociedades existe a idealização de que os seres humanos se
dividem de forma paradigmática em homens que possuem cromossomas XY, pénis,
testículos, características sexuais secundárias como barba e massa muscular, e
mulheres, que por seu turno possuem cromossomas XX, vagina, clitóris, ovários,
sistema que permita o desenvolvimento fetal, características sexuais secundárias
como desenvolvimento de quadris e mamas, e escassa pilosidade facial. Indivíduos
que não reúnam harmonicamente estas características são lançadas para a
anormalidade patológica.
A intersexualidade e a incapacidade de lidar com ela são a melhor evidência
de que o sistema sexual é insuficiente para abarcar o variadíssimo espectro da
sexualidade. Comprova o que afirmou Anne Fausto-Sterling no famoso artigo “The
five sexes” (“Os cinco sexos",), publicado em 1993 pela revista The Sciences: “there
are many gradations running from female to male” (As Ciências: “existem muitas
graduações que vão de feminino para masculino”).

55
Este artigo foi mais tarde (2000) considerado pela própria autora, como um
estímulo, metaforicamente falando, à saída do armário das pessoas intersexuais,
fazendo parte desse grupo individualidades que organizaram movimentos de ativismo
político, como é o caso de Charlie Chase, fundadora da Intersex Society of North
America (ISNA) (Sociedade Intersexo da América do Norte (ISNA).
A questão do corpo intersexual é também a questão dos corpos separatistas, o
“feminino” e o “masculino”. A existência do intersexo desestabiliza os modelos binários
mulher / homem, feminino / masculino, homossexual / heterossexual.

7.2 As Teorias da Intersexualidade

Existem, atualmente, duas abordagens predominantes destinadas ao manejo


clínico da intersexualidade. A Teoria da Neutralidade Psicossexual ao Nascimento,
proposta inicialmente por John Money, J.G. Hampson e J.L.Hampson, acha-se
fundamentada em dois postulados: os indivíduos são psicossexualmente neutros ao
nascimento e um desenvolvimento psicológico e sexual saudável depende da
aparência da genitália, ou seja, para tais pesquisadores, a definição de gênero resulta
essencialmente das influências do ambiente social, sendo de menor importância a
contribuição dos fatores biológicos e pré-natais (Money, Hampson & Hampson, 1955).
Vale assinalar que a interação entre as influências ambiental e biológica foi
reconhecida, mas não integrada teoricamente por Money, em 1975.
Os trabalhos dos adeptos dessa corrente consideram, portanto, que a
educação de uma criança com condição física de intersexo, criada sem ambiguidade
em relação ao sexo designado, é mais relevante para o desenvolvimento da
identidade de gênero que seu sexo cromossômico.
Dessa forma, se a criação for consistente com o sexo designado, nenhuma
confusão de identidade/ papel de gênero seria encontrada (Rosenwald, conforme
citado em Hurtig, Radhakrishnan, Reyes & Rosenthal, 1983, Zucker, Bradley &
Hughes, 1987, Slijper, Drop, Molenaar & de Muinck KeizerSchrama, 1998).

Tal abordagem sugere que a designação sexual seja efetuada o mais rápido
possível, preferencialmente antes dos 24 meses de idade, período no qual a
identidade de gênero ainda seria inconstante e passível de alteração. Após
esse período de consolidação, qualquer modificação poderia acarretar o
surgimento de Desordem de Identidade de Gênero e outros distúrbios
psicopatológicos (Slijper, 1998, apud Braz, Donda, Sobreiro, Monteiro,
Marques & Mustachi, 1991).

56
Em relação ao diagnóstico de desordem de identidade de gênero, é importante
salientar que foram introduzidos novos critérios diagnósticos no DSM-IV. Assim,
quando se refere à criança, o critério A especifica, como comportamentos de
identificação de gênero cruzado: o desejo de ser de outro sexo, vontade de se vestir
de acordo com o outro sexo, assumir papéis estereotipados como do outro sexo,
brincar com brinquedos contra estereotipados e preferência por se envolver em
atividades com pares do outro sexo.
Em adultos, são considerados os sentimentos e crenças relatados pelo
indivíduo. O critério B refere-se aos sentimentos de desconforto com relação ao seu
próprio sexo, incluindo fatores anatômicos ou aversão por atividades ligadas ao
mesmo sexo e/ou vestir-se de acordo com o estereótipo correspondente ao seu sexo
(Bradley & Zucker, 1997).
Desse modo, o enfoque dado pela Teoria da Neutralidade Psicossexual ao
Nascimento busca evitar as dificuldades dos pais em lidar com as incertezas da
ambiguidade sexual de uma criança (Meyers-Seifer & Charest, 1982). Além disso, a
precoce cirurgia corretiva da genitália seria justificada, também, pela suposição de
que a percepção da criança em relação ao próprio corpo é outro fator decisivo para a
consolidação da identidade de gênero.
Todavia, para alguns autores, a complexidade dessa problemática exige mais
do que a designação sexual ao nascimento, uma vez que a anormalidade da genitália
é claramente evidente para os indivíduos e seu meio social. As próprias experiências
vivenciadas com as constantes consultas médicas, procedimentos cirúrgicos e
aparência física contribuem para a auto percepção de uma diferença (Zucker, Bradley
& Hughes, 1987, Hurtig, 1992).
Uma análise criteriosa denota que tal proposta de caráter intervencionista vem
sendo adotada em Medicina a partir de um referencial que se pretende calcar em
contribuições da Psicologia, mas cujo substrato revela-se pouco aprofundado.
Justificada pelo interesse preventivo, a cirurgia realizada nos primeiros anos de vida
parece responder aos impasses da conduta médica.
Em outras palavras, quando se enfatiza a urgência operatória, transmite-se a
ideia de que existem riscos para a saúde da criança, podendo ser este um fator que
confunde a família, pois, na realidade, é raro existir tal condição. Na maior parte dos
casos, a decisão pode ser adiada do ponto de vista médico.

57
É possível notar, então, que a ampla utilização dessa abordagem se deve, em
parte, à forma decisiva e inquestionável na qual a designação sexual é feita, o que dá
a impressão de que o sexo natural e verdadeiro do bebê foi finalmente descoberto e
o problema está sendo enfrentado (mas, quase sempre, serão necessárias várias
etapas cirúrgicas ao longo dos anos).
A intervenção profissional em tal contexto de espera, dúvida e ansiedade provê
alívio aos pais quanto ao sexo no qual criar a criança, endossando a proposta adotada
pelo profissional médico, além de gratificar a equipe de saúde por ter condições de
oferecer algum conforto para a família.
Mas isso não significa que os desafios tenham sido efetivamente assumidos.
Nos últimos trinta anos, a perspectiva defendida por Money vem sendo criticada em
razão de constatações decorrentes de experiências profissionais e de relatos de
indivíduos intersexuados de diferentes culturas.
Assim, Milton Diamond propõe a Teoria da Tendência Interacionista após o
Nascimento, a partir da qual existiria uma predisposição ou tendência inata que
favorece o desenvolvimento da sexualidade do indivíduo em sua interação com o
mundo, ou seja, tal enfoque enfatiza a interação entre forças inatas e ambientais na
formação da identidade.
Supõe-se que os indivíduos não são psicossexualmente neutros ao
nascimento, mas, sim, predispostos a interagir com forças ambientais, familiares e
sociais de um modo masculino ou feminino.

Segundo Diamond e Sigmundson, seus adeptos criticam a ênfase nos


primeiros dois anos de vida e se preocupam com as repercussões clínicas da
adoção irrefletida de condutas baseadas na proposta de Money (Diamond,
1965/1996-a, b, Diamond & Sigmundson, 1997-a).

A proposta de Diamond chama a atenção para aspectos importantes do


acompanhamento clínico, como a comunicação da condição intersexual aos pais e à
criança. Destaca-se a necessidade de adequar a informação ao momento do
desenvolvimento da criança, visando à sua participação na tomada de decisão quanto
ao tratamento, o que em geral exige o adiamento da cirurgia estética até que o sujeito
possa adquirir uma compreensão sobre a sua condição (Diamond, 1996 a-b, Reiner,
1997, Diamond & Sigmundson, 1997-b).
Segundo seus adeptos, as decisões sobre a redesignação sexual não devem
estar apoiadas predominantemente no prognóstico anatômico ou em um adequado

58
funcionamento sexual (do ponto de vista anatômico/funcional), mas, sim, no
desenvolvimento psicológico do sujeito.
Não aconselham a cirurgia com indicação estética por pensarem que uma
aparência diferenciada da genitália na criança acarreta prejuízos menores (uma vez
que existem outros fatores que influenciam na construção da identidade de gênero),
do que uma genitália adulta, aparentemente normal, porém, com funcionalidade
comprometida e sensibilidade erótica reduzida.
Alertam, ainda, que a maioria das condições de intersexo podem permanecer
sem qualquer cirurgia (Diamond & Sigmundson,1997-b). Consideram, também, que
os procedimentos defendidos pelo modelo da Teoria da Neutralidade Psicossexual ao
Nascimento negam ao indivíduo a opção de escolha da própria identidade e papel de
gênero.
Apoiam tal posição em relatos de indivíduos adultos, os quais reclamam que
deveria ter-lhes sido dado o direito de opinar sobre o tipo e a extensão da cirurgia
corretiva e que não deveriam ter sido automaticamente designados para um sexo em
razão da adequação e potencialidade funcional do falo. Sugerem, ainda, que os
médicos considerem relevante a futura preferência sexual da criança e evitem a
realização de qualquer cirurgia irreversível (Diamond 1982, 1995/1996-a).
Em síntese, é necessário reconhecer que as duas propostas para o manejo da
intersexualidade, apesar de aparentemente antagônicas, estão focalizadas na
decisão de quando intervir para a mudança de sexo. Do ponto de vista clínico, parece
redutor o caráter prescritível de ambas.
Tal característica comum pode ser explicada por terem sido geradas para
atender às demandas originadas na esfera assistencial e, portanto, destinadas a
auxiliar os profissionais de saúde em sua conduta.

Segundo Hurting, nesse sentido, tanto uma quanto a outra parecem limitadas
quanto à discussão da identidade de gênero, tal como vem sendo objeto de
estudo por parte das teorias do desenvolvimento humano em Psicologia.
Compreender os fatores que influenciam a escolha de uma identidade
masculina ou feminina, identificando determinantes biológicos e ambientais
sobre o comportamento sexual e o gênero, permanece uma importante
agenda de trabalho para os pesquisadores em Psicologia (Hurtig,1992).

59
7.3 Intersexo: a importância da teoria queer

Nos finais do século XIX, o termo “queer” passou a ser utilizado para designar
depreciativamente pessoas homossexuais. A origem da palavra é obscura e desde
cedo ganhou sentidos pejorativos, contudo, como nos lembra Eve Sedgwick (1993:
viii) e conforme sugere o OED, a etimologia situa-se, possivelmente, na raiz indo-
europeia twerkw e significa literalmente através de originou a palavra alemã quer
(atravessar), a latina torquere (torcer) e a inglesa athwart (através). É devido a esta
propriedade flutuante que Eve Sedgwick (Ibid.) considera o queer um momento
contínuo e “troublant”.
O termo queer, sendo estratégicamente de impossível definição, tem na sua
tradução literal para o português termos como esquisito, anormal, excêntrico, e é
usado, em países de língua inglesa, para adjetivar algo de forma negativa. Conforme
Butler (2002: 318), o termo queer operou como prática linguística que humilhava a
pessoa nomeada, produzindo assim um sujeito o sujeto queer, através da interpelação
humilhante repetida. Apesar do vínculo inicial ao insulto, a palavra tem vindo a perder
tal negatividade porque foi ousadamente assumida pelas pessoas homossexuais
como afirmação identitária.
Hoje em dia, o queer reinventado não se refere apenas a homossexuais, mas
a tudo o que, recorrendo à definição de David Alperin (apud Amaral e Macedo, 2005:
185), no campo da sexualidade está para lá do dominante e legítimo, e ocupa em
relação a estes uma “posicionalidade excêntrica”.

Segundo Cascais, acontecimentos no final da década de 1960, nos EUA e


Europa, como o Stonewall americano ou o maio de 1968 em França, abriram
portas ao surgimento de uma teoria gay, lésbica e, mais tarde, queer
(Cascais, 2004: 25).

Mais rigorosamente, a teoria queer é uma corrente surgida a partir dos estudos
gays e lésbicos, da teoria feminista, dos estudos culturais norte-americanos e do pós-
estruturalismo francês, no final da década de 1980,30 num clima de política de direita
nos Estados Unidos e Inglaterra, ao mesmo tempo que se questionava a política de
identidades, nomeadamente por autoras como Eve Sedgwick, Teresa de Lauretis,
David Halperin, Judith Butler, Steve Seidman, Michael Warner, Beatriz Preciado,
Judith Halberstan.

60
Segundo Macedo e Amaral (2005: 185), as primeiras contribuições feministas
para a teoria queer encontram-se na obra Pleasure and Danger: Exploring Female
Sexuality (Prazer e perigo: explorando a sexualidade feminina), uma coletânea de
ensaios sobre sexualidade e política organizada por Carol S. Vance em 1984. Esta
obra inclui o artigo marcante de Gayle Rubin, “Thinking Sex: Notes for a Radical
Theory of the Politics of Sexuality” (“Pensando o sexo: notas para uma teoria radical
da política da sexualidade) ”.

Segundo Rubin o pensamento dominante sobre a sexualidade (a


heterossexualidade sendo a única forma aceitável, todas as outras formas de
erotismo, condenáveis) e advoga eloquentemente o reconhecimento de
múltiplas formas de desejo, aquilo a que chama “benign sexual variation”
(283). Não é difícil detectar aqui o embrião daquilo que viria a constituir-se
como teoria queer, livre do feminismo conservador que não seria “o melhor
instrumento para enfrentar convenientemente o problema da variação sexual”
(Rubin, 2003).

Foi a partir das teóricas acima mencionadas que o termo ganhou resinificados.
Para De Lauretis (1991: iv), responsável pela expressão “teoria queer”, este seria “um
outro horizonte discursivo ou outra forma de pensar o sexual”. A palavra queer é de
difícil conceptualização pois é “uma categoria em formação constante” (Jagose, 1996,
apud Macedo e Amaral, 2005:161), mas num sentido geral contesta identidades fixas
e “interroga os processos sociais que produzem, reconhecem, naturalizam e
sustentam” essas identidades (Pino, 2007).

Esta categoria demonstra a organização sexual binária mulher/homem,


heterossexual/homossexual das sociedades, e questiona a forma como isso influencia
a sexualidade, os desejos, as identidades e instituições sociais. A propósito deste
panorama organizacional, Judith Butler (1999: 23) atribui a designação de “intelligible
genders” (“Gêneros inteligíveis”) às pessoas que se deixam dominar pela
normatividade, submetendo-se à linearidade que liga sexo, identidade sexual, desejo
e prática sexual.
O queer vai contra essencialismos, categorizações fechadas que definem
sujeitos a priori e enfatiza vários pontos de cruzamento nos indivíduos, como etnia,
nacionalidade, classe social, religião. Rejeita a existência de papéis sexuais
essenciais e biologicamente determinados.

61
A teoria queer está em constante evolução, transgride as fronteiras criadas
convencionalmente com base numa suposta naturalização dos sexos e de
identidades, vai além de limites binários para reclamar uma pluralidade de
sexualidades através da subversão, desconstrução e questionamento, tentando
politizar o que se situa fora do limiar do legítimo, tradicional e legalmente correto, para
que as vidas queer sejam legíveis, valorizadas, merecedoras de apoio e de
reconhecimento, conforme exige Judith Butler em Undoing Gender. Em Gender
Trouble e Bodies That Matter, a autora já tinha explorado as possibilidades de “ruptura
permissiva” e da “ressignificação” das normas sexuais, as quais, apesar de impostas
de forma rígida, são inerentemente instáveis.
Através da noção de “performatividade” (primeiramente apresentada em
Gender Trouble), Butler demonstra como a repetição dos atos (normativos) no corpo
nos torna sujeitos dotados de uma identidade (masculina ou feminina).
A identidade sexual é, para a autora, um efeito (e não causa) da reiteração dos
atos, que por seu turno são efeitos do falogocentrismo e da heterossexualidade
compulsória. A identidade não será, então, a expressão de uma essência, mas uma
estilizada repetição de atos culturalmente estabelecidos. A prática da paródia drag foi
tomada, por Butler, como uma forma de subversão ou ressignificação das categorias
corporais. O drag evidencia o carácter performativo do género ao permitir que
qualquer pessoa, independentemente do sexo (Butler assume, aqui, apenas dois
sexos), escolha um e o imite. A teoria da performatividade foi o momento
impulsionador da teoria queer, recusando fundacionalismos biológicos, rompendo
com o heterossexismo dos estudos feministas e dando atenção à existência de gays,
lésbicas, travestis e drags.
Ao longo da década de 1990, os estudos queer viram o alargamento do seu
objeto de estudo. Já não se tratava apenas de gays e lésbicas: eram agora incluídos
intersexuais e transexuais. A teoria da performatividade de Butler foi alvo de crítica,
nomeadamente por parte de Beatriz Preciado, visto que, segundo esta autora, não
abarca certas variedades corporais como transexuais, esquecendo os processos
corporais e transformações sexuais desses corpos, assim como as técnicas de
manutenção de sexo destinadas aos corpos ditos normais.

62
Considero que através do drag, Butler demonstrou, com efeito, a plasticidade
da performatividade do género, mas devo concordar com Preciado acerca do
esquecimento de outros corpos, nomeadamente o intersexo, protótipo que rompe com
as categorias do corpo, do sexo, do género e da sexualidade, a meu ver, de forma
superior à paródia drag.
A crítica feita também por parte de movimentos organizados de transexuais vai
além da noção de performatividade, pois pretende debater transformações reais,
sejam físicas, sociais ou políticas.
A teoria queer demonstra o paradoxo identitário em que vivem os sujeitos
queer, num constante conflito com as normas, não sendo reconhecidos socialmente
ou o sendo negativamente por ousarem viver de forma não normativa. Para
alcançarem reconhecimento e uma vida habitável, precisam de encarnar identidades
reconhecidas. Os movimentos transexuais e intersexuais, assim como outros
movimentos políticos, devem atentar na socialização da vida corporal e na sua
situação paradoxal.
De acordo com Butler em Undoing Gender, as normas sexuais desfazem os
sujeitos. Isto implica, por um lado, que as pessoas, principalmente intersexuais e
transexuais, para terem reconhecimento social, precisam de se desfazer do que são;
por outro lado, algumas são desfeitas por não terem esse reconhecimento, perdem
dignidade enquanto seres humanos.
A intersexualidade é o paradigma deste paradoxo identitário, à qual se soma a
invisibilidade. Quantas pessoas intersexuais conhecemos? As que nascem com essa
condição, são, regra geral, submetidas desde cedo a uma redesignação sexual
através de vários “tratamentos” que as irão “normalizar” e adaptar a uma das duas
categorias sexuais normativas. Como um efeito bola de neve, quanto mais se esconde
a existência intersexual, mais estranheza se cria à sua volta e com maior negligência
se reage ao fenômeno.
Ao longo de Undoing Gender, Butler preocupa-se com a questão da
habitabilidade e considera essa a orientação que deve tomar a teoria queer, lutando
por uma mudança das normas das sociedades a fim de renegociar o que é ou não
habitável, pois, até agora, tem sido muito difícil uma pessoa queer ter uma vida
suportável. É devido a esta questão da habitabilidade que nem todas as pessoas
intersexuais se opõem às cirurgias de redesignação sexual e que algumas transexuais
mudam de sexo.

63
Drags, lésbicas butch/femme, gays efeminados ou “ursos”, transexuais,
travestis e intersexuais podem, partindo da sua diferença corporal, estética ou
psicossocial, tomar uma posição política e enfrentar as regras normalizadoras que
lhes são impostas, reivindicando outras formas corporais e identitárias. Mas não só
não é apenas o queer o responsável pelas reivindicações.
Pessoas que se assumem como mulheres e homens heterossexuais deveriam
lutar contra a imposição heteronormativa e a ideologia do corpo perfeito, sexualmente
diferenciado, porque ninguém o tem sem recorrer à artificialidade.
Um exemplo prático do dia-a-dia é a depilação que a maioria das mulheres
“tem” de fazer porque “é feio ter pêlos”, apesar de os pêlos serem algo natural a todos
os indivíduos, independentemente do sexo. Podia ainda acrescentar as cirurgias
plásticas, os implantes, as lipoaspirações, etc.
A tentativa de “normalização” dos corpos não se dá apenas nos intersexuais,
mas em todos, uma normalização que aspira à perfeição. Mas, como relembra Butler
(2004: 7), mais do que se colocar contra uma categorização das sexualidades, a teoria
queer luta agora contra a legislação não-voluntária das identidades, isto é, contra a
imposição de uma identidade sexual.
A teoria queer luta assim por estratégias que contornem os conflitos impostos
pelas normas sexuais que existem em nome da qualidade de vida. Ainda segundo
Butler (2004), os seres humanos vivem através de categorias de reconhecimento
moldadas por normas sociais que determinam o que é ou não humano; não obstante,
a autora admite que é imperativo manter em aberto a noção de humano, questionando
sempre em torno dele, assim como o que torna as vidas habitáveis e verdadeiras.

7.4 Determinação/regulação sexual

A diferença sexual e a aparente verdade anatómica servem apenas para


legitimar a organização política (Preciado, 2008: 61-62) e perpetuar as relações de
poder. Quando um corpo se apresenta ambíguo, tudo se fará para que entre na
normalidade da diferença sexual, fazendo-se para tal, valer das tecnologias, caso
contrário este corpo causaria um desequilíbrio na organização da sociedade.

64
Os corpos sexualmente ambíguos são controlados pela medicina, submetidos
a processos de “normalização” para que sexo, corpo, comportamento, sexualidade e
caracteres secundários do corpo funcionem em harmonia entre si e com a ideologia
da sociedade heterossexista.
Esse controlo iniciou-se durante o século XIX no momento em que surgiram
teorias sobre a variedade do corpo sexual e das sexualidades “perversas”, que levou
a biomédica a investigar as causas e características importantes à definição do sexo.
A mulher barbuda que no século XVII não suscitava curiosidade por parte da ciência
passou a ser objeto de estudo científico.
A diferença sexual tinha alcançado estatuto de natural, sendo tudo o que
divergisse dos limites uma abominação. A história da repressão, ou melhor, da
aparente repressão do sexo, está muito bem relatada por Foucault na História da
sexualidade. Segundo este autor, a par do desenvolvimento do capitalismo ao longo
do século XVII iniciou-se a repressão sexual, já que os interesses económicos e de
transmissão de propriedade e acumulação de riqueza implicavam uma necessidade
de regulamentação.
Deste modo, a prática sexual foi regulada, medicalizada e quase proibida, mas,
em compensação, os discursos multiplicaram-se quando no século XVIII se deu um
incitamento político, económico e técnico para que se falasse, racionalizasse,
classificasse e regulasse o sexo.

Segundo Foucault, assim, todos os comportamentos sexuais, e todas as


variações corporais foram objeto de análise e interpretação, principalmente
durante os séculos XIX e XX. Com a multiplicação dos discursos, seguiu-se
consequentemente a multiplicação das perversões, perversões essas que
sempre existiram, mas a que agora estavam catalogadas e patologizadas.
Pessoas hermafroditas eram consideradas criminosas ou filhas de
criminosos/as, devido à anatomia que “confundia a lei que distinguia os sexos
e prescrevia a sua conjunção” (Foucault, 1994: 42).

A homossexualidade, desde que foi caracterizada pela medicina, psicologia e


psiquiatria, foi considerada não tanto um ato sexual, mas um estado emotivo, uma
inversão em si do masculino ou feminino, uma “androginia interior, um
hermafroditismo de alma” (Ibid. 47). Posto isto, seria inconcebível ver nascer um
hermafrodita e não regularizar a situação, e assim, a partir de meados do século XX
iniciaram-se as primeiras cirurgias de redesignação sexual, de modo a combater tal
“aberração”.

65
A forma como se realizavam as cirurgias era bastante precária nos
procedimentos médicos e para alterar isso em muito contribuíram o ativismo dos
movimentos de intersexuais e as evoluções científicas a partir de finais do século XX
e inícios do século XXI.
Hoje em dia, as entidades que decidem sobre o sexo da criança intersexual são
a endocrinologia, a pediatria, a urologia, a psicologia, a cirurgia e a genética.
Seguindo a linha de pensamento de Alice Dreger, o modo como a
intersexualidade foi sendo encarada conheceu três fases: a “Era das Gónadas”, a “Era
Cirúrgica” e a “Era do Consenso”. Na primeira fase, entre 1870 e 1950 a determinação
da verdade do sexo era feita de acordo com as gónadas (ovários e testículos). Seria
considerada hermafrodita quem possuísse gónadas masculinas e femininas.
Surgiu a classificação taxonômica de hermafrodita verdadeiro e pseudo-
hermafrodita de acordo com as variações gonadais. Entre 1950 e 1980, foram
realizadas as primeiras cirurgias de construção sexual, em que o cirurgião pediatra,
olhando apenas à anatomia e à função sexual e reprodutiva, operava o sexo da
criança, designando-se o resultado por “sexo de criação”.
A ideia de que o comportamento sexual era educado, ou seja, resultado de
processos de socialização, foi crucial para ser considerada legítima a cirurgia.
Baseado neste princípio e tendo o apoio teórico do psicólogo e sexólogo John Money,
o primeiro centro médico a oferecer uma equipa multidisciplinar organizada para lidar
com intersexuais foi a Johns Hopkins University (Universidade de Hopkins).
Money acreditava que os indivíduos nasciam com identidades neutras, motivo
pelo qual o sexo poderia ser alterado durante os primeiros meses de vida e a criança
educada em conformidade com tal alteração. Para que a identidade sexual não
sofresse perturbações, seria imperativo omitir à criança que a própria tinha sido
submetida a tal operação e os motivos da mesma.
Ainda nos dias que correm, em pleno século XXI, muitas pessoas somente
descobriram que foram alvo de tais manobras por desconfianças que levaram a
investigações. Tal omissão conduz tanto à suspeita dos serviços médicos como pode
provocar atritos familiares.
A eficácia das cirurgias ainda não está confirmada; em contrapartida,
conhecem-se bem os resultados negativos: cicatrizes físicas, depressão, stress pós-
traumático, falta de autoestima e perda de sensibilidade sexual.

66
No final da década de 1980, as pessoas que, nos Estados Unidos, sofreram as
cirurgias começaram a manifestar o seu desagrado. O que seria uma tentativa de
normalizar corpos foi, na realidade, uma mutilação dos mesmos. Posto isto, as
escolhas para as cirurgias passaram a ser decididas em conjunto com outras
entidades, incluindo a mãe e o pai. Foi a chamada “Era do Consenso”.
A intersexualidade deixou então de ser objeto de estudo apenas da medicina e
biologia, passando também a ser abordada por áreas como a sociologia, a
antropologia, o feminismo e os estudos queer.
Atualmente, em caso de atipicidade, a redesignação do sexo é feita com base
na capacidade reprodutora de uma potencial fêmea, ou no tamanho do pénis ou
clitóris. Independentemente das gónadas, se o pénis for considerado insuficiente para
penetrar uma vagina “normal”, será então transformado em clitóris, e criada uma
neovagina. Se o clitóris for grande demais, não será, contudo, transformado em pénis,
pois conforme o cirurgião Hendricks, citado por Fausto-Sterling (2000: 59), “you can
make a hole but you can´t build a pole” (você pode fazer um buraco, mas você não
pode construir um poste) ”.
Se a criança tiver ovários, independentemente das outras variáveis, será
designada com sexo feminino, pois deverá ser mantida, acima de tudo, a capacidade
de reprodução. À semelhança dos “corpos dóceis” de Foucault (2001), estes deverão
ser produtivos e submissos.

Segundo ISNA, em 1993, várias pessoas intersexuais fundaram a ISNA, o


primeiro movimento ativista de intersexuais, com o objetivo de divulgação de
informações e obtenção de controlo sobre os seus próprios corpos. “We
oppose the idea that eliminating our physical differences is the way to address
social issues we may encounter; rather, we believe in addressing social
difficulties intersex people may experience through social and psychological
interventions.” (ISNA, 2001: 1).

A diretora executiva, Cherly Chase, como de resto toda a equipa, esforçasse


por combater as cirurgias precoces realizadas para esculpir o corpo de acordo com o
socialmente aceite, e que não têm outro fim senão o conforto dos familiares.
O que acontece com as pessoas intersexuais é que raramente lhes são
mostradas alternativas, sendo a elas (se em idade adulta) e aos familiares exposto
apenas o que é “o normal”, numa dimensão quase moral, e o que deve ser feito para
entrarem nos padrões.

67
As entidades médicas, ao invés de instruídas para ensinar como aceitar e viver
com a diferença, porque elas próprias a não aceitam, estão preparadas apenas para
“normalizar” a situação do ponto de vista estético e consequentemente político. Em
torno da intersexualidade há ainda uma grande obscuridade, ela é mesmo inexistente
aos olhos de muita gente já que não se debate sobre o assunto.
É um tabu, considerada uma doença rara cujo tratamento deve ser feito
sigilosamente para não perturbar o bom nome das famílias. Com o panfleto criado
pela ISNA intitulado “Feminism and Intersex Movement: (“Feminismo e Movimento
Intersexual). This is our vagina monologue” (Este é o nosso monólogo da vagina)
(2002), pretendeu-se combater essa mesma invisibilidade nos casos de mutilação
genital no ocidente (feita em intersexuais), recorrendo ao exemplo da peça The Vagina
Monologues, de Eve Ensler (Os monólogos da vagina, de Eve Ensler), que se refere
a mutilações genitais ocorridas apenas em África.

8 PRECONCEITO E DISCRIMINAÇÃO NA VIVÊNCIA DOS HOMOAFETIVOS

Fonte: itanhaem.sp.gov.br

O homoafetivo é aquele ou aquela pessoa que tem atração por outra do mesmo
sexo. A terminologia foi elaborada com intuito de minimizar a indicação pejorativa que
era aplicada às reações homossexuais, e restabeleceu-se um vocábulo jurídico para
lidar com o direito referente à junção de casais (HEREK, 2007).

68
Segundo Dias, o relacionamento entre homoafetivos recebeu a terminologia
nova idealizada pela então desembargadora e jurista Maria Berenice Dias,
que intercedeu a favor que o afeto é o motivo mais importante na atração que
um indivíduo sente por outro do mesmo gênero. Segundo a desembargadora,
a homoafetividade ultrapassa da relação sexual, é um elo formado pela
afetividade, desejo, carinho e, sobretudo vontade de estar junto com o outro
em um relacionamento de afinidade e harmonia (DIAS, 2014).

Atualmente no Brasil, foi aprovada a união entre cidadãos do mesmo sexo pelo
Supremo Tribunal Federal (STF). Os ministros ao julgarem a Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental (ADPF) 132, reconheceram a união estável para casais do mesmo sexo.
O documento assinado pela ministra Carmen Lúcia diz que a Constituição Federal não
faz distinção entre casais heterossexuais e homoafetivos.
Diversas argumentações surgiram extrapolando o debate sobre a união
homoafetiva e preconceito, levando a reflexão também sobre a liberdade religiosa,
pois devida a existência desse preconceito a maioria das pessoas de orientação
homoafetiva não tem religião (BRASIL, 2011).
Na sociedade e no decorrer da história da humanidade, a relação homoafetiva
esteve sempre presente, porém divergindo de acordo com o grau de aceitação pela
sociedade de modo a tornar algo público ou não, a depender do ponto de vista cultural.
É fundamental entender que as condutas morais e valores são produzidos
historicamente e socialmente, e que a Homoafetividade sempre esteve presente, mas
nem sempre foi discutida e tratada da mesma maneira (RIBEIRO, 2015).
Contudo o indivíduo em toda sua história sempre teve medo da ideia de se
confrontar com as diferenças dentro do meio social. Em decorrência de não conhecer
e aceitar a diversidade, muitos se consideram fora dos padrões, dos valores que são
seguidos em suas relações de convívio.
Esse é o alicerce para o etnocentrismo, ato de julgar seu meio cultural melhor
que os dos outros, o que condiz com o preconceito (SOUZA, 2009). Porém é
fundamental que as pessoas que pensam dessa forma, antes de praticarem uma
atitude de discriminação, façam uma avaliação para poder entender melhor o
processo discriminatório. Ou seja, o preconceito é observado pela não aceitação, já a
discriminação é o agir com comportamentos desrespeitosos, desprezíveis e
excludentes.

69
No que se refere ao preconceito dentro da abordagem psicológica, tem sido
compreendido como uma particularidade do ser humano: uma frustação comedida e
transferida para grupos mais enfraquecidos. É uma palavra empregada de maneira
ampla, para apontar a permanência de concepções negativas demonstradas de forma
diferenciadas e com intensificações, de posição hostil diante de outras pessoas ou
grupos, com intuito de menosprezá-las.
Aliado a isso ainda tem o fator de exclusão, atos de irracionalidade,
autoritarismo e ausência de relacionamento com essas minorias, indivíduos que são
alvo do preconceito (LACERDA; PEREIRA; CAMINO, 2002).
Tal qual Allport (apud JUNQUEIRA, 2009) a abordagem psicológica do
preconceito é essencialmente compreendida como as “teorias do bode expiatório” e
as projecionistas (p.391). Nesse sentido a primeira teoria é manifestada frente à
frustação, o ser humano busca transferir para o outro a culpa e a causa do problema
que lhe provoca o mal-estar, tornando-o bode expiatório.
Já a segunda teoria, o ser humano entra em divergência com seu interior, tenta
resolver o problema mediante sua projeção tanto parcial como integral com as partes
envolvidas, motivo pelo qual lhes designam tratos inconvenientes e hostis, chegando
ao extremo da violência física, muitas vezes levando a cometer um assassinato.
Essa projeção enfoca na realidade, uma questão de decisão no ramo da
psicodinâmica do preconceito, oriunda da cognição inconsciente da vida desse
indivíduo (JUNQUEIRA, 2009).
Na dinâmica dessas manifestações de preconceitos, os psicólogos na sua
atuação tendem a contribuir com seu conhecimento para uma melhor reflexão sobre
o tema de forma a favorecer a promoção do bem-estar e do convívio social. Nessa
perspectiva, constata-se a importância do trabalho do profissional de psicologia
associado ao contexto da homoafetividade, uma vez que a Resolução do Conselho
Federal de Psicologia (CFP) de 001/99 de 22 de março de 1999, vem definir nos
termos legais, as atribuições e competências dos profissionais de psicologia além de
estabelecer novas determinações de atuação para os psicólogos em relação à
questão da orientação sexual.

70
Faz considerações a respeito da prática profissional ao lidar com essa questão,
de forma que venha auxiliar na superação de preconceitos e discriminações e ressalta
no art. 2º que estes profissionais deverão colaborar no sentido de acabar com
qualquer forma de discriminação e estigmatização contra aqueles que demostram
comportamentos ou atitudes homoafetivas (CONSELHO FEDERAL DE
PSICOLOGIA, 1999).
Para Camino e Pereira (no prelo) os profissionais de psicologia na área em que
trabalham tanto social como organizacional, acreditam que as leis estabelecidas na
Resolução 00/99 para tratar das questões sobre orientação sexual reproduzem um
novo olhar no progresso da psicologia, principalmente dos homoafetivos, uma vez que
vem auxiliar na superação e enfrentamento de preconceitos e discriminações sofridas,
atuando na promoção, no acolhimento, na integração e bem-estar desses indivíduos
na sociedade.
Como forma de ampliar a discussão há a necessidade do discernimento sobre
o preconceito a partir da compreensão sobre atitudes de acordo com a Psicologia
social. Atitude é um conjunto seguro de sistematização de vivências e
comportamentos ligados com um objeto ou problema.
Para cada atitude existe uma concepção cognitiva e coerente, de confiança,
de princípios efetivos e ideologia, associada a envolvimento e sensação, que de certa
forma acabam transportando tendências de comportamento. Portanto, qualquer
atitude se constitui mental, afetiva e comportamental. A mental é utilizada com alusão
a um objeto, este pode ser subjetivo, um indivíduo, um grupo de uma entidade social.
A afetiva diz respeito a valores que ocasionam sentimentos negativos ou positivos,
causando assim atitudes negativas e positivas.
Comportamental é a inclinação ou tendência a algo: emoção positiva conduz à
aproximação e negativos, a o escapamento ou a fuga. (ADORNO, 1950 apud
MCDAVID; HARIRI, 1974).
Conforme Adorno (apud MCDAVID; HARIRI, 1974) o preconceito é um
personagem opressivo e intransigente. Indivíduos autoritários tendem a ter posturas
severas tradicionais.
Ao observar o mundo com esse tipo de comportamento, não confia no ser
humano, receia e repudia todos os grupos da sociedade os quais não fazem parte,
sendo assim o preconceito apresenta-se atrás da sua desconfiança e do receio.

71
Nessa concepção, observa-se que o preconceito pode ser caracterizado como
uma maneira de vincular-se intergrupal, onde o poder e a autoridade prevalecem,
desenvolvendo e manifestando práticas negativas e menosprezadas além de conduta
desfavorável e marginalizada a membros de um grupo minoritário por serem
considerados de uma categoria diferenciada socialmente.
Outro aspecto referente ao preconceito é que se evidencia sua comparação
com a discriminação, apesar que constituem diferentes fatos, muitas vezes são
empregados de maneira distorcida. O preconceito pode ser descrito como concepções
cognitivas negativas frente às pessoas ou grupos sociais em situações desfavoráveis,
considerando-os inferiores e desvalorizados. Já a discriminação corresponde à
concretização das ações no plano das relações sociais, de práticas arbitrárias
excludentes e omissivas, ligadas ao preconceito, e essas geram desrespeito aos
direitos das pessoas e dos grupos (RIOS, 2009).
Nessa relação que envolve tanto o preconceito como a discriminação percebe-
se que ainda estes fatos são recorrentes e problemáticos na vida dos homoafetivos.
Lamentavelmente as consideradas “minorias”, no nosso país e na maior parte do
mundo, permanecem como principais vítimas dessas ações.
Dentro dessa análise, se constata a fala que um pai diz: “prefiro ter um filho
ladrão a ser homoafetivo. ” Por aí se percebe o quanto essa categoria sofre com o
preconceito além de ser o mais vulnerável à violência (MOTT, 2003).
No contexto da discriminação entende-se por distinguir discernimento e
faculdade de discriminar, também pode ser ação ou efeito de separar, segregar, deixar
de lado. Porém a definição mais usual trata da discriminação no sentido de fenômeno
sociológico. Esta ocorre quando existe uma conduta contrária perante uma situação
própria e diferente. O cidadão pode ser facilmente discriminado devido a sua crença,
etnia, gênero, orientação sexual, nacionalidade, condição social, religião, etc.
Uma ação discriminatória tem como consequência a destruição ou aniquilação
dos direitos essenciais do indivíduo, causando danos ao cidadão no ambiente social,
cultural, político ou econômico.
O afastamento e a oclusão social são fatores causados pela discriminação,
tendo uma comoção negativa no meio social. Além do mais, pondera-se também que
essa situação envolva a religiosidade dos cidadãos, uma vez que a maioria dos
segmentos religiosos considera essa categoria como indivíduos doentes e pecadores,
condena veementemente o comportamento sexual atípico, ou seja, o comportamento

72
que foge da padronização sexual imposta muitas vezes pelos próprios dogmas
religiosos (SOUZA, 2009).

Segundo Souza, diante do exposto com relação a essa temática, a


Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) traz no seu artigo 7º que
“todos são iguais diante da lei e por isso possui direitos, sem distinção, a igual
proteção para todos e contra discriminação que venha transgredir a mesma
e contra qualquer incentivo ao referido. ” Associado a essa lei, durante anos
a Organização das Nações Unidas (ONU) tem realizados empenho no
sentido de eliminar a discriminação no contexto social dos países envolvidos
na organização (SOUZA, 2009).

Por outro lado, é fato que não se devem comemorar os 50 anos da Declaração
dos Direitos Humanos se ações arbitrárias e ilegais que eliminam os homoafetivos dos
seus direitos essenciais permanecem ocorrendo. Para isso é necessário que os
poderes Executivo, Legislativo e Judiciário tomem conhecimento de que é preciso lidar
com essa problemática de grave adversidade no qual convivem os personagens deste
grupo excessivamente indefeso. Outro ponto a destacar dentro dessa conjuntura da
discriminação é que apesar de se empregar a terminologia normalmente com sentido
negativo, nem sempre ela ocorre com essa conotação.
Enfatiza que quando se diferencia um grupo, uma classe de pessoas, com a
finalidade de desvalorizá-la, inferiorizá-la, sendo assim essa discriminação é negativa.
Agora quando se refere a atitudes que destina igualar esses cidadãos que são
negativamente discriminados, de maneira a integrá-los na sociedade de forma
igualitária, tem-se a discriminação positiva (VILAS-BOAS, 2003).
Portanto, segundo Souza (2009), a discriminação positiva é aquela que quando
o cidadão que faz parte de determinado grupo que sofre constantemente desse tipo
de atitude é beneficiado. Sendo assim, um indivíduo que geralmente é afetado, é
favorecido, isto com intuito de ter uma sociedade mais igualitária. No entanto se
percebe que essa discriminação é oriunda de um preconceito, estes apesar de serem
palavras relacionadas, ou seja, conectivas, são totalmente distintas.
O preconceito não deduz o ato em si da ação, pode unicamente ter aquilo na
mente. Já a discriminação é o resultado do preconceito, é a materialização, a
realização dessa forma de pensar. Agindo muitas vezes indevidamente, usando da
violência para agredir física e verbalmente o cidadão que tem seus direitos garantidos
pela Constituição Federal que diz: “Todos são iguais perante a lei.

73
No cenário que envolve a homoafetividade é de fundamental importância
discutir sobre a homofobia que significa a rejeição, o ódio ou preconceito contra essa
categoria de indivíduo. O termo foi empregado pela primeira vez nos Estados Unidos
por volta dos anos 70 e difundido pelo mundo nos anos 90.
A terminologia “fobia” foi designada como um tipo de “medo irracional” e por ser
utilizada com essa definição que ainda é razão para debate entre teóricos com
conexão do termo usado. Conforme Ferrari (2015), pode-se compreender a
homofobia, bem como outros tipos de preconceitos, como sendo ações de uma
pessoa situar a outra, na posição de ser inferior, de anormal, fundamentada numa
lógica que a heterossexualidade é tida como padrão, normal.
Para a autora traços patológicos da personalidade no caso de distúrbios de
comportamentos, sentimentos e pensamentos caracterizados como delírio,
isolamento, hostilização, rejeição, agressividade, angústia, ansiedade e projeção
estão relacionados a mecanismos de defesa. Entre esses mecanismos a projeção é
tida como um ato de defesa que para o psicólogo Elói (2012) é uma atitude caracteriza
como elemento da homofobia.
Na Psicologia, este componente que é uma técnica de proteção do indivíduo
como processo mental, pelo qual os atributos pessoais de determinado indivíduo, seja
pensamentos inaceitáveis ou indesejáveis, ou até mesmo emoções de qualquer
natureza, são conferidas a outra pessoa ou objeto, de forma que a mente não identifica
tal procedimento. Muitas vezes para se defender da angústia gerada por fracasso,
culpa ou uma frustação pessoal ou profissional, a pessoa projeta em outra ou em algo
a responsabilidade do fato.
Por exemplo um jogador de tênis que, ao perder uma partida, justifica-se
colocando a culpa na qualidade da raquete ou no campo. Outra possibilidade para
justificar atitude de projeção é o medo que a pessoa homoafetiva tem de ter
sentimentos por outra do mesmo sexo, neste sentido à vontade é projetada para
rejeição, agressão e discriminação.

Segundo Ferrari, na conjuntura do tema em discussão percebe-se que no


percurso histórico, diversas foram os nomes empregados para reconhecer a
pessoa homoafetiva, demonstrando atitudes preconceituosas das
sociedades que utilizaram categorias, tais quais: perversão sexual, pecado
mortal, aberração da natureza, em fim. Dessa forma, compreende-se a
complexidade dos acontecimentos das ações homofóbicas que
correspondem desde as “piadas” para ridicularizar o indivíduo até atitudes de
violência e morte. Essas atitudes acarretam numa concepção patológica da

74
homoafetividade, subjugada a análises clínicas, terapêuticas e em investidas
de “cura” (FERRARI, 2015).

Portanto, para Junqueira (2009) a homofobia vem a ser a situações de


preconceito, discriminação e violência contra pessoas (homossexuais ou não), que
aspectos e expressões de gênero (gostos, vestimentas, estilos, comportamentos etc.)
não se encaixam nos padrões predominantes estabelecidos por tais preceitos sociais.
Acompanhando essa análise, a homofobia pode, igualmente, ser compreendida para
além de uma conduta especifica de uma atitude anti homoafetivo, possibilitando a ser
entendida por meio de diferentes cenários, como no setor cultural, educacional,
jurídico e político, entre outros.
Ou seja, é muito mais além de uma agressão física é também um motivo de
limitação para esses indivíduos que têm transgredidos seus direitos mais essenciais,
como por exemplo o direito à vida.
Assim se observa que nesse contexto discriminatório a homofobia é uma
característica de racismo anti-homossexual e envolvem todas da categoria seja gays,
lésbicas e travestis.
Quando ocorrem discriminações específicas para algumas dessas minorias
citadas então pode-se dizer em lesbofobia e transfobia, se bem que a homofobia é um
conceito chave que engloba todos esses segmentos.
Mott (2014) aborda que a homofobia no Brasil ainda é uma problemática
presente e constante na sociedade é o país com maior número de registros por crimes
homofóbicos, seguido pelo México e pelos Estados Unidos. É a nação que mais mata
travestis e transexuais no mundo.
Entre janeiro de 2008 e março de 2014, foram registradas 604 mortes, segundo
pesquisa da organização não governamental (ONG) Transgender Europe (TGEU),
rede europeia de organizações que apoiam os direitos da população transgênero. O
Grupo Gay da Bahia (GGB) é um dos maiores protetores das causas Lésbicas, Gays,
Bissexuais e Transgêneros (LGBT) e apresenta todo ano relatório dos assassinatos
envolvendo homoafetivos.
De acordo com Diógenes (2014) um homoafetivo é morto a cada 48 horas no
país por conta da homofobia (assassinatos e suicídios) e cerca de 70% registrados
são de assassinatos de pessoas Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros (LGBT)
ficam impunes.

75
Em uma pesquisa realizada pela Universidade de São Paulo em 2014, sete de
cada dez homoafetivos já sofreram algum tipo de violência, seja física ou verbal. Por
outro lado, esses dados não refletem a realidade uma vez que nem todos os crimes
cometidos e motivados por homofobia podem ser reconhecidos, pois em algumas
ocorrências a orientação sexual da pessoa é preservada, mantida em sigilo.
Homicídios estimulados por discriminação contra essa categoria são extremamente
sérios por incluírem a variável da discriminação interiorizada.
Visto que em tese podem ser relacionados a crime hediondo, assim como
qualquer outro oriundo de atitude discriminatória. Entretanto é necessário saber que
nem todas as condutas homofóbicas acabam em violência fatal, podendo ocorrer
agressões físicas, verbais ou manifestações silenciosas incentivadas pela orientação
sexual.
Assim sendo, essas relações são afetadas e ocasionam comportamentos
agressivos manifestados por meio da violência física e verbal. A primeira é a mais
aparente e perversa que afeta diretamente a plenitude física, quando não chega a
cometer assassinato, deixa marcas violentas no corpo.
A segunda, não menos grave que a primeira, diz respeito a injurias com atitudes
verbalizadas, com tratamento degradante e insultuoso (LOPES, 2003). Diante do
exposto salienta-se que o preconceito, a discriminação e homofobia, ocorrem no
convívio social diante das dificuldades em saber lidar com as diferenças.
Evidencia-se que nesta relação os aspectos relacionados ainda são presentes
na vida dos homoafetivos, e para tal, faz-se necessário a criação de estratégias sociais
e políticas públicas que permitam um combate efetivo a essas ações destrutivas para
a identidade desses seres humanos, uma vez que é relevante considerar que a
questão dos direitos da homoafetividade deve ser tratada no contexto da discussão
sobre os direitos humanos universais.

9 SOFRIMENTO PSÍQUICO NA HOMOAFETIVIDADE

Em certos momentos da vida o indivíduo passar por situações complicadas e


de sofrimento muito intenso, que considera não suportar, que vai enlouquecer, perde
o comando de tudo e não consegue agir com razão. Isso pode acontecer sobre várias
situações, desde a morte de um ente querido até a resolução de um problema grave.

76
Entretanto, todas essas ocorrências conduzem o ser humano ao sofrimento tanto
emocional como psíquico.
No entanto, pesquisas realizadas sobre a temática do sofrimento psíquico pelo
Grupo Gay da Bahia (GGB) indicam que pessoas expostas à condição constante do
preconceito e da discriminação inclusive sexual podem adquirir elevados níveis de
transtornos psicopatológicos principalmente o estresse e a depressão. Assim, os
homoafetivos apresentam certa vulnerabilidade, por isso acabam sofrendo por
consequências desses sintomas com frequência (MAYER, 2003; HERK,2007).

Desse modo, a síndrome diagnosticada do transtorno do estresse acontece


em condições que extrapolam os recursos do indivíduo para trabalhar com as
ocorrências externas ou internas, ou de forma que possa sobrepesar a
habilidade da adaptação do mesmo, com isso possibilitando ocasionar outros
tipos de transtornos à saúde (como do pânico, ansiedade, depressão, de
humor, bipolar, entre outros) em decorrência desse sintoma e com isso a
tensão acaba esgotando podendo provocar danos sérios ao indivíduo
(MAYER, 2005; apud , PRICE, 2007).

Nessa concepção, o transtorno do estresse está diretamente relacionado ao


acúmulo de problemas adversos que as pessoas de orientação sexual homoafetiva
são expostas em decorrência de sua condição sexual. Devido as causas externas no
ambiente social da vivência da homoafetividade, observa-se um aumento da
possibilidade de sofrimento através de doenças físicas e psíquicas, isso não quer dizer
que pessoas heterossexuais estão livres de passarem pelo mesmo tipo de problema.
Logo, é o preconceito social que deve ser enfrentado, para permitir a construção da
subjetividade e da cidadania das pessoas.
Com relação a teoria do estresse social Meyer (2005) aborda que a teoria está
relacionada ao excesso de situações adversas que as pessoas de categorias
estigmatizadas são evidenciadas em virtude de sua posição social. Entretanto, tal
concepção preconiza que condições no meio social, e não somente situações
individuais, são motivos de estresse que podem ser prejudiciais à saúde das pessoas
sob a forma de doenças físicas e psíquicas.
Dentro desse contexto, é sabido que todo ser humano está sujeito a diferentes
formas de sofrimento psíquico. Tanto os heterossexuais como os homoafetivos,
vivenciam e experimentam situações, reações e sentimentos incomuns com perfeitos
discernimentos da realidade. A única que é comum as pessoas homoafetivas é aquela
oriunda de causas externas, do preconceito, da discriminação e das complicações que
isso acarretam para os que são discriminados (COSTA, 1999).

77
Portanto é fundamental observar que o grande obstáculo a ser superado
atribui-se ao relacionamento entre o meio social e a compreensão sobre o contexto
da homoafetividade e fica em evidencia que essa categoria está mais suscetível ao
preconceito e a discriminação e com isso adquirindo distorções disfuncionais de
ordem psicoemocionais e psicopatológicos.
Acredita-se que isto decorre principalmente, de uma sociedade que
historicamente aponta dificuldades em dispor sobre a sexualidade humana sem voltar-
se para a moralização e para a normatização. Por outro lado, compete também aos
profissionais de psicologia intervir com trabalhos voltados para a promoção de uma
sociedade de direitos, democrática e inclusiva, compreendendo que as diferenças
sexuais são possíveis e que possam enfrentá-los com determinação e perseverança.

10 TEORIA COGNITIVA-COMPORTAMENTAL NO CONTEXTO DA


HOMOAFETIVIDADE

A Teoria Cognitiva – Comportamental (TCC) vem a ser o agrupamento


envolvendo técnicas e conceitos oriundos das abordagens essenciais da teoria
cognitiva e comportamental que compartilham entre si particularidades comuns.

Segundo Novolar , a teoria comportamental tem como princípios as terapias


e concepções de aprendizagem que se desenrolaram a partir do século XX,
fundamentando-se principalmente nos pensamentos de Skinner que trata
sobre o comportamento condicionado de modo operante, ou seja, tem
personalidade voluntária, em que as ações do indivíduo são modificadas a
partir das alterações nas condições do ambiente e o respondente tem
personalidade involuntária, o qual responde aos estímulos distintos com
conduta reflexiva. E nos pensamentos de Bandura com a aprendizagem
observacional, o ser humano adquire efetivamente o comportamento a partir
da observação de uma conduta manifestada por outro de sua ação
subsequente (NOVOLAR, 2004).

Na Teoria Cognitiva as pessoas concedem sentido a eventos, indivíduos,


emoções e outros fatos da vida, com isso agem de maneira decisiva e produzem
diversas suposições sobre o futuro e sobre si, reagindo de forma diversa a um
problema exclusivo, podendo chegar a um desfecho diferente.
Essas reações em alguns momentos podem ser atribuídas a determinada
cultura, em outros podem ser características provenientes de experiências individuais
e especificas de uma pessoa. Entretanto essas respostas seriam expressões dentro
do processo cognitivo (BECK, 1963; 1964).

78
A Terapia Cognitiva atualmente, conhecida de Terapia Cognitiva-
Comportamental (TCC) tem se evidenciado pela verídica aceitação à conservação
empírica de seus métodos e procedimentos de tratamento, de modo a assegurar que
a utilização dos padrões terapêuticos não extrapola a axioma da sua eficiência. Assim
é importante que o terapeuta tenha fundamentação teórica sólida bem como a
dominação das práticas e das técnicas além de uma boa relação com o paciente,
sabendo-se que cada caso é um caso individualmente (DOBSON; DOBSON, 2009).
De acordo com Beck et al (2004) na Terapia procura-se definir claramente os
objetivos, especificando-os de acordo com os problemas e situações trazidas pela
pessoa. O ponto de partida é saber a origem do sofrimento. Portanto, as cognições
(pensamentos, crenças, interpretações) de um indivíduo frente a situações
influenciam suas emoções e comportamentos.
Em decorrência da situação de vulnerabilidade cognitiva específica predispõe
a pessoa a uma síndrome específica, no sentido mal adaptado suscita a
psicopatologia, que se apresenta em três áreas (Tríade Cognitiva): visão negativa
sobre si mesma, sobre a sua vivência de mundo e do seu futuro. Estes pensamentos
são denominados de “automáticos”, por não necessitarem ser estimulados pelo
indivíduo para poderem ser esclarecidos. É através deles que o paciente e o terapeuta
conectam as respostas dos processos analisados comandados pelos esquemas.
Mas para isso é preciso que a situação seja avaliada (interpretada) de modo a
propor objetivos relevantes para o indivíduo (sobrevivência, status, recursos sociais,
autoestima, relações afetivas, e outros). Agora a forma como a situação é avaliada
vai depender como a pessoa interpreta no dia a dia, ou seja, nas suas crenças
subjetivas, logo o que fica registrado como relevante na verdade não é representando
assim distorções cognitivas da realidade vivida.
Então a partir daí é provável se chegar às crenças centrais do indivíduo, que
são os pensamentos mais fixos e enraizados em decorrência de experiência vivida
desde a fase da infância com pensamentos negativos, distorcidos e equivocados dos
fatos da vida e com relação às pessoas em achar que todos são agressivos e
inconfiáveis.
E esta ideia é aprofundada na mente e acabam sendo consideradas como
verdades absolutas, causando sofrimentos psicológicos no decorrer da sua vida
adulta. Por tanto, essas são as estratégias construídas que causam resultados
negativos sobre si e sobre o vínculo com o mundo.

79
Por isso, os esquemas desenvolvem possibilidades para que o indivíduo possa
conviver e se adaptar ao mundo no qual está inserido (NOVOLAR, 2004).

Segundo Souza, diante de toda análise sobre a Terapia Cognitiva-


Comportamental (TCC) busca-se através dela atualizar e cuidar de
comportamentos considerados distorções cognitivas disfuncionais que
geralmente causam transtornos psiquiátricos ao ser humano, como por
exemplo, o transtorno do estresse, da ansiedade, da depressão, do pânico,
do humor, e outros (SOUZA, 2006).

Desta forma ao ser empregado no contexto do indivíduo homoafetivo, o que


está em análise não é sua condição sexual e sim a sua psicopatologia. Nesta análise
a TCC não diferencia um do outro, seja homoafetivo ou heterossexual, trata-se de
seres humanos que podem apresentar alterações nos modos disfuncionais de
pensamentos e nisto a terapia vem auxiliar esses pacientes a compreender melhor
suas emoções, suas percepções, seus pensamentos e sua interferência nos seus
comportamentos, ou seja, através desses vai ajudá-los a identificar a melhor maneira
de como comportar-se e agir perante determinada situação.
Sabe-se que todo ser humano passa por problemas, tensões, medos,
incertezas, ansiedades, ambições e com os mesmos sofrimentos, independente da
sua orientação sexual como já visto no capítulo anterior, entretanto os homoafetivos
sofrem em virtude do preconceito, da discriminação e da homofobia.
Estas experiências negativas são distorções que ocorrem gerando mudanças
de comportamento na forma do indivíduo avaliar a si mesmo e o mundo em que vive.
Esses sofrimentos psíquicos oriundos de causas externas são pontos de partida para
o tratamento com a Terapia cognitiva-comportamental, uma vez que esta vai traçar
estratégias para se resolver o problema de maneira a superá-lo.

Segundo Novolar, desta forma, a TCC é importante para entender melhor a


condição do sofrimento dessas pessoas homoafetivas, de forma a analisar as
percepções, as emoções, o pensamento e as atitudes que acabam afetando
os mesmos. No tratamento é considerável a utilização de técnicas ativas na
relação entre terapeuta e paciente, com intervenções claras e feedback
recíproco entre os envolvidos, com interferências no processo esquemático
distorcido e testando novas suposições de cognição que sejam eficazes no
tratamento de maneira que as mesmas possam vir a enfrentá-las (NOVOLAR,
2004).

Dentro desse contexto faz-se necessário descobrir as motivações cognitivas


que levaram o paciente homoafetivo as essas distorções de comportamento. Para isso
o terapeuta deve investigar quais são as crenças negativas ou prejudiciais que

80
atrapalham e inviabilizam o paciente a desenvolver uma determinada ação. Com isso
as práticas apropriadas e tais cognições serão analisadas e alteradas para que os
problemas de fato venham a desaparecer e serem superados com o tempo.
Para tal, o terapeuta e o paciente lidam juntos com a situação de a identificar
essas causas e assim prosseguir com técnicas que venham a tratar do problema,
como por exemplo: a de inoculação do estresse, que envolve também a preparação,
o treino em habilidades básicas e o confronto.
Estas de certa maneira com intuito de treinar o homoafetivo, em experiências
de situações estressantes para que assim ele venha a utilizar suas habilidades e
mecanismos para o enfrentamento real do problema.
O alicerce, portanto, da terapia cognitivo-comportamental conforme descreve
Beck (2006) é que os pensamentos, sentimentos e crenças (cognições) exercem um
papel fundamental nos comportamentos.
Se na terapia comportamental o destaque maior esteve na influência do meio
ambiente no comportamento, na teoria cognitiva-comportamental (TCC) a
possibilidade é de que o que venha acontecer internamente no indivíduo, em sua
cognição, tem maior importância para que as mudanças sejam duradouras.
Portanto, a Terapia Cognitiva-Comportamental é imprescindível no tratamento
dos indivíduos homoafetivos que apresentam algum tipo de distúrbios sejam
emocionais ou psicológicos, para isso é fundamental investigar, experienciar realidade
e corrigir essas interferências e crenças disfuncionais, modificando-as por outras
crenças e pensamentos que viabilizem a esses pacientes vivenciarem novos
comportamentos e sentimentos menos desfavoráveis a ele mesmo e
consequentemente aos outros, agindo de maneira mais funcional para prosseguir com
uma vida mais saudável e adaptável.

11 FORMAS DE ENFRETAMENTO E BEM-ESTAR SUBJETIVO NA VIVÊNCIA DA


HOMOAFETIVIDADE

Dentro do contexto de vida das pessoas de orientação sexual homoafetiva, se


evidencia a existência de situações envolvendo o preconceito e a discriminação, em
virtude de causas externas levam muitas vezes essas pessoas a segregação social e
com isso experienciam tensões que causam sofrimentos psíquicos procedentes do

81
meio. Entretanto, pelo fato das pessoas homoafetivas estarem mais suscetíveis as
circunstâncias constantes desse preconceito e discriminação sexual acabam
adquirindo elevados níveis de transtorno do estresse, acarretando em estragos à
saúde e na convivência social (MEYER, 2005).
Todavia, se constata que essas situações conflitantes que o homoafetivo
vivencia no seu meio uma das maneiras de se minimizar, combater e vencer o
estresse, ou seja, o problema é através das estratégias de enfrentamento que irão
apresentar ações, condutas e reflexões nos quais buscarão conduzir os estressantes,
no caso especifico (os homoafetivos) a tratar com os seus estressores (os
homofóbicos). De acordo com Lazarus e Folkman (1984) os enfretamentos da
discriminação mais utilizados por pessoas de orientação sexual homoafetiva
envolvem duas dimensões fundamentais: o foco no problema e o foco na emoção.
A primeira procura alterar a ligação do indivíduo com o ambiente onde está
inserido, destacando a busca pela origem da causa do problema, com intuito de
modificar, minimizar e voltar ao estado de bem-estar. É uma das técnicas que
registram o maior envolvimento de interação nas intervenções realizadas. O foco do
problema normalmente acontece quando é notado a expectativa de mudança entre a
pessoa e o estressor.
Já o segundo busca sinalizar como deve agir em determinada situação com a
pessoa estressora, ajustando o seu comportamento às oportunidades de conduzir
com o problema. Essa é uma maneira passiva para combater o estressor,
estabelecendo e manipulando o resultado emotivo
Oriundo do estresse e reconstruindo a homeostase com o apoio na adequação
subjetiva (LAZARUS; FOLKMAN, 1984). Muita gente faz uso do foco da emoção como
meio de garantir a esperança e a confiança frente ao transtorno, mas essa postura é
investida para desviar o pensar ou atuar sobre o fato. Neste foco surge
frequentemente quando ao realizar uma reflexão sobre o estressor, a pessoa não se
sente eficiente e fortalecido para enfrentar o problema, suportando e controlando a
tensão por meio de regulações afetivas distintas.

Segundo Faria, nesse sentido, há ainda outros tipos de enfrentamento além


dos relacionados acima, são eles: a religiosidade e o suporte social. A
religiosidade como forma de buscar soluções e respostas relacionadas às
questões religiosas, pautada na fé, exercendo um significado de defesa
diante da discriminação. O suporte social é criação de teias de apoio ligadas
as pessoas mais importantes para o indivíduo. Todas são formas de
confrontar e combater o estresse (FARIA, et al 2005).

82
Portanto, o intuito da motivação das estratégias de enfrentamento é admitir,
diminuir, assimilar ou desconsiderar o estressor, sendo um meio de adaptação para a
solução da situação e condução do estresse em circunstancias individuais. Então,
espera-se que a teoria da concessão da causalidade seja imprescindível para se
compreender os fatores externos e internos que acabam interferindo nos
acontecimentos do cotidiano e essas causas podem modificar comportamentos
(LAZARUS, 1999).
Para tal é conveniente ressaltar que tanto a causalidade interna e externa,
podem apresentar misturadas, pois vão depender de outros fatores que irão interferir
nos eventos, tanto em situações de sucesso, de fracasso ou mesmo cogitado como
um evento importante ou não na vida da pessoa homoafetiva. (ROTTER, 1990).
Desta forma Rotter (1990) destaca que o “locus” de controle apresenta-se como
indicação e interpretação de como os indivíduos reagem a determinada situação no
ambiente em que estão inseridos. E a depender, alguns indivíduos aparecem mais
satisfeitos com suas vidas e sentem emoções mais fortes, expõem seus pensamentos
claramente e lidam com os problemas de maneira otimista, demonstrando maior locus
de controle interno.
Já para alguns indivíduos locus de controle externo se apresentam a partir da
causalidade dos acontecimentos sem interferir significativamente no comportamento
e as estratégias focadas na emoção e na religiosidade favorece essa ideia, visto que
a discriminação excede a possibilidade de alterar a origem do preconceito, em
consequência tendo o indivíduo que trabalhar com suas emoções negativas,
procurando minimizá-las ou superá-las (ABBAD; MENEZES, 2004; ROTTER, 1990).
De acordo com Rotter (1990) na relação entre o enfretamento lócus de controle
interno, nota-se a conexão entre o foco no problema e o suporte social, ao passo que
os lócus de controle externo se correlacionam com o foco na emoção e na busca da
religiosidade.
Embora a homoafetividade tenha que lidar com essas formas de enfretamentos
mencionados anteriormente para minimizar ou até superar determinado problema que
afeta sua vida diária, busca-se através das estratégias de enfrentamento ter uma vida
saudável de qualidade, mas para isso é preciso que se sinta feliz. Apesar da tendência
de vida contemporânea não incentivar as pessoas a analisarem seus momentos de
felicidade e sim a organizar sua rotina diária para vencer os obstáculos da vida
moderna.

83
Para que o homoafetivo busque o bem-estar Subjetivo (BES) que é o estado
de felicidade, de prazer é preciso que o mesmo reconheça manter em nível alto de
entusiasmo com a vida, níveis elevados de vivências emocionantes otimistas e níveis
baixos de vivências emocionantes pessimistas.
No entanto para se ter acesso ao bem-estar subjetivo, considera-se que cada
indivíduo possa avaliar sua própria vida, utilizando pensamentos subjetivos positivos,
e nesse segmento, apoia-se em suas perspectivas, seus valores, emoções e vivências
anteriores. Segundo Diener e Lucas (2000), essas concepções estão estruturadas em
ideias e sentimentos relacionados a realidade pessoal e o BES ou felicidade seria uma
construção formada por dois grupos de sentimentos distintos: afetos positivos
(autoestima, auto aceitação, autoimagem e o auto respeito) e negativos (com traços
de ansiedade e depressão).
No Brasil estes afetos positivos são validados por Siqueira e Cols. (1999) por
seis itens (feliz, alegre, animado, bem, satisfeito e contente), já os negativos por oito
(irritado, desmotivado, angustiado, deprimido, chateado, nervoso, triste e
desanimado). Portanto, o bem-estar Subjetivo (BES) é a pura satisfação com a vida,
é o prazer de viver intensamente, é a avaliação que o homoafetivo faz sobre sua vida
e da sua existência, é, portanto, a busca pela qualidade de vida independente de
crença, valores culturais, religiosos, sociais e econômicas, dos anseios e
necessidades pessoais. É utilizar de mecanismos eficientes para enfrentar e combater
os problemas que possam surgir no dia-a-dia, é procurar viver uma vida saudável e
aprender a conviver com todos os tipos de sentimentos e afetos, sejam eles positivos
e negativos.

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