A Branquitude e Seus Privilégios PDF
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ISSN: 2525-8761
RESUMO
Este artigo tem como objetivo geral definir os conceitos que compreendem o privilégio
da branquitude, bem como a origem histórica dos estudos a respeito deste tema, dada a
sua relevância para compreendermos as diversas faces do racismo em nossa sociedade.
Intentou-se evidenciar conceitos ligados às origens do preconceito contra a pessoa negra,
procurando responder por que o racismo se perpetuou no imaginário social, em contraste
aos privilégios que os/as brancos/as usufruem, advindos da branquitude, para então
caracterizarmos os principais estereótipos presentes em nossa sociedade, advindos desta
construção social. Para tanto, o estudo apoiou-se na perspectiva sócio-histórica, a fim de
apresentar as dimensões que contemplam o ideário do/a branco/a, analisando-o
qualitativamente, a partir de estudos bibliográficos que denotam a identidade social da
contemporaneidade, originária dos processos de colonização capitaneados por pessoas
brancas que conseguiram perpetuar sua narrativa histórica. Como resultado, a Educação
ainda se mostra como alternativa para quebra de paradigmas amparados pela Lei
10.639/03 que foi alterada pela lei 11.645/08.
ABSTRACT
This article aims to define the concepts that comprise the privilege of whiteness, as well
as the historical origin of studies on this topic, given its relevance for understanding the
different faces of racism in our society. An attempt was made to highlight concepts related
to the origins of prejudice against black people, trying to answer why racism has
perpetuated itself in the social imaginary, in contrast to the privileges that whites enjoy,
coming from whiteness, in order to characterize the main stereotypes present in our
society, which came from this social construction. Therefore, this study was based on the
socio-historical perspective, in order to present the dimensions that aggregate the ideal of
the white person, analyzing it qualitatively, based on bibliographic studies that denote the
original social identity of contemporaneity, originated from the colonization processes
led by white people who managed to perpetuate their historical narrative. As a result,
Education still shows itself as an alternative to break paradigms based on Law 10.639/03,
which was amended by law 11.645/08.
1 INTRODUÇÃO
Este estudo procurou evidenciar o papel de alguns estereótipos enfatizando
aqueles oriundos da ideia de “ser branco/a”, a branquitude. Este estereótipo, do/a branco/a
em nossa sociedade, é advindo de um modelo sócio-histórico construído e se tornou ele
mesmo um influenciador ideológico, pautando normativas culturais que estão presentes
no modo de vida dos/as brancos/as e negros/as.
Para que possamos compreender o conceito de branquitude, e por que este
conceito está atrelado a uma identidade racial, devemos considerar o impacto decorrente
do processo de colonização que levou a formação de estereótipos raciais que ainda se
encontram presentes no imaginário da sociedade. O processo colonizador gerou a ideia
do/a branco/a como modelo ideal, originado da perspectiva do/a dominador/a, a partir de
uma distinção que colocou como possuidor/a de maior valor tudo o que pertencia ao/à
branco/a, incluindo suas características físicas e sua perspectiva cultural, em detrimento
do restante da população, notadamente da população negra, que ao início do processo
colonizador se encontrava no extremo oposto, socialmente desvalorizada e subjugada.
Tanto as características físicas do/a negro/a, entendidas como raciais, quanto sua
cultura permaneceram associadas a uma posição social inferior, naturalizando a condição
do/a negro/a no âmbito social. Tal perspectiva, encontra-se manifesta na sociedade, sendo
fruto de uma construção sócio-histórica, reproduzida de geração em geração, constituída
por uma ideia de superioridade associada à ascendência racial branca, cuja representação
social culminou na construção de um modelo de sociedade racista, em que o sujeito
identificado como branco possui predicados elevados, tanto simbólicos quanto materiais,
em relação à pessoa negra.
O/A branco/a, em muitas situações, ocupa um lugar elevado na hierarquia social,
dado que ele/a possui vantagens étnico-raciais concedidas somente aos/às brancos/as.
Este sujeito branco é alçado costumeiramente a esta posição por possuir a priori o
desejável, a pele branca, mas não somente isto. Não causa estranhamento o fato do/a
branco/a ocupar socialmente uma posição elevada e o/a negro/a ocupar uma posição
inferior (Lia Vainer SCHUCMAN, 2012).
São inúmeros os exemplos do quão ‘natural’ seria a presença de um/a branco/a
nas esferas mais elevadas da sociedade. Por outro lado, a presença de um/a negro/a nestas
esferas, sempre chama a atenção. Em nossa sociedade um sujeito branco ao chegar a um
lugar, digamos a um evento social, traz consigo a cor branca e esta lhe serve como
passaporte. Neste caso, somos primeiramente apresentados/as à sua cor e esta lhe confere
a entrada sem questionamentos. Assim também acontece quando um/a negro/a chega a
um evento social, sua cor chega primeiro, só que muitas vezes determinando sua
inadequação ao local.
Isto também ocorre com outros indivíduos pertencentes a outros grupos étnicos,
que podem sofrer o preconceito em muitas situações, o que não se altera é o fato do/a
branco/a, em muitos contextos sociais, obter privilégios.
Destarte, destacamos o conceito de branquitude, relativo aos privilégios que
pessoas brancas usufruem, decorrente de um processo historicamente construído que se
tornou conveniente ao/à branco/a, procurando revelar as origens deste preconceito e
buscando alternativas que impeçam a perpetuação do/a mesmo/a, para que possamos ter
uma sociedade mais igualitária.
o preconceito de cor nada mais é do que a raiva irracional de uma raça por
outra, o desprezo dos povos fortes e ricos por aqueles que eles consideram
inferiores, e depois o amargo ressentimento daqueles que foram oprimidos e
frequentemente injuriados. Como a cor é o sinal exterior mais visível da raça,
ela tornou-se o critério através do qual os homens são julgados, sem se levar
em conta as suas aquisições educativas e sociais. As raças de pele clara
terminaram desprezando as raças de pele escura e estas se recusam a continuar
aceitando a condição modesta que lhes pretendem impor (Sir Alan BURNS,
1949, p.14).
‘ideal’ de pessoa. Munanga (2004, p.2) explica que “[...] os conceitos e as classificações
servem de ferramentas para operacionalizar tal pensamento. É nesse sentido que a
classificação da diversidade humana em raças teria servido”. Entretanto, o autor explica
que:
a invalidação científica do conceito de raça significa que todos os indivíduos
ou todas as populações sejam geneticamente semelhantes. Os patrimônios
genéticos são diferentes, mas essas diferenças não são suficientes para
classifica-se em raças (MUNANGA, 2004, p.5).
[...] uma forma sistemática de discriminação que tem a raça como fundamento,
e que se manifesta por meio de práticas conscientes ou inconscientes que
culminam em desvantagens ou privilégios para indivíduos, a depender do
grupo racial ao qual pertençam (ALMEIDA, 2019, p. 22).
(MUNANGA, 2004). Por sua vez, a etnia é relativa às características do grupo em si,
compreendendo indivíduos que convivem no mesmo território e detém características
culturais semelhantes. Munanga (2004) explica que ambos os conceitos são manipulados,
principalmente quando se utilizam expressões como identidade racial negra e ou
identidade étnico-racial. Por outro lado, não se pode “biologizar” a cultura, pois desta
forma estaríamos conceituando a etnia como amarela, negra e branca. Além disso, etnia
é um conceito em constante mudança, pois concentra uma historicidade advinda de
contextos culturais.
Já o termo identidade, não provém apenas da consciência ideológica, mas de um
contexto histórico advindo de um processo de vida, portanto a identidade branca não se
assemelha a identidade negra dado, que tais identidades experienciaram situações
distintas no processo histórico de colonização. Esta é a razão de existirem identidades
diversificadas, como por exemplo as dos/as judeus/ias, muçulmanos/as, negros/as, árabes
e orientais. Ainda para Munanga (2004), as identidades são carregadas de história,
geografia, biologia e traumas coletivos experienciados, no entanto o coletivo transforma
todas essas informações em uma conjuntura social e cultural, caracterizadora da
identidade, sempre originados de uma situação em que se necessitava a força de
determinada nação.
do Ocidente, por este motivo os estudos se mostraram tão eminentes em regiões como
Estados Unidos, África, Europa e Américas (SCHUCMAN, 2012).
Para além dos conceitos de raça, racismo, etnia e identidade, devemos
compreender as influências sócio-históricas do processo de colonização, incluindo o
continente africano, para que possamos fomentar os estudos sobre os privilégios das
pessoas brancas em nossa sociedade.
A sociedade colonial africana era dualizada, ou seja, colonial e colonizada. A
colonial, era relativa a uma minoria dominadora formada por estrangeiros/as de origem
metropolitana (colonizador/a), “os europeus ou de população branca não metropolitanos
e os não europeus, naturais asiáticos” tinham funções no campo da espiritualidade,
política e economia (MUNANGA, 1988, p. 17). O padrão de interação social entre esses
grupos era desigual, existia uma espécie de controle econômico, psicossocial e de
violência física sobre os/as colonizados/as, na maioria negros/as, essa dominação se
firmava pelo receio de ruptura, estabelecendo uma prática repressiva e de interesses. A
sociedade colonizada, era constituída por indígenas e ou nativos/as, suas terras eram
subdivididas em prol dos interesses dos/as colonizadores/as, um modelo reducionista, que
os/as separavam dos/as colonizados/as, um modelo entre dominantes e dominados/as,
uma relação brutal e violenta, que além do mais se dedicava em produzir estereótipos
discursivos que enfatizavam a superioridade do/a colonizador/a e a inferioridade do/a
colonizado/a. O objetivo do/a colonizador/a era tirar o homem negro e a mulher negra da
sua condição de selvagem. Estes, uma vez civilizados/as pelos ocidentais, se tornariam
como os/as brancos/as, superiores (MUNANGA, 1988).
Com o início da exploração colonial do continente Americano, a África dispunha
de ‘capital’ humano barato para sanar as demandas do Ocidente, nutria-se então na
Europa o sentimento de superioridade e desprezo pela pessoa negra, que se evidenciava
na repulsa pela cultura dos/as negros/as e tudo aquilo que envolvia suas etnias, agregando
ideias de que eles/as teriam uma incapacidade cognitiva e, também, de juízo moral. Além
disso, os povos africanos tinham uma vulnerabilidade econômica, eram depreciados/as
por sua condição social, os ditos “caracteres menores” dos/as negros/as, deduções
legitimadas, acreditadas e repassadas pela sociedade moderna. Estes juízos contribuíram
para compor o termo negritude e/ou a identidade negra, idealizada a partir da perspectiva
ocidental a respeito da pessoa negra, o que ocasionou um sentimento de frustração nos/as
intelectuais negros/as pela ausência de humanidade do Ocidente. A partir disso, não foi
difícil para alguns grupos humanos conceberem a ideia cristalizada de que o/a negro/a é
inferior ao/à branco/a (MUNANGA, 1998).
Os estudos da branquitude surgiram buscando entender as origens do racismo,
advindos também do processo de colonização da África que culminou na escravização e
no tráfico de africanos/as para o Novo Mundo e engendrou o surgimento de novos grupos
humanos na América. O estudo da branquitude, se constituiu a partir da reflexão sobre
este contexto, refletindo sobre os processos históricos e ideológicos em que a supremacia
racial de poder do/a branco/a se instituiu como uma ‘verdade’ a não ser contestada. Essa
situação revelada historicamente, impulsionou trocas interculturais entre as
nacionalidades e nações, entre brancos/as e negros/as, produzindo novos significados e
ideais na África, América e Europa, instigando os/as pesquisadores/as a abordarem um
novo campo para estudo, a branquitude (SCHUCMAN, 2012).
racismo reverso nada mais é do que um discurso racista, só que pelo avesso,
em que a vitimização é a tônica daqueles que se sentem prejudicados pela perda
de alguns privilégios, ainda que tais privilégios sejam apenas simbólicos e não
se traduzam no poder de impor regras ou padrões de comportamento
(ALMEIDA, 2019, p.35).
[...] uma posição em que sujeitos que ocupam esta posição foram
sistematicamente privilegiados no que diz respeito ao acesso a recursos
materiais e simbólicos, gerados inicialmente pelo colonialismo e pelo
imperialismo, e que se mantêm e são preservados na contemporaneidade
(SCHUCMAN, 2012, p.23).
Os/As brancos/as têm privilégios, em alguns casos menos concretos, mas que
são fundamentais no que se refere ao sentimento e a constituição da identidade dos
indivíduos, tais como honra, status, dignidade e direito à autodeterminação. Nesse
sentido, destaca-se que:
se reflete, diretamente ou indiretamente, em nosso cotidiano por meio das mídias que
propagam a representação do/a branco/a como um padrão e ideal estético (SCHUCMAN,
2012, p. 25).
Isso evidencia a divisão racial do trabalho e dos espaços sociais, em que a
branquitude é um privilégio racial, econômico e político, e o/a negro/a é sempre ligado/a
às periferias urbanas, ou seja, é mais fácil uma pessoa branca adquirir moradia, educação,
emprego e saúde de qualidade do que o/a negro/a com seu passado escravista relacionado
à ‘cultura da pobreza’.
O/A branco/a, mesmo que seja representado/a como ideal estético, pode, portanto,
optar em desfrutar os privilégios da branquitude silenciosamente, o que explica
Nada em específico precisa ser ensinado às crianças brancas para que estas
continuem a obter sua preservação e proteção existencial, isto se mantém discretamente.
A branquitude não se tornou uma estrutura social influenciada apenas pela cultura do
indivíduo, mas pelas diversas vertentes da sociedade, compreendida por indivíduos
dominadores, que possuem privilégios na estrutura social e elementos da dominação
racial (SCHUCMAN, 2012).
Destarte:
Essa Lei foi resultado da luta do Movimento Negro, tendo como objetivo
promover uma política de práticas positivas, constituída pela ação crítica advinda da
memória histórica e implicada com o enfrentamento para erradicação do racismo. O
grande desafio é que os temas são abordados muitas vezes apenas na Semana da
Consciência Negra, “o trato com a História da África e com a Cultura Afro-brasileira a
episódios que fogem da rotina escolar, sem o estabelecimento de relações efetivas com o
saber cotidianamente trabalhado em sala de aula” como relatado por Mauro Cezar Coelho
e Wilma de Nazaré Baía Coelho (2018, p. ) em seu artigo intitulado – As licenciaturas em
história e a Lei 10.639/03 – Percurso de formação para o trato com a diferença?
As pesquisas direcionadas a Lei de 2003 mostram que os livros didáticos tem
proporcionado espaço à História da África, à Cultura Afro-brasileira e a História dos
Povos Indígenas, no entanto continuam a ressaltar a soberania Eurocêntrica e a considerar
os negros e indígenas como personagens subalternos. No entanto, a Lei de 2003 busca
congregar um esforço do Movimento Negro e da sociedade civil contra a discriminação
da memória, essa postura que a Lei nº 10.639/2003, por meio das Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais (COELHO; COELHO, 2018).
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo, motivado pelo interesse no estudo a respeito do termo branquitude e
seus privilégios, apresentou os conceitos etimológicos dos vocábulos raça, racismo, etnia
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Silvio Luiz de. Racismo estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019.
ALVES, Ivonete Aparecida. Educação infantil e relações étnicas e raciais: pele negra
e cabelo crespo nas escolas públicas e sua tradução nos trabalhos acadêmicos. 277 f.
Dissertação (Mestrado), Faculdade de Ciências e Tecnologia - Instituição de Ensino:
Universidade Estadual Paulista. Presidente Prudente, 2017. Disponível em:
https://repositorio.unesp.br/handle/11449/150856. Acesso em: 25 jun. 2021.
MUNANGA, Kabengele. Negritude: usos e sentidos. 2 ed., São Paulo: Ática, 1988.