1 Lance para o Amor (Montreal Monsters) - Bia Fernandes
1 Lance para o Amor (Montreal Monsters) - Bia Fernandes
1 Lance para o Amor (Montreal Monsters) - Bia Fernandes
Claire era ruiva como o irmão, bem mais baixa do que eu, e a
primeira impressão que tive dela quando a conheci era a de uma
universitária meiga e sonhadora. Ela me recebeu com toda a
simpatia possível e prometeu que até o fim de minha estadia eu
conheceria Montreal tão bem quanto um residente local.
Era praticamente impossível não gostar de Claire, só tinha uma
pessoa que parecia não simpatizar muito com ela: meu irmão.
Ele se recusava a falar sobre isso, mas eu sabia que mais cedo
ou mais tarde Killian acabaria contando o motivo disso tudo.
Desde que cheguei aqui, Claire me levou a alguns cafés
aconchegantes, ao cinema e até a um spa, mas até então não fui a
nenhum lugar parecido com o dessa noite. Ainda tínhamos uma lista
de lugares para ir e eu me encantava cada vez mais. Aos poucos, eu
começava a sentir que seria difícil ir embora quando chegasse a
hora.
Ok, eu gostava do lugar que nasci e cresci. Era uma cidade
pequena e pacata na Flórida, com verões quentes que faziam jus ao
apelido “estado do sol”. Eu ainda morava com meus pais, que
ficaram extremamente apegados a mim quando meu irmão nos
deixou, anos atrás, para seguir seu sonho com o hóquei e morar no
Canadá. Eles ficaram bastante receosos quando revelei que passaria
um tempo longe, mas não me impediram.
Eles sabiam que um dos motivos de eu estar em Montreal, além
do término com Ty, era também porque eu queria seguir meu sonho
e tinha uma grande oportunidade para mim aqui.
Ao menos era o que eu esperava.
— E não aceite bebidas de estranhos — me lembrou Claire
enquanto dirigia, me tirando de meus pensamentos.
— Tá bom, mãe — brinquei, observando as ruas enquanto
passávamos.
Eu não podia negar: Montreal era encantador.
Seu clima era muito diferente do da Flórida, o que tornou um
pouco difícil me acostumar nos primeiros dias, mas agora eu até que
estava gostando. De certa forma, eu me sentia elegante, menos
quando ficava à toa em casa. Nesses casos, eu só colocava uma
calça larga, meias bregas nos pés e blusas quentes e confortáveis.
Era um milagre eu não estar com tanto frio essa noite,
especialmente por estar com as pernas de fora, mas eu sabia que a
bebida poderia ajudar a afastar o frio do corpo.
Muitos universitários frequentam o Reinor’s, alguns são
—
babacas, sabe? — Claire me olhou quando paramos no sinal
vermelho. — Nem sei porque estou falando tudo isso, você é mais
velha do que eu, deve estar acostumada.
Abri um sorrisinho e encarei minhas pernas.
Na teoria, sim. Na prática, nem tanto.
Por ter começado a namorar muito cedo, eu passei mais tempo
em casa assistindo filmes com Ty do que em baladas. Além disso,
nunca gostei muito de multidões.
Mas, se era para criar novas experiências, então eu estava
disposta a ir de cabeça.
— Você vai querer ir embora em um horário específico? —
perguntei quando o carro voltou a andar.
Claire mordeu o lábio inferior e batucou com os dedos no volante.
— Não posso voltar tão tarde para o campus.
Olhei a hora no celular.
— E se nós nos encontrarmos uma hora no estacionamento? —
sugeri.
Teríamos tempo o bastante para aproveitar.
— Parece bom — concordou ela.
Eu sabia que Claire ia se encontrar com alguém e eu não iria
atrapalhar minha amiga ficando colada a ela o tempo todo, por isso
era melhor encontrá-la em um horário marcado para irmos embora.
— E o seu quadro? — perguntou ela enquanto entrava com o
carro no estacionamento lotado.
Me distraí por uns segundos enquanto observava o lado de fora
do Reinor’s que parecia ferver de gente.
— Semana que vem — respondi, distraída, tirando o cinto de
segurança e coloquei uma mecha de cabelo solto atrás da orelha. —
Marquei um horário na galeria.
Senti um arrepio enquanto observava pessoas entrando e saindo
do Reinor’s o tempo todo. Cada vez que a porta era aberta eu
conseguia ver as luzes coloridas refletirem.
— Vai dar tudo certo. — Claire sorriu para mim, pegou a bolsa e
abriu a porta do carro. — Vamos?
Olhei novamente para o estabelecimento e mordi o lábio inferior
com expectativa. Por algum motivo eu sentia que, depois dessa
noite, minha vida não seria mais a mesma.
— Com certeza.
Tem momentos na vida que a gente se deixa levar por alguém e
quando nos damos conta, estamos na pior situação possível.
Esse era meu caso.
Meu irmão estava na cidade.
Ele queria se divertir.
Ele me convenceu a acompanhá-lo.
Ah, se arrependimento matasse…
Eu tinha coisas mais importantes a fazer, precisava decidir a
estratégia para o próximo jogo, determinar quem eu colocaria para
jogar dessa vez e quais melhorias teríamos que fazer. Eu precisava
me concentrar, meu time precisava de uma âncora, especialmente
depois que ele se abalou quando um dos jogadores se envolveu com
a prima de outro. Apesar de já fazerem meses desse ocorrido, eu
ainda sentia que os rapazes estavam desconfiados e precisava deles
unidos para vencermos.
É por isso que decidi criar uma regra importante para que
situações como essa não voltassem a acontecer: se envolver com a
família de outros jogadores estava fora de questão. Todos
concordaram com isso. O que não faltava aos rapazes era opções,
eles não precisavam ir para a cama com a irmã, prima ou mãe de
alguém.
sse último aconteceu quando eu era jogador e, bem, também
E
trouxe grandes problemas. O treinador teve um trabalho gigantesco
para consertar o estrago causado no time que se dividiu em dois:
aqueles que apoiavam o cara que pegou a mãe do outro e aqueles
que achavam aquilo inaceitável.
Por sorte, eu sempre fiquei com mulheres que não tinham risco
de abalar minha relação com o hóquei, que com certeza era mais
importante.
Eu podia até passar a noite nos braços de uma mulher, mas na
manhã seguinte era com o hóquei que eu queria estar e nunca deixei
nada atrapalhar isso. Talvez esse fosse o motivo de eu estar próximo
dos 40 ainda solteiro, mas minha esposa era o taco, minha casa era
o rinque e cada vez que eu marcava um ponto eu tinha um orgasmo.
Ok, talvez alguns me achassem louco, mas ao menos as últimas
notícias do esporte me colocaram na manchete como “o técnico do
ano”.
E, ainda assim, eu tinha aceitado vir a esse lugar lotado de
universitários ansiosos por uma noite de sexo casual para finalizar a
noite de sexta.
— Não acredito que você nunca veio aqui. — Hugh, meu irmão
mais novo, ergueu a garrafa de cerveja e sorriu para uma mulher que
passou.
— E eu não acredito que aceitei entrar aqui — resmunguei,
observando aquele monte de gente se esbarrando, se agarrando ou
pior: dividindo o mesmo copo.
O Reinor’s era conhecido como um ótimo lugar para conhecer
gente nova, beber e extravasar. O espaço não era muito grande,
nem muito limpo, mas por algum motivo as pessoas gostavam. Só
isso podia explicar a lotação e não precisava observar muito para
notar que a grande maioria dos frequentadores era de universitários.
Eu já gostei de frequentar lugares lotados e barulhentos, mas
fazia pelo menos dez anos que eu preferia a calma e o silêncio de
lugares reservados.
— Será que dá para tirar essa carranca do rosto e agir como um
ser humano normal? — Hugh bateu com o ombro no meu. — Se
solta, Rick. Bebe um pouco, descola uma gata, beija umas bocas…
Prefiro evitar pegar herpes — respondi, passando os olhos
—
pelo ambiente lotado.
Foi um milagre conseguirmos duas cadeiras vazias no bar. Meu
joelho esquerdo estava dolorido, então não hesitei quando vi a
oportunidade de me sentar.
Até pensei em pegar uma bebida, mas estava evitando álcool.
Logo eu teria quatro décadas de vida e eu queria manter meu corpo
em forma, o que com certeza seria mais difícil daqui pra frente.
Droga, por que mesmo aceitei vir?
— Pode me dar uma vodka pura, por favor? — pediu uma mulher
ao meu lado.
Vodka pura? Sinceramente, quem teria coragem de beber algo
tão ruim?
Me virei por instinto, interessado em descobrir isso e dei de cara
com duas pernas torneadas e lindas. Subi o olhar, observando cada
curva do corpo feminino perfeito, do quadril largo, da cintura fina, dos
cabelos mais pretos que já vi na vida e do nariz empinado.
A mulher agarrou a barra do vestido curto e o puxou para baixo,
parecendo não notar o que fazia. Fiquei com a boca seca. Sua
beleza era do tipo que chamava a atenção, o tipo de beleza que não
envolvia opinião, era um fato. Ela era linda.
A morena finalmente pegou o copo e se virou para sair e por
breves segundos, nossos olhares se encontraram.
Ela sorriu de leve e se afastou, entrando no meio da multidão
novamente, mas seus olhos âmbares continuaram claros em minha
mente.
Ela tinha sardas, o que indicava que vinha de um lugar quente.
Ela me deixou quente.
Me levantei abruptamente, quase sem notar o que estava
fazendo, e deslizei a mão por meu cabelo, colocando-o para trás.
— Rick? — chamou Hugh, estranhando minha reação.
Busquei aquela mulher com os olhos, mas ela já tinha sumido
dentro da multidão.
Eu precisava encontrá-la.
— Eu vou ao banheiro — falei sem olhar para meu irmão.
— Ok, já entendi, você vai fugir. — Ele nem se deu ao trabalho de
parecer decepcionado. — Eu pego um Uber. Vou ficar aqui até
descobrir o que a noite tem a me oferecer.
Eu sabia que sim.
Hugh mal tinha trinta anos e sua personalidade era muito
diferente da minha. Ele ainda morava com nossos pais, aliás. Não
que eu tivesse algo contra isso, mas eu sabia que ele veio passar um
tempo aqui porque tinha brigado com eles.
Bem, isso não me importava agora.
Eu precisava encontrar a dona dos olhos âmbares que sorriu
para mim.
Pronto, chefe.
Serviço finalizado :)
Tudo bem.
Eu não.
Nossa, Rick.
Eu vou voltar.
Prometo.
Vou te esperar.
Pedi para Rick posar nu, porque eu iria retratar seus contornos e
seria essencial conseguir ter uma visão completa. Depois de sairmos
do banho, ele apenas se enrolou em um roupão e me esperou
colocar um vestido leve antes de descermos para tomar café.
Solange tinha preparado muita coisa, de alguma forma ela sabia que
eu estava aqui de novo.
Depois do café, subimos direto para a sala de pintura, pois não
havia tempo a perder.
Sentado em um banco simples e virado de lado para mim, Rick
tentava diferentes poses. A luz que entrava pela janela de vidro foi
essencial para destacar tudo o que eu precisava. Sua bengala
estava apoiada na parede, porque achei importante retratá-la
também.
— O que acha de algo assim, tipo “O Pensador”? — perguntou,
apoiando a cabeça na mão como a escultura.
Ri baixo enquanto amarrava o avental em minha cintura.
— Prefiro “O Rick”, porque a outra opção já existe. — Peguei
meu lápis e analisei a ponta para ter certeza de que estava boa.
Depois de pensar um pouco, Rick cruzou os braços sobre os
joelhos e inclinou o rosto para cima.
Seus ombros passavam um ar de desânimo, mas seu rosto trazia
esperança, como se ele estivesse lutando consigo mesmo para não
desistir.
Era perfeito.
— Preciso que fique assim pelas próximas horas — avisei
enquanto começava a rabiscar a tela.
— Vou merecer uma compensação mais tarde — ele disse sem
se mover.
— Com certeza terá, amor — murmurei, concentrada, enquanto
fazia traços rápidos e leves.
Rick se mostrou um modelo um tanto tagarela, contando
experiências da adolescência, situações engraçadas da infância,
lembranças favoritas e coisas que ainda pretendia fazer.
Apesar de não responder com frequência — eu ficava bastante
silenciosa quando precisava me concentrar —, ouvi cada palavra
com atenção e carinho.
Fizemos duas pausas, uma quando ele precisou usar o banheiro
e outra quando ficou com fome, mas não mais que isso.
Levei um bom tempo para terminar de retratar o cenário e mais
um pouco para Rick, mas quando terminei de adicionar as cores,
larguei os pincéis e estiquei o corpo, ouvindo os ossos estalarem.
Só podia imaginar como estava o corpo do meu pobre modelo.
— Acho que chega por hoje — murmurei, estendendo-lhe o
roupão de volta. — Amanhã adicionarei sombras e luzes, vai ser
mais rápido. Prometo não te fazer ficar parado assim por muito mais
tempo.
Depois de vestir o roupão, Rick se aproximou do quadro e o
analisou.
— Está valendo a pena. É uma droga pensar que não poderei
ficar com esse quadro. — Ele me puxou pela mão e sorriu. — Essas
mãos — ele ergueu minhas mãos manchadas e beijou meus dedos
— valem muito.
— Você foi um modelo excepcional, acredite. Mas acho que é
melhor te colocar para descansar um pouco.
— Aaaah, Skyler… — resmungou, soltando minhas mãos e
caminhando para fora da sala. — Passei tempo demais
“descansando” nos últimos meses.
Arranquei meu avental e o segui.
Rick parecia pouco a pouco se esquecer da bengala.
Seus passos eram um pouco desajeitados, mas dava para notar
que ele sentia mais confiança em si e isso bastava.
— Bem, se não quer descansar, o que quer fazer? — Arqueei as
sobrancelhas.
Ele parou em frente a uma prateleira de madeira no corredor e
puxou uma caixa.
— Pedi para deixarem isso aqui hoje mais cedo. — Ele me
entregou a caixa. — Quero que patine para mim.
Arranquei a tampa e encontrei um belo par de patins brancos
Stanwick.
O cheiro de couro novo me inundou de prazer.
— Os rinques ao ar livre só voltam em novembro — comentei,
erguendo o olhar. — Acho que não vai ser possível.
— Ah, meu amor… Apenas se vista, eu dou um jeito no resto. —
Ele piscou para mim e sumiu dentro do quarto.
Dando de ombros, segui até meu quarto, ansiosa para descobrir
o que Rick iria aprontar.
Ele nunca decepcionava.
Tony abriu o centro de treinamento para mim quando revelei
que queria levar Skyler para patinar. Ele estava mais alegre do que o
habitual, especialmente depois de presenciar aquela cena na
cozinha quando eu e Sky quase nos beijamos.
Ele sabia que as coisas entre nós estavam indo bem.
Mas, antes de Sky ir para a Itália, eu queria fazer mais uma coisa.
Uma última coisa.
— Caramba, Rick! — exclamou, girando no centro do rinque. —
Esse lugar é grande demais!
O rinque ficava pequeno quando vários homens estavam lá
dentro lutando para ver quem conseguia fazer mais gols.
Mas Sky, que tinha um tamanho mediano, pesava no máximo
sessenta quilos e tinha um corpo delicado, parecia apenas uma
formiguinha ali no meio do vazio.
Seus cabelos soltos balançavam e voavam e, por sorte, ela tinha
colocado uma calça elástica o bastante para todos os movimentos
que fazia.
— Aqui. — Parado do lado de fora do rinque, estendi um stick e
um disco para ela. — Tente fazer alguns gols para mim.
— Quer mesmo me fazer jogar hóquei e virar um grandalhão
correndo atrás do pobre disco? — provocou, deslizando até mim e
pegando as coisas.
— Para isso você primeiro precisa virar o grandalhão e isso
implicaria em nascer novamente, amor. — Apoiei os braços na
divisória entre o rinque e a arquibancada e sorri. — E eu gosto da
forma que você nasceu.
Ela riu alto conforme patinava até próximo do gol e posicionava o
disco.
— E agora?
— Estabeleça uma distância aceitável entre você e o disco —
instruí — e posicione o stick mais para trás. Precisa bater com força.
— Está bem. — Ela mordeu o lábio enquanto seguia meus
conselhos.
— Abra mais as mãos!
Ela concordou e abriu mais as mãos, mas parecia insegura.
E é por isso que errou o primeiro lance.
Não chegou nem a acertar o disco.
— Se aproxime um pouco mais, está muito longe.
— Eu não levo jeito para isso. — Ela se virou para mim com os
ombros caídos e uma expressão de desânimo.
— Leva sim, para com isso. Vai mesmo desistir depois da
primeira derrota? — Arqueei as sobrancelhas. — Não foi você quem
me fez persistir até conseguir?
Ela bateu com o stick no chão e voltou a se virar para o disco.
— Odeio quando usam minhas armadilhas contra mim —
murmurou antes de fazer um novo lance.
Apesar de não atingir o gol, foi um bom lance.
— Mais um pouco de força e você fará um belíssimo gol.
— Mais um pouco de força e eu acerto ele na sua testa. — Ela
estava adoravelmente brava.
Eu sabia que não era fácil falhar.
Mas Skyler veria que, no final, iria valer a pena.
Eu daria tudo para poder enfiar um par de patins nos pés e ir até
ela, ajudá-la não só com palavras, mas também com toques,
posicionando-a da melhor forma, indicando onde deveria acertar e
roubando um beijo vez ou outra.
Mas eu não podia.
E, apesar disso, observá-la deslizar pelo gelo de forma tão alegre
e radiante me fazia sentir como se fosse eu mesmo ali, patinando da
forma livre de sempre.
— Ai, meu Deus! — exclamou alto, erguendo o stick acima da
cabeça e fazendo uma dancinha engraçada.
O disco tinha entrado no gol.
Sorri e arqueei as sobrancelhas conforme a observava se
aproximar.
— Você viu? — perguntou, parando em minha frente e se
segurando na divisória.
— Mais alguns dias de treino e você vai poder ocupar o lugar do
seu irmão e virar a nova estrela do Montreal Monsters — brinquei,
pousando minhas mãos sobre as dela.
— Eu não quero ser a estrela do Montreal Monsters. — Ela
pousou a mão no meu rosto e sorriu de uma forma adorável. — Só
quero ser a sua estrela.
Ela era tão mais que isso, talvez nem fizesse ideia do quanto…
— Ok, mais um gol. — Ela voltou a deslizar até o disco e o
posicionou no lugar de antes. — Se eu acertar esse, daqui um ou
dez anos, não importa o tempo, você vai voltar a patinar e nós dois
vamos patinar juntos, Maverick Stanwick.
Sorri.
O otimismo dela me contagiava.
Fiquei em silêncio e observei enquanto ela se preparava,
parecendo confiante.
Mas fiz careta quando Sky errou o lance.
O disco chegou próximo do gol, mas sua força não foi forte o
bastante para fazê-lo entrar na rede.
Ela largou o stick e deslizou até o disco.
Me surpreendi ao ver a garota teimosa chutar o disco — da
melhor forma que conseguiu com aqueles patins — mas foi forte o
bastante para fazê-lo entrar no gol.
E ela comemorou, porque não importava como foi, de uma forma
ou de outra ela tinha conseguido o que queria.
E eu sorri, porque a vida com Skyler era assim, ela dava um jeito
de ser feliz e eu a queria para a minha vida.
Para toda ela.
Comprei minha passagem de ida para a Itália mais tarde naquele
dia e Rick fez questão de pagar, como uma compensação por eu ter
devolvido o cheque de dez mil aquela vez.
Contei a ele tudo o que a divulgação da minha arte por meio de
sua marca de patins fez, todas as encomendas que recebi, elogios, o
reconhecimento cada vez maior através das redes… Ele ficou muito
feliz por saber que tinha me ajudado de alguma forma e pediu que eu
compartilhasse algumas das artes digitais para ele ver como eram.
Depois, implorou para que, assim que eu voltasse da Itália,
pudesse criar uma ilustração digital para sua marca. Eu aceitei, é
claro, afinal não conseguia negar seus pedidos. Algo me dizia que
Maverick se tornaria meu cliente mais frequente e o pagamento seria
feito com beijos e algumas coisas mais que só se pode fazer sem
roupas.
Às vezes com elas, também, mas eu preferia sem.
Passei a noite com ele e no dia seguinte voltei para meu quadro,
ansiosa para vê-lo ficar pronto logo. Levaria mais algum tempo, mas
algo me dizia que daria tudo certo. Rick posou novamente para mim
e só saiu quando seu fisioterapeuta chegou.
Eu ficava muito feliz por vê-lo animado com as consultas, parecia
verdadeiramente empenhado em ficar cada vez melhor.
Mais tarde naquela noite, Killian ligou alegando que Colin havia
torcido o tornozelo no treino, Bradley contraiu um resfriado forte e ele
estava, em poucas palavras, desesperado por ajuda. E foi assim que
eu aceitei ir passar uns dias em sua casa para ajudar os rapazes em
meio a essa crise.
Rick foi quem me levou até lá.
Eu não sabia quantos dias passaria ajudando os pobres coitados,
nem se teria alguns de sobra para passar com Rick antes de ir para
a Itália e isso nos deixou um pouco desanimados.
— Acho que você está se tornando uma espécie de enfermeira —
brincou Rick enquanto conversávamos dentro do seu carro.
Já tínhamos chegado há pelo menos dez minutos, mas gastamos
esse tempo conversando, ninguém estava pronto para se afastar.
— Sou a pior possível. Se eles me irritarem, vou colocar a
navalha pra trabalhar. — Pousei a mão no rosto de Rick, notando
que seus olhos azuis pareciam tristes. — Ah, Rick…
— Parece que tudo tenta me afastar de você. — Ele riu baixo e
virou o rosto para beijar minha mão. — Vai chegar um dia que eu não
vou mais deixar isso acontecer.
— Na minha próxima viagem, você irá comigo — prometi,
aproximando nossos rostos e depositando um beijo em sua boca. —
Notting Hill, lembra?
Seu olhar pareceu recuperar um pouco do brilho de sempre.
Isso me tranquilizou.
— Vai ser maravilhoso. — Ele beijou minha testa e abriu a porta
do carro. — Vamos, antes que seu irmão pense que eu estou
macetando você dentro desse carro.
Minha risada foi tão forte e inesperada que acabei emitindo o
famoso som de porquinho.
Killian abriu a porta e foi como se estivesse vendo sua salvação.
— Graças a Deus, você está aqui. — Ele pegou a mala de minha
mão e fez sinal para que eu entrasse.
Rick se aproximou com o quadro que eu precisava finalizar e uma
maleta com meus objetos de pintura.
Peguei a maleta para ajudá-lo e entrei na casa.
Colin estava sentado no sofá, com a perna esquerda apoiada na
mesinha de centro, o tornozelo envolto por uma faixa.
— Sky. Treinador — cumprimentou ele com a voz desanimada.
Todo mundo estava desanimado hoje?
— Leblanc — Rick foi mancando até o rapaz. — Nunca o vi tão
derrotado — disse, apertando o ombro dele.
— Obrigado, significa muito para mim — resmungou Colin,
fazendo careta enquanto tentava mudar de posição.
Deixei a maleta sobre a mesa e peguei o quadro da mão de Rick.
— Obrigada. — Depositei um beijo em sua bochecha. — Vai ficar
mais um pouco?
— Infelizmente, não. Preciso resolver umas questões. — Ele
acariciou meu rosto. — Vou sentir saudades.
Sorri e assenti.
Eu também iria sentir.
— Killian, desce logo antes que eles comecem uma pegação e eu
seja obrigado a observar! — gritou Colin.
Meu irmão já descia os degraus da escada.
— Já estou saindo, estou saindo! — Rick nos deu as costas e
fechou a porta atrás de si após sair.
Fiquei parada no mesmo lugar até ouvir o ronco da Ferrari sumir,
o que indicava que ele tinha mesmo ido embora.
Bradley saiu do banheiro enquanto assoava o nariz com tanta
força que quase senti faltar ar nos meus pulmões.
— Ah, Sky, você está aqui — sua voz estava fanhosa e seus
olhos lacrimejavam. — Bom te ver.
— Igualmente. — Forcei um sorriso, me perguntando se o que o
infectou era muito ou pouco contagioso.
— Sky, eu tentei fazer uma sopa, mas não deu muito certo. — Kill
coçou a cabeça. — Enquanto troco o curativo de Colin, você poderia
preparar alguma coisa cheia de vitaminas para tentar reerguer Brad?
— Preciso ficar bem até o próximo jogo. — Bradley esfregou o
nariz com a mão e fez uma cara engraçada. — Droga, eu só queria
respirar.
— Pelo menos você pode andar sem sentir uma dor infernal. —
Colin deitou a cabeça no encosto do sofá e fechou os olhos. — Não
quero ter que ficar fora do próximo jogo. Merda.
— E quando é esse jogo, afinal? — Encarei Killian.
— Em seis dias — responderam os três homens.
Brad tinha chances de melhorar até lá.
Colin eu não apostaria muito.
— Ok, eu vou preparar a sopa, Brad vai tomar um banho quente
para inalar o máximo de vapor possível e Killian coloca uma bolsa de
água quente no tornozelo de Colin depois de terminar o curativo,
tudo bem?
— Eu sabia que essa casa precisava de uma mulher —
murmurou Colin.
Bradley se enfiou de volta no banheiro e logo ouvi o som do
chuveiro.
Killian sorriu, parecendo verdadeiramente aliviado por me ter ali.
— Tenho muita sorte de ter você como irmã.
— Sim, você tem — concordei, lançando-lhe uma piscadela antes
de ir para a cozinha.
Eu tinha seis dias para ajudar esses rapazes a se reerguerem.
E, pelas minhas contas, não sobraria nenhum para passar com
Rick antes da viagem.
Suspirei baixo.
Amar era bom, menos quando a distância entrava no meio.
Dias depois, Bradley estava bem melhor, mas Colin não teve a
mesma sorte.
Não existia sopa nesse mundo que ajudasse seu tornozelo.
Ainda assim, ele pareceu mais conformado. Segundo o próprio,
se ele brilhava dentro do rinque, também seria capaz de brilhar fora.
Também consegui terminar meu quadro. Os detalhes que
faltavam quando cheguei aqui eram poucos, bastou um único dia
para que eu finalizasse e ao vê-lo pronto foi quando minha ficha
finalmente caiu e eu me dei conta de que o levaria comigo até a Itália
para mostrá-lo ao mundo.
Eu não poderia ter escolhido modelo melhor do que Maverick.
Apesar de ser apenas um homem para quem visse, eu sabia
quem era aquele homem e tudo o que ele representava.
Qualquer pessoa que tivesse a oportunidade de levar essa arte
para a casa teria muita sorte.
— É bom ver que não vou precisar te colocar no banho dessa vez
— brincou Claire enquanto me observava deslizar o batom vinho
pelos lábios.
O dia do jogo tinha chegado e mais uma vez ela veio me buscar
para irmos juntas.
Já que o clima em Montreal estava — por um milagre — mais
quente do que o normal, aproveitei para colocar um cropped preto de
couro e calças jeans wide leg.
No pescoço, coloquei novamente o colar de Saturno, porque ele
me trazia boas lembranças e na bolsa coloquei o caderno de
margaridas.
— Está esperando a mensagem de alguém? — perguntou Claire
enquanto me observava encarar a tela do celular pela vigésima vez.
— Rick não me responde desde ontem — desabafei.
Ele não era a pessoa mais ligada ao celular que existia, mas
trocamos mensagens todos os dias desde que cheguei e ele não
falou nada sobre um possível sumiço.
— Vocês estão bem?
— Sim! — exclamei, enfiando o celular dentro da bolsa. — Droga,
vamos.
Odiava não saber se ele estava bem, se algo tinha acontecido ou
se Rick tinha simplesmente esquecido de me responder.
Mas, se fosse o caso, eu também odiaria, porque imaginar que
ele teria me esquecido era péssimo.
Dentro do carro de Claire, olhei para o banco de trás, mas não
encontrei a chuva de ursos de pelúcia como da última vez.
— Fim do ano tem mais e eu vou levar o dobro do que levei esse
ano, pode acreditar — prometeu ela enquanto dirigia. — Aliás, que
horas sai seu voo para Roma?
— Duas da madrugada. — Eu tinha escolhido viajar durante a
noite para poder dormir ou ao menos tentar.
Mas se Rick não me respondesse, iria ansiosa daqui até a
Europa e não queria que isso acontecesse.
— Então você vai vir para cá depois do jogo para buscar as
malas? — Ela me olhou pelos cantos dos olhos claros. — Quer que
eu venha com você?
— Seria ótimo, obrigada — agradeci.
Eu não sabia se Rick iria aparecer no jogo.
Ele não tinha me falado nada sobre isso.
Tentei não ter esperanças, para não me decepcionar caso ele
não aparecesse.
— Vai dar tudo certo, Sky. — Claire apertou minha mão. —
Acredite.
Forcei um sorriso.
— Eu acredito.
No estádio, as torcidas pareciam estar ansiosas por sangue.
Hóquei, apesar de acontecer no gelo, era um esporte que
deixava as pessoas loucas por fogo, ansiosas por verem as emoções
aflorarem e por socos entre os jogadores.
— Quer que eu compre o refrigerante hoje? — perguntei, antes
de seguir para a arquibancada.
— Não, pode ir, eu vou ao banheiro primeiro — disse Claire, me
descartando com um aceno.
Dei um passo em sua direção.
— Eu vou com você.
A ruiva abriu um sorriso nervoso.
— Amiga, sério, já estamos atrasadas, logo vai começar. Vai lá
pegar um lugar para nós! — Ela me deu um leve empurrão no
ombro, que eu estranhei.
Claire estava agindo estranho.
Ainda assim, segui para a arquibancada, notando que a maioria
dos lugares já estavam ocupados. Consegui dois lugares bem no
centro, mas fiquei de pé para que fosse mais fácil para Claire me
encontrar.
A maioria das pessoas já estava sentada, devorando suas
pipocas, cachorros quentes ou pretzels.
Fiquei triste ao notar que, dessa vez, não tinha brincadeiras
rolando para distrair os torcedores. Eu tinha gostado da última vez.
— Fiquei sabendo que o antigo técnico do Montreal abandonou o
cargo por causa de um acidente — disse um homem sentado na
minha frente.
— Será que é verdade? A NHL não falou nada sobre isso —
respondeu a mulher ao seu lado.
Observei o casal discretamente, curiosa com a conversa.
— Se for, é uma pena. O cara mandava bem.
— E era um gato — ela suspirou alto.
Tive que segurar o riso.
O cara não ficou muito contente com o elogio que a mulher fez a
Maverick.
Peguei o celular dentro da bolsa mais uma vez, apenas para ter
certeza que Rick não tinha respondido, mas fiquei triste mesmo
assim ao não ver nenhuma notificação em seu nome. Aproveitei para
mandar uma mensagem à Claire, perguntando onde ela estava. Nas
minhas contas, já tinha dado tempo o bastante para ela fazer xixi
pelo menos umas três vezes.
— Moça, você vai sentar? É que já vai começar — perguntou um
homem atrás de mim.
Ele usava a camisa vermelha e branca do Montreal Monsters.
Sorri.
— Mil desculpas.
Só notei que a maioria das luzes havia se apagado depois que
me sentei.
E a música tinha parado.
Olhei no telão do centro do estádio, mas não vi a imagem dos
jogadores prestes a entrar no rinque, como costumava acontecer
pouco antes de começar o jogo.
E nada de Claire.
Merda.
— Um, dois, três, testando… — uma voz forte soou nas caixas de
som de todo o estádio.
Uma voz forte e muito, muito conhecida.
Ele estava aqui.
Ele estava aqui!
Meu coração deu um salto.
Mas por que não me contou?
E, droga, onde estava Claire?
— Antes de começarmos o embate entre esses dois times
monstruosos, eu quero contar uma história para vocês — continuou
Rick, sem aparecer em lugar algum.
Olhei em volta, mas não o vi.
Só conseguia ouvir sua voz.
Eu e o estádio todo.
As pessoas ficaram em silêncio e começaram a procurar onde
estava o dono da voz, seus sussurros tomando conta do estádio.
— Essa história começou em um dia frio de novembro do ano
passado e tem dois personagens principais: eu e ela.
Meu coração acelerou.
Acelerou muito, eu quase conseguia senti-lo sair pela boca.
Rick, o que você está fazendo?
O estádio ficou silencioso, as pessoas pareceram desistir de
procurar o dono da voz e prestavam atenção em sua história.
— E vocês precisam saber de um detalhe: eu fiquei louco por ela
desde o primeiro momento. Sério, louco mesmo, cheguei a pedir
para meu detetive particular descobrir quem era a mulher dos olhos
âmbares que tinha esquecido a jaqueta no meu carro. — Rick
pigarreou. — Ele perguntou se eu estava bêbado e depois desligou
na minha cara.
O estádio balançou com o riso alto das pessoas.
Abaixei o rosto para esconder o sorrisinho que se formava em
meus lábios.
— Mas o que importa é que a gente acabou se encontrando de
novo e ela finalmente conheceu o divã da minha casa e, bem, vocês
podem imaginar o que aconteceu…
Um coro de “hmmmmm” se seguiu.
Eu fiquei vermelha.
— Mas eu magoei ela, porque queria seguir uma regra que
impedia que ficássemos juntos e depois ela se foi, porque temia que
meus sentimentos não fossem verdadeiros.
Silêncio.
O pessoal parecia realmente concentrado naquela história.
Eu também estava, mas ao contrário do resto das pessoas, eu
conseguia visualizá-la em minha mente com clareza e sequei uma
lágrima que escorreu quando me lembrei do quão difícil foi ficar
longe de Rick por tantos meses.
— Eu juro que tentei esquecer essa mulher, mas ela é diferente.
Tem os cabelos mais escuros que já vi e olhos quase amarelos. Mas,
acima de tudo, têm um coração puro e especial e é uma artista muito
talentosa. Por favor, vocês podem me ajudar a encontrá-la?
As pessoas começaram a olhar em volta e eu mordi o lábio
inferior para segurar o sorriso.
Abaixei o olhar, porque estava quase entrando em colapso.
— Moça? — chamou uma criança ao meu lado e quando a olhei,
seus olhos brilharam. — É ela! Eu achei! — gritou, pulando o mais
alto que podia enquanto apontava em minha direção.
Sua mãe a puxou para o lado, sorrindo como um pedido de
desculpas ao me ver, mas seu sorriso desapareceu e ela pareceu
chocada.
— Ah, céus, Kitty está certa.
Mais pessoas começaram a prestar atenção em mim, a apontar
em minha direção e a exclamar para que o dono da voz me
encontrasse.
— Eu sei que você está aqui, Sky — murmurou Rick no
microfone de um jeito provocante.
E então minha imagem em tempo real passou a estampar o telão
do estádio.
As pessoas gritaram e comemoraram.
Eu cobri o rosto com uma das mãos enquanto sorria, tomada por
vergonha e timidez por ser o centro das atenções.
— Aí está ela. Apreciem a beleza dessa obra de arte em forma
de mulher, eu imploro.
Rick queria me matar de vergonha.
Só podia ser.
Quando as pessoas ficaram quietas, ele voltou a falar:
— Ok, a história ainda não acabou e, se depender de mim, está
só começando.
Exclamações e suspiros apaixonados tomaram conta do lugar.
Todos amavam uma história de amor.
E essa era a minha história de amor.
Se eu conseguisse sobreviver até o final do discurso de Rick,
talvez tivesse a sorte de finalmente vivenciá-la.
Uma luz branca foi lançada no início dos degraus da
arquibancada, revelando — finalmente — Maverick Stanwick em
toda a sua beleza e elegância.
Ele estava com a perna direita levemente dobrada enquanto
segurava a bengala com uma das mãos e o microfone com a outra.
Trajado com uma camisa social preta que marcava os músculos
dos braços e peitoral forte, ele sorriu quando nossos olhares se
encontraram.
Maverick tinha ganhado peso desde que cheguei.
Isso fez muito bem a ele.
— Skyler — começou ele, descendo os degraus um a um. — Eu
sei que você está prestes a partir por algum tempo, mas quero que
vá sabendo que aqui em Montreal existe um homem que te ama com
a própria vida. — Ele parou no degrau da minha fileira e abriu um
sorrisinho amarelo. — Poderia me dar licença?
As pessoas se apertaram para deixá-lo passar, o que foi
engraçado.
Um homem grande com uma bengala, atravessando uma fileira
repleta de gente, apenas para me alcançar.
— Agora sim. — Quando chegou até mim, estendeu a mão em
minha direção e eu a peguei, me levantando e ficando de frente para
ele. — Como eu estava dizendo, aqui em Montreal existe um
homem, eu, que é louco por você e que passaria por cima de
qualquer regra apenas para te ter ao lado dele todos os dias, pelo
resto da vida.
Sorri, encarando aqueles olhos azuis, e de repente me esqueci
que estávamos no meio de um monte de gente com celulares
apontados em nossa direção.
— Eu sempre segui regras, Sky, e nunca senti vontade de
quebrá-las. Mas quando você chegou, eu percebi que não queria
mais viver para o hóquei. Eu queria viver para você e regra nenhuma
jamais irá me impedir de fazer isso. — Rick se virou, entregando a
bengala para um homem que a segurou como se valesse ouro e
pegou uma caixinha dentro do bolso da calça.
Houve uma exclamação por todo o estádio.
Dessa vez, uma vinda de mim também.
— Eu não vou me ajoelhar, porque acabaria precisando de muita
ajuda para voltar a levantar, mas eu preciso saber, Sky. — Ele riu
baixo e abriu a caixinha. Um anel brilhante e delicado brilhou ali
dentro. — Você aceita viver um romance comigo?
Pousei a mão no peito, impedindo meu coração de pular para
fora.
Olhei para o anel, então para o homem que segurava a caixinha
e senti meus olhos transbordarem em lágrimas. Ele sorriu de canto e
secou uma delas quando escorreu.
O estádio estava tão silencioso que quase era possível ouvir a
respiração das pessoas.
Como negar esse pedido?
Seria impossível.
— Sim — respondi, enfim, soltando uma risada baixa e sequei
minhas lágrimas.
— Acho que o pessoal quer saber. — Ele estendeu o microfone
em minha direção e arqueou as sobrancelhas. — Pode repetir?
Eu ri e assenti.
— Sim! — exclamei, sentindo meu rosto esquentar novamente
quando minha voz soou alta por todo o estádio.
Rick entregou o microfone pro cara da bengala e segurou minha
mão.
— Desculpe o meu sumiço — falou ele conforme deslizava o anel
por meu dedo. — Eu precisava planejar tudo para que saísse
perfeito.
— Com algum esforço talvez eu consiga te perdoar — falei, me
aproximando e o abraçando pelo pescoço antes de grudar nossos
lábios em um beijo um tanto desengonçado, afinal, eu não conseguia
parar de sorrir.
E então o público explodiu em aplausos, gritos, assovios,
flashes…
Foi uma loucura.
Eu jamais teria sonhado com algo assim.
Foi perfeito.
— Meu carro está lá fora, talvez a gente possa aproveitar um
pouco antes de você partir — sussurrou em meu ouvido quando o
telão mudou a imagem para os jogadores e assim as pessoas
voltaram a se concentrar no que vieram fazer aqui.
Concordei e o segurei pela mão para sairmos dali.
Sky ficou chocada quando contei que Claire sabia sobre tudo.
Na verdade, os rapazes também sabiam, e foi Killian quem
roubou um dos anéis da irmã para que eu conseguisse providenciar
que o anel que eu encomendei fosse feito em um tamanho ideal.
Bradley deu um jeito de convencer o cara que controlava o som e
as luzes — aparentemente eles eram amigos — a me entregar um
microfone e ceder uns minutinhos antes do jogo.
Colin contribuiu ficando de boca fechada, porque ele era tagarela
[20]e não conseguia guardar segredos muito bem.
E assim eu consegui fazer a maior demonstração de amor da
minha vida.
Não podia negar, fiquei extremamente nervoso e minhas mãos
produziram tanto suor que acho que dava para encher um copo.
Passei noites em claro, pensando no que faria se algo desse errado,
se o microfone parasse de funcionar no meio do discurso, se eu
caísse de cara no chão, se ninguém prestasse atenção em mim ou,
pior de tudo, ela dissesse não.
A ansiedade era ótima em criar situações absurdas para tirar o
sono da gente.
Mas deu tudo certo, e agora que eu a tinha em meus braços,
nunca mais soltaria.
Acho que nunca vi Skyler sorrir tanto.
Foi adorável ver o quão tímida e envergonhada ela ficava com
tanta atenção, ela era do tipo de pessoa que preferia expor sua arte,
mas não a si mesma.
— Então a menininha arregalou aqueles olhinhos e começou a
gritar “é ela, é ela!” — contou, sentada no banco do carona enquanto
devorava uma cestinha de batatas fritas.
Antes de irmos para o carro, comprei algumas coisas para
comermos, mas a verdade é que eu não estava com fome.
Estava rolando o jogo dentro do estádio e pela primeira vez
preferi ficar do lado de fora do que lá dentro, prestando atenção em
tudo e traçando jogadas. Era bem mais interessante ficar aqui fora
ouvindo Skyler contar como foi a experiência que acabou de ter.
Quando, nos últimos vinte anos, pensei que alguma vez iria dizer
isso?
— Foi muito difícil ficar sem responder suas mensagens de
ontem pra hoje — admiti e enfiei uma batata na boca. — Mas eu
precisava fazer um suspense, sabe?
— E quase me matou do coração. — Sky colocou a cestinha em
cima do painel do carro e bateu uma mão contra a outra algumas
vezes para tirar o sal antes de pegar a bolsa e tirar algo de lá de
dentro.
O caderno de margaridas.
Ela o apertou contra o corpo por alguns segundos antes de se
virar para mim e estendê-lo em minha direção.
— É pra você.
Arqueei as sobrancelhas e peguei o caderno, curioso e intrigado.
Eu o conhecia, já tinha visto alguns dos esboços, mas da última
vez que o folheei ele estava praticamente vazio.
Agora, não tinha uma única folha em branco.
— Eu passei um tempo ilustrando coisas que me lembraram de
você durante os últimos seis meses, quando voltei para cá e te
encontrei novamente, tudo o que eu consegui desenhar era você.
Folheei o caderno com paciência, encontrando os antigos
esboços meus que eu já conhecia, mas também os novos, alguns na
cadeira de rodas, sempre sério e com o cabelo e barba grandes.
Mais para frente, no andador, e meu rosto parecia mais leve.
Além disso, meu cabelo e barba já tinham passado pelos cuidados
de Sky.
E então eu estava com a muleta e lançava um graveto para
Zorro.
Ela tinha eternizado naquelas folhas todo o meu processo, as
mudanças, o sorriso que aos poucos voltou a surgir em meu rosto,
meus olhos cada vez menos tristes e mais brilhantes…
— Nesse caderno tem cada face que eu conheci de você —
disse, pousando a mão sobre a minha quando fechei o caderno — e
eu amo cada uma delas.
Minha declaração de amor não chegava nem perto do impacto
que as palavras de Skyler me causaram.
Me virando para olhar em seus olhos âmbares, me perguntei
como seria capaz de deixá-la partir.
— Você é o lance mais certeiro que eu já dei. — Ri baixinho e
levei sua mão até minha boca. — Eu te amo muito. Faria cem gols
por você agora.
Beijei logo acima de onde o anel agora descansava e ela sorriu.
— Quando você voltar a patinar, eu com certeza vou cobrar.
Olhei em volta, notando que as pessoas estavam saindo do
estádio e o estacionamento estava pouco a pouco se esvaziando.
Eu não fazia ideia de quem tinha levado a melhor essa noite.
— Amanhã as redes vão se encher de fotos da gente — avisei.
— Então, não se assuste.
— Namorar gente famosa tem suas dificuldades. — Ela se
inclinou em minha direção e beijou meu queixo.
Seu celular vibrou de repente.
Arqueei as sobrancelhas, observando-a fazer careta conforme
encarava a tela.
— Está na hora de ir buscar as malas — disse com o tom
desanimado.
— Ei, olhe para mim. — Ergui seu queixo, fazendo-a me encarar,
e abri um sorriso para tranquilizá-la. — Esses dois meses vão voar e
logo você vai estar de volta para lançar gravetos para Zorro. Eu sei
que ele gosta mais quando você lança. Sua carreira vai alavancar
daqui pra frente, eu sei que vai, e vou estar te esperando com muito
orgulho aqui em Montreal quando retornar.
Sua expressão de desânimo foi substituída por esperança e
expectativa.
Era essa a Skyler que eu queria ver indo para a Itália.