Os Guarani e o Direito Ao Centro Da Terra

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OS GUARANI

E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA


Aranduká
www.aranduka.com.br
[email protected]
Avenida Iguatemi, 99, Caixa Postal 185
Naviraí, Mato Grosso do Sul, Brasil
CEP 79.950-970

Editor
Manuel Munhoz Caleiro

Editora Adjunta
Amanda Ferraz da Silveira

Conselho Editorial
Alma Guadalupe Melgarito Rocha
Amanda Ferraz da Silveira
Anibal Alejandro Rojas Hernandez
Antônio Carlos Diegues
Antônio Carlos Wolkmer
Bartomeu Melià SJ (in memorian)
Bruna Balbi Gonçalves
Carlos Frederico Marés de Souza Filho
Carmen Alice Cohene Mercado
Clovis Antonio Brighenti
Daniel Sandoval Cervantes
Edson Damas da Silveira
Heline Sivini Ferreira
Horacio Machado Aráoz
Joaquim Shiraishi Neto
Jorge Ramón Montenegro Gomez
Juan Pablo Neri
Katya Izaguirre Torres
Levi Marques Pereira
Luis Tapia Mealla
Magali Vianca Copa Pabón
Marcelo Bogado
Maria Cristina Vidotte Blanco Tárrega
Maria Inês Ladeira
Patrícia Albornoz Guzmán
Pedro Pachaguaya Yujra
René Kuppe
Rosa Sebastiana Colmán
Rosembert Ariza Santamaría
Tiago Resende Botelho
Walter Antillón Montealegre
Manuel Munhoz Caleiro

OS GUARANI
E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA

DIREITOS TERRITORIAIS ORIGINÁRIOS E PRESERVACIONISMO


NO PARQUE NACIONAL DO IGUAÇU
Editoração e projeto gráfico
Manuel Caleiro

Revisão, normalização e preparação de texto


Amanda Ferraz da Silveira

Capa
Frederico Tizzot

Ilustrações do miolo
João Zoccoli

Impresso no Brasil
Realizado o depósito legal obrigatório na Biblioteca Nacional
Lei 10.994, de 14 de dezembro de 2004

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Caleiro, Manuel Munhoz


Os Guarani e o direito ao centro da terra : direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do
Iguaçu / Manuel Munhoz Caleiro. -- 2. ed. Naviraí, MS : Aranduká, 2021.
PDF

Bibliografia.
ISBN 978-65-994270-3-9

1. Indígenas Guarani 2. Índios Guarani - Posse da terra - Parque Nacional do Iguaçu (PR) 3. Índios Guarani
- Território 4. Territorialidade I. Título.

21-59946 CDU-340

Índices para catálogo sistemático:


1. Indígenas Guarani : Territorialidade : Direito 340
Cibele Maria Dias - Bibliotecária - CRB-8/9427

Apoio:
Guaranikuera ikove Yvy Mbyte
Arandu porã ogueno ‘ãche va’e
Oñembo’e porã va’e rokárupi aroguata tatachina
A’évyty, ñe’a* che mby’a gachu rekorã aikuaa iño va’erã.
A’érupi a’éramo aiko, che che Ñe’ey Ru Ete kuéry oecha anguã;
kuri katuéramo jepe ñe’ã mba’e i* e’iuka ño va’erã.

Un aspirante a la buena ciencia


Yo recorro los alrededores de las casas de quienes
pronuncianbuenas plegarias esparciendo la neblina.
Perseverando así, aprenderé numerosas palabras para fortalecer mi espíritu.
Por esto es que concurro a tales lugares, para que lo vean los verdaderos padres de mi alma;
y para que en un futuro no lejano me hagan decir muchas palabras

Ayvu Rapyta, Leon Cadogan


AGRADECIMENTOS

À divindade, por me inspirar e guiar pelos caminhos que fiz.


Henrique e Conceição, pelo incondicional amor e apoio, desde sempre, assim como
pelos esforços em minha formação. Cujos exemplos e ensinamentos procuro seguir e sem-
pre continuarei procurando. Henrique Jr, Úrsula, Mariana, Juliana, Leonardo, Gabriel e
Felipe, pelo convívio harmonioso. Estendo este agradecimento a todos familiares.
Amanda, por apoiar minhas escolhas; compreender minhas ausências; por ter levado
adiante nossos projetos de vida quando não pude estar presente; pela inestimável contri-
buição na correção e revisão deste trabalho; pela cumplicidade e terno amor.
Guaranikuera, aguyjevete peême chemogúâhe porâ hagu. Peême chemo’ãrandu hague.
A todas amigas e amigos, que me furtarei de nomear para não incidir na indelicadeza
de esquecer alguém. Felizmente são muitas e muitos, vocês se reconhecerão aqui.
Carlos Frederico Marés de Souza Filho, quem insiro na lista acima e faço sempre
questão de me referir como Professor, com P maiúsculo mesmo. Quem a todos nós ensina,
com profunda simplicidade e sabedoria.
Pa’í Bartomeu Melià, SJ, pela generosidade com a qual se dispôs em me receber em
Assunção e compartilhar a sabedoria acumulada ao longo de uma caminhada de uma
vida ao lado dos Guarani; por me apresentar e me guiar por Yapuguay. Che py’a iteguive!
Marilu, pela sempre solícita colaboração.
Arnaldo Rivas Ayalla, Carmen Alice Cohene Mercado, Margarita Miro Ibars e Juan
Garcia Miro, pela amizade e hospitalidade em terras paraguaias.
Antônio Carlos Sant’Ana Diegues, Heline Sivini Ferreira, Jorge Ramón Montenegro
Gómez e Maria Cristina Vidotte Blanco Tárrega, pela amizade, ensinamentos, convívio
e participação na banca examinadora da tese de doutoramento.
Maria Inês Ladeira, por nos ensinar com seus passos, assim como pela leitura e
pósfácio dessa obra.
Toda equipe do Museu Andrés Barbero, Adelina, Raquel, Cecília, Ariel, María e
Bernardo. Por guardar, cuidar e disponibilizar de forma tão amável e aberta um precioso
acervo.
Todas e todos dos grupos de pesquisa Direito Socioambiental e Conflitos Socioam-
bientais. Como o conhecimento nasce e cresce coletivamente, somos ninhos privilegiados.
Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), estendendo os agradeci-
mentos para Eva de Fátima Curelo e Glair Braun. Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela viabilização da pesquisa, tanto no doutorado
no país quanto no estágio doutoral no Paraguai. Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq), pelo apoio aos projetos junto aos Guarani, estendendo
o agradecimento à União de Nações Sul-Americanas (UNASUL). Universidade Estadual
de Mato Grosso do Sul (UEMS) e Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD),
pelos apoios que destinaram à obra.
A todas e todos vocês, nosso mais sincero agradecimento.
SUMÁRIO

A SELVA E A SOJA
Prefácio, por Carlos Frederico Marés de Souza Filho ............................................................... 15

INTRODUÇÃO .................................................................................................. 19

COLONIZAÇÃO IBÉRICA SOBRE TERRITÓRIOS GUARANI ................... 29


Domínios territoriais Guarani pré-coloniais .............................................................................. 31
Exploração inicial do “novo” mundo ............................................................................................ 41
Institucionalidades ibéricas e (in)justificação da conquista ..................................................... 52
Núcleos de conquista e colonização ............................................................................................. 62
Sesmarias e encomiendas ................................................................................................................ 74
Redução como resistência ............................................................................................................... 85
Trinta povos das missões ................................................................................................................. 97

ESTADOS NACIONAIS E O AVANÇO DA FRONTEIRA AGRÍCOLA ........ 113


Independência e revolução no Paraguai .................................................................................... 115
Guerra da tríplice aliança .............................................................................................................. 127
Riquezas que brotam do suor e sangue ...................................................................................... 137
Colonização do Centro da Terra ................................................................................................ 149
O alagamento da pedra que canta ............................................................................................... 163

DA INVISIBILIDADE À RETOMADA ............................................................ 175


Identidades Guarani ...................................................................................................................... 177
Terras e territórios .......................................................................................................................... 186
Moderninade e natureza ............................................................................................................... 198
Conflito e contradição .................................................................................................................. 209
A interface e os direitos coletivos ................................................................................................ 223

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 241

A HISTÓRIA RETOMADA
Posfácio, por Maria Inês Ladeira ................................................................................................. 245

REFERÊNCIAS ................................................................................................. 251


LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Região de etnogênese e vetores de dispersão Guarani .............................................. 32


Figura 2: Épocas das expansões territoriais Guarani ................................................................. 33
Figura 3: Domínios territoriais Guarani ao início da conquista ibérica ................................ 39
Figura 4: Principais linhas do caminho de Peabiru ................................................................... 47
Figura 5: Planisfério de Cantino, de 1502 ................................................................................... 55
Figura 6: Linha de Tordesilhas e capitanias hereditárias .......................................................... 69
Figura 7: São Paulo e os vetores de colonização no Brasil ........................................................ 78
Figura 8: Primeiros povoados hispânicos na Bacia do Prata .................................................... 84
Figura 9: Primeiras reduções franciscanas ................................................................................... 87
Figura 10: Regiões missioneiras do Itatim, Guayrá, Acaray, Paraná, Uruguay e Tape ........ 91
Figura 11: Expedições bandeirantes e êxodos no Guayrá e Tape ............................................ 95
Figura 12: Os trinta povos das missões ........................................................................................ 98
Figura 13: Um modelo de urbe reducional ................................................................................. 99
Figura 14: Os trinta Povos das Missões e suas estâncias ......................................................... 101
Figura 15: Limites do tratado de Madri .................................................................................... 105
Figura 16: Deslocamentos de tropas coloniais e batalhas da guerra guaranítica ............... 108
Figura 17: Comparativo de concentrações demográficas ...................................................... 116
Figura 18: Alterações territoriais e deslocamentos na guerra da tríplice aliança ............... 133
Figura 19: Concessões de terras a grandes empresas no leste do Paraguai .......................... 141
Figura 20: Concessões de terras a grandes empresas no oeste do Paraná ............................ 144
Figura 21: Colônias militares de Chopim e Chapecó ............................................................ 146
Figura 22: Território contestado ................................................................................................. 147
Figura 24: Território Federal do Iguaçu ..................................................................................... 156
Figura 25: Comparativo da área alagada por Itaipu, com imagens de 1981 e 2014 .......... 167
Figura 26: Deslocamentos Guarani refugiados pelo alagamento de Itaipu no Brasil ....... 169
Figura 27: Deslocamentos Guarani refugiados pelo alagamento de Itaipu no Paraguai . 170
Figura 28: Concentrações demográficas Guarani ................................................................... 182
Figura 29: Comunidades Guarani na tríplice fronteira .......................................................... 183
Figura 30: Terras ocupadas pelos Guarani no Brasil ............................................................... 189
Figura 31: Terras ocupadas pelos Guarani no Paraguai .......................................................... 193
Figura 32: Comparação das áreas do Parque Nacional do Iguaçu ........................................ 211
A selva e a soja
Prefácio
por Carlos Frederico Marés de Souza Filho
A SELVA E A SOJA | 17
Prefário, por Carlos Frederico Marés de Souza Filho

Que lê desavisadamente os “Contos da Selva”, de Horácio Quiroga, pode imaginar


que as fortes e estranhas histórias se passam num longínquo canto da Amazônia, mas
não. São contadas e ambientadas no coração do mundo Guarani, nas barrancas do Rio
Paraná. Quem vê, hoje, essa região com a monótona paisagem causada pela destruição da
selva, as vastas plantações de soja, eucalipto e pasto pode imaginar, se lhe faltar cultura
histórica, que ali não pode ter existido densa e úmida selva e morado uma variedade incrí-
vel de bichos, peixes nos rios, e gente. Pode imaginar que as novas plantas homogêneas e
contaminadas tenham matado lebres, perdizes e tatus, mas não onças, varas de queijadas,
jacus e capelas barulhentas de bugios. Então, o desavisado, pode acreditar que ali não é,
nem nunca foi, o coração do mundo Guarani.
As exuberantes fauna e flora descritas por Quiroga parecem não combinar com a
paisagem devastada dos dias de hoje. E as gentes? O que é do povo que andava por ali,
formava trilhas, conhecia cada planta e bicho por seu nome, comia, rezava, nadava, des-
cansava e ria, construindo suas moradas e plantações tão invisíveis quanto eles mesmos,
só reconhecíveis por quem se aproximava muito?
Como nuvem de gafanhotos insaciáveis, o que se chama de civilização foi devastando
a grandeza da floresta, transformando em madeira o que fosse fácil e cinzas o restante,
afastando animais e gentes para pequenos espaços mais difíceis de destruir, grotões, o outro
lado dos grandes rios, pedregais. Na terra nua, plantas proibidas à natureza e aos naturais.
Curioso, os que devastaram a floresta gigantesca vão se esquecendo de sua existência e
de seus históricos habitantes, como se nunca tivessem existido e afirmam, quem sabe
com alguma sinceridade, que de fato nunca existiram árvores enormes, plantas, pássaros
e animais estranhos, diversos. Até os peixes foram diminuindo, acabando. Gente, ora,
ninguém conseguiria viver naquela selva insalubre, de onde tiraria o sustento?
É claro que, no contra-argumento da destruição, a diligência de pessoas sábias, que
olham as coisas do mundo com certa distância, resolveu preservar alguns espaços, bos-
ques, para que as futuras gerações soubessem que um dia existiu uma mata com animais e
plantas, inúteis talvez, mas que recordassem o que foi o mundo antes da civilização antes
das gentes. Para isso, é claro, há de ser proibido o acesso a esses espaços de natureza, às
pessoas está reservado o mundo urbano, civilizado, com água encanada e ar refrigerado,
não carecendo assim nem do rio cristalino nem da sombra das árvores. Ora, a quem pode
ocorrer beber água de um riacho ou descansar na sombra de uma árvore se pode tirar água
fresca da geladeira e acomodar-se na poltrona da sala refrigerada?
E as gentes que viviam nas florestas, que construíram as trilhas, enterram seus mor-
tos, colheram pinhão, fizeram roças, podaram, secaram e beberam erva-mate? As futuras
gerações não precisam saber quem foram, porque a sua existência manchou de sangue as
18 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

mãos dos pioneiros. A memória, ou o esquecimento, fazem com que não saibam quem
são e alguns mais incrédulos e pragmáticos simplesmente negam que algum dia tenham
existido esse povo. Afinal, como poderia ter vivido um povo no meio da tremenda floresta
insalubre e perigosa, sem água encanada, luz e telefone? Pois viveu, e mais de um. E esta
verdade não pode ser desdenhada.
O irônico é que as casas, templos, roças, caminhos desses povos se misturavam
com a floresta e era feito de tal forma que em pouco tempo deixava de ser vista a olho
nu, bastava não usar para floresta resilir. Essa integração com a natureza, impensável à
civilização moderna, facilita o encobrimento dos povos e de outras civilizações. Para des-
velar os povos da floresta é preciso um trabalho mais próximo, dedicado, especializado,
mas perfeitamente possível, basta querer ver e se encontrará os instrumentos, a marca
dos caminhos, dos cemitérios, das roças, das casas e templos. Mas há que querer! Olhar
atento é necessário, independência é fundamental, qualquer compromisso com interesses
econômicos cega o querer.
Este livro está escrito por quem procurou os vestígios, as provas, a revelação histórica,
com independência, disposto duvidar de tudo que via, lia ou escutava, como um detetive
que se informa e busca a comprovação da informação. A isto a modernidade deu o nome
de ciência, então, este é um livro científico. Mas não se engane o leitor, não está em posse
de um livro hermético, muito ao contrário, a erudição fica escondida atrás do coloquial,
como se as revelações fossem óbvias e não tivessem dependido de uma exaustiva pesquisa
histórica, documental, antropológica, arqueológica, jurídica.
O livro trata do povo Guarani. Um povo invisível, com direitos invisíveis, com ter-
ritório invisível. Invisível? O livro demonstra que não, mas que teve a sina histórica de ser
olhado por cegos ou por senhores severos que, intencionalmente, ajustavam as vendas aos
olhos para não ver. Felizmente sempre há os que retiram as vendas, limpam os olhos e o
coração e procuram a verdade, que aparece límpida e transparente. Os Guarani, um povo
da floresta, com uma vasta cultura que é capaz de tirar da natureza e restituir em seguida a
cura de todos os males, e que sabe que a terra devastada ou alagada e os parques proibidos
são o centro do mundo, do seu mundo, estão dispostos a lutar e morrer por ele. Este livro
de Manuel Munhoz Caleiro nasce como um clássico da literatura guaranítica. Imperdível.

Curitiba, fevereiro de 2019.


Introdução
INTRODUÇÃO | 21

Este livro decorre da pesquisa realizada para fins de elaboração e defesa de tese de
doutoramento em Direito Socioambiental e Sustentabilidade, perante o Programa de
Pós-Graduação em Direito Econômico, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
Eis a tese: o espaço em que foi criado o Parque Nacional do Iguaçu é parte essencial do
território Guarani e, portanto, caberia ao estado brasileiro a desafetação da área como
unidade de conservação de proteção integral e sua demarcação como terra indígena.
A pesquisa realizada, ao contrário do que possa incialmente parecer, não indica que
a área do parque deve ser desafetada e demarcada como terra indígena. Isso porque ela não
se situa no campo do “dever ser”, mero sentido deontológico que infelizmente domina
a grande maioria das pesquisas no campo jurídico. Adiantando ao público leitor, desde
já indicamos: a hipótese inicial positiva foi confirmada ao final da pesquisa, concluindo
que sim, caberia a desafetação da área e demarcação como terra indígena Guarani. Isso
se a sociedade nacional brasileira, através do seu corpo político-estatal, respeitasse a nor-
mativa indigenista positivada e por ela mesma criada. Algo que está muito longe de se
observar, especialmente junto ao povo Guarani e especificamente no que se refere aos
seus direitos territoriais.
A realização da pesquisa implicou em exercício constante de alteridade e descons-
trução de certezas fundamentais que a modernidade fornece. Quem nela nasce e cresce,
ao tentar colocar os olhos para fora de seus limites e enxergar para além das linhas do
ocidente, sente duramente os golpes causados pelos estilhaços do desmoronamento de seus
pilares. A dificuldade se impõe especialmente a quem envereda pelos caminhos das ciências
jurídicas, cuja formação inicial tradicionalmente parte de ficções dogmáticas e fantasiosas
que são frutos e sementes dos estados e mentalidades nacionais. Tomadas tais ficções
como verdadeiras, é extremamente mais fácil cair nas armadilhas que se encontram nos
caminhos da construção do conhecimento que tenha relação com culturas não-modernas.
Com a maior parte daquilo que enxergam como seus territórios estando conquistada
e colonizada pela modernidade capitalista, historicamente o povo Guarani certamente é
aquele que mais conquista estudiosos/as modernos/as. A quantidade das fontes biblio-
gráficas impressiona ao ponto de haver obras que se apresentam como indexadores de
uma interminável bibliografia1 2. Nelas, como frutos de insistentes trabalhos de investi-
gação, análises, leituras e sistematização de um labirinto de documentos históricos, livros,
periódicos, corredores de congressos e casas de reza, há a possibilidade de enveredar por
vários longos caminhos. O número de fontes sobre os Guarani é grande ao ponto de haver

1 MELIÀ, Bartomeu. O Guarani: uma bibliografia etnológica. Santo Ângelo: Fundação Missioneira de Ensino Superior,
1987.
2 MELIÀ, Bartomeu; NAGEL, Liane Maria. Guaraníes y jesuítas en tiempo de las Misiones: una bibliografia didáctica.
Asunción: Biblioteca Nacional, 2015.
22 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

tendências e contra-tendências de pensamento acerca das diferentes interpretações que


os ensinamentos decorrentes da caminhada junto a este povo proporcionam. Quem se
propõe a caminhar ao seu lado, ainda que por poucos passos, aprende que sempre haverá
uma nova interpretação, um novo sentido, um novo caminho a ser indicado e percorrido
pelo pensamento. Desta maneira, nos ensinam que aquilo que vem sendo chamado de
‘Guarani de papel’3 são interpretações fragmentárias que decorrem de amostras efêmeras
de suas culturas, em que o constante movimento possibilita tão-somente interpretações
que se sustentam em dado momento, em dado espaço geográfico e em dado contexto
socioambiental.
Diante desta constatação, e perante a necessidade de levantamento de dados e inter-
pretação de caracteres culturais alheios, a pesquisa meramente bibliográfica seria o pior
equívoco a ser realizado. Todavia, a ignorância acerca dos métodos e ferramentas etno-
gráficas se impõe, além do fato de sua apreensão não terem sido objetivo da pesquisa. De
igual maneira, o não domínio de suas línguas levaria a uma compreensão sempre mediada
pela subjetividade da tradução. A opção diante destas barreiras foi selecionar fontes que se
apresentem como consistentes e reconhecidas pelos pares acadêmicos e, principalmente,
pelos próprios Guarani. Ainda que diante desta opção por dados antropológicos obtidos
por terceiros, a condução da pesquisa não foi desprovida de fortes direcionamentos pró-
prios, que foram fruto de observações e participações em encontros, reuniões, seminários,
congressos, oficinas, viagens, longas conversas e rezas. Nesses momentos, a oportunidade
de convívio possibilitou profundas lições que guiaram parte fundamentalmente relevante
da pesquisa.
Também pelas limitações em relação ao conhecimento da língua, foi ao máximo
evitado o uso de termos em Guarani no corpo desta obra. Agir no sentido contrário seria
apenas uma desrespeitosa tentativa de imprimir à sua redação uma demão de intercultu-
ralidade, instrumento metodológico tão rasa e largamente utilizado na crítica jurídica.
É preciso considerar que não raramente as palavras expressam conceitos que não são
unívocos, indicando concepções e significados que não coincidem dialetalmente entre
as diferentes identidades Guarani, assim como seu uso varia no tempo.
O uso das fontes ocidentais para o estudo de movimentos de colonização e resistên-
cia, contradição que norteou a pesquisa, é tortuoso. Como regra, são criadas a partir das
concepções dos colonizadores e, em se tratando do povo Guarani, elas podem ser indicadas
como: fontes arqueológicas; fontes históricas, que remontam ao início da exploração ini-
cial do “novo mundo” no século XVI; documentos do processo de colonização da virada

3 SANTOS, Maria Cristina. Clastres e Susnik: uma tradução do “Guarani de papel”. In: GADELHA, Regina Maria A. F.
(Ed.). Missões Guarani: impacto na socieade contemporânea. São Paulo: Educ/Fapesp, p. 205-219. p. 206.
INTRODUÇÃO | 23

do século XVI e século XVII; ampla documentação jesuíta nos séculos XVII e XVIII;
e estudos mais sistematizados nos séculos XIX a XXI. Somente neste último período
as fontes apresentam algum grau de alteridade. Nas demais restam como invisibilizados
pelas narrativas colonizadoras, ocultando o protagonismo Guarani em suas caminhadas.
Diante desta constatação, a investigação buscou se apoiar nas fontes que possibilitam, e
naquelas que da mesma maneira buscaram, enxergar para além do que estava escrito, para
além das linhas do ocidente.
As identidades Guarani são várias, não é nenhuma ousadia dizer que sempre foram.
A diversidade identitária contemporânea impressiona mesmo quando olhada uma micro-
-localidade. Mesmo diante desta constatação, a pesquisa assume a seriamente questionável
(para não dizer certamente imprecisa!) abordagem dos Guarani enquanto povo único.
Assim, a indicação de cinco diferentes grandes grupos identitários contemporâneos (Aché,
Chiriguano, Kaiowá, Ñandeva e Mbya) observa as formas que este povo assume em suas
articulações políticas regionais, assim como são apresentadas nas mais recentes fontes
bibliográficas4, realizadas em nível continental. Absolutamente, em nenhum momento
isso significa que foram desconsiderados os assimétricos sentimentos de pertencimento e
alteridade que se constroem entre os Guarani, por dinâmicas e completamente próprias
e muito pouco classificáveis ou agrupáveis. A observância da pesquisa é absoluta aos
critérios do autorreconhecimento enquanto definidores das identidades coletivas, assim
como seus pertencimentos individuais. Ao mesmo tempo, diante da fragmentariedade e
diversidade destes reconhecimentos, caracteres culturais comuns permitem reconhecê-los
como portadores de alguma unidade ‘guaranítica’, que não raras vezes é por eles mesmos
assumida perante as sociedades nacionais.
Para abordar juridicamente o conflito entre os direitos territoriais Guarani e o
Parque Nacional do Iguaçu, buscou-se na historicidade das relações deste povo com as
sociedades coloniais, ibéricas e/ou americanas, a interpretação daquilo que se constitui
como seus direitos, reconhecidos ou não nas normas estatais. Tal busca não se deu como
mera curiosidade em vasculhar o passado, mas sim pela necessidade de reconstrução da
materialidade dos processos e contradições pelas quais o atual conflito socioambiental
pesquisado se constitui. Para tanto, os esforços no sentido da transposição da materialidade
destes processos ao plano do pensamento se impuseram.
Ainda que a pesquisa contemple um extenso lapso temporal, a justificativa por esta
abordagem se apresentou na necessidade de retomar as linhas gerais das dinâmicas e dos
movimentos de colonização e resistência, em que concepções territoriais e territorialidades

4 MAPA GUARANI CONTINENTAL. Povos Guarani na Argentina, Bolívia, Brasil e Paraguai. Campo Grande:
CIMI, 2016.
24 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

modernas e tradicionais se contradizem. Considerando que a construção desta contra-


dição remete a invenção e invasão da América, para que o conflito fosse compreendido
não como abstrações dogmáticas socialmente construídas, mas como fruto de processos
contraditórios ocorridos desde então, mostrou-se necessário uma abordagem ampla em
termos temporais. Entretanto, reconhecendo as limitações de ampla escala temporal,
direcionamentos específicos foram dados à pesquisa e à redação do presente trabalho,
em que a seleção de recortes espaciais e temporais se impôs.
Para além das aparências iniciais que motivaram a pesquisa, imediatas e dotadas de
observações empíricas em atividades de pesquisa e militância junto ao povo Guarani, a
apreensão no mundo das ideias acerca das estruturas e dinâmicas dos movimentos contra-
ditórios entre colonização e resistência possibilitaram alguma aproximação à essencialidade
do conflito pesquisado. Reconhecendo que as relações com ele se construíram socialmente,
além de que o presente estudo se apresenta como fruto socialmente determinado, não
houve compromisso com supostas pretensões de neutralidades científicas.
Os compromissos assumidos, entretanto, decorrem unicamente de íntimos instin-
tos decorrentes de concepções do justo e do legítimo. Através deles, em conjunto com
constantes exercícios de alteridade, foi possível transpor a solidariedade inicial para com
um povo que teve seus territórios colonizados. A aguda perplexidade inicial, diante das
violências a que os Guarani historicamente receberam e continuam recebendo, se transfor-
mou em admiração às maneiras que resistem, além de profundas amizades. Reconhecendo
e assumindo os esforços para a repercussão da pesquisa na materialidade do conflito, a
objetividade e a clareza na comunicação foram perseguidas. No mesmo sentido, se privi-
legiou a aplicação de referenciais teóricos consolidados, em detrimento da apresentação
da discussão teórica em si mesma.
Na busca pela verificação da hipótese inicial positiva acima descrita, o objetivo geral
consistiu em estudar o conflito socioambiental entre a territorialidade Guarani e o Parque
Nacional do Iguaçu, cuja contradição inicialmente se apresenta através da sobreposição de
lógicas distintas de apropriação e uso do espaço. Como objetivos específicos, estabelece-
ram-se: I) compreender os movimentos de colonização ibérica sobre os territórios então
dominados pelos Guarani no início do século XVI. Para tanto, mostrou-se necessário
identificar a extensão de seus domínios territoriais pré-ibéricos; investigar os processos de
exploração, conquista e colonização; compreender as institucionalidades e instrumentos
da conquista; e analisar as formas de resistência Guarani nas reduções; II) analisar os
processos de colonização sobre os territórios Guarani promovidos pelos estados nacio-
nais latino-americanos. Neste sentido, buscou-se interpretar o processo revolucionário
paraguaio; pesquisar a reação imperial da guerra da tríplice aliança; analisar o processo
INTRODUÇÃO | 25

de avanço colonial sobre o centro da terra, o último grande refúgio Guarani diante da
colonização; identificar os impactos causados pelo reservatório da usina de Itaipu. III)
interpretar as relações entre os atores envolvidos no conflito, suas concepções territoriais,
suas territorialidades e o direito. Assim, procurou-se compreender a configuração identi-
tária do povo Guarani, relacionando-a com suas maneiras próprias de constituição e uso
do território; analisar como a modernidade capitalista impactou os territórios Guarani;
investigar os contextos de criação e desintrusão do Parque Nacional do Iguaçu, bem como
suas consequências aos Guarani; identificar qual a contradição entre a territorialidade
Guarani e o modelo moderno de proteção à natureza simbolizado pelo parque; e analisar
como a superação do conflito pode se fundamentar juridicamente nos direitos coletivos.
Fez-se uso do método de abordagem dialético e dos métodos de procedimento his-
tórico, monográfico e comparativo, além da utilização de técnicas de pesquisa documental
e bibliográfica. As fontes foram selecionadas em bibliotecas particulares e de consulta
pública, assim como em meios eletrônicos. A busca pela ampliação da base bibliográfica
acarretou viagens nacionais e internacionais, buscando a exploração dos acervos dos cen-
tros que produzem e disponibilizam fontes consistentes. Neste sentido, necessária foi a
realização de estágio doutoral no Paraguai, país que concentra não somente as fontes,
mas também apresenta de maneira mais visível a herança cultural Guarani. Os resultados
parciais da pesquisa foram apresentados em encontros e congressos, nacionais e interna-
cionais, em que a submissão aos pares foi realizada, com o recebimento de importantes
aportes e críticas.
Para que os objetivos pudessem ser alcançados, a tese foi estruturada em três capítu-
los. O primeiro deles se refere à colonização portuguesa e espanhola sobre os territórios
Guarani. Partindo do levantamento da presença Guarani imediatamente anterior ao iní-
cio da conquista, propõe-se a investigar os processos iniciais de exploração ibérica sobre
seus territórios, em que os movimentos sobre a Costa Atlântica e a Bacia do Prata viriam
influenciar nos vetores e sentidos iniciais da colonização. Com a constatação europeia
acerca da vastidão territorial latino-americana, as institucionalidades e sociedades ibéricas
viriam a se movimentar para empreender a conquista e a colonização da natureza e dos
povos nativos, buscando justificativas para as violências que eram cometidas. Estabelecidos
os primeiros núcleos colonizadores nas extremidades leste e oeste dos territórios Guarani,
a colonização avançaria através das sesmarias e encomiendas, formas colonizadoras que
apresentavam cada uma um viés. Enquanto a primeira, lusitana, tinha como eixo defini-
dor a apropriação das terras, a segunda se baseava no avanço hispânico sobre o trabalho
nativo. Reagindo inicialmente em alguns locais na forma de concentrações reducionais,
os Guarani firmaram uma aliança com aqueles que traziam uma colonização menos dura,
26 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

os jesuítas. Estes, por sua vez, se inseriam no projeto colonial através das tentativas de
colonização do espírito. Tal empreito, ressignificado pelos Guarani nas reduções missionei-
ras, acarretou na construção de territórios de autonomia econômica e relativa autonomia
política. Considerado uma ameaça à colonização, a parceria foi destruída pelos poderes
das metrópoles e colônias.
O segundo capítulo aborda os processos de colonização empreendidos pelos estados
nacionais latino-americanos. A partir da compreensão dos significados e consequências
do processo de independência e revolução no Paraguai, aborda-se a reação imperial à
sua experiência autonômica, baseada em caracteres psicossociais Guarani aportados na
sociedade crioula paraguaia. Tendo surgido como potência mundial em virtude de ter
sido o berço da revolução industrial, os interesses ingleses e do modo de produção mun-
dializado que viria a se estabelecer foram determinantes na atuação da tríplice aliança,
formada por Argentina, Brasil e Uruguai. Consolidado o genocídio que a guerra imprimiu
ao Paraguai, e por consequência ao povo Guarani, a colonização faria incursões em busca
de erva mate e madeira, transformadas em mercadorias cuja extração era realizada pelo
trabalho Guarani escravizado. Avançando sobre o último grande refúgio deste povo, que
coincidia com Yvy Mbyte, o centro da terra criada e deixada pela divindade, uma nova
forma de agricultura substituiria a natureza na maior parte da Bacia do Prata. Aos Guarani,
que dela se refugiavam nas margens do Rio Paraná, estava reservado o mítico dilúvio pelo
alagamento decorrente da barragem de Itaipu.
Por fim, o terceiro capítulo volta-se à discussão sobre as contemporâneas identidades
coletivas Guarani, seus caracteres identitários, manifestação de suas territorialidades, e
seus contrastes com a modernidade e o direito moderno. Do povo que até recentemente
negava as disputas por terras, diante da concepção da desnecessidade conflitiva por enxer-
gar no compartilhamento de territórios uma questão elementar, a identidade precisava
reagir em virtude do apocalipse colonial. Na retomada de terras reside o novo elemento e
instrumento de resistência cultural e territorial. Em meio a estes processos, estão os espa-
ços naturais protegidos, criados pela modernidade para defender a natureza de si mesma.
Todavia, a intocabilidade destes espaços não se justifica diante do povo que enxerga na
natureza da Mata Atlântica os seus mundos, cujas manifestações culturais não obedecem
a lógicas modernas. Desta maneira, a contradição entre o Parque Nacional do Iguaçu e a
territorialidade Guarani no centro da terra resta como falsa, embora contemporaneamente
o conflito socioambiental se apresente com outra contradição. Como lacunas dentro do
direito brasileiro, moderno e capitalista, os direitos coletivos dos povos são suficiente-
mente reconhecidos para fundamentar juridicamente a superação deste conflito, embora
solenemente ignorados pelo estado e pela sociedade nacional.
INTRODUÇÃO | 27

A presente pesquisa se insere em um contexto mais amplo de, decorrendo das inves-
tigações e conclusões da pesquisa realizada no âmbito do projeto “A Questão Indígena
no Oeste do Paraná e a Reconstrução do Território Avá-Guarani”, apoiado no processo
número 486916/2012-0, da Chamada Universal número 14/2012, do Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Se insere também no âmbito do
projeto “Povo Guarani na Tríplice Fronteira: Reterritorialização e Segurança Alimentar e
Nutricional”, apoiado no processo número 443341/2016­8, da Chamada Universal número
16/2016, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq),
que contou com o apoio União das Nações Sul-Americanas (UNASUL). A realização de
ambos os projetos se deu no âmbito do grupo de pesquisa “Meio Ambiente: Sociedades
Tradicionais e Sociedade Hegemônica”, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em
Direito Econômico e Socioambiental, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
Espera-se que a pesquisa, e que este livro, tenha alguma utilidade para os Guarani,
servindo-lhes de alguma maneira em suas caminhadas. Caso contrário, a obra se constituirá
como mero debate de consciência intestino da sociedade nacional, tal qual o realizado
Valladolid5.

5 BRUNSTETTER, Daniel R.; ZARTNER, Dana. Just war against barbarians: revisiting the Valladolid debates between
Sepúlveda and Las Casas. Political Studies, v. 59, n. 3, p. 733-752, 2011.
Colonização ibérica sobre
territórios Guarani
COLONIZAÇÃO IBÉRICA SOBRE TERRITÓRIOS GUARANI | 31
Domínios territoriais Guarani pré-coloniais

DOMÍNIOS TERRITORIAIS GUARANI PRÉ-COLONIAIS

Ainda que as fontes arqueológicas apresentem lacunas sobre as origens e os grandes


movimentos migratórios dos povos ancestrais da família linguística Tupi-Guarani1, há
consenso científico sobre a existência de uma origem comum2 3 de onde se constituíram tais
identidades, no sul da bacia amazônica4 5 6. Dentro desta família linguística, por sua vez, é
possível destacar duas dentre as grandes ondas migratórias ocorridas neste continente antes
do início da conquista europeia. Em virtude de alterações climáticas extremas, partindo
do sul da Amazônia em direção à mata atlântica em ondas não lineares no espaço e em
tempos distintos a partir de aproximadamente 0 a 200 d.C., grupos proto-mbyá e proto-
cario se estabeleceram na parte oriental da Bacia do Prata, nas margens do Rio Paraná,
desde aproximadamente as Sete Quedas até a região do Arroio Piray Guaçu, tendo como
ponto central aproximado a foz do Rio Iguaçu.
Destes dois grupos o primeiro a se estabelecer na região foi o proto-mbyá7, que
manifestava uma cultura agrícola de subsistência, com cerâmicas onduladas e que viviam
em comunidades compostas por núcleos de uma só linhagem paterna poligâmica, em
que predominava a família extensa e que geralmente era composta por 30 a 100 núcleos
familiares (compostos de 4 a 6 pessoas cada). Esta forma de organização das comunidades
proto-mbyá se dispersava pelas terras da região dos Rios Paraguai, Paraná e Paranapanema.
Com características culturais exclusivistas, estes grupos se organizavam em unidades
autônomas que pouco se relacionavam8, ainda que houvesse o reconhecimento de uma
identidade comum.
O segundo grupo a se estabelecer na região é o proto-cario, que inicia sua chegada
em torno de cinco séculos após os proto-mbyá. Eram dotados de algumas características
culturais distintas9, como maior capacidade canoeira, o que acarretava na ocupação de
territórios mais amplos nas cercanias dos rios onde se estabeleciam. Possuíam também
uma agricultura mais intensiva, podendo ser apontado também o predomínio de uma

1 MELIÀ, Bartomeu. Camino Guarani: De lejos venimos, hacia más lejos caminamos. Asunción: CEPAG, 2016. p. 15.
2 METRAUX, Alfred. Migraciones historicas de los Tupi-Guarani. Tradução José Miranda. Resistencia: Universidad
Nacional del Nordeste, 1974.
3 BROCHADO, José Proenza. An Ecological Model of the Spread of Pottery and Agriculture into Eastern South
America. 1984. 574 f. Tese (Doutorado em Antropologia) - University of Illinois, Urbana-Champaign, 1984.
4 NOELLI, Francisco Silva. La distribución geográfica de las evidencias arqueológicas Guaraní (Brasil, Argentina, Uruguay
y Paraguay). Tellus, Campo Grande, ano 4, pt. 2, n. 7, p. 15-36, out. 2004.
5 BONOMO, Mariano; COSTA ANGRIZANI, Rodrigo; APOLINAIRE, Eduardo; NOELLI, Francisco Silva. A
model for the Guaraní expansion in the La Plata Basin and littoral zone of southern Brazil. Quaternary International,
[s.l.], vol. 356, p. 54-73, 2015.
6 SILVA, Marcos Araújo Castro e et al. Genomic insight into the origins and dispersal of the Brazilian coastal natives.
Proceedings of the National Academy of Sciences, 2020.
7 SUSNIK, Branislava; CHASE-SARDI, Miguel. Los índios del Paraguay. Madrid: Editorial Mapfre, 1995. p. 33.
8 NECKER, Louis. Indios guaranies y chamanes franciscanos. Asunción: CEADUC, 1990. p. 27.
9 SUSNIK, Branislava; CHASE-SARDI, Miguel. Los índios del Paraguay. Madrid: Editorial Mapfre, 1995. p. 33.
32 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

cerâmica pintada e com a formação de comunidades mais amplas, que eram formadas
por várias linhagens paternas poligâmicas. Em virtude destas características, os grupos
proto-cario ocupavam territórios mais amplos, nas terras da região dos rios Paraguai,
Paraná, Uruguai, chegando à costa atlântica.

Figura 1: Região de etnogênese e vetores de dispersão Guarani10

10 BONOMO, Mariano; COSTA ANGRIZANI, Rodrigo; APOLINAIRE, Eduardo; NOELLI, Francisco Silva. A
model for the Guaraní expansion in the La Plata Basin and littoral zone of southern Brazil. Quaternary International,
[s.l.], vol. 356, p. 54-73, 2015.
COLONIZAÇÃO IBÉRICA SOBRE TERRITÓRIOS GUARANI | 33
Domínios territoriais Guarani pré-coloniais

Figura 2: Épocas das expansões territoriais Guarani11

Durante estes processos migratórios de conquista territorial na bacia do Prata


ocorre um processo de miscigenação dos grupos proto-mbyá com os proto-cario, com
alguma predominância cultural dos segundos sobre os primeiros12, consolidando um pro-
cesso de etnogênese de grupos com identidades próprias, decorrentes das observadas nos
proto-mbyá e proto-cario. Estes novos grupos, nos momentos imediatamente anteriores

11 BONOMO, Mariano; COSTA ANGRIZANI, Rodrigo; APOLINAIRE, Eduardo; NOELLI, Francisco Silva. A
model for the Guaraní expansion in the La Plata Basin and littoral zone of southern Brazil. Quaternary International,
[s.l.], vol. 356, p. 54-73, 2015.
12 SUSNIK, Branislava. El rol de los indígenas en la formación y en la vivencia del Paraguay. Asunción: Instituto
Paraguayo de Estudios Nacionales, 1982. t. I. p. 29.
34 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

ao início da conquista ibérica neste continente, manifestavam tamanha unidade dentro


de suas diversidades que constituíam um povo, o povo Guarani. Na consolidação do
processo de etnogênese, e na continuidade de suas caminhadas e expansão de territórios
nos séculos seguintes, sua ocupação territorial se expandiu em vetores que coincidem
com os grandes rios da região.
Ainda que não formassem um corpo político uno13, como os observados nos
impérios aqui estabelecidos antes do início conquista europeia (asteca, inca e maia), a
unidade14 deste povo era observada pelas grandes linhas comuns que se manifestavam
em suas línguas, nas suas diretrizes econômicas e nas suas formas de ocupação territorial.
Em relação aos povos pré-colombianos na América Latina, usando a metáfora de uma
árvore15, podemos ter alguma compreensão da complexidade de suas famílias linguísticas.
Desta forma é possível identificar sua diversidade (e especifidades) e, ao mesmo tempo,
seus elementos e origens comuns. Um enorme tronco desta árvore é o Tupi. Dele sai um
grande ramo que convencionou ser chamado de Tupi-Guarani, sendo um de seus ramos
menores a língua Guarani observada desde o início da conquista ibérica. A constatação
da vastidão do território em que a língua se manifestava impressionava os colonizadores,
o que pode ser verificado desde os primeiros registros ocidentais conhecidos.
Após um naufrágio e alguns anos vivendo em companhia dos Guarani na ilha
de Santa Catarina (atual Florianópolis), o náufrago Aleixo Garcia percorreu por terra,
em 1522, um trajeto desde a ilha até as imediações ao sul do império Inca, atual Cuzco16.
Cientes da notícia da existência de uma montanha de prata, ao ponto de possuírem alguns
artefatos oriundos dela, os Guarani da ilha permitiram que o explorador ibérico os acompa-
nhasse pelo caminho transcontinental do Peabiru, que trespassava inúmeras comunidades
Guarani17, até o seu destino final. Tal expedição somente foi possível por terem traçado
um caminho em que se falava uma única língua18 e viajando entre comunidades que
demonstravam afinidades e que ofereciam suporte material necessário aos expedicionários.
No final do ano 1541 e início de 1542, o explorador Álvar Ñunez Cabeza de Vaca,
que estava de passagem pela ilha de Santa Catarina rumo ao Mar do Prata, descarta sua
rota marítima e fluvial, fazendo por terra o mesmo caminho que trilhou Aleixo Garcia, em
uma viagem desde a ilha até é a cidade de Assunção. Em sua descrição é possível verificar

13 CARDOSO, Efraim. El Paraguay de la Conquista. Asunción: El Lector, 1996. p. 24.


14 MELIÀ, Bartomeu. El Pueblo Guarani: Unidad y fragmentos. Tellus, Campo Grande, ano 4, n. 6, p. 151-163, out.
2004. Disponível em: <http://www.tellus.ucdb.br/index.php/tellus/issue/view/6>. Acesso em: 29 jul. 2017.
15MELIÀ, Bartomeu. La lengua Guaraní del Paraguay: Historia, sociedade y literatura. Madrid: Editorial Mapfre,
1992. p. 15.
16 BOND, Rosana. A Saga de Aleixo Garcia: O descobridor do Império Inca. Florianópolis: Editora Insular, 1998. p. 33.
17 CHMYZ, Igor. Pesquisas de arqueologia histórica no Paraná. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São
Paulo, v. 24, p. 171-197, 1985.
18 MELIÀ, Bartomeu. Camino Guarani: De lejos venimos, hacia más lejos caminamos. Asunción: CEPAG,
2016. p. 31.
COLONIZAÇÃO IBÉRICA SOBRE TERRITÓRIOS GUARANI | 35
Domínios territoriais Guarani pré-coloniais

que por todo o caminho que percorreu, nas diversas comunidades Guarani em que esteve,
todos falavam uma só língua19. Da mesma maneira - ainda que de forma exagerada20 em
termos da extensão territorial -, o jesuíta Antonio Ruiz de Montoya, já em 1639, registra
que também naquele período foi possível observar uma língua “tan universal que domina
ambos mares, el del Sur por todo el Brasil, y ciñendo todo e Perú”21. Todavia, ainda que na
época do início da conquista fosse possível verificar uma fundamental unidade linguística22
neste povo que ocupava um extenso território, também era possível observar diferenças
dialetais internas23.
O fato de haver uma língua e caracteres identitários comuns em uma imensa
extensão territorial nos momentos iniciais da conquista repercutia em outros povos e
acarretava um processo de “guaranização” deles, através da utilização da língua Guarani
como língua comum em relações inter-étnicas, até que em alguns casos outros povos a
adotavam para si24. A unicidade linguística Guarani também repercutiu no processo de
violenta colonização que viria a acontecer, pois os caminhos trilhados pelos exploradores,
cujos relatos aguçavam a cobiça ibérica, se tornaram menos espinhosos em decorrência
da companhia Guarani que tiveram em suas primeiras expedições, decorrente de algumas
alianças iniciais que foram realizadas25.
Em relação às indicações de unidade deste povo quando consideradas suas dire-
trizes econômicas, é preciso considerar inicialmente que as fontes primárias consultadas
foram produzidas pelos colonizadores e, portanto, dentro de uma concepção que invi-
sibiliza os modos de produção Guarani na forma em que ele era realizado nos momen-
tos imediatamente anteriores ao início da conquista26. Todavia, analisando tais dados é
possível verificar a recorrente afirmação de uma extremamente farta produção agrícola,
que chegou a ser chamada de “divina abundância”27, mas que de divino aparentemente
continha somente o modo de produção Guarani, através de um aperfeiçoado manejo
de uma pujante agrobiodiversidade na Mata Atlântica. Em relação ao plantio é possível
verificar que em regiões diferentes e distantes havia farta produção, predominando nos

19 CABEZA DE VACA, Álvar Ñunez. Naufrágios e Comentários. Porto Alegre: L&PM, 1999. p. 129.
20 MELIÀ, Bartomeu. El Pueblo Guarani: Unidad y fragmentos. Tellus, Campo Grande, ano 4, n. 6, p. 151-163, out.
2004. Disponível em: <http://www.tellus.ucdb.br/index.php/tellus/issue/view/6>. Acesso em: 29 jul. 2017. p. 153.
21 MONTOYA, Antonio Ruiz de. Tesoro de la lengua Guaraní. Publicado por Bartomeu Melià. Asunción: CEPAG,
2011. t. 4. p. LXVII.
22 MELIÀ, Bartomeu. El Pueblo Guarani: Unidad y fragmentos. Tellus, Campo Grande, ano 4, n. 6, p. 151-163, out.
2004. Disponível em: <http://www.tellus.ucdb.br/index.php/tellus/issue/view/6>. Acesso em: 29 jul. 2017. 152.
23 MELIÀ, Bartomeu. La lengua Guaraní del Paraguay: Historia, sociedade y literatura. Madrid: Editorial Mapfre,
1992. p. 23.
24 MELIÀ, Bartomeu. La lengua Guaraní del Paraguay: Historia, sociedade y literatura. Madrid: Editorial Mapfre,
1992. p. 24.
25 SUSNIK, Branislava. Etnohistoria de los Guaraníes: Epoca colonial. Los aborígenes del Paraguay. Asunción: Museo
Etnográfico Andrés Barbero, 1979-1980. v. II. p. 46.
26 MELIÀ, Bartomeu. El don, la venganza y otras formas de economia Guaraní. Asunción: CEPAG, 2004. p. 34.
27 SCHMÍDEL, Ulrich. Viaje al río de la Plata. Barcelona: Red Ediciones, 2014. p. 27.
36 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

relatos iniciais um grande número de variedades de trigo, milho, batata, mandioca e


amendoim; abundante pesca e caça de veados, porcos do mato e avestruzes28; criação de
patos e galinhas, além de abundante mel29.
Dada a constatação de farta produção e invisibilidade das formas de trabalho
dos Guarani na época, apresenta-se uma lacuna nas investigações acerca dos meios de
produção que eram exercidos nos momentos iniciais da conquista. Todavia, considerando
que a colonização dos territórios Guarani se deu de forma contínua desde o início do
processo de conquista até meados do século XX, e em decorrência disso os contatos dos
colonizadores com os diferentes grupos foram se dando em momentos, locais e contextos
diferentes por séculos, a análise conjunta de alguns dos dados produzidos centenas de anos
após as primeiras explorações ibéricas no cone sul da América Latina se mostram aptos a
indicar, ou ao menos projetar, a maneira que os modos de produção se manifestavam neste
povo na época. Isto se mostra necessário porque a invisibilização das formas de trabalho
Guarani aos olhos dos primeiros exploradores e colonizadores era gritante, há sempre a
descrição da abundância, mas nunca de como ela era produzida.
Com estas considerações e ressalvas de insuficiência de fontes, temos que as pri-
meiras descrições de como eram realizadas as atividades econômicas de agricultura, caça,
pesca, coleta e alguma criação de animais é possível ser verificada de maneira mais ampla e
profunda nos registros jesuítas, com elementos etnográficos mais detalhados. Pela análise
e interpretação das formas relacionais utilizadas no dicionário de Antonio Ruiz de Mon-
toya30, lançado pela primeira vez em 1639, é possível estabelecer significados de caracteres
culturais através da combinação de significados das palavras e interpretação do que elas
sugerem em diferentes formas de utilização31. Dessa maneira as palavras manifestam não
somente a tradução de seus significados, mas também trespassam concepções culturais
complexas e que permitem sistematizar dados e construir uma etnografia consistente32.
Partindo desses dados é possível determinar que o trabalho Guarani se estruturava
de três maneiras33. A primeira seria o trabalho considerado como manuseio, manipulação,
em que o cozinhar é um exemplo típico. A segunda seria o trabalho de fazer as coisas,
através transformação da matéria acarretando na criação de novas formas e objetos, em
que o artesanato, a criação de utensílios e as construções se inseriam. Por fim, o trabalho
como cansaço, em que se inserem as noções de preço e pagamento pela atividade realizada

28 SCHMÍDEL, Ulrich. Viaje al río de la Plata. Barcelona: Red Ediciones, 2014. p. 27.
29 CABEZA DE VACA, Álvar Ñunez. Naufrágios e Comentários. Porto Alegre: L&PM, 1999. p. 219.
30 MONTOYA, Antonio Ruiz de. Tesoro de la lengua Guaraní. Publicado por Bartomeu Melià, SJ. Asunción: CEPAG,
2011. t. 4.
31 MELIÀ, Bartomeu. El don, la venganza y otras formas de economia Guaraní. Asunción: CEPAG, 2004. p. 37.
32 PIÑERO, Antono Caballos. Etnografía Guaraní en el Tesoro de Ruiz de Montoya. Asunción: CEPAG, 2013.
33 MELIÀ, Bartomeu. El don, la venganza y otras formas de economia Guaraní. Asunción: CEPAG, 2004. p. 41.
COLONIZAÇÃO IBÉRICA SOBRE TERRITÓRIOS GUARANI | 37
Domínios territoriais Guarani pré-coloniais

para os de fora, estrangeiros, já sendo possível verificar nesta terceira maneira aspectos da
reestruturação econômica inicial causada pela conquista e colonização ibérica.
Ainda que as atividades de caça e pesca fossem relevantes, os Guarani do início
da conquista se mostravam como exímios agricultores, que utilizavam uma avançada e
tradicional técnica de manejo da agrobiodiversidade na floresta34. Escolhido o local da
nova roça em virtude das características do terreno, as árvores menores eram derrubadas
primeiro, as maiores em seguida, então a capa de vegetação mais baixa era removida.
Quando o solo estava quase suficientemente seco, era utilizado fogo, o que o deixava fer-
tilizado e apto ao plantio e semeadura35. Após alguns ciclos de plantio, o solo se mostrava
menos fértil e outra área era utilizada, ficando então a anterior em repouso e reflorestação36,
oferecendo à floresta a um incremento de biodiversidade.
Outra característica que pode ser verificada nos registros iniciais sobre a forma e
manifestação da economia Guarani é o de trabalho coletivo, através do sistema de puxi-
rão37. Nele, as relações de reciprocidade do trabalho em comum e de reforço de vínculos
comunitários através do convite de trabalho festivo são elementos fundamentais, con-
siderados não somente como meio de produção, mas principalmente em seus fins. Isso
porque se trata de um espaço em que a cultura utiliza para reafirmar o dom de cultivar,
celebrado como história social, memória e projeção de futuro comunitário.
Retornando às linhas comuns que permitem indicar a unidade do povo Guarani
nos momentos iniciais da conquista europeia, temos a forma de ocupação territorial deste
povo. A célula social básica Guarani se manifestava como tey38, entendido este termo como
família extensa, linhagem multifamiliar unida pelo parentesco patrilinear poligâmico e
que constituía uma unidade socioeconômica. Esta unidade, por sua vez, territorializava
o espaço em que se estabelecia manifestando uma forma de organização socioterritorial
mais ampla que consistia no tekoha39, que pode ser traduzido de maneira simplória por
aldeia e que era constituído por um espaço bem definido, de uso comunal e exclusivo, no
sentido de que não aceitava a presença de estranhos à comunidade40.

34 MELIÀ, Bartomeu. El don, la venganza y otras formas de economia Guaraní. Asunción: CEPAG, 2004, p. 44.
35 INFORME de um jesuíta anônimo sobre as cidades do Paraguai e do Guairá: Espanhóis, índios e mestiços. Dezembro,
1620. In: Jesuítas e bandeirantes no Guairá (1549-1640). Manuscritos da Coleção de Angelis. Rio de Janeiro: Biblioteca
Nacional, 1951. v. I. p. 163-173. p. 166.
36 NOELLI, Francisco Silva. Sem tekoha não há teko: Em busca de um modelo etnoarqueológico da aldeia e da subsistência
Guarani e sua aplicação a uma área de domínio no Delta do Rio Jacuí-RS. 1993. 610 f. Dissertação (Mestrado em História)
– Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1993. p. 380.
37 MELIÀ, Bartomeu. Potirõ: las formas del trabajo entre los Guaraní antiguos, reducidos y modernos. Revista
Complutense de Historia de América, Madrid, v. 22, p. 183-208, 1996. Disponível em: <http://revistas.ucm.es/index.
php/RCHA/article/view/RCHA9696110183A/29030>. Acesso em: 25 set. 2017. p. 196.
38 SUSNIK, Branislava; CHASE-SARDI, Miguel. Los índios del Paraguay. Madrid: Editorial Mapfre, 1995. p. 37.
39 CHASE-SARDI, Miguel. El tekoha: su organizacion social y los efectos negativos de la deforestacion entre los Mbya-
Guarani. Suplemento Antropológico, Asunción, v. XXIV, n. 2, p. 33-41, 1989. p. 34.
40 MELIÀ, Bartomeu; GRÜNBERG, Georg; GRÜNBERG, Friedl. Los Pai Tavyterã: Etnografía Guaraní del Paraguay
contemporáneo. 2. ed. Asunción: CEADUC/CEPAG, 2008. p. 131.
38 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

Em nível regional é possível verificar que o território Guarani no início da con-


quista ibérica se apresentava dividido em 14 grandes regiões chamadas guára41. Este era um
conceito sociopolítico que identificava de forma bem definida a região em que determi-
nadas identidades do povo Guarani estavam estabelecidas, sendo seus limites socialmente
construídos de maneira não exata, mas geralmente definidos por rios42. Ainda que haja
uma tendência errônea de identificar os grupos ocupantes de cada um dos 14 guára com
os nomes a eles atribuídos, é preciso considerar que o sentido de guára para a identidade
deve ser considerado como o sufixo ‘ense’ é utilizado atualmente na língua portuguesa43:
como exemplo, paranaense é a pessoa ou o grupo que tem origem no Estado do Paraná,
sendo que dentro desta identidade regional outras tantas podem se manifestar.
É possível indicar a existência dos guára dos Carios, Tobatines, Guarambarenses,
Itatines, Mbarakayuenses, Mondayenses, Paranáes, Ygañáenses, Yguazúenses, Uruguayenses,
Tapes, Mbiazás, Guairáes e Chandules44, sendo que nos habitantes destas regiões havia
a consciência do sentimento de pertencimento regional45. A referenciação geográfica
destes grupos se mostrou como fundamental para o processo de colonização ibérica, pois
conhecendo as diferentes identidades os colonizadores puderam realizar alianças e disputas
estratégicas que visavam a conquista de novas terras46. Estas divisões territoriais dos guára
foram continuamente se desintegrando em decorrência da expansão da colonização e dos
deslocamentos por ela causados.
Dentro da vastidão da ocupação territorial Guarani na época do início da con-
quista ibérica, os números estimados acerca de sua demografia na época indicam algo em
torno de 1,547 a 2 milhões48 de pessoas, que viviam em milhares de aldeamentos nas diferen-
tes regiões que a imagem acima identifica. Esses aldeamentos constituíam núcleos de redes
de ocupação territorial que, apesar da unidade cultural que manifestavam dentro de suas
diversidades, eram independentes49 e que mantinham complexas relações circunstanciais

41 SUSNIK, Branislava. El rol de los indígenas en la formación y en la vivencia del Paraguay. Asunción: Instituto
Paraguayo de Estudios Nacionales, 1982. t. I. p. 32.
42 SUSNIK, Branislava. Los aborigenes del Paraguay. Etnohistoria de los Guaranies, Epoca Colonial. Asunción: Museo
Etnográfico Andrés Barbero, 1979-1980. v. II. p. 15.
43 SANTOS, Maria Cristina. Clastres e Susnik: uma tradução do “Guarani de papel”. In: GADELHA, Regina Maria A.
F. (Ed.). Missões Guarani: impacto na socieade contemporânea. São Paulo: Educ/Fapesp, p. 205-219. p. 206.
44 SUSNIK, Branislava. El rol de los indígenas en la formación y en la vivencia del Paraguay. 3. ed. Asunción:
Intercontinental Editora, 2017. p. 41-65.
45 BRIGHENTI, Clovis Antonio. Estrangeiros na própria terra: Presença Guarani e Estados Nacionais, Florianópolis/
Chapecó: UFSC/Argos, 2010. p. 27.
46 LADEIRA, Maria Inês. Espaço geográfico Guarani Mbya: Significado, constituição e uso. Maringá: EDUEM,
2008. p. 56.
47 CLASTRES, Pierre. Sociedade contra o Estado. Tradução de Theo Santiago. São Paulo: Cosac Naify, 2012. p. 111.
48 MELIÀ, Bartomeu. A experiência religiosa Guarani. In: MARZAL, Manuel M.; ROBLES, J. Ricardo; MAURER,
Eugenío; ALBÓ, Xavier; MELIÀ, Bartomeu (Orgs.). O rosto índio de Deus. Tradução de Jaime A. Clasen. São Paulo:
Vozes, 1989. p. 293-357. p. 295.
49 MELIÀ, Bartomeu. El Guaraní conquistado y reducido: Ensayos de etnohistoria. 4. ed. Biblioteca Paraguaya de
Antropología. Asunción: CEADUC, 1997. v. 5. p. 18.
COLONIZAÇÃO IBÉRICA SOBRE TERRITÓRIOS GUARANI | 39
Domínios territoriais Guarani pré-coloniais

de alianças e conflitos, entre si e com os outros povos que viviam em seu entorno50.

Figura 3: Domínios territoriais Guarani ao início da conquista ibérica51

Ainda que concebidos a partir de estimavas e com grande imprecisão, são


relevantes os números da demografia Guarani nos momentos iniciais da conquista ibé-
rica. Somente este povo possuía igual ou maior população do que os reinos de Portugal,
Aragão e Castela individualmente na mesma época52. Este dado, interpretado em conjunto
com a informação de que sua organização sociopolítica era local, às vezes com articulações
pontuais regionais, apresenta características que despertam interesse para interpretar sua
organização política na época, em como o poder social se manifestava e era exercido de
forma descentralizada.

50 MONTEIRO, John Manuel. Os Guarani e a história do Brasil meridional: Séculos XVI-XVII. In: CARNEIRO DA
CUNHA, Manuela. (Org.) História dos Índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p. 475-498. p. 480.
51 SUSNIK, Branislava. El rol de los indígenas en la formación y en la vivencia del Paraguay. Asunción: IPEN, 1982.
t. 1. p. 72-73.
52 DIAS, João José Alves. Gentes e espaços: em torno da população portuguesa na primeira metade do século XVI.
Lisboa: Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica, 1996. v. 1.
40 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

O surgimento de lideranças relevantes em nível regional nos séculos XVI e XVII


nos violentos levantes contra o processo de conquista e colonização ibérica não é capaz de
atestar que grandes lideranças regionais já existiam de maneira consolidada no período
pré-hispânico53. Por outro lado, é tradicionalmente registrado nas fontes etnohistóricas
que o exercício do poder era exercido entre os Guarani de maneira descentralizada nos
núcleos das redes de aldeamentos e regiões indicadas na imagem acima. Juntamente com
uma explosão demográfica na época, há a indicação de que estaria em curso, quando do
início da conquista ibérica, um inicial processo de desenvolvimento de grandes e fortes
lideranças políticas Guarani em nível supra regional54, o que configuraria uma ameaça às
tradicionais estruturas políticas descentralizadas e que teria acarretado em uma resposta
deste povo contra a concentração de poder.
Um elemento que é necessário ser considerado em todas as análises acerca deste
povo trespassa uma característica fundamental de sua cultura, que ainda hoje se manifesta
em todos os seus aspectos: a religiosidade que guia todos os aspectos da vida e que se
manifesta através do profetismo. Desta característica fundamental teria surgido a reação
consistente em um levante religioso que visava impedir a apropriação e centralização do
poder pelas lideranças políticas regionais e supra regionais, que era até então descentra-
lizado numa imensa rede de aldeamentos.
Para esvaziar a concentração demográfica que estaria sob influência dessas iniciais
lideranças regionais, teria sido utilizado por lideranças espirituais o discurso profético
em que estaria inserido o mito religioso de yvy marãey, que pode ser simploriamente tra-
duzido como uma terra sem mal, um local em que a transcendência e vida eterna seriam
possíveis. Este mito fundamentaria um ethos cuja característica principal seria a de grandes
e contínuas movimentações populacionais, que se deslocariam dentro de seus territórios
para minar o poder político de lideranças regionais e constituir aldeamentos em locais
fora de sua área de influência, colocando a sociedade contra o “Estado”55.
Em um outro sentido, baseado na interpretação dos escritos de Antonio Ruiz de
Montoya56 e com maior proximidade e aprofundamento no ethos Guarani - não olhando-
-os à distância e utilizando-os para a comprovação de teses eurocentradas, considera-se
que tais deslocamentos históricos baseados na religiosidade e profetismo se relacionavam
mais diretamente à busca de condições ecológicas adequadas para a manutenção de suas
necessidades materiais e culturais enquanto povo57. A busca por uma terra sem mal não

53 MONTEIRO, John Manuel. Os Guarani e a história do Brasil meridional: Séculos XVI-XVII. In: CARNEIRO DA
CUNHA
54 CLASTRES, Pierre. Sociedade contra o Estado. Tradução de Theo Santiago. São Paulo: Cosac Naify, 2012. p. 230.
55 CLASTRES, Pierre. Sociedade contra o Estado. Tradução de Theo Santiago. São Paulo: Cosac Naify, 2012.
56 MONTOYA, Antonio Ruiz de. Tesoro de la lengua Guaraní. Publicado por Bartomeu Melià, SJ. Asunción: CEPAG,
2011. t. 4.
57 MELIÀ, Bartomeu. El Guaraní conquistado y reducido: Ensayos de etnohistoria. 4. ed. Biblioteca Paraguaya de
COLONIZAÇÃO IBÉRICA SOBRE TERRITÓRIOS GUARANI | 41
Exploração inicial do “novo” mundo

seria a busca por um lugar propriamente dito, físico e determinável, mas sim um espaço
onde fosse possível encontrar condições ecológicas e de biodiversidade que pudessem
oferecer o suporte material para a imortalidade e continuidade da vida, não dos corpos,
mas sim do modo de ser Guarani58, sem a aceitação de qualquer subordinação ou domi-
nação exterior. Em outras palavras, o povo Guarani territorizalizava os espaços em que
os demais elementos da natureza se apresentavam aptos ao seu modo de vida, para neles
se inserir, viver e se perpetuar enquanto povo, sujeito coletivo.

EXPLORAÇÃO INICIAL DO “NOVO” MUNDO

Os contatos iniciais dos colonizadores com as diferentes parcialidades do povo


Guarani nas diferentes regiões ocorreram em momentos e contextos distintos. Eles se
estenderam por séculos em um processo contínuo e exponencial de destruição da natu-
reza em que estavam inseridos e de suas estruturas sociais, em especial a ocupação terri-
torial acima demonstrada59. Ainda que se possa apontar a unidade do povo Guarani, sua
fragmentação política e de ocupação territorial, somada às características de mobilidade
territorial pluridirecional e de mutáveis alianças e hostilidades entre grupos, contraria
qualquer concepção uniforme acerca deste povo, contrariando também as ideias moder-
nas e monolíticas de nação e movimento unidirecional da sua história. A diversidade de
parcialidades Guarani colaborou com os processos coloniais, pois nos momentos em que a
exploração do “novo” mundo se transformou em conquista e colonização as reações foram
pulverizadas, salvo algumas que tiveram caráter regional e puderam oferecer resistência
material frente à conquista.
Com estas constatações é preciso considerar que o que se mostra atualmente
como conhecido e registrado nos moldes da ciência moderna é um pequeno espectro da
diversidade de contextos e conflitos aos quais as diferentes parcialidades do povo Guarani
foram submetidas. Sobre muitas delas certamente não há registros ocidentais, apenas
seus jazigos e ruínas ocultados sob o chão. De outras tantas, que tiveram sua existência e
extinção constatadas e registradas pelos colonizadores, sequer chegaram a ter sua autode-
nominação conhecida, sendo historicamente chamados de nomes atribuídos por terceiros
e que não refletem características de suas culturas.
Como exemplo de contatos iniciais é possível indicar que os Mbiazás do litoral
(em especial as nucleações Cario-litoral) foram contatados logo no início do processo
de conquista pelos primeiros europeus a pisarem nestas terras às margens do atlântico,

Antropología. Asunción: CEADUC, 1997. v. 5. p. 108.


58 LADEIRA, Maria Inês. Yvy Marãey. Suplemento Antropológico, Asunción, v. XXXIV, n. 2, p. 81-100, 1999. p. 87.
59 MONTEIRO, John Manuel. Os Guarani e a história do Brasil meridional: Séculos XVI-XVII. In: CARNEIRO DA
CUNHA, Manuela. (Org.) História dos Índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p. 475-498. p. 477.
42 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

onde atracaram e em seguida criaram povoados que mais tarde seriam as primeiras cida-
des litorâneas. Contato inicial, considerando as entradas dos colonizadores pelos meios
fluviais pela Bacia do Prata, também ocorreu com os Chandules, que viviam nas ilhas dos
rios Uruguai e Paraná. O último registro que se tem deles é no ano de 158060, quando
da segunda fundação da cidade de Buenos Aires, sendo considerados extintos logo após
esta data. Contatos iniciais também foram feitos com os Carios e Tobatines, considerando
que em seus territórios foi criado o povoado que mais tarde, em 1537, onde foi fundada
a cidade de Assunção. Estes dois grupos muito cedo foram afetados territorialmente de
maneira direta, tendo sido aglomerados em novo tipo de assentamento que foi deno-
minado táva. Nestes povoados, conduzidos sob violenta administração hispânica, sua
ocupação territorial foi reduzida somente ao espaço do povoado, estando as demais terras
sob administração da Província do Paraguai61. Outras parcialidades só tiveram contato
direto com os colonizadores séculos depois, de maneira igualmente destrutiva.
Durante a primeira metade do século XVI não houve grandes e relevantes impac-
tos territoriais generalizados aos povos do cone sul da América, se comparados aos que
ocorreram na mesma época nas Antilhas. Naquela região, já na primeira década do século
XVI, a destruição havia chegado com o genocídio de povos que foram brutalmente extin-
tos pelos colonizadores. É possível verificar relatos que incluem cenas do mais absoluto
terror e carnificina de milhões de pessoas62. No final da década seguinte tombava o império
Asteca com a tomada de Tenochtitlán pelo exército de Hernán Cortez63. Neste contexto
de início de dizimação demográfica, é preciso destacar que não somente as guerras traziam
morte aos povos nativos da América. Doenças64 que foram trazidas pelos povos ibéricos,
como sífilis, gripes, varíola, tuberculose, sarampo e tétano, tiveram um especial lugar na
mortandade dos povos que aqui estavam antes do início da conquista ibérica.
Ainda que seja completamente impossível indicar números exatos, aponta-se
que logo no final do século XVI houve a redução em 90% da demografia na América65
de comparada ao início do século, entre guerras e doenças. As doenças avançavam em
média uma década antes das guerras e estas, quando chegavam aos povos, encontravam
uma população debilitada e combalida pelas pestes. Por estarem em um território mais

60 SUSNIK, Branislava. El rol de los indígenas en la formación y en la vivencia del Paraguay. 3. ed. Asunción:
Intercontinental Editora, 2017. p. 65.
61 SUSNIK, Branislava. El rol de los indígenas en la formación y en la vivencia del Paraguay. 3. ed. Asunción:
Intercontinental Editora, 2017. p. 66.
62 LAS CASAS, Bartolomeu de. Brevíssima relação sobre a destruição das Índias: Sétimo tratado. In: Liberdade e justiça
para os povos da América: oito tratados impressos em Sevilha em 1552. São Paulo: Paulus, 2010. Obras completas II.
p. 505.
63 LÓPEZ-PORTILLO, Raúl Pérez. História breve de México. Madrid: Sílex Ediciones, 2002. p. 66.
64 CHAMORRO, Graciela; BAIDA, Rosangela. Doenças indígenas do Brasil nos séculos XVI e XVII. História em
Reflexão, Dourados, v. 5, n. 9, p. 1-24, 2011.
65 GUERRA, Francisco. Origen de las Epidemias en la Conquista de América. Madrid: Ed. Universidad Complutense,
1988. p. 51.
COLONIZAÇÃO IBÉRICA SOBRE TERRITÓRIOS GUARANI | 43
Exploração inicial do “novo” mundo

ao sul, mais amplo e de acessos mais dificultosos do que as Antilhas, os contatos iniciais
do povo Guarani com os conquistadores ibéricos se deram de maneira mais lenta.
Considerando a vastidão do espaço no cone sul do “novo” continente e as conse-
quentes dificuldades de se deslocarem por terra, os colonizadores incialmente impactaram
mais diretamente as parcialidades Guarani que estavam próximas aos locais onde podiam
chegar navegando por água: a costa atlântica e as margens e ilhas da Bacia do Prata.
Nestes locais foram criados os primeiros povoados ibéricos, em que se consolidavam os
primeiros focos iniciais da futura colonização, acontecendo entre estes locais por terra e
mar as viagens exploratórias iniciais.
Pelo lado do atlântico a ocupação portuguesa se inicia nos povoados criados em
São Vicente (cidade atual com mesmo nome, no litoral de São Paulo) e na Ilha de Santa
Catarina, ainda que neste segundo havia uma presença inicial hispânica. Pelo interior do
continente, devido à navegabilidade dos rios da Bacia do Prata, povoados hispânicos foram
criados às margens dos rios e em seguida transformados em cidades, como Assunção. Estes
povoados atlânticos e platinos coincidem com os extremos leste e oeste dos territórios
Guarani nas vésperas do início da conquista, e a partir deles partem as iniciais frentes
de colonização às quais este povo foi submetido. A consolidação de tais focos iniciais
de conquista e colonização se inserem em um processo mais amplo de invasão, saque e
destruição de territórios, mas apresentam características distintas.
Na virada do século XV para o XVI o reino de Portugal havia consolidado duas
maneiras de lidar com os territórios descobertos no Atlântico Sul66. Pela primeira delas,
usualmente aplicado nas ilhas inabitadas que eram encontradas, tais terras seriam juridi-
camente consideradas como extensão do território português por aquisição originária e
eram outorgadas a quem tivesse interesse para elas imigrar e nelas produzir. Assim se deu
com Cabo Verde e Ilha da Madeira, por exemplo. A segunda maneira que era assumida
pelo reino português, e que era aplicada somente onde houvesse povos, consistia na cria-
ção de vínculos e atividades de monopólio de comércio sem colonização dos territórios,
com base no sistema de feitorias, sendo este fundado na criação de entrepostos comerciais
fortificados que eram instalados nas regiões costeiras dos locais “descobertos”. Este ins-
trumento foi largamente utilizado pela coroa portuguesa durante o século XV na costa
atlântica da África, assim como viria a ser utilizado nos primeiros 30 anos do século XVI
no que viria a ser o Brasil.
Em 12 de outubro de 1492 Cristóvão Colombo chega na ilha onde hoje é o
Haiti. Após esta primeira viagem, outras três por ele lideradas aconteceram entre 1493

66 JOHNSON, Harold. A colonização portuguesa do Brasil, 1500-1580. In: BETHELL, Leslie (Org.). História da
América Latina. América Latina Colonial. Tradução de Maria Clara Cescato. 2. ed., 3. reimpr. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 2012. v. 1. p. 245.
44 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

e 1504, período em que houve o mapeamento das outras ilhas das Antilhas e do espaço
continental que viria a ser a América Central. Nesta mesma época, mais precisamente em
1500 Pedro Alvarez Cabral desembarcava com uma grande esquadra em local que denomi-
nou Porto Seguro67. Com a notícia de terra firme retornando quase que imediatamente a
Portugal na forma de carta escrita por Pero Vaz de Caminha, nova expedição portuguesa
é enviada mais ao sul sob o comando de André Gonçalves68. Além de estabelecer uma
rota para o “novo” mundo, alcançam em 1502 a região da atual Cananéia, litoral sul de
São Paulo, local que se configurava como região de relações inter-étnicas por constituir
na época um dos limites do território Guarani, ocupado pela parcialidade Mbiazá, em
especial as nucleações Cario-litoral, com o território ocupado pelos Tupiniquim69. Ali
ficaram por aproximadamente um mês, deixaram o degredado Cosme Fernandes Pessoa
e saíram novamente em expedição exploratória, quando navegaram margeando a costa
até a bacia do Prata e retornaram a Portugal, levando consigo informações mais precisa
sobre a vastidão das terras “descobertas”.
Após este breve período exploratório, o que viria a ser o Brasil foi arrendado por
3 anos pela coroa portuguesa a um consórcio de comerciantes de Lisboa que era liderado
por Fernão de Noronha70. Com a concessão de monopólio comercial o grupo se compro-
meteu a enviar 6 navios a cada ano para explorar a costa e construir um posto comercial
fortificado, em que se constituiria a primeira feitoria, além de arcar com uma porcentagem
dos ganhos que fossem auferidos. A primeira expedição deste consórcio, cuja capitania se
desconhece, vem ao continente em 1502 e chega no continente pelo cabo de São Roque,
tendo então navegado até Porto Seguro. Retorna para Portugal com um carregamento
de pau brasil e alguns nativos escravizados. Outras expedições foram realizadas por este
mesmo consórcio até que a coroa portuguesa retomou o pretenso controle direto sobre as
terras em 1506. Esta situação perdurou até 1534 e neste período a política portuguesa para
a América foi a de manter feitorias para comércio, que era realizado nas rotas marítimas
que cada vez mais se consolidavam.
Neste período entre 1506 e 1534 houve forte contestação francesa sobre os domí-
nios portugueses e hispânicos sobre a América. Acompanhando uma discussão jurídica
na Europa acerca da liberdade de comerciar nas regiões que não estivessem efetivamente
ocupadas pelos portugueses, os franceses tentavam furar os monopólios de exploração e
comércio através de viagens exploratórias e que visavam criar pontos e canais de comércio

67 HERRERA, Antonio de. Historia General de las indias ocidentales o de los hechos de los castellanos en las Islas
y tierra firme del mar oceano. Madrid: Imprenta Real, 1730. t. 1. p. 92.
68 BOITEAUX, Lucas Alexandre. Santa Catarina no século XVI. Florianópolis: Imprensa Oficial, 1950. p. 8.
69 MONTEIRO, John Manuel. Negros da Terra. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. p. 21.
70 JOHNSON, Harold. A colonização portuguesa do Brasil, 1500-1580. In: BETHELL, Leslie (Org.). História da
América Latina. América Latina Colonial. Tradução de Maria Clara Cescato. 2. ed., 3. reimpr. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 2012. v. 1. p. 248.
COLONIZAÇÃO IBÉRICA SOBRE TERRITÓRIOS GUARANI | 45
Exploração inicial do “novo” mundo

na costa, acarretando conflitos armados e pontuais71. Diante dessa pressão a coroa por-
tuguesa, ocupada na época por Dom João III, tenta conter o comércio francês na região
através de uma alteração na política portuguesa para a América. Seria então aplicada no
continente a mesma concepção que havia sido aplicada nas ilhas atlânticas, considerando
o “novo” mundo como expansão do território português, através de uma colonização
permanente e ocupação territorial.
Em dezembro de 1530, Martim Afonso de Sousa parte de Lisboa no comando de
uma expedição autofinanciada, integrada por 4 naus e cerca de 400 tripulantes, escolhidos
de acordo com as necessidades do povoado a ser criado no além-mar, assim como uma
pequena elite formada por nobres e fidalgos da casa real portuguesa72. Após navegar e
naufragar nas imediações do Mar do Prata enquanto investigava o caminho até a montanha
de prata73, assume o comando de outra nau de sua esquadra e faz o caminho de volta pela
costa atlântica na direção norte. Funda em 1531 o povoado de Cananéia e em 1532 o de
São Vicente, oportunidades em que desenvolveu inicialmente contato amistoso com os
povos que viviam nas regiões, Guarani e Tupiniquim.
Por outro lado, dentro do contexto da exploração hispânica, o caminho por
água até o local onde viria a ser fundada a cidade de Assunção foi inicial e parcialmente
explorado pela expedição liderada por Juan Dias de Solís, que em 1516 chega até o Mar
do Prata74 em expedição buscava contornar o “novo” mundo pelo sul. Ao desembarcar na
ilha denominada por Juan Dias de Solís como Martín García, acompanhado apenas por
um pequeno grupo de tripulantes, Solís é morto e seu corpo é submetido a um ritual de
antropofagia pelos nativos, tudo assistido por sua tripulação desde a embarcação75. Após
o traumático contato inicial, tomam a decisão de voltar para Castela, sendo que uma das
embarcações que havia se distanciado das demais naufraga no trajeto de volta na região
sul da Ilha de Santa Catarina, ainda em 151676.
Onze sobreviventes do naufrágio conseguem chegar à terra firme, dentre eles
o português Aleixo Garcia77. Eles ficam na ilha em companhia dos grupos Guarani
que ali viviam, iniciando uma relação amistosa e que acarretou alguns anos depois no

71 JOHNSON, Harold. A colonização portuguesa do Brasil, 1500-1580. In: BETHELL, Leslie (Org.). História da
América Latina. América Latina Colonial. Tradução de Maria Clara Cescato. 2. ed., 3. reimpr. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 2012. v. 1. p. 252.
72 LOPES DE SOUSA, Pero. Diario da navegação da armada que foi a terra do Brasil em 1530 sob a capitania-mor
de Martim Affonso de Sousa. Lisboa: Sociedade Propagadora dos Conhecimentos Uteis, 1839. p. 1.
73 PEREIRA, Moacyr Soares. Índios Tupi-Guarani na Pré-História: Suas invasões do Brasil e do Paraguai. Maceió:
EDUFAL, 200. p. 79.
74 BOND, Rosana. A Saga de Aleixo Garcia: O Descobridor do Império Inca. Florianópolis: Editora Insular,
1998. p. 17.
75 HERRERA, Antonio de. Historia General de las indias ocidentales o de los hechos de los castellanos en las Islas
y tierra firme del mar oceano. Madrid: Imprenta Real, 1730. t. 1. p. 214.
76 BOITEAUX, Lucas Alexandre. Santa Catarina no século XVI. Florianópolis: Imprensa Oficial, 1950. p. 20.
77 BOND, Rosana. A Saga de Aleixo Garcia: O Descobridor do Império Inca. Florianópolis: Editora Insular, 1998. p. 21.
46 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

compartilhamento por parte dos nativos de uma informação preciosa aos olhos ibéri-
cos: a existência de uma montanha de prata no interior do continente e de um caminho
conhecido e amistoso até ela. Para a comprovação desta afirmação mostraram aos ibéricos
alguns objetos feitos deste material. Em 1524, Aleixo Garcia inicia uma viagem por terra
desde a Ilha de Santa Catarina até a região sul do Império Inca, na qual viriam a ser criadas
as cidades bolivianas de Sucre e Potosí78.
Ele acompanhou uma grande onda migratória de grupos Guarani aos Andes, que
mais tarde viriam a se autoidentificar como Chiriguano, uma das contemporâneas etnias
do povo Guarani que até hoje ocupam aquela região. Tal percurso se deu pelo caminho
continental do Peabiru, que era uma via que ligava o oceano atlântico ao pacífico. Ainda
que não haja consenso se tal caminho foi integralmente construído pelos povos Guarani79,
era por eles largamente utilizado em sua maior extensão.
Em 1527 Aleixo Garcia inicia o retorno para a Ilha de Santa Catarina80. Ciente
da importância da informação que dispunha e temendo os riscos da jornada de retorno,
foram enviados pequenos grupos emissários que viajaram por caminhos diferentes e que
levavam consigo uma amostra de aproximadamente 45 quilos de prata cada um81. Morto
em um acampamento nas margens do Rio Paraguai pelos Guarani que o acompanhavam
durante o percurso de volta, as notícias e informações da expedição, seus caminhos por
terra e água através dos principais rios da bacia do Prata chegaram na Ilha de Santa Cata-
rina, juntamente com as amostras de prata saqueadas.
Também no ano de 1527, partindo do porto de Cádiz, Sebastião Caboto e sua
tripulação navegavam pela costa atlântica no cone sul da América na tentativa de encontrar
uma rota às Índias através do Estreito de Magalhães, na região da Terra do Fogo e atual
divisa da Patagônia argentina e chilena82. Ao atracarem na Ilha de Santa Catarina tomaram
conhecimento das informações acerca da montanha de prata e suas rotas, tendo então
alterado a rota de sua viagem exploratória para a Bacia do Prata, que naquele momento
havia recebido este nome por se tratar de uma via fluvial em que se pretendia navegar
para chegar aos Andes.

78 NORDENSKIÖLD, Erland. The Guarani invasion of the Inca empire in the sixteenth century: an historical Indian
migration. The Geographical Review, New York, v. IV, p. 103-121. p. 104.
79 CHMYZ, Igor. Pesquisas de arqueologia histórica no Paraná. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São
Paulo, v. 24, p. 171-197, 1985.
80 DÍAZ DE GUZMÁN, Ruy. Historia del descubrimiento, conquista y población del Río de la Plata: Escrita el año
1612. Buenos Aires: Imprenta y Librería de Mayo, 1882. p. 40.
81 BOND, Rosana. A Saga de Aleixo Garcia: O descobridor do Império Inca. Florianópolis: Editora Insular, 1998. p. 49.
82 RAMÍREZ, Luis. Carta de Luiz Ramírez a su padre, de 10 de julio de 1528. In: MEDINA, José Toribio. El veneciano
Sebastian Caboto al Servicio de España. Santiago de Chile: Imprenta y Encuadernación Universitaria, 1908. p. 442-
457. t. I. p. 448.
COLONIZAÇÃO IBÉRICA SOBRE TERRITÓRIOS GUARANI | 47
Exploração inicial do “novo” mundo

Figura 4: Principais linhas do caminho de Peabiru83

83 COLAVITE, Ana Paula; BARROS, Miriam Fernandes. Geoprocessamento Aplicado a Estudos do Caminho de
Peabiru. Revista da ANPEGE, Dourados, n. 5, p. 86-105, 2009.
48 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

Navegaram pelo Rio Paraná até o afluente Carcarañá, local onde fundaram em
11 de maio de 1527 o forte de Sancti Spíritus, que foi primeiro povoado ibérico na bacia
do Prata. Nesta oportunidade foram recebidos amistosamente pelo povo Timbú84. Avan-
çaram a navegação pelo Rio Paraná até o local em que atracaram e fundaram o Porto de
Santa Ana, sendo também recebidos amistosamente pelo povo Guarani, pela parcialidade
Paranáes em sua nucleação Paranaygua. Neste momento encontram outra embarcação
hispânica, cuja tripulação era comandada por Diego García.
Com informações prestadas pelos nativos de que não seria possível continuar a
navegação no Rio Paraná em virtude do obstáculo imposto pelas Sete Quedas, retornam
até o encontro dos rios Paraná e Paraguai, oportunidade em que se confrontam com gru-
pos do povo Timbú e retornam ao o forte de Sancti Spíritus em virtude de estarem com
poucos mantimentos. Por estarem navegando em um bergantim, barco menor e apto para
a navegação fluvial construído quando da fundação do forte de Sancti Spíritus, as naus
haviam sido deixadas atracadas no Mar do Prata85. Com o temor de que uma esquadra
portuguesa encontrasse as naus, descem então rio abaixo e retornam ao Mar do Prata,
fazendo o caminho de volta pela costa atlântica e depois à península ibérica em 1530.
A partir destes momentos históricos estavam mapeados para os povos ibéricos
uma parte relevante dos caminhos por terra e água até a montanha de prata, fato que viria
a ser extremamente importante nos processos de conquista e colonização da região sul
da América e que impactaria duramente o povo Guarani, em especial os seus territórios.
Nestes momentos de encontros de mundos, do milho e do ferro, a América foi inventada
e serviu para alimentar o imaginário e a cobiça europeia, considerando que os reinos ibé-
ricos já haviam dividido os seus respectivos quinhões sobre as terras “descobertas” antes
mesmo de chegarem nelas.
Enquanto os povos ibéricos preparavam expedições privadas com maior estru-
tura para empreender a conquista e colonização, a intelectualidade europeia tratava de
criar teorias e fundamentos do direito de conquista a ser aqui exercido86, assim como da
regulamentação jurídica das terras que seriam objeto de aquisição originária e que viriam
a oferecer o suporte material para o desenvolvimento econômico dos estados nacionais
europeus.
Pelo lado hispânico, a criação dos primeiros povoados que consolidaram os focos
iniciais de colonização se deu em um processo mais tormentoso, pelas resistências que

84 RAMÍREZ, Luis. Carta de Luiz Ramírez a su padre, de 10 de julio de 1528. In: MEDINA, José Toribio. El veneciano
Sebastian Caboto al Servicio de España. Santiago de Chile: Imprenta y Encuadernación Universitaria, 1908. p. 442-
457. t. I. p. 449.
85 RAMÍREZ, Luis. Carta de Luiz Ramírez a su padre, de 10 de julio de 1528. In: MEDINA, José Toribio. El veneciano
Sebastian Caboto al Servicio de España. Santiago de Chile: Imprenta y Encuadernación Universitaria, 1908. p. 442-
457. t. I. p. 454.
86 MARÉS, Carlos Frederico. O renascer dos povos indígenas para o direito. Curitiba: Juruá, 2010. p. 30.
COLONIZAÇÃO IBÉRICA SOBRE TERRITÓRIOS GUARANI | 49
Exploração inicial do “novo” mundo

enfrentaram dos povos nativos e pelo acesso mais dificultoso à parte interior do conti-
nente. Em 1534 Pedro de Mendoza é titulado como adelantado, figura hispânica do líder
explorador e conquistador de territórios que tinha financiamento próprio e obtinha para si
parte do que conquistasse, ao mesmo tempo que foi designado como governador político
e capitão geral do governo que deveria estabelecer na Bacia do Prata87.
Tendo como objetivo materializar o domínio hispânico na rota fluvial para a
montanha de prata, e em consequência impedir que Portugal a alcançasse por aquela via,
a expedição por ele comandada chega na região em 1536 com grande estrutura. Acom-
panhado de 1535 tripulantes, 100 cavalos, armas e pesada artilharia, funda o povoado
que nomeia como Real de Nuestra Señora Santa María del Buen Ayre (que o uso depois
converteria simplesmente em Buenos Aires) para servir como forte de controle do acesso
ao Mar da Prata88, mantendo inicialmente relações amistosas com os nativos do povo
Querandí, dotados de características nômades e coletoras.
Por estarem em uma região pantanosa e com uma população de soldados sem
aptidão e aceitação para exercer a agricultura89, as dificuldades de obter mantimentos se
impuseram na mesma proporção que se deterioram as boas relações com os Querandí.
São então enviados exploradores que navegavam pela Bacia do Prata com a missão de
encontrar mantimentos, um local apto para um novo povoado e mais informações sobre
o caminho para a montanha de prata. Uma dessas expedições, comandada por Juan de
Ayolas, funda em junho 1536 o forte de Corpus Christi no mesmo lugar onde Sebastião
Caboto havia fundado em 1527 o forte de Sancti Spíritus, no encontro do Rio Paraná e
seu afluente Carcarañá.
Em aliança com o povo Timbu90, consegue ter acesso à sua “divina abundância”,
conseguindo farta quantidade de mantimentos e retornando ao forte de Buenos Aires.
Neste momento o povoado estava prestes a padecer por reiterados ataques vindos de gru-
pos dos povos Querandí, Guarani, Charrua e Chana-Timbu, que ocasionaram a morte de
mais de dois terços do efetivo hispânico e fome generalizada e aguda, ao ponto de haver
relatos de canibalismo91 entre os espanhóis. Numa situação de extrema penúria e diante das
notícias de facilidade de acesso a mantimentos cedidos pelos nativos no forte de Corpus
Christi, Pedro de Mendoza decide levar quase todo efetivo ao novo povoamento e deixa
em Buenos Aires aproximadamente 100 pessoas, que deveriam guardar o forte e resistir

87 RIVAROLA PAOLI, Juan Bautista. La economía colonial. Tomo I. Asunción: Editora Litocolor, 1986. p. 16.
88 RIVAROLA PAOLI, Juan Bautista. La economía colonial. Tomo I. Asunción: Editora Litocolor, 1986. p. 16.
89 LAFUENTE MACHAIN, Ricardo de. El gobernador Domingo Martínez de Irala. Asunción: Academia Paraguaya
de la Historia, 2005. p. 17.
90 RUBIO, Julián María. Exploración y Conquista del Río de la Plata siglos XVI y XVII. Barcelona/Buenos Aires:
Salvat Editores, 1942. p. 116.
91 SCHMÍDEL, Ulrich. Viaje al río de la Plata. Barcelona: Red Ediciones, 2014. p. 18.
50 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

aos ataques dos nativos sob o comando de Ruiz Galán92.


Em decorrência de seu grave estado de saúde, e com a necessidade de continuar
a exploração com vias a chegar na montanha de prata - e assim obter retornos do investi-
mento realizado em sua expedição, Pedro de Mendoza decide retornar à Castela e outorga
poderes de mando local a Juan de Ayolas, conferindo os títulos de governador e capitão
geral93, considerando a crescente importância do papel que ele exercia na exploração da
Bacia do Prata.
Continuando as viagens exploratórias Juan de Ayolas constitui no forte de Cor-
pus Christi uma frota formada por uma caravela e dois bergantins, que eram ocupados
por 170 tripulantes94 e que navegaram pelos rios Paraná e Paraguai. Chegam por meios
fluviais até a parte ocidental do Chaco, criando o povoado de Puerto Candelaria na região
do encontro do Rio Paraguai e seu afluente Nabileque. Em fevereiro de 1537 deixa neste
local o comando temporário com um de seus tripulantes, Domingo Martínez de Irala,
comando este que era concedido somente enquanto durasse sua ausência e com ordens
de criação de um forte95 em Puerto Candelaria. Juan de Ayolas segue em expedição por
terra até a montanha de prata, atravessando o Chaco.
Consegue alcançar a mesma região que Aleixo García havia alcançado em 1526,
tendo inclusive encontrado um membro daquela expedição96, retornando a Puerto Can-
delaria com alguma prata e acompanhado de um grupo Guarani e um pequeno grupo
de exploradores espanhóis fatigados e castigados pelos confrontos que haviam ocorrido
contra os povos chaquenhos. Ao chegar ao local em março de 1538 encontra o povoado
desocupado e semi deserto, oportunidade em que o grupo de exploradores hispânicos é
dizimado pelos mesmos Guarani que os acompanhava97.
A ausência de pessoas quando do retorno de Juan de Ayolas em Puerto Candelaria
rendeu acusações de insubordinação a Domingo Martínez de Irala98, que justificou sua
ausência pela necessidade de reparos nos barcos que haviam sido infestados por carunchos,
reparos estes que não poderiam ser ali realizados. Ao encontrar a expedição liderada por
Juan de Salazar Espinosa, que havia sido mandado por Pedro de Mendoza para encon-
trar notícias acerca da expedição de Juan de Ayolas à montanha de Prata, define-se que

92 DÍAZ DE GUZMÁN, Ruy. Historia del descubrimiento, conquista y población del Río de la Plata: Escrita
el año 1612. Buenos Aires: Imprenta y Librería de Mayo, 1882. p. 68.
93 LAFUENTE MACHAIN, Ricardo de. El gobernador Domingo Martínez de Irala. Asunción: Academia Paraguaya
de la Historia, 2005. p. 18.
94 CANDELA, Guillaume. Domingo Martínez de Irala, el protagonista de la historia de la conquista del Paraguay
entre 1537 y 1556. 2008. 191 f. Dissertação (Mestrado) - Université de Provence, Marseille, 2008. p. 20.
95 RUBIO, Julián María. Exploración y Conquista del Río de la Plata siglos XVI y XVII. Barcelona/Buenos Aires:
Salvat Editores, 1942. p. 129.
96 CARDOSO, Efraim. El Paraguay de la Conquista. Asunción: El Lector, 1996. p. 46.
97 SCHMÍDEL, Ulrich. Viaje al río de la Plata. Barcelona: Red Ediciones, 2014. p. 34.
98 DE GANDÍA, Enrique. Historia de la Conquista del Río de la Plata y del Paraguay (1535-1556). Buenos Aires:
Librería de García Santos, 1931. p. 62.
COLONIZAÇÃO IBÉRICA SOBRE TERRITÓRIOS GUARANI | 51
Exploração inicial do “novo” mundo

Domingo Martínez de Irala deveria voltar a Puerto Candelaria na tentativa de encontrar


Juan de Ayolas ou ao menos notícias acerca de sua expedição por terra, assim como Juan
de Salazar Espinosa deveria fazer buscas ao sul, e também criar um outro forte nas margens
do Rio Paraguai. O encontro entre Domingo Martínez de Irala e Juan de Salazar Espinosa
se deu no mesmo dia da morte de Pedro de Mendoza, 23 de junho de 1537, quando estava
em meio ao caminho de volta à Espanha.
No dia 15 de agosto de 1537, em um local em que já havia estado Juan de Ayolas
no encontro dos rios Paraguai e Pilcomayo, Juan de Salazar Espinosa funda o povoado de
Nuestra Señora Santa María de la Asunción, atual cidade de Assunção, capital do Para-
guai. O local foi escolhido em virtude de uma série de fatores99. O primeiro deles é o de
que estava próximo ao Rio Pilcomayo, o que facilitaria o escoamento da prata que fosse
saqueada nos Andes, considerando que este rio tem suas nascentes na região e Potosí.
O segundo é por haver então uma aliança firmada por Juan de Salazar Espinosa com
uma liderança Guarani da parcialidade Cario e nucleação Yparacaí, que disponibilizava
a “divina abundância” aos povos hispânicos. Com isso, as viagens pela região estavam
garantidas de mantimentos e suprimentos, que eram produzidos pelos Guarani em um
local extremamente fértil e apto para a agricultura.
Nos momentos posteriores à criação de Assunção, e a sua gradual consolidação
enquanto entreposto para as tentativas hispânicas de alcançar a montanha de prata, o
que se observa é um crescente povoamento da região, com a formação de uma população
crioula decorrente da mestiçagem entre nativos e hispânicos. Embora a colonização do
território e o povoamento da região não fossem os objetivos iniciais da entrada hispânica
na Bacia do Prata100, era necessário povoar a região para fortalecer a presença hispânica e
torná-la menos suscetível a eventuais ataques que porventura recebessem.
Desta maneira, na década de 30 do século XVI os reinos de Portugal e Espanha
iniciavam por motivos diversos os planos e providências para o povoamento das terras
“descobertas” na América. Enquanto Portugal pretendia ter posse direta da costa atlântica
para fazer frente às investidas francesas que buscavam minar o monopólio de comércio
português, Espanha buscava consolidar os fortes criados no Rio Paraguai com o intuito
de seguir buscando um caminho até a montanha de prata em que Aleixo García e Juan de
Ayolas haviam conhecido. Literalmente em meio a estes processos estava o povo Guarani,
vivendo à sua forma em um amplo território.
Nestes encontros de mundos, formas de ocupação territorial extremamente
diferentes se chocaram. Para o povo Guarani a terra era concebida como algo a ser

99 CARDOSO, Efraim. El Paraguay de la Conquista. Asunción: El Lector, 1996. p. 48.


100 LAFUENTE MACHAIN, Ricardo de. El gobernador Domingo Martínez de Irala. Asunción: Academia Paraguaya
de la Historia, 2005. p. 18.
52 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

coletivamente territorializado e que havia sido deixado para eles por seus antepassados,
sendo o território uma composição de biodiversidade na qual se integravam101. Assim, o
significado de território consistia no controle das diferentes parcialidades povo Guarani
sobre espaços geográficos que se determinavam culturalmente, que poderiam ser com-
partilhados sem maiores problemas com outros povos. Por sua vez, a concepção ibérica
de território se construía como o espaço geográfico em que era exercido o poder real, que
deveria ser medido e delimitado em fronteiras geralmente arbitrárias e violentamente
criadas. Esta divisão seria fundamental para estabelecer a titularidade do que viesse a ser
extraído destas terras.
Dentro desta contradição, entre duas concepções territoriais diferentes sobre
um mesmo espaço geográfico, o povo Guarani não considerava que os povos ibéricos
estivessem invadindo o seu território, pois havia espaço e terras para todos viverem, dife-
rentes povos, animais e plantas. Os ibéricos, no entanto, se organizavam e se estruturavam
política e juridicamente para que pudessem empreender invasões e promover saques. Em
um segundo momento, após o saque do que pudesse ser embarcado à Europa na forma
de mercadoria, as terras ocupadas pelos povos da América atrairiam os olhos dos coloni-
zadores. O direito de conquista, fundamental para a vida dos povos, viria a ser exercido
pelos ibéricos lusitanos e hispânicos de forma extremamente destrutiva e genocida, com
preocupações apenas de ordem material.
Em se tratando do direito de conquista, existe uma semelhança entre a conquista
exercida pelos Guarani quando da constituição pré-ibérica de seu território na Bacia do
Prata e a conquista exercida pelos ibéricos na América: ambos os processos de conquista
serviram para oferecer o suporte material para que os povos reproduzissem seu modo
de vida. O que difere, em direções completamente opostas, é a forma que estes modos
de vida eram exercidos, em especial no suprimento de suas necessidades, seus modos de
produção. Enquanto de um lado havia um povo que controlava um determinado espaço
geográfico e que nele exercia seus modos de produção de forma simbiótica com os demais
elementos naturais, de outro havia povos que buscavam a apropriação privada destes
mesmos elementos naturais na forma de mercadoria. Esta apropriação viria a se mostrar,
juntamente com a apropriação do trabalho escravo, como elemento fundamental para o
desenvolvimento do sistema de produção capitalista europeu.

INSTITUCIONALIDADES IBÉRICAS E (IN)JUSTIFICAÇÃO DA


CONQUISTA

Com as notícias das terras encontradas na América, algumas teorias foram criadas

101 MARÉS, Carlos Frederico. A função social da terra. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003. p. 51.
COLONIZAÇÃO IBÉRICA SOBRE TERRITÓRIOS GUARANI | 53
Institucionalidades ibéricas e (in)justificação da conquista

e discutidas na Europa102 em momentos e contextos distintos, não somente nos reinos


ibéricos, mas também nos outros países que tinham interesse na expansão marítima. A
primeira delas é a da doação papal, em que o sumo pontífice teria poderes universais
para conceder domínios ou direitos de exploração sobre terras que fossem “descobertas”,
habitadas ou não. Outra teoria, da res nullius, era fundada no direito romano e consistia
no direito de apropriação de terras inabitadas que fossem encontradas. Houve também a
da guerra justa aos infiéis, em que os nativos que aceitassem a cristianização como súdi-
tos das coroas europeias seriam poupados da guerra, ao mesmo tempo em que ela seria
declarada a quem não se curvasse à cruz. O que de há comum entre todas é o fato de que
foram apresentadas na busca da fundamentação a destruição dos controles territoriais
dos povos da América.
Desde o ponto de vista dos conquistadores e colonizadores ibéricos, o primeiro
fundamento jurídico da exploração dos “novos” mundos era a concessão papal de explo-
ração em monopólio que era concedida às coroas ibéricas, desde que houvesse a manifesta
intenção de evangelização católica nos territórios do além-mar103. Além desta manifesta
intenção de cristianização, os reinos deveriam oferecer o suporte material para a expansão
cristã nos “novos” mundos. A cruz e a espada, portanto, navegavam juntas.
É preciso considerar que, pela tradição canônica medieval, que era elemento
fundamental nas sociedades da península Ibérica na virada dos séculos XV para XVI, o
papa era autoridade legítima para atribuir direitos sobre os mares e as terras encontradas
através de sua navegação, possuindo pretensamente jurisdição universal. O exercício dessa
jurisdição papal era materializado através de documentos intitulados bulas, pelos quais o
sumo pontífice se manifestava e atribuída direitos, obrigações, privilégios ou punições104.
Considerando que suas decisões e regulamentos eram supostamente observados somente
onde houvesse o predomínio cristão, a jurisdição papal funcionava como uma espécie de
arbitragem.
Ao tempo do início da conquista ibérica na América a coroa espanhola era con-
figurada, desde o ponto de vista político, como uma unidade dinástica que não se apre-
sentava como unidade nacional105. Ainda que houvesse a união matrimonial entre Isabel
de Castela e Fernando de Aragão, os dois reinos permaneciam com suas personalidades
políticas e jurídicas próprias. Tal situação se alteraria em 1516, com a unificação dos
reinos e o nascimento da Espanha. Movido pelo feito de Cristóvão Colombo, que em

102 ZAVALA, Silvio. Las instituciones jurídicas en la conquista de América. México: Editoral Porrúa, 1971. p. 87.
103 JOHNSON, Harold. A colonização portuguesa do Brasil, 1500-1580. In: BETHELL, Leslie (Org.). História da
América Latina: América Latina Colonial. Tradução de Maria Clara Cescato. 2. ed. 3. reimpr. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 2012. v. 1. p. 252.
104 BORGES, Paulo Torminn. Institutos básicos de direito agrário. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 46.
105 CAPDEQUI, Ots. El estado español en las Indias. México DF: Fondo de Cultura Económica, 1941. p. 9.
54 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

1492 chega pela primeira vez às Antilhas e no contexto de divisão nacional hispânica,
o papa Alexandre VI emite, em 3 de maio de 1493, a bula Inter Coetera, que atribuía a
Castela as terras que por seus exploradores fossem “descobertas”, desde que não estivessem
sob domínio de alguma coroa cristã106. O documento não faz menção alguma ao reino
de Portugal, que atuava com destaque na expansão marítima da época. Com a imediata
pressão da coroa lusitana, dentro de sua infalibilidade, o papa emite no dia seguinte outra
bula, com o mesmo nome da anterior, que restringia ao domínio castelhano às terras que
ficassem mais de 100 léguas a oeste das ilhas de Cabo Verde e Açores.
Esta definição papal sobre territórios alheios foi em seguida redefinida pelo con-
trato real assinado em Tordesilhas107, em 7 de junho de 1494. Ele foi firmado entre os
reinos de Portugal, Castela e Aragão e dividia entre os reinos as terras do “novo” mundo
em duas porções: 370 léguas (1770 km) a oeste de Cabo Verde estaria o espaço de domínio
hispânico e ao leste deste ponto até o oceano haveria o domínio português. Tal divisão,
que excluía outras coroas, levaria o monarca francês Francisco I se mobilizar para que
fosse rompido o monopólio luso-hispânico de conquista da América, enviando corsários
franceses ao continente e sob o irônico argumento de que não havia cláusula no testamento
de Adão que o excluiria de tal partilha108.
Firmado quando os reinos estavam muito longe de ter a real dimensão dos terri-
tórios que seriam “descobertos” e conquistados, conforme indica a representação de 1502,
o pacto não viria a ser cumprido por ambas as partes. Todavia, o Tratado de Tordesilhas
serviu para definir as duas iniciais frentes de incursões de exploração, conquista e colo-
nização sobre o território Guarani, considerando que esta divisão implicaria em dupla
e duras frentes de contato deste povo com os conquistadores e colonizadores ibéricos.
No contexto hispânico, considerando a divisão entre os reinos de Castela e Ara-
gão, as expedições exploratórias de Colombo eram realizadas sob o signo de Castela, sendo
que em favor deste reino então incialmente estariam incorporadas as terras encontradas
na América ao oeste da linha de Tordesilhas. Como consequência do domínio castelhano,
pretensamente suas regulamentações jurídicas internas viriam a regular as relações que na
América se estabeleceriam109. Todavia, a exploração, conquista e colonização do “novo”
mundo apresentou tamanha complexidade que a resposta hispânica foi a criação de teorias
e regulamentações autônomas para a América, o que viria a formar o que se chamou de

106 LEME PONTIN, Rafael de Almeida. As bulas e tratados dos séculos, XV, XVI e XVIII na história do direito
brasileiro: Seus reflexos na América portuguesa. Caderno Jurídico, Campinas, ano II, n. 4, p. 175-200, dez. 2011. p. 181.
107 CORTESÃO, Jaime. História do Brasil nos Velhos Mapas. Rio de Janeiro: Instituto Rio Branco, 1957. t.
I. p. 111.
108 PERRONE-MOISÉS, Beatriz. Terras indígenas na legislação colonial. Revista da Faculdade de Direito da USP,
São Paulo, v. 95, p. 107-120, 2000. p. 107.
109 CAPDEQUI, Ots. El estado español en las Indias. México DF: Fondo de Cultura Económica, 1941. p. 9.
COLONIZAÇÃO IBÉRICA SOBRE TERRITÓRIOS GUARANI | 55
Institucionalidades ibéricas e (in)justificação da conquista

direito indiano110. Ele consistia numa grande profusão de normas, tendo características de
uma grande especificidade casuísta, com tendências insuficientemente uniformizadoras,
além de um sentido fundamentalmente religioso cristão111.

Figura 5: Planisfério de Cantino, de 1502112

Juntamente ao processo criação deste direito indiano, o reino de Castela criou


órgãos pelos quais buscaria gerenciar as viagens que fossem realizadas sob o seu domínio.
Criada em 1503, a Casa de Contratación possuía funções administrativas, comerciais, juris-
dicionais e fazendárias nas expedições exploratórias realizadas no início da conquista113.
Considerando que as viagens hispânicas à América eram realizadas e financiadas por
particulares, cabia a este órgão buscar materializar as definições reais acerca da exploração
do “novo” mundo, recolhendo o quinhão real sobre os lucros obtidos em cada expedição
que era realizada por particulares.
Com uma maior consciência da amplitude das terras “descobertas”, o que acar-
retava numa maior diversidade de situações a serem enfrentadas, a Casa de Contratación
foi substituída em 1524 pelo então criado Consejo Real y Supremo de las Índias, a quem
cabia auxiliar a coroa exercer a suprema autoridade sobre os assuntos do além-mar, pro-
pondo ao monarca toda a redação da legislação que viria a consolidar o direito indiano114.
Funcionava também como órgão de controle sobre toda e qualquer instituição criada

110 MURO OREJÓN, Antonio. El Real y Supremo Consejo de las Indias. Anuario de Estudios Americanos. Sevilla,
v. 27, p. 195-218, jan. 1970. p. 195.
111 CAPDEQUI, Ots. El estado español en las Indias. México DF: Fondo de Cultura Económica, 1941. p. 9.
112 LEITE, Duarte. O mais antigo mapa do Brasil. In: DIAS, Carlos Malheiros (Coord.). História da Colonização
Portuguesa do Brasil. Porto: Litografia Nacional, 1924. v. 2. p. 223-281. p. 229.
113 RIVAROLA PAOLI, Juan Bautista. La economía colonial. Asunción: Editora Litocolor, 1986. t. I. p. 37.
114 CAPDEQUI, Ots. El estado español en las Indias. México DF: Fondo de Cultura Económica, 1941. p. 14.
56 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

na América espanhola. Considerando o processo de crescente atividade particular na


América, e que a principal preocupação da coroa era a arrecadação dos tributos sobre os
lucros obtidos nestas atividades, é criado em 1557 o Consejo de la Hacienda, em que se
concentrava a função arrecadatória, mantendo o Consejo Real y Supremo de las Índias as
demais competências que lhe foram originalmente atribuídas.
A partir destas instituições, ou ainda diretamente pela coroa, eram emitidas
capitulaciones, sendo estes documentos reais o instrumento de concessão de direitos de
exploração e colonização da América por particulares, assim como as regras de repartição
com a coroa dos lucros e benefícios que obtivessem115. Em não raras oportunidades elas
foram emitidas com caráter punitivo após a obtenção dos lucros pelos particulares, nas
oportunidades em que eram flagrados navegando e realizando atividades no além-mar
sem a autorização real116. Em algumas capitulaciones havia ainda a determinação de de
criação de repartimientos sobre as terras “descobertas”, que passavam a ser de propriedade
dos colonizadores que ali vivessem por cinco anos117.
Dentro do contexto de uma grande profusão de capitulaciones, que continham
não somente as concessões de direitos de exploração e colonização, mas também deter-
minavam uma série de outros direitos e obrigações para a América, surge a necessidade
de uma primeira consolidação e sistematização destas normas. Em meio a denúncias de
corrupção aguda no âmbito do Consejo Real y Supremo de las Índias118 e sob influência
direta de Bartomé de Las Casas119, Carlos V outorgou em 1542 as Leyes y ordenanzas
nuevamente hechas por su Majestad para la gobernación de las Indias y buen tratamiento
y conservación de los Indios. Como seu próprio nome diz, se tratava de uma normativa
com características protetivas aos povos nativos. Dentro de uma série de determinações,
havia a proibição de escravidão e a extinção das reparticiones e das encomiendas, forma
de apropriação de trabalho que será abordada em maiores detalhes em tópico específico.
Uma questão se mostrava fundamental na intelectualidade espanhola: o justo título para
que pudessem exercer o domínio sobre as terras e povos na América. Em outras palavras,
buscava-se a justificação ética da conquista ao mesmo tempo que contrapontos teóricos
a respeito dos povos da América também eram criados e difundidos.
Francisco de Vitória elaborou tratados em que nega os direitos universais do papa,
assim como os direitos políticos de um monarca fora de seu reino, apontando sete títulos

115 DIEGO FERNÁNDEZ, Rafael. Proceso jurídico del descubrimiento de América: Bulas, tratados y capitulaciones.
Anuario Mexicano de Historia del Derecho, Mexico DF, n. 2, p. 81-114. 1990. p. 85.
116 RIVAROLA PAOLI, Juan Bautista. La economía colonial. Asunción: Editora Litocolor, 1986. t. I. p. 39.
117 VAS MINGO, Milagros del. Las capitulaciones de Indias en el siglo XVI. Madrid: Instituto de Cooperación
Iberoamericana, 1986, p. 45.
118 LÓPEZ LOMELÍ, Claudia. La polémica de la justicia en la conquista de América. 2002. 574 f. Tese
(Doutorado em Direito) - Universidad Complutense de Madrid, Madrid, 1984. p. 167.
119 ALONSO GETINO, Luis. Influencia de los dominicos en las Leyes Nuevas. In: Anuario de Estudios Americanos.
Vol. 2. Sevilla: Imprenta Catolica, 1945. p. 265-360.
COLONIZAÇÃO IBÉRICA SOBRE TERRITÓRIOS GUARANI | 57
Institucionalidades ibéricas e (in)justificação da conquista

injustos120 que acarretavam a ilegitimidade de todo processo de conquista e reafirmavam


os direitos dos povos das Américas sobre seus territórios:

· a ilegitimidade do rei como senhor dos mundos que estavam além de seus
reinados, considerando que todo poder político era uma construção humana
e que, portanto, os diferentes povos constituem legitimamente seus dife-
rentes reis;
· a contestação da autoridade do papa em conceder terras às coroas, pois cabe-
ria ao sumo pontífice tratar apenas de assuntos espirituais e não ter funções
civis ou políticas;
· a invalidade do direito ao descobrimento, pois as terras na América estavam
habitadas por povos que nelas exerciam seus domínios, sendo que este direito
de descobrimento somente poderia ser exercido em locais desabitados;
· a legitimidade na resistência em receber a fé, o que era entendido como
motivo suficiente para a coroa e a cruz se impor à força. Segundo ele a fé
cristã somente poderia ser apresentada aos povos da América através de dis-
cursos retóricos e com argumentações, garantindo aos povos o direito de
não a aceitar;
· os pecados cometidos pelos nativos, sendo que estes não poderiam ser usados
como pretexto para a conquista justamente pelo fato de não haver obriga-
toriedade da aceitação e prática da fé cristã;
· a eleição voluntária, pois houve casos em que eram reportados à Castela que
os nativos voluntariamente haviam aceitado a soberania da coroa espanhola.
Ele se mostrava injusto pelo fato de que não havia que se falar em volun-
tariedade em meio aos violentos processos de conquista a que tais povos
estavam sendo submetidos;
· a concepção de que a entrega dos índios aos conquistadores era uma doação
especial feita por deus, como punição aos pecados por eles praticados. Se
não havia pecados aos que não professavam a fé cristã, deus não poderia
castigá-los.

Após a contestação das justificativas da conquista e o apontamento de suas ilegi-


timidades, Francisco de Vitória aponta os títulos que seriam legítimos para fundamentar
a presença espanhola na América, o que pode ser indicado como um dos precursores do
direito internacional121. Aponta como potenciais legitimadores da conquista a liberdade

120 VITÓRIA, Francisco de. Os índios e o direito da guerra: de indis et de jure belli relectiones. Ijuí: Unijuí, 2006.
121 VITÓRIA, Francisco de. Relecciones. Madrid: Editorial Urdanoz, 1960.
58 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

de imigração dos indivíduos e a comunicação entre os povos, a propagação cristã como


direito hispânico e aceitação optativa pelos nativos, o direito de defender os cristãos even-
tualmente convertidos, a possibilidade de deposição de um líder que não reflita uma
eventual maioria cristã que poderia ser formada nos povos das Américas, a defesa aos
atos de sacrifícios e antropofagia, além da defesa de minorias étnicas que eventualmente
estivessem sendo colonizados por outros povos nativos. Em outras palavras, reconhecia
os direitos culturais e territoriais dos povos da América, ao mesmo tempo em que aceitava
a presença e conquista espanhola em algumas condições122.
A partir deste contraponto inicial que se mostrava numa crescente relevância
nos meios da intelectualidade espanhola, o monarca Carlos V convocou uma junta em
Valladolid, em que as posições antagônicas acerca da legitimidade da conquista espanhola
na América seriam confrontadas123. Fundado em quatro das ilegitimidades apontadas por
Francisco de Vitória, embora com alguns pontos relevantes de discordância124, Bartolomé
de Las Casas figurou na posição que apontava a ilegitimidade da conquista, ao tempo que
Juan Ginés de Sepúlveda buscava justificá-la.
Juan Ginés de Sepúlveda, convocado pelo Consejo Real y Supremo de las Índias,
defendia que era lícito e legítimo à cristandade empreender guerras contra os infiéis125.
Com fundamento no pensamento aristotélico, afirmou que os povos da América eram
naturalmente inferiores e que se encontravam em situação rudimentar de barbárie, sendo
que esta condição os levaria a uma sujeição natural aos civilizados cristãos, a quem caberia
a dura missão de evangelizá-los. Caso negassem inicialmente a aceitação da fé cristã, o justo
título da conquista da América era a guerra pela evangelização126, de maneira que todas
as demais causas de obtenção de justo título seriam secundárias, embora a reforçassem.
Assim, a guerra de conquista aos povos da América se caracterizaria como justa em virtude
de seus “pecados contra a natureza”, sua idolatria e para protegê-los deles mesmos. Suas
palavras soavam bem aos encomendeiros.
Bartolomé de Las Casas, na posição diretamente contrária, defendia a imediata
retirada dos espanhóis da América, com a indenização dos danos causados127 aos povos
nativos. O contraponto que apresentou a Juan Ginés de Sepúlveda não era fundamentado

122 MARÉS, Carlos Frederico. O renascer dos povos indígenas para o direito. Curitiba: Juruá, 2010. p. 51.
123 BEUCHOT, Maurício. La querella de la conquista: una polémica del siglo XVI. México DF: Siglo Veintiuno
Editores, 1992. p. 59.
124 MARÉS, Carlos Frederico. O renascer dos povos indígenas para o direito. Curitiba: Juruá, 2010. p. 50.
125 GINÉS DE SEPULVEDA, Juan. Tratado sabre las justas causas de la guerra hecha a los indios. Mexico DF: Fondo
de Cultura Economica, 1979. p. 81.
126 GINÉS DE SEPULVEDA, Juan. Tratado sabre las justas causas de la guerra hecha a los indios. Mexico DF: Fondo
de Cultura Economica, 1979. p. 81.
127 LAS CASAS, Bartolomeu de. Brevíssima relação sobre a destruição das Índias: Sétimo tratado. In:
Liberdade e justiça para os povos da América: oito tratados impressos em Sevilha em 1552. São Paulo:
Paulus, 2010. Obras completas II. p. 505.
COLONIZAÇÃO IBÉRICA SOBRE TERRITÓRIOS GUARANI | 59
Institucionalidades ibéricas e (in)justificação da conquista

na racionalidade ou não dos povos nativos, mas sim nos graus de suas racionalidades que,
de tão avançadas, levavam cada povo a ter suas próprias formas de exercer o seu auto-
governo128, possuindo jurisdições próprias e direitos territoriais que não poderiam ser
ignorados pelos conquistadores ibéricos. Com isso, a conquista da América se configuraria
como ilegítima de toda forma.
Embora houvesse triunfado os postulados de Bartolomé de Las Casas, a dife-
rença entre o que era legislado na Espanha e o que ocorria de fato no “novo” mundo era
imensa. Possivelmente tão grande quanto a distância da península ibérica à América.
Com a determinação real de extinção das encomiendas e repartimientos, que foi minima-
mente acatada em alguns lugares, a rebelião se instala nas regiões da América espanhola
onde viriam a ser as capitais do Peru e México, nas quais o sistema estava implementado
e funcionando com êxito.
Nestas épocas tais instrumentos de colonização sequer haviam chegado ao povo
Guarani e à Bacia do Prata. O sistema de encomiendas, como será melhor abordado adiante,
foi inicialmente implementado na região somente a partir de 1556, mais de uma década
após ser novamente permitido pela coroa espanhola, em 1545. Enquanto a corte debatia as
(in)justiças dos títulos da conquista, os processos coloniais aconteciam na Bacia do Prata
obedecendo os contextos regionais e os mandos, acordos e desacordos que as lideranças
hispânicas locais realizavam na busca da montanha de prata. As contestações internas
à conquista espanhola, que se materializaram no triunfo das teses de Bartolomé de Las
Casas, serviram mais para amenizar as eventuais dores de consciência pelas atrocidades
cometidas do que para guiar uma política que diferisse minimamente dos genocídios que
aconteciam na América.
Os debates hispânicos acerca dos justos títulos da conquista da América interfe-
riram na intelectualidade e institucionalidade portuguesa. Ainda que menos elaborado
do que os debates realizados na Espanha, a questão da legitimidade da conquista em
Portugal foi relevante ao ponto de Dom João III ter criado, em 1532, um órgão que teve
o sugestivo nome de Mesa de Consciência129. Ele era composto por teólogos e juristas,
sendo suas atribuições as de aconselhamento ao rei e de funções jurisdicionais em con-
trovérsias acerca da ação do governo que se relacionassem com a jurisdição eclesiástica,
a jurisdição do pecado.
Como a conquista da América era fundamentada juridicamente na concessão
papal à coroa portuguesa e o pecado da infidelidade cristã dos povos nativos também
se apresentava como suposto justo título da conquista e colonização, todos os assuntos

128 BEUCHOT, Maurício. Los fundamentos de los derechos humanos en Bartolome de Las Casas. Madrid: Anthropos,
1994.
129 HESPANHA, António Manuel. História das instituições: épocas medieval e moderna. Coimbra: Livraria
Almedina, 1982. p. 346.
60 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

relativos a tais temas eram ali tratados130. Mais tarde, em 1551, foi incorporada ao órgão
a administração de ordens militares, tendo seu nome sido alterado para Mesa da Cons-
ciência e Ordens.
Diferentemente do detalhado direito indiano, criado na Espanha para regular a
conquista da América, Portugal não produziu um direito autônomo para ser aplicado no
“novo” mundo, mas sim um conjunto mal desenhado de atos normativos que é unanime-
mente considerado como “contraditório, oscilante e hipócrita”131. Como desde a terceira
década do século XVI já havia a pretensão de considerar os novos territórios como exten-
são dos territórios portugueses por aquisição originária, o reino considerou vigente nas
terras ao leste da linha de Tordesilhas legislação portuguesa, inicialmente das ordenações
manuelinas, que foram em 1603 substituídas pelas ordenações filipinas. Para questões da
colônia que eventualmente se apresentassem como necessárias de intervenção da coroa,
eram produzidas pela coroa normas específicas e casuístas, através de em regimentos de
governo geral, cartas régias e alvarás, cuja emissão era subsidiada pelo corpo consultivo
da Mesa de Consciência132.
Apresentando heranças medievais, a legislação portuguesa de até meados do
século XV permitia que tanto a coroa quanto a igreja declarassem guerra justa aos povos
pagãos. Com esta prerrogativa sendo retirada da igreja no início do século XVI, somente
a autoridade real poderia declarar guerra aos povos da América, de modo que a mera
negativa de aceitação da fé cristã não seria apta a justificar a guerra de conquista. O que
era apto e que motivava a coroa portuguesa a declarar guerra justa contra os nativos da
América eram os impedimentos de expansão comercial e de conquista territorial.
Por ter considerado as terras do “novo” mundo como extensão das suas desde
logo após sua chegada, e, portanto, como questão supostamente resolvida, a legislação
portuguesa apresentava a questão da liberdade dos povos nativos como principal tema133.
Se tratava de um peculiar conceito de liberdade, que se realizava e se garantia aos nativos
com as condições de abandono de suas terras para a aglomeração em aldeamentos, aban-
dono de sua cultura em nome de uma conversão cristã e da disponibilização de mão de
obra a serviço dos colonizadores. Assim, os nativos livres seriam aqueles que aceitassem
a colonização e se reunissem em aldeias próximas aos povoados dos colonizadores, onde

130 MARCOCCI, Giuseppe. A consciência de um império: Portugal e o seu mundo (sécs. XV-XVII). Coimbra: Imprensa
da Universidade de Coimbra, 2012. p. 132.
131 PERRONE-MOISÉS, Beatriz. Índios livres e índios escravos: os princípios da legislação indigenista do período colonial
(séculos XVI a XVIII). In: Cunha, Manuela Carneiro da (Org.). História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia
das Letras/FAPESP, 1992, p. 115-131. p. 115.
132 PERRONE-MOISÉS, Beatriz. Índios livres e índios escravos: os princípios da legislação indigenista do período colonial
(séculos XVI a XVIII). In: Cunha, Manuela Carneiro da (Org.). História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia
das Letras/FAPESP, 1992, p. 115-131. p. 116.
133 OLIVEIRA, João Pacheco de; ROCHA FREIRE, Carlos Augusto da. A presença indígena na formação do Brasil.
Brasília: Ministério da Educação; LACED/Museu Nacional, 2006.
COLONIZAÇÃO IBÉRICA SOBRE TERRITÓRIOS GUARANI | 61
Institucionalidades ibéricas e (in)justificação da conquista

seriam catequizados e civilizados como súditos do rei134. A todos os outros, na medida em


que se tornassem obstáculos à expansão territorial e mercantil dos colonizadores, estaria
reservada e declarada pela coroa a guerra justa.
Com esta diferenciação de povos amigos e povos inimigos, abre-se uma dupla
frente de ataque aos povos pelos portugueses. A primeira delas buscaria levar aos povos
arredios o genocídio, a destruição dos corpos, como resultado da guerra de conquista.
Assim, as resistências deveriam ser suprimidas pela força e os territórios se abririam como
campos que seriam colonizados. A segunda maneira de ataque, que era reservada aos
“gentios” que aceitassem a colonização, consistia na cristianização que buscaria consolidar
o etnocídio, a destruição da cultura através do cristianismo e a condição de trabalhado-
res livres e assalariados, que venderiam sua mão de obra aos proprietários das terras que
anteriormente constituíam seus territórios.
A sutileza do cinismo português na normativa da conquista da América pode
ser observada desde o primeiro documento oficial emitido pela coroa lusitana que faz
referência ao tratamento que deveria ser dispensado aos povos nativos135. No regimento
entregue a Tomé de Sousa em 1548, em que há a determinação geral de como seria reali-
zada a conquista e colonização do “novo” mundo, há a determinação expressa de que as
guerras aos nativos deveriam ser evitadas de todo modo, pois elas dificultavam o diálogo
necessário à cristianização dos povos. Juntamente com tal determinação também havia
a de que deveria ser declarada “guerra a quem quer que vos resistir”. Com isso, a exceção
da guerra justa aos povos arredios se coloca como brecha normativa e de libertação da
consciência colonizadora, que empreendia então “legitimamente” a conquista.
No mesmo documento há uma determinação de separação dos povos, devendo
ser apartados aqueles que se tornassem súditos do rei e da cruz daqueles que se negassem
a fazê-lo. Tal previsão fundamentava uma prática violenta e que era denominada desci-
mentos136. Eles consistiam no deslocamento de povos para as imediações dos povoados
formados pelos colonizadores, através da ação de missionários ou tropas de descimento.
Seja pela arregimentação violenta ou voluntária, tais aldeias eram formadas e garantia-se
o direito de posse delas pelos nativos, sendo a administração destes aldeamentos realizada
inicialmente por missionários jesuítas. Em outras palavras, garantia-se o direito de estar
sob o domínio alheio em um pequeno e restrito pedaço de terra, se comparado aos amplos
territórios antes ocupados.

134 ALENCASTRO, Luiz Felipe. O trato dos viventes. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 119.
135 REGIMENTO que levou Tomé de Sousa governador do Brasil. Almerim, 17 de dezembro de 1548. In: ALVES
FILHO, Ivan. Brasil, 500 anos em documentos. Rio de Janeiro, Mauad, 1999.
136 PERRONE-MOISÉS, Beatriz. Índios livres e índios escravos: os princípios da legislação indigenista do período colonial
(séculos XVI a XVIII). In: Cunha, Manuela Carneiro da (Org.). História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia
das Letras/FAPESP, 1992, p. 115-131. p. 119.
62 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

O aldeamento seria então uma estratégia eficaz de colonização na medida em


que, restritos os nativos em pequenas ilhas de terras, estariam livres e desimpedidos para
conquista e colonização os territórios que até então ocupavam. Ademais, se configurariam
como concentrações de mão de obra “livre” e assalariada a ser explorada pelos conquista-
dores. Ocorre que não raras vezes os aldeados resistiam à submissão cristã e ao trabalho
assalariado, assim como às privações territoriais a que se encontravam submetidos. Era
a manifestação da inconstância da alma selvagem137, que resistia à colonização e insistia
em retornar às suas formas anteriores, em real situação de liberdade em seus territórios,
em suas crenças e formas próprias de vida.
Tanto Portugal quanto Espanha tiveram seus arranjos institucionais para lidar
com a conquista da América. A serviço destas instituições esteve o Direito e seus instru-
mentos jurídicos, que refletiam na normatividade da conquista as concepções medievais
de universalidade do poder do papa e na potestade das coroas em conceder direitos de
exploração e conquista sobre os “novos” mundos. Os contrapontos hispânicos que se
consolidaram em Valladolid, e que influenciaram também a conquista e a institucionali-
dade portuguesa, não foram minimamente suficientes para interferir de qualquer maneira
sobre a realidade que obedecia uma regra ibérica velada138 de exploração da natureza e
do trabalho nativo, através de saques, expulsões e escravidão que permitissem a expansão
colonial na América.

NÚCLEOS DE CONQUISTA E COLONIZAÇÃO

O processo de consolidação da presença hispânica no forte de Assunção somente


foi possível por uma aliança entre os espanhóis e os Guarani das nucleações Cario, ainda
que grandes revoltas e resistências tenham acontecido na região139. Tal aliança se fundou
por parte dos Guarani na ilusão inicial de haver interesses comuns com os recém chega-
dos140. Nos momentos imediatamente anteriores ao início da conquista ibérica na América
ethos guerreiro era uma das características importantes do povo Guarani, decorrente da
necessidade de expansão territorial em virtude da explosão demográfica então existente.
Como Assunção se localizava no limite oeste de territórios ocupados pelos Gua-
rani, configurando uma fronteira étnica e cultural com os povos do Chaco que estavam
na outra margem do rio Paraguai, os conflitos destes com aqueles eram constantes. Neste

137 VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. O mármore e a murta: sobre a inconstância da alma selvagem. In: VIVEIROS
DE CASTRO, Eduardo (Org.). A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo: Cosac
& Naify, 2002. p. 183-264.
138 MARÉS, Carlos Frederico. O renascer dos povos indígenas para o direito. Curitiba: Juruá, 2010. p. 45.
139 NECKER, Louis. Indios guaranies y chamanes franciscanos. Asunción: CEADUC, 1990. p. 34.
140 MELIÀ, Bartomeu. El Guaraní conquistado y reducido: Ensayos de etnohistoria. 4. ed. Biblioteca Paraguaya de
Antropología. Asunción: CEADUC, 1997. v. 5. p. 23.
COLONIZAÇÃO IBÉRICA SOBRE TERRITÓRIOS GUARANI | 63
Núcleos de conquista e colonização

contexto a aliança com povos que manejavam o metal e possuíam armas mais poderosas
que as suas parecia ser estratégica. Havia um fascínio Guarani com as novidades trazidas
pelos espanhóis, como os cavalos, mosquetes, lanças e espadas de metal, assim como outros
utensílios do mesmo material. O fascínio era grande ao ponto de chamarem os novos
aliados de karai, tratamento então dispensado às suas lideranças espirituais.
Outro elemento que que colaborou para a ilusória aliança inicial dos Guarani
Cario da região de Assunção com os espanhóis foi o interesse comum na montanha de
prata. Para os Guarani, que necessitavam expandir suas áreas de ocupação territorial,
a existência da região era conhecida, ao ponto de que havia acontecido uma massiva
migração para a região141, migração esta que foi acompanhada por Aleixo García pouco
tempo antes. Com notícias do estabelecimento da parcialidade Guarani Chiriguano nas
imediações da região sul da montanha de prata, a necessidade de estabelecer e consolidar
rotas de comunicação se impunha. É preciso considerar ainda que o imaginário sobre a
região da prata era tão forte neste povo desde antes do início da conquista ibérica142 que
compunha o mito do Kandire143, um dos elementos e lugares do yvy mararey, terra sem
mal e com condições ecológicas apta à vida coletiva. O interesse de chegar na região da
montanha de prata era comum entre os Guarani e os exploradores espanhóis, o que diferia
muito eram os motivos que os levavam a buscar a região.
Pela necessidade espanhola de mantimentos, a “divina abundância” da economia
agrícola Guarani era muito mais do que interessante, era necessária. Além de acessar os
frutos do modo de produção dos nativos, interessava aos exploradores espanhóis ter a
companhia Guarani nas expedições de busca à montanha de prata, considerando que
eles trariam grande volume de jovens guerreiros a elas, assim como tinham conhecimento
rotas e caminhos até o destino comum pretendido. Ademais, estar acompanhado pelos
Guarani Cario se mostrava como essencial para que os espanhóis fossem bem recebidos nos
territórios ocupados pelas outras parcialidades desde povo, que com os Cario possuíssem
boas relações. Para os espanhóis a aliança se mostrou como potencializadora de sua força
destrutiva na exploração dos caminhos até a montanha de prata, ao tempo que podiam
se justificar moralmente das atrocidades que cometeram contra outros povos, colocando
a responsabilidade dos crimes que praticavam na “ferocidade e barbárie” Guarani144, que
“não possuía compaixão com nenhum ser humano”145.

141 NORDENSKIÖLD, Erland. The Guarani invasion of the Inca empire in the sixteenth century: an historical
Indian migration. The Geographical Review, New York, v. IV, p. 103-121. p. 104.
142 NECKER, Louis. Indios guaranies y chamanes franciscanos. Asunción: CEADUC, 1990. p. 135.
143 SUSNIK, Branislava. El rol de los indígenas en la formación y en la vivencia del Paraguay. 3. ed. Asunción:
Intercontinental Editora, 2017. p. 79.
144 MELIÀ, Bartomeu. El Guaraní conquistado y reducido: Ensayos de etnohistoria. 4. ed. Biblioteca Paraguaya de
antropología. Asunción: CEADUC, 1997. v. 5. p. 23.
145 SCHMÍDEL, Ulrich. Viaje al río de la Plata. Barcelona: Red Ediciones, 2014. p. 30.
64 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

Segundo a mentalidade Guarani à época as relações políticas se consolidavam de


maneira desejável e duradoura pelo parentesco. A relação que se estabelecia tradicional-
mente neste povo era a de tovaya, em que o genro seria absorvido pela família do sogro,
gerando uma aliança familiar e política não exclusivista, considerando que um único
homem poderia estabelecer relações poligâmicas com várias mulheres. Como a população
espanhola que chegou até o forte de Assunção era de aproximadamente 400 homens146,
algumas lideranças políticas do entorno do forte de Assunção trataram de patriarcalmente
oferecer suas filhas e sobrinhas aos espanhóis, buscando com eles manter as tradicionais
relações de reciprocidade que estas uniões acarretavam.
Ao mesmo tempo, nos locais do entorno do forte de Assunção nos quais não
havia a relação de parentesco político entre espanhóis e o povo Guarani, relatos de raptos
de mulheres podem ser observados147, assim como a imposição forçada de relações colo-
niais148. Seja pelo tovaya ou pelo rapto, em relações de alianças e coerções, o surgimento
de uma população crioula se iniciava na região pelos idos de 1537, enquanto a busca pelo
estabelecimento de uma rota à montanha de prata continuava.
Ainda que os hispânicos tivessem cumprido algumas das promessas que foram
feitas no início dos pactos de aliança, como a entrega de objetos de metal e alianças em
conflitos contra povos inimigos149, o tratamento dispensado aos Guarani não era do modo
que estes esperavam. Muito pelo contrário, as práticas de maus tratos e violências eram
reiteradas. Em pouco tempo as alianças iniciais começam a se desfazer e, em 1539, acontece
a primeira grande revolta na região em Assunção150. Aproveitando a reunião hispânica em
torno de uma celebração de uma data cristã, o motim não obteve êxito por traição que
permitiu aos espanhóis se adiantarem e executarem os líderes nativos amotinados. Ainda
que em declínio, estas alianças iniciais criadas por vínculos familiares constituíram uma
difusa rede de relações em um ambiente em que não havia a definição oficial local de qual
deveria ser a política indigenista a ser seguida.
Com a morte do adelantado Pedro de Mendoza e a confirmação da morte de
Juan de Ayolas151, o mando espanhol na Bacia do Prata passou a ser exercido por Domingo
Martínez de Irala, ainda que inicialmente houvesse alguma contestação por Ruiz Galán

146 SUSNIK, Branislava. El rol de los indígenas en la formación y en la vivencia del Paraguay. 3. ed. Asunción:
Intercontinental Editora, 2017. p. 84.
147 MELIÀ, Bartomeu. El Guaraní conquistado y reducido: Ensayos de etnohistoria. 4. ed. Biblioteca Paraguaya de
antropología. Asunción: CEADUC, 1997. v. 5. p. 23.
148 DURÁN ESTRAGÓ, Margarita. Conquista y colonización (1537-1680). In: TELESCA, Ignácio (coord.). Historia
del Paraguay. Asunción: Taurus, 2010. p. 63-86. p. 66.
149 NECKER, Louis. Indios guaranies y chamanes franciscanos. Asunción: CEADUC, 1990. p. 34.
150 SUSNIK, Branislava. El rol de los indígenas en la formación y en la vivencia del Paraguay. 3. ed. Asunción:
Intercontinental Editora, 2017. p. 84.
151 SCHMÍDEL, Ulrich. Viaje al río de la Plata. Barcelona: Red Ediciones, 2014. p. 34.
COLONIZAÇÃO IBÉRICA SOBRE TERRITÓRIOS GUARANI | 65
Núcleos de conquista e colonização

desde Buenos Aires152. Tal situação muda em 1542, com a chegada do adelantado Álvar
Ñunez Cabeza de Vaca, titular de uma capitulação recebida da coroa espanhola que o
qualificava como a personificação local do poder real espanhol153.
Suas primeiras providências ao assumir o governo espanhol na Bacia do Prata
foram no sentido de tentar regulamentar as relações que espanhóis deveriam estabelecer
com os Guarani. Buscava construir uma política de relações mais voltadas à exploração
da região sendo que as alianças a serem eventualmente firmadas deveriam ser somente
para fins de conseguirem o maior objetivo espanhol na região, encontrar e consolidar um
caminho para a conquista da montanha de prata154. Considerava que o povoamento do
local não era prioridade, pois o forte de Assunção seria um local temporário que deveria
ser abandonado após conseguirem seu objetivo na região155. Entendia que os vínculos
parentais que estavam sendo criados com a formação de gerações crioulas se mostravam
como inadequados, pois viriam a dificultar a mantença de relações com intuito estrita-
mente explorador.
Neste sentido, Álvar Ñunez Cabeza de Vaca firmou acordos com grupos Gua-
rani que haviam sofrido ataques de grupos do povo chaquenho Guaicuru156. Em troca
do apoio militar espanhol em uma ação punitiva contra seus inimigos, o grupo ofereceu
apoio aos espanhóis em suas expedições exploratórias. Com a companhia Guarani, um
grupo liderado por Álvar Ñunez Cabeza de Vaca chegou até Puerto de los Reyes e, sem
conseguir o objetivo de alcançar a montanha de prata, retornou à Assunção em 1544157.
Logo após o seu retorno o adelantado é destituído de seu governo, preso e enviado à
Espanha sob acusações de degeneração das boas relações mantidas entre os espanhóis e
os Guarani, além de infidelidades à coroa espanhola e à cristandade158.
Novamente exercendo o governo espanhol na Bacia do Prata159, Domingo Mar-
tínez de Irala atende aos clamores conspiratórios que o levaram de volta ao poder, reafir-
mando por seus atos a liberdade dos espanhóis que estavam em Assunção. Todos estavam
novamente livres para, às suas próprias maneiras individuais, promover a “civilização” e
cristianização dos nativos160, enquanto continuavam as buscas da rota para a montanha

152 LAFUENTE MACHAIN, Ricardo de. El gobernador Domingo Martínez de Irala. Asunción: Academia Paraguaya
de la Historia, 2005. p. 63.
153 SCHALLENBERGER, Erneldo. A integração do Prata no sistema colonial: Colonialismo interno e missões
jesuíticas do Guairá. Toledo: Editora Toledo, 1997. p. 82.
154 SUSNIK, Branislava. El rol de los indígenas en la formación y en la vivencia del Paraguay. 3. ed. Asunción:
Intercontinental Editora, 2017. p. 84.
155 NECKER, Louis. Indios guaranies y chamanes franciscanos. Asunción: CEADUC, 1990. p. 31.
156 CABEZA DE VACA, Álvar Ñunez. Naufrágios e Comentários. Porto Alegre: L&PM, 1999. p. 149.
157 SOARES, Olavo. O andarilho das Américas: Cabeza de Vaca. Ponta Grossa: Editora UEPG, 2009. p. 101.
158 MARKUN, Paulo. Cabeza de Vaca. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 233.
159 LAFUENTE MACHAIN, Ricardo de. El gobernador Domingo Martínez de Irala. Asunción: Academia Paraguaya
de la Historia, 2005. p. 180.
160 SUSNIK, Branislava. El rol de los indígenas en la formación y en la vivencia del Paraguay. 3. ed. Asunción:
66 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

de prata.
Após o fim da aliança firmada por Álvar Ñunez Cabeza de Vaca estavam pre-
cárias e quase extintas as alianças entre espanhóis e lideranças Guarani, ocorrendo uma
crescente escalada de violentas rancheadas, incursões espanholas e crioulas no entorno
leste de Assunção para a captura e escravidão Guarani. A reação mais ampla à escravidão
se materializou na região em 1546, com uma grande mobilização regional Guarani que
buscaria expulsar os espanhóis de Assunção161. Para enfrentar este levante, obtendo êxito,
Domingo Martínez de Irala fez o que historicamente iria se mostrar como uma reiterada
prática ibérica162 nos processos de colonização da América: firmou aliança de guerra com
os Guaicuru do Chaco163, históricos inimigos de seus não tão antigos aliados Guarani.
Além de derrotar o levante, a aliança espanhola e Guaicuru empreendeu perseguições
punitivas e de captura nos territórios Guarani no entorno de Assunção.
Em meio a esta consolidação do processo de degradação generalizada das relações
entre os Guarani e espanhóis, chega a Assunção a notícia de que Francisco Pizarro havia
encontrado e consolidado uma rota para a montanha de prata através do oceano pacífico164.
Como consequência, e não havendo outra saída para o povoado que já estava consolidado
em 1550 com uma população crioula de mais de 3.000 pessoas165, Assunção não mais seria
considerada como base temporária para a exploração e conquista da montanha de prata.
A partir deste período é possível verificar características propriamente colonizadoras na
região, com processos de aumento da exploração da terra e do trabalho Guarani. Este era
o cenário ideal para a chegada na região de um instrumento de colonização hispânico
largamente utilizado em outros lugares da América, a encomienda, que consistia na apro-
priação do trabalho e que será oportunamente abordada em maiores detalhes.
Enquanto a colonização hispânica se projetava para manejar as encomiendas
na região da Bacia do Prata e assim explorar o trabalho dos povos, Portugal tinha como
eixo fundamental de sua conquista a exploração das terras daquele espaço que chamou de
Brasil. Nestes diferentes processos de colonização o resultado foi comumente destruidor,
considerando os impactos territoriais ao povo Guarani.
Nas primeiras três décadas do século XVI os contatos entre portugueses e os
Guarani na costa atlântica foram relativamente amistosos166, ainda que conflitos fossem

Intercontinental Editora, 2017. p. 94.


161 NECKER, Louis. Indios guaranies y chamanes franciscanos. Asunción: CEADUC, 1990. p. 35.
162 MARÉS, Carlos Frederico. O renascer dos povos indígenas para o direito. Curitiba: Juruá, 2010. p. 29.
163 SCHMÍDEL, Ulrich. Viaje al río de la Plata. Barcelona: Red Ediciones, 2014. p. 56.
164 NECKER, Louis. Indios guaranies y chamanes franciscanos. Asunción: CEADUC, 1990. p. 35.
165 SUSNIK, Branislava. El rol de los indígenas en la formación y en la vivencia del Paraguay. 3. ed. Asunción:
Intercontinental Editora, 2017. p. 41-65.
166 JOHNSON, Harold. A colonização portuguesa do Brasil, 1500-1580. In: BETHELL, Leslie (Org.). História da
América Latina. América Latina Colonial. Tradução de Maria Clara Cescato. 2. ed. 3. reimpr. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 2012. v.1. p. 254.
COLONIZAÇÃO IBÉRICA SOBRE TERRITÓRIOS GUARANI | 67
Núcleos de conquista e colonização

registrados em alguns momentos. Como retribuição aos trabalhos de extração e manuseio


do pau-brasil até as feitorias e caravelas, além da disponibilização da “divina abundância”
aos lusitanos, alguns grupos nativos recebiam instrumentos tecnológicos europeus que
incrementavam seus modos de produção tradicionais167. Como os portugueses desde
muito cedo reconheceram a relevância dos conflitos inter-étnicos nas relações entre os
povos nativos168, que eram fragmentados politicamente, ofereciam circunstancialmente
seu apoio militar aos aliados ocasionais, que aceitavam e retribuíam facilitando a explo-
ração da região costeira na região de São Vicente, considerando que a presença lusitana
até então se mostrava inóspita e que as principais comunidades estavam então protegidas
na parte superior da Serra do Mar.
Como a estratégia portuguesa de defesa de seu monopólio comercial nas feitorias
da costa atlântica do Brasil não obtinha êxito e era frequente a presença de navios franceses
e holandeses na costa, assim como a contestação de tal monopólio nas instâncias europeias,
Portugal adota em 1530 a política de formar e povoar uma colônia permanente nos terri-
tórios na América169. Ao invés de buscar proteger o seu monopólio comercial através da
guarda da costa, os portugueses buscariam se estabelecer em terra para impedir as relações
dos nativos com os franceses. Ademais, a coroa portuguesa poderia utilizar nas instâncias
europeias o argumento de que detinha posse efetiva das terras, considerando que o reino
francês frequentemente argumentava que sua liberdade de comércio era justamente pelo
fato de que em terras não havia efetiva presença portuguesa.
Alterava-se a política colonial, que até então somente o comércio realizado pelos
particulares era o foco através das relações estabelecidas pelas feitorias, com a arrecadação
de tributos pela coroa170. Com essa alteração haveria a necessidade de encontrar formas de
abastecer tais feitorias com um maior volume de mercadorias e, para isso, a exploração e
utilização econômica da terra deveria caminhar para além da simples extração de madeira
e busca por metais171.
No mesmo ano de 1530 o português Martim Afonso de Sousa chega na América
e traz consigo três cartas régias assinadas pela coroa portuguesa172: a primeira pela qual

167 JOHNSON, Harold. A colonização portuguesa do Brasil, 1500-1580. In: BETHELL, Leslie (Org.). História da
América Latina. América Latina Colonial. Tradução de Maria Clara Cescato. 2. ed. 3. reimpr. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 2012. v.1. p. 259.
168 MONTEIRO, John Manuel. Negros da Terra. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. p. 29.
169 JOHNSON, Harold. A colonização portuguesa do Brasil, 1500-1580. In: BETHELL, Leslie (Org.). História da
América Latina. América Latina Colonial. Tradução de Maria Clara Cescato. 2. ed. 3. reimpr. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 2012. v.1. p. 253.
170 PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo: Colônia. São Paulo: Brasiliense/Publifolha, 2000.
p. 13
171 FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 27. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional/
Publifolha, 2000. p. 5.
172 MARÉS, Carlos Frederico. O renascer dos povos indígenas para o direito. Curitiba: Juruá, 2010. p. 44.
68 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

deveria, em nome da coroa, tomar posse “de todas as terras que achar e descobrir”173; a
segunda o nomeia como governante maior de todas as terras e gentes da colônia, deter-
minando a criação de estrutura burocrática de tabelionatos e de ofícios de justiça; e a
terceira, que determinava a livre distribuição de terras para quem nelas quisesse viver e
exercer atividade produtiva. A livre distribuição de terras a particulares, que era acompa-
nhada pela obrigação de povoamento, produção e guarda dos espaços que viessem a ser
ocupados, foi a maneira utilizada pela coroa portuguesa para transferir aos particulares
os ônus da colonização da América174. Era mais interessante à coroa recolher impostos
sobre as atividades mercantis de particulares do que empreender ela própria a colonização.
A expedição de Martim Afonso de Sousa navega por toda a costa atlântica, desde
o atual Maranhão até a Bacia do Prata. Ao retornar a Portugal em 1533, sua descrição à
coroa da longa extensão de terras costeiras e suas características diversas influi na cons-
trução de um plano de subdivisão do vasto espaço do “novo” mundo em grandes áreas
a serem doadas a a particulares, para que estes empreendam sua povoação e consolidem
a posse lusitana nessas terras175. Dentro de um quadro de esvaziamento dos cofres reais
lusitanos, esta forma de colonização se impunha como uma relativa novidade dentro das
práticas até então realizadas pela coroa portuguesa. Ela ineditamente abriria mão de alguns
poderes locais, mas ainda se tratava de “um território a devorar, sob os dentes agudos e as
garras flexíveis dos guerreiros, capitães e juristas”176. Foram então realizadas concessões
de quatorze capitanias a doze donatários (dois deles receberam duas porções de terras),
sendo que as terras deveriam ser partilhadas.
A capitania se constituía através da doação real, instrumentalizada pelo foral, de
grandes extensões de terras a particulares que atuariam localmente com amplos poderes177.
Os que receberam as capitanias hereditárias eram oriundos de uma pequena nobreza,
acostumada às expedições marítimas lusitanas e que aceitaram o então incerto empreito
de colonizar o “novo” mundo. Como incentivo tinham um misto de prerrogativas e obri-
gações de distribuir terras a terceiros, instituir autoridades administrativas, judiciárias e
fazendárias, se tratando estes de poderes políticos que a coroa costumeiramente conser-
vava para si.

173 RIBEIRO, Darcy; MOREIRA NETO, Carlos de Araújo. A fundação do Brasil: Testemunhos, 1500-1700. Petrópolis:
Vozes, 1992. p. 136.
174 JOHNSON, Harold. A colonização portuguesa do Brasil, 1500-1580. In: BETHELL, Leslie (Org.). História da
América Latina. América Latina Colonial. Tradução de Maria Clara Cescato. 2. ed. 3. reimpr. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 2012. v.1. p. 254.
175 HOLANDA, Sérgio Buarque de et al. A época colonial: do descobrimento à expansão territorial. História Geral da
Civilizacao Brasileira. 13. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. v.1. p. 109.
176 FAORO, Raymundo. Os donos do poder: Formação do patronato político brasileiro. 10. ed. São Paulo: Globo/
Publifolha, 2000. v. 1. p. 133.
177 JAHNEL, Teresa Cabral. As Leis de Terras no Brasil. Boletim Paulista de Geografia, São Paulo, n. 65, p. 105-116.
1987. p. 106.
COLONIZAÇÃO IBÉRICA SOBRE TERRITÓRIOS GUARANI | 69
Núcleos de conquista e colonização

Figura 6: Linha de Tordesilhas e capitanias hereditárias178

178 CINTRA, Jorge Pimentel. Reconstruindo o mapa das capitanias hereditárias. Anais do Museu Paulista: História e
Cultura Material, São Paulo, v. 21, n. 2, p. 11-45, dez. 2013. p. 43.
70 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

Não se tratava mais da coroa oferecer privilégios econômicos como era a prá-
tica real, mas sim de conceder poderes públicos que se concentravam no soberano e na
institucionalidade a ele vinculada179, em uma prática nitidamente feudal. Sua ocupação
territorial seria completamente isenta de tributos à coroa, sendo devido somente o dízimo
e os tributos sobre o que fosse retirado da terra e transformado em mercadoria para o
comércio nas feitorias180. Como fonte de renda, o capitão poderia reter para si parte dos
tributos recolhidos dos demais particulares que recebessem terras e empreendessem na
capitania181. Ele poderia ainda comerciar livremente com qualquer pessoa de qualquer
nacionalidade, mas deveria vigiar e cuidar para que os nativos estabelecessem relações
somente com portugueses. Como demonstração da ampla autoridade local que seria con-
cedida ao capitão, os forais determinavam que os representantes locais da coroa deveriam
ser somente feitores e alguns escribas, incumbidos de registrar as atividades de comércio e
arrecadar o quinhão real, sendo vedada a presença de corregedores ou outras autoridades
munidas de jurisdição real.
O projeto de colonização do Brasil pelas capitanias falha a tal ponto que, das
quatorze capitanias criadas pela coroa portuguesa, em apenas dez houve algum esforço de
colonização, sendo que as outras quatro sequer chegaram a receber a visita de seus capi-
tães182. Das dez que foram colonizadas apenas duas apresentaram êxito, a de São Vicente
e a de Pernambuco. Os motivos de tal insucesso seriam as resistências encontradas pelos
nativos na colonização de suas terras, além das dificuldades dos capitães em conseguir
colonos e capital suficientes, tendo em vista que, além da crise econômica, Portugal atra-
vessava quedas relevantes em sua densidade demográfica em virtude de peste.
Considerando que a maior parte das pessoas vindas à América nestes períodos
eram homens, e diante da dificuldade de conseguir colonos agricultores, uma considerável
parte dos que viriam a se fixar no Brasil eram degredados, condenados ao exílio e até presos
comuns. Em 1537, já com o declínio do sistema de capitanias hereditárias, a coroa por-
tuguesa determina que todos os encarcerados de Portugal fossem enviados para o cárcere
de Lisboa, para dali serem embarcados rumo ao “novo” mundo, comutando suas penas
que cumpriam para a de degredo perpétuo183. Ao lado desta população de indesejados em

179 FAORO, Raymundo. Os donos do poder: Formação do patronato político brasileiro. 10. ed. São Paulo: Globo/
Publifolha, 2000. v. 1. p. 135.
180 ABREU, Capistrano de. Capítulos da história colonial. 7. ed. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Publifolha,
2000. p. 66.
181 JOHNSON, Harold. A colonização portuguesa do Brasil, 1500-1580. In: BETHELL, Leslie (Org.). História da
América Latina. América Latina Colonial. Tradução de Maria Clara Cescato. 2. ed. 3. reimpr. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 2012. v.1. p. 257.
182 JOHNSON, Harold. A colonização portuguesa do Brasil, 1500-1580. In: BETHELL, Leslie (Org.). História da
América Latina. América Latina Colonial. Tradução de Maria Clara Cescato. 2. ed. 3. reimpr. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 2012. v.1. p. 257.
183 ALMEIDA, Fortunato de. História de Portugal. Coimbra: Edição do autor, 1925. v. 3. p 574.
COLONIZAÇÃO IBÉRICA SOBRE TERRITÓRIOS GUARANI | 71
Núcleos de conquista e colonização

terras portuguesas, viriam a “fazer a América” nestes períodos iniciais de colonização os


particulares atraídos pela possibilidade de enriquecimento pela então miragem do ouro184.
Viriam também os religiosos católicos, grupo que teria especial relevância nos processos
coloniais da região, em especial os da ordem jesuíta junto ao povo Guarani.
Ainda que o sistema de capitanias hereditárias tenha falhado como projeto para
a colonização como um todo, o êxito das capitanias de São Vicente e Santo Amaro teve
impactos diretos para o povo Guarani. Considerando que a divisão demonstrada no mapa
das capitanias hereditárias acima era um projeto que ficou muito longe de ser executado,
tanto no seu conteúdo quanto na exposta exatidão das linhas divisórias, tal sistema de
colonização colaborou na consolidação de povoados ibéricos na região sul185. As capitanias
sulistas de São Vicente e Santo Amaro, tiveram como capitães os irmãos Martim Afonso
de Sousa e Pero Lopes de Sousa186.
O pouquíssimo tempo em que ambos estiveram efetivamente na região, somado
ao pouco interesse que nela possuíam, não impediu que as capitanias obtivessem êxito
em seu projeto de povoamento. Nestes povoados foram distribuídas terras a terceiros,
oportunidade em que se inicia a sua exploração através da inserção de espécies animais e
vegetais exógenas na região, como a criação de gado europeu e plantio de cana-de-açú-
car187. Era a semente inicial do destrutivo sistema que viria a se implantar na região, que
impactaria duramente o povo Guarani, através da transformação de seus territórios em
propriedade e o posterior processo de destruição da natureza. Com o insucesso geral do
projeto de capitanias hereditárias e considerando o êxito de povoamento ao redor de São
Vicente, o povoado se torna um dos principais pontos de colonização portuguesa no sul
do Brasil em meados do século XVI.
Com a notícia do encontro de prata em grande abundância em Potosí a coroa
portuguesa passa a ter outros olhares sobre a colônia que inicialmente se consolidava188.
Com a costa desprotegida pelo fracasso das capitanias, é realizado grande esforço de arre-
gimentação de colonos em Portugal, com o envio de uma armada capitaneada por Tomé
de Sousa em 1549. Ela contava com aproximadamente 1.000 pessoas, quase a metade
degredada. Juntamente com eles foram enviados à colônia uma população integrada por
soldados, escribas e tabeliães, que forjaria no “novo” mundo uma estrutura burocrática
que daria suporte a um governo central na colônia. Em um ato unilateral e de supremacia

184 COSTA, Emília Viotti da. Primeiros povoadores do Brasil: O problema dos degredados. Revista de História da
Universidade de São Paulo, São Paulo, v. XIII, n. X, p. 3-23, jul./set., 1956. p 5.
185 MONTEIRO, John Manuel. Negros da Terra. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. p. 14-15.
186 HOLANDA, Sérgio Buarque de et al. A época colonial: do descobrimento à expansão territorial. História Geral da
Civilizacao Brasileira. 13. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. v. 1. p. 119.
187 PAIS LEME, Pedro Taques de Almeida. História da capitania de São Vicente. Brasília: Senado Federal, 2004. p. 71.
188 HOLANDA, Sérgio Buarque de et al. A época colonial: do descobrimento à expansão territorial. História Geral da
Civilizacao Brasileira. 13. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. v. 1. p. 124.
72 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

inerente às coroas reais, o sistema de capitanias estava extinto e os amplos poderes públi-
cos que haviam sido vitaliciamente concedidos foram cancelados189. Após a exploração e
início de consolidação de focos de colonização realizados de forma privada, a coroa real
viria intervir para se apropriar do nascente processo de colonização efetiva.
Com o intuito de resguardar os monopólios sobre colônia decorrentes da sempre
presente ameaça francesa e aumentar os tributos recolhidos sobre as atividades realizadas
na América, a coroa institui o governo geral com sede em São Salvador da Bahia de Todos
os Santos, onde já havia um povoado lusitano criado sobre o território Tupinambá. O
governo seria exercido por um governador geral, um provedor-mor da fazenda real e
capitão-mor da costa190. Como governador geral foi nomeado Tomé de Sousa, que trouxe
ao “novo” mundo um regimento real que continha de maneira detalhada, tal qual uma
constituição atual, o funcionamento e organização do poder público na colônia. Além
deste documento e de toda estrutura burocrática, Tomé de Sousa também trouxe à Amé-
rica um grupo religioso com o objetivo de cristianizar e pacificar os nativos. Tal grupo era
formado por seis pessoas e liderado por Manuel da Nóbrega191. Todos seus integrantes
eram de uma recém-criada ordem missionária católica, a Companhia de Jesus, que tinha
como principal fundador Inácio de Loyola e eram conhecidos como jesuítas.
Logo após a chegada sua chegada em terras da América, Manuel da Nóbrega,
já estando em São Vicente, solicita o envio de mais religiosos para colaborar na catequi-
zação dos nativos da região, sendo atendido pelo clero português. Em 1554 chega mais
um grupo dentre o qual estava o jovem jesuíta José de Anchieta, com quem Manuel da
Nóbrega viria a realizar uma série de missões volantes que exploravam o entorno de São
Vicente192. Tais missões também serviram ao intuito colonizador por colaborar com o
mapeamento e inserção ibérica na região. Em 25 de janeiro de 1554, os jesuítas fundaram
o Colégio de São Paulo de Piratininga, que tinha por objetivo a catequese de nativos na
região às margens dos Rios Tietê e Tamanduateí, no planalto do piratininga193. O fato
da criação deste colégio, criado em meio a uma comunidade nativa, é indicado como a
fundação da cidade de São Paulo. O pequeno povoado missioneiro ficou por dois séculos
como um local remoto e isolado das maiores concentrações ibéricas da costa, por estar

189 JOHNSON, Harold. A colonização portuguesa do Brasil, 1500-1580. In: BETHELL, Leslie (Org.). História da
América Latina. América Latina Colonial. Tradução de Maria Clara Cescato. 2. ed. 3. reimpr. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 2012. v.1. p. 260.
190 JOHNSON, Harold. A colonização portuguesa do Brasil, 1500-1580. In: BETHELL, Leslie (Org.). História da
América Latina. América Latina Colonial. Tradução de Maria Clara Cescato. 2. ed. 3. reimpr. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 2012. v.1. p. 262.
191 HOLANDA, Sérgio Buarque de et al. A época colonial: do descobrimento à expansão territorial. História Geral da
Civilizacao Brasileira. 13. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. v. 1. p. 124.
192 MONTEIRO, John Manuel. Os Guarani e a história do Brasil meridional: Séculos XVI-XVII. In: CARNEIRO DA
CUNHA, Manuela. (Org.) História dos Índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p. 475-498. p. 487.
193 Tradução livre do autor: local de secar os peixes.
COLONIZAÇÃO IBÉRICA SOBRE TERRITÓRIOS GUARANI | 73
Núcleos de conquista e colonização

separado delas por pela muralha da Serra do Mar. Todavia, viria a servir de entreposto
que ofereceria suporte a novos estabelecimentos jesuítas na região194 e às expedições de
exploração, conquista e exploração do sertão, assim como se tornaria um poderoso núcleo
de colonização que causaria impactos na parte ocidental do cone sul da América.
Em um complexo contexto de alianças e conflitos entre os diferentes povos nati-
vos, potencializado pela presença e atuação de milícias francesas que tinham se fixado
na Baía da Guanabara, a expansão lusitana pelo entorno de São Vicente se insere em um
quadro de conflitos mais generalizados, sendo que as reações ao início da colonização das
terras no entorno de São Vicente foi forte ao ponto de quase inviabilizar a colonização
portuguesa na região195. A inicial e relativa relação amistosa e de trocas entre lusitanos e
nativos se deteriora na mesma proporção que o crescimento das atividades agropastoris
ibéricas se expandem. Por necessitarem da mão de obra, os colonizadores cada vez mais
buscavam manter nativos escravizados sob as terras que tinham se apropriado, ao ponto
de que em 1570 ser outorgada pela coroa portuguesa a “Lei sobre a Liberdade dos Gen-
tios”. Ela reafirmava a regra de plena liberdade dos nativos e, com suas exceções que se
tornavam regras da conduta lusitana, regulamentava como devia ser o aprisionamento e
escravidão dos nativos196.
Uma maior distribuição de terras se mostrava necessária para que as atividades
agrícolas tivessem lugar na América portuguesa. Ainda que o projeto de capitanias here-
ditárias tenha sido um fracasso como mecanismo geral de colonização, que foi em seguida
substituído pela instituição de governo geral na colônia, um instrumento que nele foi
utilizado pela primeira vez no “novo” mundo agora seria mais amplamente difundido para
distribuir terras aos colonos. As sesmarias portuguesas, doações de terras a particulares,
seriam distribuídas sobre os territórios dos povos nativos na América.
Em ambos os contextos coloniais a que os Guarani foram submetidos, hispâ-
nico na Bacia do Prata e lusitano na costa atlântica, a apropriação da terra e do trabalho
era um empreendimento comum a que o direito emanado das coroas ibéricas oferecia
o suporte necessário, ainda que de maneira dissimulada. Os empreitos de colonização
pelo povoamento sobre os territórios Guarani se consolidam como tais em meados do
século XVI, tanto na Bacia do Prata quanto na costa atlântica. Enquanto em Assunção197
a notícia da consolidação de uma rota pelo oceano pacífico à montanha de prata frustra

194 JOHNSON, Harold. A colonização portuguesa do Brasil, 1500-1580. In: BETHELL, Leslie (Org.). História da
América Latina. América Latina Colonial. Tradução de Maria Clara Cescato. 2. ed. 3. reimpr. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 2012. v.1. p. 264.
195 PERRONE-MOISÉS, Beatriz; SZTUTMAN, Renato. Notícias de uma certa confederação tamoio. Mana, [s.l.], v.
16, n. 2, p. 401-433, 2010.
196 MONTEIRO, John Manuel. Negros da Terra. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. p. 41.
197 NECKER, Louis. Indios guaranies y chamanes franciscanos. Asunción: CEADUC, 1990. p. 35.
74 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

os exploradores que buscavam alcançá-la através do Chaco, em São Vicente198 a notícia


da existência de metais em grande escala na América faz a coroa portuguesa ter outros
olhares para a região. À beira do Rio Paraguai restavam os esforços de consolidação de
um povoado que seria inicialmente temporário, para a colonização da região e novas
buscas por minerais. Por sua vez, nas margens do atlântico urgia a necessidade de povoar
o litoral do “novo” mundo para nele buscar exercer o pontífice direito de monopólio
comercial e de colonização, assim como buscar ouro e prata nas quantidades análogas às
encontradas em Potosí.
Em meio ao XVI os impactos das conquistas ibéricas sobre o território Guarani
ao redor de Assunção e São Vicente em termos territoriais eram relativamente peque-
nos, com domínio efetivo ibérico sobre terras em distâncias inferiores a uma centena
de quilômetros a partir dos centros urbanos que serviam como núcleos de colonização.
Essas cidades, até esta época, eram os destinos das políticas de povoamento que visavam
a conquista e colonização no cone sul da América, sendo que se tornariam em seguida os
entrepostos para a expansão por maiores domínios ibéricos sobre o território Guarani.
A política de colonização por povoamento se deslocaria de tais lugares para uma
efetiva colonização a partir deles, tendo a encomienda espanhola e as sesmarias portugue-
sas como instrumentos. Enquanto o empreito colonizador espanhol tinha como viés a
apropriação do trabalho através da encomienda, que obviamente tinha consequências
territoriais em virtude do acessório instituto dos repartimientos de terras, os portugueses
utilizavam a apropriação da terra pelas sesmarias como caráter oficial de colonização,
deixando a apropriação do trabalho na forma de escravidão como consequência dela.

SESMARIAS E ENCOMIENDAS

Em termos de produção agrícola, o declínio demográfico que Portugal enfren-


tava no início do século XIV tinha como consequência imediata a falta de trabalhadores
no campo, que era potencializada negativamente pelo êxodo rural199. As terras do reino,
que cresciam em área com aquelas que estavam sendo conquistadas pela expulsão dos
mouros, precisavam ser semeadas pelo trabalho, para que produzissem alimento para
inicialmente matar a fome que assolava a região e como consequência buscar superar a
grave crise econômica então existente. Desta maneira a colonização medieval no leste da
península ibérica teve como elemento fundamental uma política de facilitação sobre o uso
e a posse da terra, que acarretaria processos socioeconômicos que em muito favoreceriam

198 HOLANDA, Sérgio Buarque de et al. A época colonial: do descobrimento à expansão territorial. História Geral da
Civilização Brasileira. 13. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. v. 1. p. 124.
199 SUEYOSHI, Tabir Dal Poggetto Oliveira. As sesmarias nas ordenações do reino. Revista da Faculdade de Direito
da Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 102, p. 695-711, 2007. p. 695.
COLONIZAÇÃO IBÉRICA SOBRE TERRITÓRIOS GUARANI | 75
Sesmarias e encomiendas

trabalhadores despossuídos200.
Em meio a este processo a coroa portuguesa, que era exercida na época por D.
Fernando, outorga a Lei de 26 de junho de 1375, Lei de Sesmarias, que “obriga a prática
da lavoura e o semeio da terra pelos proprietários, arrendatários, foreiros e outros, e dá
outras providências”201. Mais do que adotar a ideia de propriedade da terra como direito
de usá-la para a atividade agrícola, estava determinado nesta lei a obrigação do proprietário
fazê-lo sob pena de perda da propriedade em favor do comum, sendo a terra expropriada
pela coroa e dada em propriedade a terceiro que nela viesse a produzir202. Além do dever
de cultivar a terra, com a manutenção de gado somente dentro do que fosse indispensável
para mover as ferramentas de produção, havia a determinação de salários máximos para
relações de trabalho assalariado e fixação de limites de rendas para os casos onde houvesse
contratos de arrendamento.
Diante da fome e grave crise econômica portuguesa, a intervenção sobre a pro-
priedade despovoada e improdutiva da terra se mostrou como instrumento utilizado
sobre o modo de produção e que se mostrou como favorável não só ao interesse coletivo
de reestruturação econômica do reino, mas também aos despossuídos. Com a norma e
sua materialização subsequente eles poderiam receber terras que estivessem ociosas e nelas
trabalhar sem estarem em relação de submissão a um senhorio, sem precisar vender sua
força de trabalho em propriedade alheia para obter o seu sustento, enquanto colaborava
com o enriquecimento de outrem.
Com a primeira grande sistematização normativa real portuguesa, Ordenações
Manuelinas de 1514203, tal instituto é mantido e regulamentado com maior especificidade,
sendo posteriormente repetido nas Ordenações Filipinas de 1603204. Considerada como
medida de exceção criada no século XIV para resolver um problema daquele determinado
contexto histórico e regional205, o instituto das sesmarias permaneceu vigente na legislação
portuguesa por mais de três séculos, mas foi gradativamente deixando de ter aplicabilidade
em Portugal, principalmente a partir do século XVI206.

200 RAU, Virgínia. Sesmarias medievais portuguesas. Lisboa: Editorial Presença, 1982. p. 28.
201 PORTUGAL. Lei de 26 de junho de 1375. In: PINTO JUNIOR, Joaquim Modesto; FARIAS, Valdez (Orgs.).
Coletânea de legislação e jurisprudência agrária e correlata. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Agrário, Núcleo
de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural, 2007. p. 45.
202 MARÉS, Carlos Frederico. A função social da terra. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003. p. 30.
203 PORTUGAL. Ordenações do Senhor Rei D. Manuel. Livro IV. Título LXVII. Das Sesmarias. In: Coleção da
legislação antiga e moderna do reino de Portugal. Parte I. Da legislação antiga. Coimbra: Real Imprensa da Universidade,
1786. p. 164-174. Atualizado ortograficamente pelo autor.
204 PORTUGAL. Código Filipino. Título XLIII. Das Sesmarias. In: MENDES DE ALMEIDA, Candido. Código
Filipino ou Ordenações e Leis do Reino de Portugal recompiladas por mandado d’El Rey D. Philippe I. 14. ed. Rio
de Janeiro: Typographia do Instituto Philomathico, 1870. p. 822-827.
205 LIMA, Ruy Cirne. Pequena história territorial do Brasil: sesmarias e terras devolutas. 4.ed. São Paulo: Secretaria
dos Estado de Cultura, 1990. p. 31.
206 MARÉS, Carlos Frederico. A função social da terra. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003. p. 30.
76 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

Como as primeiras ilhas “descobertas” no além-mar pelo reino lusitano estavam


desabitadas, não houve empecilho para que a coroa portuguesa considerasse as ilhas da
Madeira, Açores e Cabo Verde como meras extensões ultracontinentais de seus terri-
tórios207. Por estarem desabitadas e em consequência improdutivas, as sesmarias foram
facilmente aplicadas nestes locais. Situações diferentes, em tese, seriam aquelas em que
as terras “descobertas” fossem habitadas e nelas houvesse o controle territorial exercido
por outros povos. Conforme anteriormente abordado, para estes casos a política seria a
de manutenção de feitorias que serviriam como pontos de comércio.
Com a “descoberta” do Brasil, a política de feitorias foi levada a cabo somente nas
três primeiras décadas do século XVI, durante o período de exploração da costa. Logo em
seguida, com a política de colonização mediante povoamento, as sesmarias viriam a ser
aplicadas na América portuguesa sem qualquer adaptação ou adequação para os contex-
tos regionais três séculos. A realidade totalmente diversa, de terras na América que eram
territorializadas por inúmeros povos, cada quais às suas maneiras, foi sutil e cinicamente
desconsiderada. Aos olhos portugueses o estado de barbárie dos nativos era a justificação
de não lhes atribuir quaisquer direitos territoriais, salvo os pequenos aldeamentos que
eram reservados aos que aceitassem a cruz e a colonização.
A guerra justa, portanto, era para que a metrópole pudesse ter o controle sobre as
terras “livres” da América, que foram consideradas devolutas208, enquanto estas em Portu-
gal eram aquelas que haviam sido retomadas pela coroa em virtude do não cumprimento
de sua função social, de sua não utilização para a produção de alimentos. Em Portugal
as sesmarias cumpriram o seu papel de servir à redistribuição de terras para viabilizar a
produção de alimentos para um povo que era assolado pela fome, no Brasil elas seriam um
instrumento de conquista voltado para garantir o domínio português sobre as terras. Assim
o empreito colonial e mercantil seria constituído, através da apropriação da natureza e do
trabalho visando a produção de mercadorias a serem exportadas à Europa, como sentido
da colonização na região209. Sendo devolutas as terras da América lusitana, elas puderam
ser gratuitamente distribuídas a particulares através das sesmarias.
As primeiras sesmarias foram emitidas no período das capitanias hereditárias, pois
os seus capitães tinham a prerrogativa de conceder as sesmarias a quem lhes convier. Com
a extinção das capitanias e a criação do governo geral, a seu cargo estava esta prerrogativa
de oferecer terras aos particulares. Ainda que houvesse a determinação de aproveitamento

207 JOHNSON, Harold. A colonização portuguesa do Brasil, 1500-1580. In: BETHELL, Leslie (Org.). História da
América Latina. América Latina Colonial. Tradução de Maria Clara Cescato. 2. ed. 3. reimpr. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 2012. v.1. p. 245.
208 SILVA, Lígia Osório. Terras devolutas e latifúndio: Efeitos da Lei de 1850. 2. ed. Campinas: Editora da Unicamp,
2008. p. 44.
209 PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo: Colônia. São Paulo: Brasiliense/Publifolha, 2000.
p. 20.
COLONIZAÇÃO IBÉRICA SOBRE TERRITÓRIOS GUARANI | 77
Sesmarias e encomiendas

da terra a quem recebesse a sesmaria, tal condicionante não era faticamente observada
dada a necessidade de ocupação territorial e grande extensão da colônia, ficando as terras
em muitas ocasiões ociosas210. Outra condicionante que era prevista nas normas sobre
as sesmarias era a de que cada sesmeiro poderia receber um pedaço de terras em que ele
mesmo pudesse aproveitar, o que era facilmente contornável através de declarações de
amplas possibilidades de aproveitamento211. Com a afirmação de grande família e posses,
em especial de escravos, as sesmarias eram facilmente emitidas em extensas áreas212.
As sesmarias foram aplicadas por um largo período, em que concessões de terras
foram realizadas de maneira desordenada, contrárias aos critérios que eram definidos nas
normas da colônia, colaborando nos séculos XVII e XVIII para a formação dos latifúndios
dentro da estrutura agrária213. O instituto que em Portugal serviu para desconcentrar a
estrutura agrária através da distribuição de terras, na América serviu à transformação de
territórios de outros povos em propriedade. Com sua aplicação na América, as sesmarias
constituiriam a partir de meados do século XVI um mecanismo elementar dentro das
engrenagens de um sistema que viria a causar um processo de destruição quase completa
dos territórios Guarani.
O plano português era o de que, após apropriadas as terras através das sesmarias,
o trabalho sobre elas seria realizado pelos nativos. Ele seria irrisoriamente pago nos casos
dos nativos aldeados e na forma de trabalho escravo prestado pelos que fossem captura-
dos na guerra justa. Assim eram realizadas expedições para a captura de cativos, para que
trabalhassem nas terras em que havia se consolidado o domínio português, inicialmente
na extração de madeira e em um segundo momento nos engenhos de cana de açúcar.
Era reiterada a resistência dos nativos ao trabalho tal qual era imposto, pois a
inconstância da alma selvagem214 se manifestava e se negava a realizar atividades laborais
que aos seus olhos não possuíam sentido algum, por estarem completamente desvinculados
de seus próprios modos de produção. Como esta dificuldade aos olhos colonizadores, a
solução viria a ser a importação de mão de obra africana, escravizando-a e supondo que
esta ofereceria menor resistência ao trabalho por chegar a territórios em que nunca haviam
pisado, assim como em grupos formados por etnicidade heterogêneas e que, portanto,
acarretavam apenas na junção de indivíduos dessocializados215.

210 SILVA, Lígia Osório. Terras devolutas e latifúndio: Efeitos da Lei de 1850. 2. ed. Campinas: Editora da Unicamp,
2008. p. 47.
211 VIANNA, Oliveira. Evolução do Povo Brasileiro. São Paulo: Companhia Editora Nacional: 1938. p. 47.
212 LIMA, Ruy Cirne. Pequena história territorial do Brasil: sesmarias e terras devolutas. 4.ed. São Paulo: Secretaria
dos Estado de Cultura, 1990. p. 40.
213 MARÉS, Carlos Frederico. O renascer dos povos indígenas para o direito. Curitiba: Juruá, 2010. p. 59.
214 VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. O mármore e a murta: sobre a inconstância da alma selvagem. In: VIVEIROS
DE CASTRO, Eduardo (Org.). A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo: Cosac
& Naify, 2002. p. 183-264.
215 GORENDER, Jacob. O escravismo colonial. São Paulo: Expressão Popular, 2016. p. 164.
78 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

Figura 7: São Paulo e os vetores de colonização no Brasil216

216 MONTEIRO, John Manuel. Negros da Terra. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. p. 13.
COLONIZAÇÃO IBÉRICA SOBRE TERRITÓRIOS GUARANI | 79
Sesmarias e encomiendas

Assim o comércio da mercadoria criada a partir da captura e venda de homens e


mulheres livres da África acarretaria altos lucros para o mercado internacional de pessoas,
que teria no Brasil um de seus principais destinos. Ainda que em Portugal as sesmarias
estivessem em desuso nos séculos XVII e XVIII, pelo fato de a propriedade da terra ter
adquirido o status de direito absoluto, no Brasil o sistema sesmarial foi mantido vigente
até 1822, às vésperas da independência217.
Estava proibido a partir de então a emissão de novas sesmarias, porquanto a
propriedade da terra seria também considerada absoluta. As sesmarias até então conce-
didas deveriam ser submetidas a uma análise que consideraria sua validade decorrente
da regularidade de emissão de acordo com os critérios legais à época da emissão, assim
como os procedimentos de medição, registro e demarcação. Caso regulares as sesmarias
seriam confirmadas na qualidade de propriedade privada, diante do então nascente sis-
tema jurídico.
Em se considerando a colonização hispânica na Bacia do Prata, o principal instru-
mento de colonização utilizado foi o da encomienda218. Ela era um benefício real concedido
a conquistadores particulares, encomenderos, para que estes dispusessem de grupos de
nativos, encomendados, que deveriam prestar benefícios sobre o que produziam. Inicial-
mente deveriam trabalhar por períodos de tempo determinados.
Criada no âmbito do direito indiano a partir dos contextos das Antilhas em
1503 , a encomienda viria a ser eventualmente aplicada de maneiras próprias nos dife-
219

rentes contextos e regiões da colonização hispânica. Proibido em 1542 nas Nuevas Leyes
de Indias, pela pressão da escola dominicana em que se destaca Francisco de Vitoria e
Bartolomeu de Las Casas220, o instituto da encomienda seria novamente permitido pela
coroa espanhola em 1545 e viria a ter o seu reconhecimento normativo na Bacia do Prata,
e, portanto, junto ao povos Guarani, somente a partir de 1556.
Em um contexto de agudas rancheadas221, incursões hispânicas e crioulas para a
captura de nativos para a escravidão no entorno de Assunção, o então governador espa-
nhol da Bacia do Prata, Domingo Martínez de Irala, sofre grande pressão da oligarquia
hispânica local. Esta mesma oligarquia, que havia sustentado o seu retorno ao governo
após a deposição de Álvar Ñunez Cabeza de Vaca, cobra do governador sua permissão
para que possa haver encomiendas na região. Em 1556 o governo, por determinação real,

217 MARÉS, Carlos Frederico. A função social da terra. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003. p. 63.
218 ZAVALA, Silvio. La encomienda indiana. Madrid: Centro de Estudios Historicos, 1935.
219 RIVAROLA PAOLI, Juan Bautista. La economía colonial. Asunción: Editora Litocolor, 1986. t. I. p. 221.
220 ALONSO GETINO, Luis. Influencia de los dominicos en las Leyes Nuevas. In: Anuario de Estudios Americanos.
Sevilla: Imprenta Catolica, 1945. t. I. v. 2. p. 265-360.
221 NECKER, Louis. Indios guaranies y chamanes franciscanos. Asunción: CEADUC, 1990. p. 35.
80 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

emite a Ordenanza Sobre Repartimientos y Encomiendas222, em que permitia a encomienda


na Bacia do Prata e regulava como o instituto deveria ser aplicado. No mesmo ano de
sua morte, o governador era obrigado pela coroa espanhola a reconhecer a possibilidade
de haver um sistema de exploração do trabalho diferente do que ele entendia como mais
adequado, que se daria através da concessão desorganizada de terras aos hispânicos, assim
como a permissão de que eles pudessem praticar livremente as rancheadas de captura para
a escravidão.
A partir de Assunção, portanto sobre o povo Guarani, é possível indicar a existên-
cia de dois tipos de encomiendas de serviços: as de mitayos e as de yanaconas223. O termo
mita, de origem Quechua, constituía um sistema de apropriação do trabalho que ficou
estabelecido entre os Inca. Por este sistema, originalmente deveria haver serviços pessoais
em favor do império Inca, por um tempo um tempo determinado e que geralmente se
dava em atividades de produção agrícola e nas minas de prata.
Trazido para o contexto das encomiendas hispânicas na Bacia do Prata, houve
a determinação de que cada nativo, entre 15 e 50 anos, deveria prestar serviços pessoais
na qualidade de encomendados a seus encomenderos, por períodos determinados que
poderiam durar de 2 a 3 meses ao ano. Tais serviços eram deveriam ser prestados somente
pelos homens, mas a prática demonstrava que, em decorrência de ser prestado em locais
diversos de onde viviam, mulheres e crianças os acompanhavam em suas jornadas que não
se limitavam ao limite de dois ou três meses anuais.
Ao lado da mita, yanacona também é uma palavra de origem Quechua que nomeia
uma forma de apropriação do trabalho. Originalmente aplicado pelos incas aos indiví-
duos que não faziam parte de seus grupos étnicos, yanacona era o instituto de servidão
perpétua e hereditária que era prestada em favor dos mais altos estratos da sociedade
Inca224. Trazido para as realidades hispânicas na Bacia do Prata, o instituto seria aplicado
àqueles que tivessem sido cativos em guerra justa, sejam eles Guarani ou de outras etnias.
Ao contrário da encomienda por mita, que deveria ser prestada por tempos determina-
dos e em no máximo um quarto do ano, a encomienda por yanacona deveria ser prestada
perpetuamente, sendo, portanto, escravidão definitiva em seu mais simples conceito.
A partir da regulamentação emitida pelo governo de Assunção, juntamente com
as encomiendas, eram concedidos repartimientos, espaços de terras nos quais haveria o
domínio de particulares espanhóis e que se consolidaria como suas propriedades privadas

222 IRALA, Domingo Martinez de. Ordenanzas sobre repartimientos y encomiendas. 14 de mayo de 1556. In: El
gobernador Domingo Martínez de Irala. Asunción: Academia Paraguaya de la Historia, 2005. p. 511-524.
223 SUSNIK, Branislava. El rol de los indígenas en la formación y en la vivencia del Paraguay. 3. ed. Asunción:
Intercontinental Editora, 2017. p. 104.
224 SUSNIK, Branislava. El rol de los indígenas en la formación y en la vivencia del Paraguay. 3. ed. Asunción:
Intercontinental Editora, 2017. p. 132.
COLONIZAÇÃO IBÉRICA SOBRE TERRITÓRIOS GUARANI | 81
Sesmarias e encomiendas

após cinco anos de moradia e desenvolvimento de atividades produtivas225.


Logo no início do processo de consolidação deste instituto na região de Assunção
foram emitidos pelo governo local aproximadamente trezentos títulos de encomiendas,
cujos encomenderos deveriam se apropriar do trabalho de aproximadamente vinte mil
núcleos familiares Guarani226, além dos que estivessem cativos sob domínio hispânico.
A distribuição não foi uniforme, tendo sido privilegiados o próprio governador e os que
eram mais próximos a ele.
Aproveitando o fato de que nestes momentos as estruturas sociopolíticas dos
Guarani do entorno de Assunção estavam em profunda crise causada pelas violências
da colonização que se alastrava, ficou estabelecido que na região caberia às lideranças
políticas dos nativos, caciques, arregimentar e organizar em suas respectivas comunidades
o rodízio de mão de obra que serviria ao encomendero, estando eles e suas famílias livres
da encomienda.
A reação Guarani às encomiendas não se manifestou através de grandes levantes
regionais generalizados, ainda que seja possível verificar o registro de conflitos menores
dispersos no entorno de Assunção227. Em decorrência da extremamente recente memória
do violento massacre comandado por Domingo Martinez de Irala para sufocar o levante
Guarani em 1544, ao lado dos levantes pontuais surgiram táticas generalizadas de resis-
tência passiva, silenciosa228.
A primeira delas seria a de migrar para fugir das áreas de influência hispânica,
principalmente nos sentidos leste e oeste. Desta maneira poderiam se afastar das violências
a que estavam sendo submetidos, indo ao encontro de territórios em que estariam comu-
nidades mais afastadas, seja no sentido das Sete Quedas ou rumo ao território no qual
haviam se estabelecido os Chiriguano poucas décadas atrás, atual Bolívia. A segunda forma
de resistência silenciosa era utilizada pelos que não saíram da área de domínio hispânico
no entorno de Assunção, e se materializava no desinteresse e ineficiente passividade ante
as tarefas que lhes eram atribuídas pelos colonizadores.
Assim, ainda que fisicamente submetidos ao domínio do colonizador, não realiza-
riam a contento as tarefas que este buscava. Uma outra forma de resistência à colonização,
tão silenciosa quanto desesperada, era a opção por não continuar vivendo. Nesta época
é possível verificar os primeiros relatos de um grande número de suicídios, infanticídios
e abortos entre os Guarani. Para alguns a morte sua e de seus descendentes era preferível

225 VAS MINGO, Milagros del. Las capitulaciones de Indias en el siglo XVI. Madrid: Instituto de Cooperación
Iberoamericana, 1986, p. 45.
226 RIVAROLA PAOLI, Juan Bautista. La economía colonial. Asunción: Editora Litocolor, 1986. t. I. p. 223.
227 SUSNIK, Branislava. El rol de los indígenas en la formación y en la vivencia del Paraguay. 3. ed. Asunción:
Intercontinental Editora, 2017. p. 110.
228 ROULET, Florencia. La resistencia de los Guaraní del Paraguay a la conquista española. Posadas: Editorial
Universitaria, 1993. p. 251.
82 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

a submeter-se ao trabalho realizado na forma que os encomenderos hispânicos violenta-


mente cobravam.
Aos que não optaram pela fuga ou morte, aceitar a sujeição às encomiendas e se
inserir no seu modo de produção significaria reconhecer um outro tipo de morte, aquela
que atinge a identidade. Para além da colonização dos territórios, a colonização cultural
se impunha através das mentalidades cristãs e encomenderas. Para se opor a tal tipo de
colonização seria preciso fortificar aquilo que lhes era próprio, aquela identidade que os
definia enquanto povo e, neste caso, o profetismo de sua religiosidade tradicional229 teria
uma essencial relevância através da manifestação da identidade pela prática religiosa em
canto e dança ritual. Cerimônias de “desbatismo” eram amplamente realizadas em ritos
religiosos tradicionais que duravam vários dias.
Ainda que neste momento já pudessem ser observados elementos de sincretismo
religioso pela influência cristã, o levante profético era um movimento muito maior do
que um mero esforço de reagrupamento e reorganização para a resistência física violenta.
O retorno à tradição era uma resistência espiritual que materializava a própria resistência
em si mesma. Através do fortalecimento da identidade tradicional eram frontalmente
negados os intuitos da colonização hispânica, tanto aquela que recaía sobre os territórios
e principalmente a que buscava impor-se sobre a cultura. Novamente, a inconstância da
alma selvagem se manifestava como obstáculo ao empreito colonizador230.
O retorno à tradição e o consequente fortalecimento da cultura tradicional deu
novo impulso às resistências ativas e violentas no entorno de Assunção, região que per-
maneceu conflituosa por toda segunda metade do século XVI e início do século XVII231.
Uma carta anônima, escrita em 1620 por um jesuíta e endereçada à Companhia de Jesus,
narrava que “viendo los indios que los españoles los trataban (...) como a criados se comentaron
a retirar y no querer servir al español, el español quiço obligarle (...) aquí se fue encendiendo
la guerra la cual ha perseverado casi hasta ahora”232.
Em ambos os contextos de colonização ibérica, tanto na Bacia do Prata quanto na
costa atlântica, os conflitos gerados pela colonização dos territórios através das encomiendas
e sesmarias acarretavam espaços sociais completamente convulsionados, sobre os quais a
maioria dos povos nativos e do além-mar estavam em permanente estado de conflito, que
se estendia por todos os novos limites da fronteira de colonização ibérica que se expandia

229 MELIÀ, Bartomeu. El Guaraní conquistado y reducido: Ensayos de etnohistoria. 4. ed. Biblioteca Paraguaya de
antropología. Asunción: CEADUC, 1997. v. 5. p. 30.
230 VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. O mármore e a murta: sobre a inconstância da alma selvagem. In: VIVEIROS
DE CASTRO, Eduardo (Org.). A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo: Cosac
& Naify, 2002. p. 183-264.
231 NECKER, Louis. Indios guaranies y chamanes franciscanos. Asunción: CEADUC, 1990. p. 37.
232 INFORME de um jesuíta anônimo sobre as cidades do Paraguai e do Guairá: Espanhóis, índios e mestiços. Dezembro,
1620. In: Jesuítas e bandeirantes no Guairá (1549-1640). Manuscritos da Coleção de Angelis. Rio de Janeiro: Biblioteca
Nacional, 1951. v. I. p. 163-173. p. 167.
COLONIZAÇÃO IBÉRICA SOBRE TERRITÓRIOS GUARANI | 83
Sesmarias e encomiendas

sobre as terras da América. Sobre o território Guarani, a expansão portuguesa de meados


do século XVI até o início do século XVII no planalto acima da Serra do Mar significaria
o rompimento de uma proteção natural que a muralha natural impunha.
Outras localidades no entorno foram sendo exploradas e nelas iriam se estabele-
cer a presença portuguesa233 já com a formação das vilas de Santana de Mogi das Cruzes
(1611) e Santana do Paranaíba (1625). No processo de formação de tais vilas se inserem a
construção de inúmeras capelas rurais, criadas sobre comunidades nativas, embora quase
todas denominadas com nomes de santidades católicas.
Assim se consolidariam as capelas rurais de Pinheiros (1560), São Miguel (1560),
Nossa Senhora da Conceição dos Guarulhos (1585), Santo Amaro (1600), Nossa Senhora
da Luz (1603), Nossa Senhora da Escada de Barueri (1609), Nossa Senhora do Ó (1615),
Nossa Senhora da Graça de Carapicuíba (1615), Nossa Senhora do Rosário do Embu
(1624) e Santana do Parnaíba (1625).
Também na Bacia do Prata os processos coloniais avançariam e novos povoa-
dos espanhóis eram fundados. Ainda que dotados de pouca população hispânica e com
estrutura político-administrativa e eclesial precárias, tais povoados serviram para o ten-
sionamento social nos limites conquistados, acarretando novos conflitos de acordo com
a expansão rumo ao Guairá e Itatim, além de novas cidades nas margens do Rio Paraná.
Desta maneira foram fundados os povoados de Ontiveiros (1551), Cidade Real do Guairá
(1557), Villarica (1570), Santa Fé (1573), Buenos Aires (sua segunda fundação em 1580),
Santiago de Jeréz (1580), Concepción del Bermejo (1584) e Corrientes (1855).
Com a divisão em 1617 da imensa província das Índias pela coroa espanhola,
Assunção era mantida como centro político hispânico que tinha como distritos a Cidade
Real do Guairá, Villarica, Ontiveros e Santiago de Jeréz, enquanto Buenos Aires adqui-
riria autonomia política234, tendo como distritos Santa Fé, Corrientes e Concepción del
Bermejo.

233 MONTEIRO, John Manuel. Negros da Terra. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. p. 14-15.
234 VELASQUEZ, Rafael Eladio. Paraguay en la epoca de Roque González de Santa Cruz: el marco histórico de su vida
y de sus hechos. In: MELIÀ, Bartomeu (Org.). Roque González de Santa Cruz: Colonia y reduciones en el Paraguay
de 1600. Asunción: [s.n.], 1975. p. 28.
84 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

Figura 8: Primeiros povoados hispânicos na Bacia do Prata235

Assim como no entorno de São Paulo de Piratininga, os religiosos que se

235 SNIHUR, Esteban Angel. El universo misionero Guaraní: un territorio y un patrimonio. Buenos Aires: Golden
Company, 2007. p. 29.
COLONIZAÇÃO IBÉRICA SOBRE TERRITÓRIOS GUARANI | 85
Redução como resistência

estabeleceriam na Bacia do Prata também fundaram células de cristianização. Todavia,


com uma concepção distinta daquela lusitana de criar somente capelas de culto e conversão
mediante missões volantes, na Bacia do Prata viriam a ser criadas missões de cristianização
por redução. Em um ambiente de crescente influência e importância de grupos religiosos
cristãos na América, se destacariam inicialmente os franciscanos e posteriormente os
jesuítas, estes em maior grau. Embora fizessem parte do empreito colonizador, em que
a redução de nativos seria instrumento para sua cristianização e pacificação, religiosos
viriam a servir para que o povo Guarani construísse nas missões espaços de resistências
aos encomenderos e bandeirantes, em processos que marcariam de maneira extremamente
relevante os contextos coloniais do cone sul da América.

REDUÇÃO COMO RESISTÊNCIA

Como consequência da resistência Guarani, que impunha limites às conquistas


espanholas na Bacia do Prata, o avanço da colonização a partir de Assunção era lento na
virada do século XVI para o XVII. Com o avanço colonizador cada vez mais lento, assim
como a reiterada conflitividade que este causava, um novo elemento colonial viria a se
destacar na Bacia do Prata. Segundo os planos de colonização caberia aos missionários
religiosos, franciscanos e jesuítas, a continuidade da conquista sobre os Guarani236, agora
com um novo viés, espiritual.
Presentes junto aos nativos de São Vicente desde 1550237, os missionários jesuítas
haviam aprendido sua língua, ao ponto de José de Anchieta ter escrito uma gramática
que era utilizada para ensinar os próximos que viriam à América238. Na Bacia do Prata
a ordem cristã que primeiro se estabeleceu foi a franciscana, sendo em 1538 o primeiro
registro de presença religiosa e em 1574 a fundação do primeiro convento franciscano em
Assunção239, que serviria de ponto de suporte para a criação de missões evangelizadoras
por redução. As reduções missioneiras foram na verdade povoados Guarani, criados sob
pretensa administração religiosa, em que os nativos não mais se organizariam territorial-
mente dispersos sobre o território240, mas que seriam “reduzidos à diligência dos padres
a povoações não pequenas e à vida política (civilizada) e humana”241.

236 MONTEIRO, John Manuel. Os Guarani e a história do Brasil meridional: Séculos XVI-XVII. In: CARNEIRO DA
CUNHA, Manuela. (Org.) História dos Índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p. 475-498. p. 486.
237 HOLANDA, Sérgio Buarque de et al. A época colonial: do descobrimento à expansão territorial. História Geral da
Civilizacao Brasileira. 13. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. v. 1. p. 124.
238 ANCHIETA, José de. Arte de Gramatica da lingua mais usada na costa do Brasil. Coimbra: Antonio Mariz, 1595.
239 NECKER, Louis. Indios guaranies y chamanes franciscanos. Asunción: CEADUC, 1990. p. 44.
240 MELIÀ, Bartomeu. El Guaraní conquistado y reducido: Ensayos de etnohistoria. 4. ed. Biblioteca Paraguaya de
antropología. Asunción: CEADUC, 1997. v. 5. p. 18.
241 MONTOYA, Antonio Ruiz de. Conquista Espiritual feita pelos religiosos da Companhia de Jesus nas Províncias
do Paraguai, Paraná, Uruguai e Tape. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1997. p. 35.
86 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

Com o apoio do governo assunsenho, então exercido pelo crioulo Hernandarias


de Saavedra, os missionários franciscanos liderados por Luis de Bolaños obtiveram êxito
em persuadir caciques de diferentes parcialidades Guarani para que estes aceitassem o
povoado por redução242. Eles vieram a formar em 1580 a primeira redução na Bacia do
Prata, a de San Lorenzo de los Altos, que ficava no entorno de Assunção. Após este pri-
meiro êxito, houve um impulso e outras reduções franciscanas viriam a ser paulatinamente
criadas junto ao povo Guarani em locais mais distantes, ao norte e sul de Assunção.
Tais fundações franciscanas junto aos Guarani tiveram um caráter precursor
daquilo que viria a ser um vasto e complexo contexto missioneiro jesuítico que duraria
por mais de um século e meio no cone sul da América, ainda com diferenças fundamen-
tais. Ao contrário de simplesmente aceitar o apontamento tradicionalmente verificado
as fontes históricas de que o êxito na criação das primeiras missões se deu pelas virtudes e
carismas dos religiosos franciscanos243, como conhecimento da língua Guarani, exercício
de caridade como virtude política e modos simples de vida que os igualava aos nativos, há
de se considerar o contexto em que as primeiras missões por reduções estavam inseridas,
que influenciaram parte do povo Guarani a aceitar a redução.
Em meio a conflitos com colonizadores encomenderos, a ocupação territorial
Guarani verificada quando do início da conquista ibérica, em forma de uma rede com-
posta núcleos independentes, havia sofrido alterações relevantes em algumas regiões.
Surgia ao final do século XVI a tava, forma de ocupação territorial através da a criação de
povoados em que havia uma maior concentração demográfica244, que nos períodos iniciais
era formada exclusivamente por nativos. Ao mesmo tempo que estas serviam como estra-
tégia de resposta à ordem colonial que buscava se impor, o fato de haver a concentração
demográfica nestes locais acarretava a consequência de que para eles seriam canalizados
os constantes esforços para submetê-los ao jugo colonial. Como as armas não surgiam
os efeitos esperados, caberia à religião continuar a expansão da conquista. Com isso, era
itinerante a presença franciscana nas tava Guarani, locais em que era fundada uma missão
por redução quando os nativos aceitavam a presença dos cristãos.
Fazendo uso de cooptação de lideranças políticas, os caciques, os religiosos fran-
ciscanos se apresentavam nas reduções como uma espécie diferente de liderança espiritual,
que se contrapunha e que buscava tomar o espaço de influência de lideranças tradicionais.
Sem romper com o sistema colonial de encomiendas, considerando que os nativos que nela
viviam ainda estavam sendo pressionados a submeter-se a elas, as missões franciscanas por

242 MAEDER, Ernesto Joaquín. Misiones del Paraguay: Construcción jesuítica de una sociedad cristiano Guaraní
(1610-1768). Resistencia: ConTexto Libros, 2013. p. 30.
243 NECKER, Louis. Indios guaranies y chamanes franciscanos. Asunción: CEADUC, 1990. p. 81-88.
244 SUSNIK, Branislava. El rol de los indígenas en la formación y en la vivencia del Paraguay. Asunción: Instituto
Paraguayo de Estudios Nacionales, 1982. t. I. p. 147.
COLONIZAÇÃO IBÉRICA SOBRE TERRITÓRIOS GUARANI | 87
Redução como resistência

redução junto às tava acabavam por ser palco para a apresentação dos religiosos cristãos
como líderes espirituais mais poderosos do que as lideranças tradicionais.

Figura 9: Primeiras reduções franciscanas245

245 SNIHUR, Esteban Angel. El universo misionero Guaraní: un territorio y un patrimonio. Buenos Aires: Golden
Company, 2007. p. 42.
88 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

Com o apoio do governo em Assunção, o seu poder maior se comparado aos das
lideranças espirituais tradicionais era no sentido de trazer melhores benefícios materiais
imediatos, ainda que temporários, como os de obtenção insumos ocidentais que eram
apropriados no modo de produção Guarani, em que o machado de ferro se destacava. Mas,
principalmente, a maior manifestação de poder dos religiosos cristãos viria se manifestar
contra as práticas abusivas dos espanhóis encomenderos246. É preciso considerar que abu-
siva a encomienda era por si só, mas em não raras vezes os encomenderos não respeitavam
sequer a regulação normativa encomendera então existente, extrapolando jornadas de
trabalho e praticando outras formas de violência contra os Guarani. Sobre esta margem
de inobservância encomendera, da não obediência dos limites da regulamentação da explo-
ração do trabalho Guarani nas encomiendas, os franciscanos teriam um trunfo para ser
inicialmente utilizado na conquista espiritual. Buscando interceder no sentido de que as
leis de encomiendas fossem cumpridas, ou ao menos observadas em parte, os missionários
franciscanos tornariam menos penosa a prestação do trabalho e conseguiriam uma maior
penetração nos tava, ganhando alguma confiança dos nativos.
O primeiro sínodo católico na Bacia do Prata se realizou em Assunção no ano
de 1603 e nele, com predomínio franciscano, a questão da conquista espiritual pela cate-
quização dos Guarani foi o tema predominante247. Dentro dos consensos indicados no
sínodo, houve a reiterada determinação de pressão eclesial sobre a coroa espanhola e sobre
o governo de Assunção para que fosse limitada a ação dos encomenderos. Na qualidade
de consultor sinodal, e, portanto, participando de todo o encontro eclesiástico, estaria o
governador Hernandarias de Saavedra248. Além do apoio inicial à presença franciscana
nos tava Guarani, o governo de Assunção já colhia o esperado fruto das primeiras missões
evangelizadoras por redução: a pacificação dos conflitos em algumas das regiões em que
as missões conseguiram se estabelecer249.
Apenas algumas semanas após o sínodo de Assunção, o governo fez publicar
ordenações que previam algumas limitações às encomiendas e determinavam maior fis-
calização acerca da obediência das condições na prestação do trabalho250, que deveria ser
levada a cabo pelos agentes do governo ou então pelos religiosos. Com contínua pressão
destes junto à coroa espanhola, nesta feita já incluindo no corpo eclesiástico local os

246 NECKER, Louis. Indios guaranies y chamanes franciscanos. Asunción: CEADUC, 1990. p. 87.
247 MELIÀ, Bartomeu (Org.). El primer Sínodo del Paraguay y Río de la Plata en Asunción en el año de 1603. Edición
facsimilar. Introdución y notas de Bartomeu Melià, s.j. Asunción: Centro de Estudios Paraguayos Antonio Guasch, 2003.
248 NECKER, Louis. Indios guaranies y chamanes franciscanos. Asunción: CEADUC, 1990. p. 113.
249 DURÁN ESTRAGÓ, Margarita. San José de Caazapá: un modelo de reducción franciscana. 2. ed. Asunción: Centro
de Estudios Antropológicos de la Universidad Católica, 1995. p. 50.
250 ORDENANZAS dadas por el gobernador y capitán general justicia mayor, y juez de residencia de las províncias del
Rio de la Plata Don Hernan Arias de Saavedra, sobre el tratamiento de los índios. 29 de deciembre de 1603. In: GARCÍA
SANTILLÁN, Juan Carlos. Legislación sobre indios del Río de la Plata en el siglo XVI. Madrid: Biblioteca de Historia
Hispano Americana, 1928. p. 376-389.
COLONIZAÇÃO IBÉRICA SOBRE TERRITÓRIOS GUARANI | 89
Redução como resistência

jesuítas que haviam chegado a Assunção, é emitida a cédula real desde a metrópole em
1608, para que “se ponga freno a los malos tratamientos y extorsiones a los indios por enco-
menderos, administradores con penas de privación y cargos de encomiendas”251. Resultado
das denúncias franciscanas e jesuítas junto ao Consejo Real y Supremo de las Índias, a
determinação real viria acompanhada da realização de uma inspeção acerca do tratamento
que era dispensado aos nativos encomendados, que viria a ser realizada por Francisco de
Alfaro, que chegaria na colônia com poderes de expedir regulação normativa acerca das
encomiendas e outros temas da colonização de terras252. Em reuniões com as lideranças
políticas e religiosas hispânicas em Assunção253, ele recebe de emissários a demanda de
grupos Guarani que não estavam sob o jugo da encomienda, embora por ela ameaçados.
Suas pretensões eram as de permanecer em uma situação de liberdade em seus territórios,
longe das encomiendas e em posição de independência e autonomia perante a sociedade
colonial, ainda que em aliança com os religiosos jesuítas, único grupo hispânico que
aceitariam em seus territórios. Desta maneira se inicia o pacto Guaranítico-jesuíta, com
a chancela do poder real, que viria acarretar na potencialização da criação das reduções.
Para além do que havia sido pactuado, e voltado para os nativos que já haviam
sido atingidos diretamente pela colonização, Francisco de Alfaro emite em 1611 e 1612
detalhadas ordenações que proibiam o serviço pessoal através de encomiendas, anulando
as que haviam sido emitidas. Determina que para que todo trabalho prestado na colônia
deveria ser pago salário, assim como estabelece um sistema tributário em favor do governo
na região. Obedecendo já então vigente regra velada de não observância das normas prote-
tivas dos povos nativos, as ordenações de Alfaro são solenemente descumpridas na colônia
ao que se refere às encomiendas, sendo revisadas em 1618 pelo Consejo Real y Supremo
de las Índias254, tendo a encomienda novamente vigência normativa na Bacia do Prata.
No que se refere às terras, as ordenações de Alfaro buscariam regulamentar os
diferentes tipos de ocupação territorial, com uma política de separação entre espanhóis
e nativos. Enquanto os espanhóis e crioulos poderiam ser proprietários individuais de
terras, submetidos diretamente ao jugo do poder político local em um primeiro nível e à
coroa espanhola em nível superior, os nativos deveriam se organizar territorialmente em
reduções, sobre as quais teriam direitos comunais sobre as terras em propriedade perpétua.
Estas por sua vez deveriam ser ocupadas exclusivamente por nativos, sendo fechadas em
uma condição de isolamento perante a sociedade hispânica e crioula das cidades, possuindo

251 PERUSSET, Macarena. Reglamentación jurídica vs. usos y costumbres en el Paraguay colonial temprano. Antíteses,
Londrina, v. 2, n. 4, p. 991-1010, jul-dez. 2009. p. 999.
252 PASTORE, Carlos. La lucha por la tierra en Paraguay. Asunción: Intercontinental, 2013. p. 67.
253 AVELLANEDA, Mercedes. Guaraníes, criollos y jesuítas. Luchas de poder en las Revoluciones Comuneras del
Paraguay: Siglos XVII y XVIII. Asunción: Academia Paraguaya de História/Tiempo de História, 2014. p. 41.
254 NECKER, Louis. Indios guaranies y chamanes franciscanos. Asunción: CEADUC, 1990. p. 114.
90 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

autonomia econômica e administrativa255 ainda que inseridas no contexto colonial.


Em meio a este processo, os experimentos iniciais junto aos missioneiros fran-
ciscanos estavam obtendo bons resultados para a expansão da conquista, o governo de
Assunção solicita à metrópole o envio de mais religiosos. Com o apoio do poder ecle-
siástico de Assunção, define-se na metrópole que a ordem católica incumbida a oferecer
o suporte solicitado pela colônia seria a Companhia de Jesus256, que já estava presente na
América, acumulando alguns fracassos e sucessos no seu intuito missionário. Na Bacia do
Prata, diferentemente dos franciscanos que circulavam pelos territórios com o apoio de
milícias assunsenhas e se voltaram para atuação e fundação de missões junto aos Guarani
que estavam sob o jugo das encomiendas e, os jesuítas se voltaram aos povos não enco-
mendados, circulando em missões volantes sob sua conta e risco257.
O primeiro destino dos jesuítas para a tentativa de criar missões por redução na
Bacia do Prata seria a província do Guayrá, região fronteiriça com os pretensos domínios
portugueses e localizada no oeste de Assunção, local em que as missões franciscanas não
haviam conseguido estabelecer suas missões. Justamente por se encontrar em região de
então incerta fronteira com os domínios portugueses, conforme o pactuado em Tordesi-
lhas, a ocupação através da conquista espiritual na região se mostrava estratégica258. Ainda
que de 1580 a 1640 houvesse a unificação das coroas ibéricas por Filipe III, os interesses
das diferentes colônias e colonizadores continuavam contrastando. Com a consolidação
das reduções do Guayrá, outras regiões viriam a ser destino da Companhia de Jesus já
nos anos iniciais em que o Guayrá contava com as primeiras reduções, para fundação de
outras tantas que viriam a constituir um amplo território reducional que era formado
também pelo Itatim, Acaray, Paraná, Uruguay e Tape.
Em relação às reduções do Guayrá, para além da necessidade de fixar domínios
hispânicos em oposição às pretensões lusitanas na região, a conquista e ocupação his-
pânica seria estrategicamente facilitada pelo fato de a região se apresentar na virada dos
séculos XVI para XVII como espaço de convulsão social decorrente de um complexo
contexto de conflitos socioambientais. Eles se constituíam a partir da resistência nativa às
primeiras investidas exploratórias e colonizadoras ibéricas vindas de Assunção pelo oeste
e São Vicente pelo leste. Conflitos também eram observados entre os próprios nativos,
cujos deslocamentos massivos de fuga à conquista ibérica configurariam novos cenários

255 PERUSSET, Macarena. Reglamentación jurídica vs. usos y costumbres en el Paraguay colonial temprano. Antíteses,
Londrina, v. 2, n. 4, p. 991-1010, jul-dez. 2009. p. 1000.
256 QUARLERI, Lia. Rebelión y guerra en las fronteras del plata: Jesuítas y Guaraníes en las misiones fronterizas.
Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2009. p. 73.
257 MAEDER, Ernesto Joaquín. Misiones del Paraguay: Construcción jesuítica de una sociedad cristiano Guaraní
(1610-1768). Resistencia: ConTexto Libros, 2013. p. 49.
258 AVELLANEDA, Mercedes. Guaraníes, criollos y jesuítas. Luchas de poder en las Revoluciones Comuneras del
Paraguay: Siglos XVII y XVIII. Asunción: Academia Paraguaya de História/Tiempo de História, 2014. p. 40.
COLONIZAÇÃO IBÉRICA SOBRE TERRITÓRIOS GUARANI | 91
Redução como resistência

conflituosos entre diferentes povos, assim como entre diferentes grupos do mesmo povo.

Figura 10: Regiões missioneiras do Itatim, Guayrá, Acaray, Paraná, Uruguay e Tape259

Neste ambiente em que o caos estava instalado em decorrência dos processos


coloniais e conflitos socioambientais, seria mais fácil a inserção dos novos atores sociais,
que realizariam pactos de proteção com algumas das partes dos conflitos. Utilizando
as boas relações com a coroa e com o poder local assunsenho, os jesuítas puderam se
apresentar na região oferecendo aos nativos a proteção integral contra as encomiendas260

259 SNIHUR, Esteban Angel. El universo misionero Guaraní: un territorio y un patrimonio. Buenos Aires: Golden
Company, 2007. p. 71.
260 MAEDER, Ernesto Joaquín. Las misiones jesuíticas. In: TELESCA, Ignacio (Coord.). Historia del Paraguay. 4.
ed. Asunción: Taurus. 2014. p. 113.
92 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

e autonomia política perante as os poderes coloniais locais, além de outras vantagens


menores e acessórias. Aos olhos coloniais, os nativos que aceitassem viver nas reduções
missioneiras jesuítas estariam livres da submissão forçada à mita e yanacona, e também não
estariam sob o jugo do poder local assunsenho, supostamente reportando-se diretamente
à coroa espanhola através da Companhia de Jesus. Depois de estabelecidas e consolidadas
as reduções, um outro benefício que os jesuítas vieram a oferecer aos Guarani reduzidos
era uma menor tributação se comparada ao restante da colônia.
Embora uma parte do povo Guarani nunca ter aceito o jugo colonial das missões,
alguns grupos consideraram que era menos danoso submeter-se ao espaço territorial das
reduções do que estar vulnerável ao genocídio da encomienda261. Após a consolidação
dos primeiros povoados, as formas de recrutamento utilizadas pelo jesuítas e seus aliados
nativos para angariar novos integrantes paras as reduções, assim como para novamente
reduzir os fugitivos, iriam desde o discurso de convencimento até a utilização de força262.
A primeira redução Guarani do Guayrá foi fundada nas margens do Rio Para-
napanema em 1609, a de San Ignácio Guasú. O sucesso do empreito missioneiro pode
ser visualizado com o expressivo número de missões existentes em pouco mais de 20 anos
após a fundação da primeira redução pelos jesuítas. Em 1628 haviam se consolidado na
região do Guayrá mais de uma dezena de reduções263. Nestas primeiras décadas do século
XVII houve um exponencial aumento da presença ibérica na região. Na medida em que
alguns grupos Guarani se reuniam nas reduções do Guayrá, a ocupação territorial nativa
fora destas áreas era progressivamente enfraquecida, em um espaço em que cada vez mais
se tornava mais suscetível às investidas coloniais encomenderas que eram realizadas desde
Assunção, Ontiveiros, Cidade Real do Guairá e Villarica. Mas não somente a encomienda
hispânica ameaçava a nascente organização reducional Guarani do Guayrá, uma outra
frente colonizadora viria da costa atlântica.
Nas últimas décadas do século XVI já havia na região do Guayrá a circulação de
exploradores lusitanos e crioulos vindos de São Vicente e de São Paulo de Piratininga.
Na época São Paulo já contava com um acréscimo demográfico relevante e que não mais
era somente o lugar de um colégio jesuíta criado em meio a uma comunidade nativa,
senão o espaço ocupado por um povoado lusitano definitivamente estabelecido264. Ainda
que eventualmente fosse alvo de ataques de nativos, geralmente Tupinambá e Guarani,

261 KERN, Arno Álvarez. Missões: uma utopia política. Porto Alegre: Mercado Aberto. 1982. p. 44.
262 BRIGHENTI, Clovis Antonio. Estrangeiros na própria terra: Presença Guarani e Estados Nacionais, Florianópolis/
Chapecó: UFSC/Argos, 2010. p. 103.
263 MAEDER, Ernesto Joaquín. El regímen de encomiendas en Paraguay y la situación de San Ignácio. In: MELIÀ,
Bartomeu (Org.). El comienzo de una utopía: IV centenário de la fundación del pueblo de San Ignácio Guasú. 4. ed.
Asunción: CEPAG. 2010. p. 146.
264 HOLANDA, Sérgio Buarque de et al. A época colonial: do descobrimento à expansão territorial. História Geral da
Civilizacao Brasileira. 13. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. v. 1. p. 310.
COLONIZAÇÃO IBÉRICA SOBRE TERRITÓRIOS GUARANI | 93
Redução como resistência

o povoado havia se estabelecido com êxito. O local escolhido era geograficamente estra-
tégico por possuir passagens e boas vias de acesso para todas as direções do sertão, para
onde partiriam expedições de aprisionamento de nativos para o trabalho escravizado. O
destino dos aprisionados geralmente eram os engenhos de cana de açúcar que se prolife-
ravam pela região paulista.
Pela conquista e ocupação colonizadora acima da Serra do Mar, as entradas
coloniais não mais eram caracterizadas como os descimentos verificados no início do
século XVI. Por estarem em declarada guerra justa contra os nativos que não aceitassem
o aldeamento, as bandeiras eram hasteadas em sinal de guerra nas expedições265. Esta
característica batizaria um novo empreito escravocrata luso-paulista, que viria a oferecer
a São Paulo o sangrento suporte necessário para o seu desenvolvimento no século XVII.
Ao contrário das então existentes pequenas investidas no sertão, as bandeiras paulistas
se mostrariam em meados do século XVII como expedições mais bem estruturadas. Elas
se mostravam necessárias aos olhos e à sanha colonizadora pelo fato de haver escassez de
mão de obra para os engenhos, considerando que Portugal então havia temporariamente
perdido o domínio de regiões africanas onde havia a maior parte de sua captura e tráfico
humano escravocrata266.
Ainda que a união das coroas ibéricas na virada do século XVI para o XVII não
tenha tido grandes impactos imediatos nos distintos focos de colonização sobre os terri-
tórios Guarani, na Bacia do Prata e do litoral atlântico, a maior liberdade na circulação
entre os espaços que haviam sido definidos em Tordesilhas trouxe impactos especialmente
danosos para os grupos que haviam aceitado viver nas reduções do Guayrá. Partindo de
São Paulo, as bandeiras estavam presentes na região desde 1606267 em expedições iniciais
de pequeno porte. Tal característica viria a se alterar em 1628, oportunidade em que a
bandeira liderada por Antônio Raposo Tavares adentrou o Guayrá. Se tratou de uma
bandeira que era formada por 69 paulistas, 900 mamelucos e 2200 nativos268. Para além
dos já presentes interesses de comércio entre encomenderos hispânicos de Assunção e os
povoados portugueses da costa atlântica, a bandeira de Antônio Raposo Tavares con-
tou com o apoio do poder político local hispânico-assunsenho, que era exercido pelo
governador Luis de Céspedes García Xería269. Casado com Vitória de Sá, sobrinha do
então governador do Rio de Janeiro Martim de Sá, o governador de Assunção utilizou as

265 ABREU, Capistrano de. Capítulos da história colonial. 7. ed. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Publifolha,
2000. p. 128.
266 DALCIM, Ignácio. Breve história das reduções Jesuítico-Guaranis. São Paulo: Edições Loyola, 2011. p. 69.
267 HOLANDA, Sérgio Buarque de et al. A época colonial: do descobrimento à expansão territorial. História Geral da
Civilização Brasileira. 13. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. v. 1. p. 313.
268 MAEDER, Ernesto Joaquín. Misiones del Paraguay: Construcción jesuítica de una sociedad cristiano Guaraní
(1610-1768). Resistencia: ConTexto Libros, 2013. p. 82.
269 HOLANDA, Sérgio Buarque de et al. A época colonial: do descobrimento à expansão territorial. História Geral da
Civilização Brasileira. 13. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. v. 1. p. 313.
94 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

estruturas políticas a que tinha domínio para facilitar a entrada da bandeira nos territórios
das reduções Guarani.
Saindo de São Paulo em agosto de 1628, a bandeira alcançou o Rio Tibagi em
setembro do mesmo ano e ali fixou seu acampamento que serviria de base para a cap-
tura dos nativos270 não reduzidos. Em 30 de janeiro de 1629, após romperem o pacto
de não ataque às reduções, os paulistas empreenderam a invasão à redução de Santo
Antônio, sendo ela seguida de do saque, destruição física do local e aprisionamento de
parte relevante dos Guarani que ali viviam. Rompido o pacto, em poucas semanas outras
duas reduções sucumbiriam às investidas paulistas, as de São José e Jesus Maria. Os pro-
testos dos jesuítas não surtiam o menor efeito na colônia hispânica e lusitana e a primeira
grande bandeira paulista sobre as reduções retornaria a São Paulo em janeiro de 1630 com
20.000 cativos, sua quase totalidade formada pelos Guarani dos povoados reducionais271.
Em um curto espaço de tempo, de 1628 até 1632, as bandeiras paulistas se repe-
tiram na região e ao final de 5 anos haviam destruído os povoados Guarani reducionais
do Guayrá. Dados da época indicam que após a destruição das reduções na região um
total aproximado de 55.000 nativos reduzidos foram diretamente impactados, com apro-
ximadamente 30.000 pessoas sendo levadas cativas para São Paulo272. Tais ataques tam-
bém impactaram diretamente os povoados espanhóis com a destruição da Cidade Real
e traslado de Villa Rica para uma região mais próxima a Assunção, levando a migrações
para as reduções do Itatim, que em seguida também seriam atacadas pelos bandeirantes
em expedições de apresamento.
As reduções do Tape também foram atacadas, levando a completa convulsão
social a todas as regiões reducionais ao norte e ao extremo oeste do território missioneiro.
Cientes de sua incapacidade de defesa ante as investidas escravocratas paulistas, os Guarani
do Guayrá e Itatim realizam em conjunto com os jesuítas uma maciça migração ao sul
nos últimos meses de 1631, em que mais de dez mil pessoas navegaram em fuga pelo rio
Paraná, utilizando pequenos barcos construídos às pressas273. Duas reduções conseguiram
ser trasladadas, as de Loreto e San Ignácio, sendo das demais completamente desmanteladas
através da captura, morte ou dispersão dos Guarani que buscaram refúgio na floresta ou
nas reduções das regiões missioneiras do Paraná e Uruguai.

270 MAEDER, Ernesto Joaquín. Misiones del Paraguay: Construcción jesuítica de una sociedad cristiano Guaraní
(1610-1768). Resistencia: ConTexto Libros, 2013. p. 82.
271 MAEDER, Ernesto Joaquín. Misiones del Paraguay: Construcción jesuítica de una sociedad cristiano Guaraní
(1610-1768). Resistencia: ConTexto Libros, 2013. p. 83.
272 MONTEIRO, John Manuel. Negros da Terra. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. p. 74.
273 AVELLANEDA, Mercedes. Guaraníes, criollos y jesuítas. Luchas de poder en las Revoluciones Comuneras del
Paraguay: Siglos XVII y XVIII. Asunción: Academia Paraguaya de História/Tiempo de História, 2014. p. 54.
COLONIZAÇÃO IBÉRICA SOBRE TERRITÓRIOS GUARANI | 95
Redução como resistência

Figura 11: Expedições bandeirantes e êxodos no Guayrá e Tape274

Embora viessem apresentar efeitos de perda de domínios territoriais futuras nas


regiões do Guayrá e Itatim, os ataques bandeirantes do século XVII não possuíam dire-
tamente o intuito de conquista e colonização dos territórios das reduções Guarani. Seu
objetivo principal era o de capturar nativos para o trabalho escravo nos engenhos paulistas
ou então para o tráfico humano para outras regiões. O sucesso nas expedições de captura
contra as reduções Guarani era maior e mais simples do que nas viagens realizadas para
outras regiões, em que os nativos estavam dispersos territorialmente. A consequência
desta característica foi a realização imediata de novos ataques bandeirantes às reduções
Guarani, desta feita nas regiões nas quais estes haviam se refugiado.

274 SNIHUR, Esteban Angel. El universo misionero Guaraní: un territorio y un patrimonio. Buenos Aires: Golden
Company, 2007. p. 79.
96 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

Em 1636, novamente sob o comando de Antônio Raposo Tavares, 140 portugue-


ses e 1.500 nativos Tupi atacaram e destruíram as reduções que ficavam mais próximas ao
oceano, as de Jesus María, San Cristóbal e San Joaquin275. Reiteradas as bandeiras na região,
em 1638 houve ataques sobre as reduções da Bacia do Ijuí sob o comando de Fernando
Dias Pais. Durante estes avanços paulistas no Tape, posteriores à destruição do Itatim e
Guayrá, houve a formação e treinamento de milícias armadas de defesa nas reduções da
região dos Trinta Povos276. O primeiro êxito na resistência Guarani às bandeiras paulis-
tas se deu em 1639, na batalha fluvial de Caazapá, em que 250 Guarani derrotaram um
efetivo quatro vezes maior, de aproximadamente 1000 paulistas e nativos comandados
por Pascoal Leite Pais277.
Dois anos mais tarde, em 1641, uma batalha de grandes proporções ocorreu.
Em um contexto de guerra separatista entre Espanha e Portugal em territórios ibéricos,
um ataque lusitano de grande monta seria realizado às supostamente hispânicas reduções
Guarani. A bandeira financiada por Manuel Pires e comandada por Jerônimo Pedroso
de Barros se aproximava do território dos Trinta Povos das Missões. Era então a maior
bandeira já realizada, contando com aproximadamente 500 paulistas e portugueses, que
eram acompanhados por 2500 Tupi278.
Sob a liderança e comando Ñeenguirú por terra e Abyaru por águas fluviais,
ambas lideranças militares Guarani das reduções, uma força composta por 4000 Guarani
e algumas dezenas de jesuítas emboscou a bandeira luso-tupi em 11 de março de 1641,
na confluência dos Rios Uruguai e M’bororé279. Para além de suas armas tradicionais, o
efetivo contava então com 200 mosquetões e pólvora, conseguidos junto aos povoados
hispânicos de Buenos Aires e Assunção. O resultado deste ataque foi o massacre de quase
todo efetivo da bandeira, sendo este fato um marco histórico das resistências Guarani.
Ainda que outras expedições de aprisionamento escravocrata tenham sido realizadas
na região em momentos posteriores, elas foram de menor monta e consideradas como
expedições suicidas ante ao crescente poderio bélico do exército das reduções Guarani
dos Trinta Povos das Missões.
Com a contundente vitória armada sobre a bandeira, tal poder bélico viria a ser
estrategicamente incrementado pela coroa hispânica com o fornecimento de armamento

275 MAEDER, Ernesto Joaquín. Misiones del Paraguay: Construcción jesuítica de una sociedad cristiano Guaraní
(1610-1768). Resistencia: ConTexto Libros, 2013. p. 93.
276 QUARLERI, Lia. Rebelión y guerra en las fronteras del plata: Jesuítas y Guaraníes en las misiones fronterizas.
Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2009. p. 88.
277 HEMMING, John; DE MOURA, Carlos Eugênio Marcondes. Ouro Vermelho: A Conquista dos Índios Brasileiros.
São Paulo: EdUSP, 2007. v. 27. p. 398.
278 DALCIM, Ignácio. Breve história das reduções Jesuítico-Guaranis. São Paulo: Edições Loyola, 2011. p. 71.
279 AVELLANEDA, Mercedes. Guaraníes, criollos y jesuítas. Luchas de poder en las Revoluciones Comuneras del
Paraguay: Siglos XVII y XVIII. Asunción: Academia Paraguaya de História/Tiempo de História, 2014. p. 57.
COLONIZAÇÃO IBÉRICA SOBRE TERRITÓRIOS GUARANI | 97
Trinta povos das missões

de fogo280. As milícias das reduções serviriam não somente como elemento fundamental
para a consolidação dos Trinta Povos das Missões, mas também como um escudo hispâ-
nico contra as investidas portuguesas e paulistas vindas da costa atlântica. Elas viriam a
formar um efetivo militar estável, cuja potência permitia ser moeda de troca nos acordos
com os poderes políticos coloniais.
Em troca de melhores condições tributárias à coroa e manutenção da proibi-
ção de serem submetidos às encomiendas, as milícias Guarani das reduções atuariam em
campanhas militares de interesse do poder colonial281. Este acordo garantiria aos poderes
políticos hispânicos a manutenção de um poderoso exército colonial sem custos, assim
como garantiria aos Guarani reduzidos uma relevante autonomia territorial e política
frente ao poder local da colônia.

TRINTA POVOS DAS MISSÕES

O destino da debandada aos primeiros ataques dos bandeirantes paulistas era


principalmente localizado na região em que ficam mais próximos os Rios Uruguai e Paraná.
Ali viria a se consolidar o contexto de ocupação reducional Guarani que por mais tempo
durou, na região que ficou conhecida como os Trinta Povos das Missões. Tais povos viriam
apresentar alguma unidade em suas formas organizativas, ainda que as diversidades de
cada contexto região se impunham.
Neste espaço a resistência ativa e altiva Guarani pôde se mostrar em um cenário
de reiterados e constantes conflitos, em episódios de grandiosas guerras e acordos junto
às forças coloniais. A criação das reduções nesta região era imediatamente posterior às
primeiras reduções criadas na Bacia do Prata, sendo que sua ocupação foi fortemente
incrementada com a massiva migração decorrente dos ataques bandeirantes ao Guayrá,
Itatim e extremo leste do Tape.
Os pactos realizados pelos Guarani das reduções com a Companhia de Jesus
permitiram que a resistência nativa se manifestasse nos Trinta Povos das Missões por
mais de um século. Em um contraditório ambiente que se apresentava como palco da
pretensa conquista espiritual, que deveria ser levada a cabo pelos missionários jesuítas, os
povoados reducionais iriam se organizando às suas próprias maneiras, com a observância
de algumas linhas comuns entre eles282.

280 MAEDER, Ernesto Joaquín. Misiones del Paraguay: Construcción jesuítica de una sociedad cristiano Guaraní
(1610-1768). Resistencia: ConTexto Libros, 2013. p. 97.
281 AVELLANEDA, Mercedes. Guaraníes, criollos y jesuítas. Luchas de poder en las Revoluciones Comuneras del
Paraguay: Siglos XVII y XVIII. Asunción: Academia Paraguaya de História/Tiempo de História, 2014. p. 62.
282 MAEDER, Ernesto Joaquín. Misiones del Paraguay: Construcción jesuítica de una sociedad cristiano Guaraní
(1610-1768). Resistencia: ConTexto Libros, 2013. p. 171.
98 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

Figura 12: Os trinta povos das missões283

Inicialmente as reduções eram construídas sem grandes estruturas, feitas na


medida que as possibilidades permitiam e nas condições de fuga dos encomendeiros e
bandeirantes. Todavia, em seus períodos ulteriores, as reduções apresentavam um con-
solidado espaço urbano edificado, cuja praça era o ponto central e em seu entorno eram
erguidos templos religiosos e as anexas moradas dos jesuítas e de administração eclesial,
além de prédios da administração política e vivendas. Nelas a habitação era um dos pontos
de maior alteração se comparado às formas tradicionais pré-hispânicas e traduzia senão a
principal disputa entre religiosos cristãos e os nativos.

283 WHITE, Richard Alan. La primera revolución popular en América: Paraguay, 1810-1840. Buenos Aires: Punto
de Encuentro, 2014. p. 183.
COLONIZAÇÃO IBÉRICA SOBRE TERRITÓRIOS GUARANI | 99
Trinta povos das missões

Figura 13: Um modelo de urbe reducional284

Tradicionalmente entre os Guarani os vínculos de parentesco se construíam de


maneira poligâmica patrilinear285, de modo que era aceito socialmente que um homem
pudesse contrair vários matrimônios, em que a família extensa compartilhava morada
em amplas casas comuns. Por ferir os mandamentos cristãos de monogamia, as reitera-
das pressões dos religiosos para um novo padrão de constituição de núcleos familiares
foram muito possivelmente o maior motivo de conflitos e levantes Guarani dentro das
reduções286. É preciso considerar que esta questão não se referia somente à esfera privada
das famílias, sendo que os parentescos poligâmicos constituíam a mais importante forma
de articulações de poder político tradicional. Através das relações poligâmicas teias de
alianças e relações de reciprocidade eram construídas. Contrastando com esta forma tra-
dicional de organização da célula comunitária, os mandamentos católicos monogâmicos
contrariavam arraigado senso tradicional, cuja reação era constante.
Para além da urbe, amplos espaços rurais compunham as reduções, sendo neles
realizadas atividades de pastoreio estancieiro, plantações e coleta de erva mate nos amplos
ervais da região. Através do manejo da agrobiodiversidade na Mata Atlântica as reduções
possuíam plena soberania alimentar, sendo os excedentes comercializados no mercado
colonial, permitindo o acesso a bens e tecnologias externas, como utensílios metálicos.

284 FURLONG, Guillermo. Misiones e sus pueblos de Guaraníes. Buenos Aires: Imprenta Balmes, 1962. p. 188.
285 SUSNIK, Branislava; CHASE-SARDI, Miguel. Los índios del Paraguay. Madrid: Editorial Mapfre, 1995. p. 37.
286 WILDE, Guillermo. Religión y poder en las misiones Guaraníes. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: SB, 2016.
p. 141.
100 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

Em tais áreas rurais havia a concessão de pequenos lotes de uso exclusivo familiar, abam-
bae, assim como um amplo espaço comunal, tupambae287. Esta estrutura permitia que os
trabalhos fossem mantidos na forma tradicional, com a realização de mutirões em sistema
de puxirão288, além dos convites que fundamentavam as relações de reciprocidade do
trabalho em comum e de reforço de vínculos comunitários.
A ordem política nas missões era composta por um misto de estrutura hierárquica
colonial e estruturas tradicionais de parentesco e poder político289. Obedecendo a estru-
tura hierárquica estabelecida nas Leis de Índias, haviam corregedores, cabildos, alcades,
tenentes, regidores, alferes, escrivães, procuradores. Entranhada em toda a esta estrutura
burocrática estava a maneira tradicional de manifestação de lideranças políticas Guarani,
com a ocupação de tais cargos pelo cacicado, que possuía isenção tributária. A função de
governo era reservada ao jesuíta, que exercia funções jurisdicionais, além de recolher e
fazer a remessa dos tributos que eram devidos à coroa290.
Diante desta contraditória situação de relativa autonomia dentro do âmbito
colonial, a aliança que os Guarani haviam firmado com a coroa espanhola através da
articulação realizada pelos jesuítas viria acarretar em conflitos com o poder político his-
pânico-crioulo assunsenho. Para além da destruição das reduções missioneiras, os ataques
das bandeiras paulistas ao Guayrá, Itatim e Tape constituíram também um forte golpe ao
sistema de encomiendas destas regiões291, que viriam a buscar meios para sua recuperação.
Cientes de que o sistema missioneiro reducional dependia da não submissão dos
Guarani às encomiendas, os jesuítas sempre atuaram neste sentido, de maneira muito
próxima, às instâncias reais da metrópole e colônia. As pressões contrárias à atuação
jesuíta junto aos Guarani também tinham eco dentro da própria estrutura eclesiástica,
em especial junto aos franciscanos que haviam perdido prestígio com ascensão da Com-
panhia de Jesus292 na colônia. Neste ambiente, em 1649, o frei Bernardino Cárdenas
assume interinamente o governo de Assunção e, com o apoio dos comuneros assunsenhos,
se propõe a expulsar os jesuítas da colônia e extinguir os benefícios coloniais dos Guarani
reduzidos nas missões.

287 PERAMÁS, Josep Manuel. Platón y los Guaraníes. Asunción: Centro de Estudios Paraguayos Antonio Guasch,
2004. p. 57.
288 MELIÀ, Bartomeu. Potirõ: las formas del trabajo entre los Guaraní antiguos, reducidos y modernos. Revista
Complutense de Historia de América, Madrid, v. 22, p. 183-208, 1996. Disponível em: <http://revistas.ucm.es/index.
php/RCHA/article/view/RCHA9696110183A/29030>. Acesso em: 25 set. 2017. p. 202.
289 MAEDER, Ernesto Joaquín. Misiones del Paraguay: Construcción jesuítica de una sociedad cristiano Guaraní
(1610-1768). Resistencia: ConTexto Libros, 2013. p. 180.
290 FURLONG, Guillermo. Misiones e sus pueblos de Guaraníes. Buenos Aires: Imprenta Balmes, 1962. p. 367.
291 AVELLANEDA, Mercedes. Guaraníes, criollos y jesuítas: Luchas de poder en las Revoluciones Comuneras del
Paraguay: Siglos XVII y XVIII. Asunción: Academia Paraguaya de História/Tiempo de História, 2014. p. 64.
292 RIVAROLA PAOLI, Juan Bautista. La Primera Revolución Comunera - 1649. Asunción: El Lector, 2012. p. 45.
COLONIZAÇÃO IBÉRICA SOBRE TERRITÓRIOS GUARANI | 101
Trinta povos das missões

Figura 14: Os trinta Povos das Missões e suas estâncias293

293 SNIHUR, Esteban Angel. El universo misionero Guaraní: un territorio y un patrimonio. Buenos
Aires: Golden Company, 2007. p. 131.
102 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

Com o apoio da coroa, a resposta missioneira foi um cerco à cidade de Assunção,


realizado por um contingente Guarani de aproximadamente 4000 guerreiros armados294,
que sufocou violentamente as forças assunsenhas e ofereceu o suporte para a implanta-
ção de um novo poder político colonial na região. Suprimidos os adversários da aliança
Guarani-jesuítica, a administração local na colônia viria a ser exercida de maneira que as
reduções missionárias estariam novamente longe dos incômodos decorrentes da cobiça
encomendeira.
Um outro capítulo da resistência Guarani nas reduções, e dos pactos que eram
realizados com o poder colonial, foi o que envolve os conflitos decorrentes da fundação
do povoado de Colônia do Sacramento. Com o movimento de expansão lusitana para
o sul, com a fundação de Paranaguá (1648) e Curitiba (1668), além da concessão de
sesmaria na Ilha de Santa Catarina na década seguinte, surgem planos luso-brasileiros de
ocupação nas margens do Mar do Prata295. Por uma ordem secreta do príncipe regente
Dom Pedro, em 1677, o tenente-general Jorge Soares de Macedo se dirige a Paranaguá
para tratar de assuntos de minas ali encontradas, tendo ainda como ordens reais a ida até
o Mar do Prata e fundar um povoado na ilha de São Gabriel296.
Em janeiro de 1680, o então governador do Rio de Janeiro, Manuel Lobo, funda
às margens do Mar do Prata o povoado de Nova Colônia do Santíssimo Sacramento.
A reação hispânico-portenha foi de imediata repulsa, com a convocação das milícias
Guarani das reduções para o confronto que se aproximava. Com um efetivo de 3000
soldados armados, não houve maiores dificuldades para as tropas hispânico-Guarani
destruírem a ocupação portuguesa poucos meses após a sua fundação297. Na ocasião não
houve propriamente um conflito, mas sim uma violenta campanha de vingança Guarani
contra os luso-brasileiros
Por questões diplomáticas, em que a inimizade com Portugal não poderia ser
considerada em razão da guerra travada contra a França, a coroa espanhola cede e aceita que
Portugal tenha direitos territoriais sobre o povoado colonial que fora antes dizimado298.
Cientes da ameaça que era ter luso-brasileiros às suas portas, a reação missioneira foi a
de ocupar fisicamente o entorno do povoado refundado em 1683. Assim, buscariam
construir povoados que serviriam de reduções avançadas em posição de defesa dos Trinta
Povos das Missões perante a ameaça lusitana que retornava à Bacia do Prata e se expandia

294 RIVAROLA PAOLI, Juan Bautista. La Primera Revolución Comunera - 1649. Asunción: El Lector, 2012. p. 52.
295 HOLANDA, Sérgio Buarque de et al. A época colonial: do descobrimento à expansão territorial. História Geral da
Civilizacao Brasileira. 13. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. v. 1. p. 354.
296 RIVAROLA PAOLI, Juan Bautista. La Primera Revolución Comunera - 1649. Asunción: El Lector, 2012. p. 52.
297 POSSAMAI, Paulo César. De núcleo de povoamento à praça de guerra: a Colônia do Sacramento de 1735 a 1777.
Topoi, Rio de Janeiro, v. 11, n. 21, p. 23-36, jul./dez. 2010. p. 23.
298 QUARLERI, Lia. Rebelión y guerra en las fronteras del plata: Jesuítas y Guaraníes en las misiones fronterizas.
Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2009. p. 103.
COLONIZAÇÃO IBÉRICA SOBRE TERRITÓRIOS GUARANI | 103
Trinta povos das missões

às margens do Rio Uruguai.


Com a guerra da sucessão espanhola, em que os reinos de Portugal e Espanha
se colocam em posições antagônicas, o que refletiu no Mar do Prata foi o acirramento
dos já existentes conflitos portenhos pontuais, que acarretaram nova violenta ofensiva
Guarani à Nova Colônia do Santíssimo Sacramento em 1705. Realizando um cerco que
durou oito meses, um efetivo de 4000 milicianos Guarani impôs uma violência extrema
aos colonizadores portugueses, que não obedecia aos comandos coloniais hispânicos e
que para os nativos se justificava como vingança não somente aos luso-portugueses como
na campanha anterior, mas também aos aliados Charrua que haviam empreendido alguns
ataques às estâncias reducionais299.
Os domínios sobre o povoado no Mar do Prata foram novamente alterados em
1715, com a assinatura dos tratados de Utrecht300, em que a coroa espanhola, ocupada
por Felipe V, fez várias concessões territoriais em benefício da coroa portuguesa para
que esta reconhecesse a ascensão dos Bourbon ao trono espanhol. Através do pacto real
a Colônia de Sacramento seria novamente entregue aos domínios lusitanos, que fariam
a partir de então uma intensa política de povoamento na região301. Conforme o povoado
se estabelecia cresciam os conflitos dos lusitanos com os demais atores sociais no Mar do
Prata, ao ponto de em 1735 ter acontecido um cerco Guarani a Colônia do Sacramento302,
que permaneceu sitiada por alguns meses. Em meio a negociações tributárias das reduções
com o poder real, novamente o exército Guarani se movimentava em favor dos interesses
hispânicos na região303.
Nesta época o povoado de Nova Colônia do Santíssimo Sacramento era o núcleo
de uma região socialmente convulsionada, em que os conflitos se estabeleciam em virtude
da utilização do povoado como entreposto de contrabandistas, com o apoio inglês, pelos
portugueses e crioulos brasileiros304. Neste ambiente, espanhóis, portugueses e crioulos
vindos de ambas as colônias se inseriam em uma rede de complexos conflitos, em que os
nativos Charrua e Guarani se inseriam com alianças em lados opostos305. Enquanto os
Charrua firmavam alianças com lusitanos, as milícias Guarani se colocavam à disposição
dos poderes hispânicos na Bacia do Prata, com o objetivo de manter a aliança que os

299 QUARLERI, Lia. Rebelión y guerra en las fronteras del plata: Jesuítas y Guaraníes en las misiones fronterizas.
Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2009. p. 106.
300 POSSAMAI, Paulo César. De núcleo de povoamento à praça de guerra: a Colônia do Sacramento de 1735 a 1777.
Topoi, Rio de Janeiro, v. 11, n. 21, p. 23-36, jul./dez. 2010. p. 23.
301 DALCIM, Ignácio. Breve história das reduções Jesuítico-Guaranis. São Paulo: Edições Loyola, 2011. p. 127.
302 SYLVA, Silvestre Ferreira da. Relação do Sítio da Nova Colônia do Sacramento. Porto Alegre: Arcano 17, 1993. p. 41.
303 QUARLERI, Lia. Rebelión y guerra en las fronteras del plata: Jesuítas y Guaraníes en las misiones fronterizas.
Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2009. p. 109.
304 POSSAMAI, Paulo César. De núcleo de povoamento à praça de guerra: a Colônia do Sacramento de 1735 a 1777.
Topoi, Rio de Janeiro, v. 11, n. 21, p. 23-36, jul./dez. 2010. p. 31.
305 POSSAMAI, Paulo César. De núcleo de povoamento à praça de guerra: a Colônia do Sacramento de 1735 a 1777.
Topoi, Rio de Janeiro, v. 11, n. 21, p. 23-36, jul./dez. 2010. p. 32.
104 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

possibilitava viver com relativa autonomia nas reduções dos Trinta Povos das Missões.
Para tentar dirimir uma série de conflitos ibéricos nas colônias da América e Ásia,
buscando trazer alguma estabilidade para as relações políticas e comerciais, as coroas de
Espanha e Portugal firmaram em 1750 o Tratado de Madri. Fruto de uma negociação
conduzida em segredo, para evitar as influências de outros países em seu conteúdo e con-
dução306, o acordo era amplo e envolvia permutas e cessões de porções de terras em vários
espaços coloniais. Especificamente na Bacia do Prata, envolvia a entrega do povoado de
Nova Colônia do Santíssimo Sacramento para o domínio espanhol. Em troca, a coroa
espanhola cederia ao domínio português uma porção de terras em que estavam sete dos
Trinta Povos das Missões. Se tratava das sete reduções criadas ao oeste do Rio Uruguai,
que haviam sido estrategicamente criadas pela aliança Guarani-jesuítica para fazer frente
à ameaça portuguesa quando da segunda fundação do povoado de Nova Colônia do
Santíssimo Sacramento, em 1683.
Para além dos espaços das reduções propriamente ditos, deveriam ser entregues
também à coroa espanhola cerca da metade das terras das estâncias reducionais que esta-
vam na margem direita do Rio Uruguai. Para além destes prejuízos, caso o acordo fosse
implementado da maneira que seus termos previam, os povos Guarani das reduções teriam
às suas portas como vizinhos um povo inimigo de longa data. A memória de relações
extremamente violentas era presente desde os primeiros descimentos no litoral atlântico,
passando pelas bandeiras luso-paulistas até os conflitos mais recentes em virtude das idas
e vindas dominiais no povoado de Nova Colônia do Santíssimo Sacramento. As mais
de 6.000 famílias que continham aproximadamente 30.000 pessoas nos sete povos da
margem direita do Rio Uruguai deveriam ser trasladados para as reduções da margem
esquerda do Rio Uruguai307.
Como as negociações para o tratado foram conduzidas em segredo, não foram
consultadas as instâncias da metrópole europeia e da colônia, para evitar que estas inter-
ferissem na condução e conteúdo do acordo. Mas, principalmente, não foram consultados
pela coroa acerca dos termos do acordo os Guarani das reduções. No início de 1751 a
notícia inicialmente chega à Bacia do Prata de maneira informal e desacreditada pelos
jesuítas e Guarani das reduções, pois viera trazida pelos lusitanos da Colônia de Sacra-
mento308. Formal e oficialmente a notícia é enviada aos Trinta Povos das Missões pelo
Vaticano em abril de 1751, numa carta que informava os termos do acordo e determinava
o seu integral cumprimento pela Companhia de Jesus.

306 DALCIM, Ignácio. Breve história das reduções Jesuítico-Guaranis. São Paulo: Edições Loyola, 2011. p. 127.
307 MAEDER, Ernesto Joaquín. Misiones del Paraguay: Construcción jesuítica de una sociedad cristiano Guaraní
(1610-1768). Resistencia: ConTexto Libros, 2013. p. 246.
308 QUARLERI, Lia. Rebelión y guerra en las fronteras del plata: Jesuítas y Guaraníes en las misiones fronterizas.
Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2009. p. 147.
COLONIZAÇÃO IBÉRICA SOBRE TERRITÓRIOS GUARANI | 105
Trinta povos das missões

Figura 15: Limites do tratado de Madri309

Ainda que uma pequena parte dos Guarani das reduções tenha aceitado a trans-
posição de seus povoados pelo incentivo dos jesuítas310, a maior parte dos povos não acatou
as decisões do além-mar e optou pela resistência em seus territórios. O então consolidado

309 MAEDER, Ernesto Joaquín. Misiones del Paraguay: Construcción jesuítica de una sociedad cristiano Guaraní
(1610-1768). Resistencia: ConTexto Libros, 2013. p. 245.
310 MAEDER, Ernesto Joaquín. Misiones del Paraguay: Construcción jesuítica de una sociedad cristiano Guaraní
(1610-1768). Resistencia: ConTexto Libros, 2013. p. 253.
106 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

ethos guerreiro Guarani missioneiro-reducional311, que remontava e remodelava as carac-


terísticas de identidade belicista pré-hispânica312 e que estava com um sentimento de
potência ante às vitoriosas grandes campanhas anteriores, não poderia se submeter a
tamanho ultraje perante seus históricos inimigos.
Após a assinatura do tratado de permuta pelas coroas ibéricas, necessário se mos-
trava, aos olhos da metrópole, a demarcação dos limites que separariam definitivamente as
colônias313. Neste intuito, no final de 1752 se encontravam na porção atlântica da Bacia do
Prata comissões demarcatórias lusitanas e hispânicas, que deveriam indicar conjuntamente
os limites coloniais, então acompanhadas de fortes escoltas armadas314. Em fevereiro de
1753, após a fixação do primeiro marco colonial demarcatório na região de Castillos, o
avanço da comissão foi impedido por uma milícia Guarani das reduções315, tendo o efetivo
ibérico recuado para Colônia do Sacramento. Tal fato ocorreu nos arredores de Santa
Tecla, uma então vasta estância pastoril reducional localizada entre o Arroio Piraizinho e
o Rio Negro e que era utilizada para a criação de gado pela redução de São Miguel. Perante
a coroa hispânica este fato constituiu um sinal claro de guerra316.
A notícia de uma indenização recebida pela Companhia de Jesus para arcar com
os custos da transposição, juntamente com o grande empenho de alguns missionários
em realizá-la, soou aos Guarani das reduções como um forte sinal de traição, em que a
fidelidade jesuíta aos pactos da coroa teria sido comprada317. Em meio a desconfianças, a
aliança que criou e manteve as reduções iria se desfazendo, sendo então alguns religiosos
acuados pelas lideranças Guarani reducionais. As ofertas reais de isenção de tributos e
concessão de títulos de nobreza caso fossem aceitos os termos do tratado de permuta não
surtiram efeito318, sendo então destacadas forças militares hispânicas e lusitanas para a
Bacia do Prata. No lado das reduções, lideranças Guarani marcavam sua posição em cor-
respondência enviada em julho de 1753 ao governo de Buenos Aires, em que negavam a
aceitação de toda e qualquer proposta que não tivesse em seus termos a permanência dos

311 WILDE, Guillermo. Religión y poder en las misiones Guaraníes. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: SB, 2016.
p. 173.
312 SUSNIK, Branislava. El rol de los indígenas en la formación y en la vivencia del Paraguay. 3 ed. Asunción:
Intercontinental Editora, 2017. p. 86.
313 HOLANDA, Sérgio Buarque de et al. A época colonial: do descobrimento à expansão territorial. História Geral da
Civilização Brasileira. 13. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. v. 1. p. 404.
314 GOLIN, Tau. A guerra guaranítica: O levante indígena que desafiou Portugal e Espanha. São Paulo: Terceiro nome,
2014. p. 62.
315 GOLIN, Tau. A guerra guaranítica: O levante indígena que desafiou Portugal e Espanha. São Paulo: Terceiro nome,
2014. p. 70.
316 QUARLERI, Lia. Rebelión y guerra en las fronteras del plata: Jesuítas y Guaraníes en las misiones fronterizas.
Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2009. p. 205.
317 MAEDER, Ernesto Joaquín. Misiones del Paraguay: Construcción jesuítica de una sociedad cristiano Guaraní
(1610-1768). Resistencia: ConTexto Libros, 2013. p. 253.
318 QUARLERI, Lia. Rebelión y guerra en las fronteras del plata: Jesuítas y Guaraníes en las
misiones fronterizas. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2009. p. 151.
COLONIZAÇÃO IBÉRICA SOBRE TERRITÓRIOS GUARANI | 107
Trinta povos das missões

Sete Povos das Missões nos territórios da margem direita do Rio Uruguai319.
Como tal possibilidade não era cogitada pelos poderes coloniais, que insistia em
desocupar a região para permutá-la com a região de Colônia do Sacramento, o confronto
armado era a consequência. As batalhas da chamada guerra guaranítica ocorreram de
forma violenta entre nos anos de 1754 e 1756320. Após um inicial revés proporcionado
pela resistência armada de uma espécie de confederação reducional Guarani321 que se
formou em 1754 sob o comando do nativo Sepé Tyarayu, as tropas luso-hispânicas viriam
a derrotar as milícias reducionais entre 7 e 10 de fevereiro de 1756, no confronto travado
em Caiboaté.
As tropas coloniais haviam arregimentado um efetivo de aproximadamente 1700
pessoas, em que uma minoria de militares espanhóis e portugueses comandaria um efetivo
formado por crioulos luso-hispânicos interessados no direito de saque que havia sido
prometido após a ocupação das reduções. De outro lado, as tropas Guarani reducionais
se apresentavam com aproximadamente 2000 pessoas. Embora em vantagem numérica,
não se pode dizer que houve um confronto propriamente dito, mas sim um massacre.
Dotados de extremamente pesada artilharia moderna e grande cavalaria, as tropas coloniais
sofreram apenas 4 baixas fatais e 40 feridos, enquanto o efetivo Guarani reducional teve
aproximadamente 1500 mortos322.
Mesmo com o forte revés, a resistência Guarani das reduções não estava termi-
nada. Na medida que as tropas coloniais avançavam, outros confrontos menores ocorreram
até meados de maio daquele ano323. O que os luso-hispânicos encontravam eram reduções
fortemente despovoadas, cujos bens haviam sido levados em debandada. Após o grande
revés em Caiboaté, os povos que ali viviam tinham migrado para as reduções da margem
esquerda do Rio Uruguai ou então se refugiado na mata. Por temerem que os derrotados
preparassem uma grande contraofensiva ou adotassem táticas contínuas de guerrilha, os
lusitanos se negavam a receber o território dos Sete Povos das Missões até que os espanhóis
garantissem que ele estivesse totalmente pacificado324. Por este temor, os lusitanos não
aceitavam receber o que lhes era de direito nos termos do acordo, se negando também a
cumprir sua obrigação no tratado de permuta, de forma que se negaram a entregar Colônia

319 GOLIN, Tau. Sepé Tiaraju: Cacique Guarani, capitão, guerreiro que enfrentou Portugal e Espanha em defesa das
terras dos Sete Povos das Missões. Coleção Esses Gaúchos, v. 23. Porto Alegre: RBS, 1985. p. 11.
320 QUARLERI, Lia. Rebelión y guerra en las fronteras del plata: Jesuítas y Guaraníes en las misiones fronterizas.
Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2009. p. 257.
321 QUARLERI, Lia. Rebelión y guerra en las fronteras del plata: Jesuítas y Guaraníes en las misiones fronterizas.
Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2009. p. 228.
322 GOLIN, Tau. A guerra guaranítica: Como os exércitos de Portugal e Espanha destruíram os Sete Povos dos jesuítas
e índios guaranis no Rio Grande do Sul (1750-1761). Passo Fundo: Ediupf; Porto Alegre: EDUFRGS, 1998. p. 579.
323 QUARLERI, Lia. Rebelión y guerra en las fronteras del plata: Jesuítas y Guaraníes en las misiones fronterizas.
Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2009. p. 277.
324 HOLANDA, Sérgio Buarque de et al. A época colonial: do descobrimento à expansão territorial. História Geral da
Civilização Brasileira, v. 1, 13. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. p. 406.
108 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

de Sacramento ao domínio hispânico.

Figura 16: Deslocamentos de tropas coloniais e batalhas da guerra guaranítica325

Diante deste impasse e de alterações nos cenários políticos internos das coroas,

325 MAEDER, Ernesto Joaquín. Misiones del Paraguay: Construcción jesuítica de una sociedad cristiano Guaraní
(1610-1768). Resistencia: ConTexto Libros, 2013. p. 257.
COLONIZAÇÃO IBÉRICA SOBRE TERRITÓRIOS GUARANI | 109
Trinta povos das missões

o Tratado de Madri viria a ser anulado em 12 de fevereiro de 1761326, tendo os migrantes


Guarani lentamente retornado para as reduções dos Sete Povos das Missões, que haviam
abandonado em virtude da derrota na guerra guaranítica e do avanço das tropas ibéricas
sobre as reduções. Os integrantes da Companhia de Jesus haviam ficado em delicada
posição perante ambos os lados do conflito, com desconfianças de toda sorte327.
Perante os Guarani, os sinais de lealdade às coroas ibéricas com o incentivo ins-
titucional ao cumprimento do tratado de permuta e o recebimento de indenizações pela
transposição dos Sete Povos das Missões soaram como sinais de traição. Tal situação era
amenizada pela lealdade aos Guarani das reduções manifestada por alguns dos jesuítas, que
colaboraram na resistência e não evacuaram as reduções em meio à guerra, mesmo após
a convocação real e eclesial. De outro lado, perante os poderes coloniais, a Companhia
de Jesus se apresentava na época como uma força cuja obediência aos poderes centrais da
metrópole era questionada. Além disso, o êxito econômico das reduções em toda América
a conferia um relevante papel mercantil, que quase sempre contrastava com os interesses
dos poderes coloniais locais. Em Portugal e suas colônias a Companhia de Jesus havia sido
expulsa por ordem real em 3 de setembro de 1759, emitida após uma articulação levada
adiante pelo Marquês de Pombal328.
Aos olhos da coroa espanhola, as desconfianças decorrentes da guerra guaraní-
tica se somavam a suspeitas de atuação da Companhia de Jesus contra os poderes reais na
metrópole329, através do fomento de motins urbanos junto a movimentos populares na
Espanha. O resultado das suspeitas conspiratórias foi a expulsão dos jesuítas de todas os
domínios espanhóis, por real decreto de 27 de fevereiro de 1767330. Tal decisão se mate-
rializaria em Assunção em agosto do mesmo ano, tendo sido os 16 jesuítas ali presentes
enviados a Buenos Aires e depois à Europa. Nas reduções dos Trinta Povos das Missões, a
retirada dos missionários somente viria a se completar aproximadamente um ano depois.
Ao contrário do que os poderes coloniais esperavam, ela se deu de forma indiferente pelos
Guarani das reduções, sem maiores objeções ou embates331. Logo em seguida, em 1773,
a Companhia de Jesus viria a ser extinta pelo papa e seria recriada somente setenta anos

326 MAEDER, Ernesto Joaquín. Misiones del Paraguay: Construcción jesuítica de una sociedad cristiano Guaraní
(1610-1768). Resistencia: ConTexto Libros, 2013. p. 264.
327 QUARLERI, Lia. Rebelión y guerra en las fronteras del plata: Jesuítas y Guaraníes en las misiones fronterizas.
Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2009. p. 215.
328 COSTA, Célio Juvenal. A racionalidade jesuítica em tempos de arredondamento do mundo: o Império Português
(1540-1599). 2004. 240f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Metodista de Piracicaba, Piracicaba, 2004. p. 69.
329 MAEDER, Ernesto Joaquín. Misiones del Paraguay: Construcción jesuítica de una sociedad cristiano Guaraní
(1610-1768). Resistencia: ConTexto Libros, 2013. p. 285.
330 MELIÀ, Bartomeu. El Guaraní conquistado y reducido: Ensayos de etnohistoria. 4 ed. Biblioteca Paraguaya de
antropología. v. 5. Asunción: CEADUC, 1997. p. 228.
331 MAEDER, Ernesto Joaquín. Misiones del Paraguay: Construcción jesuítica de una sociedad cristiano Guaraní
(1610-1768). Resistencia: ConTexto Libros, 2013. p. 290.
110 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

depois332.
Desta maneira se encerrava a aliança Guarani com a Companhia de Jesus. Diante
do seu desfazimento, haveria uma alteração de atores e forças que viriam a reconfigurar
o território reducional333, em prejuízo ao povo Guarani. As reduções missioneiras, que
significaram uma alteração nas formas de ocupação territorial da parte do povo Guarani
que aceitou nelas viver, se mostraram como um espaço contraditório de resistência, sob
vários aspectos. Enquanto os religiosos da Companhia de Jesus buscaram a conquista espi-
ritual de um povo flagelado pelos poderes coloniais através das encomiendas e bandeiras,
a identidade Guarani era mantida ao mesmo tempo que se remodelava para se adequar
aos contextos reducionais aos quais estavam inseridas.

Os Jesuítas ficaram 150 anos, e queriam lograr a todos os Guarani, com a reza deles e a língua
deles. Só que não conseguiam. Queriam integrar a todos e não conseguiram; tentaram durante
150 anos. Vieram outros tipos de padres, padres alemães e disseram: “agora nos queremos que
vocês obedeçam. Nos queremos que vocês rezem igual a nós. Porque a nossa reza é que vale.
A reza do Guarani não vale porque não é pra Nhanderu que se reza”. Mas os Guarani falaram:
“não, nós não vamos entregar o orereko (nosso sistema). Nós não vamos entregar. Vamos con-
tinuar com a nossa cultura, com a nossa reza, com a nossa língua”. Dali começou a briga334.

Ao tempo em que as reduções apresentavam um caráter totalizante, com uma


declarada proposta etnocida em que se buscava a substituição de crenças tradicionais pela
fé cristã, a resistência espiritual Guarani podia ser vista principalmente nos Xeramõi, líde-
res espirituais tradicionais Guarani que a documentação jesuíta chamou de feiticeiros335.
Principalmente neles se mantinha uma resistência espiritual que, embora eventualmente
aceitasse a vida reduzida nos povoados, reiteradamente negava as principais concepções
ocidentais que o processo de tentativa de colonização do espírito buscava impor.
Não raramente a inconstância da alma selvagem336 se manifestava dentro das
reduções, com inúmeros relatos de fugas e levantes contra a colonização cristã337, incluindo

332 MELIÀ, Bartomeu. El Guaraní conquistado y reducido: Ensayos de etnohistoria. 4 ed. Biblioteca Paraguaya de
antropología. v. 5. Asunción: CEADUC, 1997. p. 230.
333 MAEDER, Ernesto Joaquín. Misiones del Paraguay: Conflicto y disolución de la Sociedad Guaraní (1768-1850).
Madrid: Editorial Mapfre, 1992.
334 KARAI TATAENDY, Xeramõi Timoteo Oliveira (Tekoa Itanhaen, Biguaçu/SC). Jurua Kuery Ova - A Chegada
Dos Jurua. In: RAMO Y AFFONSO, Ana Maria; PESQUISADORES GUARANI de Aldeias de Santa Catarina e
Paraná. Guata Porã - Belo Caminhar. São Paulo: Centro De Trabalho Indigenista/Comissão Guarani Yvyrupa, 2015.
p. 38-45. p. 41.
335 MELIÀ, Bartomeu. El Guaraní conquistado y reducido: Ensayos de etnohistoria. 4 ed. Biblioteca Paraguaya de
antropología. v. 5. Asunción: CEADUC, 1997. p. 182.
336 VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. O mármore e a murta: sobre a inconstância da alma selvagem. In: VIVEIROS
DE CASTRO, Eduardo (Org.). A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo: Cosac
& Naify, 2002. p. 183-264.
337 WILDE, Guillermo. Religión y poder en las misiones Guaraníes. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: SB, 2016.
p. 117.
COLONIZAÇÃO IBÉRICA SOBRE TERRITÓRIOS GUARANI | 111
Trinta povos das missões

a profana apropriação e reinterpretação dos símbolos sagrados adorados pelos jesuítas. Ao


tempo que as reduções se constituíram como espaço de resistência, parte do povo Guarani
sistematicamente negava a vida dentro de espaços cercados, reduzidos. Identificados como
monteses338 ou kainguá339, resistiam às forças coloniais através da fuga para os montes, para
as florestas que estavam em regiões ainda não colonizadas.

338 SUSNIK, Branislava. El rol de los indígenas en la formación y en la vivencia del Paraguay. 3 ed. Asunción:
Intercontinental Editora, 2017. p. 69.
339 MELIÀ, Bartomeu. O Guarani: uma bibliografia etnológica. Santo Ângelo: Fundação Missioneira de Ensino Superior,
1987. p. 354.
Estados nacionais e avanço
da fronteira agrícola
ESTADOS NACIONAIS E AVANÇO DA FRONTEIRA AGRÍCOLA | 115
Independência e revolução no Paraguai

INDEPENDÊNCIA E REVOLUÇÃO NO PARAGUAI

As reduções Guarani do período missioneiro, do início do século XVII até mea-


dos do século XVIII, constituíram um espaço com relativa autonomia formal dentro do
contexto colonial na Bacia do Prata340. Ainda que sua fundação necessitasse de autoriza-
ção dos governos coloniais, sua autonomia material se fundava numa cultura produtiva
autonômica e autossuficiente que eram relevantes características do povo Guarani. Antes
formalmente exercida pelos integrantes da Companhia de Jesus, a condução do distrito
missioneiro viria a ser objeto de disputa na região após a expulsão jesuíta. Com vácuo
deixado pela sua saída da região, assim como a derrocada do exército reducional, estava
aberto o caminho para a intrusão civil e de outras ordens eclesiásticas nas reduções, para
assumir sua administração.
Com a criação do vice-reinado do Rio da Prata em 1776, a coroa espanhola
reorganizava seus poderes políticos sobre a região que compreendia aproximadamente
os atuais territórios nacionais de Argentina, Paraguai e Uruguai341, com sede em Buenos
Aires, além de governos e províncias regionais. Seu objetivo era declaradamente o de
reforçar um núcleo de poder hispânico na região estratégica por estar às portas da Bacia
do Prata, para fazer frente às investidas lusitanas. Juntamente com a criação do vice-rei-
nado, foi introduzida uma nova instância administrativa na colônia, a intendência. Este
órgão seria responsável pela administração das províncias, o que se materializaria sobre o
território reducional após poucos anos.
Em 1777, foi firmado entre as coroas espanhola e portuguesa o Tratado de Santo
Idelfonso342, um outro tratado de limites que alterava o que havia sido pactuado em 1750
em Madri, tendo como alteração principal a o domínio hispânico sobre os Sete Povos das
Missões, além da remoção do marco inicial dos domínios portugueses em Chuí, mais ao
norte de Castillos Grande. Em meio aos conflitos pela demarcação dos limites do tratado,
que não viria a se materializar na forma que havia sido pactuado, e entre idas e vindas na
disputa pelos poderes políticos e eclesiásticos entre Assunção e Buenos Aires, foi criada
em 1782 pela coroa espanhola a província de Misiones343.
A criação de uma nova província serviria para dubiamente pacificar a disputa pelo
governo civil do território das reduções e suas estâncias. Isso porque a província criada

340 MAEDER, Ernesto Joaquín. Misiones del Paraguay: Conflicto y disolución de la Sociedad Guaraní (1768-1850).
Madrid: Editorial Mapfre, 1992. p. 18
341 CAMPOS, Herib Caballero. El virreinato del Río de la Plata (1776-1810). In: TELESCA, Ignácio (coord.). Historia
del Paraguay. Asunción: Taurus, 2010. p. 135-147. p. 136
342 HOLANDA, Sérgio Buarque de et al. A época colonial: do descobrimento à expansão territorial. História Geral da
Civilização Brasileira.13. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. v. 1. p. 409.
343 MAEDER, Ernesto Joaquín; GUITIERREZ, Ramón. Atlas histórico del nordeste argentino. Resistência: IIGHI,
1995. p. 57.
116 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

deveria contar com um governo próprio, todavia formado por duas intendências, uma
assunsenha e outra portenha. A segunda intendência, de Buenos Aires, viria a se mostrar
predominante por sua já destacada posição econômica e política como sub-metrópole na
Bacia do Prata, tendo maior prevalência na administração de Misiones. Suas principais
tarefas seriam a de manter a arrecadação de tributos na região344 e a de reconstruir um
exército para fazer frente às potenciais investidas lusitanas. O intento não funcionou e
o distrito que antes trazia benefícios à coroa espanhola por sua contribuição tributária
e militar, torna-se um peso ante o progressivo processo de despovoamento na segunda
metade do século XVIII.

Figura 17: Comparativo de concentrações demográficas345


meados do século XVIII final do século XVIII

A comparação das densidades demográficas entre meados do século XVIII e em


seu período final demonstra a dissipação na região reducional, assim como a expansão das
fronteiras coloniais ao norte e oeste dos Trinta Povos das Missões, ao tempo que indica
também um esvaziamento das reduções. Tal esvaziamento se deu ainda que movimen-
tos migratórios crioulos, hispânicos e lusitanos tenham se direcionado para a região.
Para além das fronteiras populacionais acima indicadas, estavam os povos que negavam a

344 WHITE, Richard Alan. La primera revolución popular en América: Paraguay, 1810-1840. 1 ed. Buenos Aires:
Punto de Encuentro, 2014. p. 183.
345 MAEDER, Ernesto Joaquín. Misiones del Paraguay: Construcción jesuítica de una sociedad cristiano Guaraní
(1610-1768). Resistencia: ConTexto Libros, 2013. p. 245.
ESTADOS NACIONAIS E AVANÇO DA FRONTEIRA AGRÍCOLA | 117
Independência e revolução no Paraguai

colonização, invisibilizados nos mapas e na maior parte das fontes consultadas neste e em
outros períodos346. A maioria dos povos reducionais não saiu das fronteiras do ocidente
para buscar refúgio junto à floresta e aos Guarani que viviam fora das linhas coloniais347.
Acostumados com a vida na urbe, o caminho por eles percorrido foi aquele que já havia
sido traçado por alguns de seus antepassados e contemporâneos que não viviam nas redu-
ções, o do convívio e gradual miscigenação com as sociedades coloniais.
Paralelamente à população das reduções, e durante todo o seu período de existên-
cia sob a aliança com os jesuítas, grupos e parcialidades Guarani se negavam a manter tais
contatos e buscavam se distanciar dos locais em que a grupos ibéricos e crioulos haviam
se estabelecido, procurando refúgio nos espaços em que a linha do ocidente não havia
alcançado. De maneira oposta, outros grupos e parcialidades se mantiveram em contato
direto com os contextos coloniais348, por viverem no táva que haviam sido constituídos
no entorno de Assunção e dos demais núcleos coloniais hispânicos. O aporte da cultura
Guarani já se fazia presente a partir destes contatos com a miscigenação e criação de uma
sociedade crioula, aporte este que foi potencializado pelo fim da aliança com os jesuítas e
a migração dos Guarani das reduções para outras regiões de contato inter-étnico. Assim,
elementos da cultura Guarani se enraizaram nas identidades forjadas na colonização
ibérica da Bacia do Prata, principalmente na identidade nacional paraguaia, que nascia
no final do século XVIII349.
Em meio a um cenário de explosão demográfica paraguaia na segunda metade do
século XVIII, o que levava à expansão das fronteiras coloniais350, o contingente Guarani
das reduções se esvaía. Uma das causas diretas é seu acentuado declínio econômico. Em
substituição ao modo de produção das reduções, fundamentado na agrobiodiversidade
Guarani, foi gradualmente implementado na região domínios individuais sobre as terras
através de mercês coloniais. Estas seriam concessões de terras tidas como públicas, cuja
doação a particulares acarretaria em uma inicial concentração fundiária em benefício de
uma pequena elite assunsenha e portenha351. Em tais terras esta elite exploraria a extração
da erva mate e a cultura do tabaco, ambos visando a exportação para mercados europeus.

346 TELESCA, Ignacio. Tras los expulsos: Cambios demográficos y territoriales en el Paraguay después de la expulsión
de los jesuitas. Asunción: Centro de Estudios Antropológicos de la Universidad Católica, 2009. p. 215.
347 MELIÀ, Bartomeu. Los pueblos indígenas: una colonização ininterrumpida. In: MELIÀ, Bartomeu (coord.). Otras
historias de la independencia. Asunción: Santillana, 2011. p. 85.
348 SUSNIK, Branislava. El rol de los indígenas en la formación y en la vivencia del Paraguay. 3 ed. Asunción:
Intercontinental Editora, 2017. p. 286.
349 MELIÀ, Bartomeu. Los pueblos indígenas: una colonização ininterrumpida. In: MELIÀ, Bartomeu (coord.). Otras
historias de la independencia. Asunción: Santillana, 2011. p. 81.
350 CAMPOS, Herib Caballero. El virreinato del Río de la Plata (1776-1810). In: TELESCA, Ignácio (Coord.). Historia
del Paraguay. Asunción: Taurus, 2010. p. 135-147. p. 145.
351 TELESCA, Ignacio. Tras los expulsos: Cambios demográficos y territoriales en el Paraguay después de la expulsión
de los jesuitas. Asunción: Centro de Estudios Antropológicos de la Universidad Católica, 2009. p. 253.
118 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

Assim, o pujante e então equilibrado cenário econômico das reduções foi sendo subs-
tituído pelo simples extrativismo e monocultura, em um cenário que replicava o modo
de produção colonial e que trazia conflitos socioambientais para a região. Como conse-
quência deste processo, no final do século XVIII havia escassez de alimentos no distrito
de Misiones352.
Este processo de avanço colonial sobre os territórios reducionais era fundamentado
em um peculiar conceito de liberdade. Nos mesmos moldes da liberdade apregoada para os
povos nativos pelos portugueses da costa atlântica353, que se materializava pelo abandono
de suas terras para a aglomeração em aldeamentos e disponibilização do seu trabalho como
mão de obra assalariada, houve um processo de “libertação” dos povos reducionais de suas
terras. Por decreto de 18 de fevereiro de 1800354, eram libertos do uso comunal de suas
terras grupos Guarani de 28 povoados remanescentes das reduções. Assim se reconhecia
o repartimento individual de terras antes utilizadas como espaço de trabalho coletivo,
com o seu desmembramento em lotes individuais que poderiam ser negociados e ter o
seu domínio cedido a terceiros.
No início do século XIX fatos ocorridos no centro da América e no além-mar
viriam a alterar as estruturas sociopolíticas na América. As sementes independentistas
do processo revolucionário haitiano germinavam e a belicosidade de guerras na Europa,
principalmente envolvendo Portugal, Espanha, França e Inglaterra em seus estágios ini-
ciais, viriam a influenciar os rumos da colonização no cone sul do “novo” mundo355. A
ascensão napoleônica na França e a dupla abdicação forçada de Fernando VII e seu pai
Carlos IV à coroa espanhola em maio de 1808 causaram uma situação que deixaria três
opções às colônias hispânicas na América: a lealdade à coroa derrubada, a lealdade ao
franco poder que pretendia substituí-la ou a insurreição. Na metrópole, a resistência em
aceitar a imposição de um monarca francês ocupando sua coroa se institucionalizou em
juntas locais, em que a resistência à interferência francesa seria exercida por núcleos de
governo regionais, que eram criados e exercidos em fidelidade e em nome da coroa deposta.
Os poderes coloniais de Buenos Aires e Assunção inicialmente reconheceram a
autoridade de um destes núcleos que tinha sua sede em Sevilha, a Junta Suprema de España
e Índias356. Com a caída deste órgão de resistência na metrópole e sua substituição por

352 WHITE, Richard Alan. La primera revolución popular en América: Paraguay, 1810-1840. Buenos Aires: Punto
de Encuentro, 2014. p. 48.
353 ALENCASTRO, Luiz Felipe. O trato dos viventes. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 119.
354 SUSNIK, Branislava; CHASE-SARDI, Miguel. Los índios del Paraguay. Madrid: Editorial Mapfre, 1995. p. 214.
355 ARECES, Nidia. De la Independencia a la Guerra de la Triple Alizanza (1811-1870). In: TELESCA, Ignácio (coord.).
Historia del Paraguay. Asunción: Taurus, 2010. p. 149-197. p. 145.
356 WHITE, Richard Alan. La primera revolución popular en América: Paraguay, 1810-1840. Buenos Aires: Punto
de Encuentro, 2014. p. 54.
ESTADOS NACIONAIS E AVANÇO DA FRONTEIRA AGRÍCOLA | 119
Independência e revolução no Paraguai

outro congênere que não contava com o reconhecimento das províncias rio-platenses, foi
deposto o vice-rei do Rio da Prata em Buenos Aires que havia sido por ela nomeado. A
então junta local de Buenos Aires, se declarando fiel à coroa espanhola deposta ao mesmo
tempo que pretendia manter sua condição de prevalência econômica e política na Bacia
do Prata, envia uma circular para todas as províncias que a ela estavam vinculadas. Seu
conteúdo dizia que a estrutura provincial do vice-reinado seria mantida, e que o poder
político regional continuaria sendo concentrado em Buenos Aires.
A resposta assunsenha viria em julho de 1810, com a definição em assembleia
pela criação de um Conselho Supremo de Regência local, que deveria servir de órgão de
governo fiel à coroa deposta até que a indefinição acerca da ocupação da coroa espanhola
persistisse. Em relação ao poder político que os portenhos pretendiam continuar exercendo
sobre a província, o Conselho Supremo de Regência de Assunção definiu que ele guardaria
“harmonía e fraternal amistad con la junta de Buenos Aires, sin reconocerle superioridad”357.
Ao mesmo tempo, definiu-se a criação de uma junta de guerra que pudesse fazer frente às
ameaças que o período de instabilidade política poderia acarretar, assim como a constante
ameaça portuguesa. Esta, por sua vez, tinha ficado mais intimidatória com a transferência
da corte de Lisboa para o Rio de Janeiro em 1808, em fuga do exército napoleônico e sob
proteção e interesse inglês358.
Assim como em Buenos Aires, em que a junta governativa local fazia juras de
lealdade à coroa deposta ao mesmo tempo que não reconhecia a autoridade de outras
juntas espanholas, as aspirações de poder local prevaleceram em Assunção. Enquanto
na cidade portenha era destituído o vice-rei, uma assembleia assunsenha dominada por
realistas deliberou por uma postura autônoma, mas adotando um comedido discurso de
fidelidade à coroa deposta. As vozes dissonantes seriam invocadas por José Gaspar Rodrí-
guez de Francia, um intelectual crioulo que, desde os primeiros momentos da assembleia,
apresentava ao colegiado assunsenho as aspirações independentistas que já circulavam na
Bacia do Prata e em boa parte das colônias espanholas na América.
Embora o resultado formal da assembleia seja a declarada fidelidade à coroa
espanhola deposta, o não reconhecimento da pretensa autoridade política portenha acar-
retaria numa represália imediata que partiria da sede do vice-reinado que ruía na Bacia
do Prata359. Em setembro de 1810 a junta local de Buenos Aires determinou o bloqueio
fluvial à província do Paraguai, assim como o envio de uma tropa comandada por Manuel
Belgrano, para garantir que Assunção e por consequência a província do Paraguai fossem

357 POMER, León. La Guerra del Paraguay: estado, política y negocios. Ediciones Colihue SRL, 1968. p. 33.
358 HOLANDA, Sérgio Buarque de et al. O Brasil monárquico: o processo de emancipação. História Geral da Civilizacao
Brasileira. 9. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. t. II. v. 3. p. 80.
359 MAESTRI, Mário. Paraguay, la republica campesina: 1810-1865. Asunción: Intercontinental Editora, 2016. p. 72.
120 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

submetidos politicamente à junta de governo de Buenos Aires. As ordens expressas e


públicas eram de execução das lideranças políticas e eclesiásticas assunsenhas que por
ventura apresentassem qualquer tipo de resistência360.
Após alguns conflitos com prevalência das forças de Buenos Aires em janeiro
de 1811, a correlação de forças militares se alteraria de modo que a derrota portenha
definitiva se aproximava pela ampla adesão crioula às causas independentistas no Para-
guai361. Em ambos os lados do conflito estavam grupos Guarani362. Acompanhando as
tropas portenhas estavam grupos dos povoados reducionais, que haviam realizado pactos
militares com a junta de governo de Buenos Aires em nome de uma autonomia territorial
do espaço reducional. Do lado assunsenho estavam grupos Guarani que se encontravam
que viviam nos táva e que acompanhavam os combatentes crioulos em apoio às posturas
autonomistas que a província vinha adotando.
Após a batalha de Tacuarí, ocorrida em março de 1811 e vencida pelo exército
paraguaio em meio a um amplo canal de comunicação entre os dois exércitos, houve um
pacto entre os oficiais. A intensa correspondência entre os dois lados do conflito, cujos
efetivos militares haviam servido em conjunto em campanhas anteriores em defesa dos
interesses do vice-reinado, permitiu a realização de um acordo que possibilitou o retorno
das tropas portenhas derrotadas à Buenos Aires e a liberação para a navegação assunsenha
pelos caminhos fluviais da Bacia do Prata.
Ainda que aparentemente o Paraguai se encontrasse em fidelidade à coroa espa-
nhola deposta, o resultado imediato os conflitos com a sub-metrópole de Buenos Aires foi
o de que, pela primeira vez em sua história, a província paraguaia se via livre de quaisquer
autoridades coloniais. Assim, o caminho seria a possibilidade da província definir autono-
mamente qual seria sua posição em meio aos conflitos generalizados, que o vácuo de poder
real espanhol havia causado363. A definição de quais seriam suas posições dependeria por
sua vez dos resultados de seus conflitos internos, em que diferentes grupos disputavam
os caminhos que o nascituro estado nacional seguiria.
O caminho que o poder instituído em Assunção tomou não foi o da autono-
mia, mas sim o de solicitar apoio à coroa portuguesa que havia se trasladado ao Brasil364.
Integrante da corte lusitana, Carlota Joaquina pleiteava ocupar a coroa espanhola por
ser filha e irmã dos monarcas depostos por Napoleão Bonaparte. A aceitação do apoio

360 CHAVES, Julio Cesar. El supremo dictador: Biografía de José Gaspar de Francia. Madrid: Ediciones Atlas, 1964. p. 97.
361 WHITE, Richard Alan. La primera revolución popular en América: Paraguay, 1810-1840. Buenos Aires: Punto
de Encuentro, 2014. p. 48.
362 SUSNIK, Branislava; CHASE-SARDI, Miguel. Los índios del Paraguay. Madrid: Editorial Mapfre, 1995. p. 218.
363 COONEY, Jerry. El proceso de la Independencia del Paraguay. Asunción: Intercontinental Editora, 2012. p. 79.
364 WHITE, Richard Alan. La primera revolución popular en América: Paraguay, 1810-1840. Buenos Aires: Punto
de Encuentro, 2014. p. 63.
ESTADOS NACIONAIS E AVANÇO DA FRONTEIRA AGRÍCOLA | 121
Independência e revolução no Paraguai

português manifestada em maio de 1811 por um emissário lusitano em Assunção serviu


para apressar os planos de milicianos independentistas crioulos que, na noite posterior
das notícias de aliança com a coroa portuguesa, se aquartelaram sob a liderança de Pedro
Juan Caballero e depuseram o governo local na manhã do dia 15 de maio365.
Com a deposição do governo da província, cria-se uma junta governativa com-
posta por três membros. Ainda que o governo tenha sido deposto, o então governante
Bernardo de Velasco continuaria a figurar politicamente, pois integrou a nova junta gover-
nativa ao lado de José Gaspar Rodríguez de Francia e Juan Valeriano Zeballos366. Poucos
dias após a composição desta junta foi descoberta uma conspiração contrarrevolucionária
levada a cabo por Bernardo de Velasco em conluio com o emissário português que ainda
estava em Assunção. Destituído e preso, a junta governativa permaneceria somente com
os dois demais membros e concentrava todos os poderes de governo, até que em 17 de
junho se iniciava uma assembleia composta por aproximadamente 350 pessoas.
A deliberação do encontro encerrado em 23 de junho de 1811 foi a formação
de uma nova junta governativa que teria duração de dois anos, composta por cinco mem-
bros. Ela foi integrada por Fulgencio Yegros como presidente; José Gaspar Rodríguez de
Francia, Pedro Juan Caballero e Jan Francisco Xavier Bogarín como vogais, e; Fernando
de la Mora como vogal secretário367. Ainda em um ambiente de instabilidade política, em
que as correlações de forças disputavam os sentidos e caminhos do processo independen-
tista, eles tinham apoio político e popular suficientes para conduzir o processo político
vindouro, com características de rechaço do poder estrangeiro ainda que as pressões no
sentido oposto fossem constantes.
Em um cenário em que crescia a força política e apoio popular de José Gaspar
Rodríguez de Francia, é realizado novo congresso em junho de 1813, em que aproxima-
damente mil delegados participavam e davam alguma representatividade e legitimidade
ao encontro368. As exigências eram as de que os representantes populares da assembleia
fossem nascidos na terra, eleitos em processo eleitoral precedente em sistema de pro-
porcionalidade em que, patriarcalmente, todos os homens com idade acima dos 20 anos
podiam ser eleitores e candidatos, sem distinções de patrimônio, renda, escolaridade ou
alfabetização. Assim, participaram do congresso pequenos, médios e grandes agricultores
e estancieiros, comerciantes, alcades, militares, eclesiásticos etc.
O resultado deste processo culmina com a declaração final da assembleia, de

365 COONEY, Jerry. El proceso de la Independencia del Paraguay. Asunción: Intercontinental Editora, 2012. p. 110.
366 ARECES, Nidia. De la Independencia a la Guerra de la Triple Alizanza (1811-1870). In: TELESCA, Ignácio (coord.).
Historia del Paraguay. Asunción: Taurus, 2010. p. 149-197. p. 151.
367 ARECES, Nidia. De la Independencia a la Guerra de la Triple Alizanza (1811-1870). In: TELESCA, Ignácio (coord.).
Historia del Paraguay. Asunción: Taurus, 2010. p. 149-197. p. 153.
368 COONEY, Jerry. El proceso de la Independencia del Paraguay. Asunción: Intercontinental Editora, 2012. p. 247.
122 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

12 de outubro de 1813369. Nela há a decisão de que o Paraguai se constituiria como


república e que seu governo seria exercido conjuntamente por dois cônsules: Fulgencio
Yegros e José Gaspar Rodríguez de Francia. Ainda que formalmente os dois cônsules
se alternassem quadrimestralmente na chefia do governo370, José Gaspar Rodríguez de
Francia concentrava permanentemente as funções de governo371, enquanto o militar
Yegros acompanhava de maneira mais próxima as movimentações nos quartéis e buscava
o fortalecimento militar paraguaio, buscando construir e manter a força necessária para
a sustentação da república que nascia. Buscando ter o controle do poder que se instituía,
os primeiros atos do consulado foram o de remover os espanhóis e espanholistas presentes
nos cargos e funções da administração pública372, assim como gradualmente diminuir a
comunicação comercial e fluxo de pessoas com outros países.
Em setembro do ano seguinte, 1814, iniciam-se os preparativos para o congresso
anual assunsenho. É fixado o mesmo número de mil congressistas, nas mesmas condições
do ano anterior e com uma única ressalva: não seria permitida a participação eclesiástica
como eleitores e eleitos373. Tal vedação partia do sucesso de uma articulação realizada
por José Gaspar Rodríguez de Francia, que buscava blindar a assembleia das influências
monárquicas e espanholas que o poder eclesiástico inseria nas discussões e deliberações,
utilizando para tanto a sua influência espiritual sobre os que proclamavam a fé cristã.
Na composição da assembleia instalada em 30 de outubro de 1814 havia o amplo
predomínio de classes rurais, camponesas. O amplo apoio que José Gaspar Rodríguez de
Francia tinha nestas classes foram suficientes para que ele fosse eleito como presidente
da assembleia, com 90% dos votos374. Em seguida foi deliberado que estava dissolvido o
consulado bipartite, sendo eleito José Gaspar Rodríguez de Francia como único gover-
nante da república pelo período de 5 anos. A definição da modalidade de governo seria
ato subsequente da assembleia, sendo deliberado que o governante exerceria suas funções
como supremo ditador.
O amplo respaldo popular que José Gaspar Rodríguez de Francia possuía foi
elemento determinante para que se aprofundassem algumas medidas que o consulado

369 PARAGUAY. Acta del Congreso General en el cual se designa a Fulgencio Yegros y José Gaspar Rodríguez de Francia
cónsules de la República. 12 de octubre de 1813. In: Francia: 1762-1817. Comenarios de Guido Rodríguez Alcalá,
Margarita Durán Estragó, Martín Romano García. Edición comentada, aumentada y corregida. Asunción: Tiempo de
História, 2009. p. 260-263.
370 COONEY, Jerry. El proceso de la Independencia del Paraguay. Asunción: Intercontinental Editora, 2012. p. 271.
371 WHITE, Richard Alan. La primera revolución popular en América: Paraguay, 1810-1840. Buenos Aires: Punto
de Encuentro, 2014. p. 90.
372 COONEY, Jerry. El proceso de la Independencia del Paraguay. Asunción: Intercontinental Editora, 2012. 272.
373 COONEY, Jerry. El proceso de la Independencia del Paraguay. Asunción: Intercontinental Editora, 2012. p. 286.
374 PARAGUAY. Acta del Congreso General anual de la província, en el que José Gaspar Rodríguez de Francia es electo
Dictador Sumpremo de la República. 3 de octubre de 1814. In: Francia: 1762-1817. Comenarios de Guido Rodríguez
Alcalá, Margarita Durán Estragó, Martín Romano García. Edición comentada, aumentada y corregida. Asunción: Tiempo
de História, 2009. p. 314-316.
ESTADOS NACIONAIS E AVANÇO DA FRONTEIRA AGRÍCOLA | 123
Independência e revolução no Paraguai

bipartite havia iniciado375. Depois de ter esvaziado o poder de influência estrangeira nos
rumos do país, o supremo ditador voltaria sua atenção para minar o dirigismo das elites
crioulas assunsenhas, que buscavam interceder na gestão pública para a manutenção de
suas privilegiadas posições econômicas e políticas. Desta maneira, inicia-se uma série de
medidas como a tributação de heranças e designação de juízes e altos funcionários públicos
vindos de meios populares, além de maior fechamento das fronteiras.
Ao invés de aguardar o congresso nacional que estaria previsto para 1819, o
poder francista, fortemente apoiado pelas classes populares, se antecipa e convoca uma
nova assembleia para 1816376. Com unanimidade entre os congressistas e sem maiores
discussões, José Gaspar Rodríguez de Francia era declarado supremo ditador perpétuo
da república paraguaia.
Considerando que ele nunca havia integrado os tradicionais grupos de poder, não
representava famílias provinciais tradicionais ou classes favorecidas, sua ascensão política
foi meteórica. Ela se justificaria por sua extrema capacidade política, além de uma raríssima
compreensão da mentalidade e aspirações que estavam impregnados ancestralmente no
povo paraguaio377, com importantes aportes Guarani. O receio popular da dominação
externa, seja ela vinda dos estrangeiros espanhóis ou portugueses, da elite mercantil crioula
e hispânica local, ou da sub-metrópole portenha, davam ao supremo ditador perpétuo o
suporte necessário para a implementação das medidas que preservariam o estado nacional
que nascia.
Com aspirações e práticas autonomistas e comunais, o governo de José Gaspar
Rodríguez de Francia se pautou no princípio de que os bens particulares deveriam ceder
aos bens comuns, coletivos e públicos378. Tais práticas viriam a se estender na região por
meio século, em que o Paraguai se portava com o controle estatal sobre a economia interna
e externa, exercendo rígido controle sobre as importações e exportações. A intervenção
sobre a economia se materializou inicialmente em um amplo apoio ao campesinato, com
fomento à produção agrícola e distribuição de terras, com adoção de medidas de defesa da
economia popular que viriam a evitar crises de abastecimento de alimentos. Com sobe-
rania alimentar garantida e buscando superar definitivamente a monocultura extrativa
da erva mate, na década de 1830 o governo inicia uma política de reduções de tributos e

375 WHITE, Richard Alan. La primera revolución popular en América: Paraguay, 1810-1840. Buenos Aires: Punto
de Encuentro, 2014. p. 112.
376 ARECES, Nidia. De la Independencia a la Guerra de la Triple Alizanza (1811-1870). In: TELESCA, Ignácio (coord.).
Historia del Paraguay. Asunción: Taurus, 2010. p. 149-197. p. 157.
377 COONEY, Jerry. El proceso de la Independencia del Paraguay. Asunción: Intercontinental Editora, 2012. p. 306.
378 ARECES, Nidia. De la Independencia a la Guerra de la Triple Alizanza (1811-1870). In: TELESCA, Ignácio (coord.).
Historia del Paraguay. Asunción: Taurus, 2010. p. 149-197. p. 169.
124 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

de incentivo à diversificação de atividades econômicas379.


Com a consolidação da república, o governo interferiu na estrutura agrária do
país . A secularização do Estado seria acompanhada pela estatização dos bens da igreja.
380

Em relação às propriedades privadas individuais, somente seriam consideradas válidas


aquelas cujos proprietários demonstrassem a lisura e regularidade de sua aquisição. Defi-
nido um prazo para que tal demonstração fosse realizada, todas as terras em que não
houvesse consolidada a regular propriedade privada individual seriam consideradas como
terras públicas. O governo então inicia uma reforma agrária concedendo direitos de uso
sobre tais terras para finalidades produtivas, exercendo em empreito próprio a grande
criação bovina para garantir o abastecimento de proteínas e fornecimento de couro para
o mercado interno.
A política do estado nacional paraguaio para com os povos nativos foi de tolerân-
cia passiva381 aos que estivessem dentro dos limites da província, mas não viviam dentro
das áreas já colonizadas. Enquanto os nativos que viviam fora das áreas coloniais teriam
resguardadas seus territórios das concessões de uso produtivo, não sendo a política estatal
a de avanço e colonização sobre elas. Todavia, para os que estivessem em contato com
sociedade nacional a política assimilacionista era declaradamente utilizada.
O tratamento institucional dispensado ao povo Guarani era dúbio e variava de
acordo com os contextos regionais locais em que eles estivessem estabelecidos. Em alguns
pontos eles recebiam tratamento diferenciado dos demais povos nativos382, considerando
sua enorme influência na formação da sociedade crioula que se forjava como paraguaia.
Assim, tinham a liberdade de estabelecer relações com estrangeiros vindos do Brasil na
região sul da foz do Rio Iguaçu383, o que configurava uma regalia ante à clausura das fron-
teiras. No que se refere aos povos dos povoados remanescentes das reduções, cuja ocupação
territorial estava na hispânica província de Misiones, a relação do estado paraguaio foi
de guerra e perseguição384.
Aliançados com a insurgência independentista da banda oriental do Rio Uruguai,
lutaram sob o comando de José Gervasio Artigas pela independência da província de
Misiones. Por uma articulação realizada por seu sobrinho, Andrés Guazurarí, o Guarani
que é mais conhecido nas fontes como Andresito, a insurgência de Montevideo contaria

379 ARECES, Nidia. De la Independencia a la Guerra de la Triple Alizanza (1811-1870). In: TELESCA, Ignácio (coord.).
Historia del Paraguay. Asunción: Taurus, 2010. p. 149-197. p. 169.
380 PASTORE, Carlos. La lucha por la tierra en Paraguay. Asunción: Intercontinental, 2013. p. 117.
381 MELIÀ, Bartomeu. Los pueblos indígenas: una colonização ininterrumpida. In: MELIÀ, Bartomeu (Coord.). Otras
historias de la independencia. Asunción: Santillana, 2011. p. 90.
382 MELIÀ, Bartomeu. Los pueblos indígenas: una colonização ininterrumpida. In: MELIÀ, Bartomeu (Coord.). Otras
historias de la independencia. Asunción: Santillana, 2011. p. 91.
383 SUSNIK, Branislava; CHASE-SARDI, Miguel. Los índios del Paraguay. Madrid: Editorial Mapfre, 1995. p. 223.
384 SUSNIK, Branislava; CHASE-SARDI, Miguel. Los índios del Paraguay. Madrid: Editorial Mapfre, 1995. p. 221.
ESTADOS NACIONAIS E AVANÇO DA FRONTEIRA AGRÍCOLA | 125
Independência e revolução no Paraguai

com um efetivo de 3.000 Guarani dos povoados remanescentes das reduções385, sob a
promessa de apoio para a independência Guarani missioneira. Em 1812, com a ocupação
dos fortes paraguaios da costa esquerda do Rio Paraná pelo efetivo Guarani sob o comando
de Andresito, a debandada das forças paraguaias se impôs e consolidou domínio no outro
lado do rio. Ali, a reiterada determinação de José Gaspar Rodríguez de Francia era a de
expulsão de toda e qualquer pessoa que fosse portenha ou Guarani missioneira.
Com a morte de José Gaspar Rodríguez de Francia em 20 de setembro de 1840386,
após uma breve crise sucessória e de pequena instabilidade política ante o novo vácuo
de poder, uma assembleia realizada em 1841 define a constituição de uma nova junta
provisória de governo, em que um segundo consulado seria composto por Carlos Anto-
nio López e Mariano Roque Alonso. Três anos depois, 14 de março de 1844, uma nova
assembleia dissolve o governo consular e elege como presidente Carlos Antonio López,
além de aprovar a primeira carta constitucional paraguaia.
O país, então com uma consolidada economia camponesa teria sobre as quase
duas décadas de governo de Carlos Antonio López algumas relevantes alterações eco-
nômicas e sociais, em um período de amplo desenvolvimento progressista. Se apoiando
nas bases econômicas e sociais construídas durante o governo de José Gaspar Rodríguez
de Francia, o Paraguai seria um lugar em que um desenvolvimento nacional autônomo
teria lugar, sem a dependência de metrópoles coloniais ou financeiras387. Com a aber-
tura dos portos e a permissão de algumas margens importações e exportações realizada
por particulares, ainda havia o controle estatal da economia, que era alavancada por um
pioneirismo industrial na América do Sul. No Paraguai foi criada a primeira fundição
de ferro da América do Sul, além de linhas de comunicação por telégrafos e ferrovias. O
estado nacional que nascera sob a condução isolacionista de José Gaspar Rodríguez de
Francia tinha então as bases econômicas suficientes para experimentar, sob a liderança
de Carlos Antonio López, uma pioneira condição de bem-estar social e econômico, de
maneira autônoma e inédita na América.
Um dos eixos principais do governo de Carlos Antonio López era a questão
agrária , com a expansão das estâncias estatais de pecuária e proibição de propriedade
388

de terras por estrangeiros. Em relação aos povos nativos, mantendo o que se mostrava

385 SUSNIK, Branislava; CHASE-SARDI, Miguel. Los índios del Paraguay. Madrid: Editorial Mapfre, 1995. p. 221.
386 MAESTRI, Mário. Paraguay, la republica campesina: 1810-1865. Asunción: Intercontinental Editora, 2016. p. 181.
387 ARECES, Nidia. De la Independencia a la Guerra de la Triple Alizanza (1811-1870). In: TELESCA, Ignácio (coord.).
Historia del Paraguay. Asunción: Taurus, 2010. p. 149-197. p. 169.
388 ARECES, Nidia. De la Independencia a la Guerra de la Triple Alizanza (1811-1870). In: TELESCA, Ignácio (coord.).
Historia del Paraguay. Asunción: Taurus, 2010. p. 149-197. p. 175.
126 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

como padrão desde o início da conquista portuguesa389 e espanhola390 na América, sua


preocupação foi com a liberdade dos povos. O conceito de liberdade que Carlos Antonio
López declaradamente assume no preâmbulo de sua norma agrária voltada aos povos nati-
vos391 é aquela liberdade consistente no desfazimento da proteção jurídica de suas terras
comunais, realizada por simples ato normativo do líder do estado nacional paraguaio.
Mas para que as terras fossem liberadas do senso coletivo que as territorializava,
era preciso aos olhos estatais interferir também na identidade de tais povos. O presidente
pretensamente transformava os povos nativos em cidadãos nacionais, expropriando suas
terras comunais e as concedendo em arrendamentos de lotes definidos e desmembrados392.
Desta maneira, os povoados Guarani que estavam há mais de dois séculos em contato
com a sociedade colonial ocupando terras comunais desde a segunda metade do século
XVI, teriam agravada a pressão colonizadora sobre seus territórios, assim como o uso de
tais terras pelos nativos era tributado393, seguindo a regra geral da nação.
Com a chancela do estado, a colonização sobre tais terras teria um impulso atra-
vés de pressões estatais. Tais territórios, que eram anteriormente vistos pela colônia e
inicialmente pela nação paraguaia como espaços reservados para a manutenção de modos
próprios de vida dos povos nativos em terras coletivas, foram incorporados por Carlos
Antonio López à “comunidade nacional”, tornando os povos que sobre eles exerciam
domínios “livres” da amarra que o grilhão da propriedade comunal impunha.
Aos nativos que estavam fora das linhas do ocidente, nos locais em que a coloniza-
ção não havia chegado ou se estabelecido, o tratamento dispensado pelo estado paraguaio
seria diverso. Considerando a atuação de ambos os governos, de José Gaspar Rodríguez de
Francia e Carlos Antonio López tinham como linha geral a consideração destes como sel-
vagens394, cuja situação de humanidade era desconsiderada e seus territórios considerados
terras vazias de domínio395. Em ambos os casos, dos povos que estavam em contato com
a sociedade nacional paraguaia ou daqueles que resistiam a ela permanecendo afastados
dos avanços das linhas do ocidente, havia um novo ator social cuja relação não muito
diferia das que se observaram naquelas estabelecidas com os poderes coloniais locais e

389 PERRONE-MOISÉS, Beatriz. Índios livres e índios escravos: os princípios da legislação indigenista do período colonial
(séculos XVI a XVIII). In: Cunha, Manuela Carneiro da (Org.). História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia
das Letras/FAPESP, 1992, p. 115-131. p. 116.
390 SUSNIK, Branislava. El rol de los indígenas en la formación y en la vivencia del Paraguay. 3. ed. Asunción:
Intercontinental Editora, 2017. p. 94.
391 PARAGUAI. Decreto Supremo del 7 de octubre de 1848. In: Digesto Normativo Sobre Pueblos Indígenas en el
Paraguay: Historia de la Legislación 1811-2003. Asunción: Corte Suprema de Justicia/Tierra Viva, 2003. p. 241-247.
392 SUSNIK, Branislava; CHASE-SARDI, Miguel. Los índios del Paraguay. Madrid: Editorial Mapfre, 1995. p. 235.
393 PASTORE, Carlos. La lucha por la tierra en Paraguay. Asunción: Intercontinental, 2013. p. 145.
394 MELIÀ, Bartomeu. Los pueblos indígenas: una colonização ininterrumpida. In: MELIÀ, Bartomeu (Coord.). Otras
historias de la independencia. Asunción: Santillana, 2011. p. 95.
395 SUSNIK, Branislava; CHASE-SARDI, Miguel. Los índios del Paraguay. Madrid: Editorial Mapfre, 1995. p. 247.
ESTADOS NACIONAIS E AVANÇO DA FRONTEIRA AGRÍCOLA | 127
Independência e revolução no Paraguai

metropolitanos. O estado nacional paraguaio, cujas estruturas econômicas e políticas


autônomas sem precedentes na América se sustentavam em caracteres psicossociais Gua-
rani decorrentes do aporte cultural deste povo na mestiçagem verificada na sociedade
nacional paraguaia, se tornava um novo ator. Sua relação para com o povo Guarani repetia
os padrões coloniais, pois se construiria baseada na constante e cada vez maior pressão
colonizadora sobre os povos e os territórios.
Ao fim do governo de Carlos Antonio López, com sua morte em 1862, o estado
nacional paraguaio apresentava dados que impressionavam não somente a América396,
considerados os padrões e índices ocidentais de desenvolvimento. Sob a tutela do estado, o
Paraguai era um país com plena soberania e segurança alimentar, sem desempregados, com
altíssimos índices de escolarização e alfabetização, com consolidadas indústrias têxteis e
siderúrgicas. Eram incipientes e promissoras as indústrias da construção civil e naval. Suas
exportações de erva mate, tabaco e fino algodão eram apreciadas como mercadorias de
requinte e boa qualidade no comércio internacional. Possuía um bem equipado exército,
que contava com amplo e bem treinado contingente.

GUERRA DA TRÍPLICE ALIANÇA

Nomeado em vida por Carlos Antonio López como presidente provisório em caso
de sua falta, em decorrência do óbito do presidente assume o poder seu filho Francisco
Solano López397, então chefe das forças armadas. Logo após, em 14 de março de 1857, o
presidente provisório seria eleito por aclamação como presidente pelo congresso. Tendo
herdado um país de crescente produtividade, seu governo teria como foco romper com
as últimas restrições do isolamento que vigoravam desde o período do governo de José
Gaspar Rodríguez de Francia398. Assim, entre a intensificação de relações diplomáticas
e de circulação de pessoas, o comércio internacional foi um dos eixos do governo de
Francisco Solano López.
América se constituiu como espaço da pura e simples extração de elementos
naturais, inicialmente madeira e metais, que eram transformados em mercadorias ao serem
extraídos da terra e enviados à Europa399. Em outros momentos, em especial a partir de
meados do século XVII, com a consolidação dos povoamentos europeus no continente e

396 ARECES, Nidia. De la Independencia a la Guerra de la Triple Alizanza (1811-1870). In: TELESCA, Ignácio (Coord.).
Historia del Paraguay. Asunción: Taurus, 2010. p. 149-197. p. 185.
397 COONEY, Jerry. El proceso de la Independencia del Paraguay. Asunción: Intercontinental Editora, 2012. p. 267.
398 ARECES, Nidia. De la Independencia a la Guerra de la Triple Alizanza (1811-1870). In: TELESCA, Ignácio (Coord.).
Historia del Paraguay. Asunción: Taurus, 2010. p. 149-197. p. 187.
399 PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo: Colônia. São Paulo: Brasiliense/Publifolha, 2000.
p. 20.
128 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

a expansão das áreas de domínio sobre os espaços colonizados, houve condições de explo-
ração de agricultura de maior escala. Em um processo de constante e gradual destruição e
substituição da natureza americana, as monoculturas se ampliavam e produziam especiarias
que eram levadas ao comércio internacional diretamente pelos poderes coloniais e/ou por
elites crioulas locais. Desta maneira se dava a produção em ampla escala de açúcar, café,
fumo, cacau e erva mate.
Quando do início do governo de Francisco Solano López, em 1862, o ambiente
internacional era de grande intensificação mercantil, com uma forte prevalência inglesa
decorrente da revolução industrial400. As alterações nos modos de produção do ocidente
eram extremas, com a substituição de economias camponesas e de formas artesanais de
manufatura por máquinas. Estas, por sua extrema potencialização produtiva, necessita-
vam de um número imensamente maior de insumos e matérias que não eram produzidos
em sua maior parte nos países industrializados, mas sim em locais de produção primária
espalhadas pelo mundo. Esta era a origem de constituição de uma engrenagem produtiva
que se ampliaria mundialmente.
Durante este processo de industrialização europeia, em torno de 1760 a 1840,
relevante parte dos locais de produção primária que abasteciam as indústrias europeias se
constituíam como colônias na América. Sob administração colonial direta, ou por elites
crioulas locais, elas exploravam a natureza e a transformavam em matéria prima a ser
exportada para alimentar a sanha produtiva do maquinário europeu, que os processava e
os transformava em produtos para alimentar seus mercados internos e externos. Tal modo
de produção criava fluxos econômicos401 que constituíam uma intrincada rede, em que
cada um de seus nós tinha uma função muito bem determinada.
O Paraguai não estava inserido nesta engrenagem produtiva de escala mundial,
considerando haver desde 1810 pouco mais de meio século de isolamento econômico e
de fechamento de fronteiras. Entretanto, seus vizinhos Argentina e Brasil estavam imersos
nesta rede produtiva402, cada um a seu modo. Na Argentina, a relação com os ingleses
se mostrava forte ao ponto de haver referências de que Buenos Aires seria a sede de um
império informal inglês na América Latina, que controlava sua economia e dinâmicas
sociais403. O Brasil, desde logo após a vinda da corte para o Rio de Janeiro, havia aberto
seus portos à Inglaterra, assim como se submetido ao capital inglês pelas decorrências da

400 CHIAVENATO, Julio José. Genocídio Americano: La guerra del Paraguay. Asunción: Carlos Schauman Editor,
2011. p. 90.
401 HOBSBAWN, Eric. Da revolução industrial ao imperialismo. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000. p. 34.
402 MOTA, Carlos Guilherme. História de um silêncio: a guerra contra o Paraguai (1864-1870) 130 anos depois. Estudos
Avançados, São Paulo, v. 9, n. 24, p. 243-254, 1995.
403 LENZ, Maria Heloisa. Crise e negociações externas na Argentina no final do século XIX: o início da insustentabilidade
do modelo aberto. Economia e Sociedade, [s.l.], v. 15, n. 2, p. 375-399, 2006. p. 58.
ESTADOS NACIONAIS E AVANÇO DA FRONTEIRA AGRÍCOLA | 129
Guerra da tróplice aliança

grave crise econômica decorrente da invasão napoleônica.


Neste sentido, havia firmado em 1810 um tratado de comércio e navegação, que
colocava a Inglaterra em situação de preeminência mercantil404, com abertura dos por-
tos para a exportação de matérias-primas a preços reduzidos e importação de produtos
industrializados ingleses. No Brasil, tal situação não se alteraria com a criação do Reino
Unido de Portugal, Brasil e Algarves, criado em 1815 para fundamentar a permanência da
corte lusitana na antiga colônia, e nem com a independência meramente formal de 1822.
A hegemonia inglesa nos mares, em especial no mar atlântico, era incontestá-
vel, com uma potente marinha formada para a defesa de seus interesses mercantis que
estavam potencializados em decorrência de sua industrialização405. Mais da metade da
frota mercantil mundial navegava sob sua bandeira, assim como durante o século XIX a
Inglaterra era a principal potência comercial e de onde emanava a imensa maior parte do
capital mundial, figurando como principal investidora e principal detentora de débitos
públicos na América Latina.
Em meados do século XIX, em meio a este contexto internacional de eferves-
cência capitalista industrial europeia e de mundialização das cadeias produtivas, as deli-
mitações e demarcações das fronteiras entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai era
um assunto pendente e que acarretava seguidos conflitos, que geralmente eram resolvi-
dos no âmbito diplomático após confrontos de pequena monta406. Conforme tais países
avançavam na resolução de suas disputas territoriais internas, em que diferentes distritos,
províncias ou regiões eram definitivamente anexadas aos territórios nacionais que se
consolidavam, necessário se mostrava a definição também das linhas e fronteiras inter-
nacionais de confrontação com os países vizinhos na Bacia do Prata. As condições de
ampla navegabilidade fluvial nos Rios Paraná e Paraguai tornava a região quase tão atrativa
quanto a costa atlântica aos olhos dos capitais internacionais.
A situação entre os nascentes estados nacionais rio-platenses era uma complexa
trama de alianças e disputas, que variavam de acordo com os caminhos e conflitos internos
de cada país407. Não reconhecendo a independência paraguaia, ainda com aspirações de
submeter a antiga província do vice-reinado do Rio da Prata à autoridade do estado nacio-
nal argentino, Buenos Aires impõe ao Paraguai em 1845 um bloqueio econômico e fluvial.

404 PANTALEÃO, Olga. Aspectos do comércio dos domínios portugueses no período de 1808 a 1821. Revista de
História, [s.l.], v. 20, n. 41, p. 91-104, 1960. p. 100.
405 BETHELL, Leslie. O imperialismo britânico e a Guerra do Paraguai. Estudos avançados, São Paulo, v. 9, n. 24, p.
269-285, 1995.
406 GRAHAM, Richard. O Brasil de meados do século XIX à guerra do Paraguai. In: BETEHLL, Leslie (Org.). História
da América Latina: Da independência a 1870. Tradução de Maria Clara Cescato. São Paulo: Editora da Universidade de
São Paulo, 2009. v. III. p. 771-825. p. 815.
407 MOTA, Carlos Guilherme. História de um silêncio: a guerra contra o Paraguai (1864-1870) 130 anos depois. Estudos
Avançados, São Paulo, v. 9, n. 24, p. 243-254, 1995.
130 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

Aproveitando sua estratégica localização e domínios sobre os portões do Mar do Prata,


esta situação permanece até o ano de 1852, oportunidade em que há uma alteração polí-
tica na Argentina que possibilita que os países firmem um tratado de navegação e limites.
De igual forma, as tensões entre Brasil e Paraguai também eram constantes e se
concentravam na província do Mato Grosso. O Brasil também mantinha situações de
indefinição fronteiriça em seu extremo sul, nas fronteiras com o Uruguai, região que já
havia sido palco da guerra guaranítica em virtude dos acertos e desacertos coloniais refe-
rentes à Colônia de Sacramento e que se mostrava intensamente conflitiva desde então.
O Uruguai, por sua vez, era em meados do século XIX um íntimo aliado do Paraguai
e qualquer ameaça aos portenhos poderia ser considerada como uma séria ameaça aos
interesses do Paraguai, pois desta união dependia a navegabilidade paraguaia na porção
uruguaia da Bacia do Prata408.
Os conflitos internos no Uruguai se tornavam agudos em 1863, oportunidade
em que o governo de Bernardo Prudencio Berro, aliado assunsenho, era deposto e em seu
lugar assumia o poder Atanasio Cruz Aguirre, com apoio brasileiro e argentino409. Com
uma guerra civil instalada, crescem as pressões brasileiras por indenizações aos prejuízos
de pecuaristas gaúchos que tinham tido grandes prejuízos decorrentes da perda de suas
propriedades e rebanhos. A negativa uruguaia teria sido o elemento motivador de uma
invasão de tropas brasileiras ao Uruguai, iniciada em 12 de outubro de 1864410. Ciente
do ato de guerra praticado pelo império brasileiro, assim como suas consequências dire-
tas ao Paraguai, Francisco Solano López rompia relações diplomáticas com o Brasil em
novembro do mesmo ano, tendo determinado a captura de dois navios brasileiros que
navegavam na Bacia do Prata, um mercante e um militar.
Os conflitos da guerra que se iniciava se concentraram inicialmente entre Brasil
e Paraguai, em campanha ocorrida entre 1864 a 1865 no Mato Grosso411. Através do Rio
Paraguai, as forças de Francisco Solano López obtiveram grande êxito e venceram as resis-
tências brasileiras, tomando as fortalezas militares de Coimbra, Albuquerque, Corumbá,
Miranda, Dourados e Coxim. Em seguida, iniciava-se uma nova frente de batalhas, que
levaria a Argentina a entrar diretamente na guerra. Francisco Solano López recebeu em
1865 uma solicitação de apoio militar vinda de Montevidéu, onde havia sido aplicado

408 GRAHAM, Richard. O Brasil de meados do século XIX à guerra do Paraguai. In: BETEHLL, Leslie. (Org.). História
da América Latina: Da independência a 1870. Tradução de Maria Clara Cescato. São Paulo: Editora da Universidade de
São Paulo, 2009. v. III. p. 771-825. p. 815.
409 CHIAVENATO, Julio José. Genocídio Americano: La guerra del Paraguay. Asunción: Carlos Schauman Editor,
2011. p. 123.
410 Carlos Guilherme. História de um silêncio: a guerra contra o Paraguai (1864-1870) 130 anos depois. Estudos
Avançados, São Paulo, v. 9, n. 24, p. 243-254, 1995.
411 ARECES, Nidia. De la Independencia a la Guerra de la Triple Alizanza (1811-1870). In: TELESCA, Ignácio (Coord.).
Historia del Paraguay. Asunción: Taurus, 2010. p. 149-197. p. 190.
ESTADOS NACIONAIS E AVANÇO DA FRONTEIRA AGRÍCOLA | 131
Guerra da tróplice aliança

um golpe de estado com apoio brasileiro.


Ciente da importância estratégica da aliança com o Uruguai, que permitiria
uma comunicação ao oceano, Francisco Solano López atende o pedido de apoio e pede
permissão ao governo argentino para que seu exército possa atravessar a província de
Corrientes. Em aliança militar secreta com brasileiros, uruguaios insurgentes e ingleses,
o governo argentino de Bartolomé Mitre nega permissão de entrada em seu território às
tropas paraguaias, ao mesmo tempo que permitia manobras de tropas brasileiras em solo
argentino. A reação de Francisco Solano López foi a de declarar guerra e atacar Corrientes,
tomando o controle da cidade em 13 de abril de 1865.
No Uruguai se consolidava o domínio de forças políticas aliadas ao Brasil e Argen-
tina, estando alinhados em 1865 os três países em oposição ao Paraguai. Poucos dias após a
invasão paraguaia em Corrientes, era firmado um tratado que já existia verbalmente e que
permaneceria secreto por algum tempo: o tratado da tríplice aliança412. Em breve suma,
os três países pactuaram a completa destruição e saque do Paraguai, seguido da partilha
de seus territórios. Suas bases já haviam sido discutidas um ano antes no interior do Uru-
guai, em que representantes dos três países aliados foram acompanhados pelo diplomata
britânico Edward Thornton413, que assessorava a presidência argentina.
Após o êxito paraguaio nos embates do Mato Grosso do Sul e Corrientes, a guerra
mudaria de rumos com a derrota na batalha fluvial do Riachuelo, em 11 de junho de 1865,
o que possibilitava às forças aliadas a retomada de Corrientes. Na batalha do Riachuelo
uma esquadra brasileira causou fortes danos à armada paraguaia, desmantelando-a e
impedindo qualquer aspiração de mobilidade e exercícios de guerra do exército paraguaio
pela Bacia do Prata, assim como fechando qualquer possibilidade de comunicação com
o oceano.
O avanço aliado contra as tropas paraguaias seguiria ao norte e iniciaria em
abril de 1866, rumo aos fortes paraguaios de Itapirú, Curuzú, Curupayty e Humaitá.
Entre vitórias e derrotas de ambos os lados em sangrentas batalhas, um encontro em 12
de setembro de 1866 entre Francisco Solano López, Bartolomé Mitre e Venancio Flores
em Yataytí Corá tentava negociar uma solução pacífica para a guerra, o que era vetado
pelo Brasil em condições que não envolvessem uma ampla e completa rendição paraguaia,
nos termos do tratado da tríplice aliança. Em agosto de 1868 a debandada das tropas
paraguaias na última batalha em Humaitá possibilitava o avanço dos exércitos aliados.
Sofrendo os duros golpes que as batalhas haviam imposto a seu exército, que

412 TRATADO DE LA TRIPLE ALIANZA. Celebrado el 1º de mayo de 1865, entre el imperio de Brasil, la republica
Argentina y la republica del Uruguay. In: CHIAVENATO, Julio José. Genocídio Americano: La guerra del Paraguay.
Asunción: Carlos Schauman Editor, 2011. p. 187-192.
413 AMAYO, Enrique. A Guerra do Paraguai em perspectiva histórica. Estudos avançados, São Paulo, v. 9, n. 24, p.
255-268, 1995. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40141995000200013>. Acesso em: 23 jan. 2018.
132 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

nesta altura contava com um reduzido efetivo, Francisco Solano López organiza uma
nova resistência ao sul de Assunção. A campanha de Pikysyry foi inicialmente vitoriosa
aos paraguaios ante ao exército brasileiro na batalha de Ita Ybate, em 21 de dezembro
de 1868. Todavia, com a chegada do apoio argentino e uruguaio, foi imposta ao exército
paraguaio uma sangrenta derrota, ao ponto de somente escaparem com vida o líder Fran-
cisco Solano López e mais 60 soldados. O resultado da guerra estava definido, assim como
estavam abertas as portas de todo Paraguai para a tríplice aliança.
No dia 5 de janeiro de 1869 a cidade de Assunção foi ocupada pelo exército
brasileiro e um pequeno contingente uruguaio, sob o comando do Marechal Caxias.
As tropas argentinas então se retiraram da guerra, pois a decisão do então comandante
Emilio Mitre foi a de “no autorizar con la presencia de la bandera argentina en la ciudad
de Asunción los escándalos inauditos y vergonzosos”414. O avanço sobre Assunção e os des-
dobramentos seguintes da guerra são certamente os capítulos mais vergonhosos dentre
tantos que marcaram a história do Brasil, em que uma guerra sanguinária se transformava
em um declarado genocídio.
Com uma guerra definida, em que um povo sucumbia em meio a banho de sangue
nas batalhas antecedentes, o avanço das tropas em Assunção sob o comando do Marechal
Caxias tinha como objetivo somente satisfazer sua sórdida perversidade e sanha assassina,
que imprimiu sobre uma população civil violências de toda ordem415. Antes da chegada das
tropas a Assunção, a água que abastecia a cidade foi intencionalmente contaminada com
cólera, em que cadáveres de militares mortos pela doença eram utilizados como agentes
de contaminação416. Ainda que relevante parte da população assunsenha houvesse aban-
donado a cidade em fuga para outros locais, as pessoas que lá estavam foram submetidas
a assassinatos e estupros em massa, com saques generalizados.
Com a invasão e saque em Assunção, a sede do governo do Paraguai havia sido
transferida por Francisco Solano López para Piribebuy417. Não satisfeito com a desolação
e flagelo impostos ao Paraguai até o momento, o exército brasileiro insistia em perseguir
o líder do país que já havia sucumbido. Diferentemente, as tropas argentinas e uruguaias
se retiraram após o saque em Assunção e estabelecimento de um governo provisório no
Paraguai, formado por aliados.

414 DÍAZ GAVIER, Mario. En tres meses en Asunción. Rosario: Boulevard, 2005. p. 44.
415 ARECES, Nidia. De la Independencia a la Guerra de la Triple Alizanza (1811-1870). In: TELESCA, Ignácio (Coord.).
Historia del Paraguay. Asunción: Taurus, 2010. p. 149-197. p. 192.
416 CHIAVENATO, Julio José. Genocídio Americano: La guerra del Paraguay. Asunción: Carlos Schauman Editor,
2011. p. 157.
417 MAESTRI, Mário. Piribebuy, a capital mártir: história, historiografia e ideologia na Guerra no Paraguai. Estudos
Ibero-Americanos, Porto Alegre, v. 39, n. 1, p. 32-53, jan./jun. 2013.
ESTADOS NACIONAIS E AVANÇO DA FRONTEIRA AGRÍCOLA | 133
Guerra da tróplice aliança

Figura 18: Alterações territoriais e deslocamentos na guerra da tríplice aliança418

Após um conflito que durou poucas horas, sob o comando de Gastão de Orleans,
conhecido como conde D’Eu, esposo da monarca Isabel e genro de Dom Pedro II, o
último respiro da resistência paraguaia era vencida, e sobre ela recaía crimes de guerra com
requintes de grande crueldade e sadismo419. Cerca de 900 prisioneiros, militares e civis,
foram degolados e um hospital com cerca de 600 enfermos foi incendiado sem nenhuma
evacuação, sendo realizado um cerco de fuzilamento a quem tentasse fugir das chamas.
Francisco Solano López fugiu então para Acosta Ñu, tendo como forças de defesa
um “exército” de crianças e idosos praticamente desarmados. Com o massacre iniciado
na área urbana, houve uma fuga generalizada para as florestas que cercavam a cidade. A
atitude do exército brasileiro foi a de queimar todos os prédios públicos e igrejas, assim
como foi realizado um cerco nas matas circundantes da cidade.

418 THÉRY, Hervé; VELUT, Sébastien. Élisée Reclus e a Guerra do Paraguai. Terra Brasilis (Nova Série). Revista da
Rede Brasileira de História da Geografia e Geografia Histórica, [online], n. 7, 2016. Disponível em: <http://journals.
openedition.org/terrabrasilis/1908>. Acesso em: 23 jan. 2018. p. 3.
419 O´LEARY, Juan Emiliano. El Mariscal Solano López. 3. ed. Asunción: [s.n.], 1970. p. 276.
134 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

Elas foram queimadas sem que pudessem delas sair a maior parte do “exército”
paraguaio infantil, queimado vivo em 16 de agosto de 1869. A fuga do líder paraguaio
ainda se estendeu por Curuguaty e Amambay, acompanhado de um parco efetivo desar-
mado, até que em 1 de março de 1870 foi alcançado pelo exército brasileiro em Cerro
Corá420. Negando a rendição, Solano López foi morto e teve seu corpo vilipendiado e
mutilado pelas tropas brasileiras, que lhe arrancaram pedaços para servirem como troféus
de guerra.
Ao contrário do que os aliados esperavam, não se tratou e uma guerra curta.
Quando da reação aliada à ocupação de Corrientes pelas tropas paraguaias, Bartolomé
Mitre chegou a publicar na imprensa argentina que a reação aliada se daria “en veinte e
cuatro horas en los cuarteles, en quince días en Corrientes, en tres meses en Asunción”421. Ao
contrário, o conflito se estendeu por quatro anos, tempo no qual o genocídio foi imposto
ao Paraguai. Em termos demográficos os impactos foram completamente desastrosos.
Ainda que as fontes sejam divergentes422, o revisionismo historiográfico consolidado423
indica que o Paraguai possuía nos momentos anteriores ao início dos conflitos uma popu-
lação de cerca de oitocentos mil habitantes.
Deste total, ao final dos confrontos em 1870, teriam restado cento e noventa e
quatro mil pessoas, das quais catorze mil eram homens e cento e oitenta mil eram mulhe-
res. Dos homens sobreviventes, aproximadamente três quartos eram crianças ou idosos.
Em termos percentuais424, aproximadamente 96% dos homens paraguaios foram mortos
na guerra. As mulheres vitimadas pelos conflitos correspondem a um percentual apro-
ximado de 27% de sua população anterior. Em termos gerais, entre homens e mulheres,
aproximadamente 75% da população paraguaia foi morta pelos por doenças decorrentes
da guerra e pelos ataques da tríplice aliança.
Se analisados alguns dados econômicos e políticos, as causas e consequências da
guerra podem ser mais bem compreendidas425. Ao final da guerra a experiência econômica
autônoma paraguaia empreendida desde a independência estava completamente destruída,
sendo que o governo paraguaio sustentado pelas forças aliadas imediatamente após os

420 CHIAVENATO, Julio José. Genocídio Americano: La guerra del Paraguay. Asunción: Carlos Schauman Editor,
2011. p. 181.
421 BREZZO, Liliana. La guerra de la Triple Alianza en los límites de la ortodoxia: mitos y tabúes. Universum, Talca, v. 19,
n. 1, p. 10-27, 2004. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.4067/S0718-23762004000100002>. Acesso em: 23 jan. 2018.
422 GANSON DE RIVAS, Bárbara. Antecedentes de la Guerra de la Triple Alianza: Consecuencias demográficas
sociales de la guerra de la Triple Alianza. Asunción: Litocolor, 1985. p. 38.
423 CHIAVENATO, Julio José. Genocídio Americano: La guerra del Paraguay. Asunción: Carlos Schauman Editor,
2011. p. 169.
424 CHIAVENATO, Julio José. Genocídio Americano: La guerra del Paraguay. Asunción: Carlos Schauman Editor,
2011. p. 171.
425 AMAYO, Enrique. A Guerra do Paraguai em perspectiva histórica. Estudos avançados, São Paulo, v. 9, n. 24, p.
255-268, 1995. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40141995000200013>. Acesso em: 24 jan. 2018.
ESTADOS NACIONAIS E AVANÇO DA FRONTEIRA AGRÍCOLA | 135
Guerra da tróplice aliança

conflitos realizou o primeiro empréstimo internacional paraguaio de grande monta,


realizado junto a bancos ingleses. Os países aliados, por sua vez, já entraram endividados
no conflito, tendo aumentado exponencialmente os empréstimos que realizavam junto
a bancos ingleses para manter funcionando a máquina de guerra, cada vez mais custosa
conforme as batalhas se prolongavam no tempo.
Enquanto o capital inglês alimentava o conflito, o poder político daquele país
se mostrava oficialmente neutro426. Todavia, a já referida presença do diplomata Edward
Thornton na assinatura do tratado da tríplice aliança427, além sua atuação como assessor da
presidência argentina, lhe permitia participar de todos os encontros em que as definições
acerca da guerra eram estabelecidas. Sua participação na articulação entre os poderes e
interesses de Buenos Aires e Rio de Janeiro foi essencial para a realização da guerra, assim
como possibilitou a ascensão de um aliado ao poder luso-portenho em Montevidéu. Assim,
o apoio financeiro e político britânico se demonstrava ao ponto de caracterizar a Inglaterra
como um quarto aliado na guerra, que se manteve oculto na destruição do Paraguai428.
Em termos de economia política internacional, o resultado da guerra foi a colo-
nização das terras paraguaias para não mais servirem ao seu povo em um modo de produ-
ção camponês autônomo, mas sim estarem à disposição como produtora de insumos ao
modo de produção de escala planetária que estava consolidado pela revolução industrial
inglesa. Da mesma maneira, aumentando o domínio inglês na América Latina, o maior
endividamento dos países aliados aprofundava a ascendência econômica inglesa sobre eles.
Este contexto regional de guerra na Bacia do Prata se insere em uma articulação inglesa
mais ampla no continente. Como exemplo, em outro conflito na América Latina pela
disponibilização de terras e recursos naturais ao capital internacional com apoio inglês, o
suporte político e financeiro ao Chile foi preponderante na guerra que este travou contra
Bolívia e Peru429.
O cenário de miséria deixada no rastro da guerra foi agudo. Com o fim dos
combates grande parte da população, que havia buscado refúgio, retorna para Assunção,
maior centro urbano do país430. Com a permanência de forças militares aliadas, vencedores
e vencidos compartilharam um espaço precário de fome e miséria, cuja maior parte dos
alimentos era importada de Buenos Aires. As forças militares aliadas eram necessárias para

426 BETHELL, Leslie. O imperialismo britânico e a Guerra do Paraguai. Estudos avançados, São Paulo, v. 9, n. 24, p.
269-285, 1995.
427 AMAYO, Enrique. A Guerra do Paraguai em perspectiva histórica. Estudos avançados, São Paulo, v. 9, n. 24, p.
255-268, 1995. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40141995000200013>. Acesso em: 24 jan. 2018.
428 PEÑALBA, Jose Alfredo Fornos. The fourth ally: Great Britain and the War of the Triple Alliance. 1979. Tese de
doutorado, University of California, Los Angeles, 1979. p. 194.
429 AMAYO, Enrique. La política britânica en la Guerra del Pacifico: 1876-1891. Lima: Editorial Horizonte, 1988.
430 BREZZO, Liliana. Reconstrucción, poder político y revoluciones (1870-1920). In: TELESCA, Ignácio (Coord.).
Historia del Paraguay. Asunción: Taurus, 2010. p. 199-224. p. 200.
136 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

oferecer sustentação ao poder político que suplantaria a república camponesa, formado


inicialmente por um triunvirato provisório. Convocada uma assembleia constituinte, esta
foi dominada por um grupo assunsenho que havia se instalado em Buenos Aires com os
governos populares após a independência. Tal grupo, que chegou a formar uma legião
paraguaia que lutou ao lado das forças aliadas na guerra.
A deliberação da assembleia foi uma carta constitucional liberal, acompanhando
as movimentações constitucionais internacionais. Criada a ficção liberal sobre um país cujo
comunitarismo era característica histórica, a institucionalidade proposta era apenas um
molde vazio de realidade431, mas que alimentaria pressões e conflitos por terras que trariam
consequências desastrosas ao futuro do Paraguai. De maneira eficiente, considerando os
intuitos e consequências da guerra que assolou o país, as políticas liberais de progresso
indefinido que o Paraguai assumiu na constituinte realizada ainda sob a presença de tropas
aliadas abriram as portas do país para o capital estrangeiro. Para tanto, o apoio necessário
viria do exército e dos círculos financeiros que possuíam vínculos mercantis internacionais.
Anexado o Paraguai e suas terras à economia mundial, seus modos de produção agora
eram similares aos demais países vizinhos, pautados na produção e exportação de matérias
primas e importação da maior parte dos produtos industrializados.
Para que este projeto pudesse ser executado, necessário era o avanço colonial
agrícola sobre as terras ainda não colonizadas. Os nativos que nelas viviam eram então
considerados restos de um mundo sem futuro, que deveriam ser “pacificados” e incor-
porados à sociedade nacional paraguaia432. A tragédia da guerra ao Paraguai foi também
a tragédia Guarani, pois muitos pereceram nos combates por terem integrado as tropas
comandadas por Francisco Solano López, assim como das doenças que assolaram o país.
Todavia, impactados também foram aqueles que negavam a colonização e que sempre
se afastavam das linhas coloniais. Assim faziam sua resistência, na resistência ao contato
colonial e aos modos de vida que ele impunha.
Considerando aquilo que se consolidava como espaço nacional paraguaio, na
virada do século XIX para o século XX, esta resistência à colonização vinda dos estados
nacionais estava nos territórios dos povos do Chaco e dos Guarani chamados monte-
ses433. Os segundos mantinham sua ocupação territorial concentrada na região da atual
tríplice fronteira com Argentina, Brasil e Paraguai. Aquela região, onde se consolidou o
processo de etnogênese Guarani séculos atrás e de onde partiram suas ondas migratórias

431 ACOSTA, Gustavo. Posguerra contra la triple alianza: Aspectos políticos e institucionales (1870-1904). Asunción:
Servilibro, 2013. p. 280.
432 MELIÀ, Bartomeu. Los pueblos indígenas: una colonização ininterrumpida. In: MELIÀ, Bartomeu (Coord.). Otras
historias de la independencia. Asunción: Santillana, 2011. p. 95.
433 Em tradução livre do autor: aqueles do monte, das florestas, que nelas viviam para manter distância da colonização
e das sociedades nacionais.
ESTADOS NACIONAIS E AVANÇO DA FRONTEIRA AGRÍCOLA | 137
Riquezas que brotam do suor e do sangue

de expansão territorial, era o refúgio que poderia então oferecer alguma segurança em
meio ao apocalipse colonial.

RIQUEZAS QUE BROTAM DO SUOR E SANGUE

As invasões coloniais ibéricas na região da atual tríplice fronteira entre Argentina,


Brasil e Paraguai iniciaram com as encomiendas no século XVII, cuja resistência Guarani
se materializava entre a fuga da colonização ou a aceitação da vida nas reduções. Com
a destruição das reduções do Guayrá pelos bandeirantes paulistas, a região se manteve
como um local distante e de difícil acesso até o início do século XX, sendo então refú-
gio de povos nativos que resistiam à colonização. Nesta época, o alinhamento liberal
entre os países da Bacia do Prata, consequência da guerra da tríplice aliança, permitiu a
cessão de um grande volume de terras consideradas públicas para empresas privadas434.
Este fenômeno ocorreu em praticamente toda a bacia, em especial nos espaços além da
linha da colonização ocidental. A invenção e propagação de ideias de um suposto vazio
demográfico435 nestas áreas servia de instrumento para a legitimação das concessões às
companhias colonizadoras, que deveriam realizar o seu “desbravamento” e colonização,
realizando atividades produtivas. Estas consistiam inicialmente na extração do que a
natureza destes locais poderia oferecer. Para tanto, necessário se mostrava a apropriação
do trabalho dos povos que viviam nestas regiões.
Em decorrência do isolamento internacional do Paraguai após sua independência,
os mercados internacionais foram buscar em outros locais um produto de típica exportação
paraguaia que havia conquistado o paladar colonial, a erva mate. Considerada anterior-
mente como erva do diabo pelos religiosos cristãos436, sua demonialidade era extirpada ao
mesmo tempo que sua exploração econômica se expandia nos caminhos da colonização.
Dentro do vácuo que o Paraguai havia deixado no mercado internacional, Argentina e
Brasil se apresentaram inicialmente como produtores. Desta maneira, já durante a guerra
da tríplice aliança contra o Paraguai, amplos ervais podiam ser encontrados em locais de
fácil escoamento fluvial e marítimo, como a região de Corrientes437 e nos campos a partir

434 GLAUSER, Marcos. Extranjerización del territorio paraguayo. Asunción: BASE-IS, 2009. p. 23.
435 PRIORI, Angelo; POMARI, Luciana Regina; AMÂNCIO, Silvia Maria; IPÓLITO, Veronica Karina. História do
Paraná: séculos XIX e XX. Maringá: Eduem, 2012. p. 77.
436 BERGOLD, Raul Cezar; SALLES, Jefferson de Oliveira; VANESKI FILHO, Ener. Vidas amargas: indígenas
explorados pelas obrages (1860-1950). In: MARÉS, Carlos Frederico (Coord.); BERGOLD, Raul Cezar; CALEIRO,
Manuel Munhoz; MAMED, Daniele de Ouro (Orgs.). Os Avá-Guarani no oeste do Paraná: (re)existência em Tekoha
Guasu Guavira. Curitiba: Letra da Lei, 2016. p. 121-140. p. 124.
437 WACHOWICZ, Ruy Christovam. Obrageiros, mensus e colonos: história do oeste paranaense. 2.ed. Curitiba:
Ed. Grafica Vicentina, 1987. p. 19.
138 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

de Curitiba438. A exploração mercantil da erva viria a sustentar as economias destes locais.


No início do século XX estava consolidado na região da tríplice fronteira entre
Argentina, Brasil e Paraguai um sistema de exploração de madeiras nobres e erva mate.
Com estes insumos que a terra provém, se conjugaria a exploração escrava do trabalho dos
nativos para a formação da obrages. Estas consistiam em um sistema extrativo sem finali-
dades de colonização439, em que havia a figura do obragero, responsável pelo empreito, e o
mensu, trabalhador que recebia pagamentos mensais (mensuales, em tradução livre para o
espanhol) e que era escravizado sob a sutil figura do endividamento para com seu patrão.
De origem argentina, inicialmente realizado por ervateiros e madeireiros de
Corrientes e Misiones, o sistema obragero de exploração se expandiu pelo Rio Paraná e
incidiu no núcleo do refúgio Guarani à colonização. A região na época estava afastada
e isolada das fronteiras culturais, em que efetivamente havia ocupação das sociedades
nacionais argentina, brasileira e paraguaia, sendo então gradual e ilegalmente ocupada
por obrageros argentinos cujas atividades tinham Posadas como principal ponto de apoio,
com postos tributários também em Corrientes e Rosário. A navegabilidade dos rios da
Bacia do Prata era a condição para a consolidação das rotas de expansão deste sistema,
assim como de escoamento da madeira e mate extraídos.
Por não ter finalidade de povoamento, as obrages tinham como característica
principal a mobilidade de sua relação predatória de ervais e madeira. Com o fim das
espécies de valor comercial sua atuação era direcionada a outros locais, em que a busca e
exploração de novas áreas alargava o rastro de impactos socioambientais, em que a natureza
e os povos que nela viviam eram brutalmente violentados440. A maior obrage na região foi
a Companhia Mate Larangeira, que, em sequência da conclusão das demarcações de terras
decorrentes da partilha realizada entre Argentina e Brasil, obteve seguidas concessões de
terras ao ponto de alcançarem uma área de cinco milhões de hectares441.
Da mão de obra nativa escravizada, Guarani, brotava a riqueza do mate e da
madeira . O conhecimento regional que possuíam era conjugado com uma exímia
442

438 SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem a Curitiba e Santa Catarina. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp,
1978. p. 72.
439 WACHOWICZ, Ruy Christovam. Obrageiros, mensus e colonos: história do oeste paranaense. 2.ed. Curitiba:
Ed. Grafica Vicentina, 1987. p. 44.
440 LADEIRA, Maria Inês; FARIA, Camila Salles de. Os ava-guarani em yvy mbyte, centro da terra e os processos de
transformação de seu território. In: MARÉS, Carlos Frederico (Coord.); BERGOLD, Raul Cezar; CALEIRO, Manuel
Munhoz; MAMED, Daniele de Ouro (Orgs.). Os Avá-Guarani no oeste do Paraná: (re)existência em Tekoha Guasu
Guavira. Curitiba: Letra da Lei, 2016. p. 53-87. p. 71.
441 BERGOLD, Raul Cezar; SALLES, Jefferson de Oliveira; VANESKI FILHO, Ener. Vidas amargas: indígenas
explorados pelas obrages (1860-1950). In: MARÉS, Carlos Frederico (Coord.); BERGOLD, Raul Cezar; CALEIRO,
Manuel Munhoz; MAMED, Daniele de Ouro (Orgs.). Os Avá-Guarani no oeste do Paraná: (re)existência em Tekoha
Guasu Guavira. Curitiba: Letra da Lei, 2016. p. 121-140. p. 135.
442 BERGOLD, Raul Cezar; SALLES, Jefferson de Oliveira; VANESKI FILHO, Ener. Vidas amargas: indígenas
explorados pelas obrages (1860-1950). In: MARÉS, Carlos Frederico (Coord.); BERGOLD, Raul Cezar; CALEIRO,
Manuel Munhoz; MAMED, Daniele de Ouro (Orgs.). Os Avá-Guarani no oeste do Paraná: (re)existência em Tekoha
ESTADOS NACIONAIS E AVANÇO DA FRONTEIRA AGRÍCOLA | 139
Riquezas que brotam do suor e do sangue

capacidade de viver sob condições adversas na floresta, com conhecimentos botânicos


aprofundados e que possibilitavam a distinção da erva mate de outras que eventualmente
fossem parecidas443, assim como de selecionar os melhores pés e ramos para a colheita. Tais
capacidades os tornavam o principal alvo da captação obragera de mão de obra. As condi-
ções de trabalho eram completamente insalubres. As atividades dos mensu iniciavam pela
madrugada, avançando sobre a mata para a colheita da erva e seleção de madeiras nobres.
O processamento da erva era feito de maneira dispersa e descentralizada na flo-
resta logo após o corte, sapecando-a e acondicionando-a em um fardo que geralmente
alcançava duzentos quilogramas444. Este deveria ser carregado por distâncias cada vez
maiores e durante o trajeto não raramente ocorriam acidentes que tiravam a vida de quem
o carregava. A necessidade do carregamento nas costas de grandes quantidades de erva se
dava por distâncias cada vez maiores, conforme se distanciavam ao rio e avançavam sobre
a floresta. Quando estas inviabilizavam o carregamento, novas áreas próximas ao rio eram
localizadas e nelas a obrage se estabelecia.
Para conter os levantes dos nativos submetidos ao trabalho escravo, a violência
era tão grande quanto a insalubridade das atividades que realizavam. Açoites impostos
por milícias privadas a serviços dos obrageros eram comuns445, assim como brutais assas-
sinatos em que os corpos dilacerados e queimados eram deixados em locais de passagem
para que a punição servisse de exemplo. Presentes na memória e na oralidade Guarani
contemporânea, as violências recebidas dos obrageros ecoam em relatos de personagens
que viveram a colonização da região.

Alguns [brancos] matavam [os índios] porque não queriam pagar mão-de-obra do índio,
outros porque trabalhavam muito devagar [...]. Tem o ritmo do trabalho, né? Então quando
não acompanha aquele ritmo, ele [o índio] era morto pelo não índio. E assim iam pressionando
os índios para que todo índio que prestasse mão-de-obra para a Cia. Mate Laranjeira seguisse
aquele ritmo do patrão. Até então não existia autoridade que fiscalizasse, então o patrão ele
mesmo é que era a autoridade ali. Ele manda sempre e o outro executa446.

Guasu Guavira. Curitiba: Letra da Lei, 2016. p. 121-140. p. 127.


443 WACHOWICZ, Ruy Christovam. Obrageiros, mensus e colonos: história do oeste paranaense. 2.ed. Curitiba:
Ed. Grafica Vicentina, 1987. p. 47.
444 BERGOLD, Raul Cezar; SALLES, Jefferson de Oliveira; VANESKI FILHO, Ener. Vidas amargas: indígenas
explorados pelas obrages (1860-1950). In: MARÉS, Carlos Frederico (Coord.); BERGOLD, Raul Cezar; CALEIRO,
Manuel Munhoz; MAMED, Daniele de Ouro (Orgs.).Os Avá-Guarani no oeste do Paraná: (re)existência em Tekoha
Guasu Guavira. Curitiba: Letra da Lei, 2016. p. 121-140. p. 130.
445 CABANAS, João. Coluna da morte: sob o comando de João Cabanas. São Paulo: Editora da UNESP, 2014. p. 173.
446 Depoimento de Simião Benites colhido em julho de 2012 no Tekoha Poha Renda e traduzido por Rufino Deni.
Transcrito e citado em: LADEIRA, Maria Inês; FARIA, Camila Salles de. Os ava-guarani em yvy mbyte, centro da terra
e os processos de transformação de seu território. In: MARÉS, Carlos Frederico (Coord.); BERGOLD, Raul Cezar;
CALEIRO, Manuel Munhoz; MAMED, Daniele de Ouro (Orgs.). Os Avá-Guarani no oeste do Paraná: (re)existência
em Tekoha Guasu Guavira. Curitiba: Letra da Lei, 2016. p. 53-87. p. 68.
140 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

Eu nasci aqui em Guaíra, antigamente era Salto Guaíra. Eu sou nascido aqui, meu pai [André
Vargas] é daqui e minha mãe é daqui também. [...] eu me criei aqui e trabalhei para a Com-
panhia Matte [Larangeira]. Naquele tempo tinha serviço demais na Companhia Mate, pra
puxar erva do Mato Grosso para a Argentina. Daqui eu levava erva para Porto Mendes, em
1926 eu já ia puxar erva. [...] aqui só trabalhava índio e argentino, brasileiros não tinha muito.
Aqui todo mundo falava castelhano. [...] eu morava mais pra cá um pouquinho [do Rio
Taturí], na estrada de ferro que vai até Porto Novo, onde antigamente a companhia [Matte]
descarregava a erva, tinha índio até o Rio Piquiri. Cada lugar tem 40, 30, 15. Aqui tem um rio
que chama Apepu, ele vai sair lá, onde que a estrada de ferro. Pra cá que eu vivia, tinha muito
bicho bravo no [Rio] Paraná. Morava há uns 50, 60 metros do rio. Pra lá era tudo cheio de
índio, até o Rio Piquiri. Onde tem a cidade era só índio. [...] antigamente não era assim não,
aqui tinha madeira boa, tinha muito bicho, tem cateto, tem anta, tinha paca, era mato, né?
Ninguém mexia com nos. Era só plantar e agora não tem mais. Precisamos da terra, porque
temos só um pedacinho447.

Quando eles chegaram na aldeia para contratar o trabalho prometiam que iam dar comida,
ferramenta e roupa. Assim, eram contratados para trabalhar. No começo não falavam que tinha
que sair das terras, mas aos poucos vinha chegando o desmatamento, junto com o trabalho
de tirar a erva perto da aldeia. Quando chegou mais perto ficaram preocupados, mas logo
chegou a noticias de que tinham que sair. Era pra sair porque não podia mais morar aí. [...]
não deixavam ficar nas aldeias! Não deixavam os trabalhadores pararem de trabalhar. Quando
acabavam o trabalho (pelo desmatamento) eram levados para outros lugares para tirar a erva448.

Trabalhavam todos na Cia. Mate. Nem sei quantos, toda a nossa gente trabalhava na Mate
Laranjeira, vinha todo mundo, de Foz, de Porto Mendes, vinha até Guaíra. Muitos pais de
família que vinham trabalhar na Cia. Mate, vinham trabalhar e não voltavam. Muitos dessa
época desapareceram. Muitos fugiam para o Paraguai, para a Argentina. A gente tem direito
nesse lugar porque eles que levavam a gente para outro lugar. A nossa terra toda eles levaram,
levaram a gente pro Paraguai, pra Argentina449.

447 Depoimento de Cláudio Barros Vargas, colhido em julho de 2012 no Tekoha Porã. Transcrito e citado em:
LADEIRA, Maria Inês; FARIA, Camila Salles de. Os ava-guarani em yvy mbyte, centro da terra e os processos de
transformação de seu território. In: MARÉS, Carlos Frederico (Coord.); BERGOLD, Raul Cezar; CALEIRO, Manuel
Munhoz; MAMED, Daniele de Ouro (Orgs.). Os Avá-Guarani no oeste do Paraná: (re)existência em Tekoha Guasu
Guavira. Curitiba: Letra da Lei, 2016. p. 53-87. p. 68.
448 Depoimento de Nabor Martins, colhido em 03 de julho de 2016, traduzido por Leonardo Verá. Transcrito e citado
em: LADEIRA, Maria Inês; FARIA, Camila Salles de. Os ava-guarani em yvy mbyte, centro da terra e os processos de
transformação de seu território. In: MARÉS, Carlos Frederico (Coord.); BERGOLD, Raul Cezar; CALEIRO, Manuel
Munhoz; MAMED, Daniele de Ouro (Orgs.). Os Avá-Guarani no oeste do Paraná: (re)existência em Tekoha Guasu
Guavira. Curitiba: Letra da Lei, 2016. p. 53-87. p. 68.
449 Depoimento de Damásio Martines, colhido em julho de 2014 no Tekoha Y’Hovy. Transcrito e citado em: LADEIRA,
Maria Inês; FARIA, Camila Salles de. Os ava-guarani em yvy mbyte, centro da terra e os processos de transformação de seu
território. In: MARÉS, Carlos Frederico (Coord.); BERGOLD, Raul Cezar; CALEIRO, Manuel Munhoz; MAMED,
Daniele de Ouro (Orgs.). Os Avá-Guarani no oeste do Paraná: (re)existência em Tekoha Guasu Guavira. Curitiba:
Letra da Lei, 2016. p. 53-87. p. 69.
ESTADOS NACIONAIS E AVANÇO DA FRONTEIRA AGRÍCOLA | 141
Riquezas que brotam do suor e do sangue

Figura 19: Concessões de terras a grandes empresas no leste do Paraguai450

450 SOUCHAUD, Sylvain. Geografía de la migración brasileña en Paraguay. Asunción: Fondo de Población de las
Naciones Unidas (UNFPA), 2007. p. 74.
142 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

Embora com pequenos e pontuais conflitos de contestação de divisas, após o final


da guerra da tríplice aliança os territórios dos estados nacionais da atual tríplice fronteira
se configuravam como até hoje permanecem, através da partilha de terras paraguaias entre
Argentina e Brasil. Em discrepância com a ficção das fronteiras estatais havia uma fron-
teira cultural consolidada e que de tão conhecida era chamada de “fronteira Guarani”451.
Sobre os territórios que estavam para além desta fronteira, cujo pretenso domínio os
estados nacionais pretendiam materializar de fato, seriam realizados negócios. As terras,
consideradas públicas por Brasil e Paraguai, seriam cedidas a preços irrisórios a grupos
econômicos.
No lado esquerdo das margens do Rio Paraná havia três grandes companhias
colonizadoras, cada uma com capital proveniente de um país estrangeiro, França, Ingla-
terra e Argentina. A venda de terras consideradas públicas foi um instrumento liberal
utilizado pelos governos paraguaios do pós-guerra, com o objetivo de recompor cofres
públicos e ao mesmo tempo alavancar a produção agrícola nestes locais. Após um breve
período de vigência normativa argentina sobre o Paraguai452, o país regulamentou453 as
normas e procedimentos para a privatização das terras. Ainda que fossem formalmente
reconhecidas as propriedades privadas regularmente concedidas em períodos anteriores,
a massa de pequenos agricultores não tinha capacidade de obedecer aos requisitos legais
para a convalidação de suas propriedades, sendo sumariamente expropriados. Juntamente
com incentivos à migração de povos europeus454, o Paraguai foi palco de formação de
diversas colônias estrangeiras, sobretudo nas vias de melhor comunicação, como estradas
de ferro e portos do Rio Paraguai.
Na margem direita do Rio Paraná um processo semelhante podia ser verificado,
em que o latifúndio se formava com prevalecia do capital brasileiro e italiano, em nove
companhias colonizadoras e uma colônia militar. Na primeira metade do século XIX,
uma questão após a independência do Brasil era a sua legislação agrária, que mudava para
permanecer como estava455, beneficiando a concentração de terras e regulamentando
como os latifúndios se formariam após o fim do sistema de sesmarias. Com o fim do

451 BERGOLD, Raul Cezar; O contexto, a ideologia e a prática da marcha para o oeste no Paraná. In: MARÉS, Carlos
Frederico (Coord.); BERGOLD, Raul Cezar; CALEIRO, Manuel Munhoz; MAMED, Daniele de Ouro (Orgs.). Os Avá-
Guarani no oeste do Paraná: (re)existência em Tekoha Guasu Guavira. Curitiba: Letra da Lei, 2016. p. 141-195. p. 142.
452 PASTORE, Carlos. La lucha por la tierra en Paraguay. Asunción: Intercontinental, 2013. p. 192.
453 PARAGUAI. Decreto del 10 de noviembre de 1883, que reglamenta la ley de tierras públicas. In: Digesto Normativo
Sobre Pueblos Indígenas en el Paraguay: Historia de la Legislación 1811-2003. Asunción: Corte Suprema de Justicia/
Tierra Viva, 2003. p. 1573-1579.
454 GLAUSER, Marcos. Extranjerización del territorio paraguayo. Asunción: BASE-IS, 2009. p. 23.
455 PRIOSTE, Fernando Gallardo Vieira. Das sesmarias à lei de terras de 1850: povos indígenas, o direito e a terra
mercadoria no Brasil. In: MARÉS, Carlos Frederico (Coord.); BERGOLD, Raul Cezar; CALEIRO, Manuel Munhoz;
MAMED, Daniele de Ouro (Orgs.). Os Avá-Guarani no oeste do Paraná: (re)existência em Tekoha Guasu Guavira.
Curitiba: Letra da Lei, 2016. p. 53-87. p. 69.
ESTADOS NACIONAIS E AVANÇO DA FRONTEIRA AGRÍCOLA | 143
Riquezas que brotam do suor e do sangue

instituto colonial de concessão de terras456, em 1822, um vácuo legislativo ocorreu até


1850, oportunidade em que foi promulgada a lei imperial de terras457. Para combater a
ocupação e uso da terra por nativos, escravizados libertos e trabalhadores brasileiros ou
imigrantes, foram consideradas devolutas (devolvidas pela coroa portuguesa à brasileira)
todas as terras em que não houvesse sesmaria confirmada.
As terras poderiam ser adquiridas da coroa, e posteriormente da república,
somente mediante compra, sem necessidade de efetivo uso, com possibilidades de des-
pejo e perda de benfeitorias por aqueles que não fossem os legítimos adquirentes. Assim,
afastava-se das possibilidades de aquisição de propriedade da terra quem não pudesse por
elas pagar o preço suficiente, cinicamente estipulado para vedar o acesso das classes mais
pobres à terra e beneficiar o latifúndio das oligarquias imperiais e republicanas458. Tudo
em perfeita e eficiente sincronia com os sentidos da colonização459, de consolidar grandes
propriedades voltadas à monocultura da exportação.

Quando Ñanderu deixou as terras, deixou um bom pedaço para todo mundo viver. Quando
separou um pedaço para os povos indígenas, ele não deixou papel nenhum, que jurua chama
de título de propriedade. Portanto, se eles têm esses papéis, isso para nós não vale. Eles que
pegaram nossas terras e criaram esses papéis. Para nós, quem diz que essas terras são nossas
são os espíritos de nossos antepassados460.

Com base neste sistema de terras devolutas, conjuntamente com a norma cons-
titucional brasileira de 1891 que determinou que o pertencimento de tais terras era dos
estados membros da república461, o processo de apropriação de centenas de milhares de
hectares de terras na região de tríplice fronteira foi conduzido pelo governo do Paraná.
Explorando suas relações com os poderes da esfera estadual, grupos empresariais teriam
reconhecidos direitos sobre imensas faixas de terras, independente de efetivo uso por
parte dos que as recebiam em propriedade e em detrimento dos direitos territoriais de
camponeses e nativos que nelas viviam462.

456 MARÉS, Carlos Frederico. A função social da terra. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003. p. 66.
457 BRASIL. Lei número 601, de 18 de setembro de 1850. Dispõe sobre as terras devolutas do império. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L0601-1850.htm>. Acesso: 22 jan. 2018.
458 MARÉS, Carlos Frederico. A função social da terra. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003. p. 71.
459 PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo: Colônia. São Paulo: Brasiliense/Publifolha, 2000.
p. 20.
460 MARTINES, Paulina Cunha Takua Rocay Ponhy; SOARES, Ilson; ESPINOLA, Wilfrido Benites; TSEREMEYWA,
Gessica Martines; VERA, Vilma; MACIEL, Gilberto. Opamba’e Ñanderu Rembiapo Meme (Tudo foi Ñanderu quem fez).
Transcrição de Manuel Munhoz Caleiro. In: MARÉS, Carlos Frederico (Coord.); BERGOLD, Raul Cezar; CALEIRO,
Manuel Munhoz; MAMED, Daniele de Ouro (Orgs.). Os Avá-Guarani no oeste do Paraná: (re)existência em Tekoha
Guasu Guavira. Curitiba: Letra da Lei, 2016. p. 26-34. p. 26-27.
461 BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de fevereiro de 1891. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao91.htm>. Acesso: 27 jan. 2018.
462 SALLES, Jefferson de Oliveira. Bagatelas e bendengós: empresas colonizadoras na formação da propriedade fundiária
144 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

Figura 20: Concessões de terras a grandes empresas no oeste do Paraná463

Os conflitos fundiários se agravavam progressivamente, na medida em que novos


atores buscavam se inserir no contexto de exploração nos arredores da região da tríplice
fronteira. Para além da presença nativa, em uma zona de fronteiras culturais entre o povo
Guarani e outras identidades, a presença colonizadora na região aumentaria exponen-
cialmente na virada do século XIX para XX. As entradas obrageras se tornavam cada vez
maiores. Sendo também um local de passagem tropeira entre o Rio Grande do Sul e São

no Paraná (1940-1960). In: MARÉS, Carlos Frederico (Coord.); BERGOLD, Raul Cezar; CALEIRO, Manuel Munhoz;
MAMED, Daniele de Ouro (Orgs.). Os Avá-Guarani no oeste do Paraná: (re)existêcia em Tekoha Guasu Guavira.
Curitiba: Letra da Lei, 2016. p. 196-226. p. 221.
463 WACHOWICZ, Ruy Christovam. História do Paraná. 10. ed. Ponta Grossa: Editora UEPG, 2016, 2007. p. 278.
ESTADOS NACIONAIS E AVANÇO DA FRONTEIRA AGRÍCOLA | 145
Riquezas que brotam do suor e do sangue

Paulo464, o sudoeste paranaense contava com uma população gaúcha que se fixava pelo
caminho tropeiro em estâncias utilizadas para criação e engorda de gado. Partindo destes
caminhos, peões adentravam no oeste paranaense em busca de espaços para suas atividades.
Ciente deste processo, o estado brasileiro reforça a sua política de colonização da região
da tríplice fronteira através da concessão de terras e criação de colônias militares465. Assim,
haviam sido criadas na segunda metade do século XIX, na margem sul do Rio Iguaçu, as
colônias militares de Chapecó e Chopim. Sua criação havia sido determinada para fazer
frente a uma contestação argentina sobre a demarcação de fronteiras, que foi solucionada
sob arbitramento norte-americano.
O sucesso das colônias militares foram para além de seus objetivos de manutenção
territorial, formando núcleos urbanos e rurais que rapidamente prosperaram. Diante do
êxito, o governo do Paraná promove a criação de uma colônia militar na foz do Rio Iguaçu.
Então uma região incomunicável com o ponto mais avançado de colonização paranaense,
Guarapuava, a abertura da via dentro da mata até a foz do Rio Iguaçu foi extenuante466.
Tendo partido de Guarapuava em nome do império em setembro de 1889, chegariam ao
seu destino em nome da república, em 22 de novembro do mesmo ano467.
Na colônia militar havia a promessa de garantia aos colonos de acesso gratuito
a terras, alimentação garantida até a primeira colheita e alguma quantia em dinheiro468.
Todavia, as realidades logo se construíram de maneira diversa e demonstravam duramente
o isolamento do local em meio a territórios sem domínio colonial e de corrupção militar
decorrente de seus vínculos com comerciantes e obrageros de atividades extrativas. Em
pouco tempo a esperança dos colonos era transformada em amarga frustração decorrente
de abandono e violências, em que as terras que foram concedidas eram retomadas pelos
jagunços militares e mercantis469.
Diante desta realidade, de constatação de que o projeto de abrasileiramento da
fronteira havia falhado, a estratégia dos governos federal e estadual foi a de convertê-la
em vila, fazendo então o uso do coronelismo como instrumento de colonização. Assim
era extinta em 1910 a colônia militar, ao tempo que nascia a Vila Iguassu como distrito

464 WACHOWICZ, Ruy Christovam. Paraná, sudoeste: ocupação e colonização. Curitiba: Lítero-Técnica, 1985. p. 53.
465 MYSKIW, Antonio Marcos. A fronteira como destino de viagem: a colônia militar de Foz do Iguaçu (1888/1907).
2009. 245 f. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2009. p. 94.
466 BRITO, José Maria de. Descoberta de Foz do Iguaçu e fundação da Colônia Militar. Curitiba: Travessa dos
Editores, 2005. p. 125.
467 BERGOLD, Raul Cezar; SALLES, Jefferson de Oliveira; VANESKI FILHO, Ener. Vidas amargas: indígenas
explorados pelas obrages (1860-1950). In: MARÉS, Carlos Frederico (Coord.); BERGOLD, Raul Cezar; CALEIRO,
Manuel Munhoz; MAMED, Daniele de Ouro (Orgs.). Os Avá-Guarani no oeste do Paraná: (re)existência em Tekoha
Guasu Guavira. Curitiba: Letra da Lei, 2016. p. 121-140. p. 128.
468 MYSKIW, Antonio Marcos. A fronteira como destino de viagem: a colônia militar de Foz do Iguaçu (1888/1907).
2009. 245 f. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2009. p. 184.
469 MYSKIW, Antonio Marcos. A fronteira como destino de viagem: a colônia militar de Foz do Iguaçu (1888/1907).
2009. 245 f. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2009. p. 223.
146 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

de Guarapuava e que poucos anos depois foi emancipado como município paranaense
no marco das três fronteiras.

Figura 21: Colônias militares de Chopim e Chapecó470

Um projeto colonizador que impactou as imediações da atual tríplice fronteira


foi a estrada de ferro São Paulo-Rio Grande. A poucos dias da proclamação da república,
em 9 de novembro de 1889, o império concedia à Brazil Railway Company a responsabi-
lidade da obra471. A empresa deveria arcar com todos os ônus de sua execução, recebendo
como pagamento pelo empreito uma faixa de dezesseis quilômetros de terras, oito em
cada lado da ferrovia, em todos os seus mil e quatrocentos quilômetros de extensão472.
Em obediência à primeira constituição republicana473, a titulação das propriedades em
benefício da companhia cabia a cada um dos estados membros.
As titulações foram realizadas com a declaração de que tais terras eram devolutas,
independentemente de posses de terceiros ou mesmo sesmarias anteriormente concedidas,
desconsiderando, ou considerando sem considerar, que tais terras estavam ocupadas em
relevante parte dos trechos do traçado da ferrovia. Para garantir sua posse direta sobre as
terras, a companhia Brazil Railway Company, constituiu uma milícia particular, a quem

470 BOUTIN, Leônidas. Colônias Militares na Província do Paraná. Curitiba: Separata do Boletim XXXIII do
IHGEP, 1977. p. 49.
471 ESPIG, Márcia Janete. A construção da Linha Sul da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande (1908-1910). Mão de
obra e migrações. Varia Historia, v. 28, n. 48, p. 849-869, 2012. p. 852.
472 WACHOWICZ, Ruy Christovam. Paraná, sudoeste: ocupação e colonização. Curitiba: Lítero-Técnica, 1985. p. 123.
473 BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de fevereiro de 1891. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao91.htm>. Acesso: 27 jan. 2018.
ESTADOS NACIONAIS E AVANÇO DA FRONTEIRA AGRÍCOLA | 147
Riquezas que brotam do suor e do sangue

cabia o papel de jagunços sobre nativos, caboclos, posseiros, camponeses e sesmeiros, a


quem era destinada uma brutal violência474 em nome da propriedade, da colonização e
do progresso. No trecho sul do Paraná e em Santa Catarina, a ferrovia foi inaugurada em
1905475. Com o escoamento do que era extraído da terra era facilitado, os interesses sobre
as terras aumentavam.

Figura 22: Território contestado476

A revolta cabocla pela perda do domínio das terras para a companhia estrangeira
foi canalizada pelo discurso profético, em que os monges José Maria lideravam um exér-
cito caboclo encantado477. A pretensão inicial de não reconhecimento da recentemente

474 SOUZA, Fredericindo Marés de. Eles não acreditavam na morte. Curitiba: Instituto Histórico, Geográfico e
Etnográfico Paranaense, 1978.
475 ESPIG, Márcia Janete. A construção da Linha Sul da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande (1908-1910). Mão de
obra e migrações. Varia Historia, v. 28, n. 48, p. 849-869, 2012. p. 855.
476 ESPIG, Márcia Janete. A construção da Linha Sul da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande (1908-1910). Mão de
obra e migrações. Varia Historia, v. 28, n. 48, p. 849-869, 2012. p. 855.
477 SALOMÃO, Eduardo Rizzatti. Exército encantado de São Sebastião: um estudo sobre a reelaboração do mito
sebastianista na guerra do contestado (1912-1916). 2008. 163 f. Dissertação (Mestrado em História Social). Universidade
148 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

proclamada república e a criação de um governo independente local que respeitasse os


direitos territoriais camponeses soava bem aos anseios dos que perderam suas terras para
o capital norte-americano. A terra era usurpada dos caboclos da região, que perdiam seu
principal recurso material de subsistência478. Estes, que haviam conquistado tais terras de
domínios nativos, em seguida com eles se relacionando e apresentando uma miscigenação
decorrente dos contatos479, sofreriam as consequências do levante contra a república e os
interesses capitalistas que ela representava.
A construção de cidades santas, em que uma irmandade se formava em torno de
um modo de produção comunal, buscava se impor perante o modo de produção capitalista
que se inseria na região contestada480. Para tanto, não mantendo uma postura defensiva,
o movimento se voltou contra os símbolos desta ordem, com a queima de títulos de
propriedade e destruição de serrarias e de trechos da estrada de ferro que havia levado o
caos social para a região.
A república que nascia reagiu com seu exército que, quatro anos após o primeiro
confronto do exército encantado com as forças estaduais do Paraná, passou como um
rolo compressor sobre a irmandade cabocla. A esperada descida dos céus do exército de
São Sebastião não aconteceu, enquanto o exército real da república agiria para defender
o avanço das relações capitalistas na região481. Com o final da guerra que resultou em
mais de oito mil mortes e assinatura do acordo de limites entre Paraná e Santa Catarina,
suprimindo uma proposta de criação do estado das Missões sobre a área contestada482, a
região estaria novamente apta e “pacificada” para a receber a colonização por empresas
particulares.
Obedecendo uma regra velada de expansão das linhas de colonização no país, a
região do Contestado foi primeiramente palco de conflitos entre os nativos e uma pequena
elite sesmeira, que era acompanhada por pequenos posseiros e colonos camponeses, que
buscavam na terra o meio de vida camponesa. Os processos de miscigenação acabam por
criar populações caboclas, também chamadas de mamelucas, caiçaras, caribocas etc. Todas
são o fruto da mestiçagem nativa com a população colonial.
Ainda que as conquistas territoriais geralmente sejam acompanhadas de atritos

de Brasília, Brasília, 2008. p. 86.


478 AURAS, Marli. Guerra do Contestado: a organização da irmandade cabocla. Florianópolis: Editora da UFSC,
1995. p. 45.
479 BUBA, Nathan Marcos; NÖTZOLD, Ana Lúcia Vulfe. Contestado: a questão indígena na região do conflito. In:
Anais do XV Encontro Estadual de História. Florianópolis: UFSC, 2014.
480 AURAS, Marli. Guerra do Contestado: a organização da irmandade cabocla. Florianópolis: Editora da UFSC,
1995. p. 175.
481 AURAS, Marli. Guerra do Contestado: a organização da irmandade cabocla. Florianópolis: Editora da UFSC,
1995. p. 177.
482 WACHOWICZ, Ruy Christovam. Paraná, sudoeste: ocupação e colonização. Curitiba: Lítero-Técnica, 1985. p. 135.
ESTADOS NACIONAIS E AVANÇO DA FRONTEIRA AGRÍCOLA | 149
Colonização do Centro da Terra

e violências, o simples fato de haver tal mestiçagem demonstra algum grau de convívio
entre os povos que, em sua maioria, acabam por conviver e em alguns casos compartilhar
territórios. Situação diversa se verifica quando a colonização traz consigo elementos de
acumulação primitiva de capital483. Com ela, os povos precisam ser expropriados de seus
meios de produção, a terra no caso nativo e camponês. Desta maneira, ela deixa de ser
fonte de vida e se torna insumo para produção capitalista, ao tempo que os braços ociosos
devem servir como força de trabalho “livre” e assalariada.

COLONIZAÇÃO DO CENTRO DA TERRA

Yvy Mbyte, centro da terra, berçário do povo Guarani484, criação da divindade485


e origem das caminhadas deste povo sobre os territórios. Lugar terreno localizado na
região da atual tríplice fronteira entre Argentina, Brasil e Paraguai, cuja consciência de
pertencimento e origem são fortemente presentes na oralidade deste povo até os dias
atuais. Espaço no qual nasceu a identidade Guarani486, historicamente territorializado
por este povo487 e que se tornava no início do século XX o último grande refúgio rela-
tivamente seguro diante dos avanços do apocalipse colonial. Lugar em que ainda havia
alguma natureza, que poderia oferecer o suporte necessário para a cultura. Lugar que era
o destino da maioria daqueles que negavam a colonização e quaisquer contatos com as
sociedades coloniais, que delas continuamente se afastavam.
Aos olhos do estado brasileiro este território de vida e de refúgio constituía apenas
mais uma região a ser colonizada em nome da defesa e dos interesses nacionais. A situa-
ção de completa ausência estatal na fronteira foi denunciada por militares insurgentes e
integrantes da coluna Prestes488, que entre 1924 e 1925 estiveram na região, oportunidade
em que exploraram de maneira violenta o trabalho Guarani de abertura de picadas na flo-
resta489. Os militares oficialistas que combatiam os insurgentes do movimento tenentista,

483 MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. São Paulo: Boitempo, 2013. Livro I: o processo de produção
do capital. p. 785-833.
484 POPYGUA, Timóteo da Silva Verá Tupã. Yvyrupa: a terra uma só. São Paulo: Hedra, 2017. p. 34.
485 CADOGAN, León. Ayvu Rapyta: textos místicos de los Mbyá-Guarani del Guairá. Asunción: CEPAG/CEADUC,
2015. p. 48-49.
486 BONOMO, Mariano; COSTA ANGRIZANI, Rodrigo; APOLINAIRE, Eduardo; NOELLI, Francisco Silva. A
model for the Guaraní expansion in the La Plata Basin and littoral zone of southern Brazil. Quaternary International,
[s.l.], vol. 356, p. 54-73, 2015.
487 LADEIRA, Maria Inês; FARIA, Camila Salles de. Os ava-guarani em yvy mbyte, centro da terra e os processos de
transformação de seu território. In: MARÉS, Carlos Frederico (Coord.); BERGOLD, Raul Cezar; CALEIRO, Manuel
Munhoz; MAMED, Daniele de Ouro (Orgs.). Os Avá-Guarani no oeste do Paraná: (re)existência em Tekoha Guasu
Guavira. Curitiba: Letra da Lei, 2016. p. 53-87. p. 57.
488 CABANAS, João. A columna da morte. Rio de Janeiro: Almeida e Torres, [s.d.]. p. 240.
489 FIGUEIREDO, José de Lima. Oeste Paranaense. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1937. p. 70.
150 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

liderados pelo Marechal Cândido Rondon, faziam coro às denúncias490.

Figura 23 - A representação de como a terra foi construída pela divindade491

Realizadas expedições às fronteiras do oeste paranaense, levantamentos censitá-


rios do governo federal indicavam uma população de aproximadamente dez mil pessoas492
entre Foz do Iguaçu e o Salto das Sete Quedas, em que apenas quinhentas delas, meio
ponto percentual, se declaravam brasileiras. A inércia e indiferença do estado do Paraná,
o então menos povoado do país, seria indicada como a causa de tal situação. Criado no
mesmo ano, em 1910, o Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores
Nacionais (SPILTN) era órgão do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio e ini-
cialmente foi dirigido pelo Marechal Cândido Rondon, que se destacava como sertanista

490 LOPES, Sérgio. O Território do Iguaçu no contexto da “marcha para o oeste”. Cascavel: Edunioeste, 2002. p. 94.
491 “Em cada canto um mourão e no meio um pedaço redondo de terra surgindo no meio da água”. Desenho feito pelo
Xamõi Santiago no solo do Tekoha Yvyraty Porã (Terra Roxa), em junho de 2016». Foto: Maria Inês Ladeira, arquivo
CTI. In: LADEIRA, Maria Inês; FARIA, Camila Salles de. Os ava-guarani em yvy mbyte, centro da terra e os processos
de transformação de seu território. In: MARÉS, Carlos Frederico (Coord.); BERGOLD, Raul Cezar; CALEIRO, Manuel
Munhoz; MAMED, Daniele de Ouro (Orgs.). Os Avá-Guarani no oeste do Paraná: (re)existência em Tekoha Guasu
Guavira. Curitiba: Letra da Lei, 2016. p. 53-87. p. 60.
492 WACHOWICZ, Ruy Christovam. Obrageiros, mensus e colonos: história do oeste paranaense. 2.ed. Curitiba:
Ed. Grafica Vicentina, 1987. p. 143.
ESTADOS NACIONAIS E AVANÇO DA FRONTEIRA AGRÍCOLA | 151
Colonização do Centro da Terra

e indigenista, cuja atuação foi decisiva para o alargamento das fronteiras coloniais.
Em declarada e estruturada campanha de “marcha para o oeste”, na década de
1930 Getúlio Vargas tomaria uma série de providências no sentido de colonizar a região e
abrasileirar o quinhão brasileiro da tríplice fronteira493. Na tentativa pré-varguista as obra-
ges argentinas haviam vencido pela corrupção o intuito de colonização militar promovida
pelo império e levada a cabo pela primeira república na foz do Rio Iguaçu. Tal campanha
possuía uma forte carga ideológica494, que serviria para potencializar uma inventada cons-
ciência identitária comum e uma forçosa integração nacional, canalizando esforços para a
ocupação e colonização das áreas cujo “vazio” demográfico imperava. Assim, várias regiões
do território nacional viriam a ser impactadas com a expansão de ondas colonizadoras
potencializadas pela marcha para o oeste, dentre elas o oeste do Paraná.
Gestada por uma assessoria de imprensa e propaganda495, a marcha para o oeste
obteve êxito em criar na mentalidade social a necessidade de avanço sobre os territórios
nacionais que não estavam conectados com o litoral e campos já colonizados. Para tanto,
as estratégias de comunicação social eram elaboradas e aplicadas com afinco, incluindo
imagens de uma situação amistosa e respeitosa entre Getúlio Vargas e os Karajá na Ilha
do Bananal, em uma expedição presidencial cuidadosamente preparada pelo Depar-
tamento de Imprensa e Propaganda do estado novo496. O objetivo era o de apresentar
para a nação um ideal de companheirismo entre os nativos e a sociedade nacional, cujo
presidente personificava os braços do estado sendo estendidos aos povos do “sertão” para
prestar-lhes assistência.
A identidade nacional era a ficção baseada em um conceito de brasilidade típica,
fruto da miscigenação entre nativos, negros e europeus em uma suposta e nunca atingida
democracia racial497. Enquanto o discurso publicitário e oficial era assimilado e aceito
por parcela relevante da sociedade nacional, a prática demonstraria suas contradições e
real intuito da campanha. O branqueamento da população era o objetivo a ser atingido,
mas não somente por uma questão de cor de pele, mas também pelas concepções que
estavam enraizadas debaixo dela. Ao tempo que nativos eram exterminados ou expulsos

493 PACKER, Ian. Violações dos direitos humanos e territoriais dos Guarani no Oeste do Paraná (1946-1988):
Subsídios para a Comissão Nacional da Verdade. São Paulo: Centro de Trabalho Indigenista, 2013. p. 20.
494 WACHOWICZ, Ruy Christovam. Obrageiros, mensus e colonos: história do oeste paranaense. 2.ed. Curitiba:
Ed. Grafica Vicentina, 1987. p. 143.
495 BERGOLD, Raul Cezar; O contexto, a ideologia e a prática da marcha para o oeste no Paraná. In: MARÉS, Carlos
Frederico (Coord.); BERGOLD, Raul Cezar; CALEIRO, Manuel Munhoz; MAMED, Daniele de Ouro (Orgs.). Os Avá-
Guarani no oeste do Paraná: (re)existência em Tekoha Guasu Guavira. Curitiba: Letra da Lei, 2016. p. 141-195. p. 150.
496 GARFIELD, Seth. As raízes de uma planta que hoje é o Brasil: os índios e o Estado-Nação na era Vargas. Revista
brasileira de história, São Paulo, v. 20, n. 39, p. 13-36, 2000.
497 GARFIELD, Seth. As raízes de uma planta que hoje é o Brasil: os índios e o Estado-Nação na era Vargas. Revista
brasileira de história, São Paulo, v. 20, n. 39, p. 13-36, 2000.
152 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

e era proibida a entrada de africanos em larga escala498, a imigração europeia viria a ser
incentivada e reconhecida como política oficial499, demonstrando o racismo institucional
que era impregnado na marcha para o oeste. Para os europeus que viessem ocupar o sul
do Brasil o acesso à terra deveria ser facilitado como chamativo à imigração.
Nativos e negros, assim como as populações decorrentes de suas miscigenações,
deveriam ceder espaço aos europeus. Estes chegariam com uma cultura agrícola de prá-
tica intensiva voltada à geração de expressivos excedentes500, em substituição às formas e
modos de produção tradicionais dos povos que deveriam ser suprimidos ou diluídos na
branquitude a ser alcançada. Em um contexto internacional de plena expansão e aprofun-
damento do modo capitalista de produção, a concentração de terras na Europa aumentava
em virtude do avanço dos processos de acumulação primitiva do capital, o que gerava
uma massa de camponeses desterrados que seriam o insumo destinado ao oeste e sudoeste
paranaense501. Para simbolizar este processo em que as terras dos povos seriam colocadas
à disposição da sociedade nacional, o símbolo utilizado pela propaganda oficial era o do
bandeirante paulista dos séculos XVI502. Nada mais adequado para o gaúcho Getúlio
Vargas lustrar o ego da elite paulista que o desafiava politicamente, assim como deixar
para a história o real intuito da marcha para o oeste, cuja personificação na figura do
bandeirante registrava a face da marcha e remontava à violência brutal e escravagista da
colonização de séculos antes.
A ofensiva de colonização promovida por Getúlio Vargas no oeste paranaense
teria como primeiro capítulo a nomeação de Mário Alves Moreira Tourinho como inter-
ventor federal no Paraná. Um de seus primeiros atos de governo foi o Decreto 300, de
outubro de 1930503, que anulava a concessão de aproximadamente um milhão e setecentos
mil hectares de terras no oeste paranaense que havia sido concedida à Brazil Railway
Company, através de sua subsidiária Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Bra-
viaco). Sob o argumento de descumprimento do dever de colonização da região, tais
terras voltariam ao domínio estatal paranaense. Para além deste decreto, nos cinco anos

498 SEYFERTH, Giralda. Colonização, imigração e a questão racial no Brasil. Revista USP, São Paulo, n. 53, p. 117-149,
mar.-mai./2002. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/33192/35930>. Acesso em: 1 fev. 2018.
499 BRASIL. Decreto-Lei nº 7.967 de 27 de agosto de 1945. Dispõe sôbre a Imigração e Colonização, e dá outras
providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1937-1946/Del7967.htm>. Acesso:
1 fev. 2018.
500 BERGOLD, Raul Cezar; O contexto, a ideologia e a prática da marcha para o oeste no Paraná. In: MARÉS, Carlos
Frederico (Coord.); BERGOLD, Raul Cezar; CALEIRO, Manuel Munhoz; MAMED, Daniele de Ouro (Orgs.). Os Avá-
Guarani no oeste do Paraná: (re)existência em Tekoha Guasu Guavira. Curitiba: Letra da Lei, 2016. p. 141-195. p. 152.
501 SWAIN, Tânia Navarro. Fronteiras do Paraná: da colonização à migração. In: AUBERTINI, Catherine (Org.).
Fronteiras. Brasília: UnB; Paris: Orstom, 1988. p. 21.
502 OLIVEIRA, Lucia Lippi. Estado Novo e a conquista de espaços territoriais e simbólicos. Política & Sociedade, [s.l.],
v. 7, n. 12, p. 13-21, 2008. p. 16.
503 PRIORI, Angelo; POMARI, Luciana Regina; AMÂNCIO, Silvia Maria; IPÓLITO, Veronica Karina. História do
Paraná: séculos XIX e XX. Maringá: Eduem, 2012. p. 66.
ESTADOS NACIONAIS E AVANÇO DA FRONTEIRA AGRÍCOLA | 153
Colonização do Centro da Terra

seguintes outras áreas menores também teriam suas concessões anuladas504. Desta maneira
buscava-se enfraquecer as obrages que eram realizadas sobre os territórios à margem direita
do Rio Paraná.
Através do decreto 800, de 8 de agosto de 1931, o governo paranaense regulamen-
tava a venda de terras devolutas e as revalidações de sesmarias e posses505, o que também se
verifica na lei 46, de 10 de dezembro de 1935506. Estes instrumentos normativos serviriam
para implementar uma dupla forma de colonização sobre as terras do oeste paranaense507.
A pública, na qual o próprio ente estatal se encarregava de fazer o loteamento, e a privada,
cujo papel de distribuir as grandes áreas de terras cabia a empresas colonizadoras.
Por decorrência da marcha para o oeste, a regulação jurídica de acesso à terra viria
sofrer algumas alterações. O direito republicano, na mesma medida que o colonial havia
feito, ofereceria o suporte necessário para que o modo de produção capitalista avançasse
sobre as terras ainda não colonizadas. A lei imperial de terras de 1850508 determinava
durante sua vigência que a transmissão a particulares de terras públicas, devolutas, deveria
ser realizada por compra e venda junto ao poder imperial. A exceção se daria nas faixas
de fronteira, cuja extensão foi então estipulada em dez léguas509, o equivalente a 66 qui-
lômetros. Sobre esta faixa a concessão de terras poderia ser gratuita, visando possibilitar a
criação de colônias nas regiões fronteiriças. Com a constituição republicana de 1891510 o
pertencimento das terras devolutas havia sido transferido aos estados, com a exceção de que
se manteriam no domínio do poder central a faixa de defesa das fronteiras. Recepcionada
pela norma constituinte republicana, a lei imperial de terras se mantinha vigente no que
se refere às faixas de fronteira. Consoante com o sistema constitucional federal, a regra
era repetida na norma constitucional estadual do Paraná511.
Já no período varguista, a constituição federalista que foi promulgada em 1934512

504 SWAIN, Tânia Navarro. Fronteiras do Paraná: da colonização à migração. In: AUBERTINI, Catherine (Org.).
Fronteiras. Brasília: UnB; Paris: Orstom, 1988. p. 21.
505 COSTA, Odah Regina Guimarães. Constituição Federal de 1891 – terras devolutas – art. 64: fronteira jurídica do
campo da competência da União e dos Estados-membros. Revista de Informação Legislativa. Brasília, v. 29, nº 113, jan/
mar, 1992, p. 385-400. p. 393.
506 PRIORI, Angelo; POMARI, Luciana Regina; AMÂNCIO, Silvia Maria; IPÓLITO, Veronica Karina. História do
Paraná: séculos XIX e XX. Maringá: Eduem, 2012. p. 82.
507 PRIORI, Angelo; POMARI, Luciana Regina; AMÂNCIO, Silvia Maria; IPÓLITO, Veronica Karina. História do
Paraná: séculos XIX e XX. Maringá: Eduem, 2012. p. 82.
508 BRASIL. Lei número 601, de 18 de setembro de 1850. Dispõe sobre as terras devolutas do império. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L0601-1850.htm>. Acesso: 2 fev. 2018.
509 BRASIL. Decreto nº 1.318, de 30 de janeiro de 1854. Manda executar a Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/historicos/dim/dim1318.htm>. Acesso: 2 fev. 2018.
510 BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de fevereiro de 1891. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao91.htm>. Acesso: 27 jan. 2018.
511 PARANÁ. Constituição política do Estado do Paraná. In: PARANA. Constituição política, leis e regulamentos
do Estado do Paraná. Curityba: Typografia da Penitenciaria Ahú, 1909. p. I - XXVI. Disponível em <http://www.
arquivopublico.pr.gov.br/arquivos/File/Constituicoes/Constituicao_do_Parana_1892.pdf>. Acesso: 2 fev. 2018.
512 BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho de 1934. Disponível em:
154 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

inovava na questão agrária nas regiões fronteiriças. Para além da faixa de fronteira, foi
criada uma faixa de segurança nacional de cem quilômetros, que sobrepunha os sessenta
e seis quilômetros da faixa de fronteira. Sobre este espaço da faixa de segurança nacional
todas as concessões de terras devolutas ou estradas deveriam ser realizadas com anuência
do Conselho Superior da Segurança Nacional. Tal faixa de segurança nacional viria a
ser alargada para cento e cinquenta quilômetros pelo texto constitucional outorgado
por Getúlio Vargas em 1937513, mantido então os sessenta e seis quilômetros da faixa de
fronteira.
Uma inovação do texto constitucional de 1937 foi, pela primeira vez nas cons-
tituições brasileiras, a previsão de um novo tipo de ente federativo. Se tratava dos terri-
tórios federais, cuja colonização seria realizada pelo poder federal. Retirava-se, assim, a
competência colonizadora estadual sobre os territórios federais que fossem criados. Tal
previsão viria a servir à então nascente marcha para o oeste, através da criação de espaços
de domínio federal sobre terras que constitucionalmente pertenciam aos estados membros
da federação. Outra ferramenta que viria a ser utilizada por Getúlio Vargas para interfe-
rir na estrutura agrária era a criação de parques nacionais, espaços que não permitiam a
presença humana e que serão abordados em maior extensão e profundidade em capítulo
seguinte. Criado o Parque Nacional do Iguaçu, cujo marco legal514 data de 1939, sua
efetiva materialização, consistente na expulsão de seus moradores, só viria a ocorrer sob
outro poder ditatorial, o militar, em 1967515.
Fundamentado na previsão constitucional de 1937, e nos maiores poderes que
na época concentrava, Getúlio Vargas remonta um plano do início do seu governo e
cria territórios federais que buscariam reforçar a influência do poder central junto às
fronteiras, enfraquecendo em consequência os estados que perderiam os espaços, assim
como potencializar sua colonização516. Foram criados em 1943 os territórios federais do
Amapá, Rio Branco, Guaporé, Fernando de Noronha, Ponta Porã e Iguaçu. No Paraná,
a criação do território federal do Iguaçu se apresentou como uma interferência direta na
competência de promover a colonização da região.
O latifundiário gaúcho Getúlio Vargas atendia aos anseios de seus pares, o capital

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm>. Acesso: 2 fev. 2018.


513 BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 10 de novembro de 1937. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao37.htm>. Acesso: 27 jan. 2018.
514 BRASIL. Decreto-Lei nº 1.035, de 10 de janeiro de 1939. Cria o Parque Nacional do Iguassú e dá outras providências.
Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1930-1939/decreto-lei-1035-10-janeiro-1939-372797-
publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso: 2 fev. 2018.
515 PACKER, Ian. Violações dos direitos humanos e territoriais dos Guarani no Oeste do Paraná (1946-1988):
Subsídios para a Comissão Nacional da Verdade. São Paulo: Centro de Trabalho Indigenista, 2013. p. 20.
516 RIBAS, Manoel. Relatório apresentado ao Presidente da República, Getúlio Vargas, pelo Interventor Federal
no Estado do Paraná, Manoel Ribas. Curitiba: Governo do Estado do Paraná, 1939, p. 24.
ESTADOS NACIONAIS E AVANÇO DA FRONTEIRA AGRÍCOLA | 155
Colonização do Centro da Terra

latifundiário de seu estado de origem517, em que grupos preparavam uma frente pioneira
de colonização no oeste paranaense. Para que houvesse sucesso neste empreito, era neces-
sário retirar dos domínios do estado do Paraná a dominialidade de tais terras. Mais do
que a regulação sobre a faixa de fronteira e faixa de segurança nacional, a criação de um
novo entre federativo permitiria o surgimento de uma elite local, cujo poder político seria
exercido no sentido de reproduzir o capital investido na colonização da região.
O grau de improvisação da criação deste território, assim como a completa ausên-
cia de debates públicos precedentes, se mostrava com a definição de sua capital518. Dez dias
após a publicação do decreto de criação do território federal, um outro519 foi publicado
indicando que o território federal do Iguaçu era composto por quatro cidades, Foz do
Iguaçu, Clevelândia, Mangueirinha e Chapecó. Sua capital seria a cidade de igual nome.
Deduziu-se então que seria Foz do Iguaçu, a única cidade então existente na região que
possuía alguma alusão ao nome do território federal. Oito meses após, outro decreto520
seria publicado com a indicação de que a capital do território federal do Iguaçu era a
cidade de mesmo nome, localizada na vila de Xagú, então Laranjeiras do Sul. A cidade
mudaria de nome e se chamaria Iguaçu. Ocorre que ela não estava dentro dos limites
indicados quando da criação do território federal521. A simples solução foi inserir no
novo decreto uma ampliação das divisas do território de modo que sua capital estivesse
dentro de seus limites.
Criado o território, não houve muito tempo para que ele materialmente se cons-
truísse como um espaço de domínios autônomos em relação ao Paraná. Com a queda de
Getúlio Vargas e o fim do estado novo em 1945, as pressões catarinenses, paranaenses
e mato-grossenses na assembleia constitucional que resultou na constituição de 1946522
foram fortes o suficiente para extinguí-lo. Juridicamente as áreas voltavam então aos
domínios dos estados atingidos pelo desmembramento territorial.
O que se viu então, em especial sob dois períodos de governo paranaense de
Moysés Lupion (1947/1950 e 1956/1960), foi uma verdadeira psicose titulatória523,

517 WACHOWICZ, Ruy Christovam. Paraná, sudoeste: ocupação e colonização. Curitiba: Lítero-Técnica, 1985. p. 142.
518 WACHOWICZ, Ruy Christovam. Paraná, sudoeste: ocupação e colonização. Curitiba: Lítero-Técnica, 1985. p. 148.
519 BRASIL. Decreto-lei nº 5.839, de 21 de setembro de 1943. Dispõe sobre a administração dos Territórios Federais
do Amapá, do Rio Branco, do Guaporé, de Ponta Porã e do Iguassú. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/
fed/declei/1940-1949/decreto-lei-5839-21-setembro-1943-415958-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso: 5 fev. 2018.
520 BRASIL. Decreto-lei no 6.550, de 31 de maio de 1944. Retifica os limites e a divisão administrativa dos Territórios
do Amapá, do Rio Branco, do Guaporé, de Ponta Porã, e do Iguassú. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/decreto-lei/1937-1946/Del6550.htm>. Acesso: 5 fev. 2018.
521 LOPES, Sérgio. O Território do Iguaçu no contexto da “marcha para o oeste”. Cascavel: Edunioeste, 2002. p. 116.
522 BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 18 de setembro de 1946. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao46.htm>. Acesso: 27 jan. 2018.
523 BERGOLD, Raul Cezar; O contexto, a ideologia e a prática da marcha para o oeste no Paraná. In: MARÉS, Carlos
Frederico (Coord.); BERGOLD, Raul Cezar; CALEIRO, Manuel Munhoz; MAMED, Daniele de Ouro (Orgs.). Os
Avá-Guarani no oeste do Paraná: (re)existência em Tekoha Guasu Guavira. Curitiba: Letra da Lei, 2016. p. 141-195. p. 157.
156 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

em que títulos de propriedade de terras no oeste do Paraná foram emitidos de maneira


completamente desordenada. Verifica-se reiterados casos de sobreposição de títulos de
propriedade sobre as mesmas áreas, assim como emitidos dentro das faixas de fronteira,
cuja competência era federal. O tamanho da inconsistência jurídica destes títulos de
propriedade sobre a terra pode ser verificado nos casos em que houve a concessão de
documentos em branco524, não nominais e que demonstravam uma forma completamente
desordenada de colonização.

Figura 24: Território Federal do Iguaçu525

Paralelamente aos processos de disputas políticas que acarretaram em regras e


contrarregras constitucionais e infraconstitucionais acerca das competências para pro-
mover a colonização da terra, observados desde o início do estado novo, os movimentos
populacionais na região ocorriam sem a menor obediência ao que era definido nas esferas
do poder instituído. Estas esferas se mostravam como atores de complexos e contraditó-
rios processos de avanço colonial sobre Yvy Mbyte, o último grande refúgio Guarani na

524 PRIORI, Angelo; POMARI, Luciana Regina; AMÂNCIO, Silvia Maria; IPÓLITO, Veronica Karina. História do
Paraná: séculos XIX e XX. Maringá: Eduem, 2012. p. 85.
525 WACHOWICZ, Ruy Christovam. Paraná, sudoeste: ocupação e colonização. Curitiba: Lítero-Técnica, 1985. p. 53.
ESTADOS NACIONAIS E AVANÇO DA FRONTEIRA AGRÍCOLA | 157
Colonização do Centro da Terra

Mata Atlântica.
Em meados do século XX o oeste e sudoeste paranaense se tornavam pontos de
encontro526 entre três principais frentes colonizadoras527. A primeira delas a avançar sobre
as regiões era vinda do norte do Paraná, que se apresentava como um local colonizado por
cafeicultores, cuja prevalência de origens paulistas e mineiras acabavam por materializar
na região a influência política de suas origens, fiéis ao café com leite da primeira repú-
blica. A segunda frente de expansão colonial viria desde o litoral, passando por Curitiba,
pelo primeiro planalto até os campos de Palmas. Era o chamado Paraná tradicional, cujo
sustento viria das rotas tropeiras, da erva mate e madeira. Do sul viria uma terceira frente
colonizadora, formada por imigrantes alemães e italianos e seus descendentes, que busca-
vam avançar sobre as terras localizadas no oeste de Santa Catarina e sudoeste do Paraná.
Sua economia era baseada na agricultura de cereais em pequenas propriedades familiares,
visando produção de excedentes.
Embora seja possível indicar a prevalência de caracteres econômicos e culturais
dentro destas frentes, a heterogeneidade em suas formações deve ser relevada. As terras
eram disputadas e com os meios legais e ilegais, sendo que a violência era uma ferramenta
preponderante em ambos. Com o auge de movimentos populacionais e crescimento
demográfico da sociedade nacional nas décadas de 50 e 60 do século XX, o oeste e sudoeste
do Paraná eram palcos nos quais os poderes públicos, empresas colonizadoras, jagunços,
grileiros, posseiros e colonos figuravam em um cenário de violentos conflitos pela terra
e pelos seus frutos528. A natureza era lentamente deixada ser fonte de vida para o povo
Guarani e se transformava em insumo, cuja colonização extraía tudo o que ela pudesse
oferecer, para que dela restasse somente a terra.
O cenário de violência se moldava a partir da atuação de diferentes grupos na
defesa de seus interesses529. Os poderes públicos, federal e estadual, emitiam títulos de
maneira desordenada. Pessoas e empresas que com eles possuíam boas relações políticas,
melhores condições econômicas e interesse na aquisição de terras conseguiam os títulos
dos melhores locais junto ao poder público ou às companhias colonizadoras. Recebiam
assim as terras públicas, em raros casos faziam uso delas, geralmente eram vendidas a
terceiros. Considerando que o valor da terra subia a cada momento que a colonização

526 BERGOLD, Raul Cezar; O contexto, a ideologia e a prática da marcha para o oeste no Paraná. In: MARÉS, Carlos
Frederico (Coord.); BERGOLD, Raul Cezar; CALEIRO, Manuel Munhoz; MAMED, Daniele de Ouro (Orgs.). Os
Avá-Guarani no oeste do Paraná: (re)existência em Tekoha Guasu Guavira. Curitiba: Letra da Lei, 2016. p. 141-195. p. 157.
527 WACHOWICZ, Ruy Christovam. Obrageiros, mensus e colonos: história do oeste paranaense. 2. ed. Curitiba:
Ed. Grafica Vicentina, 1987. p. 182.
528 PRIORI, Angelo; POMARI, Luciana Regina; AMÂNCIO, Silvia Maria; IPÓLITO, Veronica Karina. História do
Paraná: séculos XIX e XX. Maringá: Eduem, 2012. p. 77.
529 BERGOLD, Raul Cezar; O contexto, a ideologia e a prática da marcha para o oeste no Paraná. In: MARÉS, Carlos
Frederico (Coord.); BERGOLD, Raul Cezar; CALEIRO, Manuel Munhoz; MAMED, Daniele de Ouro (Orgs.). Os Avá-
Guarani no oeste do Paraná: (re)existência em Tekoha Guasu Guavira. Curitiba: Letra da Lei, 2016. p. 141-195. p. 171.
158 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

avançava e se se consolidava com cidades e estradas, era atrativa a atividade de especula-


ção imobiliária. Aos que não gozavam destas condições sobravam as terras mais baratas,
geralmente menos férteis e mais distantes das cidades e estradas que eram abertas. Os que
buscavam enriquecer de maneira ilícita criavam grilos para forjar títulos de propriedade
e assim obter algum ganho com eles, seja pelo registro ilegal que contava com a corrupta
colaboração de cartorários, pela venda destes papéis ou recebimentos de indenizações
em desapropriações. Outra maneira de ganhos era apresentar os títulos como garantia de
empréstimos bancários, que não seriam pagos. Aos integrantes despossuídos da sociedade
nacional, somente restava se estabelecer na terra, produzir seu sustento de alguma maneira
e defender sua posse como as possibilidades permitissem.
Das violências das disputas pela terra eclodiram conflitos fundiários de maior
monta. Com a retomada do domínio das terras que haviam cedidas à Brazil Railway
Company, através de sua subsidiária Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Bra-
viaco)530, houve a realização de um projeto de colonização oficial movido pelo poder
estadual paranaense531. Este foi realizado sem o controle da efetiva ocupação da área. Tendo
ganhado relevância social desde a década de 40 do século XX, a guerrilha de Porecatu teve
seu auge em 1951. Sob a promessa de terem acesso a terras legalizadas e políticas públicas,
pequenos posseiros ocuparam a área e nela estabeleceram um modo de vida camponês, a
quem eram direcionadas violências de jagunços. Suas posses eram também ameaçadas pela
grilagem e titulações estatais desordenadas que acarretavam constante possibilidade de
despejo, por meios legais ou ilegais. A ação violenta de jagunços acarreta reação consistente
na formação de ligas camponesas armadas532, que utilizavam métodos de guerrilha para
defender a posse da terra. Ainda que acuados pelas forças militares oficiais em junho de
1951533, lograram êxito em forçar o Paraná expedir o primeiro decreto de declaração de
utilidade pública de terras, para fins de desapropriação por interesse social.
Também decorrente da retomada pelo Paraná do domínio das terras que haviam
sido cedidas à Brazil Railway Company, através de sua subsidiária Companhia Brasileira de
Viação e Comércio (Braviaco) 534, surge outro conflito agrário. A União, desconsiderando
tal retomada de terras pelo poder estadual paranaense, editou em 1940 dois decretos535

530 PRIORI, Angelo; POMARI, Luciana Regina; AMÂNCIO, Silvia Maria; IPÓLITO, Veronica Karina. História do
Paraná: séculos XIX e XX. Maringá: Eduem, 2012. p. 66.
531 MYSKIW, Antônio Marcos. Colonos, posseiros e grileiros: conflitos de terra no Oeste Paranaense (1961/66). 2002.
200 f. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2002. p. 71.
532 OIKAWA, Marcelo. Porecatu: a guerrilha que os comunistas esqueceram. São Paulo: Expressão Popular, 2011. p. 100.
533 MYSKIW, Antônio Marcos. Colonos, posseiros e grileiros: conflitos de terra no Oeste Paranaense (1961/66). 2002.
200 f. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2002. p. 72.
534 PRIORI, Angelo; POMARI, Luciana Regina; AMÂNCIO, Silvia Maria; IPÓLITO, Veronica Karina. História do
Paraná: séculos XIX e XX. Maringá: Eduem, 2012. p. 66.
535 BRASIL. Decreto-lei nº 2.073, de 8 de março de 1940. Incorpora ao patrimônio da União a Estrada de
Ferro São Paulo-Rio Grande e as empresas a ela filiadas. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
ESTADOS NACIONAIS E AVANÇO DA FRONTEIRA AGRÍCOLA | 159
Colonização do Centro da Terra

536
que reincorporavam ao seu patrimônio todas as terras pertencentes à companhia.
Enquanto longa disputa judicial era travada, grandes extensões de terras no sudoeste e
oeste do Paraná foram transferidas ilegalmente da União para a recém-criada empresa
Clevelândia Industrial e Territorial Ltda. (CITLA). A empresa recebeu as terras por preço
irrisório537 em uma negociata que envolvia o poder central, o estadual e grupos econômicos.
Ocorre que as terras estavam ocupadas por milhares de colonos e abrangiam a
totalidade das cidades de Francisco Beltrão, Santo Antônio e Capanema. No intuito de
desocupar as terras para que os negócios pudessem melhor prosperar, a empresa diligenciou
no sentido de expulsar os posseiros, fazendo uso das forças estatais. Os órgãos estatais de
controle impediam o registro da escritura em que a Clevelândia Industrial e Territorial
Ltda. havia recebido as terras, sendo então um cartório de registro estrategicamente criado
pelo estado do Paraná em Santo Antônio do Sudoeste538. Enquanto a dominialidade das
terras era contestada judicialmente, a empresa realizava negócios transferindo quinhões
de terras a particulares e outras empresas, como a Companhia Apucarana Ltda. e a Com-
panhia Comercial Agrícola Paraná Ltda.539.
O passar do tempo e a inserção de novos atores tornavam os conflitos mais
agudos, assim como as violentas pressões de jagunços para que os posseiros saíssem das
terras540. A reação, assim como em Porecatu, foi um levante armado que toma corpo em
abril de 1957541. Enquanto as forças das empresas se concentravam em Santo Antônio,
Capanema era o local onde os posseiros e colonos se concentravam e dominavam a cidade,
além de terem tomado o controle sobre Francisco Beltrão. Tendo chamado a atenção
nacional, o conflito somente se resolveria pela força ou negociação. A segunda saída foi
adotada, com desapropriações e titulações de terras aos posseiros, cujas providências
iniciais foram tomadas sob o mando de Jânio Quadros e finalizadas sob o mandato de
João Goulart, em 1962.
Outros levantes menores ocorreram em decorrência da violência dos conflitos

decreto-lei/1937-1946/Del2436.htm>. Acesso: 6 fev. 2018.


536 BRASIL. Decreto-lei nº 2.436, de 22 de julho de 1940. Incorpora ao patrimônio da União todo o ativo existente
em território nacional da Brasil Railway Company e empresas a ela filiadas e dispõe quanto à apuração e liquidação do
seu passivo. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1937-1946/Del2436.htm>. Acesso: 6
fev. 2018.
537 FEDER, Elias. 200.000 alqueires por uma caixa de fósforos: A verdadeira história do colonizador do Sudoeste do
Paraná. Campo Largo: Ed. Viera e Nickel, 2001.
538 BATTISTI, Elir. As disputas pela terra no Sudoeste do Paraná. Campo-Território: revista de geografia agrária,
[s.l.], v. 1, n. 2, p. 65-91, 2006. p. 69.
539 WESTPHALEN, Cecília Maria; MACHADO, Brasil Pinheiro; BALHANA, Altiva Pilatti. Nota prévia ao estudo
da ocupação da terra no Paraná moderno. In: Boletim da Universidade Federal do Paraná. Departamento de História,
n. 7, 1968.
540 MYSKIW, Antônio Marcos. Colonos, posseiros e grileiros: conflitos de terra no Oeste Paranaense (1961/66). 2002.
200 f. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2002. p. 75.
541 WACHOWICZ, Ruy Christovam. História do Paraná. 10. ed. Ponta Grossa: Editora UEPG, 2016, 2007. p. 265.
160 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

fundiários no oeste e sudoeste paranaense542. Em todos eles a disputa pela terra eram a
motivação. O resultado destes processos e conflitos era o avanço da colonização sobre o
território Guarani, independentemente de qual colonizador conseguia se sobrepor sobre
os demais e exercer o domínio sobre a terra. Para conseguir seu intuito, eram utilizados
os meios institucionais, legais, ilegais, morais, imorais e/ou assassinos. Os anteriores ocu-
pantes destas terras não cabiam no projeto nacional e na historiografia dominante surgem
apenas como personagens de um passado distante, paraguaios, bugres, incivilizados. A
marcha para o oeste, cujo projeto de nacionalização da fronteira era contraditoriamente
cumprido por estrangeiros, apresentava conflitos internos e violências de toda ordem.
Ainda que o perfil do pequeno camponês de agricultura familiar fosse perseguido pelo
projeto oficial, na quase totalidade dos casos os interesses do grande capital prevaleciam,
salvo quando camponeses posseiros se reuniam, se armavam e exerciam resistência arti-
culada regionalmente.
O povo Guarani, que continuamente sofria os efeitos da conquista e colonização
sobre seus territórios desde o século XVI, enfrentava com a marcha para o oeste uma
terceira grande guerra543. Na primeira delas a sua experiência de resistência mais que
centenária em aliança com os jesuítas havia sido dizimada pelos impérios coloniais ibéri-
cos que, em conjunto, avançaram sobre os Trinta Povos das Missões. Na segunda, outros
impérios se voltaram contra a experiência paraguaia de autonomia que, baseada no aporte
de caracteres socioeconômicos Guarani, foi defendida por um exército formado em sua
imensa maioria por nativos e mestiços camponeses. A destruição genocida na guerra da
tríplice aliança promovida por Argentina, Brasil e Uruguai, foi suficiente para anexar as
terras paraguaias ao mercado internacional, de modo que servissem ao modo de produção
capitalista como colônia produtiva de bens primários. A propulsora desta engrenagem,
Inglaterra, não tendo disparado um tiro sequer, obteve como resultado o aumento de seu
domínio econômico e político na Bacia do Prata.
A terceira grande guerra enfrentada pelos Guarani, a marcha para o oeste, não
observou fronteiras nacionais. Os domínios coloniais que foram estabelecidos em solo
brasileiro na margem direita do Rio Paraná não pararam por ali. Eles se encontraram com
as ondas de colonização vindas do Rio Paraguai, colonização que partira de Assunção e
das demais cidades que surgiram no século XX, se tornando aguda no último quarto do
século. O capital estrangeiro, um século depois da guerra da tríplice aliança conseguira

542 MYSKIW, Antônio Marcos. Colonos, posseiros e grileiros: conflitos de terra no Oeste Paranaense (1961/66). 2002.
200 f. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2002. p. 86-171.
543 BERGOLD, Raul Cezar; O contexto, a ideologia e a prática da marcha para o oeste no Paraná. In: MARÉS, Carlos
Frederico (Coord.); BERGOLD, Raul Cezar; CALEIRO, Manuel Munhoz; MAMED, Daniele de Ouro (Orgs.). Os Avá-
Guarani no oeste do Paraná: (re)existência em Tekoha Guasu Guavira. Curitiba: Letra da Lei, 2016. p. 141-195. p. 179.
ESTADOS NACIONAIS E AVANÇO DA FRONTEIRA AGRÍCOLA | 161
Colonização do Centro da Terra

cumprir seu intuito544. Em diferentes ritmos, ambos os lados de Yvy Mbyte foram inva-
didos e saqueados, colonizados. O povo nativo que o ocupava era visto somente como
mão de obra descartável.

Pegavam os índios com forca, policia federal, e mandava fazer a picada pras fazendas. Fazia
a picada onde tinha posto a baliza pra fazer a fazenda. Pra dividir a terra. Vinha a policia e o
fazendeiro. Ia dividindo. E daí quando ele faz tudo isso aí, daí mataram todos os índios. (...)
Isso foi em toda parte, toda parte é fazenda. Onde era tekoha virou fazenda (...).. Mataram
tudo! (...). Falam que agora é fazenda, ou que a mata é reserva, mas é aldeia. Fizeram despejo!545

A violenta colonização materializou nestes processos não somente a expansão


sobre as terras e a tentativa de genocídio Guarani, mas também configurou um holocausto
verde546. A primeira regra de colonização era a de retirar da natureza tudo o que pudesse
ser transformado em mercadoria, ainda que ela se perdesse às beiras das ferrovias por
incapacidade de transporte ante o extremamente grande volume produzido. Derrubada a
mata que restasse, ela estaria reservada ao consumo pelo fogo. Continuamente a natureza
da Mata Atlântica foi substituída por espécies exóticas, inicialmente pelo trabalho dos
pequenos posseiros e colonos547, mas cujas terras foram sendo acumuladas de maneira
latifundiária e transformadas em áreas de monocultura cada vez maiores e mais concen-
tradas nas mãos de uma pequena elite latifundiária.
Em meados do século XX, a cultura cafeeira trazida pela colonização do norte
do estado predominava no Paraná548. Acompanhando-a, uma explosão demográfica de
boias-frias que trabalhavam nas lavouras. Em um contexto internacional de guerra fria
e expansão da influência norte-americana sobre a América Latina, que então se alinhava
politicamente pelas ditaduras militares, a revolução verde se expandia549. Se trata de um
modelo de agricultura extensiva, que utiliza práticas agrícolas fundamentadas no uso
de sementes geneticamente modificadas, substâncias químicas de alta toxicidade para

544 GLAUSER, Marcos. Extranjerización del territorio paraguayo. Asunción: BASE-IS, 2009.
545 Depoimento Assunção Benites colhido em julho de 2013 no Tekoha Tajy Poty. Transcrito e citado em: LADEIRA,
Maria Inês; FARIA, Camila Salles de. Os ava-guarani em yvy mbyte, centro da terra e os processos de transformação de seu
território. In: MARÉS, Carlos Frederico (Coord.); BERGOLD, Raul Cezar; CALEIRO, Manuel Munhoz; MAMED,
Daniele de Ouro (Orgs.). Os Avá-Guarani no oeste do Paraná: (re)existência em Tekoha Guasu Guavira. Curitiba:
Letra da Lei, 2016. p. 53-87. p. 71.
546 SALLES, Jefferson de Oliveira. Atores sociais do desmatamento no Paraná: 1940-1960: contribuições para uma
história da indústria madeireira. In: SONDA, Claudia Sonda; TRAUCZYNSKI, Silvia Cristina (Orgs.). Reforma agrária
e meio ambiente: teoria e prática no estado do Paraná. Curitiba: ITCG, 2010. Disponível em: <http://www.itcg.pr.gov.
br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=79>. Acesso: 7 fev. 2018. p. 70.
547 MAACK, Reinhard. Geografia Física do Paraná. 4. dd. Ponta Grossa: Editora UEPG, 2012. p. 263.
548 SERRA, Elpídio. Reflexões sobre a origem da crise agrária no norte do Paraná. Boletim de Geografia, [s.l.], v. 19,
n. 1, p. 45-58, 2001.
549 ESCOBAR, Arturo. La invención del Tercer Mundo: construcción y deconstrucción del desarrollo. Editorial
Norma, 1998. p. 220.
162 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

fertilização e controle de “pragas”, ampla mecanização no plantio, irrigação e colheita.


Dentro deste processo, a terra se tornava apta a reproduzir o capital nela investido na
forma de sementes e agrotóxicos, com uso de maquinários.
Com fortes geadas nos anos de 1953 e 1955, a paisagem cafeeira paranaense sofre
um primeiro forte abalo decorrente da perda de cerca de metade da área plantada550. Era
o espaço necessário para que a nova forma de agricultura que surgia no hemisfério norte
iniciasse uma inserção na Bacia do Prata. Tal inserção seria potencializada na década
seguinte, em que todo o apoio estatal ao café seria extinto, sendo priorizados os apoios ao
plantio na forma de agroindústria. As diretrizes agrícolas e agrárias da ditadura militar a
partir da segunda metade década de 60 eram consoantes com a “aliança para o progres-
so”551, cartilha desenvolvimentista norte-americana que buscava propagar na América
Latina seu modo de agricultura industrial capitalista.
Tal cenário se torna agudo com a “geada negra” em 18 de julho de 1975, em
que a quase totalidade do café paranaense amanhecia queimado pelo gelo552. A abrupta
interrupção na produção cafeeira mudou definitivamente os rumos da agricultura na
região, que poucos anos depois já ocupava o posto de líder nacional de produção e áreas de
cultivadas de soja e trigo, cujo escoamento se daria pelo porto de Paranaguá. Os impactos
ambientais da colonização se consolidavam, ao tempo que o primeiro grande impacto
social para a sociedade nacional era a explosão de desemprego de lavradores, a quem
restava o êxodo rural e urbanização.
Ao povo Guarani, a tragédia da colonização de Yvy Mbyte era o vislumbre da des-
truição de seu último grande refúgio. Nele as sociedades nacionais haviam se estabelecido
e colonizado as terras e a natureza. Todavia, ao contrário do que o processo colonial decla-
rada e oficialmente planejava nas leis militares para sua “proteção”553, sempre houve uma
grande parcela deste povo que se negava a integrar-se ao modo de vida do colonizador. A
busca por refúgios continuava554, em espaços cada vez menores nas margens do Rio Paraná.

Em toda a margem do Paraná tinha só índios... e assim eles convidavam uns aos outros e
vinham dançar aqui555.

550 SERRA, Elpídio. Reflexões sobre a origem da crise agrária no norte do Paraná. Boletim de Geografia, v. 19, n. 1, p.
45-58, 2001. p. 51.
551 MARÉS, Carlos Frederico. A função social da terra. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003. p. 107.
552 MOREIRA, Juliane Roberta Santos; LAVERDI, Robson. Modernização agrícola e o declínio da cafeicultura pós-
geada de 1975 (norte do Paraná). Ateliê de História UEPG, [s.l.], v. 4, n. 1, 2017. p. 94.
553 BRASIL. Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973. Dispõe sobre o Estatuto do Índio. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6001.htm>. Acesso: 7 fev. 2018.
554 LADEIRA, Maria Inês; FARIA, Camila Salles de. Os ava-guarani em yvy mbyte, centro da terra e os processos de
transformação de seu território. In: MARÉS, Carlos Frederico (Coord.); BERGOLD, Raul Cezar; CALEIRO, Manuel
Munhoz; MAMED, Daniele de Ouro (Orgs.). Os Avá-Guarani no oeste do Paraná: (re)existência em Tekoha Guasu
Guavira. Curitiba: Letra da Lei, 2016. p. 53-87. p. 71.
555 Entrevista de Damásio Martines, Tekoha Y’Hovy, município de Guaíra (PR), 20 de junho de 2013. In: PACKER,
ESTADOS NACIONAIS E AVANÇO DA FRONTEIRA AGRÍCOLA | 163
O alagamento da pedra que canta

O ALAGAMENTO DA PEDRA QUE CANTA

A opção da ditadura militar brasileira pelo padrão hegemônico de desenvol-


vimento capitalista556 não impactaria o território Guarani somente pelo forte apoio à
revolução verde. A necessidade de diversificação da matriz energética decorrente da crise
do petróleo faria o país a buscar transformar as forças das águas em «recurso» hídrico
para a produção de energia. Estando em monopólio estatal desde 1934557, a exploração das
águas através de concessões à iniciativa privada viria a ter regulamentação constitucional
em 1937558, ambos durante o estado novo presidido por Getúlio Vargas. O marco que
pode ser indicado no processo de alteração deste quadro, em que a concessão a particulares
seria substituída pela estatização da exploração da energia elétrica, viria a ocorrer com a
criação da Eletrobrás.
A companhia estatal, parte do plano de nacionalização de Getúlio Vargas que
datava da década de 1950, viria a ser criada em 1961 sob a curta presidência de Jânio
Quadros559. Sob seu governo também havia sido desengavetado um projeto de construção
de uma usina hidroelétrica nas Sete Quedas, desviando exclusivamente para o território
brasileiro uma parte relevante do leito do Rio Paraná, através de um canal de 60 quilô-
metros de extensão560. Ao tempo que Argentina era oficialmente consultada acerca do
interesse em adquirir eletricidade produzida pelo governo brasileiro nas Sete Quedas, o
Paraguai, que seria diretamente atingido em virtude da transposição do Rio Paraná, não
era sequer participado dos planos do projeto. A reação paraguaia à arrogância brasileira
foi imediata, criando uma crise diplomática entre os dois países.
Com a repercussão negativa das pretensões brasileiras, o governo do então presi-
dente João Goulart recua e desiste de realizar a obra sem participação paraguaia e abre mão
do apoio financeiro soviético, possibilidade que era sumariamente rechaçada pelo ditador
militar paraguaio Alfredo Stroessner, então alinhado com a diplomacia norte-americana
em tempos de guerra fria. Buscando amenizar a tensão diplomática criada, João Goulart

Ian. Violações dos direitos humanos e territoriais dos Guarani no Oeste do Paraná (1946-1988): Subsídios para a
Comissão Nacional da Verdade. São Paulo: Centro de Trabalho Indigenista, 2013. Anexo 1. p. 30.
556 GONÇALVES, Bruna Balbi. O contexto político-econômico (1930-1984) e a opção do governo brasileiro pela
construção da usina hidrelétrica de Itaipu. In: MARÉS, Carlos Frederico (Coord.); BERGOLD, Raul Cezar; CALEIRO,
Manuel Munhoz; MAMED, Daniele de Ouro (Orgs.). Os Avá-Guarani no oeste do Paraná: (re)existência em Tekoha
Guasu Guavira. Curitiba: Letra da Lei, 2016. p. 258-274. p. 258.
557 BRASIL. Decreto nº 24.643, de 10 de julho de 1934. Decreta o Cófigo de Águas. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d24643.htm>. Acesso: 7 fev. 2018.
558 BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 10 de novembro de 1937. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao37.htm>. Acesso: 7 fev. 2018.
559 BRASIL. Lei nº 3.890-a, de 25 de abril de 1961. Autoriza a União a constituir a empresa Centrais Elétricas Brasileiras
S. A. - ELETROBRÁS, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3890acons.
htm>. Acesso: 7 fev. 2018.
560 MAZZAROLLO, Juvêncio. A taipa da injustiça: esbanjamento econômico, drama social e holocausto ecológico em
Itaipu. 2. ed. Curitiba: Comissão Pastoral da Terra do Paraná; São Paulo: Edições Loyola, 2003. p. 21.
164 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

convida e recebe o ditador paraguaio em reunião oficial no Mato Grosso561, oportunidade


em que pactuam que toda e qualquer providência ou medida acerca da usina seria tomada
em conjunto por ambos governos. Enquanto meses depois o governo constitucional de
João Goulart era derrubado com o apoio estadunidense no dia que durou vinte e um
anos562, a demanda brasileira por energia crescia.
Agora alinhados politicamente, os governos militares do Brasil e Paraguai tiveram
novo atrito diplomático em 1965, em questão referente à incerta demarcação fronteiriça
e presença militar em terras que o Paraguai reclamava como suas563. O pequeno impasse
foi facilmente superado no ano seguinte, em reunião entre ministros de ambos os países
no Hotel das Cataratas em Foz do Iguaçu. Nesta reunião foi assinado um documento que
pode ser considerado a semente do que veio a ser Itaipu, “a pedra que canta” na língua
Guarani. Ainda que a tensão acerca das fronteiras fosse presente, a questão foi ficando
como secundária na medida em que as partes concordavam em alagá-las com fins de
produção de energia elétrica em uma usina binacional.
O resultado do encontro foi a conclusão de que não compensava arcar com um
conflito diplomático sobre uma porção de terra que ficaria debaixo d’água, bastava sacrifi-
car as Sete Quedas pelo afogamento e os problemas relativos à fronteira se transformariam
em fonte de renda, assim como colaboraria para a colonização da região564. Assinado o
tratado565, não houve em sua redação quaisquer referências aos conflitos relativos a frontei-
ras e questões militares, mas sim a determinação de um cronograma de estudos conjuntos
para a realização da obra binacional. Ela contaria com financiamento privado norte-ame-
ricano, cujos interesses na questão eram diligenciados pelo corpo diplomático oficial, que
teve participação na articulação e realização da reunião, assim como nos passos seguintes.
Os passos seguintes para a realização da obra caminharam em conjunto até que,
em abril de 1973, os ditadores Alfredo Stroessner e Emílio Médici firmavam o tratado
de Itaipu566, que criava a entidade binacional e trazia as definições acerca da obra da
usina hidroelétrica e a extensão de seu reservatório, que foi rapidamente chancelado pelos
poderes legislativos de ambos os países. O reservatório da usina hidroelétrica se estenderia

561 CONSTRUÇÃO de Sete Quedas, acordo Brasil-Paraguai. Folha de São Paulo, terça-feira, 21 de janeiro de 1964.
Disponível em: <http://almanaque.folha.uol.com.br/dinheiro_21jan1964.htm>. Acesso em: 7 fev. 2018.
562 TAVARES, Camilo Galli. O dia que durou 21 anos. Brasília: Pequi Filmes, 2012. Disponível em: <https://youtu.
be/v-HhhdgYOaA>. Acesso em: 7 fev. 2018.
563 NETO, Tomaz Espósito. As relações Brasil-Paraguai: do litígio da fronteira brasileiro-paraguaia (1962) à Ata das
Cataratas (1966). Revista de Estudos e Pesquisas sobre as Américas, Brasília, v. 7, n. 1, p. 33-49, 2013.
564 MAZZAROLLO, Juvêncio. A taipa da injustiça: esbanjamento econômico, drama social e holocausto ecológico em
Itaipu. 2. ed. Curitiba: Comissão Pastoral da Terra do Paraná; São Paulo: Edições Loyola, 2003. p. 23.
565 BRASIL-PARAGUAI. Ata de Iguaçu, de 22 de junho de 1966. Disponível em: <https://www.itaipu.gov.br/sites/
default/files/af_df/ataiguacu.pdf>. Acesso em: 8 fev. 2018.
566 BRASIL-PARAGUAI. Tratado de Itaipu, de 26 de abril de 1973. Disponível em: <https://www.itaipu.gov.br/
sites/default/files/u13/tratadoitaipu.pdf>. Acesso em: 8 fev. 2018.
ESTADOS NACIONAIS E AVANÇO DA FRONTEIRA AGRÍCOLA | 165
O alagamento da pedra que canta

desde as Sete Quedas até a foz do Rio Iguaçu, submergindo 1.350 quilômetros quadrados
de terras fronteiriças, cuja obra trazia características faraônicas567 e então se apresentava
como a maior usina hidroelétrica do mundo em volume de produção de eletricidade.
A barragem, construída a vinte quilômetros da foz do Rio Iguaçu e a cento e noventa
quilômetros abaixo das Sete Quedas, equivale em seu ponto mais alto a um prédio de
69 andares, tendo quase oito quilômetros de extensão. Com o concreto ali concentrado
poderiam ser construídas moradias para quatro milhões de pessoas.
Com a abertura de uma rodovia que ligaria Foz do Iguaçu a Curitiba e Paranaguá,
atual BR-277568, a colonização do oeste do Paraná estava potencializada também pela obra
de Itaipu, em que aproximadamente quarenta mil trabalhadores foram empregados nos
momentos de maior concentração de pessoas. Tamanha concentração humana, com suas
decorrentes implicações e consequências, viria aumentar os impactos sobre a região para
além das terras alagadas. Os números de explosão demográfica e urbanização no oeste do
Paraná, que teve seu maior salto na virada da década de 1970 para a seguinte569, subiam
a cada tonelada de concreto que era utilizado na obra. Tal movimento era acompanhado
ao lado paraguaio da fronteira, cuja concentração demográfica no distrito de Alto Paraná
e sua capital Ciudad del Este triplicaria no mesmo período570.
Para as terras que ficaram submergidas, os processos de desapropriação atingiram
mais de oito mil propriedades no Brasil e aproximadamente mil e duzentas no Paraguai571.
Juntamente com a movimentação financeira decorrente da obra em si, as desapropria-
ções foram portas em que a corrupção entrava e era abafada pela mão de ferro militar.
Na época nascia a até hoje presente justificativa de que a binacionalidade da empresa
pública a coloca em posição sui generis, de não publicar seus balanços e nem se submeter
aos órgãos estatais de controle.
Enquanto as desapropriações se iniciaram em 1974572, sua regulamentação
somente veio em 1979573, na tentativa de regulamentar um processo que ocorria de maneira

567 MAZZAROLLO, Juvêncio. A taipa da injustiça: esbanjamento econômico, drama social e holocausto ecológico em
Itaipu. 2. ed. Curitiba: Comissão Pastoral da Terra do Paraná; São Paulo: Edições Loyola, 2003. p. 26.
568 OSTROVSKI, Dalésio. Movimento populacional e transformações locais: os motores da Itaipu Binacional. Geografia
Ensino & Pesquisa, [s.l.], v. 18, n. 2, p. 7-24, 2014. p. 11.
569 OSTROVSKI, Dalésio. Movimento populacional e transformações locais: os motores da Itaipu Binacional. Geografia
Ensino & Pesquisa, [s.l.], v. 18, n. 2, p. 7-24, 2014. p. 13.
570 PACKER, Ian. Violações dos direitos humanos e territoriais dos Guarani no Oeste do Paraná (1946-1988):
Subsídios para a Comissão Nacional da Verdade. São Paulo: Centro de Trabalho Indigenista, 2013. p. 57.
571 MAZZAROLLO, Juvêncio. A taipa da injustiça: esbanjamento econômico, drama social e holocausto ecológico em
Itaipu. 2. ed. Curitiba: Comissão Pastoral da Terra do Paraná; São Paulo: Edições Loyola, 2003. p. 26.
572 LIMA, Ivone Teresinha Carletto de. Itaipu: as faces de um mega-projeto de desenvolvimento. Marechal Cândido
Rondon: Editora Germânica, 2006. p. 337.
573 BRASIL. Decreto nº 83.225, de 1º de março de 1979. Aprova a delimitação das áreas, de terra necessárias à formação
do reservatório da Usina Hidrelétrica de ITAIPU, na forma do Tratado celebrado entre a República Federativa do Brasil
e a República do Paraguai, e as declara de utilidade pública, para fins de desapropriação. Disponível em: <http://www2.
camara.leg.br/legin/fed/decret/1970-1979/decreto-83225-1-marco-1979-432682-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso:
166 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

desordenada. Neste contexto, situação fundiária do oeste paranaense havia sido registrada
em 1969574, em um relatório575 elaborado no âmbito dos estudos técnicos para a realização
da barragem de Itaipu. Nele a ilegalidade generalizada do loteamento de terras no oeste
paranaense se demonstra, assim como os conflitos entre empresas colonizadoras, poderes
públicos, grileiros e posseiros.
O relatório demonstra também a corrupção institucional generalizada em órgãos
oficiais. O Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais
(SPILTN), órgão indigenista que em 1973 seria extinto e substituído pela Fundação
Nacional do Índio (FUNAI), e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(INCRA) colaboraram ativamente com a administração da empresa binacional nas tra-
tativas necessárias para a realização das obras.
O primeiro órgão era responsável pela implementação da política indigenista
oficial, cuja atuação consistia em reduzir as ocupações dos povos a aldeias e explorar
o fruto do seu trabalho através da renda indígena576, instituto oficial pelo qual o fruto
trabalho dos nativos era apropriado pelo órgão indigenista. Desta maneira as terras até
pouco ocupadas pelos nativos estariam livres para a colonização e posterior alagamento.
O segundo órgão, fundiário, foi responsável durante o processo de construção da usina
hidroelétrica pela regularização às pressas de um grande número de documentos de pro-
priedade de terras, cuja cadeia dominial era completamente fraudada e inconsistente577.
Assim, em alguns casos, era possibilitada sua corrupta desapropriação e indeniza-
ção sem maiores transtornos. De outra maneira, em um grande número de propriedades
menores e nos casos de posseiros, levantamentos precários eram realizados e estes baseavam
avaliações unilaterais da entidade binacional. Com indenizações injustas578, mobilizações
populares e manifestações generalizadas de camponeses ocorreram, tensionando a reali-
dade agrária da região.
Ainda que sob conflitos, enquanto medidas reparatórias eram pagas e realiza-
das de uma maneira ou de outra a proprietários e posseiros das sociedades nacionais, o
povo Guarani foi invisibilizado aos olhos oficiais em sua quase totalidade. Em ambientes

8 fev. 2018.
574 PACKER, Ian. Violações dos direitos humanos e territoriais dos Guarani no Oeste do Paraná (1946-1988):
Subsídios para a Comissão Nacional da Verdade. São Paulo: Centro de Trabalho Indigenista, 2013. p. 53.
575 COSTA, Gaspar Peixoto. Relatório apresentado à Comissão Especial do Estudo da Faixa de Fronteiras do
Paraná e Santa Catarina. Curitiba: DGTC, 1966. Disponível em: <https://bd.trabalhoindigenista.org.br/documento/
violações-dos-direitos-humanos-e-territoriais-dos-guarani-no-oeste-do-paraná-1946-1988-sub>. Acesso em: 8 fev. 2018.
576 BERGOLD, Raul Cezar. Relatório Figueiredo. In: COMISSÃO ESTADUAL DA VERDADE DO PARANÁ.
Relatório da Comissão Estadual da Verdade Teresa Urban. Curitiba: Governo do Paraná, 2014, p. 609-612.
577 BAZÁN, Amado Prieto. Investigaciones demográficas y socioculturales. In: FOGEL, Gerardo. Investigaciones
historicas, socioculturales y arqueológicas en el área de Itaipú: Sociedad, cultura y dinámica regional. Asunción/
Buenos Aires: Ediciones del Mercosur, 2002. Tomo II: Investigaciones socioculturales. p. 81.
578 MAZZAROLLO, Juvêncio. A taipa da injustiça: esbanjamento econômico, drama social e holocausto ecológico em
Itaipu. 2. ed. Curitiba: Comissão Pastoral da Terra do Paraná; São Paulo: Edições Loyola, 2003. p. 41.
ESTADOS NACIONAIS E AVANÇO DA FRONTEIRA AGRÍCOLA | 167
O alagamento da pedra que canta

ditatoriais militares nos dois países, o binômio segurança nacional e desenvolvimento era
o propulsor das ações estatais no Brasil579 e no Paraguai580.

Figura 25: Comparativo da área alagada por Itaipu, com imagens de 1981 e 2014581

Dentro destas concepções não cabia assegurar terras aos nativos em áreas de fron-
teira. No Brasil o aparelhamento militar da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) se dava
desde sua criação em 1973582, subordinando a política indigenista aos projetos nacionais.
Na ditadura paraguaia, dez anos mais antiga que a brasileira, os discursos nacionalistas

579 PACKER, Ian. Violações dos direitos humanos e territoriais dos Guarani no Oeste do Paraná (1946-1988):
Subsídios para a Comissão Nacional da Verdade. São Paulo: Centro de Trabalho Indigenista, 2013. p. 58.
580 YORE, Fátima Myriam. La dominación stronista: origenes y consolidación: seguridad nacional y represión. Asunción:
Base Investigaciones Sociales, 1992.
581 HARARI, Isabel; WROBLESKI, Stefano. Ecos de Itaipu. Agência Pública, São Paulo, 2015. Disponível em: <https://
apublica.org/os-ecos-de-itaipu/>. Acesso em: 9 fev. 2018.
582 HECK, Egon. Os índios e a caserna: políticas indigenistas dos governos militares (1964-1985). 1997. 151 f.
Dissertação (Mestrado em Ciência Política) – Universidade de Campinas, Campinas, 1996.
168 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

e desenvolvimentistas estavam afinados com o Brasil da marcha para o oeste desde o


golpe militar, aplicado por Alfredo Stroessner em 1954583. Logo em seu primeiro ano
de governo, o ditador obteve financiamento para a construção da estrada que viria a
ligar Assunção à cidade que fundaria com seu próprio nome, que posteriormente seria
rebatizada como Ciudad del Este.
Oficialmente, quando se desinvisibilizavam perante os órgãos públicos nacionais
e empresa binacional, os Guarani se apresentavam como um problema cujas soluções
apresentadas e adotadas eram reiteradamente contrárias às legislações indigenistas da
época584. Oficialmente, no lado brasileiro, houve o reconhecimento de apenas quatro
famílias Guarani como atingidas pela inundação, sendo a elas atribuídas lotes de terras
em propriedades individuais, como se fossem colonos ou posseiros. Esta providência,
em completo desacordo com os direitos territoriais coletivos sobre a terra585, então legal-
mente reconhecidos aos nativos586, viria a compor a Tekoha Ocoy, comunidade Guarani
que atualmente está localizada às margens do reservatório de Itaipu no município de São
Miguel do Iguaçu e que é sobreposta por sua área de preservação permanente.
As demais famílias não foram reconhecidas como nativas por não terem sido
aprovadas em “critérios de indianidade”587, em perícia antropológica criminosamente
realizada, que esteve em campo por somente um único dia e cuja inveracidade é apontada
inclusive em documentos internos oficiais da época. Em encontro recente, realizado na
Tekoha Ocoy em dezembro de 2016, os Guarani apresentam um levantamento realizado
com apoio de entidades indigenistas, cujas conclusões apresentam um número de nove
comunidades submergidas na margem brasileira, à direita do Rio Paraná588. Pelo que se
pode apurar o destino dos desterrados, para além da Tekoha Ocoy, foi para outras comu-
nidades localizadas no Paraguai, Argentina, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná,
Mato Grosso do Sul e São Paulo. Houve casos em que o refúgio encontrado, ou forçado
pelos órgãos oficiais, foi em terras ocupadas por outros povos nativos, que em alguns casos

583 MELIÀ, Bartomeu. Mundo indígena y estado paraguayo. In: BRUN, Diego Abente; BORDA, Dionisio Borda
(Orgs.). El reto del futuro: asumiendo el legado del bicentenario. Asunción: Ministerio de la Hacienda de la República
del Paraguay, 2011. p. 299-358. p. 324.
584 CARVALHO, Maria Lucia Brant de. Das terras dos índios a índios sem terra, o Estado e os Guarani do Oco’y:
violência, silêncio e luta. 2013. 835 f. Tese (Doutorado em Geografia Humana) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. p. 377-415.
585 MARÉS, Carlos Frederico. Sobre a forma de transmissão da propriedade e posse aos índios Avá-Guarani do Rio
Ocoí, da nova área a lher ser destinada. Curitiba: [s.n.], 1982. Disponível em: <https://bd.trabalhoindigenista.org.br/
sites/default/files/Anexo 7l_Parecer de Carlos Mares.pdf>. Acesso: 9 fev. 2018.
586 BRASIL. Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973. Dispõe sobre o Estatuto do Índio. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6001.htm>. Acesso: 9 fev. 2018.
587 CARVALHO, Maria Lucia Brant de. Das terras dos índios a índios sem terra, o Estado e os Guarani do Oco’y:
violência, silêncio e luta. 2013. 835 f. Tese (Doutorado em Geografia Humana) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. p. 389.
588 COMISSÃO GUARANI YVYRUPA. Guaíra e Terra Roxa: Relatório sobre violações de direitos humanos contra
os Avá-Guarani do oeste do Paraná. São Paulo: Comissão Guarani Yvyrupa, 2017. p. 27.
ESTADOS NACIONAIS E AVANÇO DA FRONTEIRA AGRÍCOLA | 169
O alagamento da pedra que canta

apresentavam histórico de inimizade589. Tal situação não raras vezes acarretava como uma
nova forma de violação às comunidades Guarani que se estabeleciam nestas terras aldeadas
e dominadas por outros povos. Além da relação de violenta colonização sofrida para com
a sociedade nacional, a situação de viver em terras com domínios alheios traria pressões
por subalternidade para com outros povos nativos.

Figura 26: Deslocamentos Guarani refugiados pelo alagamento de Itaipu no Brasil590

Do lado paraguaio, um estudo realizado com o apoio da empresa binacional


indicava, em 1977, trinta e duas comunidades diretamente afetadas pelo alagamento, assim
como outras sete indiretamente atingidas591. Desprezando estes dados que constam em
relatórios internos592, apenas sete comunidades Guarani compostas por cerca de trezen-
tas famílias foram oficialmente reconhecidas pelos órgãos de governo paraguaio e pela
empresa binacional. Destas sete comunidades reconhecidas, apenas duas foram realocadas
para terras que vieram a ser legalizadas pelo Instituto Paraguayo del Indígena (INDI), órgão

589 MYSKIW, Antonio Marcos. A fronteira como destino de viagem: a colônia militar de Foz do Iguaçu (1888/1907).
2009. 245 f. Tese (doutorado em História) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2009. p. 126.
590 PACKER, Ian. Violações dos direitos humanos e territoriais dos Guarani no Oeste do Paraná (1946-1988):
Subsídios para a Comissão Nacional da Verdade. São Paulo: Centro de Trabalho Indigenista, 2013. p. 77.
591 BARÓN, Mariblanca. Los Ava Guaraní paranaenses: un etnocídio sistemático. Asunción: Centro de Estudios
Antropológicos de la Universidad Católica, 2017.
592 FOGEL, Gerardo. Investigaciones historicas, socioculturales y arqueológicas en el área de Itaipú: Sociedad,
cultura y dinámica regional. Asunción/Buenos Aires: Ediciones del Mercosur, 2002. t. I, II e III.
170 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

indigenista daquele país. As trinta e duas comunidades atingidas pelas águas de Itaipu na
margem paraguaia e esquerda do Rio Paraná tiveram um movimento migratório forçado,
cuja busca por refúgios se concentrou principalmente em quatro regiões em que havia
outras comunidades Guarani, nos distritos de Alto Paraná e Canindeju.

Figura 27: Deslocamentos Guarani refugiados pelo alagamento de Itaipu no Paraguai593

593 BARÓN, Mariblanca. Los Ava Guaraní paranaenses: un etnocídio sistemático. Asunción: Centro de Estudios
Antropológicos de la Universidad Católica, 2017. p. 81.
ESTADOS NACIONAIS E AVANÇO DA FRONTEIRA AGRÍCOLA | 171
O alagamento da pedra que canta

Os Guarani que se refugiaram da marcha para o oeste nos locais mais inacessí-
veis às margens do Rio Paraná, e dele retiravam seu sustento, foram atingidos no núcleo
histórico de seu território pelo mítico dilúvio, elemento integrante de sua religiosidade
profética como uma das formas de catástrofe escatológica, de fim do mundo594. A violência
empregada neste processo de expulsão, exercida com pleno conhecimento e participação
dos órgãos oficiais, para o espaço ocupado pelos Guarani às águas represadas é extrema-
mente presente na oralidade e memória coletiva deste povo, assim como na memória de
personagens que a receberam fisicamente e que atualmente vivem nas comunidades no
entorno do reservatório.

Eu vivi em Oco’y-Jakutinga, mas naquela época o colonizador já estava tudo em volta. E daí diz
que o Incra falou que tinha que sair, queimaram casa, e daí teve que sair. Eu lembro assim em
1969 era um mato ainda, vinha até no São Miguel, e daí eu acho que quando veio essa história
de Itaipu, que ia inundar tudo, então arrendou e terra pra plantar hortelã, enquanto a represa
fica pronta. E o índio também tinha que sair dali. Então veio o INCRA pra demarcar a terra
dos índios pra poder arrendar pro colono né?! E daí os índios tiveram que correr e passar pro
Paraguai. E aqueles que tem coragem fica né? Num cantinho...fica quieto ali. E por isso que
até hoje a gente não perde tudo né?! Tem como lutar ainda (...) Então quando veio Itaipu, em
1971, por aí, quando começou esse projeto, a gente só ficou no cantinho, 4, 5 famílias. Por
isso que até hoje Itaipu fala que só encontrou 5 famílias, que são as 5 famílias que tem direito
a ter terra. Mas tinha bastante, que correu tudo quando o INCRA veio botar fogo nas casas,
ficou 4, 5 famílias. Ficou aquele que tem coragem né? Aquele que não correu595.

Quando formaram Itaipu, vieram e disseram que iam dar indenização, iam arrumar outro
lugar, mas eles só levaram a gente embora. (...) eles mandavam embora e se não queria ir eles
mandavam na marra mesmo, espancavam...eles nem colocavam caminhão pros índios ir, tinha
que ir de a pé mesmo596.

Quando ele fez 13 anos, começou a construção da hidrelétrica de Itaipú no Rio Paraná e daí
ele diz que no início da construção veio um não-índio dizendo que o índio tem que sair da
beira do rio porque a área onde ele se encontra [antiga aldeia Apepu] vai alagar, né?! Então
eles foram obrigados a sair. Ao mesmo tempo, os não-índios que chegaram ali prometeram

594 CARVALHO, Maria Lucia Brant de. Das terras dos índios a índios sem terra, o Estado e os Guarani do Oco’y:
violência, silêncio e luta. 2013. 835 f. Tese (Doutorado em Geografia Humana) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. p. 370.
595 Depoimento de Pedro Alvares. Transcrito e citado em: PACKER, Ian. Violações dos direitos humanos e territoriais
dos Guarani no Oeste do Paraná (1946-1988): Subsídios para a Comissão Nacional da Verdade. São Paulo: Centro de
Trabalho Indigenista, 2013. p. 66.
596 Depoimento de Damásio Martines, colhido em junho de 2013 Tekoha Y’Hovy. Transcrito e citado em: LADEIRA,
Maria Inês; FARIA, Camila Salles de. Os ava-guarani em yvy mbyte, centro da terra e os processos de transformação de seu
território. In: MARÉS, Carlos Frederico (Coord.); BERGOLD, Raul Cezar; CALEIRO, Manuel Munhoz; MAMED,
Daniele de Ouro (Orgs.). Os Avá-Guarani no oeste do Paraná: (re)existência em Tekoha Guasu Guavira. Curitiba:
Letra da Lei, 2016. p. 53-87. p. 74.
172 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

dar outra área em troca da saída dos índios. Alguns índios aceitaram, outros resistiram. (...)
Daí começou o confronto de índio com não-índio e acabou que alguns foram mortos, alguns
conseguiram fugir, outros saíram amarrados. (...) Ele também correu daquele local e acabou
se separando da família, do pai, da mãe, e até hoje não sabe aonde foram parar. Conforme os
antigos contam, morreram nessa região a família dele, pai e mãe597.

Os danos causados pelo desterro que as águas causaram vão muito além da perda
de terras, adquirindo também características de violações e fortes impactos culturais. As
referências de sacralidade do Rio Paraná598 e de outros locais que foram submergidos pelas
águas se fazem presentes. A chegada do apocalipse em forma de águas, com a deformação
do curso do rio pelo reservatório e o alagamento de locais sagrados, acarreta danos cujos
relatos indicam um enfraquecimento da cultura.

Antigamente existia o Tape Marãe’y, caminho que Ñanderu (Deus) percorreu quando estava
na terra, que o jurua chama de caminho do Peabiru, ele passava aqui nesta região. Os Guarani
tinham encontrado o caminho para Yvy Marãe’y (terra sem mal), que era onde ficava o Salto das
Sete Quedas, que era chamado de Pokõi Ysyry. Lá, junto com as quedas d’água, no meio, tinha
uma caverna onde os Guarani iam para fazer as rezas. Nesse local pessoas impuras não podiam
entrar, lá entrava somente as pessoas de alma pura, os chamõi (rezadores) e charyi (rezadoras).
Um outro local, que era mais perto de Foz do Iguaçu, era Itaipyte, a pedra onde foi construída
a barragem de ITAIPU, ela foi construída em cima da pedra. Era outro local sagrado e que
era um outro caminho para chegar em Yvy Marãe’y. Sobre os dois locais, vem a questão do
impacto espiritual que ITAIPU nos causou pela inundação, porque naquele tempo os rezadores
e rezadoras não precisavam fazer tanto esforço para ter contato com Ñanderu. Através destes
dois lugares sagrados, a comunicação com ele era mais fácil, a sua voz era mais fácil de ouvir.
Existem raios que vem do céu e que ligam ele à terra. Com esses dois locais visíveis era mais
fácil de falar com Ñanderu. Nesses dois lugares tinha cura mais rápida também, assim como
dava pra saber o que aconteceria no futuro. Os chamõi e charyi conseguiam captar tudo isso
mais rápido, com mais facilidade. Depois da inundação, ficou mais difícil nosso contato com
Ñanderu. Antigamente, quando tinha esses dois locais, tinha bastante chamõi e charyi, novos
e velhos. Os velhos conseguiam trabalhar com os dons dos jovens com mais facilidade. Hoje
em dia é difícil de ver jovem rezador, tanto menina quanto menino, pois eles têm dificuldade
de desenvolver o dom, o que é muito triste, pois precisamos muito de rezadores. A inundação
causou um impacto espiritual muito grande, com palavras que não conseguimos explicar em

597 Depoimento de Simião Benites colhido em julho de 2012 no Tekoha Poha Renda e traduzido por Rufino Deni.
Transcrito e citado em: LADEIRA, Maria Inês; FARIA, Camila Salles de. Os ava-guarani em yvy mbyte, centro da terra
e os processos de transformação de seu território. In: MARÉS, Carlos Frederico (Coord.); BERGOLD, Raul Cezar;
CALEIRO, Manuel Munhoz; MAMED, Daniele de Ouro (Orgs.). Os Avá-Guarani no oeste do Paraná: (re)existência
em Tekoha Guasu Guavira. Curitiba: Letra da Lei, 2016. p. 53-87. p. 74.
598 LADEIRA, Maria Inês; FARIA, Camila Salles de. Os ava-guarani em yvy mbyte, centro da terra e os processos de
transformação de seu território. In: MARÉS, Carlos Frederico (Coord.); BERGOLD, Raul Cezar; CALEIRO, Manuel
Munhoz; MAMED, Daniele de Ouro (Orgs.). Os Avá-Guarani no oeste do Paraná: (re)existência em Tekoha Guasu
Guavira. Curitiba: Letra da Lei, 2016. p. 53-87. p. 73.
ESTADOS NACIONAIS E AVANÇO DA FRONTEIRA AGRÍCOLA | 173
O alagamento da pedra que canta

português. Ela afeta também a questão da salvação após a morte, pois, na nossa crença, se uma
pessoa morre e é enterrada perto desse lugar sagrado, tínhamos certeza absoluta que sua alma
já estava num lugar onde pudesse descansar junto a Ñanderu599.

A violência da colonização de seus territórios, aguda e continuamente sentida


por este povo desde o século XVI, chegava ao seu ponto mais crítico com a criação da
usina e reservatório de Itaipu. Com a colonização de seu último grande refúgio no cen-
tro do mundo e o alagamento das margens do Rio Paraná, a resistência ao ocidente teria
de adquirir outros contornos. Desfeita pela colonização, a fronteira Guarani na região
da tríplice fronteira entre Argentina, Brasil e Paraguai, precisaria se readequar ao novo
contexto. Para este povo não haveria mais para onde caminhar e se afastar da colonização.
A invisibilidade, estratégia de resistência que se apresentava no desde o início do século
XX com o afastamento das linhas coloniais e busca por isolamento no centro do mundo,
teria de ceder espaço para a assunção de outras formas.
Como a divindade havia criado espaços para todos os povos, a consciência coletiva
Guarani no início do século passado apresentava uma aversão aos conflitos pela terra600.
Quando as linhas do ocidente se aproximavam, bastava seguir sua caminhada, se afas-
tando da colonização para outros locais que se apresentassem ecologicamente aptos a
seus modos de vida. Ocorre que, com a radicalização do processo de colonização de Yvy
Mbyte e a submersão das margens do Rio Paraná, os grandes espaços seguros e aptos no
centro do mundo haviam praticamente acabado. Este povo, que então não aceitava a
luta por territórios, viria a incorporar a retomada de parte das terras às quais possuíssem
vínculos culturais como elemento necessário para houvesse lugar para os usos e práticas
imprescindíveis de sua sobrevivência, física e cultural601.

599 MARTINES, Paulina Cunha Takua Rocay Ponhy; SOARES, Ilson; ESPINOLA, Wilfrido Benites; TSEREMEYWA,
Gessica Martines; VERA, Vilma; MACIEL, Gilberto. Opamba’e Ñanderu Rembiapo Meme (Tudo foi Ñanderu quem fez).
Transcrição de Manuel Munhoz Caleiro. In: MARÉS, Carlos Frederico (Coord.); BERGOLD, Raul Cezar; CALEIRO,
Manuel Munhoz; MAMED, Daniele de Ouro (Orgs.). Os Avá-Guarani no oeste do Paraná: (re)existência em Tekoha
Guasu Guavira. Curitiba: Letra da Lei, 2016. p. 26-34. p. 26-27.
600 LADEIRA, Maria Inês. O caminhar sob a luz: território mbya à beira do oceano. São Paulo: Editora UNESP, 2007.
p. 25
601 LADEIRA, Maria Inês; FARIA, Camila Salles de. Os ava-guarani em yvy mbyte, centro da terra e os processos de
transformação de seu território. In: MARÉS, Carlos Frederico (Coord.); BERGOLD, Raul Cezar; CALEIRO, Manuel
Munhoz; MAMED, Daniele de Ouro (Orgs.). Os Avá-Guarani no oeste do Paraná: (re)existência em Tekoha Guasu
Guavira. Curitiba: Letra da Lei, 2016. p. 53-87. p. 76.
Da invisibilidade à
retomada
DA INVISIBILIDADE À RETOMADA | 177
Identidades Guarani

IDENTIDADES GUARANI

As consequências do apocalipse colonial ao povo Guarani são impossíveis de ser


calculadas nos moldes modernos. Os registros científicos ocidentais de fatos e processos
históricos apontados certamente constituem somente uma pequena fração de conflitos,
guerras, resistências e lutas, assim como acerca das identidades coletivas de seus prota-
gonistas. Ainda que haja constatação de vastidão bibliográfico-científica sobre o povo
Guarani602, bem superior à destinada a vários outros povos, há muito o que se conhecer
sobre este povo, cujos sobreviventes dos processos coloniais estão inseridos em complexos
e diferentes contextos de conflitos socioambientais.
Das parcialidades Guarani indicadas pelas fontes como presentes na Bacia do
Prata quando do início da conquista ibérica603, pouco se conhece sobre suas autoidentifi-
cações. Seus nomes são indicados nas fontes em virtude dos nomes de rios, de lideranças
políticas etc. Da mesma maneira, identidades coletivas são ocultadas em termos como
monteses604 ou kainguá605, cujos significados ou traduções manifestam somente uma
situação de resistência através da fuga da colonização para os montes, para as florestas
que estavam em regiões ainda não colonizadas. Ao mesmo tempo, e na grande maioria
dos casos, suas autodenominações contemporâneas e aquelas que lhes são atribuídas por
estudiosos ocidentais não coincidem entre si606. A distância entre as referências científicas
e os povos que atualmente se reconhecem como Guarani são grandes, embora em muitos
casos estes adotem estrategicamente as denominações que lhes são dadas pelas sociedades
nacionais para que com elas possam se relacionar.
Enquanto a colonização avançava sobre Yvy Mbyte no início do século XX, eram
produzidos os dados etnológicos e etnográficos direitos e iniciais junto ao povo Guarani,
cuja coleta e sistematização pela primeira vez acontecia com algum senso de alteridade.
Antes deste período, toda e qualquer análise em relação à identidade foi pautada por
reconstruções realizadas a partir de registros históricos e documentais fragmentários
que, embora meticulosamente realizadas com métodos criteriosos em alguns casos, são
passíveis de questionamentos607. Estas análises também estão sujeitas a eventuais alterações,

602 VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo Batalha. Araweté: os deuses canibais. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1986. p. 82.
603 SUSNIK, Branislava. El rol de los indígenas en la formación y en la vivencia del Paraguay. Asunción: IPEN,
1982. t. 1. p. 72-73.
604 SUSNIK, Branislava. El rol de los indígenas en la formación y en la vivencia del Paraguay. 3 ed. Asunción:
Intercontinental Editora, 2017. p. 69.
605 MELIÀ, Bartomeu. O Guarani: uma bibliografia etnológica. Santo Ângelo: Fundação Missioneira de Ensino Superior,
1987. p. 354.
606 LADEIRA, Maria Inês. Espaço geográfico Guarani Mbya: Significado, constituição e uso. Maringá: EDUEM; São
Paulo: EDUSP: 2008. p. 54.
607 MONTEIRO, John Manuel. Os Guarani e a história do Brasil meridional: Séculos XVI-XVII. In: CARNEIRO DA
CUNHA, Manuela. (Org.) História dos Índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p. 475-498. p. 475.
178 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

em decorrência de diferentes abordagens e novas interpretações em virtude de algum


possível achado de fontes primárias.
As identidades não podem ser definidas e conceituadas por si só. Tendo sido cons-
tituídas por uma série de elementos e processos que se determinam por fatores socioam-
bientais de tempo/espaço, cabe unicamente ao sujeito coletivo a indicação de critérios de
pertencimento e exclusão608. Somente é possível perceber caracteres identitários alheios
através da alteridade, em que diferenças culturais podem ser verificadas, abrindo campos
de estudos e reflexões.
A mera constatação da diferença, entretanto, não é capaz por si só de oferecer
elementos que possibilitem diferenciar outros grupos com etnicidades ou identidades
próprias entre si. Para tanto são necessários esforços para a detecção de diferentes padrões
culturais. Na ciência moderna, em relação ao povo Guarani, a diferenciação entre grupos
identitários tem sido baseada em diferenças dialetais e de práticas religiosas609, característica
relevante e que permeia todos os demais elementos de suas culturas. Porém, para além das
práticas nativas e sob o risco da adoção de padrões culturais fixos, mostra-se necessário
observar as ações sociais que as atualizam610.
O levantamento inicial de elementos da cultura Guarani, que possibilitam a
diferenciação grandes grupos e alguns padrões identitários diferenciados dentro deste
povo, são recentes e datam do final do século XIX611. A realização de estudo com alguma
adoção de método científico na região da tríplice fronteira entre Argentina, Brasil e Para-
guai indicava diferenciações culturais nos então chamados Kainguá, em que foi indicada
a distinção entre grupos Baticolas, Chiripás e Catanduvas.
No início do século XX os conhecimentos científicos-ocidentais acerca das
identidades do povo Guarani ganhariam um marco que até hoje influencia os estudos
sobre este povo612. Embora não apresentasse dados e conclusões comparativas acerca das
diferentes identidades Guarani, uma produção etnológica autodidata613, fruto de longa
vivência entre um grupo Apapocúva que migrava desde o centro da terra para o leste,

608 LADEIRA, Maria Inês. Espaço geográfico Guarani Mbya: Significado, constituição e uso. Maringá: EDUEM; São
Paulo: EDUSP: 2008. p. 74.
609 LADEIRA, Maria Inês. Espaço geográfico Guarani Mbya: Significado, constituição e uso. Maringá: EDUEM; São
Paulo: EDUSP: 2008. p. 60.
610 PACHECO DE OLIVEIRA, João. Os instrumentos de bordo: expectativas e possibilidades do trabalho do antropólogo
em laudos periciais. In: SILVA, Orlando; LUIZ, Lídia; HELM, Cecília (Org.). A perícia entropológica em processos
judiciais. Florianópolis: ABA, 1994. p. 120.
611 AMBROSETTI, Juan Bautista. Los Indios Cainguá del Alto Paraná (Misiones). In: Boletin del Instituto Geográfico
Argentino. Buenos Aires: Imprenta Roma, 1894. v. XV. p. 661-744.
612 VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo Batalha. Nimuendaju e os Guarani, In: NIMUENDAJU, Curt. As lendas da
criação e destruição do mundo como fundamentos da religião dos Apapocúva-Guarani. São Paulo: Editora Hucitec/
Editora da Universidade de São Paulo, 1987. p. XXII.
613 NIMUENDAJU, Curt. As lendas da criação e destruição do mundo como fundamentos da religião dos
Apapocúva-Guarani. São Paulo: Editora Hucitec/Editora da Universidade de São Paulo, 1987.
DA INVISIBILIDADE À RETOMADA | 179
Identidades Guarani

captou pela primeira vez a essência da palavra profética falada, característica cultural
fundamental neste povo614.
O estudo comparativo dos diferentes padrões culturais Guarani se consolidaria da
maneira que atualmente se apresenta em meados do século XX, em meio à marcha para o
oeste. Inicialmente, segundo linhas clássicas da ciência etnográfica, dados são levantados
e sistematizados615 novamente na região da tríplice fronteira entre Argentina, Brasil e
Paraguai, na década de 1930. Eles apresentam uma primeira diferenciação cultural até
hoje majoritariamente aceita na antropologia616, com o estudo do povo Guarani através
divisão de três grandes grupos: Kaiova, Nhandéva, Mbya.
Esta divisão seria consolidada e seus fundamentos aprofundados com novos
estudos científicos na década de 1950617, oportunidade em que dados etnográficos de
cada uma destas identidades foram coletados e apresentados com maior desenvoltura e de
maneira comparada. Ao mesmo tempo, os conhecimentos ocidentais sobre o pensamento
e cultura Mbya recebiam outro grande aporte por estudo etnológico autodidata618, com
a tradução de uma linguagem ritual específica e que demonstra com aguda e sensível
profundidade aspectos etnológicos.
Mais recentemente, já no século XXI, outras identidades vão sendo inseridas
(ou vão se inserindo) no quadro identitário antropológico-Guarani perante as socie-
dades nacionais. Embora já fossem conhecidas619, por motivos que se desconhece tais
identidades foram excluídas das principais pesquisas e investigações acadêmicas do século
XX. Possivelmente por condições de afastamento territorial dos outros grupos Guarani,
os Chiriguano que haviam migrado em períodos pré-ibéricos ao sul da atual Bolívia620,
tradicionalmente não constam da maior parte da literatura sobre os Guarani.
Igualmente invisibilizados e também falantes de línguas ou dialetos Guarani,
provavelmente pelo extremamente pequeno número de sobreviventes às violências da
colonização (ao ponto de serem erroneamente declarados extintos), estão as identidades

614 MELIÀ, Bartomeu. Mundo Guarani. Asunción: Servilibro, 2011. p. 33.


615 MÜLLER, Franz. Etnografia de los Guarani del Alto Paraná: a los 100 anos de la obra apostolica de la congregación
de los misioneros del verbo divino en la Argentina. Rosario: Escuela de Artes Gráficas del Colegio Salesiano San José, 1989.
616 LADEIRA, Maria Inês. Espaço geográfico Guarani Mbya: Significado, constituição e uso. Maringá: EDUEM; São
Paulo: EDUSP: 2008. p. 60.
617 SCHADEN, Egon. Aspectos fundamentais da cultura Guarani. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
1974.
618 CADOGAN, León. Ayvu Rapyta: textos místicos de los Mbyá-Guarani del Guairá. Asunción: CEPAG/CEADUC,
2015. p. 48-49.
619 MELIÀ, Bartomeu. Camino Guarani: De lejos venimos, hacia más lejos caminamos. Asunción: CEPAG, 2016. p.
24-25.
620 PIFARRÉ, Francisco. Historia de un pueblo: Los Guaraní-Chiriguano. La Paz: Fundación Xavier Albó, 2015. p. 5.
180 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

Xetá621 e Aché622. Tais povos, cuja extinção quase completa ocorreu de maneira documen-
tada durante a colonização dos territórios que ocupavam na Serra dos Dourados no Paraná,
no caso Xetá, e na porção ocidental do Paraguai, no caso Aché, ambos em meados do
século XX, apenas na presente década têm sido apresentados academicamente como iden-
tidades Guarani, de acordo com os critérios de diferenças dialetais e de práticas religiosas.
Ainda que algumas nomenclaturas de identidades coletivas Guarani sejam pre-
dominantes nas fontes bibliográficas, outras tantas podem ser verificadas. Elas decorrem
de autodenominações assumidas por diferentes identidades, assim como nomes que lhes
são conferidos por terceiros, seja de outros grupos Guarani, de outros povos nativos ou
então pelas sociedades nacionais. Impossível e impróprio seria apresentar uma divisão ou
classificação definitiva, que abrangesse de maneira satisfatória suas autodenominações e
aquelas com elas relacionadas nos registos ocidentais.
Todavia, em observância às formas com que as identidades Guarani contemporâ-
neas se apresentam em meios internos de articulação política supra-regional623 e perante
as sociedades nacionais, adota-se o agrupamento em cinco grandes grupos identitários:
Aché, Avá-Guarani, Chiriguano, Kaiowá e Mbya. Referindo-se a tais grupos, uma com-
plexa relação de outros nomes pode ser verificada na literatura, não raras vezes sendo
impossível saber ao certo a quais grupos identitários se referem. Para além das indicadas
identidades contemporâneas Guarani certamente existem outras tantas, invisíveis aos
olhos ocidentais. As pretensões científico-acadêmicas, de antropologia aplicada e/ou
de militância política em apoio às suas demandas, não raras vezes são afetadas por uma
espécie de fascínio624 que o caminhar junto a este povo acarreta.
Certamente a perenidade de estudos e conhecimentos levarão à ciência moderna
uma insistência em continuar enxergando, segmentando e categorizando identidades
coletivas Guarani. Com outros dados etnológicos e etnográficos sendo coletados e siste-
matizados por diferentes abordagens, o consenso que atualmente se apresenta é eivado
de precariedade, sendo esta entendida tanto no sentido de sua debilidade quanto no de
sua provisoriedade625.

621 RODRIGUES, Aryon Dall’Igna. A língua dos índios Xetá como dialeto Guarani. Revista Brasileira de Linguística
Antropológica, [s.l.], v. 3, n. 2, p. 211-215, 2013.
622 MELIÁ, Bartomeu; MIRAGLIA, Luigi; MUNZEL, Mark; MUNZEL, Christine. La agonía de los Aché-Guayakí:
historia y cantos. Asunción: Centro de Estudios de la Universidad Catolica, 1973.
623 MAPA GUARANI CONTINENTAL. Povos Guarani na Argentina, Bolívia, Brasil e Paraguai. Campo Grande:
CIMI, 2016. p. 10.
624 MELIÀ, Bartomeu. O Guarani: uma bibliografia etnológica. Santo Ângelo: Fundação Missioneira de Ensino Superior,
1987. p. 9.
625 MELIÀ, Bartomeu. O Guarani: uma bibliografia etnológica. Santo Ângelo: Fundação Missioneira de Ensino Superior,
1987. p. 354. Com adaptações e atualizações pelo autor, fundamentadas em: MAPA GUARANI CONTINENTAL.
Povos Guarani na Argentina, Bolívia, Brasil e Paraguai. Campo Grande: CIMI, 2016. p. 10.
DA INVISIBILIDADE À RETOMADA | 181
Identidades Guarani

ACHÉ AVÁ-GUARANI CHIRIGUANO KAIOWÁ MBYA


Gwarayú Nhandéva Ava Paî-Tavyterã Apyteré
Sirionó Ava-Katu-Ete Isoso Abá Ava-eté
Mbía Apapokuva Mbía Avá Baticola
Yuki Avá-Chiripá Chahuancos Caiuá Caayguá-Byá
Guarasug’we Avá-Guarani Isoseño Cayoá Jeguaká
Tapieté Ava-Katu Guarani Ocidental Cayowá Jeguakava
Guaraní-Ñandeva Ava-Kwé-Chiripá Ava-Guarani Cayuá Jeguakava Tenondé
Guarayos Cheirú Kaiová Mby’a
Chiripá Kaiowá Mbia
Nhandeva Kaiwá Mbüa
Ñandeva Kayowá Mbwiha
Oguauíva Kayuá Tembecuá
Tañuguá Pañ Tembekwá
Terenohe Yeguaka-va Tenondé

Depois de mais de cinco séculos sob pressões coloniais, o território do povo Gua-
rani continua se constituindo na Bacia do Prata e, embora sua efetiva ocupação territorial
tenha sofrido fortes alterações decorrentes da colonização, os diferentes grupos consti-
tuem suas próprias fronteiras culturais. Elas extrapolam e se apresentam completamente
assimétricas aos limites precisos limites que foram violentamente criados pelos estados
nacionais, embora por eles severamente afetados nos processos de constituição de seus
territórios. Dito de outra maneira, os processos de construção dos limites e fronteiras
dos estados nacionais e suas divisões internas violentaram os corpos, as identidades e os
territórios Guarani, mas foram insuficientes para impor a homogeneização cultural que
a monocultura do pensamento moderno busca impor.
As localidades que os Guarani ocupam atualmente se concentram em três grandes
regiões: aos pés da Cordilheira dos Andes, em uma faixa entre os Rios Paraguai e Paraná,
e na costa Atlântica. Ainda que haja dificuldade em quantificar sua população em virtude
de sua mobilidade dentro dos territórios626, números extremamente recentes indicam uma
população de mais de duzentas e oitenta mil pessoas, que vivem em aproximadamente mil
e quinhentas comunidades627, havendo a indicação de que o povo Guarani se encontra
em franco processo de crescimento populacional. As grandes distâncias dos territórios
ocupados atualmente não se traduzem, em regra, em uma vasta disponibilidade de terras.

626 BRIGHENTI, Clovis Antonio. Estrangeiros na própria terra: Presença Guarani e Estados Nacionais, Florianópolis/
Chapecó: UFSC/Argos, 2010. p. 141.
627 MAPA GUARANI CONTINENTAL. Povos Guarani na Argentina, Bolívia, Brasil e Paraguai. Campo Grande:
CIMI, 2016. p. 6.
182 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

Cercados pelas sociedades nacionais, os espaços territoriais que ocupam se constituem


por processos e contextos distintos.

Figura 28: Concentrações demográficas Guarani628

Em duas das três grandes regiões em que há ocupação territorial Guarani é possí-
vel indicar a prevalência entre os diferentes grupos identitários. Os Chiriguano prevalecem
aos pés da Cordilheira dos Andes629, em territórios constituídos ao norte da Argentina e
sul da Bolívia. Ali se estabeleceram logo antes do início da conquista ibérica, cujos grandes
movimentos migratórios continuaram na primeira metade do século XVI. Um destes
movimentos, como já mencionado, foi acompanhado por Aleixo Garcia em 1524, desde
a Ilha de Santa Catarina. No outro extremo dos territórios há predomínio da identidade
Mbya630, pela Costa Atlântica dos estados brasileiros do Espírito Santo, Rio de Janeiro,
São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A situação de predominância
Mbya no litoral é um fato recente, com antiga prevalência Nhandéva, apontado pelos

628 MAPA GUARANI CONTINENTAL. Povos Guarani na Argentina, Bolívia, Brasil e Paraguai. Campo Grande:
CIMI, 2016. p. 4.
629 ALBÓ, Xavier. Los Guaraní-Chiriguano: la comunidad hoy. La Paz: CIPCA, 1990.
630 LADEIRA, Maria Inês. Espaço geográfico Guarani Mbya: Significado, constituição e uso. Maringá: EDUEM; São
Paulo: EDUSP: 2008. p. 63.
DA INVISIBILIDADE À RETOMADA | 183
Identidades Guarani

registros realizados a partir das décadas de 1960 e 1970631.


A mesopotâmia Guarani, entre os Rios Paraná e Paraguai, é lugar de encontro
e de fronteiras identitárias, em que vivem grupos Aché, Avá-Guarani, Kaiowá e Mbya.
Dentro deste espaço é possível indicar alguma prevalência Kaiowá ao norte, cuja ocupação
se encontra no nordeste do Paraguai e sul do Mato Grosso do Sul, e Mbya ao sul, ocupando
territórios na província argentina de Misiones e no sudeste paraguaio. No centro desta
região há prevalência Avá-Guarani, na região leste do Paraguai, assim como nas regiões
sudoeste e oeste do estado do Paraná e extremo sul do Mato Grosso do Sul.

Figura 29: Comunidades Guarani na tríplice fronteira632

Ainda que seja possível afirmar a prevalência de determinadas identidades em


determinadas regiões, cabe a ressalva de que as fronteiras culturais entre as diferentes
identidades Guarani estão muito longe de serem precisas e determinadas como as das
sociedades nacionais. Não raramente grupos que mantém diferenças entre si compar-
tilham terras e territórios, fato que ocorre principalmente nos locais onde os tamanhos
dos espaços que ocupam são mais precários. Ademais, embora o senso de alteridade para
com as outras identidades Guarani seja verificado e influencie valorizando ou inviabili-
zando parentescos e relações de reciprocidade633, geralmente se apresenta a consciência
de compartilhamento de caracteres culturais relevantes, de pertencimento a um povo
que se diferencia das sociedades nacionais e que perante elas se apresentam com alguma

631 LADEIRA, Maria Inês. Espaço geográfico Guarani Mbya: Significado, constituição e uso. Maringá: EDUEM; São
Paulo: EDUSP: 2008. p. 64.
632 MAPA GUARANI CONTINENTAL. Povos Guarani na Argentina, Bolívia, Brasil e Paraguai. Campo Grande:
CIMI, 2016. Com edições pelo autor.
633 LADEIRA, Maria Inês. Espaço geográfico Guarani Mbya: Significado, constituição e uso. Maringá: EDUEM; São
Paulo: EDUSP: 2008. p. 64.
184 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

unidade634, que não apaga ou ignora diversidades.


As fronteiras nacionais que foram criadas sobre os territórios que outrora ocupa-
vam de maneira contínua, embora interfiram diretamente em suas ocupações territoriais,
não foram suficientes para diluir a identidade Guarani. Fracassou o declarado intuito
colonizador de integrá-los à “comunhão nacional”, pois continuam mantendo e ressigni-
ficando suas identidades não contra o estado635, mas sim apesar dele636. O sentimento de
pertencimento ao povo nativo permanece, ao tempo que identidades e categorias nacionais
são eventualmente assumidas de maneira estratégica para a facilitar a materialização de
direitos perante os estados nacionais.
A resistência Guarani à divisão e retaliação de seus territórios em estados e fron-
teiras nacionais se materializa através da persistente postura de ignorá-las e desconhe-
cê-las como caractere determinante sobre a identidade637. Principalmente em regiões
fronteiriças, ainda que com eventuais dificuldades práticas de mobilidade entre países,
a postura de reiteradamente desconhecer fronteiras nacionais permite a manutenção de
relações culturais e de parentesco, em que permanece a mobilidade sobre os territórios
que caracteriza sua cultura638, independentemente do local em que outras comunidades
estejam e/ou sejam constituídas. Desta maneira, as fronteiras que se fazem visíveis aos
olhos Guarani são aquelas culturais, construídas pelas suas diferentes identidades, em que
as relações de pertencimento ou alteridade impõem dinâmicas socioculturais próprias,
que se mostram como assimétricas à nacionalidade.

Nossos avós antigos, nossos parentes antigos, não viviam como agora. Naquela época, era tudo
mato. Desde o começo eles já começaram a caminhar. Mas não era como agora. Nossos avós
antigos rezavam muito e, então, Nhanderu já mostrava o caminho para o filho. Dizia: “agora
vai”. Kuaray, no nascer do Sol, sempre iluminava para ele. Varias pessoas, antigamente, vieram,
mas não era para ficar por aqui. Vieram para atravessar, atravessar o mar, chegar em Yvy Marã
e’y. Sempre vinham. Muitos. Vinham, vinham, vinham. Mas, depois que começaram as cidades
e os países – Paraguai, Argentina, Brasil –, aí já não conseguiam mais, pois já não era mais
como antigamente. As cidades com suas cercas impediam a caminhada deles639.

634 BRAND, Antonio; COLMAN, Rosa Sebastiana. Os Guaraní na fronteira do Brasil, Paraguay e Argentina: uma viagem
de intercâmbio Guaraní. Interethnic@-Revista de estudos em relações interétnicas, [s.l.], v. 14, n. 2, p. 82-96, 2014.
635 CLASTRES, Pierre. Sociedade contra o Estado. Tradução de Theo Santiago. São Paulo: Cosac Naify, 2012. p. 111.
636 MELIÀ, Bartomeu. El Pueblo Guarani: Unidad y fragmentos. Tellus, Campo Grande, ano 4, n. 6, p. 151-163, out.
2004. Disponível em: <http://www.tellus.ucdb.br/index.php/tellus/issue/view/6>. Acesso em: 29 jul. 2017.
637 MELIÀ, Bartomeu. El Pueblo Guarani: Unidad y fragmentos. Tellus, Campo Grande, ano 4, n. 6, p. 151-163, out.
2004. Disponível em: <http://www.tellus.ucdb.br/index.php/tellus/issue/view/6>. Acesso em: 29 jul. 2017. p. 161.
638 MARTINES, Paulina Cunha Takua Rocay Ponhy; SOARES, Ilson; ESPINOLA, Wilfrido Benites; TSEREMEYWA,
Gessica Martines; VERA, Vilma; MACIEL, Gilberto. Opamba’e Ñanderu Rembiapo Meme (Tudo foi Ñanderu quem fez).
Transcrição de Manuel Munhoz Caleiro. In: MARÉS, Carlos Frederico (Coord.); BERGOLD, Raul Cezar; CALEIRO,
Manuel Munhoz; MAMED, Daniele de Ouro (Orgs.). Os Avá-Guarani no oeste do Paraná: (re)existência em Tekoha
Guasu Guavira. Curitiba: Letra da Lei, 2016. p. 26-34. p. 32.
639 VERA MIRIM, Xeramõi João da Silva (Tekoa Xapukai/Brakui, Angra dos Reis/RJ). Nhaneramõi Kuery Oguata
DA INVISIBILIDADE À RETOMADA | 185
Identidades Guarani

Ainda que em diferentes contextos, é possível indicar uma unidade acerca de suas
formas de ocupação territorial640. Ao local onde se assentam dão o nome de tekoha, lugar
no qual é possível exercer o modo de ser Guarani641. Este é um espaço territorializado que
forma uma comunidade autônoma, cujo tamanho das terras ocupadas variam de acordo
com os contextos e possibilidades regionais. Tradicionalmente o termo tekoha é explicado
pela antropologia de maneira desmembrada, como teko (modo de ser) ha (lugar), cuja
tradução seria “o lugar de nosso modo de ser; o lugar onde somos o que somos”642.
No tekoha é mantida uma forte coesão social através de lideranças políticas e
religiosas643. Caso esta coesão seja quebrada outros consensos são criados através de cisão
da comunidade, ou pela saída de dissidentes, que se movimentam pelo território e cons-
tituem outras comunidades autônomas. Isso contribui com a dinâmica de constituição
do território através da mobilidade, que, embora possa também se apresentar por outros
motivos, constitui uma criativa forma de contínua reorganização social.
O conceito de tekoha é presente na literatura sobre os Guarani desde os primeiros
registros ocidentais coloniais644, que no início do século XVII lhe era atribuído como o
local de ser, de estar, costume, lei, hábitos. Sua territorialização era exercida a princípio por
um núcleo familiar elementar, tey, cuja família extensa monogâmica constitui a unidade de
produção. A ela outros núcleos familiares podem se juntar, o que geralmente ocorre por
relações de parentesco645. Esta estrutura se mantém sem maiores alterações desde quase
dois milênios, cuja descrição contemporânea coincide com os dados apontados no início
deste trabalho646, quando abordado o processo de etnogênese Guarani pela miscigenação
de grupos proto-mbyá e proto-cario. Ainda que ressignificações e adequações decorrentes
dos diferentes contextos regionais se apresentem, é possível apontar uma continuidade
na essência da constituição de seus territórios.
Mantida a estrutura e dinâmica de mobilidade e territorialização, o que se alterou
drasticamente com a colonização ibérica e sua manutenção pelos estados nacionais foram

Yvyrupa Rupi - Nossos avós caminharam ao redor da Terra. In: RAMO Y AFFONSO, Ana Maria; PESQUISADORES
GUARANI de Aldeias de Santa Catarina e Paraná. Guata Porã - Belo Caminhar. São Paulo: Centro De Trabalho
Indigenista/Comissão Guarani Yvyrupa, 2015. p. 46-55. p. 46.
640 MELIÀ, Bartomeu. El Pueblo Guarani: Unidad y fragmentos. Tellus, Campo Grande, ano 4, n. 6, p. 151-163, out.
2004. Disponível em: <http://www.tellus.ucdb.br/index.php/tellus/issue/view/6>. Acesso em: 12 fev. 2018.
641 LADEIRA, Maria Inês. Comunidades Guarani da Barragem e do Krukutu e a linha de transmissão de 750 KV
Itaberá - Tijuco Preto III. São Paulo: FURNAS: 2000. p. 64.
642 MELIÀ, Bartomeu. Camino Guarani: De lejos venimos, hacia más lejos caminamos. Asunción: CEPAG, 2016. p. 45.
643 MELIÀ, Bartomeu; GRÜNBERG, Georg; GRÜNBERG, Friedel. Pãi-Tavyterã: etnografía Guaraní del Paraguay
contemporáneo. 2. ed. corregida y aumentada. Asunción: Centro de Estudios Antropológicos de la Universidad Católica,
2008. p. 131.
644 MONTOYA, Antonio Ruiz de. Tesoro de la lengua Guaraní. Publicado por Bartomeu Melià. Asunción: CEPAG,
2011. t. 4. p. 545.
645 LADEIRA, Maria Inês. Comunidades Guarani da Barragem e do Krukutu e a linha de transmissão de 750 KV
Itaberá - Tijuco Preto III. São Paulo: FURNAS: 2000. p. 64.
646 SUSNIK, Branislava; CHASE-SARDI, Miguel. Los índios del Paraguay. Madrid: Editorial Mapfre, 1995. p. 33.
186 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

os espaços disponíveis para a constituição do tekoha. As atuais terras ocupadas por este
povo se mostram como pequenas ilhas em meio às terras dominadas pelas sociedades
colonizadoras. Embora sua concepção de território para os Guarani continue abrangendo a
integralidade das terras que seus ancestrais ocupavam por toda Bacia do Prata647, a postura
de pretensa ordenação política da estrutura agrária e fundiária assumida pelos estados
nacionais, assim como o efetivo domínio da grande maioria das terras pelas sociedades
colonizadoras, inviabilizam o livre exercício de sua mobilidade territorial tradicional.

TERRAS E TERRITÓRIOS

O núcleo da mentalidade colonial para assegurar terras aos povos nativos não
sofre alterações desde o início da colonização ibérica, no século XVI. Aldeamentos,
reduções e reservas são termos que designam práticas que sempre se fundamentam na
concepção de confinamento dos povos às terras que lhes são destinadas, para que a colo-
nização possa avançar sobre as demais. Ainda que a categoria jurídica que atualmente se
apresenta no Brasil, de terra indígena tradicionalmente ocupada, tenha alguns atributos
diferenciados e que serão abordados em momento próprio, cabe ao poder público realizar
sua demarcação, ou seja, indicar fisicamente marcos limítrofes. Assim, a lógica de confi-
namento permanece e até pouco tempo atrás era declaradamente assumida pelo Brasil até
que os povos fossem “progressiva e harmoniosamente” integrados à comunhão nacional648.
Esta mentalidade, cujo reducionismo ou cinismo se fundamenta na ideia de
que os territórios dos povos possuem estrita obediência às terras demarcadas, é total
e especialmente imprópria para atender os direitos territoriais do povo Guarani649. A
territorialidade deste povo se cria e recria pelo movimento, com a constante constitui-
ção de novas comunidades, acampamentos temporários de passagem e deslocamentos
entre as comunidades já constituídas, com vias a possibilitar o intercâmbio e relações de
reciprocidade, em especial através da constituição de vínculos familiares e intercâmbio
de espécies e cultivares. Este movimento, com profundo sentido profético e mitológico,
acarreta em uma multidirecionalidade de deslocamentos sobre os territórios, cuja signi-
ficação e ressignificação de referências naturais e culturais/históricas reproduz e atualiza
seu modo de ser650.

647 LADEIRA, Maria Inês. O caminhar sob a luz: território mbya à beira do oceano. São Paulo: Editora UNESP, 2007.
p. 68
648 BRASIL. Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973. Dispõe sobre o Estatuto do Índio. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6001.htm>. Acesso: 22 jan. 2018.
649 LADEIRA, Maria Inês. Espaço geográfico Guarani Mbya: Significado, constituição e uso. Maringá: EDUEM; São
Paulo: EDUSP: 2008. p. 89.
650 BRIGHENTI, Clovis Antonio. A territorialidade guarani e a ação do Estado–estudo comparado entre Brasil e
Argentina. Tellus, [s.l.], n. 6, p. 111-136, 2014. p. 112.
DA INVISIBILIDADE À RETOMADA | 187
Terras e terrotórios

Aqueles que seriam Nhanderu Mirim caminhavam lá de Yvy Mbyte (o centro do mundo),
onde tinha uma Opy. Eles não caminhavam sozinhos. Eles caminhavam através da palavra de
Nhanderu, que ilumina onde tem que ir. Não era a pessoa sozinha que queria caminhar e ia.
Eles conseguiam através da casa de reza, através da reza eles conseguiam realizar a caminhada.
Aquele que ia na frente, o Karai (liderança espiritual), tinha amor, por isso eles conseguiam.
Todos os parentes, os filhos e os netos, ele queria que vivessem em tranquilidade, que todos
tivessem mbara’ete (forca). Eles conseguiam através da reza, contando, passando informação
para Nhanderu sobre a comunidade, pedindo para Nhanderu fortalecer a todos. Eles tinham
amor pela vida das pessoas. Por isso que eles conseguiam que Nhanderu iluminasse o caminho
para eles. Nhanderu tenonde, yvyraija tenonde, aquele que ficava na frente da comunidade, tinha
amor por todos, e ele mostrou isso a Nhanderu. Nhanderu estava vendo o que eles estavam
fazendo, o trabalho que fizeram. Eles tinham amor, igual ao amor de Nhanderu. Através disso,
eles conseguiram que Nhanderu iluminasse aquele caminho para eles651.

Sua concepção de território se mostra como a apropriação coletiva em determi-


nados espaços, cuja territorialização se encontra em permanente processo de construção
e transformação. Tal apropriação, em sentido completamente oposto ao seu significado
jurídico do direito moderno, não deve ser entendida como a transformação do espaço em
propriedade, individual ou coletiva. A apropriação Guarani nos territórios se constitui com
a inserção de sua identidade coletiva junto aos demais elementos de biodiversidade dos
espaços que ocupam, cuja busca incessante e constante é por condições ecológicas aptas
ao seu modo de vida. Dito de outra forma, os Guarani buscam inserir-se e tornarem-se
próprios dos lugares nos quais a diversidade das formas de vida está presente.
Em decorrência das limitações impostas pela colonização, a consciência da falta
de opções se impõe a este povo652. Longe de terem a força política necessária para dire-
cionar ou influenciar de maneira relevante os rumos das políticas indigenistas estatais
que os afetam, assim como as investidas expansivas do capital que violam seus direitos
territoriais, os Guarani trazem consigo a angústia de ter que clamar por algo que direta-
mente desfigura seu território. Contrariamente a uma consolidada mentalidade coletiva
de se afastar de conflitos fundiários, os Guarani reclamam por demarcações de terras. Os
pequenos fragmentos de terra que são conquistados acabam por oferecer algum suporte
para a vida, embora na grande maioria das vezes se mostrem como completamente insu-
ficientes e assimétricos com as suas necessidades.

651 VERA MIRIM, Xeramõi João da Silva (Tekoa Xapukai/Brakui, Angra dos Reis/RJ). Nhaneramõi Kuery Oguata
Yvyrupa Rupi - Nossos avós caminharam ao redor da Terra. In: RAMO Y AFFONSO, Ana Maria; PESQUISADORES
GUARANI de Aldeias de Santa Catarina e Paraná. Guata Porã - Belo Caminhar. São Paulo: Centro De Trabalho
Indigenista/Comissão Guarani Yvyrupa, 2015. p. 46-55. p. 32.
652 LADEIRA, Maria Inês. Espaço geográfico Guarani Mbya: Significado, constituição e uso. Maringá: EDUEM; São
Paulo: EDUSP: 2008. p. 55.
188 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

O nosso maior sonho é ter uma terra boa, grande. Mas esse sonho às vezes não é possível,
porque os mais velhos sabem que o governo não vai dar essa terra grande. Então tentam se
conformar com terra pequena. O sonho é ter terra grande653.

No Brasil, as terras indígenas que são destinadas para os povos nativos em geral
sofrem de uma relevante assimetria regional654, com as maiores áreas sendo incidentes na
Amazônia. Ainda que o avanço da fronteira agrícola seja um tema atual e cada vez mais
agudo sobre a Amazônia, tal assimetria se apresenta pelo fato de que naquela região a
colonização não se consolidou de maneira tão extensiva quanto na Mata Atlântica. Desta
maneira, alguns povos amazônicos desfrutam de grandes extensões de terras, algumas
com áreas maiores do que alguns países. Com a ocupação em amplas áreas, as assimetrias
entre os limites demarcados e aquilo que os povos enxergam como seus territórios são
potencialmente menores. Não é o caso do povo Guarani no Brasil. Com o avanço da
fronteira agrícola sobre os territórios que antes podiam ocupar de maneira contínua, este
povo está na região brasileira em que a colonização incidiu desde os primeiros momentos
da conquista ibérica e de maneira mais direta e consolidada.
Das atuais 224 terras ocupadas e reivindicadas pelos Guarani no Brasil655, cerca
de 40% das se encontram sem providências ou em fases extremamente iniciais de estudos
demarcatórios. Aproximadamente 35% se encontram com algum grau de reconhecimento
pelo poder público, estando em algum dos demais estágios do procedimento adminis-
trativo de demarcação (declaração, homologação, regularização ou delimitação), cujos
passos em alguns casos se arrastam por décadas656. Cerca de 10% estão inseridas em áreas
demarcadas junto a outros povos, na quase totalidade junto aos Kaingang, locais cujos
Guarani foram levados pela força na colonização de Yvy Mbyte. O restante, cerca de 15%,
se constituem como terras que foram ou estão em processo de aquisição por compensações
decorrentes de danos causados por grandes obras etc. Na sua maioria, 65%, estão sujeitos
a conflitos e pressões por desocupação, movidos pelos poderes públicos, empresas ou
particulares. Suas atuais reivindicações por terras correspondem a míseros 0,5% da área
dos estados onde se situam657.

653 Depoimento de W. T., transcrito e citado em: BRIGHENTI, Clovis Antonio. Estrangeiros na própria terra: Presença
Guarani e Estados Nacionais, Florianópolis/Chapecó: UFSC/Argos, 2010. p. 159.
654 FARIA, Camila Salles de. A luta Guarani pela terra na metrópole paulistana: contradições entre a propriedade
privada capitalista e a apropriação indígena. 2016. 329 f. Tese (Doutorado em Geografia) – Faculdade de Filosofia, Letras
e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016. p. 173.
655 MAPA GUARANI DIGITAL. Disponível em <http://guarani.map.as/>. Acesso: 13 fev. 2018.
656 GERBER, Konstantin; MENDES, Rafaela Paula Ribeiro. Morosidade na demarcação, violência decorrente e o direito
à terra dos Guarani Kaiowá. ARACÊ–Direitos Humanos em Revista, v. 4, n. 5, p. 323-345, 2017.
657 FARIA, Camila Salles de. A luta Guarani pela terra na metrópole paulistana: contradições entre a propriedade
privada capitalista e a apropriação indígena. 2016. 329 f. Tese (Doutorado em Geografia) – Faculdade de Filosofia, Letras
e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016. p. 173.
DA INVISIBILIDADE À RETOMADA | 189
Terras e terrotórios

Figura 30: Terras ocupadas pelos Guarani no Brasil658

Como regra, as questões territoriais Guarani no Brasil se traduzem em diferentes


feições de um mesmo problema: a parca disponibilidade de terras. Os Kaiowá que ocupam
o sul do Mato Grosso do Sul foram os primeiros a ter terras reservadas, obedecendo as
estratégias de confinamento estatal nas terras oficialmente destinadas aos nativos. Com o
final do monopólio de extração de madeira e erva mate pela Companhia Mate Larangeira e
o declínio das obrages argentinas, a região que atualmente configura o sul do Mato Grosso
do Sul assistiria à chegada de colonos659. De 1915 a 1928 ocorria um primeiro ciclo de
criação de reservas indígenas na região, com a criação de oito delas, para as quais os nativos

658 MAPA GUARANI DIGITAL. Disponível em <http://guarani.map.as/>. Acesso: 13 fev. 2018.


659 MORAIS, Bruno Martins. Do corpo ao pó: Crônicas da territorialidade Kaiowá e Guarani nas adjacências da morte.
São Paulo: Elefante, 2017. p. 75.
190 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

que fossem encontrados dificultando a expansão colonial deveriam ser levados e mantidos.
Em tempos de marcha para o oeste, Getúlio Vargas criou em 1941 as Colônias
Agrícolas Nacionais660, que serviriam como modo de expansão do “desenvolvimento” para
as fronteiras “desabitadas”. Dois anos depois, o empreendimento colonizador chegaria
à região de Dourados, que experimentaria uma explosão demográfico-colonial a partir
da década de 1950. De 1950 a 1970 o processo de colonização se torna agudo, com o
loteamento e ocupação dos territórios pela sociedade colonial661. A consequência foi o
aumento na transferência compulsória de comunidades Guarani para as áreas reservadas,
com participação ativa do Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores
Nacionais (SPILTN) e posteriormente pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI). No
ritmo da destruição dos tekoha, a mancha do desmatamento avançava e abria espaços para
a fronteira agrícola.

Aí num ano mandou derrubar mil alqueires, no outro mandou derrubar mais mil alqueires. Aí
alcança nóis, nossa terra já, aí alcançou naquele outro mil. (...) sempre nóis plantava lavourinha
assim. Sempre plantava cada ano. Depois o homem, ele já o administrador, o administrador já
toma conta da fazenda e ele não quer mais morador lá. Foi indo assim, foi indo assim. Até o
ano que se plantava bastante, tinha mandioca, batata, cana, não faltava nada a cada ano, sabe.
Aí soltou uma boiada lá (...) Aí soltaram o gado, estragou tudo nossa planta. (...). Aí começou
a comprar, comprar, comprar, né, só comprava662.

As cenas de absoluto terror nos desterros Kaiowá663, como a carbonização de


pessoas vivas e famílias sendo transportadas em jaulas na carroceria de caminhões, são
denunciadas nacional e internacionalmente, causando o constrangimento que acarretou
na demarcação de outras duas terras no início da década de 1980. No início da década de
1990 outras oito terras foram demarcadas, uma em seu final. Outras três terras demarcadas
entre 2004 e 2009 completam o quadro sul-mato-grossense de terras Guarani reservadas
ou homologadas. Dados indicam que outras oitenta e oito terras são reclamadas664.
Os Mbya que vivem Costa Atlântica, ocupam pequenas porções de terras

660 BRASIL. Decreto-Lei número 3.059, de 14 de fevereiro de 1941. Dispõe sobre a criação de Colônias Agricolas
Nacionais. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-3059-14-fevereiro-
1941-413001-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso: 17 fev. 2018.
661 BENITES, Tonico. Rojeroky hina ha roike jevy tekohape (Rezando e lutando): o movimento histórico dos Aty
Guasu dos Ava Kaiowa e dos Ava Guarani pela recuperação de seus tekoha. 2014. 270 f. Tese (Doutorado em Antropologia
Social) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Museu Nacional, Rio de Janeiro, 2014. p. 41.
662 Depoimento de João Aquino. Transcrito e citado em: BRAND, Antônio. “Quando chegou esses que são nossos
contrários”: a ocupação espacial e o processo de confinamento dos Kaiowá/Guarani no Mato Grosso do Sul. Multitemas,
[s.l.], n. 12, p. 35-36, 2016.
663 MORAIS, Bruno Martins. Do corpo ao pó: Crônicas da territorialidade Kaiowá e Guarani nas adjacências da morte.
São Paulo: Elefante, 2017. p. 86.
664 MORAIS, Bruno Martins. Do corpo ao pó: Crônicas da territorialidade Kaiowá e Guarani nas adjacências da morte.
São Paulo: Elefante, 2017. p. 126-128.
DA INVISIBILIDADE À RETOMADA | 191
Terras e terrotórios

principalmente nos estados de São Paulo e Santa Catarina, em que a manutenção de


redes de parentesco e mobilidade entre as áreas ocupadas é observada, ainda que presen-
tes as dificuldades decorrentes do confinamento. Todavia, encontram restrições quando
buscam novas áreas para a constituição de novas comunidades dentro dos territórios. Não
raramente na Serra do Mar tais espaços foram transformados em espaços naturais into-
cados665, em que a presença humana não é permitida, acarretando conflitos com poderes
públicos e entidades ambientalistas. Desconsiderando estas limitações, os movimentos
migratórios Mbya para a região se encontram em franca expansão, obedecendo sua secular
estrutura mítica de mobilidade666.
As áreas que ocupam atualmente e que se encontram com algum grau de regu-
larização fundiária tiveram seus procedimentos iniciados a partir do final da década de
1970. Atuando em articulação com entidades indigenistas e juristas667, comunidades
Guarani que que se encontravam no litoral paulista se fazem visíveis aos olhos do estado
e reclamam por territórios. No estado de São Paulo, até meados da década de 1980 a
posição oficial era de que as comunidades Guarani que eventualmente se formassem no
planalto paulista ou no litoral eram provenientes do Paraná668, e para lá deveriam retornar.
Assim, era diligenciado para que retornassem às terras reservadas no interior paranaense,
que haviam sido criadas sob o domínio Kaingang e cuja presença Guarani se dava à força
desde a colonização do centro da terra. Em Santa Catarina a situação era semelhante, os
grupos que eram encontrados na região costeira eram considerados como oriundos das
duas terras então reservadas no oeste catarinense e que havia presença Guarani669, para elas
sendo pressionados para retornarem. Tais terras reservadas também haviam sido criadas
com a prevalência de outros povos, uma Xokleng e outra Kaingang.
No âmbito brasileiro, a região em que há menor disponibilidade de terras aos
Guarani é justamente sobre Yvy Mbyte, o centro da terra, cuja ocupação central prevalente
é Avá-Guarani670. Na região oeste do Paraná e Santa Catarina as maiores terras com alguma
regularização fundiária em que há presença Guarani são aquelas reservadas a outros povos,
em sua maioria Kaingang, cuja presença Guarani em não raras vezes é marcada por uma

665 LADEIRA, Maria Inês; MATTA, Priscila (Coord.). Terras Guarani no litoral: Ka’agüy Oreramói Kuéri Ojou Rive
Vaekue Y - As matas que foram reveladas pelos nossos antigos avós. São Paulo: Centro de Trabalho Indigenista, 2004. p. 113.
666 LADEIRA, Maria Inês. Espaço geográfico Guarani Mbya: Significado, constituição e uso. Maringá: EDUEM; São
Paulo: EDUSP: 2008. p. 148.
667 LADEIRA, Maria Inês; AZANHA, Gilberto. Os índios da Serra do Mar. São Paulo: Centro de Trabalho Indigenista:
1988. p. 9.
668 LADEIRA, Maria Inês; AZANHA, Gilberto. Os índios da Serra do Mar. São Paulo: Centro de Trabalho Indigenista:
1988. p. 9.
669 BRIGHENTI, Clovis Antônio. Estrangeiros na própria terra: Presença Guarani e Estados Nacionais, Florianópolis/
Chapecó: UFSC/Argos, 2010. p. 244.
670 MARÉS, Carlos Frederico (Coord.); BERGOLD, Raul Cezar; CALEIRO, Manuel Munhoz; MAMED, Daniele de
Ouro (Orgs.). Os Avá-Guarani no oeste do Paraná: (re)existência em Tekoha Guasu Guavira. Curitiba: Letra da Lei, 2016.
192 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

dupla colonização671. A situação se repete atualmente na região norte do Rio Grande do


Sul. Especificamente no oeste paranaense, a três terras ocupadas exclusivamente pelos Gua-
rani que contam com alguma regularização fundiária são apenas as parcas e insuficientes
compensações realizadas em decorrência dos danos sofridos pelo reservatório de Itaipu672.
A primeira delas a ser destinada aos Guarani foi o já abordado Tekoha Ocoy,
onde atualmente vivem 676 pessoas673 numa área extremamente pequena e que havia sido
destinada inicialmente a quatro famílias em 1982. As outras duas terras, Tekoha Añetete
e Tekoha Itamarã, são fruto da superpopulação do Tekoha Ocoy e de pressão realizada
por este povo sobre a usina binacional674, para que novas terras fossem disponibilizadas.
Adquiridas em 1997 e 2007, respectivamente, embora em melhores condições ecológicas
que o Tekoha Ocoy, também são insuficientes para responder às demandas territoriais
Guarani na região. Para além destas áreas regularizadas, existem atualmente no extremo
oeste paranaense outras vinte comunidades que vivem em terras retomadas.

Antigamente nós corria de branco por todo canto, por todo lado. E chegou um dia que nós
tivemos aquela vontade de voltar a nossa terra. E nós se juntamos, 5, 6 famílias, e voltamos
pras nossas tekoha, antigas aldeias, retomamos outra vez. E por isso nós estamos de volta a
nossas aldeias, porque é sagrado pra nós. Porque eu nasci em Guaíra, em Cidade Real. Eu
corri de pequeno pra Mato Grosso, mataram meus parentes, e de repente eu tive saudade de
Guaíra. (...) Falaram que a região era muito perigosa, que tinha fazendeiros matando, mas
Nhanderu ia proteger675.

Diante da inércia estatal em demarcar terras e do agudo processo de colonização


sobre a região, a postura Guarani tradicionalmente indicada como de negar os confrontos
por terras é alterada. Com isso, se fazem visíveis aos olhos da sociedade nacional, a partir
do início do século XXI, e retomam as terras com as quais os vínculos culturais são extre-
mamente fortes e presentes, impondo um cerco às cidades de Guaíra e Terra Roxa com
atuais quatorze comunidades constituídas676. Desta maneira pressionam as engrenagens
da máquina estatal para que se movam, demarcando as terras que reclamam. As outras seis

671 MYSKIW, Antonio Marcos. A fronteira como destino de viagem: a colônia militar de Foz do Iguaçu (1888/1907).
2009. 245 f. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2009. p. 126.
672 FARIA, Camila Salles de; PIERRI, Daniel; CASTILLA, Eliza; LADEIRA, Maria Inês. Atlas das Terras Guarani
no Sul e Sudeste do Brasil. São Paulo: Centro de Trabalho Indigenista/Comissão Guarani Yvyrupa, 2015. p. 8.
673 MAPA GUARANI DIGITAL. Terra Indígena Avá-Guarani do Ocoí. Disponível em: <http://guarani.map.as/ - !/
lands/551/> Acesso: 17 fev. 2018.
674 CARVALHO, Maria Lucia Brant de. Das terras dos índios a índios sem terra, o Estado e os Guarani do Oco’y:
violência, silêncio e luta. 2013. 835 f. Tese (Doutorado em Geografia Humana) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. p. 341.
675 Depoimento do Cacique Libório, da Tekoha Nhemboete. Disponível em: <https://youtu.be/Nj-5sf UtN78?t=18m19s>
Acesso: 18 fev. 2018.
676 MARÉS, Carlos Frederico (Coord.); BERGOLD, Raul Cezar; CALEIRO, Manuel Munhoz; MAMED, Daniele de
Ouro (Orgs.). Os Avá-Guarani no oeste do Paraná: (re)existência em Tekoha Guasu Guavira. Curitiba: Letra da Lei, 2016.
DA INVISIBILIDADE À RETOMADA | 193
Terras e terrotórios

áreas retomadas, da mesma maneira que o Tekoha Ocoy, se encontram na área de preserva-
ção permanente do reservatório de Itaipu nos municípios de Santa Helena e Itaipulândia.

Figura 31: Terras ocupadas pelos Guarani no Paraguai677

As ocupações junto ao Rio Paraná e situadas regionalmente na tríplice fronteira


entre Argentina, Brasil e Paraguai permitem uma comunicação e manutenção de redes de
reciprocidade com os grupos que vivem nas áreas fronteiriças com Argentina e Paraguai.
Nestes locais também predomina a situação de que as áreas ocupadas também não estão
regularizadas no seu aspecto fundiário, acarretando conflitos. Dados recentes678 apon-
tam que na província argentina de Misiones aproximadamente um terço das cinquenta e
oito terras ocupadas possuem algum reconhecimento estatal. Acerca do lado paraguaio,
embora seja possível indicar a localização de uma extensa rede de aldeamentos Guarani por
toda sua fronteira leste com o sul do Mato Grosso do Sul, Paraná e a província argentina
de Misiones, os dados gerais acerca da situação jurídico-administrativa destas terras se
mostram desconhecidos.

677 MAPA GUARANI DIGITAL. Disponível em <http://guarani.map.as/>. Acesso: 18 fev. 2018.


678 BRIGHENTI, Clovis Antônio. Estrangeiros na própria terra: Presença Guarani e Estados Nacionais, Florianópolis/
Chapecó: UFSC/Argos, 2010. p. 152.
194 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

Uma contradição se estabelece entre o que os Guarani enxergam como seus ter-
ritórios, amplos espaços “delimitados” por sua ancestralidade por toda Bacia do Prata679,
e o que é possível ser ocupado para a constituição do tekoha, cuja disponibilidade e acesso
aos espaços são extremamente exíguos em virtude da colonização. Considerando que terra
e território são noções absolutamente distintas680, as perspectivas próprias Guarani acerca
destes conceitos absorvem o resultado de desterro imposto pelo processo político-jurídico
conduzido pelos estados nacionais. Além disso, reagem reorganizando caracteres culturais
para assumir uma nova postura diante do apocalipse colonial, que contemporaneamente
se apresenta em seu momento mais agudo.

O território Guarani não se limita, a própria palavra território, mesmo em português, não tem
limite. Desde sempre, os Guarani sempre andaram muito. Se até hoje tivéssemos liberdade
de andar e mudar de um lugar pro outro, não saberíamos nem onde estaríamos hoje. Muito
provavelmente montando um barraco e fazendo um fogo perto de um rio, pra comer peixe
assado. Território para Guarani não é só a casa, mas onde ele andava, onde caçava, enfim, onde
tivesse abundância. Tudo isso é território. Nenhum lugar onde o Guarani viveu ficaria de fora,
se fosse cumprir o que a Constituição manda. Mas jurua não cumpre, ele faz a Constituição
para não cumprir681.

Sendo compreendido o tekoha também como resultado das condições e possi-


bilidades de suas ocupações territoriais e não apenas como determinante delas em um
conceito ahistórico e atemporal, nos contínuos processos de construção e transforma-
ção de suas concepções territoriais surge a necessidade de assumir um novo elemento: a
retomada de terras enquanto instrumento de resistência cultural. Da inacessibilidade aos
espaços geográficos que constituem seus territórios682, conjugada com caracteres políticos
e religiosos internos683, a ressignificação e a reorganização das formas de sua ocupação
territorial se impõem.

O branco vendeu pra cada um, pro fazendeiro, vende de novo pra outro, mas Deus pôs essa

679 LADEIRA, Maria Inês. O caminhar sob a luz: território mbya à beira do oceano. São Paulo: Editora UNESP, 2007.
p. 68
680 GALLOIS, Dominique Tilkin. Terras ocupadas? Territórios? Territorialidades. In: Terras indígenas e unidades
de conservação da natureza: o desafio das sobreposições. São Paulo: Instituto Socioambiental, 2004. p. 37-41. p. 39.
681 MARTINES, Paulina Cunha Takua Rocay Ponhy; SOARES, Ilson; ESPINOLA, Wilfrido Benites; TSEREMEYWA,
Gessica Martines; VERA, Vilma; MACIEL, Gilberto. Opamba’e Ñanderu Rembiapo Meme (Tudo foi Ñanderu quem fez).
Transcrição de Manuel Munhoz Caleiro. In: MARÉS, Carlos Frederico (Coord.); BERGOLD, Raul Cezar; CALEIRO,
Manuel Munhoz; MAMED, Daniele de Ouro (Orgs.). Os Avá-Guarani no oeste do Paraná: (re)existência em Tekoha
Guasu Guavira. Curitiba: Letra da Lei, 2016. p. 26-34. p. 32.
682 MURA, Fábio; KAIOWÁ, Habitações. O tekoha como categoria histórica: elaborações culturais e estratégias kaiowa
na construção do território. Fronteiras, [s.l.], v. 8, n. 15, p. 109-143, 2004.
683 PEREIRA, Levi Marques. Parentesco e organização social Kaiowá. 1999. 251f. Dissertação (Mestrado em
Antropologia) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1999. p. 107.
DA INVISIBILIDADE À RETOMADA | 195
Terras e terrotórios

terra pra todo mundo, pros índios e brancos, mas índio não tem dinheiro pra comprar e
branco tem. Por isso o Guarani foi pra luta, porque Guarani tem direito, porque Deus pôs a
terra pra todos viverem, não pra comprar a terra, a madeira. Deus pôs tudo pra nós, pra viver,
pra levar as crianças, pra viver, pra continuar a cultura684.

Duramente afetados pela colonização, com reiteradas pressões e diligências


por confinamento nas parcas terras reservadas ou demarcadas, a inconstância da alma
selvagem685 se manifesta e ressignifica seu ethos. Negando os projetos coloniais686, a reor-
ganização687 de sua forma em compreender e ocupar o território assume a necessidade
de confrontos por terras com as sociedades nacionais, retomando e autodemarcando os
locais com os quais os vínculos culturais indicam. Assim, tornam-se visíveis os conflitos
socioambientais, que até pouco tempo estavam invisibilizados em decorrência da cami-
nhada silenciosa para longe da colonização. Como atualmente não há mais o grande
refúgio, para continuar sendo o que se é, foi necessário em alguns casos ressignificar a
identidade e a forma que esta se materializa na territorialidade, reagindo e retomando
terras que estavam sob o domínio das sociedades nacionais.

Se nos tirarem daqui, ocuparemos outras áreas, pois tudo o que veio depois do que Ñanderu
deixou, para nos não vale. Então, com certeza, vamos continuar resistindo. Onde estamos,
onde fincamos a casa de reza, enterramos parentes, esse é nosso titulo de propriedade, estamos
nos mesmos titulando e demarcando as nossas terras.

A Mata Atlântica se constitui como o bioma tradicionalmente reconhecido pelos


Guarani como seu território688. Com índices de desmatamento superiores a 90% e que
avançam continuamente689, em sua área é possível verificar que a maior concentração do
remanescente de cobertura florestal se encontra na Serra do Mar. Ainda que diante deste
quadro de quase completo desmatamento e destruição, a busca por pequenos fragmentos

684 Depoimento do Cacique Anatálio Ortiz, do Tekoha Jevy. Disponível em: <https://youtu.be/Nj-5sf UtN78?t=26m46s>
Acesso: 18 fev. 2018.
685 VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. O mármore e a murta: sobre a inconstância da alma selvagem. In: VIVEIROS
DE CASTRO, Eduardo (Org.). A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo: Cosac
& Naify, 2002. p. 183-264.
686 BENITES, Tonico. Rojeroky hina ha roike jevy tekohape (Rezando e lutando): o movimento histórico dos Aty
Guasu dos Ava Kaiowa e dos Ava Guarani pela recuperação de seus tekoha. Rio de Janeiro. 2014. 270 f. Tese (Doutorado
em Antropologia Social) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Museu Nacional, 2014. p. 39.
687 PEREIRA, Levi Marques. Assentamentos e formas organizacionais dos Kaiowá atuais: o caso dos” índios de Corredor”.
Tellus, [s.l.], n. 10, p. 69-81, 2014.
688 LADEIRA, Maria Inês. O caminhar sob a luz: território mbya à beira do oceano. São Paulo: Editora UNESP, 2007.
p. 25
689 FUNDAÇÃO SOS MATA ATLÂNTICA; INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS ESPACIAIS. Atlas
dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica: Período 2015-2016 - Relatório Técnico. São Paulo: [s.n.], 2017.
196 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

de florestas é verificada junto às áreas retomadas690. Em tais locais o manejo de espécies e


cultivares acaba por enriquecer a biodiversidade e acarreta na recuperação ecológica. Desta
maneira, territórios que foram colonizados e destruídos em nome do desenvolvimento
das sociedades nacionais vão sendo recompostos pelos Guarani.

A falta da demarcação de terras é a grande barreira que nos limita, pois nas pequenas áreas
de mata que temos não tem os remédios que antigamente tínhamos. As vezes encontramos
alguns em outras aldeias e acampamentos, mas nem sempre. Hoje, aqui na região, só tem
plantação de soja, a perder de vista. Do outro lado tem a cidade e ficamos cercados. Se a terra
for demarcada, queremos mesmo que as lavouras dos jurua quem dentro da área demarcada.
“Pra que vão querer? Eles não plantam, são vagabundos!” Queremos as lavouras dentro da
área demarcada para que elas virem mato. A floresta vem por si própria, ela não precisa de
engenheiro florestal jurua e nada disso. Só queremos ter de volta a natureza para que tenhamos
todos os tipos de árvores que tínhamos, assim como os bichos e pássaros. Branco fala que a fé
move montanhas e é mais ou menos por aí. Temos cânticos para cada coisa. Por exemplo, no
mês de outubro mais ou menos, vem essa tempestade, raio, vento e chuva. Jurua acha que tem
a explicação climática, mas nós sabemos que tudo isso vem em outubro pra trazer pássaros.
Nessa época vêm o tuguai jetapa (tesoureiro, tesourinha) e mbyju’i (cuitelinho, beija-flor).
Para eles, a terra fornece sua comida, ysa (saúva voadora). Queremos é que as lavouras virem
mato para que os pássaros tenham onde ficar, eles não ficam na soja. Através de nossa fé e
nossos cânticos a mata vai se recuperar, o governo não precisa trazer nada de zoológico, os
bichos vêm naturalmente, por Ñanderu, pois ele vê a necessidade dos povos indígenas, ele
sabe o que precisamos691.

Com o acréscimo de biodiversidade nos pequenos fragmentos florestais, há relatos


em que o sentimento de “crescer a cultura” se apresenta692. Isso ocorre pela presença de
espécies que julgam ser importantes para seus modos de vida, pelo reforço dos vínculos
comunitários pelo intercâmbio de espécies com as comunidades do seu entorno e pela
possibilidade de exercício de praticas de manejo tradicionais, especialmente junto aos mais
jovens. Ainda que as terras retomadas estejam desprovidas da massa de biodiversidade que
os Guarani reconhecem como seu território, a potencialidade de que o espaço territoria-

690 LADEIRA, Maria Inês; FARIA, Camila Salles de. Os ava-guarani em yvy mbyte, centro da terra e os processos de
transformação de seu território. In: MARÉS, Carlos Frederico (Coord.); BERGOLD, Raul Cezar; CALEIRO, Manuel
Munhoz; MAMED, Daniele de Ouro (Orgs.). Os Avá-Guarani no oeste do Paraná: (re)existência em Tekoha Guasu
Guavira. Curitiba: Letra da Lei, 2016. p. 53-87. p. 76.
691 MARTINES, Paulina Cunha Takua Rocay Ponhy; SOARES, Ilson; ESPINOLA, Wilfrido Benites; TSEREMEYWA,
Gessica Martines; VERA, Vilma; MACIEL, Gilberto. Opamba’e Ñanderu Rembiapo Meme (Tudo foi Ñanderu quem fez).
Transcrição de Manuel Munhoz Caleiro. In: MARÉS, Carlos Frederico (Coord.); BERGOLD, Raul Cezar; CALEIRO,
Manuel Munhoz; MAMED, Daniele de Ouro (Orgs.). Os Avá-Guarani no oeste do Paraná: (re)existência em Tekoha
Guasu Guavira. Curitiba: Letra da Lei, 2016. p. 26-34. p. 31.
692 LADEIRA, Maria Inês; FARIA, Camila Salles de. Os ava-guarani em yvy mbyte, centro da terra e os processos de
transformação de seu território. In: MARÉS, Carlos Frederico (Coord.); BERGOLD, Raul Cezar; CALEIRO, Manuel
Munhoz; MAMED, Daniele de Ouro (Orgs.). Os Avá-Guarani no oeste do Paraná: (re)existência em Tekoha Guasu
Guavira. Curitiba: Letra da Lei, 2016. p. 53-87. p. 76.
DA INVISIBILIDADE À RETOMADA | 197
Terras e terrotórios

lizado nas retomadas retorne a apresentar as características adequadas aos Guarani se faz
presente pela concepção de tekoharã693. À tradução de tekoha, já abordada, insere-se uma
designação de potencialidade futura, rã. O termo tekoharã poderia então ser traduzido
como “o lugar em que viveríamos segundo nossos costumes” ou “o lugar em que queremos
viver segundo nossos costumes”.
Enquanto a terra está cansada694 pela destruição da vida traduzida pelo desma-
tamento e monocultura com uso intensivo de produtos químicos, o espírito se cansa e
se entristece695. A consciência deste cansaço e a projeção de futuro com o cuidado com
a vida são presentes, tendo o manejo da agrobiodiversidade um papel preponderante,
ainda que precarizadas as condições ecológicas nas áreas retomadas. Assim, em algumas
regiões é possível verificar atividades de plantio em qualquer área que lhes seja disponível,
projetando “suas memórias num plano de futuro atrelado à demarcação de suas terras”696.
Junto o manejo da agrobiodiversidade, a concepção da vida em ciclos que se
renovam projeta um futuro de recuperação da biodiversidade nas áreas retomadas que se
encontram degradadas. Para isso, é necessário tempo e força espiritual para que a floresta
se recomponha e novamente faça sombra sobre o solo com o sol/divindade que caminha
diariamente no céu. As explicações e as práticas Guarani para o reflorestamento das áreas
retomadas têm suas próprias categorias e fundamentos. Curiosamente, a ciência moderna
aponta no mesmo sentido, com formas pretensamente mais precisas e detalhadas, indi-
cando que em cada metro quadrado de terras desmatadas na Mata Atlântica estão cerca
de mil sementes aptas ao renascimento da floresta697.
As retomadas de terras praticadas pelos Guarani não ocorrem somente em áreas
cujo desmatamento incidiu de maneira destrutiva. Aos remanescentes de Mata Atlântica
também são direcionados os vetores da mobilidade Guarani. Enxergando nestes espaços
os seus territórios, comunidades se constituem e mostram a face de uma outra forma
de colonização pelos estados modernos: o preservacionismo. Da mesma forma que foi
preciso reservar terras aos nativos para colonizar o restante dos territórios que ocupa-
vam e exerciam seus domínios, a lógica do modo de produção capitalista consistente em

693 MORAIS, Bruno Martins. Do corpo ao pó: Crônicas da territorialidade Kaiowá e Guarani nas adjacências da morte.
São Paulo: Elefante, 2017. p. 202.
694 PIERRI, Daniel Calazans. O perecível e o imperecível: lógica do sensível e corporalidade no pensamento Guarani-
Mbya. São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, da Universidade de São Paulo, 2015. p. 258.
695 CHAMORRO, Graciela. História Kaiowa: Das origens aos desafios contemporâneos. São Bernardo do Campo:
Nhanduti Editora, 2015. p. 244.
696 LADEIRA, Maria Inês; FARIA, Camila Salles de. Os ava-guarani em yvy mbyte, centro da terra e os processos de
transformação de seu território. In: MARÉS, Carlos Frederico (Coord.); BERGOLD, Raul Cezar; CALEIRO, Manuel
Munhoz; MAMED, Daniele de Ouro (Orgs.). Os Avá-Guarani no oeste do Paraná: (re)existência em Tekoha Guasu
Guavira. Curitiba: Letra da Lei, 2016. p. 53-87. p. 84.
697 BAIDER, Cláudia; TABARELLI, Marcelo; MANTOVANI, Waldir. O banco de sementes de um trecho de Floresta
Atlantica Montana (Sao Paulo. Brasil). Revista brasileira de Biologia, [s.l.], v. 59, p. 319-328, 1999.
198 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

conceber a natureza como provedora de “recursos naturais” acarretou na necessidade


de confinar biodiversidade em espaços protegidos, intocados, para que todo o restante
fosse apropriado, coisificado, precificado, transformado em mercadoria. Assim, seriam
mantidos padrões ecológicos mínimos que oferecessem a “sustentabilidade” para a vida
humana no planeta. Os Guarani, ao mesmo tempo alheios e atingidos diretamente por este
processo, realizam atualmente sua mobilidade sobre os territórios também em direção às
áreas que deveriam permanecer intocadas. Realizadas com sentido profético e com uma
historicidade latente698, quando procuram áreas aptas ao seu modo de vida acabam por se
ver expulsos para dentro das áreas de proteção ambiental699, pois nelas ainda há reservas
de natureza, aquilo que milenarmente enxergam como seus territórios.

MODERNINADE E NATUREZA

A modernidade, como organização política e sociocultural surgida em um deter-


minado contexto europeu específico a partir do século XVII, se disseminou pelo ocidente
e nele se tornou um paradigma dominante700. Podendo atualmente ser compreendida com
alguma equivalência ao mundo industrializado, embora a ele não se restrinja, a moder-
nidade também se refere ao uso generalizado da força material maquinária nos processos
de produção701. Para tanto, em um ambiente de mercados, faz uso da força de trabalho
proletário e tem no capitalismo uma dimensão determinante.
Em se tratando de formas de organização político-institucional, um dos principais
legados da modernidade é a forma social do estado moderno702. Ele pressupõe que cada
organização política corresponderá a um povo, homogeneamente considerado como
tal, fixado em um território, onde será exercida a soberania estatal, com a adoção de uma
única língua nacional. A identidade nacional única, formada por grupos com identidades
diversas, pressupõe a imposição de determinado grupo sobre os demais, eis que as iden-
tidades não são tão apagáveis quanto um traço no papel. Esta ficção que é fruto de um
dado contexto pós-feudal, teve sua expansão fomentada pela expansão marítima europeia
e incidiu diretamente nos processos de colonização da América Latina.
Neste contexto, os contrastes desta concepção com as culturas tradicionais são

698 LADEIRA, Maria Inês. O caminhar sob a luz: território mbya à beira do oceano. São Paulo: Editora UNESP, 2007.
p. 67.
699 MARÉS, Carlos Frederico. As populações tradicionais e a proteção das florestas. In: FIGUEIREDO, Guilherme José
Purvin de; SILVA, Lindamir Monteiro da; LEUZINGER, Márcia Dieguez (Orgs.). Código Florestal, 45 anos: estudos
e reflexões. Curitiba: Letra da Lei, 2010. p. 95-110. p. 105.
700 GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. São Paulo: Editora Unesp, 1991. p. 11.
701 GIDDENS, Anthony. Modernidade e identidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2002. p. 22.
702 GIDDENS, Anthony. Modernidade e identidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2002. p. 22.
DA INVISIBILIDADE À RETOMADA | 199
Modernidade e natureza

latentes, cujos conflitos da expansão moderno-capitalista são marcados pela constante


e não raras vezes violenta pressão por assunção imposta de descontinuidades para com
as culturas não-modernas. A imposição de concepções de tempo, desde calendários até
a divisão exata do tempo pelo relógio, e de espaço, que deveria se desconectar do lugar,
tiveram e continuam tendo impactos nas tradicionalidades. Pelas concepções modernas, o
tempo medido pelo relógio confere maior precisão à sua contagem, de forma a possibilitar
a sua quantificação exata e, em consequência, parâmetros para sua mercantilização junto
ao mercado de trabalho. O espaço, desconectado do lugar, não mais seria regulado pelos
ciclos naturais e sua constituição pelas concepções modernas o tornaria apto a ser libertado
das tradicionalidades em nome de uma agricultura extensiva e expansiva.
Ao tempo que as coroas perdiam o prestígio e a sustentação política, o indivíduo
ascendia na modernidade como o eixo da racionalidade. Mas não qualquer indivíduo,
somente aquele iluminado que é apto a ser proprietário. Ao tempo que a individualidade
era considerada como ponto de partida para a construção da subjetividade, concepções
coletivas são transformadas pelo pensamento moderno como mera soma de individuali-
dades. Desta maneira, as assimetrias modernas com as tradicionalidades se tornam mais
agudas, considerando os gerais sentidos inversos de construções identitárias pautadas
na coletividade. Nas culturas tradicionais, em regra (cujas exceções exercem o papel de
confirmá-la), os padrões de comportamento e compreensão do mundo são transmitidos
socialmente de maneira diversa, sendo presente um senso comunitário mais apurado,
que se manifesta desde a subjetivação até as atividades econômicas, sociais e culturais703.
Diante do pensamento moderno predominante, o passado é considerado como
sinônimo de atraso, a tradicionalidade como estagnação. O futuro, por sua vez, é o lugar/
espaço do progresso, em que as metas de melhoramento são fundamentadas em raciona-
lidades cientificistas que causam a falsa percepção de que a procura pelos fins particulares
não prejudica interesses comuns704.
Desconsiderando conhecimentos tradicionais que em alguns casos se constituem
pela prática e experiência milenar, a fetichização do do conhecimento científico é outro
traço marcante da modernidade705. Através dele, conjuntamente com supostos afasta-
mentos de valores dos processos de construção do conhecimento moderno706, as relações
da humanidade moderna com a natureza seriam duplamente afetadas. A cientificidade
isenta de valores tão presentes nas tradicionalidades legitimaria não somente uma postura

703 DIEGUES, Antônio Carlos. O mito moderno da natureza intocada. 6. ed. rev. ampl. São Paulo: HUCITEC/
NUPAUB, 2008. p. 90.
704 CAPELLA, Juan Ramón. Os cidadãos servos. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998. p. 24.
705 COELHO, Teixeira. Moderno pós moderno. 5. ed. São Paulo: Iluminuras, 2005. p. 32.
706 OLIVEIRA, Marcos Barbosa de. Neutralidade da ciência, desencantamento do mundo e controle da natureza.
Scientiae studia, v. 6, n. 1, p. 97-116, 2008.
200 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

de dominação do elemento humano sobre os demais, mas também forneceria os instru-


mentos tecnológicos para que a dominação humana sobre a natureza se tornasse mais
eficiente e, portanto, de maior potencial destrutivo707. Sendo possível dividir as formas
de vida em órgãos, tecidos, células, átomos, conclui-se que tudo que a constitui é matéria
e, assim sendo, a humanidade moderna coloca-se à margem da vida e se sente autorizada
a transformá-la à sua vontade708.
Os ideais iluministas e a liberdade pregada pela revolução francesa709, que bus-
cavam promover a elevação da racionalidade humana e da razão científica ao centro de
suas concepções, separaram o estado da natureza do estado civil710. Isso porque o estado
da natureza seria um estado de violência e de imperfeição. Partindo deste ideário, e se
conjugando com ele, o aprofundamento das transformações promovidas pelo modo de
produção capitalista possibilitadas pela revolução industrial711 seriam algo antes nunca
observado no planeta. Para sua propagação, foi determinante para a construção e con-
solidação das noções de progresso e desenvolvimento, que também figuram como bases
estruturantes do pensamento moderno predominante.
Sua propagação em escalas globais se consolidou após o fim da segunda guerra
mundial, ao mesmo tempo que uma nova potência econômica e cultural mundial se
projetava desde o norte da América, em contraposição aos vermelhos do norte asiático.
Enquanto no pós-guerra seus cofres alimentavam a recuperação dos estados nacionais
destruídos, foi “descoberto” na América Latina um estado de pobreza massiva, formado
por uma massa de pessoas que não estavam inseridas na economia de mercado712. Para
esta massa de terceiro-mundistas o desenvolvimento e o progresso precisavam ser levados,
ao tempo que eram aguardados pela maioria dos governos.
Nesse contexto se daria a expansão do sistema capitalista no campo, fazendo
com que a pobreza se tornasse um elemento estrutural do sistema713, cujo remédio se
constituiria na disseminação de uma lógica agrícola-industrial através do aperfeiçoamento
técnico-científico, que possibilitaria crescente produtividade. Desta maneira, seria possível
saciar a fome do mundo, obviamente considerando-a de maneira homogênea como a mera

707 TARREGA, Maria Cristina. Vidotte Blanco; FREITAS, Vitor Sousa. Novo constitucionalismo democrático
latino-americano: paradigma jurídico emergente em tempos de crise paradigmática. Disponível em: <https://goo.gl/
FsMgHQ>. Acesso em: 20 fev. 2018.
708 OST, François A naturza à margem da lei: a ecologia à prova do direito. Lisboa: Instituto Piaget, 1995. p. 98.
709 SATRÚSTEGUI, Koldo Unceta. Desarrollo, subdesarrollo, maldesarrollo y postdesarrollo: una mirada
transdisciplinar sobre el debate y sus implicaciones. Montevideo: CLAES, 2009. p. 5.
710 MARÉS, Carlos Frederico. De como a natureza foi expulsa da modernidade. Revista Crítica do Direito, São Paulo,
n. 5, vol. 66, p. 88-105, ago/dez, 2015. p. 90.
711 POLANYI, Karl. A grande transformação. Rio de Janeiro: Editora Capus, 2000. p. 216.
712 ESCOBAR, Arturo. La invención del Tercer Mundo: construcción y deconstrucción del desarrollo. Caracas:
Fundación Editorial El Perro Y La Rana, 2007. p. 49.
713 MESZÁROS, Itsván. A crise estrutural do capital. 2. ed. rev. ampl. São Paulo: Boitempo, 2011. p. 129-133.
DA INVISIBILIDADE À RETOMADA | 201
Modernidade e natureza

disponibilização e absorção fisiológica de nutrientes. Aos que eram vistos simplesmente


como pobres na concepção moderna, restava invisibilizado que a maioria das identida-
des coletivas tradicionais têm nas suas agriculturas e modos de produção tradicionais os
principais elementos constitutivos de sua identidade diferenciada, não-moderna. Este
raciocínio se imprimiu violentamente sobre os povos tradicionais, nativos ou não. Aos
olhos modernos foram transformados em pobres e, para que sua fome fosse saciada, era
necessário que entregassem suas terras para a nova forma de produção capitalista que
chegava ao campo.
Esta nova forma de produção agrícola consistia e continua consistindo em uma
guerra contra a natureza714, que a partir da década de 1960 começa a se espalhar pelo
ocidente e na década seguinte já se apresentava como estabelecida e em contínua expansão
até a contemporaneidade. O metabolismo social que milenarmente se manteve, encon-
tra na agricultura capitalista uma falha metabólica insuperável715, que não possibilita a
devolução ao solo das substâncias que foram dele consumidas. Aos olhos da agricultura
moderna, isso não se apresenta como problema, pois são sintetizados fertilizantes que
pretensamente seriam capazes de suprir esta falha. Tal modo de agricultura716 se baseia
no uso de sementes geneticamente modificadas, cujos altos potenciais produtivos são
conjugados com a manipulação genética para que recebam aplicação de em larga escala
de fertilizantes químicos. São preparadas também para resistirem a venenos que matam
absolutamente tudo ao seu redor, facilitando o seu crescimento sem a concorrência que
predomina no meio natural.
Tais venenos recebem o nome genérico de defensivos, que buscam defender a
espécie vegetal privilegiada através da morte de outras formas de vida. Assim, são usados em
larga escala herbicidas, inseticidas, fungicidas, bactericidas, acaricidas etc. que, da mesma
maneira que os fertilizantes químicos, apresentam altos graus de toxicidade. O manejo
desta forma de produção é realizado extensivamente, com amplo uso de mecanização,
desde a preparação da terra, passando pelo plantio e colheita. O que demandava trabalho
de muitos braços se tornava uma tarefa de poucas pessoas, que controlavam as máquinas
potencializadoras da força material. É a agricultura sem agricultores717.
Toda uma estrutura de grandes maquinários e venenos são utilizados para que
seja completamente desequilibrada a concorrência natural entre as espécies, para que

714 MARÉS, Carlos Frederico. Terra mercadoria, terra vazia: povos, natureza e patrimônio cultural. InSURgência: revista
de direitos e movimentos sociais, [s.l.], v. 1, n. 1, 2015. p. 61.
715 MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. São Paulo: Boitempo, 2017. Livro III: O processo global da
produção capitalista. p. 843-873.
716 ABRAMOVAY, Ricardo. Muito além da economia verde. São Paulo: Editora Abril, 2012. p. 119.
717 PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. A globalização da natureza e a natureza da globalização. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2017. p. 241.
202 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

prevaleça nas grandes áreas cultivadas somente aquela a partir da qual o capital investido
se reproduz. Sua fertilização não mais vem dos nutrientes que a terra provém, mas sim do
uso de substâncias químicas nitrogenadas. O seu uso acelera a produtividade ao ponto
de não mais ser preciso aguardar os ciclos naturais de recomposição dos solos. Com este
pacote é possível produzir em quase todos os climas, servindo os diferentes tipos de solo
somente como substrato em que se estabelece este sistema.
A essa forma de modernização da agricultura se dá o nome de revolução verde,
por se apresentar com uma ruptura capitalista com as agriculturas tradicionais, que por
milênios predominaram no ocidente. Seus sentidos não se se materializaram somente
pelo avanço técnico-científico, embora por ele possibilitados. Existe uma intencionali-
dade em sua expansão, que se insere dentro de uma estrutura do modo de produção que
buscava se impor mundialmente, dentro de um processo histórico determinado718. Fruto
do pós-guerra, os tempos de dicotomias que se estabeleciam a partir do norte impactaram
a América Latina.
O alinhamento da maioria dos estados nacionais da região com o norte da Amé-
rica acarretava na assunção do pacote tecnológico que era oferecido pela nova forma de
agricultura. No caso brasileiro, a definição por um ou outro alinhamento político-ideo-
lógico teve seus capítulos, sendo possível indicar com precisão inclusive a data em que
estado nacional brasileiro optou pelo alinhamento político-capitalista da revolução verde
no campo. Como a estrutura latifundiária que havia sido sesmarialmente constituída na
colônia e império sendo aprofundada no período republicano, forças político-populares
pugnavam por reforma agrária no início da década de 1960719. Com um governo sensível
aos reclames por distribuição de terras e que buscava interferir na estrutura agrária lati-
fundiária720, o dia 1º de abril de 1964 foi decisivo para a agricultura no país.
Com os mesmos fortes braços militares que derrubaram o governo com aspira-
ções populares, o país abraçaria o capital estrangeiro norte-americano que havia apoiado
o golpe de estado. Com a opção de não interferir na estrutura agrário-latifundiária, os
generais não somente aceitavam as bases do modelo da revolução verde721, mas usaram
ativamente a estrutura do estado para que ela se espalhasse aos campos do país722. Assim,
grandes aportes internacionais eram realizados em instituições bancárias nacionais, que

718 ANDRADES, Thiago Oliveira; GANIMI, Rosângela Nasser. Revolução verde e a apropriação capitalista. CES
Revista, Juiz de Fora, v. 21, p. 43-53. 2007. p. 45.
719 MARÉS, Carlos Frederico. A função social da terra. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003. p. 107.
720 UMBELINO DE OLIVEIRA, Ariovaldo. Modo de produção capitalista, agricultura e reforma agrária. São
Paulo: FFLCH, 2007. p. 120.
721 ANDRADES, Thiago Oliveira; GANIMI, Rosângela Nasser. Revolução verde e a apropriação capitalista. CES
Revista, Juiz de Fora, v. 21, p. 43-53. 2007. p. 45.
722 SANTOS, Milton; SILVEIRA, Maria Laura. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. Rio de Janeiro:
Record, 2001. p. 118.
DA INVISIBILIDADE À RETOMADA | 203
Modernidade e natureza

propagavam o crédito e passariam a ser os órgãos financiadores desse novo modelo de


agricultura. Professores, técnicos e pesquisadores foram enviados ao exterior, assim como
estrangeiros viriam ao Brasil, para participarem de treinamentos acerca de como o sistema
funcionava. Para livrar o “terceiro mundo” do seu “subdesenvolvimento”723, era preciso
capacitá-lo ao manejo do sistema.
Centros e órgãos públicos de pesquisa foram criados, para que o conhecimento
técnico-científico dos métodos da agricultura moderna fosse aprofundado, difundido
e adaptado para as diferentes realidades regionais brasileiras. Para tanto foram criadas
a Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuária (EMBRAPA), a Empresa Brasileira de
Assistência Técnica e Extensão Rural (EMBRATER), as Empresas de Assistência Técnica
e Extensão Rural (EMATERs). A reforma agrária ficaria sepultada no Estatuto da Terra724,
lei militar de reforma agrária que foi criada para não ser aplicada, mas sim para cumprir
a cartilha perante poderes internacionais financiadores da revolução verde e reafirmar o
absoluto direito individual à terra725.
Este sistema se apresentou como a solução para a fome no mundo. A fome,
enquanto fenômeno europeu do pós-guerra, era o espectro e o temor que foi utilizado no
imaginário global para justificar o “melhoramento” da natureza através do cientificismo da
revolução verde726. Sob a nobre bandeira do combate à fome a megaestrutura produtiva
se constituiu, se expandindo continuamente sobre a natureza e sobre os povos que nela
vivem. A mercadoria que a agricultura moderno-revolucionária produz não é somente
aquilo que é retirado da terra envenenada, mas também o próprio sistema em si mesmo.
O seu uso obedece a lógica da propriedade privada, tanto sobre a terra quanto
sobre as ideias e descobertas científicas727 que criam e recriam os insumos da revolução
verde, na forma de royalties sobrados sobre o uso do pacote produtivo. Acompanhando
a inerente expansão desta forma de agricultura, necessários são os meios de escoamento
do que é produzido, considerando que a produção obedece uma rede de produção e
consumo globalizada, em que a maioria do que se produz é voltado à exportação. Desta
maneira a expansão da agricultura moderna se acompanha por uma verdadeira obsessão
por infraestrutura na forma de estradas, ferrovias, hidrovias e portos.
No âmbito das sociedades nacionais as consequências desta forma de agricultura

723 MONTENEGRO GÓMEZ, Jorge Ramón. Povos e comunidades tradicionais, desevolvimento e decolonialidade:
articulando um discurso fragmentado. OKARA: Geografia em debate, João Pessoa, v. 6, n. 1, p. 163-174, 2012. p. 166.
724 BRASIL. Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964. Dispõe sobre o Estatuto da Terra, e dá outras providências.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4504.htm>. Acesso: 20 fev. 2018.
725 MARÉS, Carlos Frederico. A função social da terra. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003. p. 108.
726 PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. A globalização da natureza e a natureza da globalização. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2017. p. 226.
727 MARÉS, Carlos Frederico. Terra mercadoria, terra vazia: povos, natureza e patrimônio cultural. InSURgência: revista
de direitos e movimentos sociais, v. 1, n. 1, 2015. p. 61.
204 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

são a concentração de renda e de terras728, em que um grupo diminuto de pessoas deten-


toras de capital o reproduzem no campo. Quando o modelo se expande sobre terras
ocupadas pela tradicionalidade camponesa, a urbanização precarizada é a única opção729.
Nela o trabalho é realizado dissociado do meio de produção, disponibilizado como mão-
-de-obra para que o salário supra as necessidades materiais da vida. A terra, enxergada
como meio de produção da tradicionalidade e fonte de vida para identidades coletivas,
quando assumida pela modernidade capitalista, se torna uma mercadoria que tem valor
próprio730. Sobre ela será aplicado o pacote produtivo moderno da revolução verde, que
também se constitui como mercadoria enrustida na forma de insumo, cuja propriedade
intelectual permite o uso desde que pago o preço estabelecido. Dentro deste sistema,
aquilo que era considerado como fonte de vida é transformado em extensão de um frio e
supostamente controlado laboratório, em que vida e morte são transformados em capital.
Pelo projeto da agricultura moderna, se supondo mais eficiente, poderia ser decretado o
fim da agricultura camponesa, tradicional731.
Inimiga da natureza, a revolução verde faz ser gradualmente diminuída a biodi-
versidade no planeta, acelerando a extinção de espécies, ao tempo que o desmatamento
acarreta no desequilíbrio de ecossistemas732, propiciando a propagação de pragas que se
alimentam dos monocultivos e que vão se tornando mais resistentes aos venenos que a elas
são destinados. A solução então é o uso cada vez mais intenso de agrotóxicos. Enquanto
a produção de grãos neste modo de produção triplicou mundialmente entre a década de
1960 e 2010, o consumo mundial de fertilizantes cresceu cerca de nove vezes733. No Brasil
a situação é ainda mais impressionante, em que entre os anos de 1961 e 2007 o uso de
fertilização química nitrogenada vai de 2 a 45 toneladas a cada mil hectares.
Considerando o agronegócio, os indicadores recentes734 demonstram que a pro-
dução brasileira de grãos chegou em 2014 em 191 milhões de toneladas, sendo que na
próxima década deverá chegar a 248 milhões de toneladas anuais, devendo haver um
aumento da área cultivável em 17%. Esta expansão, juntamente com o aprofundamento

728 PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. A globalização da natureza e a natureza da globalização. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2017. p. 747.
729 MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo,
2013. p. 785-833.
730 MARÉS, Carlos Frederico. Terra mercadoria, terra vazia: povos, natureza e patrimônio cultural. InSURgência: revista
de direitos e movimentos sociais, v. 1, n. 1, 2015. p. 61.
731 MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo,
2013. p. 785-833.
732 ROSS, Jurandir Sanches. Geografia do Brasil. 4. ed. São Paulo: Edusp, 2001. p. 226.
733 ABRAMOVAY, Ricardo. Muito além da economia verde. São Paulo: Editora Abril, 2012. p. 120.
734 PRATES, Marco. Os números que mostram o poder do agronegócio brasileiro. Exame, 4 jun. 2014. Disponível em
<http://exame.abril.com.br/economia/os-numeros-que-mostram-o-poder-do-agronegocio-brasileiro/>. Acesso em: 20
fev. 2018.
DA INVISIBILIDADE À RETOMADA | 205
Modernidade e natureza

da mineração735 e uso de energia e elementos fossilizados, reserva um futuro calamitoso.


Em uma grande escala de tempo é possível vislumbrar o tamanho da destruição que é
causada ao planeta. Utilizando medição baseada em datação radiométrica de meteoritos
e comparando-as com as mais antigas amostras terrestres e lunares, é possível constatar
que o planeta em que vivemos possui aproximadamente 4,54 bilhões de anos736.
Como na escala de tempo este é um período difícil de ser imaginado, reduziremos
tal período a 45 anos para fins das comparações que se pretende fazer. Utilizando a mesma
proporcionalidade usada para diminuir o período de idade da terra, pode-se considerar
que a humanidade enquanto espécie homo sapiens iniciou há 4 horas, enquanto a revolução
industrial existe há apenas pouco menos de 1 minuto. A sanha humana pelo desenvolvi-
mento econômico, baseado na transformação da natureza em mercadoria, se tornou tão
voraz que neste mero 1 minuto destruímos quase a metade dos espaços necessários para a
manutenção da biodiversidade existente no planeta, principalmente pelo desmatamento
da agricultura moderna e poluição industrial.
A natureza, que inicialmente aparentava estar perdendo a batalha contra o
humano, mostra sinais de cada vez mais avançado estado de irreversibilidade do colapso
ecológico. Ele se apresenta através de rupturas dos equilíbrios físicos, químicos e bioló-
gicos sobre os quais se alicerça a teia da vida no formato em que hoje conhecemos737. O
exponencial crescimento das atividades humanas no modo de produção capitalista, em
que a natureza é concebida enquanto “recurso natural” a ser apropriado, tem vinculação
direta com os problemas que o planeta enfrenta, especialmente após a revolução industrial
e revolução verde. As consequências podem ser vistas através de inúmeros indicadores e
constatações de generalizada contaminação nos alimentos, nas águas e nos solos, intoxi-
cações animais e vegetais, contaminação de águas e solos, erosão, desertificações, desflo-
restamento em massa, precarizações de segurança alimentar de camponeses desterrados,
êxodo rural desenfreado, perda de agrobiodiversidade em índices de quase 90% no último
século etc.738. Considerando que o sistema capitalista é por sua natureza expansivo739,
pode-se considerar que o futuro esteja cada dia mais comprometido.
O colapso ecológico vem sendo constatado pela ciência moderna através do uso
de indicadores de possibilidades de manutenção da vida no planeta, com a indicação de

735 INSTITUTO BRASILEIRO DE MINERAÇÃO. Informações Sobre a Economia Mineral Brasileira no ano de
2015. Disponível em <http://www.ibram.org.br/sites/1300/1382/00005836.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2018..
736 UNITED STATES GEOLOGICAL SURVEY. Age of the Earth, 1997. Disponível em: <https://pubs.usgs.gov/
gip/geotime/age.html>. Acesso em: 20 fev. 2018.
737 MARQUES, Luiz. Capitalismo e colapso ambiental. Campinas: Editora da UNICAMP, 2015. p. 47.
738 SANTILLI, Juliana. Agrobiodiversidade e direitos dos agricultores. São Paulo: Peirópolis, 2009. p. 93.
739 MARQUES, Luiz. Capitalismo e colapso ambiental. Campinas: Editora da UNICAMP, 2015. p. 47.
206 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

limites reversíveis em nove aspectos740. Tais limites planetários tiveram um forte extrapo-
lamento do que se considera reversível, em especial nos critérios de ciclos biogeoquímicos
de nitrogênio e fósforo, assim como em alterações na integridade da biosfera associadas
à perda de biodiversidade. Para além destes, estão seriamente ameaçados e próximos das
zonas de certeza de irreversibilidade as alterações climáticas e as alterações do uso do solo,
cujas extensões de áreas utilizadas para agricultura extensiva estariam muito próximas
de seus limites máximos toleráveis. Sobre os demais critérios, dados são insuficientes ou
mesmo inexistentes741, todavia havendo indicações de riscos verdadeiramente incalcu-
láveis, de dimensões globais e catastróficas742. Os processos de antrópica destruição da
casa comum levam ao consenso de que o planeta entrou em uma nova era geológica, o
antropoceno743, em que a vida humana da forma que a conhecemos não será mais viável.
Diante desta constatação, o sistema moderno-capitalista apresenta algumas solu-
ções, que são instrumentalizadas e reguladas pelo direito dos estados nacionais744. A pri-
meira delas é a previsão normativa de regulação jurídica de condutas, em que as atividades
humanas individuais ou coorporativas que sejam nocivas à natureza são tipificadas como
crimes ambientais, sendo-lhes atribuídas penalidades. Uma outra forma que também se
apresenta como tentativa de regular as atividades humanas destrutivas à natureza, mais
voltada aos grandes empreendimentos, são os procedimentos administrativos de licen-
ciamento ambiental. Por eles se busca uma conciliação entre a livre iniciativa e um ideal
de sustentabilidade ambiental.
Outras propostas do sistema para lidar com o colapso ecológico envolvem direta-
mente a internalização de externalidades745, em que a natureza (externalidade) é inserida
nos fluxos econômicos de maneira precificada e financeirizada, sendo os custos de sua
preservação inseridos nas atividades de sua exploração ou de remuneração por preser-
vação. Assim, a tentativa de indução de comportamentos ambientalmente adequados é
realizada através dos pagamentos por serviços ambientais746, que mercantilizam processos

740 ARTAXO, Paulo. Uma nova era geológica em nosso planeta: o Antropoceno? Revista USP, São Paulo, n. 103, p.
13-24, 2014.
741 UNITED NATIONS. WORLD METEOROLOGICAL ORGANIZATION. WMO Statement on the State of
the Global Climate in 2017. 2017. Disponível em: <https://goo.gl/1erMSB>. Acesso em: 19 fev. 2018.
742 FERREIRA, Heline Sivini. A dimensão ambiental da teoria da sociedade de risco. In: FERREIRA, Heline Sivini;
FREITAS, Cinthia Obladen de Almendra (Orgs.). Direito Socioambiental e Sustentabilidade: Estados, Sociedade e
Meio Ambiente. Curitiba: Letra da Lei, 2016. p. 108-158. p. 151.
743 VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo; DANOWSKI, Déborah. Há Mundo Por Vir? Ensaio sobre os medos e os
fins. São Paulo: Cosac Nayfi, 2014.
744 MARÉS, Carlos Frederico. Palestra no XIV Congresso Brasileiro do Magistério Superior de Direito Ambiental.
Diponível em: <http://videos.ufes.br/video/0_1lhgk4nl>. Acesso em: 19 fev. 2018.
745 MARÉS, Carlos Frederico. Palestra no XIV Congresso Brasileiro do Magistério Superior de Direito Ambiental.
Diponível em: <http://videos.ufes.br/video/0_1lhgk4nl>. Acesso em: 19 fev. 2018..
746 MAMED, Danielle de Ouro. Pagamentos por serviços ambientais e mercantilização da natureza na sociedade
moderna capitalista. 2016. 251 f. Tese (Doutorado em Direito Econômico e Socioambiental) - Pontifícia Universidade
Católica do Paraná, Curitiba, 2016. p. 136.
DA INVISIBILIDADE À RETOMADA | 207
Modernidade e natureza

naturais e posturas de proteção da natureza. Dentre eles, destaca-se a tributação verde,


que consiste na imposição e/ou majoração de tributos em atividades que se apresentem
como lesivas à natureza.
Uma outra maneira que a modernidade capitalista apresenta como medida a
combater o colapso ecológico, que atualmente é utilizada mundialmente em maior escala,
é através da criação de espaços territoriais especialmente protegidos747. As primeiras áreas
protegidas foram criadas no final do século XIX, com o intuito de resguardar paisagens
cuja beleza deveria ser mantida para a contemplação e resguardada para as futuras gera-
ções748. Na origem de sua criação, em um contexto norte-americano de urbanização cres-
cente, espaços sem a presença humana foram concebidos a partir da dicotomia urbano/
rural. Com os efeitos da revolução industrial e do capitalismo consolidado749, a explo-
ração do trabalho extenuante nas indústrias levava as populações urbanas a conceber as
cidades como espaços de agonia e sofrimento, enquanto o ideário do “mundo selvagem”
se apresentava como um local de vida natural. Assim, as áreas protegidas deveriam ser
disponibilizadas para a visitação da população urbana, tornando possível o consumo
de doses homeopáticas de sensações de liberdade e vivência junto ao mundo natural, de
meditação e contemplação em meio às maravilhas da natureza.
O desenvolvimentismo, fruto típico e bem-acabado da modernidade capitalista,
cujo pensamento e prática negavam seus impactos e a necessidade de medidas protetivas
à natureza, encontraria neste contexto as primeiras reações e contraposições. Por trás da
criação do inaugural parque nacional norte-americano em 1872, Yellowstone, os debates
político-intelectuais que reconheciam a necessidade de proteção à natureza eram protago-
nizados por duas principais concepções750. A primeira delas, preservacionista, se constituía
pela intuitiva percepção de uma força divina universal, que se manifestava no interior da
natureza e deveria ser reverenciada na experiência espiritual através da estética da vida
selvagem, em um biocentrismo absoluto em contraposição ao antropocentrismo moderno.
Assim, seria preciso impor limites à tecnologia através de uma revolução política e moral,
cuja ética biocêntrica absoluta deveria prevalecer. A segunda concepção, conservacionista,
entendia que o uso racional dos “recursos naturais” seria possível tanto pelas atual quanto
pelas futuras gerações, desde que houvesse determinante ação coletiva na prevenção do
desperdício e na partilha social dos benefícios da exploração. A influência preservacionista
sobre o conservacionismo se materializou na lógica de criação dos espaços protegidos.

747 SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e novos direitos. São Paulo: Peirópolis, 2005. p. 109.
748 BENSUSAN, Nurit. Conservação da biodiversidade em áreas protegidas. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. p. 12.
749 DIEGUES, Antônio Carlos. O mito moderno da natureza intocada. 6. ed. rev. ampl. São Paulo: HUCITEC/
NUPAUB, 2008. p. 26.
750 DIEGUES, Antônio Carlos. O mito moderno da natureza intocada. 6. ed. rev. ampl. São Paulo: HUCITEC/
NUPAUB, 2008. p. 26.
208 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

Enquanto a intocabilidade interna destes espaços deveria ser observada, a exploração de


todo restante deveria ser realizada com alguns limites, numa semente do que viria a ser o
conceito de desenvolvimento sustentável.
O constante crescimento das áreas em que incidiam a destruição decorrente da
colonização da natureza e exploração dos “recursos naturais” acarretou no alcance dos
limites geográficos máximos possíveis, resultando na consciência da sociedade nacional
norte-americana de que não havia mais para onde se expandir. Em contraposição à ideia
anterior, de que os espaços a serem colonizados eram praticamente infinitos, surge uma
primeira preocupação ambiental no fim do século XIX.
Criado sobre territórios ocupados por nativos, violentamente expulsos, o primeiro
parque nacional estadunidense materializou na terra o mito judaico-cristão do Éden751,
cuja divindade patriarcalmente construída recompunha o estado de “virgindade” do
jardim com a expulsão de Adão e Eva. A expulsão do paraíso, que ficaria sem a presença
humana, era a punição pelo pecado original do fruto proibido. Depois de muito tempo, a
humanidade cristã encontrava na revolução verde o instrumento necessário para alcançar
o cumprimento do mandamento divino de “frutificai e multiplicai-vos, e enchei a terra, e
sujeitai-a; e dominai sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre todo animal
que se move sobre a terra”752. Para tentar se salvar das consequências desastrosas desta
sacra obediência, a saída encontrada foi a ideia de que era necessário ter amostras de vida
em confinamentos, quase tão pequenos quanto uma arca em meio ao dilúvio.
As concepções preservacionistas e conservacionistas são diretamente frutos
da modernidade capitalista753, tendo surgido como contraposição à destruição por ela
causada, através da expansão da agricultura industrial moderna. O elemento humano
moderno, se considerando como “um ser diferente e superior, com poderes de usar, modi-
ficar e eliminar os outros”754, materializou o divórcio que já havia firmado no iluminismo
com as outras formas de vida. Com a desvinculação da cultura moderno-ocidental com
a natureza, esta foi reduzida a uma mercadoria chamada terra. Esta terra, para se confi-
gurar como apta à produção moderna, deve estar isenta de sociobiodiversidade, que foi
milenarmente construída e em poucas décadas brutalmente reduzida. Para que possa
haver a exploração extensiva por este modelo, amostras de vida devem ser resguardadas
em redomas. Mas não se trata de qualquer forma de vida, eis que a forma humana é vista

751 DIEGUES, Antônio Carlos. O mito moderno da natureza intocada. 6. ed. rev. ampl. São Paulo: HUCITEC/
NUPAUB, 2008. p. 29.
752 GÊNESIS, 1:28. In: BÍBLIA, Português. Bíblia sagrada: Contendo o velho e o novo testamento. Salt Lake City: A
Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, 2005. p. 2.
753 DIEGUES, Antônio Carlos. O mito moderno da natureza intocada. 6. ed. rev. ampl. São Paulo: HUCITEC/
NUPAUB, 2008. p. 39.
754 MARÉS, Carlos Frederico. De como a natureza foi expulsa da modernidade. Revista Crítica do Direito, São Paulo,
n. 5, vol. 66, p. 88-105, ago/dez, 2015. p. 90.
DA INVISIBILIDADE À RETOMADA | 209
Conflito e contradição

pela modernidade capitalista como inerentemente prejudicial ao restante da natureza.


Assim, não se pode admitir sua presença dentro da redoma e as reservas de vida devem ser
mantidas intocadas, imaculadas de humanidade. Ao aprisionar a natureza nos parques e
buscar impedir que os povos nela vivam, a modernidade desconsidera outras humanidades
e outras naturezas755, que são concebidas e enxergadas de maneiras distintas.

CONFLITO E CONTRADIÇÃO

O modelo norte-americano de proteção da natureza através da criação de áreas


protegidas se expandiu para o mundo. Na América Latina, este modelo foi adotado desde
o início da sua propagação mundial, inicialmente na forma de parques nacionais756. Antes
da criação dos primeiros parques nacionais brasileiros, é possível observar a existência de
normas referentes à natureza, em especial durante os anos iniciais estado novo. Tais normas
varguistas apresentavam limites exploratórios, ao mesmo tempo que estabeleciam normas
para o “ordenamento” de sua exploração757. Dentro deste contexto havia a influência da
“Sociedade dos Amigos das Árvores”758, que realizou sua primeira conferência 1934 e
influenciava a regulação jurídica acerca das relações da sociedade nacional brasileira com
a natureza. No mesmo ano foram decretados por Getúlio Vargas o Código de Caça e
Pesca759, Código de Minas760, Código de Águas761 e o Código Florestal762. Acompanhando
as codificações, uma estrutura burocrático-estatal também foi criada para buscar imple-
mentar e acompanhar as políticas que a legislação implementava.
Ainda que não houvesse a previsão de criação de áreas intocadas na lei de florestas
de 1934, em 1937 é criado o Parque Nacional de Itatiaia e dois anos depois, em 1939,
seriam criados os Parques Nacionais do Iguaçu e da Serra dos Órgãos, todos mediante
decreto. Os sentidos da criação destas três áreas protegidas foram distintos763. Os dois

755 DESCOLA, Philippe. Outras naturezas, outras culturas. São Paulo: Editora 34, 2016.
756 BENSUSAN, Nurit. Conservação da biodiversidade em áreas protegidas. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. p. 12.
757 URBAN, Teresa. Saudades do matão: Relembrando a história da conservação da nantureza no Brasil. Curitiba:
Editora da UFPR, 1998. p. 70-76.
758 DIEGUES, Antônio Carlos. O mito moderno da natureza intocada. 6. ed. rev. ampl. São Paulo: HUCITEC/
NUPAUB, 2008. p. 115.
759 BRASIL. Decreto número 23.672, de 2 de janeiro de 1934. Approva o Codigo de Caça e Pesca que com este baixa.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/D23672impressao.htm>. Acesso: 22 fev. 2018.
760 BRASIL. Decreto nº 24.642 de 10 de julho de 1934. Decreta o Codigo de Minas. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/D24642impressao.htm>. Acesso: 22 fev. 2018.
761 BRASIL. Decreto nº 24.643, de 10 de julho de 1934. Decreta o Código de Águas. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d24643.htm>. Acesso: 22 fev. 2018.
762 BRASIL. Decreto número 23.793, de 23 de janeiro de 1934. Approva o codigo florestal que com este baixa.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/D23793impressao.htm>. Acesso: 22 fev. 2018.
763 FREITAS, Frederico. A Park for the Borderlands: the creation of the Iguaçu National Park in Southern Brazil, 1880-
1940. Revista de Historia Iberoamericana, [s.l.] v. 7, n. 2, p. 65-88, 2014.
210 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

espaços protegidos criados nas proximidades da Costa Atlântica eram próximos da cidade
do Rio de Janeiro e se destinavam típico modelo norte-americano preservacionista de
disponibilização da vida selvagem às populações das concentrações urbanas. Por sua vez,
a criação do Parque Nacional do Iguaçu adquiriria uma outra característica. Aos olhos
do estado novo, a normativa que estabelecia a suposta racionalização da exploração dos
“recursos naturais” e a criação da área intocada serviriam a um mesmo propósito. Ambas
no sentido de disciplinar e impulsionar a ocupação da fronteira oeste.
Embora pareça contraditório o sentido de colonizar uma região pela determina-
ção de ausência de ocupação em uma porção de terras, é preciso considerar que as monu-
mentais Cataratas do Iguaçu apresentavam um extremo potencial turístico. A criação do
parque buscava garantir a participação e controle estatal sobre o monumento natural764.
Seu potencial turístico, se bem explorado, poderia contribuir decisivamente com a colo-
nização do seu entorno, em que a criação da estrutura necessária para a visitação na área
intocada colaboraria no povoamento da região. Sua finalidade turística é reconhecida na
própria norma que determinou sua constituição765. O discurso de conservação da natu-
reza através da criação de espaços protegidos, foi utilizado como justificativa em meio aos
esforços do estado novo para a conquista e colonização da fronteira Guarani.
Inicialmente criado sem a indicação precisa de sua área, que seria “fixada depois
do indispensável reconhecimento e estudo da região”766, seu instrumento normativo de
criação se refere a um espaço de 3.300 alqueires que haviam sido doados à União pelo
Estado do Paraná em 1930. Os limites do parque somente foram definidos com maior
exatidão pelas ampliações realizadas em 1944767. As meras publicações dos atos norma-
tivos que criaram e ampliaram o Parque Nacional do Iguaçu não foram suficientes para
frear a ocupação da área do parque pela sociedade nacional. Avançando sobre um núcleo
importante do território Guarani na região da Foz do Rio Iguaçu768, as pressões e violências
dos desterros continuaram dentro do espaço que deveria estar intocado.

764 FREITAS, Frederico. A Park for the Borderlands: the creation of the Iguaçu National Park in Southern Brazil, 1880-
1940. Revista de Historia Iberoamericana, [s.l.] v. 7, n. 2, p. 65-88, 2014.
765 BRASIL. Decreto-lei nº 1.035, de 10 de janeiro de 1939. Cria o Parque Nacional do Iguassú e dá outras providências.
Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1930-1939/decreto-lei-1035-10-janeiro-1939-372797-
publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso: 22 fev. 2018.
766 BRASIL. Decreto-lei nº 1.035, de 10 de janeiro de 1939. Cria o Parque Nacional do Iguassú e dá outras providências.
Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1930-1939/decreto-lei-1035-10-janeiro-1939-372797-
publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso: 22 fev. 2018.
767 INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS. Plano
de Manejo do Parque Nacional do Iguaçu. Item 1.3, Histórico e antecedentes legais. Disponível em: <http://www.
cataratasdoiguacu.com.br/manejo/siuc/planos_de_manejo/pni/html/index.htm>. Acesso: 22 fev. 2018.
768 MARTINES, Paulina Cunha Takua Rocay Ponhy; SOARES, Ilson; ESPINOLA, Wilfrido Benites; TSEREMEYWA,
Gessica Martines; VERA, Vilma; MACIEL, Gilberto. Opamba’e Ñanderu Rembiapo Meme (Tudo foi Ñanderu quem fez).
Transcrição de Manuel Munhoz Caleiro. In: MARÉS, Carlos Frederico (coord.); BERGOLD, Raul Cezar; CALEIRO,
Manuel Munhoz; MAMED, Daniele de Ouro (Orgs.). Os Avá-Guarani no oeste do Paraná: (re)existência em Tekoha
Guasu Guavira. Curitiba: Letra da Lei, 2016. p. 26-34. p. 26.
DA INVISIBILIDADE À RETOMADA | 211
Conflito e contradição

Figura 32: Comparação das áreas do Parque Nacional do Iguaçu769

769 FREITAS, Frederico. A Park for the Borderlands: the creation of the Iguaçu National Park in Southern Brazil, 1880-
1940. Revista de Historia Iberoamericana, [s.l.] v. 7, n. 2, p. 65-88, 2014.
212 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

Com o fim do estado novo em 1945 e alteração do cenário político nacional,


não foram tomadas quaisquer providências em relação ao Parque Nacional do Iguaçu por
mais de duas décadas. Durante este período, os conflitos sobre as posses e domínios do
espaço que deveria estar intocado não diferiam muito de seu entorno. A fronteira Gua-
rani era rompida e o centro da terra colonizado, conforme já abordado. Esta situação de
conformidade com o contexto região sofreria uma alteração 1967770, já no período militar.
Uma portaria do Ministério da Agricultura, a quem os órgãos ambientais federais estavam
vinculados, determinava que fossem tomadas providências para a indicação de limites,
desintrusão e regularização fundiária do parque771. A movimentação do estado brasileiro
no que se refere à regularização do Parque Nacional do Iguaçu se insere em um novo ciclo
de criação de áreas protegidas na década de 1960. Até então tais espaços somente haviam
sido criados na década de 1930772.
Em 1972 se consolidava o levantamento dos ocupantes, com indicações de 457
famílias de proprietários e posseiros, que foram receberam compensações e indenizações
decorrentes dos procedimentos de desintrusão do parque773. Em 1978 foi concluída a
desocupação dos colonos e três anos depois, em 1981, eram estabelecidos os seus limites
atuais, com 185.262 hectares. Em 1986 foi reconhecido como Patrimônio Natural da
Humanidade pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura
(UNESCO)774.
Com a promulgação do Código Florestal de 1965775, sob influência direta do Ter-
ceiro Congresso Mundial de Parques Nacionais776, o modelo hegemônico internacional de
criação de áreas protegidas era definitivamente incorporado na legislação brasileira, sendo
elas criadas para “proteger sítios de excepcional beleza ou de valor científico ou histórico”,
oferecendo refúgios a espécies vegetais e animais. Neste contexto, porém, se apresentava
como um inicial contraponto à livre apropriação privada, limitando de alguma maneira
o até então irrestrito exercício do direito de propriedade777. Ao Instituto Brasileiro de

770 PACKER, Ian. Violações dos direitos humanos e territoriais dos Guarani no Oeste do Paraná (1946-1988):
Subsídios para a Comissão Nacional da Verdade. São Paulo: Centro de Trabalho Indigenista, 2013. p. 20.
771 INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS. Plano
de Manejo do Parque Nacional do Iguaçu. Item 1.3, Histórico e antecedentes legais. Disponível em: <http://www.
cataratasdoiguacu.com.br/manejo/siuc/planos_de_manejo/pni/html/index.htm>. Acesso: 22 fev. 2018.
772 DIEGUES, Antônio Carlos. O mito moderno da natureza intocada. 6. ed. rev. ampl. São Paulo: HUCITEC/
NUPAUB, 2008. p. 117.
773 INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS. Plano
de Manejo do Parque Nacional do Iguaçu. Item 1.3, Histórico e antecedentes legais. Disponível em: <http://www.
cataratasdoiguacu.com.br/manejo/siuc/planos_de_manejo/pni/html/index.htm>. Acesso: 22 fev. 2018.
774 UNITED NATIONS EDUCATIONAL, SCIENTIFIC AND CULTURAL ORGANIZATION (UNESCO).
Iguaçu National Park. Disponível em: <http://whc.unesco.org/en/list/355>. Acesso: 22 fev. 2018.
775 BRASIL. Lei número 4.771, de 15 de setembro de 1965. Institui o novo Código Florestal. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4771impressao.htm>. Acesso: 22 jan. 2018.
776 BENSUSAN, Nurit. Conservação da biodiversidade em áreas protegidas. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. p. 15.
777 MARÉS, Carlos Frederico. As populações tradicionais e a proteção das florestas. In: Figueiredo, Guilherme José
DA INVISIBILIDADE À RETOMADA | 213
Conflito e contradição

Desenvolvimento Florestal (IBDF), criado no ano de 1967, caberia a administração das


áreas protegidas. A visão de sua administração era em pleno acordo com a mentalidade
estadunidense que fundamentou a criação do modelo, com as populações residentes nas
áreas protegidas sendo invariavelmente referidas como degradadoras778.
Nas décadas seguintes, de 1970 e 1980 e em pleno regime militar, houve o ápice
no ritmo de criação de áreas protegidas. Em perfeita consonância com o autoritarismo
que é inerente a este período no Brasil, os processos de criação destas áreas eram sempre
impostos verticalmente, sem consultas às populações das regiões que seriam afetadas779.
Coincidentemente no mesmo período, o endividamento do país perante a banca inter-
nacional disparava, cujos contratos invariavelmente previam cláusulas de conservação.
Os Guarani, que em sua quase absoluta maioria foram invisibilizados em meio
ao processo de criação do Parque Nacional do Iguaçu, aparecem pela primeira vez em
um documento oficial do parque780 no ano da determinação militar de sua desintrusão,
em 1967. Neste documento havia a inacreditável proposta do então administrador, Renê
Denizart Pockrandt, em manter no parque uma aldeia Guarani como atração turística.
Algumas das violentas expulsões Guarani de seus territórios em virtude da cria-
ção do Parque Nacional do Iguaçu e da colonização de seu entorno foram muito bem
documentadas781, tanto pela transcrição da oralidade de suas vítimas diretas quanto pelo
que transparece de intensa correspondência entre os órgãos oficiais, que se tornaram mais
intensas com nas providências para a desocupação do reservatório de Itaipu na década
de 1970. Aos Guarani que ainda resistiam à desintrusão do parque e à ameaça de dilúvio,
estava reservada a conivência do Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Traba-
lhadores Nacionais (SPILTN), órgão indigenista que em 1973 seria extinto e substituído
pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), e o Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária (INCRA).
Em alguns casos, para além da conivência, a atuação criminosa direta e ativa
de agentes estatais permanece até hoje sem maiores consequências para as instituições
e pessoas que as praticaram. Um dos casos documentados se mostra como emblemático
dos processos de desterro Guarani na região. Em meados da década de 1940 um grupo

Purvin de; SILVA, Lindamir Monteiro da; LEUZINGER, Márcia Dieguez (Org.). Código Florestal, 45 anos: estudos
e reflexões. Curitiba: Letra da Lei, 2010. p. 95-110. p. 99.
778 DIEGUES, Antônio Carlos. O mito moderno da natureza intocada. 6. ed. rev. ampl. São Paulo: HUCITEC/
NUPAUB, 2008. p. 117.
779 DIEGUES, Antônio Carlos. O mito moderno da natureza intocada. 6. ed. rev. ampl. São Paulo: HUCITEC/
NUPAUB, 2008. p. 118.
780 FREITAS, Frederico. The Guarani and the Iguaçu National Park: An Environmental History. ReVista, Harvard
Review of Latin America. Cambridge, v. 14, n. 3, p. 18-22, 2015. p. 19.
781 CARVALHO, Maria Lucia Brant de. Das terras dos índios a índios sem terra, o Estado e os Guarani do Oco’y:
violência, silêncio e luta. 2013. 835 f. Tese (Doutorado em Geografia Humana) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. p. 327-340.
214 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

que havia se ausentado momentaneamente da aldeia Guarani782, ao retornar e estando


escondido na mata, testemunhou o massacre promovido sobre sua comunidade, em que
viviam aproximadamente 50 famílias. Após seguidos desterros, indica a atuação direta
do órgão agrário brasileiro nestes processos.

Nasci no Oco’y-Jacutinga em 1924. Fui morar na Aldeia Guarani em 1934. Morei ali até
1943. Morava umas 50 família na aldeia Guarani, perto do Rio Iguaçu, lá onde hoje é o Par-
que Nacional do Iguaçu (...). Guerra com os índio para tirar os Guarani da terra: eu vi, eu vi,
mataram tudo! Jogavam os índios nas Catarata, abriam a barriga com facão e jogava depois nas
Catarata (do Iguaçu) (...) era para o corpo não boiá, pra afundá! O cacique da aldeia Guarani
(Téve) e a mulher dele (Aispis) foram tudo morto, e jogado nas Catarata (...). A Catarata é
cemitério Guarani! Em 1944 fui mora na aldeia São João Velho. Moravam umas 40 família
na aldeia São João Velho, perto da antiga Usina São João, perto do Rio São João. Eu morei lá
de 1944 a 1962. Depois tivemo que saí de lá também, os branco expulsou os Avá-Guarani.
Tem o cemitério lá, minha sogra, Siriaka Coronel Martinez, foi enterrada ali. Em 1962 fui
mora na aldeia Colônia Guarani. Os branco do INCRA expulsou os Guarani dali também.
Em 1967 nasceu Laureano. Em 1981 voltei a mora no Oco’y-Jacutinga. Quando inundaram
o Oco’y-Jacutinga, depois vim mora aqui na aldeia do Ocoy, isso foi no ano de 1982783.

Enquanto os relatos de violências e a histórica continuidade da ocupação Gua-


rani na tríplice fronteira entre Argentina, Brasil e Paraguai é fartamente demonstrada, o
discurso atual e oficial adotado pelos órgãos ambientais no plano de manejo do Parque
Nacional do Iguaçu remete a uma longínqua ocupação Guarani, somente nos séculos XVI
a XVIII784. Durante estas remotas épocas, a região teria sido o cenário da “catequização”
pelos jesuítas e sua posterior expulsão pelos bandeirantes. Reconhece ainda a ocupação
da região somente ocorreu no início da república velha, com a chegada da colônia militar
no final de 1888. Os olhos do ocidente enxergam apenas a si mesmos.
Como refugiados da conservação785 os Guarani resistem, insistindo e persistindo
em continuar enxergando no Parque Nacional do Iguaçu o seu território. Inicialmente,
por ele estar dentro dos “limites” territoriais definidos ancestralmente786, cuja localiza-

782 MAPA GUARANI DIGITAL. Aldeia Guarani. Disponível em <http://guarani.map.as/-!/villages/689/>. Acesso:


13 fev. 2018.
783 Depoimento de Narcisa Tacua Catu de Almeida, indicando que o local do massacre é onde atualmente está construído
do Hotel das Cataratas, no Parque Nacional do Iguaçu. In: CARVALHO, Maria Lucia Brant de. Das terras dos índios a
índios sem terra, o Estado e os Guarani do Oco’y: violência, silêncio e luta. 2013. 835 f. Tese (Doutorado em Geografia
Humana) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. p. 329-330.
784 INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS. Plano
de Manejo do Parque Nacional do Iguaçu. Item 1.3, Histórico e antecedentes legais. Disponível em: <http://www.
cataratasdoiguacu.com.br/manejo/siuc/planos_de_manejo/pni/html/index.htm>. Acesso: 23 fev. 2018.
785 DOWIE, Mark. Refugiados da conservação. In: DIEGUES, Antônio Carlos. A ecologia das grandes ONGs
transnacionais conservacionistas. São Paulo: NUPAUB, 2008, p. 113-124.
786 LADEIRA, Maria Inês. O caminhar sob a luz: território mbya à beira do oceano. São Paulo: Editora UNESP, 2007.
p. 68
DA INVISIBILIDADE À RETOMADA | 215
Conflito e contradição

ção ocupa uma posição de centralidade na concepção Guarani de mundo, Yvy Mbyte, o
centro da terra787. Mas, principalmente, pelo fato dos Guarani enxergarem na massa de
biodiversidade conservada dentro do parque as melhores condições para viver ao seu
modo788. Diante das determinações legais que vedam a ocupação humana dentro da área,
e pela sempre diligente repressão estatal empregada nas tentativas Guarani de retomada
do território que é mantido intocado, o conflito socioambiental se estabelece.
Os Guarani frequentemente reclamam seus direitos territoriais sobre as terras
do Parque Nacional do Iguaçu. Registros do final do século XX indicam a reclamação de
1% da área total do parque, que lhes seja disponibilizada para a constituição de uma nova
aldeia789. No início do século XXI, mais precisamente em setembro de 2003, retomaram
uma pequena área dentro de seus limites790. Após tentativas de conciliação, a ordem judicial
de reintegração de posse em favor do órgão ambiental foi expedida. Diante da autoridade
judicial, a autoridade Guarani se manifesta.

Antigamente os brancos matavam a gente à bala. Hoje vocês matam a gente aos pouquinhos
com caneta e papel. Eu não vou assinar nada791.

A ordem foi cumprida em novembro de 2005, em que um cerco formado por mais
de uma centena de policiais federais “convenceu”, no sentido da desocupação, os cerca de
trinta Guarani que se encontravam na área. Realizado um acordo verbal de condução até
o posto da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) no município de Guarapuava, o seu
descumprimento pelas forças policiais ocasionou uma discussão que se transformou em
confronto, na medida em que a repressão estatal cumpre a sua função típica e imprime as
marcas de sua violência aos corpos e na memória Guarani, individual e coletiva. Desfeita
a ocupação, a institucionalidade se move com atraso para adquirir uma área próxima ao
parque, que seja capaz de comportar uma nova aldeia nas imediações do parque. Alega-
das dificuldades financeiras, no ano de 2009, inviabilizaram a aquisição das terras, então

787 LADEIRA, Maria Inês; FARIA, Camila Salles de. Os ava-guarani em yvy mbyte, centro da terra e os processos de
transformação de seu território. In: MARÉS, Carlos Frederico (Coord.); BERGOLD, Raul Cezar; CALEIRO, Manuel
Munhoz; MAMED, Daniele de Ouro (Orgs.). Os Avá-Guarani no oeste do Paraná: (re)existência em Tekoha Guasu
Guavira. Curitiba: Letra da Lei, 2016. p. 53-87.
788 MELIÀ, Bartomeu. Ñande Reko. In: MEDINA, Javier. Ñande Reko: La compreension Guaraní de vida buena. La
Paz: PADEP/GTZ. p. 107-127.
789 SEMINÁRIO AVÁ-GUARANI, 499 anos de luta pela sobrevivência. Documento final. In: RICARDO, Carlos
Alberto. Povos indígenas no Brasil: 1991-1995. São Paulo: Instituto Socioambiental, 1996. p. 788.
790 CARVALHO, Maria Lucia Brant de. Das terras dos índios a índios sem terra, o Estado e os Guarani do Oco’y:
violência, silêncio e luta. 2013. 835 f. Tese (Doutorado em Geografia Humana) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. p. 806.
791 Fala do Cacique Simão Villalba ao juiz federal Ronny Ferreira. Transcrito e citado em: CARVALHO, Maria Lucia
Brant de. Das terras dos índios a índios sem terra, o Estado e os Guarani do Oco’y: violência, silêncio e luta. 2013.
835 f. Tese (Doutorado em Geografia Humana) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de
São Paulo, São Paulo, 2013. p. 809.
216 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

orçadas em R$ 18.000.000,00 (dezoito milhões de reais)792.


Em outubro de 2013, uma nova retomada acontece e uma aldeia Guarani se
constitui dentro das linhas do Parque Nacional do Iguaçu793. Depois de oito meses794,
em maio de 2014, a ordem judicial de reintegração de posse chega até a comunidade, que
decide desfazer a ocupação temendo novas violências pelas forças repressivas estatais.
Antes de desocupá-la, publicam uma carta pública.

(...) Nós, Guarani, desde antes que os brancos chamam de “descobrimento do Brasil”, já habitá-
vamos boa parte do Brasil, Argentina, Paraguai e Bolívia. Vivíamos da mata e caminhávamos
livremente pelos territórios. Depois, vieram os brancos com suas fronteiras. As matas nativas
do atual Parque Nacional de Iguaçu sempre foram habitadas por nós Guaranis, desde antes
da fundação do Parque em 1939. A estas grandes matas chamamos tradicionalmente de Ka’
Aguy Guasú.
No século 20, houve no Paraná um intenso processo de colonização do oeste do estado que
significam a perda de boa parte de nosso território, além de devastação das grandes matas
que existiam na paisagem da região. Isto afetou diretamente nosso povo. O Nhande Reko
Guarani, “nosso modo de ser Guarani”, precisa das matas e dos rios para existir. Por isso, nós
Guarani sempre protegemos as matas, pois sem elas não há Nhande Reko. Quando habitamos
a floresta, fazemos a agricultura de coivara, que não danifica a vida das matas, pois realizamos
a rotatividade do uso do solo.
Os Guarani não foram e nem são os responsáveis pela devastação da natureza. Não somos nós
que fazemos o monocultivo da soja e do milho. Não somos nos que criamos as fabricas, as
estradas e as cidades. Não somos nós que criamos grandes quantidades de gados. Todos estes,
sim, os grandes responsáveis pela destruição da natureza. Por isso não entendemos porque não
podemos habitar o território do Parque Nacional do Iguaçu. Todos os dias, milhares de turistas
do Brasil e do mundo visitam as cataratas do Iguaçu, que também faz parte do território do
Parque Nacional. Não entendemos como estas terras podem ser exploradas pelo turismo, mas
não podem ser habitadas por uma população que busca a sua sobrevivência.
Vir ao Parque Nacional é recuperar um território que sempre foi nosso. Precisamos das matas
para alimentar nossa cultura. Nós, Guarani, pensamos no futuro. Pensamos em nossas crianças.
O limite de uma aldeia, feito pelos brancos, pode servir por um tempo, mas depois já não é
mais suficiente, pois as nossas crianças crescem.
Queremos a demarcação de parte das terras do Parque Nacional do Iguaçu para o povo Gua-
rani. Sabemos que mesmo sendo uma área de proteção ambiental é possível a demarcação (...).
Parque Nacional do Iguaçu, 27 de abril de 2014 (Anexo A).

792 CARVALHO, Maria Lucia Brant de. Das terras dos índios a índios sem terra, o Estado e os Guarani do Oco’y:
violência, silêncio e luta. 2013. 835 f. Tese (Doutorado em Geografia Humana) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. p. 816.
793 CARIGNANO, Júlio. Justiça ordena reintegração de posse no PNI. Brasil de Fato. São Paulo, ano 12, n. 584, p. 6,
mai. 2014.
794 BRASIL. Tribunal Regional Federal (4. Região). Reintegração de posse. Processo número 5011701-10.2013.4.04.7002.
Autor: Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Réu: Cláudio Vogado. Disponível em:
<https://goo.gl/gp1wp8>. Acesso: 23 fev. 2018.
DA INVISIBILIDADE À RETOMADA | 217
Conflito e contradição

Com o desfazimento da ocupação, os técnicos do órgão ambiental foram até a


área realizar a vistoria795. Detectando o corte de algumas árvores para a construção de
moradia, não foi observada nenhuma necessidade de intervenção no sentido de restau-
ração florestal. Com uma área “perturbada” razoavelmente pequena, a constatação foi a
de uma unidade de paisagem totalmente florestal que dispensava quaisquer medidas de
recuperação. Para além da finalidade de constatação de danos à natureza, a vistoria indica
a necessidade de reforços nas cercas do Parque Nacional do Iguaçu, assim como a provo-
cação de instituições e instâncias competentes para apurar responsabilidades relacionadas
com a retomada, de maneira que as persecuções serviriam de medidas preventivas diante
de futuras reocupações pelos “silvícolas”. Ao mesmo tempo que atesta o irrisório impacto
causado pela retomada Guarani, a racionalidade moderno-conservacionista dos agentes do
órgão ambiental insiste em solicitar o reforço na intocabilidade da área. Além de olharem
somente para si mesmos, os olhos da modernidade enxergam somente o que querem ver.
A demanda Guarani pela devolução de seu território em que foi criado o Parque
Nacional do Iguaçu invariavelmente se apresenta nos seus encontros regionais. Em 17 de
dezembro de 2016, em um encontro realizado para discussões sobre verdade e memória
e que decorre de uma mobilização política regional na tríplice fronteira entre Argentina,
Brasil e Paraguai, a Comissão Guarani da Verdade pugna por uma série de reparações.

Entendemos que a história de cada comunidade exige reparações específicas, por isso exigimos
do governo brasileiro, e da Itaipu Binacional, o seguinte:
(...)
V) A devolução do Parque Nacional do Iguaçu, que é terra tradicional do povo Guarani
(Anexo B).

A aparente contradição entre a lógica moderna de conservação da natureza por


espaços protegidos e a territorialidade Guarani é falsa, embora o conflito socioambiental
se apresente. No que se refere à natureza, o que se convencionou ser chamado pelas socie-
dades nacionais de sustentabilidade796, aos olhos Guarani é tão somente o fundamento
de sua cultura. Com a óbvia ressalva de que se tratam de construções socioculturais com-
pletamente diversas, a manutenção de condições do espaço geográfico que sejam aptas às
formas de vida, em especial a observância dos ciclos naturais de recuperação e renovação da
biodiversidade, é elemento comum entre a lógica moderna da conservação por parques e a

795 INSTITUTO CHICO MENDES DE BIODIVERSIDADE (ICMBIO). Informação técnica número 028/2014,
Parque Nacional do Iguaçu. 30 de jun. 2014. In: BRASIL. Tribunal Regional Federal (4. Região). Reintegração de
posse. Processo número 5011701-10.2013.4.04.7002. Autor: Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
(ICMBio). Réu: Cláudio Vogado. Disponível em: <https://goo.gl/gp1wp8>. Acesso: 23 fev. 2018.
796 Entendida como a condição de um processo que permite a sua permanência.
218 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

territorialidade Guarani. A diferença fundamental é que a modernidade precisa proteger


a natureza de si mesma, aprisionando-a nos espaços intocados. Em um outro sentido, o
povo Guarani enxerga na diversidade das formas de vida as condições de manutenção e
reprodução de sua identidade coletiva797, consistindo a biodiversidade da Mata Atlântica
em uma base imprescindível para sua reprodução social798.

A gente tá reocupando pra gente proteger, preservar. Às vezes os governos dizem assim dos
indígenas: “eles estão retomando pra destruir”. E não é destruir (...). E eles dizem que que os
indígenas não produzem nada. Mas pelo meu entendimento a gente produz, nós estamos
produzindo a floresta. Não são grandes plantações de transgênicos e essas coisas. A gente cuida
do nosso território, da nossa floresta, do nosso ka’aguy, dos nossos animais que nhanderu deu
pra gente sobreviver. A caça, a pesca, são da nossa cultura. Foram muitos anos assim e a gente
nunca destruiu nossa caça, nunca destruiu nosso mato799.

A experiência demonstra que o resultado do avanço das sociedades nacionais


sobre as áreas protegidas é o seu esgotamento pela exploração predatória. Em sentido
oposto, as territorialidades dos povos e comunidades tradicionais apresentam a predomi-
nância de manutenção, ou mesmo acréscimos, de biodiversidade800. Ainda que algumas
idealizações neste sentido sejam frequentes, tal característica é fruto da prevalente conti-
nuidade dos vínculos entre natureza e cultura, algo que a modernidade segrega.
Esta característica geral dos povos e comunidades tradicionais é especialmente
observada junto ao povo Guarani801. No elemento religioso e profético preponderante
em sua cultura, reside a constante busca por uma terra onde nada tem fim, Yvy Marãey802.
A composição desta terra por elementos que nunca se esgotam lhe atribui um sentido
de perenidade. Tal qualidade do espaço territorializado pelos Guarani, quando não pre-
sente em virtude de precárias condições ecológicas impostas pelas sociedades nacionais,
é constantemente perseguida pela reconstrução da biodiversidade. Nos casos em que esta
recuperação não se mostra necessária, geralmente nas redomas de vida intocável criadas

797 RODRÍGUEZ, Carolina; GLAUSER, Marcos. Mapeo participativo en parte del Tekoha Guasú, Territorio Mbyá
Guaraní. Avá, n. 24, p. 85-106, 2014.
798 FARIA, Camila Salles de. A luta Guarani pela terra na metrópole paulistana: contradições entre a propriedade
privada capitalista e a apropriação indígena. 2016. 329 f. Tese (Doutorado em Geografia) – Faculdade de Filosofia, Letras
e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016. p. 220.
799 POPYGUA, Rivelino Vera. Ka’aguy Regua: a relação dos Guarani com as matas da região. In: KEESE, Lucas;
HOTIMSKY, Marcelo (Org.). Ojejapo Tekoarã: etnomapeamento da Tekoa Kuaray Haxa, litoral do Paraná. São Paulo:
Centro de Trabalho Indigenista/Comissão Guarani Yvyrupa, 2017. p. 17.
800 DIEGUES, Antônio Carlos. O mito moderno da natureza intocada. 6. ed. rev. ampl. São Paulo: HUCITEC/
NUPAUB, 2008. p. 89.
801 LADEIRA, Maria Inês. Espaço geográfico Guarani Mbya: Significado, constituição e uso. Maringá: EDUEM;
São Paulo: EDUSP: 2008.
802 LADEIRA, Maria Inês. A Conservação da Mata Atlântica e a “Permanência da Terra”: A Mata Atlântica no
contexto atual das Terras e do território e Guarani. 2018. No prelo. p. 12.
DA INVISIBILIDADE À RETOMADA | 219
Conflito e contradição

pela modernidade, ao povo Guarani que caminha por seus territórios basta inserir-se e
tornar-se próprio do lugar. O sentido de perenidade dos elementos que nunca se esgotam
não está no seu aspecto quantitativo, mas na possibilidade de sua manutenção. Desta
concepção partem as definições Guarani dos usos da natureza e de suas formas próprias
de agricultura, cujo sentido de renovação dos ciclos é o que caracteriza a abundância, não
a acumulação ou armazenamento.

Os jurua costumam chamar a terra, a água, as plantas, os bichos, tudo isso, de “recursos natu-
rais”. E o jeito com que cada pessoa lida com a terra, a água, as plantas e os bichos, os Jurua
costumam chamar de “manejo”, “manejo dos recursos naturais”. Os Guarani têm seu jeito certo
de lidar com todos esses recursos, para que eles nunca acabem803.

Tem um tipo de palha que nós usamos bastante para cobertura de casa que a gente chama de
kapii kaaguy. Para não acabar com o kapii kaaguy a gente faz assim: as plantas que são mais
pequenas, mais novinhas a gente não arranca. Deixa no lugar. Para arrancar a gente escolhe
só o que é maior. Se caso a gente arrancar sem querer o kapii que é menor, aí a gente deixa ele
na terra. Aí ele brota e não seca. E é por isso que nunca acaba. O kapii kaaguy cresce rápido.
Alguns, se a gente esperar um ano e meio, dois anos, já dá para arrancar de novo no mesmo
lugar. Já o que é mais pequeno vai demorar mais um pouco, daqui a dois anos e meio, três anos
já dá para arrancar. Arranca com raiz e tudo porque a raiz que ficar, brota. A gente arranca
kapii em uma parte, em uma área. Aí, deixa esse lugar que a gente arrancou e vai para outro
lugar onde tem kapii bom. A gente arranca o bom. Deixa aquele lugar de novo. Se tiver bom
o lugar que a gente arrancou antes, a gente volta para esse lugar. Se não tiver bom nesse lugar,
vamos para outro. Por isso que é bom a gente ter uma área grande para essas coisas804.

O adubo não é da nossa cultura, não é da nossa tradição. É muito difícil a gente lidar com
adubo na plantação. O pessoal de fora fala que a gente tem que adubar, fazer isso, fazer aquilo,
mas não adianta. Para as plantações da nossa tradição mesmo, não adianta adubar a terra. A
gente já tentou e descobriu que a solução não é adubo e isso não faz parte do nosso costume.
A solução é achar uma terra que dá sem adubo. Porque a terra também precisa descansar para
plantação. Porque a gente é assim, planta em uma parte um ano, dois anos e depois muda para
outra parte...a gente abre uma roça e planta o que a gente quer. Passa um ano, a gente abre outra
roça, planta o que a gente quer de novo, depois, se a gente quiser a gente volta no primeiro
lugar que a gente abriu. A terra precisa descansar para voltar a ser boa805.

803 COMUNIDADES GUARANI MBYA. O que fazer para não acabar com os recursos da natureza. In: LADEIRA,
Maria Inês. FELIPIM, Adriana (Org.). Teko Mbaraeterã: Fortalecendo nosso verdadeiro modo de ser. São Paulo:
Comunidades Guarani Mbya/Centro de Trabalho Indigenista, 2005. p. 42-45. p. 42.
804 Depoimento de João, Aldeia Ilha do Cardoso. In: COMUNIDADES GUARANI MBYA. O que fazer para não acabar
com os recursos da natureza. In: LADEIRA, Maria Inês. FELIPIM, Adriana (Orgs.). Teko Mbaraeterã: Fortalecendo nosso
verdadeiro modo de ser. São Paulo: Comunidades Guarani Mbya/Centro de Trabalho Indigenista, 2005. p. 42-45. p. 43.
805 Depoimento de Saulo, Aldeia Rio Branquinho. In: COMUNIDADES GUARANI MBYA. O que fazer para não
acabar com os recursos da natureza. In: LADEIRA, Maria Inês. FELIPIM, Adriana (Orgs.). Teko Mbaraeterã: Fortalecendo
nosso verdadeiro modo de ser. São Paulo: Comunidades Guarani Mbya/Centro de Trabalho Indigenista, 2005. p. 42-45.
220 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

A percepção da ciência moderna acerca dos conhecimentos tradicionais vin-


culados à agrobiodiversidade dos diferentes povos tem sofrido alterações recentes806. A
compreensão de que práticas tradicionais voltadas à agricultura e usos da natureza indicam
não somente a manutenção das condições ecológicas nas áreas em que são praticadas, mas
em alguns casos o acréscimo da biodiversidade se verifica. A percepção acerca dos processos
de uso e regeneração das práticas de agricultura tradicional itinerante, principalmente nas
florestas úmidas, indicam que os usos e manejos “primitivos” se mostram como fatores
determinantes de uma sociobiodiversidade milenarmente constituída. Assim, a etnobio-
logia aponta para o reconhecimento de que resta como praticamente impossível distinguir
uma floresta “virgem” de uma milenarmente antropizada pela agricultura itinerante807.
Em sentido inverso da individualidade contratualista e predatória que vigora
no sistema moderno de propriedade privada da terra808, a apropriação comunitária que
predomina nos territórios da tradicionalidade são caracterizados por atividades de baixo
impacto, com o extrativismo vegetal e animal, além de atividades de pequena agricultura
itinerante809. A despeito do pretenso controle externo estatal ou de uma suposta competi-
tividade pela exploração individual810, a prevalência de relações simbióticas entre natureza
e cultura, conjugada com sensos de pertencimento coletivo em relações de parentesco e
reciprocidade socioeconômica, ativa formas de controle social sobre os territórios e em
especial sobre o seu uso. Neste sentido, as tradicionalidades e as naturezas que lhes são
inerentes se apresentam como entraves à lógica moderno-capitalista de transformação da
terra em mercadoria811, que não pode ser livremente comercializada. Não são entraves,
entretanto, para a conservação ambiental que compõe o núcleo do discurso moderno da
criação de áreas protegidas.
Sobre as terras que não podem ser livremente compradas e vendidas, seja por
terem sido criados espaços de proteção da natureza ou reservadas aos povos e comu-
nidades tradicionais, o sistema moderno-capitalista criou novas ferramentas de mer-
cantilização. Através delas transpõe-se o valor da mercadoria terra para sua cobertura

p. 45.
806 DIEGUES, Antônio Carlos. O mito moderno da natureza intocada. 6. ed. rev. ampl. São Paulo: HUCITEC/
NUPAUB, 2008. p. 68.
807 GOMEZ-POMPA, Arturo; VAZQUEZ-YANES, Carlos; GUEVARA, Sergio. The tropical rain forest: a nonrenewable
resource. Science, [s.l.], v. 177, n. 4051, p. 762-765, 1972.
808 MARÉS, Carlos Frederico. Terra mercadoria, terra vazia: povos, natureza e patrimônio cultural. InSURgência: revista
de direitos e movimentos sociais, [s.l.], v. 1, n. 1, p. 57-71, 2015. p. 70.
809 DIEGUES, Antônio Carlos. O mito moderno da natureza intocada. 6. ed. rev. ampl. São Paulo: HUCITEC/
NUPAUB, 2008. p. 152.
810 FEENY, David; BERKES, Fikret; MCCAY, Bonnie; ACHESON, James. A tragédia dos comuns: vinte e dois anos
depois. In: DIEGUES, Antônio Carlos; MOREIRA, André de Castro (Org.). Espaços e recursos naturais de uso comum.
São Paulo: NUPAUB/USP, 2001. p. 17-42.
811 MARÉS, Carlos Frederico. Terra mercadoria, terra vazia: povos, natureza e patrimônio cultural. InSURgência: revista
de direitos e movimentos sociais, [s.l.], v. 1, n. 1, p. 57-71, 2015. p. 70.
DA INVISIBILIDADE À RETOMADA | 221
Conflito e contradição

vegetal, colocando-a a serviço de mercados. Desde os mais elementares modos, como a


exploração do turismo em áreas protegidas, até formas mais complexas e em alguns casos
mundializadas, o capital encontra formas de avançar sobre a natureza. Através da aferição
ou suposição de valores econômicos à natureza, o sistema precifica e contribui com a sua
destruição, através da criação de mercados de mercadorias fictícias, como a concessão de
direitos para poluir ou degradar812.
Aos olhos do sistema, o Parque Nacional do Iguaçu é indicado como o modelo
de parque nacional a ser seguido no país, sendo “o caso mais bem-sucedido no Brasil do
modelo de gestão pública de unidade de conservação com base em atividades licencia-
das à iniciativa privada”813. Mesmo que os mais elaborados projetos de instrumentos de
financeirização da natureza ainda não tenham sido implementados no parque, a lógica
do espaço natural reservado para as populações urbanas predomina. Sendo o parque não
urbano que mais recebeu visitantes no ano de 2017, alcançou a marca recorde de quase
um milhão e oitocentas mil visitantes no último ano814, quase cinco mil por dia. O projeto
varguista do estado novo tardou, mas se consolidou.
A exploração das atividades de turismo no parque é realizada por empresas priva-
das, a maior parte através de concessões por parte do poder público. Diante desta condição,
seus dados financeiros têm de ser públicos, embora não sejam publicizados. Para o seu
levantamento foi necessário a utilização de instrumento legal815 de acesso à informação
pública, em que uma planilha foi apresentada (Anexo C). Com cinco concessões em vigên-
cia, que exploram o turismo ecológico, os valores arrecadados pelas concessionárias no ano
de 2016 alcançaram R$ 105.138.619,52, (cento e cinco milhões, cento e trinta e oito mil
e seiscentos e dezenove reais e cinquenta e dois centavos) em que aproximadamente 6%
foram destinados ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICM-
Bio)816, autarquia vinculada ao Ministério do Meio Ambiente e que é responsável pela
gestão do parque. Tais valores constituem um quarto de seu orçamento anual, destinado à

812 KILL, Jutta. Valoração econômica e pagamento por serviços ambientais: Reconhecimento do valor da natureza
ou atribuição de preço à destruição da natureza? Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll Brasil, 2017.
813 GORINI, Ana Paula Fontenelle; MENDES, Eduardo da Fonseca; CARVALHO, Daniel Mostacada Pinho. Concessão
de serviços e atrativos turísticos em áreas naturais protegidas: o caso do Parque Nacional do Iguaçu. Rio de Janeiro:
BNDES Setorial, 2006. p. 175.
814 TELES, Giovana; LEUTZ, Dennys. Parque Nacional do Iguaçu é o parque não urbano que mais recebe turistas
no Brasil. Jornal da Globo. Edição do dia 03/01/2018. Disponível em: <http://g1.globo.com/jornal-da-globo/
noticia/2018/01/parque-nacional-do-iguacu-e-o-que-mais-recebe-turistas-no-brasil.html>. Acesso: 24 fev. 2018.
815 BRASIL. Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011. Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII
do art. 5o, no inciso II do § 3o do art. 37 e no § 2o do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei no 8.112, de 11 de
dezembro de 1990; revoga a Lei no 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei no 8.159, de 8 de janeiro de 1991;
e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.
htm>. Acesso: 24 fev. 2018.
816 Planilha disponibilizada pela autarquia gestora e constante no anexo C deste trabalho. Dados obtidos pelo protocolo
02680000246201832, do Sistema Eletrônico de Serviço de Informação ao Cidadão (e-SIC). Disponível em: <https://
esic.cgu.gov.br/sistema/site/index.aspx>. Acesso: 24 fev. 2018.
222 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

gestão de áreas protegidas por todo país. O hotel localizado às margens das Cataratas do
Iguaçu pertence à União, que realizou no ano de 2007 um arrendamento pelo prazo de 20
anos, mediante pagamento de valores anuais atuais de R$ 10.416.000,00 (dez milhões e
quatrocentos e dezesseis mil reais). Tal valor é partilhado em partes iguais entre o Serviço
de Patrimônio da União (SPU) e a autarquia ambiental gestora do parque817.

Os branco usa a terra (do Parque Nacional do Iguaçu) para brincar, passear e ganhar dinheiro,
enquanto que nós precisamo da terra para viver...818

A defesa da intocabilidade do Parque Nacional do Iguaçu não é somente a defesa


da posse do parque em si mesmo, mas sim de todo um modelo conservacionista que
nele encontra sua maior expressão no país. O conflito socioambiental entre sua criação e
manutenção como espaço intocado e as territorialidades Guarani se estabelece, ao ponto
de terem se tornado recentemente visíveis pelas retomadas e movimentações institucionais
pelo seu desfazimento, através do uso do poder judiciário e forças de repressão estatal. A
contradição entre o discurso da conservação da natureza e os direitos territoriais Guarani
sobre o Parque Nacional do Iguaçu é falsa, conforme acima demonstrado. Todavia, a
prática conservacionista de avanço do capital sobre a massa de biodiversidade dos espaços
protegidos é diretamente oposta e contraditória com as formas de ocupação Guarani.
A dissimulação do discurso e das posturas institucionais é gritante. Os direitos
territoriais Guarani sobre as terras do Parque Nacional do Iguaçu, reconhecidos juridi-
camente e historicamente negados pelo estado brasileiro, são suficientes para fundamen-
tar a superação do conflito, conforme será demonstrado no tópico seguinte. Ainda que
fosse em caso contrário, se insuficientes, outras soluções seriam possíveis. Recordando
o pleito Guarani de 1% sobre a área do parque para a constituição de uma aldeia819 ou
então as alegadas dificuldades financeiras para a aquisição de uma outra área na região
para acomodá-la820, embora suas pretensões coletivas não se resumam a estas reclamações,
tem-se ideia da insignificância material do que clamam e reclamam os Guarani na tríplice
fronteira. Fora dos números acima apresentados como movimentados diretamente pelo

817 MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, DESENVOLVIMENTO E GESTÃO. Grupo inglês assume o Hotel


Cataratas. Publicado em 25/09/2007, última modificação em 28/05/2015. Disponível em: <http://www.planejamento.
gov.br/assuntos/patrimonio-da-uniao/noticias/grupo-ingles-assume-o-hotel-cataratas>. Acesso: 24 fev. 2018.
818 Depoimento de um Guarani não identificado. In: CARVALHO, Maria Lucia Brant de. Das terras dos índios a
índios sem terra, o Estado e os Guarani do Oco’y: violência, silêncio e luta. 2013. 835 f. Tese (Doutorado em Geografia
Humana) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. p. 377-415.
819 SEMINÁRIO AVÁ-GUARANI, 499 anos de luta pela sobrevivência. Documento final. In: RICARDO, Carlos
Alberto. Povos indígenas no Brasil: 1991-1995. São Paulo: Instituto Socioambiental, 1996. p. 788.
820 CARVALHO, Maria Lucia Brant de. Das terras dos índios a índios sem terra, o Estado e os Guarani do Oco’y:
violência, silêncio e luta. 2013. 835 f. Tese (Doutorado em Geografia Humana) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. p. 816.
DA INVISIBILIDADE À RETOMADA | 223
Conflito e contradição

Parque Nacional do Iguaçu, ainda estariam os mais de R$ 38.000.000.000,00 (trinta e oito


bilhões de reais) em valores absolutos, pagos na forma de royalties por Itaipu Binacional
ao Brasil e Paraguai desde sua criação821.
O não atendimento das demandas territoriais Guarani na região é fruto de uma
disputa que vai para além das terras, matas e seus fictícios valores financeiros. A negativa
atinge o campo do simbólico, em que a brutalidade e o racismo da colonização são abso-
lutamente mantidos e realimentados em todos os seus violentos termos, desde a chegada
do primeiro ibérico nestas terras. Ao enxergar o seu mundo tal qual ele atualmente se
apresenta, sem relevar as historicidades dos processos de produção dos conflitos, a ideo-
logia moderna se baseia na pretensa supremacia da institucionalidade estatal na constru-
ção e condução da ordenação política do território. Invertendo a lógica da colonização
e partindo desta concepção, os Guarani são considerados invasores do parque. Dentro
desta condição eles deveriam se adequar aos parâmetros ocidentais e seus modelos de
conservação. Em não se adequando, como a realidade mostra, a racionalidade moderno-
-capitalista que define o conservacionismo nega o inegável, justamente o que há de mais
tradicional neste povo: suas identidades e suas concepções e dinâmicas territoriais822. A
modernidade insiste em não compreender que o parque é tão importante para os Guarani
quanto os Guarani são importantes para o parque823.

A INTERFACE E OS DIREITOS COLETIVOS

O estado nacional, enquanto fruto da modernidade, tem no direito um de seus


instrumentos de manutenção e organização do poder social. A diversidade dos diferentes
povos e identidades coletivas foi completamente desconsiderada na gênese dos estados
nacionais latinoamericanos nascidos no século XIX824. Criados à imagem e semelhança das
matrizes colonizadoras, suas cartas constitucionais e regulações jurídicas eram pautadas
pela ficção da homogeneidade étnica e cultural. Assim, os estados foram criados dentro da
concepção de que dentro de suas fronteiras existe um povo, que falava uma única língua
e que exerce sua soberania no território nacional825.
A ficção, entretanto, não ignorava a diversidade, mas apresentava aos povos uma

821 ITAIPU BINACIONAL. Royalties. Disponível em: <https://www.itaipu.gov.br/responsabilidade/royalties>.


Acesso: 24 fev. 2018.
822 LADEIRA, Maria Inês. Terras indígenas e Unidades de Conservação na Mata Atlântica: áreas protegidas? In: Terras
indígenas e unidades de conservação da natureza: o desafio das sobreposições. São Paulo: Instituto Socioambiental,
2004. p. 233-245. p. 240.
823 GUARANY, Vilmar Martins Moura. Direito territorial Guarani e as unidades de conservação. 2009. 120 f.
Dissertação (Mestrado em Direito) - Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2009. p. 114.
824 MARÉS, Carlos Frederico. O renascer dos povos indígenas para o direito. Curitiba: Juruá, 2010. p. 63.
825 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 51-120.
224 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

proposta que forçosamente deveria ser aceita: a da absorção das diferentes identidades
pelas sociedades nacionais. Este foi o fundamento de declaradas práticas e políticas assi-
milacionistas dos estados latinoamericanos, que garantiam aos povos o direito de se tor-
narem cidadãos civilizados, súditos dos estados soberanos, que em suas universalidades
invisibilizam as diferenças826. A primeira forma de invisibilização moderna para com os
povos na América Latina data dos primeiros anos do século XVI, e que permanece na
contemporaneidade contraditoriamente apresentada como reconhecimento de alteri-
dade. A tentativa do apagamento de traços identitários próprios inicia na transformação
das diversidades em “índios”. Depois, com sua assimilação na “comunhão nacional”, eles
poderiam deixar de ser índios para se tornarem indivíduos pobres, que vendem o seu
trabalho para ganhar a vida e reproduzir o capital.
Para que este processo acontecesse com sucesso havia um requisito fundamental:
a separação dos povos de suas terras, de suas naturezas, de modo que elas sirvam ao sistema
como insumos e “recursos naturais”. Atingindo o status de civilizado, se libertariam de
suas concepções coletivas, identitárias e territoriais, se tornando indivíduos livres. Nesta
mentalidade o direito se organizou prevendo duas maneiras de relações jurídicas827. A
primeira delas, horizontal, era a potencial criação de relações contratuais entre indivíduos
livres, em que a propriedade e o trabalho poderiam negociados. A segunda forma de
relação jurídica é vertical, materializando um vínculo direto entre o indivíduo e o estado
nacional soberano. Entre eles, nenhuma coletividade poderia existir828. Esta mentalidade,
forjada na Europa iluminista do século XVIII e imposta para o ocidente, mostra sinais
de incompleto sucesso. Os povos que sobreviveram a cinco séculos de colonização, em
conjunto com aqueles que foram violentamente trazidos como escravos e outros que se
constituíram em coletividades pelo caminho, atestam que o projeto da modernidade não
triunfou completamente.
Uma grave questão causada pela modernidade se espalha pelo planeta e indis-
tintamente atinge a todos, povos e naturezas, modernos ou não. O planeta apresenta
sinais de que não irá perder a luta que contra ele foi travada, pela industrialização e pela
agricultura da revolução verde. O colapso ecológico, visto como resultado dos impactos
causados pela era da humanidade moderno-capitalista no planeta, antropoceno, não

826 VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Os involuntários da pátria: Reprodução de Aula pública realizada durante o
ato Abril Indígena, Cinelândia, Rio de Janeiro, 20/04/2016. ARACÊ, Direitos Humanos em Revista, [s.l.], v. 4, n. 5,
p. 187-193, 2017.
827 MARÉS, Carlos Frederico. Direito socioambiental. In: MARÉS, Carlos Frederico (Org.). A liberdade e outros
direitos: ensaios socioambientais. Curitiba: Letra da Lei, 2011. p. 165-186. p. 169.
828 A essência socioambiental do constitucionalismo latino-americano. Revista da Faculdade de Direito da Universidade
Federal de Goiás, Goiânia, v. 41, n. 1, p. 197-215, jan./jun. 2017.
DA INVISIBILIDADE À RETOMADA | 225
A interface e os direitos coletivos

destruirá o planeta em si829. Ocorre que a destruição que é indicada pelo consenso cien-
tífico830 alcançará tão somente a teia vida nos contornos que atualmente se conhece. O
fim do mundo assim concebido pela humanidade consistiria no fim do seu mundo, não
do mundo em si. Na sua longa caminhada, que medimos em bilhões de anos, o planeta
seguirá dando oportunidade para outras naturezas.
A perplexidade que esta constatação causa não se traduz na adoção de medidas
efetivas pelos estados nacionais e órgãos internacionais, no sentido de amenizar ou com-
bater as causas da destruição831. Muito pelo contrário, as práticas e políticas discutidas e
adotadas são tímidas e não raramente apontam para o sentido de aumento da exploração
sobre o planeta, fingindo ignorar a conexão e superação necessária do produtivismo e o
capitalismo. Ao invés de freios, alguns mecanismos apresentados se constituem como
aceleradores dos processos de devastação832. Ilusões e miragens como desenvolvimento
sustentável833 em um capitalismo ecológico se apresentam. Sua insuficiência vem sendo
constantemente apontada por continuarem se baseando na perspectiva desenvolvimentista
de produção industrial834.
O colapso ecológico se apresentou como um problema mundialmente reconhe-
cido no final do século XX. A primeira vez que a questão se apresentou em escala mundial
foi em 1972, durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano,
em Estocolmo. Até então, no Brasil, a legislação ambiental era constituída por normas
fragmentárias do estado novo e do ciclo preservacionista do início da ditadura militar. Em
toda esta legislação ambiental havia o predomínio de concepções desenvolvimentistas,
que atribuía às matas o papel de “desenvolvimento florestal”835. Dito de outra forma, a
legislação ambiental até então criava espaços intocados e linhas mínimas de conservação
dentro das propriedades privadas, para que o desflorestamento de todo o restante pudesse
ser realizado impunemente.
Embora com pouca participação brasileira, a conferência internacional viria a

829 VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo; DANOWSKI, Déborah. Há Mundo Por Vir? Ensaio sobre os medos e os
fins. São Paulo: Cosac Nayfi, 2014. p. 39.
830 GRUPO INTERGUBERNAMENTAL DE EXPERTOS SOBRE EL CAMBIO CLIMÁTICO (IPCC). Cambio
climático 2014: Impactos, adaptación y vulnerabilidad. Resumen para responsables de políticas. 2014. Disponível em:
<http://www.ipcc.ch/pdf/assessment-report/ar5/wg2/ar5_wgII_spm_es.pdf> Acesso: 25 fev. 2018.
831 LÖWY, Michael. Crise ecológica, capitalismo, altermundialismo: um ponto de vista ecossocialista. InterfacEHS-
Revista de Saúde, Meio Ambiente e Sustentabilidade, São Paulo, v. 4, n. 3, p. 132-140, set./dez. 2009. p. 133.
832 TANURO, Daniel. El imposible capitalismo verde: Del vuelco climático capitalista a la alternativa ecosocialista.
Madrid: La Oveja Roja, 2011. p. 117-132.
833 MONTENEGRO GÓMEZ, Jorge Ramón. Crítica ao conceito de desenvolvimento. Revista Pegada, Presidente
Pridente, v. 3, n. 1, 2002.
834 DIEGUES, Antonio Carlos. Sociedades e comunidades sustentáveis. São Paulo: NUPAUB/USP, 2003.
835 PUREZA, Fabiana; PELLIN, Angela; PADUA, Claudio. Unidades de conservação: Fatos e pergonagens que fizeram
a história das categorias de manejo. São Paulo: Matrix, 2015. p. 43.
226 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

influenciar os rumos internos da regulação jurídico-estatal sobre a proteção à natureza836.


No ano seguinte de sua realização foi criado no país o primeiro órgão ambiental executivo
não segmentário, e em menos de uma década eram estabelecidos princípios e objetivos de
uma política ambiental nacional837, até hoje vigente com algumas alterações. Na sequên-
cia de normas ambientais federais da década de 1980 é possível verificar uma completa
predominância conservacionista, sem que fossem relevados quaisquer aspectos sociais
nas normas e políticas de proteção à natureza838.
Fomentado pela reabertura de democracia representativa no Brasil, o grande
marco normativo acerca da proteção jurídica da natureza foi a Constituição Federal de
1988839. Nela, pela primeira vez no país, fissuras se abrem no sistema jurídico-constitu-
cional do estado moderno brasileiro, através do reconhecimento de direitos coletivos840.
Embora juridicamente nominado como “direito ao meio ambiente ecologicamente equi-
librado”841, indicando o antropocentrismo moderno de compreender tudo o que está
em seu entorno como seu meio, seu ambiente, a instrumentalidade deste direito coletivo
juridicamente reconhecido potencializa a proteção à natureza pela fundamentação cons-
titucional da imposição alguns limites ao modo de produção capitalista842.
Do ponto de vista territorial, foi reforçado pelo texto constitucional o sistema
criado pelo Código Florestal de 1965843, de dupla forma de proteção jurídica à natureza844.
Pela primeira, sobre todas as parcelas de terras, sejam elas de propriedade privada ou
pública, incide um direito coletivo que prevalece sobre a apropriação individual. Através
dele se determina a manutenção ou reconstituição de áreas florestais mínimas, áreas de
preservação permanente e reservas legais. Pela segunda, direitos coletivos de manutenção
da biodiversidade fundamentam a criação de espaços territoriais especialmente protegi-
dos845. Sob a vigência da lei florestal da década de 1965, suas espécies eram os parques

836 SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e novos direitos. São Paulo: Peirópolis, 2005. p. 28.
837 BRASIL. Lei número 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus
fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/leis/l6938.htm>. Acesso: 25 fev. 2018.
838 SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e novos direitos. São Paulo: Peirópolis, 2005. p. 29.
839 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso: 25 fev. 2018.
840 MARÉS, Carlos Frederico. Os direitos invisíveis. In: MARÉS, Carlos Frederico (Org.). A liberdade e outros direitos:
ensaios socioambientais. Curitiba: Letra da Lei, 2011. p. 27-48. p. 35.
841 Cf. artigo 225, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
842 MARÉS, Carlos Frederico. Terra mercadoria, terra vazia: povos, natureza e patrimônio cultural. InSURgência: revista
de direitos e movimentos sociais, v. 1, n. 1, 2015. p. 64.
843 BRASIL. Lei número 4.771, de 15 de setembro de 1965. Institui o novo Código Florestal. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4771impressao.htm>. Acesso: 25 fev. 2018.
844 MARÉS, Carlos Frederico. As populações tradicionais e a proteção das florestas. In: Figueiredo, Guilherme José
Purvin de; SILVA, Lindamir Monteiro da; LEUZINGER, Márcia Dieguez (Org.). Código Florestal, 45 anos: estudos
e reflexões. Curitiba: Letra da Lei, 2010. p. 95-110. p. 101-102.
845 SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e novos direitos. São Paulo: Peirópolis, 2005. p. 109.
DA INVISIBILIDADE À RETOMADA | 227
A interface e os direitos coletivos

(nacionais, estaduais e municipais) e reservas biológicas, ambos espaços integralmente


protegidos e que deveriam ser mantidos sem a presença humana, cuja criação deveria se
inserir dentro de um planejamento específico para regiões determinadas. Isso porque a
determinação geral de proteção à natureza, devendo ser observada indistintamente em
todos os ecossistemas, caberia às áreas de preservação permanente e reservas legais.
No início de 1992, a Câmara dos Deputados recebeu um projeto de lei que
viria a criar o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC)846. Sua redação
original continha visões extremamente conservadoras acerca da proteção da natureza847,
concebendo as áreas protegidas como ilhas interligadas como bases sobre as quais se
construiria o sistema. Ademais, não havia nenhuma referência à questão dos povos e
comunidades tradicionais. As espécies de espaços territoriais especialmente protegidos
foram ampliadas e hierarquizadas em ordem importância. As mais importantes seriam as
unidades de proteção integral, as menos privilegiadas as unidades de manejo sustentável,
em que timidamente havia a regulação da presença de populações locais. O texto original
assumia uma postura tecnocrata e autoritária no procedimento de criação dos espaços,
sem previsões de participação social. Aos olhos da mentalidade que o projeto demonstra,
a criação de espaços de proteção integral se contrapunha à humanidade como um todo
uno, independente de serem madeireiros ou povos e comunidades tradicionais848.
Por pressões decorrentes de articulações dos povos e comunidades tradicionais,
articulados com apoiadores na sociedade civil organizada849, a concepção puramente
conservacionista do projeto inicialmente apresentado foi atacada e em alguns pontos
modificada. O resultado da tramitação do projeto, a sancionada Lei do Sistema Nacional
de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC)850 apresenta algum reconhecimento
da sociodiversidade dos povos e comunidades tradicionais. Os espaços territoriais espe-
cialmente protegidos foram nominados pela lei genericamente como unidades de conser-
vação851, que foram divididos em dois grupos: unidades de proteção integral e unidades
de uso sustentável.
Dentro do primeiro grupo, categorizados como áreas intocadas, estão: estação

846 BRASIL, Câmara dos Deputados. Projeto de Lei número 9892/1992. Dispõe sobre os Objetivos Nacionais de
Conservação da Natureza, cria o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, estabelece medidas de preservação da
diversidade biológica e dá outras providências. Disponível em: <https://goo.gl/VQ1bPZ>. Acesso: 26 fev. 2018.
847 DIEGUES, Antônio Carlos. O mito moderno da natureza intocada. 6. ed. rev. ampl. São Paulo: HUCITEC/
NUPAUB, 2008. p. 120.
848 DIEGUES, Antônio Carlos. O mito moderno da natureza intocada. 6. ed. rev. ampl. São Paulo: HUCITEC/
NUPAUB, 2008. p. 122.
849 SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e novos direitos. São Paulo: Peirópolis, 2005. p. 110-123.
850 BRASIL. Lei número 9.985, de 18 de julho de 2000. Regulamenta o art. 225, § 1o, incisos I, II, III e VII da
Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9985.htm>. Acesso: 26 fev. 2018.
851 Cf. artigos 7º a 21, da Lei número 9.985, de 18 de julho de 2000.
228 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

ecológica, reserva biológica, parque nacional, monumento natural e refúgio de vida sil-
vestre. No segundo grupo, em que se admite a presença humana, estão: área de proteção
ambiental, área de relevante interesse ecológico, floresta nacional, reserva extrativista,
reserva da fauna, reserva de desenvolvimento sustentável e reserva particular do patri-
mônio natural. Com a promulgação desta lei foi retirada do Código Florestal de 1965852
a regulamentação jurídica dos espaços territoriais especialmente protegidos, deixando à
lei florestal e suas posteriores alterações853 a regulação referente à proteção das áreas de
preservação permanente e reservas legais.
Durante o trâmite e discussões do projeto de lei que resultou na Lei do Sistema
Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, houve a discussão sobre a criação
da figura da reserva indígena de recursos naturais, enquanto categoria das unidades de
conservação de uso sustentável854. Após ser incorporada ao relatório que seria apresentado
à votação, pressões do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis (IBAMA), da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e de organizações
indígenas, foram suficientes para que esta categoria fosse suprimida do Sistema Nacional
de Unidades de Conservação. Tal proposta pretendia oferecer fundamentação normativa
para a solução da maior parte dos conflitos das sobreposições entre terras indígenas e
unidades de conservação.
Uma outra proposta que incialmente foi incluída no relatório do projeto em sua
tramitação foi a da reserva ecológico-cultural855, que seria uma área natural que abrigaria
povos e comunidades tradicionais. Sua designação foi substituída quando da submissão
do projeto à votação, sendo renomeada para reserva de desenvolvimento sustentável856.
Para além do seu nome, foi retirada a determinação de que tais áreas deveriam se constituir
enquanto públicas, restando a determinação de desapropriação de áreas privadas somente
“quando necessária”857.
Outras soluções para conflitos entre territorialidades dos povos e as áreas protegi-
das chegaram a ser aprovadas pelo parlamento, mas foram vetadas pelo poder executivo no
ato de sanção da lei. Elas consistiam na obrigação do poder público reassentar os povos e

852 BRASIL. Lei número 4.771, de 15 de setembro de 1965. Institui o novo Código Florestal. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4771impressao.htm>. Acesso: 25 fev. 2018.
853 BRASIL. Lei número 12.651, de 25 de maio de 2012. Dispõe sobre a proteção da vegetação nativa; altera as Leis
nos 6.938, de 31 de agosto de 1981, 9.393, de 19 de dezembro de 1996, e 11.428, de 22 de dezembro de 2006; revoga as
Leis nos 4.771, de 15 de setembro de 1965, e 7.754, de 14 de abril de 1989, e a Medida Provisória no 2.166-67, de 24 de
agosto de 2001; e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/
lei/l12651.htm>. Acesso: 26 fev. 2018.
854 SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e novos direitos. São Paulo: Peirópolis, 2005. p. 110-123.
855 DIEGUES, Antônio Carlos. Da Reserva Ecológico-Cultural (REC) à Reserva de Desenvolvimento Sustentável
(RDS): um pouco da história recente. Disponível em: <http://nupaub.fflch.usp.br/sites/nupaub.fflch.usp.br/files/Da
Reserva Ecológico A RDS Texto Completo.pdf>. Acesso: 26 fev. 2018.
856 SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e novos direitos. São Paulo: Peirópolis, 2005. p. 149.
857 Cf. artigo 225, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
DA INVISIBILIDADE À RETOMADA | 229
A interface e os direitos coletivos

comunidades tradicionais que fossem atingidos pelas unidades de conservação de proteção


integral858 e a possibilidade de reclassificação destas áreas em unidades de conservação
de uso sustentável859. As razões do veto presidencial de ambas as possibilidades foram
fundamentadas860 nos argumentos de que o reassentamento seria matéria agrária e não
poderia ser regulamentada pela lei ambiental, assim como a reclassificação de unidades
de conservação seria ato privativo do parlamento861.
Assim se desenhou a atual estrutura jurídico-normativa da proteção da natureza
em termos territoriais. Aos povos indígenas nenhuma regulação jurídica específica foi
positivada. A inovação socioambiental nesta estrutura se apresenta principalmente na
previsão de unidades de conservação de uso sustentável, embora o grau de reconhecimento
aos direitos territoriais dos povos pudesse ter sido mais profundo, caso houvesse a obser-
vância das discussões internacionais e as demandas dos povos na época do trâmite de seu
projeto de lei862. A resposta apresentada pelo estado brasileiro está longe de se constituir
como adequada, tanto à proteção da natureza, quanto aos direitos territoriais dos povos.
As tímidas inovações, consistentes em algum grau de visibilidade dos povos e
comunidades tradicionais no Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza
(SNUC), não se apresentou pronta e acabada nas articulações dos corredores e reuniões
do parlamento, em universidades ou órgãos internacionais863. Ela surge inicialmente
como fruto de lutas e resistências socioambientais no sudoeste da Amazônia entre o fim
da década de 1970 e início da década seguinte. Através delas, seringueiros colocavam
seus corpos diante do avanço da modernidade sobre a floresta em que viviam e exerciam
seus modos de produção sem derrubá-la864. Diante do conflito e sua repercussão inter-
nacional, a institucionalidade brasileira é forçada a reconhecer a demanda por proteção
da natureza integrada com a territorialidade tradicional seringueira, criando a figura

858 Cf. artigo 56, inciso I, da Lei número 9.985, de 18 de julho de 2000.
859 Cf. artigo 56, inciso II, da Lei número 9.985, de 18 de julho de 2000.
860 BRASIL, Presidência da República, Subchefia para Assuntos Jurídicos. Mensagem número 967, de 18 de julho de
2000. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/Mensagem_Veto/2000/Mv0967-00.htm>. Acesso:
26 fev. 2018.
861 Cf. artigo 20, parágrafo 2º, inciso III, da Lei número 9.985, de 18 de julho de 2000.
862 MERCADANTE, Maurício. Uma década de debate e negociação: a história da elaboração da lei do SNUC. In:
HERMAN, Benjamin Antônio. (org). Direito Ambiental das Áreas Protegidas: o Regime Jurídico das Unidades de
Conservação. Sao Paulo: Forense Universitária, 2001. p. 190-231.
863 DIEGUES, Antônio Carlos. O mito moderno da natureza intocada. 6. ed. rev. ampl. São Paulo: HUCITEC/
NUPAUB, 2008, p. 177.
864 OLIVEIRA CUNHA, Lúcia Helena de. Reservas extrativistas: uma alternativa de produção e conservação da
biodiversidade. Encontro dos povos do Vale do Ribeira, 2001. Disponível em: <http://nupaub.fflch.usp.br/sites/nupaub.
fflch.usp.br/files/color/resex.pdf>. Acesso: 26. fev. 2018.
230 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

jurídica da reserva extrativista865 e inserindo-a na Política Nacional do Meio Ambiente866,


regulamentando-a no início de 1990867. Era o contraponto socioambiental inicialmente
reconhecido pelo estado brasileiro, que viria a ter influência nas discussões do projeto
de lei e na regulamentação positivada do Sistema Nacional de Unidades de Conservação
(SNUC). A estas influências se somariam uma articulação socioambientalista, que foram
inicialmente recebidas em maior grau nos dois relatórios apresentados no parlamento,
mas que foram sendo minadas pela influência conservacionista868.
Ao tempo em que a proteção da natureza era enxergada como uma necessidade
pelas sociedades e estados nacionais a partir do encontro mundial de 1972 em Estocolmo,
uma outra outra consciência também era imposta aos estados latino-americanos. Os povos,
que até então resistiam à colonização, cada qual às suas próprias maneiras, começam a se
articular e enxergar dentro dos estados e estruturas nacionais espaços de resistência869. Em
relação àquilo que a modernidade chama de índios, o insucesso do projeto moderno-assi-
milacionista se torna nítido. Pior que isso, a modernidade é surpreendida com a assunção
de tradicionalidades e identidades coletivas outras, por outros povos que se reconhecem
como culturalmente diferenciados, cujas territorialidades e identidades coletivas se diferem
do ideal e prática moderna.
Na medida que a colonização dos territórios é potencializada pela agricultura
moderna e sobre eles avançam a revolução verde, crescia a necessidade de resistência, em
que os diferentes povos enxergaram na articulação e alianças a possibilidade de fortaleci-
mento de suas demandas. Elas consistiram, principalmente, na luta por reconhecimento
e observância de direitos territoriais diferenciados, decorrentes de suas diversas territo-
rialidades e identidades coletivas. Para tanto, aprendendo a linguagem da modernidade,
se fazem fortes politicamente o suficiente para se inserirem nos textos constitucionais
latino-americanos e em documentos internacionais. Aos estados nacionais, diante da
constrangedora impossibilidade da manutenção declarada do paradigma assimilacionista
e homogeneizador de uma única cultura nacional, coube acomodar na norma positivada
as demandas dos povos, assim como continuar diligenciando pelas suas não observâncias

865 TÁRREGA, Maria Cristina Vidotte Blanco; DE OLIVEIRA, Daniel Gonçalves. A frente «pioneira» na Amazônia:
Luta e resistência Seringueira e a invenção das Reservas Extrativistas. Revista de Direito Agrário e Agroambiental,
Florianópolis, v. 2, n. 2, p. 19-35, 2016.
866 BRASIL. Lei número 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus
fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/leis/l6938.htm>. Acesso: 26 jan. 2018.
867 BRASIL. Decreto número 98.897, de 30 de janeiro de 1990. Dispõe sobre as reservas extrativistas e dá outras
providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/antigos/d98897.htm>. Acesso: 26 jan. 2018.
868 MERCADANTE, Maurício. Uma década de debate e negociação: a história da elaboração da lei do SNUC. In:
HERMAN, Benjamin Antônio. (org). Direito Ambiental das Áreas Protegidas: o Regime Jurídico das Unidades de
Conservação. São Paulo: Forense Universitária, 2001. p. 190-231.
869 MARÉS, Carlos Frederico. A essência socioambiental do constitucionalismo latino-americano. Revista da Faculdade
de Direito da Universidade Federal de Goiás, Goiânia, v. 41, n. 1, p. 197-215, jan./jun. 2017. p. 205.
DA INVISIBILIDADE À RETOMADA | 231
A interface e os direitos coletivos

se possível for870.

Antigamente, antes dos jurua (não indígenas) virem, nós não tínhamos lei, não havia lei
que dizia que esta terra era Guarani, esta terra era de outro índio, essa terra não pode ser do
índio... Na nossa terra não havia limite, nós vivíamos livremente, tínhamos liberdade para
viajar, para procurar outras matas, de ponta a ponta tínhamos liberdade e hoje nós vivemos
em uma terra onde os limites são colocados, os jurua se apossaram de tudo. Para enfrentar
essa limitação nós precisamos nos organizar, para lutar e defender nossos direitos. Existem
leis no Brasil que reconhecem os direitos dos povos indígenas, que reconhecem o jeito de
nós nos organizarmos dentro das nossas comunidades. Nós vemos que há muito tempo essas
leis existem, mas elas não são colocadas na prática. Esta terra, por exemplo, é uma partezinha
de uma luta que enfrentamos, é só mais um exemplo de uma luta que temos no Paraná, em
Santa Catarina, Rio Grande do Sul, a luta é a mesma. Então devido à apropriação dos brancos
nós vivemos muitas vezes em acampamentos de beira de estrada, debaixo de lonas, passando
dificuldades, muitas vezes correndo risco de vida. E tudo isso porque não é dado na prática
o direito que existe no papel. E por isso naturalmente fomos vendo que nós, enquanto povo
Guarani, precisávamos nos organizar e entender um pouco mais como funciona a sociedade
do branco, como está organizada a sociedade do branco, como ela é feita871.

No Brasil o reconhecimento dos direitos dos povos é escalonado, fruto de proces-


sos de resistência distintos, se manifestando na normativa do estado nacional de diferentes
formas e em diferentes graus. Enquanto os direitos reconhecidos a indígenas e quilombolas
possuem previsão constitucional expressa, os direitos dos demais povos e comunidades
tradicionais estão esparsos na legislação infraconstitucional872 e internacional873. Aos
direitos dos povos indígenas coube um lugar de destaque, possuindo seu regramento um
capítulo próprio no texto constitucional874. Sua interpretação permite concluir que dois
direitos coletivos completamente estranhos à racionalidade moderna foram reconhecidos
aos povos nativos: o direito às identidades coletivas, de serem e permanecerem como povos
diferenciados culturalmente875, assim como direitos territoriais que existem desde antes

870 MARÉS, Carlos Frederico. A essência socioambiental do constitucionalismo latino-americano. Revista da Faculdade
de Direito da Universidade Federal de Goiás, Goiânia, v. 41, n. 1, p. 197-215, jan./jun. 2017. p. 199.
871 Depoimento de Maurício Gonçalves, transcrito e citado em: FARIA, Camila Salles de. A luta Guarani pela terra
na metrópole paulistana: contradições entre a propriedade privada capitalista e a apropriação indígena. 2016. 329 f.
Tese (Doutorado em Geografia) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São
Paulo, 2016. p. 245.
872 BRASIL. Decreto número 6.040, de 7 de fevereiro de 2007. Institui a Política Nacional de Desenvolvimento
Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
2010/2007/decreto/d6040.htm>. Acesso: 26 fev. 2018.
873 BRASIL. Decreto número 5.051, de 19 de abril de 2004. Promulga a Convenção no 169 da Organização Internacional
do Trabalho - OIT sobre Povos Indígenas e Tribais. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-
2006/2004/decreto/d5051.htm>. Acesso: 26 fev. 2018.
874 Cf. artigos 231 e 232, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
875 MARÉS, Carlos Frederico. O renascer dos povos indígenas para o direito. Curitiba: Juruá, 2010. p. 165.
232 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

da criação do próprio estado.


O mandamento constitucional de reconhecimento e respeito às identidades
coletivas dos povos indígenas, como povos culturalmente diferenciados da sociedade
nacional, estão inseridos no reconhecimento de sua “organização social, costumes, línguas,
crenças e tradições”876 próprias. Dito de outra forma, o estado brasileiro reconhece em sua
norma fundamental a característica de que os povos indígenas vivem fora dos paradigmas
da modernidade877, embora com ela dialoguem. Este núcleo de reconhecimento inova
e irradia na ordem jurídico-constitucional e infraconstitucional, sendo necessária uma
reinterpretação de absolutamente toda ordem jurídica vigente em relação aos índios, eis
que contraria toda produção normativa até então vigente. O direito moderno produzido
pelo estado nacional brasileiro, sendo apropriado pelos povos como espaço de conflito
ao invés de um mero instrumento de mediação das relações sociais que legitima o poder
pelas classes dominantes878, se apresenta como potencial ferramenta de inédito alcance.
Pela primeira vez, os direitos territoriais reconhecidos pelos colonizadores são
enunciados enquanto suporte necessário às culturas próprias, não mais como a deter-
minação de criação de pequenos espaços de confinamento provisórios, que em algum
momento deveriam ser desfeitos com o fim da indianidade dos “silvícolas” e sua absorção
“progressiva e harmoniosa à comunhão nacional”879. Embora tendo encontrado em 1988
um maior alcance pelo reconhecimento expresso da originariedade do direito aos terri-
tórios, a positivação dos direitos territoriais indígenas não eram novidade no Brasil, ao
contrário dos até inéditos direitos culturais e de organizações sociais próprias.
Os primeiros apontamentos de observância de direitos territoriais dos povos
nativos na estrutura normativa da colonização datam do início do século XVII. Enquanto
se discutiam e eram regulamentados os absurdos direitos portugueses de escravidão sobre
nativos, as cartas régias de 30 de julho de 1609 e de 10 de setembro de 1611, determi-
navam “o pleno domínio dos índios sobre seus territórios e sobre as terras que lhe são
alocadas nos aldeamentos”, garantindo que “os genttios são senhores de suas fazendas nas
povoações, como o são na serra, sem lhes poderem ser tomadas, nem sobre ellas se lhes
fazer molestia ou injustiça alguma”880. O sutil cinismo lusitano se traduzia na inserção de

876 Cf. artigo 231, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
877 MARÉS, Carlos Frederico. Dos índios. In: CANOTILHO; José Joaquim Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira;
SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (Orgs.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/
Almedina, 2013, p. 2147-2157. p. 2150.
878 FARIA, Camila Salles de. A luta Guarani pela terra na metrópole paulistana: contradições entre a propriedade
privada capitalista e a apropriação indígena. 2016. 329 f. Tese (Doutorado em Geografia) – Faculdade de Filosofia, Letras
e Ciências Humanas da Universidade de. São Paulo, São Paulo, 2016. p. 245.
879 BRASIL. Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973. Dispõe sobre o Estatuto do Índio. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6001.htm>. Acesso: 26 fev. 2018.
880 CARNEIRO DA CUNHA, Manuela. Os direitos do índio: ensaios e documentos. São Paulo: Editora Brasiliense,
1987. p. 58.
DA INVISIBILIDADE À RETOMADA | 233
A interface e os direitos coletivos

uma exceção que acabava por se tornar regra, “salvo quando eles livremente o quizerem
fazer”881. Ainda no período colonial, ao tempo que destinava os nativos da colônia à con-
versão ao cristianismo pelos jesuítas, a real provisão de 1º de abril de 1680882 determinava
que as sesmarias concedidas não poderiam afetar os direitos dos índios sobre suas terras,
isentando-os de quaisquer tributos sobre elas. A exceção então apresentada era a dos que
fossem aprisionados em guerra justa.
Repetidos os termos da real provisão em outros instrumentos normativos da
coroa portuguesa, era reiterado o reconhecimento pelos colonizadores dos direitos ter-
ritoriais pela mera posse dos nativos sobre seus territórios, sejam eles nos aldeamentos
em que eram confinados ou nas terras em que ocupassem originariamente883. Aos olhos
coloniais, era a primeira vez que a posse indígena viria a ser reconhecida como obstáculo
normativo impeditivo a colonização e transformação de territórios em propriedade privada
através de sesmaria. Incapaz de impedir o desterro generalizado, este reconhecimento era
a semente colonial daquilo que viria a ser o instituto jurídico do indigenato. Por ele, os
direitos territoriais dos índios se consideram originários e não podem ser sobrepostos por
qualquer outro em virtude de sua condição de primeiros habitantes de seus territórios.
Tendo sido a constituição do império silente em relação aos povos nativos884,
mantinham-se as determinações da real provisão de 1680 em relação à posse indígena como
elemento determinante de seus direitos territoriais. A lei de terras de 1850885, primeiro
marco normativo do império destinado ao esforço de disciplina do regime fundiário do
país, não se referiu às terras ocupadas pelos nativos. Ao tempo em que era extinto o sistema
de distribuição de terras por sesmarias, era mantida a política de confinamento com a
determinação de que fossem reservadas terras devolutas para a colonização dos índios886.
Todavia, pelo silêncio da lei de terras, se mantinha juridicamente válido e aplicável a
norma da coroa portuguesa de 1680887, em que a posse indígena constituía fundamento
originário legitimador888 da não devolução de tais terras ao império. Tal sentido se reforça

881 CARNEIRO DA CUNHA, Manuela. Os direitos do índio: ensaios e documentos. São Paulo: Editora Brasiliense,
1987. p. 58.
882 PORTUGAL. Provisão de 1 de abril de 1680. Sobre a repartição dos índios do Maranhão e se encarregar a conversão
d’aquella gentilidade aos Religiosos da Companhia de Jesus. Disponível em: <https://goo.gl/3pbKbo>. Acesso: 26 fev. 2018.
883 CARNEIRO DA CUNHA, Manuela. Os direitos do índio: ensaios e documentos. São Paulo: Editora Brasiliense,
1987. p. 63.
884 BRASIL. Constituição Politica do Imperio do Brazil (De 25 de Março de 1824). Elaborada por um Conselho de
Estado e outorgada pelo Imperador D. Pedro I, em 25.03.1824. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
constituicao/constituicao24.htm>. Acesso: 26 fev. 2018.
885 BRASIL. Lei número 601, de 18 de setembro de 1850. Dispõe sobre as terras devolutas do império. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L0601-1850.htm>. Acesso: 26 fev. 2018.
886 Cf. artigo 12, da Lei número 601, de 18 de setembro de 1850.
887 PORTUGAL. Provisão de 1 de abril de 1680. Sobre a repartição dos índios do Maranhão e se encarregar a conversão
d’aquella gentilidade aos Religiosos da Companhia de Jesus. Disponível em: <https://goo.gl/3pbKbo>. Acesso: 26 fev. 2018.
888 Cf. artigo 3º, parágrafo 2º, da, da Lei número 601, de 18 de setembro de 1850.
234 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

pela posterior regulamentação889 dos procedimentos necessários para o cumprimento


da lei de terras890, em que há determinação de que aquelas que se acharem em poder dos
primeiros ocupantes não terão outro título senão a sua ocupação891.
A primeira constituição republicana892 foi silente enquanto aos índios, ao tempo
que transferiu aos estados as terras devolutas para que ordenasse sua colonização. Como
as terras em que incidia o indigenato não eram devolutas, as transferências aos estados
juridicamente não as atingiam893. O legado normativo da república velha foi a criação do
Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais (SPILTN),
cuja racionalidade impregnada em sua norma de criação894 não diferia em essência da
regulação de escravidão do século XVII, enquanto previa a regularização fundiária895 das
terras ocupadas e aldeamentos.
O texto constitucional de 1934896 determinava a observância da posse nas terras
ocupadas pelos “silvícolas”897, ao tempo que resguardava à União a competência de legislar
sobre sua incorporação à “comunhão nacional”898. O efeito de tal dispositivo constitucio-
nal em termos de proteção jurídica a direitos territoriais dos povos nativos é amplo, ao
ponto de a posse por eles exercida acarretava, de plano, na nulidade de todo e qualquer
ato jurídico de disposição sobre elas899. Tais atos seriam plenamente nulos por violarem
o domínio coletivo das terras ocupadas como emanação do ato-fato da posse indígena,
não devendo subsistir juridicamente quaisquer eventuais atos praticados por quem quer
que seja, inclusive e especialmente o próprio estado.
Ainda que a propriedade de tais terras fosse juridicamente atribuída à União,
estando nelas os povos, o ente federativo não poderia de elas dispor em virtude do

889 BRASIL. Decreto 1.318, de 30 de janeiro de 1854. Manda executar a Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/historicos/dim/dim1318.htm>. Acesso em: 26 fev. 2018.
890 MENDES JÚNIOR, João. Os indígenas do Brazil: seus direitos individuaes e políticos. São Paulo: Typografia
Hennies Irmãos, 1912. p. 59.
891 Cf. artigo 24, parágrafo 1º, da, do Decreto 1.318, de 30 de janeiro de 1854.
892 BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de fevereiro de 1891. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao91.htm>. Acesso em: 26 fev. 2018.
893 MENDES JÚNIOR, João. Os indígenas do Brazil: seus direitos individuaes e políticos. São Paulo: Typografia
Hennies Irmãos, 1912. p. 62.
894 BRASIL. Decreto número 8.072, de 20 de junho de 1910. Crêa o Serviço de Protecção aos Indios e Localização de
Trabalhadores Nacionaes e approva o respectivo regulamento. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
decreto/1910-1929/D8072impressao.htm>. Acesso em: 27 fev. 2018.
895 Cf. artigos 3º a 13, do Decreto número 8.072, de 20 de junho de 1910.
896 BRASIL. Constituição da República Dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho de 1934. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm>. Acesso em: 27 fev. 2018.
897 Cf. artigo 129, da Constituição da República Dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho de 1934.
898 Cf. artigo 5º, inciso XIX, alínea “m”, da Constituição da República Dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho
de 1934.
899 MENDES, Gilmar Ferreira. O domínio da União sobre as Terras Indígenas: O parque Nacional do Xingu. Brasília:
Ministério Público Federal, 1988. p. 69.
DA INVISIBILIDADE À RETOMADA | 235
A interface e os direitos coletivos

indigenato. Tal regra foi repetida em iguais termos nos textos constitucionais de 1937900,
de 1946901, 1967902. Em pleno período de aprofundamento da repressão ditadura militar
e da opção brasileira pela revolução verde, a emenda constitucional de 1969903 aumentava
o reconhecimento constitucional do indigenato. A emenda constitucional outorgada fez
constar expressamente no texto constitucional a “nulidade e extinção dos efeitos jurídicos
de qualquer natureza que tenham por objeto o domínio, a posse ou a ocupação de terras
habitadas pelos silvícolas”904. Neste caminho normativo, o direito positivado dos colo-
nizadores nunca concebeu ou determinou que os territórios dos povos nativos fossem
terras devolutas905, o que não impediu os entes estatais de distribuírem terras e parques
sobre seus territórios.
A constituição atualmente vigente, de 1988906, inova ao reconhecer expressa-
mente que os direitos territoriais dos povos indígenas são originários907. De tal caracte-
rística do indigenato decorre o reconhecimento de que os vínculos dos povos indígenas
com seus territórios não são frutos de determinação legal ou dependentes de atos de cons-
tituição, eles são pura e simplesmente decorrência da posse indígena. E esta não deve ser
confundida com o homônimo instituto do direito civil908. A posse indígena, fundamento
do instituto luso-brasileiro do indigenato, se irradia sobre o território em que se realiza a
tradicionalidade. Ao contrário da posse civil, ela não se estabelece individualmente pelo
uso e domínio privado de uma porção determinada de terras909.
A atual categoria jurídica que se apresenta como instrumento observância aos
direitos territoriais dos povos nativos é a terra indígena. Fruto de um processo político-
-jurídico em que o estado moderno se apresenta como pretenso condutor da estrutura
dos espaços geográficos, esta categoria é assimétrica e não traduz as ideias e concepções
territoriais próprias dos povos910. Os direitos territoriais dos povos indígenas, com esta

900 BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 10 de novembro de 1937. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao37.htm>. Acesso: 27 fev. 2018.
901 BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 18 de setembro de 1946. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao46.htm>. Acesso: 27 fev. 2018.
902 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1967. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/constituicao/constituicao67.htm>. Acesso: 27 fev. 2018.
903 BRASIL. Emenda constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc_anterior1988/emc01-69.htm>. Acesso: 27 fev. 2018.
904 Cf. artigo 198, parágrafo 1º, da Emenda constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969.
905 MARÉS, Carlos Frederico. O renascer dos povos indígenas para o direito. Curitiba: Juruá, 2010. p. 134.
906 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso: 27 fev. 2018.
907 Cf. artigo 231, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
908 MENDES, Gilmar Ferreira. O domínio da União sobre as Terras Indígenas: O parque Nacional do Xingu. Brasília:
Ministério Público Federal, 1988. p. 56-65.
909 MENEZES, Joyceane Bezerra de. O direito dos índios à terra e a mineração em áreas de ocupação indígena. Pensar-
Revista de Ciências Jurídicas, Fortaleza, v. 12, n. 2, p. 95-103, 2010. p.
910 GALLOIS, Dominique Tilkin. Terras ocupadas? Territórios? Territorialidades. In: Terras indígenas e unidades
236 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

característica, são anteriores e independentes de qualquer ato estatal911. Os atos admi-


nistrativos para sua demarcação servem apenas para que terceiros tomem conhecimento
deste fato912, não sendo desconstituidores dos direitos territoriais a omissão estatal. A
terra é indígena independentemente de estar demarcada ou não913.
A categoria terra indígena, embora aparentemente insuficiente diante da diversi-
dade de formas e maneiras de manifestações territoriais, vem sendo utilizada em demandas
dos povos por terras como interface entre diferentes racionalidades. De um lado está a
racionalidade estatal, que insiste em conceber o território como o espaço geográfico exata-
mente delimitado e demarcado. Ao demarcar uma terra indígena, ela deve então ser riscada
exatamente sobre o mapa do estado nacional e marcos físicos devem ser inseridos para que
suas fronteiras com a modernidade sejam visíveis. De outros lados os povos preenchem
seus territórios, demarcados ou não, com significações e espacialidades próprias. O estado
brasileiro, após a promulgação da constituição vigente, caminhou para o reconhecimento
normativo neste sentido, tardiamente se tornando signatário de convenção internacio-
nal914 que foi gestada no mesmo período de elaboração do texto constitucional interno.
No caso Guarani esta assimetria é latente, embora a categoria nacional vem sendo
demandada por este povo915. Uma interpretação possível da demarcação de pequenas e
exíguas porções de terras ao povo Guarani compreendem estes limites como locais de
confinamento, em que a dominação colonial idealmente se reproduz na crença moderna
da condução estatal da constituição e divisão política do espaço. Visto de outra forma,
estando dentro dos territórios ancestralmente constituídos, estes pequenos fragmentos
de terras são suportes materiais de vida e reprodução cultural, em que gestam resistências
adaptativas, que se constroem e se moldam também em processos e disputas concretas
por territórios com as sociedades nacionais916.
Sendo o povo que resistiu em meio ao coração da colonização no cone sul da Amé-
rica Latina, as relações Guarani com as sociedades e estados nacionais se demonstraram

de conservação da natureza: o desafio das sobreposições. São Paulo: Instituto Socioambiental, 2004. p. 37-41. p. 38.
911 AFONSO DA SILVA, José. Parecer. 2016. Disponível em: <http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr6/
documentos-e-publicacoes/artigos/docs_artigos/jose-afonso-da-silva-parecer-maio-2016-1.pdf>. Acesso: 27 fev. 2018.
912 MARÉS, Carlos Frederico. Dos índios. In: CANOTILHO; José Joaquim Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira;
SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (Orgs.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/
Almedina, 2013, p. 2147-2157. p. 2152.
913 BRASIL. Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973. Dispõe sobre o Estatuto do Índio. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6001.htm>. Acesso: 27 fev. 2018.
914 BRASIL. Decreto número 5.051, de 19 de abril de 2004. Promulga a Convenção no 169 da Organização Internacional
do Trabalho - OIT sobre Povos Indígenas e Tribais. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-
2006/2004/decreto/d5051.htm>. Acesso: 27 fev. 2018.
915 LADEIRA, Maria Inês. Terras indígenas e Unidades de Conservação na Mata Atlântica: áreas protegidas? In: Terras
indígenas e unidades de conservação da natureza: o desafio das sobreposições. São Paulo: Instituto Socioambiental,
2004. p. 233-245. p. 238.
916 ALMEIDA, Maria Celestino de. Metamorfoses indígenas: identidades e cultura nas aldeias do Rio de Janeiro. Rio
de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003. p. 34.
DA INVISIBILIDADE À RETOMADA | 237
A interface e os direitos coletivos

historicamente. Quando as alianças não puderam mais ser realizadas e a colonização sobre
seus territórios se tornou o mote da atuação das sociedades e estados modernos, somente
restava buscar a invisibilidade, se afastando dos olhos e das fronteiras do ocidente. Quando
não houve mais onde viver e se esconder, as necessidades de mudanças na luta por ter-
ritórios se impuseram917. Durante os processos de avanço colonial sobre seus territórios
desde o século XVII, ao contrário daquilo que o direito positivado pelos colonizadores
preconizava, somente algumas poucas algumas poucas reservas indígenas e aldeamentos
foram criados principalmente no sul do Mato Grosso do Sul918. Se apresentando como
identidade coletiva diante do estado brasileiro e dele reclamando a demarcação de terras,
sua visibilidade decorrente de suas articulações supra-regionais por direitos territoriais é
recente, se inserindo dentro dos movimentos latino-americanos.
Com as primeiras terras exclusivas Guarani no âmago da colonização sendo
conquistadas ante o estado somente a partir do ano de 1987 no litoral de São Paulo919,
um outro inimigo se apresentaria. Ao mesmo tempo de sua articulação, mobilização e
reclames por terras, se espalhavam as unidades de conservação, criadas inicialmente como
limites à agricultura moderno-capitalista, inclusive sobre justamente aquilo que Guarani
enxergam como seus territórios, a natureza da Mata Atlântica. Ocorre que o conflito entre
as territorialidades Guarani e as unidades de conservação, que começava a se mostrar apa-
rente nas proximidades dos grandes centros urbanos, na realidade tem início e se remete
ao período de importação do modelo hegemônico de proteção à natureza pela criação de
espaços intocados, no início do século XX.
No centro daquilo que este povo entende por seu mundo, a terra que a divin-
dade criou e disponibilizou para todos, foi criado um dos primeiros parques nacionais
brasileiros, o Parque Nacional do Iguaçu. Inserido dentro da declarada marcha nacional
de colonização em direção aos seus territórios, acabou por se tornar um projeto não
executado nos moldes inicialmente planejados, ao tempo que as violências na sua colo-
nização obedeciam a brutalidade regionalmente imposta, em alguns casos documentada.
A efetiva materialização da área enquanto parque, com a retirada a mando militar dos
nativos e não-nativos, se daria num contexto em que as sociedades nacionais tomavam a
consciência de que era preciso proteger a natureza de si mesmas.

917 FARIA, Camila Salles de. A luta Guarani pela terra na metrópole paulistana: contradições entre a propriedade
privada capitalista e a apropriação indígena. 2016. 329 f. Tese (Doutorado) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de. São Paulo, São Paulo, 2016. p. 243.
918 MARÉS, Carlos Frederico. Dos índios. In: CANOTILHO; José Joaquim Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira;
SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (Org.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/
Almedina, 2013, pp. 2147-2157. p. 2152.
919 LADEIRA, Maria Inês. Terras indígenas e Unidades de Conservação na Mata Atlântica: áreas protegidas? In: Terras
indígenas e unidades de conservação da natureza: o desafio das sobreposições. São Paulo: Instituto Socioambiental,
2004. p. 233-245. p. 236.
238 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

Entendendo, entretanto, que os seus padrões de proteção natural eram universal-


mente aplicáveis, mas que na verdade decorriam e se contrapunham única e exclusivamente
aos padrões moderno-capitalistas de destruição, estendem sua proteção a todos os povos.
Em especial, esta forma moderna de proteção da natureza foi imposta aos Guarani, um dos
povos mais atingidos pela colonização. A este povo foram impostas cercas e determinado
que não mais entrassem na redoma moderna de biodiversidade. Mas esta restrição se jus-
tificaria perante este povo, que, estando fora da modernidade, manifesta territorialidades
integradas à natureza?
A resposta negativa é tão óbvia que até o próprio sistema normativo dos colo-
nizadores a fundamenta. Dentro do direito brasileiro a natureza jurídica dos direitos
territoriais dos povos indígenas é originária, enquanto os atos de criação de unidades de
conservação possuem natureza constitutiva. Isso quer dizer que o parque nunca existiu,
até o exato momento em que é regularmente criado. Em sentido contrário, as terras indí-
genas sempre existiram, ainda que não demarcadas ou não formalmente reconhecidas
pelo estado nacional.
As mais elementares lições de direito920 ensinam que a validade dos atos jurí-
dico-administrativos depende de sua regular constituição. O ato de criação do Parque
Nacional do Iguaçu em 1939921, um decreto presidencial, foi emitido sobre terras em
que incidiam e continuam incidindo o indigenato, em pleno e absoluto desacordo com
a norma constitucional então vigente, promulgada em 1937922. A consequência jurídica
desta inobservância é sua nulidade pela impossibilidade jurídica de seu objeto923. Desta
maneira, a norma é juridicamente considerada inexistente, possibilitando inclusive o
regular exercício do direito de resistência924 pelos atingidos por sua vigência.
Ainda que assim não fosse, a determinação constitucional contemporânea de
que “são nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por
objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras”925 teria a força926 de extinguir o ato
que criou o Parque Nacional do Iguaçu, conquanto a originariedade do direito territorial

920 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 486-493.
921 BRASIL. Decreto-Lei nº 1.035, de 10 de janeiro de 1939. Cria o Parque Nacional do Iguassú e dá outras providências.
Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1930-1939/decreto-lei-1035-10-janeiro-1939-372797-
publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso: 27 fev. 2018.
922 BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 10 de novembro de 1937. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao37.htm>. Acesso: 27 fev. 2018.
923 MARÉS, Carlos Frederico. As populações tradicionais e a proteção das florestas. In: Figueiredo, Guilherme José
Purvin de; SILVA, Lindamir Monteiro da; LEUZINGER, Márcia Dieguez (Org.). Código Florestal, 45 anos: estudos
e reflexões. Curitiba: Letra da Lei, 2010. p. 95-110. p. 106-108.
924 BUZANELLO, José Carlos. Controle de constitucionalidade: a Constituição como estatuto jurídico do político.
Revista de informação legislativa, Brasília, ano 34, n. 136, p. 29-36, out./dez. 1997. p. 31.
925 Cf. artigo 231, parágrafo 6º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
926 MARÉS, Carlos Frederico. O renascer dos povos indígenas para o direito. Curitiba: Juruá, 2010. p. 146.
DA INVISIBILIDADE À RETOMADA | 239
A interface e os direitos coletivos

constitucionalmente reconhecido o atingiria. Diante de ambos os caminhos, se o estado


brasileiro pretendesse observar os direitos territoriais Guarani no Parque Nacional do
Iguaçu, há fundamentação jurídica suficiente para a desafetação da área e sua demarcação
como terra indígena. Mas a obediência do estado brasileiro às suas próprias normas de
proteção aos direitos dos povos não é uma vocação histórica.
A resistência Guarani, legítima, é cultural por continuar enxergando na natureza
do Parque Nacional do Iguaçu os seus territórios. Em outras vezes essa resistência se torna
material, em oportunidades em que movem seus corpos e ignoram as barreiras impostas
pela modernidade, ousando tocar aquilo que ela diz intocável no centro da terra, Yvy
Mbyte. A inconstância da alma selvagem então se manifesta, não aceitando as formas de
confinamento que continuamente lhes são impostas pela colonização. Diante da reocu-
pação de seus territórios sobrepostos pelo Parque Nacional do Iguaçu, a movimentação
institucional do estado moderno por duas ocasiões resultou em inconstitucionais e ile-
gítimas determinações judiciais de desocupação.
Se os direitos originários sobre os territórios, expressamente reconhecidos pelos
próprios colonizadores como impedimento jurídico à colonização de terras desde 1680,
são por eles mesmos reiteradamente ignorados e desrespeitados, chega-se à pergunta: qual
a diferença entre os mandados judiciais de reintegração de posse, cumpridos na última
década junto aos Guarani no Parque Nacional do Iguaçu, e uma carta régia da coroa portu-
guesa que declarava a guerra justa aos infiéis para tomar-lhes suas terras? A resposta é que
absolutamente não há diferença alguma, ambas são faces de processos histórico-coloniais
que se repetem, em que aquelas que se formaram como sociedades nacionais violenta e
reiteradamente esbulham o povo Guarani de seus territórios. Mas o povo resiste!
Considerações
finais
CONSIDERAÇÕES FINAIS | 243

O povo Guarani insiste em ser povo, insiste em caminhar pelos territórios. Os cercos
que a modernidade busca lhe impor são vários, por diferentes instrumentos e formas. Por
eles passaram e continuam passando exploradores, navegantes, náufragos, adelantados,
governadores, capitães, sesmeiros, encomenderos, franciscanos, jesuítas, bandeirantes,
presidentes, imperadores, condes, exércitos, obrageros, empresários, militares, ferroviários,
tabeliães, fazendeiros, engenheiros, ambientalistas etc.. São diferentes atores que atuaram
de diferentes maneiras, mas cujo elemento comum é a conquista e colonização de terri-
tórios. Os projetos e os sentidos da colonização, embora tenham avançado ferozmente,
falham em sua totalidade. Resistências são gestadas em cada casa de reza, em cada cântico
e em cada movimento dos corpos ao ritmo do mbaraka e do impacto da takuara ao chão.
Tais resistências se manifestam nas medidas do possível no âmbito das diferentes
disputas, nas diferentes regiões. Na Bolívia, o compartilhamento do que chamamos de
indianidade para com a maioria da população possibilitou a construção de um fenômeno
completamente estranho na América: a criação de autonomia territorial Chiriguana reco-
nhecida pelo estado boliviano. Contraditório, como todo processo social, ele se apresenta
suficientemente apto a garantir territórios aos pés da Cordilheira dos Andes. Ainda que
o estado nacional continue exercendo seu histórico papel de sustentar os interesses do
capital, reservando sua repressão para os casos em que os Guarani se contrapõem aos
interesses de megaempreendimentos, a resistência Guarani Chiriguano se mostra com a
força suficiente para a manutenção de sua ocupação territorial.
No sul do Mato Grosso do Sul, a superconcentração populacional torna impos-
sível aos Kaiowá o exercício do que entendem como suas formas próprias de vida. A
vida nas reservas, criadas há pouco mais de um século, transborda. Para romper o cerco
do agronegócio, que transformou a natureza da região em um mar de monocultura, é
necessário avançar na caminhada em seus territórios, criando corredores de mobilidade
em acampamentos nas beiras das estradas e insurgindo os corpos contra as cercas que a
mente não aceita.
Na Costa Atlântica, nas proximidades dos maiores centros urbanos, a natureza das
serras, que escaparam da colonização em virtude de seu acidentado relevo, tem presenciado
as caminhadas Mbya de ocupações territoriais ancestrais. Nelas, interligadas pelos laços
de parentesco e reciprocidade, a resistência tece a reconstrução daquilo que a colonização
sempre tentou destruir.
No centro da terra, Yvy Mbyte, os Avá-Guarani se apresentam como contraponto aos
projetos coloniais, retomando terras. Ali, ao lado dos minúsculos fragmentos de matas,
recompõem a diversidade das formas de vida e dão à natureza os cânticos e tempos necessá-
rios, para que ela descanse e se recomponha. O suposto confinamento, que a modernidade
244 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

nacional enxerga ao olhar o mapa de suas ocupações, em verdade constitui como pequenas
bases de um cerco que está sendo imposto pelos Guarani a algumas cidades. Em pouco
mais de uma década, conseguem constituir e manter cerca de duas dezenas de retomadas,
impondo ao estado a obrigação de respeitar o seu direito de ter um lugar para ser o que
se é. Estes passos, que se apresentam como lentos à mentalidade moderna imediatista, se
inserem em longas caminhadas Guarani. Passo a passo, terra a terra, vão demonstrando que
o projeto da modernidade não se completará. Ocorre que lutar contra uma propriedade
privada, às vezes, se mostra menos duro do que contra uma estrutura de negócios, que tem
na conservação da natureza a sua mercadoria e que se construiu como base fundamental
da colonização de uma fronteira.
Triste cegueira da modernidade, buscar atribuir aos Guarani sua dicotomia entre a
conservação por áreas intocadas e destruição da natureza. Justamente no centro da terra.
O povo que vê na natureza os seus mundos é repreendido pelas forças estatais quando
ousa entrar na redoma verde. É preciso compreender que o parque é território Guarani
pelo simples fato de ser, por este povo assim o enxergar, ainda que violentamente expulso
pelo racismo preservacionista. Se os olhos modernos tentassem enxergar para além de si
mesmos, poderiam ver nos Guarani a memória de um outro futuro possível.
A história retomada
Posfácio
por Maria Inês Ladeira
POSFÁCIO | 247
Por Maria Inês Ladeira

Em janeiro de 1997, a imagem de uma cena ao vivo, não gravada, permanece como
parte de um filme cujo enredo não tem fim. Dona Aurora Carvalho Kerexu Mirῖ1, em
frente ao cor de rosa 5 estrelas “Belmond Hotel das Cataratas”, no Parque Nacional do
Iguaçu, discorre emocionada sobre a aldeia ali mesmo soterrada, em tempos nem tão
remotos, em meio a outras com igual destino na região. Kerexu, por toda a vida, acompa-
nhou sua mãe, a Kunhã Karai Maria Tataxῖ, em seu caminhar desde yvy mbyte, centro da
Terra, de onde teria partido com seu grupo familiar, até yvy apy, (extremidade do mundo,
margem do oceano). Em seu percurso, Tataxῖ “descobria” lugares habitados pelos ancestrais
que deixavam marcas de sua passagem, indicando locais onde é possível manter a conexão
com yvy marãe’y, Nhanderu retã, a terra da eternidade, morada das divindades criadoras,
repetindo o percurso cíclico dos irmãos Kuaray e Jaxy, em sua “marcha para o leste”.
Tanto a oeste como a leste, são os tekoha (lugares onde podem viver conforme seu modo
de ser/estar), e também os caminhos que os ligam, que conformam o território guarani.
Vivendo sua cosmicidade, compreendida na cosmologia, assim os Guarani resistiram à
modernidade, e transpassaram as versões escritas da história.
Essa lembrança de Kerexu e Tataxῖ surgiu no início da leitura deste livro inspirador.
Manuel Munhoz Caleiro, partindo do fato de que o Parque Nacional do Iguaçu é terra
guarani, com empenho e sensibilidade, retrocedeu no tempo desde a conquista ibérica e
costurou, com linha cronológica, a história do continente americano na região da bacia
do Prata para demonstrar que, nessa confluência dos rios Paraná, Uruguai, Paraguai,
hoje região da tríplice fronteira – Brasil, Paraguai, Argentina -, o sistema de colonização
perdurou e que os indígenas ainda não cabem no “projeto nacional”.
O cataclisma provocado para a construção da hidrelétrica batizada com nome gua-
rani “Itaipu” (a pedra que grita) ficou igualmente registrado na história dos Avá-Guarani
que viram submergir sítios sagrados, como a própria pedra Itaipu sobre a qual foi cons-
truída a barragem, as Sete Quedas de Guaira, e matas e aldeias e plantações.
Finalizada a extravagante obra da ditadura militar, que expeliu milhares de pessoas
que perderam suas áreas de cultivo com o alagamento, a paisagem de exuberante biodi-
versidade se transformou com a mecanização e a intensificação do uso de fertilizantes,
agrotóxicos e sementes transgênicas - conforme o modelo de agricultura da “revolução
verde”. Ampliaram-se as áreas de monoculturas, com destaque à soja para exportação, o
que causou o aumento ainda maior de agricultores expulsos, entre eles os Avá-Guarani
com seus cultivos tradicionais. Como bem disse o autor deste livro, o padrão imposto foi
o de uma “agricultura sem agricultor”, contrariando à concepção de segurança alimentar.
De acordo com o mito avá-guarani de origem do mundo, quando a terra que era

1 Durante uma viagem à aldeias guarani no Paraguai e Argentina, cuja comitiva era formada, em sua maior parte,
por lideranças espirituais que habitavam aldeias no litoral sul e sudeste do Brasil.
248 | OS GUARANI E O DIREITO AO CENTRO DA TERRA
Direitos territoriais e preservacionismo no Parque Nacional do Iguaçu

apenas uma pequena porção deitada sobre a grande água, porção que gradativamente
aumentava, Nhandejara ia colocando suas criações, cujas matrizes são preservadas em
Nhanderu retã e cujo destino é reproduzir-se para povoar o mundo. Os Avá- Guarani,
humanidade primeva desse primeiro pedaço da terra, que chamam Yvy mbyte, centro do
mundo, cuidaram, desde então, dessa porção terrestre na qual emanaram os seres que
compõem o que nossa ciência denomina animais e vegetais, os quais também abriram
caminhos e se espalharam até as margens do oceano atlântico conformando um território
com fisiografia heterogênea e enorme diversidade biológica que chamamos Mata Atlântica.
Essa Mata Atlântica, de formações florestais que se estendem pela Argentina e Para-
guai, preservadas e conservadas pelos povos indígenas, foi devastada em algumas dezenas
de anos, estando reduzida hoje a exíguos 7% de sua extensão no século XVI. Para os Gua-
rani, que se espalharam por grande parte do continente em sua missão de cuidar dos bens
gerados pelas divindades, perpetuando-os pela reprodução, as marcas e os sinais deixados
pelos antepassados só podem ser reconhecidos nos escassos fragmentos de florestas que
escaparam da exploração econômica da modernidade. E já não podem mais ser encon-
trados hoje, é claro, nas terras inundadas, nas sete quedas submersas, sob o pasto ou sob
a soja, nas áreas urbanizadas. Perduram, no entanto, inscritos nos sonhos e transmitidos
na memória dos que os vivenciaram, incentivando o projeto de futuro guarani: repovoar
a mata com seus moradores nativos - plantas, bichos (ka’aguy regua) - e sustentar a terra.
Para os atuais colonizadores brasileiros, nesta faixa transnacional os Guarani nunca
viveram nem pisaram, aliás, eles nem sequer existiram. Com esse argumento, difundem a
ideia de que são invasores que se instalam arbitrariamente, incultamente, em áreas domes-
ticadas de uso privado ou público e às margens de águas aprisionadas. É essa a visão
preconceituosa que foi incutida nos imigrantes europeus, pobres e desterrados em seus
países, que chegaram às regiões interioranas do sul do Brasil, desavisados sobre o projeto
político, embrionado na “marcha para o oeste”, de colonização pela via do branqueamento
cultural, o qual, ao tempo em que impedia a entrada de africanos, exterminava a popu-
lação indígena. Porém, o extermínio programado dos Avá-Guarani não se concretizou
totalmente pois, sob a ótica do poder imperante, “eles não param de chegar”.
Desde então, as intermináveis batalhas por direitos de uso ou de propriedade das
terras se intensificam. Os Guarani e os povos indígenas em geral, com seus conhecimentos
milenares das florestas, ironicamente são acusados, além de predadores ambientais, de
serem os grandes vilões que promovem a paralisação da economia.
Como demonstrou o autor, toda a potência e abundância dessa região, que permane-
ceu até o início do século XX distante dos interesses da colonização, provinha da agricul-
tura de pousio, como no caso das diversas variedades tradicionais do milho (avaxi etei), e de
outras culturas agrícolas consorciadas com espécies florestais, a chamada agrossilvicultura
POSFÁCIO | 249
Por Maria Inês Ladeira

ou ciência agroflorestal, sistema praticado milenarmente pelos povos indígenas. Aos


poucos, as práticas indígenas, por sua adaptação aos próprios sistemas florestais, ficaram
invisíveis aos detentores das tecnologias implantadas pela “revolução verde”, mas não aos
olhos dos Guarani, iluminados por Nhanderu.
Todo o processo histórico que deformou totalmente a paisagem desse lindo pedaço
do continente compreendido em yvyrupa (plataforma terrestre sem fronteiras) foi recom-
posto com maestria pelo autor, em sua pesquisa historiográfica que congrega relatos e obras
de viajantes, missionários, historiadores, antropólogos, juristas e, mais recentemente, dos
próprios Avá-Guarani. E integrou à história a cronologia das normas jurídicas, que desde
o império dispunham sobre as terras e territórios indígenas, até a constituição de 1988
que reconheceu os usos costumes, tradições e os direitos originários dos índios às terras
que tradicionalmente ocupam.
À parte da História ou das Histórias oficiais, os Guarani seguiram contando suas
experiências e perpetuando-as para seu povo em suas narrativas orais, em sua própria
língua. Ainda que muito tardiamente, testemunhos de anciões e anciãs sobreviventes
das torturas físicas e morais desde o tempo das obrages, foram traduzidos e transcritos e
ganharam veracidade nas recentes publicações que denunciam graves violações aos direitos
indígenas no oeste paranaense, para o que muito contribuiu o trabalho do autor deste livro.
Ainda que domine a política de confinamento dos Guarani em espaços restritos que
os inviabilizam de seguir os ciclos de seus plantios e promover a salvaguarda de espécies em
extinção vitais à floresta, em simbiose com seu modo de vida, e mesmo que num circuito
reservado, os Guarani revelam seus olhares aos olhos de outros mundos.
Ao poder político vigente não basta, porém, subjugar os sistemas políticos das socie-
dades indígenas, é preciso extingui-los. Como afirmou Manuel Caleiro, “não há diferença
entre os recentes mandados judiciais de reintegração de posse para retirar os Avá-Guarani
do Parque Nacional do Iguaçu e a carta régia da coroa portuguesa que declarava guerra
justa aos infiéis para tomar-lhes as terras: ambas são faces de processos históricos-coloniais
que se repetem”.
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Publicação elaborada por

Aranduká Selo Editorial


www.aranduka.com.br

Ipuvaíva - Editora & Laboratório de Textos


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Revisão, normalização e preparação de texto


Amanda Ferraz da Silveira

Editoração, projeto gráfico e diagramação


Manuel Munhoz Caleiro

Ilustração de capa
Frederico Tizzot

Ilustrações do miolo
João Zoccoli

Impresso no Brasil

Realizado o depósito legal obrigatório na Biblioteca Nacional


Lei 10.994, de 14 de dezembro de 2004

Formato 17x24cm
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