Guia Musical Entrevista
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Fugafilms
Onde acontece
a música
Bares, restaurantes, Ney Rosauro,
projetos sociais, o mestre das
Clube do Choro, baquetas
escolas, corais, sinfônicas
O mestre das baquetas
A primeira entrevista que eu e o
publisher do Guia Musical de
Brasília, Joaquim Barroncas, fizemos
com Ney Rosauro, 68, um dos maio-
res percussionistas sinfônicos do
mundo, aconteceu em novembro de
2019, antes do início da pandemia e
do longo hiato de nossa publicação.
Mais de uma hora depois da con-
versa, que aconteceu em seu apar-
tamento no Sudoeste, nos fundos
do Hospital das Forças Armadas, a
gente saiu com a sensação de ter
percorrido os quatro movimentos de 1969, para estudar na UnB. Na
do seu Concerto nº 1 para Marimba e época tocava violão e guitarra. Como
Orquestra, o mais popular para esse não havia cursos para esses instru-
instrumento em todo o mundo, exe- mentos, teve que optar pelo curso de
cutado por centenas de orquestras composição e regência. No primeiro
de todos os continentes. Os movi- ano, estudou violino. Depois, oboé e
mentos são Saudação, Lamento (por flauta. Ao longo do curso, fez tam-
não termos conhecido o Rosauro bém piano. “No último ano, em 1977,
antes), Dança (durante a qual colhe- fui para o curso de verão da Escola
mos informações preciosas sobre a de Música de Brasília tocando con-
formação da vida cultural de Brasí- trabaixo, o instrumento que eu mais
lia) e Despedida (com a expectativa gostava, e ali conheci o Luiz D’Anun-
de voltar ali outras vezes). ciação, que veio do Rio trazendo uma
Na parte de cima do duplex do marimba e um vibrafone. Eu fiquei
Rosauro há uma enorme varanda co- encantado e resolvi que iria parar
berta, o estúdio com os instrumentos com a música popular para estudar
e o computador, e um reservado com percussão sinfônica”.
um grande armário para acomodar Anunciação - Abramos um pa-
as partituras, os métodos didáticos, rênteses para explicar quem era Luiz
cópias de seus álbuns, além de uma D’Anunciação. Sergipano, conhecido
pequena coleção de guitarras e con- como Pinduca, era ninguém menos
trabaixos. do que o papa da percussão no Bra-
Nascido no Rio de Janeiro de uma sil naquela época. Tendo iniciado a
família gaúcha, Rosauro mudou-se carreira ainda nos anos 40, formou-
para Porto Alegre ainda criança, e -se nos seminários de música da Uni-
para Brasília, aos 18 anos, no final versidade Federal da Bahia no final
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O maestro em seu estúdio de onde comanda a Ney Rosauro Percussion School
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canções da banda, Medo do Escuro, pelo maestro Cláudio Santoro. Em
inspiraria depois uma música de Re- seguida voltou para a Alemanha para
nato Russo, como ele mesmo disse fazer mestrado.
ao Peninha. Doutor em Miami – No segun-
Um fato transformaria a Mar- do retorno daquele país, foi para a
gem numa espécie de usina musical, Universidade Federal de Santa Ma-
diz Rosauro. “Com a ajuda do pai do ria, Rio Grande do Sul. “Eu queria
Badu, a gente comprou uma apa- fazer currículo para poder dar aula
relhagem completa. Tínhamos P.A., na UnB. Meu sonho era dar aula na
microfones, bateria, tudo. Daí co- UnB”. Daí fez doutorado na Univer-
meçaram a surgir várias bandas no sidade de Miami. Em 1995, passou
entorno. Não tocávamos sozinhos, num concurso para a UnB, mas teve
fazíamos um festival, chamando as o azar disso acontecer na transição
outras – Bueiro, Biscoito Celeste, os do governo FHC para o governo Lula,
irmãos Clodo, Tetê (Catalão) e a tur- quando a burocracia prevaleceu.
ma da Cozinha. Eles pegavam carona “Passaram seis anos e eles não me
na aparelhagem da gente. Surgiu en- contrataram. Eu pensei: minha vida
tão um ‘Som Brasília’”. acabou, estou arruinado. Nisso me
Para escutar algumas músicas ligam dos Estados Unidos, me cha-
da banda, visite o site SoundCloud e mando para uma audição. Disseram
procure por “Banda Margem”. que tinham interesse em me contra-
Retomando o fio da meada: Ro- tar como professor. Eu não queria
sauro conta que quando conheceu morar nos Estados Unidos, mas eles
Luiz D’Anunciação já estava meio me ofereceram um ótimo salário,
cansado de tocar em bares e um bolsas para os meus filhos e o cus-
pouco decepcionado com a música teio da mudança. Ah, eu fui embora.
popular. “Sabe, ficar tocando à noite, Foi bom porque daí é que a minha
bebendo, se drogando? Eu já estava carreira internacional despontou”.
querendo estudar música a fundo, A mudança para os Estados Uni-
avançar com a música erudita”. dos aconteceu no ano de 2000, e nos
Decisão tomada, ele começou a próximos dez anos ele foi o diretor
estudar percussão no Rio de Janeiro, dos estudos de percussão da Univer-
enfrentando jornadas de 22 horas sidade de Miami. Há cinco anos, Ro-
de ônibus durante dois anos. Depois, sauro pediu demissão para se tornar
ganhou uma bolsa e foi para Wür- um músico freelancer. Por quê? “Eu
zburg, Alemanha, estudar com um já estava cansado. Lá é muito bom
dos pioneiros da percussão na Eu- para ganhar dinheiro mas é preciso
ropa, Siegfried Fink. De volta a Bra- trabalhar muito. Eu chegava a tra-
sília, começou a dar aulas na Escola balhar seis, sete dias por semana.
de Música, tendo sido o fundador de Lá eu tinha muitas vantagens, como
seu curso de percussão. Nessa épo- o sponsorship da Yamaha, que me
ca entrou na Orquestra do Teatro cedeu vários instrumentos. E lá eu
Nacional, que acabava de ser criada desenvolvi dez modelos de baque-
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tas para a Vic Firth, a fábrica de ba- se diz “música para mallets” quer se
quetas mais importante do mundo. dizer música composta para esses
Tudo isso são privilégios, mas eu instrumentos.
queria voltar para o Brasil, porque Rosauro faz questão de nos mos-
aqui tenho muitos amigos, posso trar as baquetas que ele criou para a
chegar numa roda de choro e tocar firma Vic Firth. Quatro modelos para
sem compromisso”. marimba, três modelos para vibrafo-
Ney Rosauro já fez concertos e ne e outras três híbridas, para ma-
deu aulas em 45 países. Publicou rimba e vibrafone, além de um mo-
onze CDs e editou mais de 100 obras delo para caixa clara. As pontas das
de métodos didáticos para percus- baquetas para marimba são feitas de
são. Hoje, os direitos autorais sobre lã, mais moles, porque as placas da
a execução de suas obras são a sua marimba são de madeira e podem se
principal fonte de renda. Aqui en- quebrar. Para o vibrafone, as baque-
tram também o aluguel (EZ-Rent) tas têm as pontas mais duras, feitas
de suas partituras para orquestras e de corda. As híbridas misturam os
a venda de seus manuais didáticos. dois materiais.
A aquisição de suas partituras para Na dissertação de mestrado de
orquestras e dos manuais didáticos Eduardo Fraga Tullio, da Univer-
pode ser feita através de seu websi- sidade Federal de Goiás, sobre as
te: www.neyrosauro.com composições de Luiz D’Anunciação,
Compromisso - Rosauro não Ney Rosauro e Fernando Iazzetta –
se preocupa, porém, só com a par- um atestado da relevância artística
te comercial do negócio. Ele diz que e pedagógica de Rosauro – desco-
se sente responsável pela difusão da brimos que ele criou até mesmo um
educação musical da percussão no estilo para segurar as baquetas. Diz o
Brasil, pois os estudantes daqui têm Tullio que existem três formas prin-
pouco acesso aos materiais didáticos. cipais de segurá-las na técnica das
Ele escreveu o único método brasilei- quatro baquetas, amplamente utili-
ro de caixa clara, além de onze outros zada no Concerto nº 1 para Marimba
métodos para o ensino dos instru- e Orquestra. “Na primeira, chamada
mentos de percussão, todos voltados ‘Tradicional’, as baquetas ficam cru-
para o mercado brasileiro. Sua série zadas na mão, apoiada pelo dedo
de métodos didáticos estão agora dis- mínimo. Na segunda, chamada ‘Bur-
poníveis de graça para os alunos de ton’, a baqueta externa é pressionada
percussão no seu website. contra a palma da mão apoiada pelo
Ficamos curiosos sobre o termo dedo médio. Esta segunda maneira
“mallets”. Rosauro nos explica que tem uma variação chamada ‘Exten-
tanto são as baquetas como os ins- são do grip Burton’ elaborada por
trumentos de percussão com barras, Ney Rosauro. No estilo ‘Rosauro’ a
os barrafones, quer dizer, a marim- baqueta externa é apoiada pelo dedo
ba, o vibrafone e o xilofone, uma anular – este estilo também merece
marimba menor. Portanto, quando menção, uma vez que é muito utili-
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Ainda segundo Tullio, “a parte
solo explora muitas possibilidades
da técnica de quatro baquetas. Ori-
ginalmente escrito para marimba
e orquestra de cordas, o concerto
contém quatro movimentos, dife-
rente da forma de concerto tradi-
cional (rápido, lento e rápido), a
terceira parte apresenta um tempo
médio antes do final vigoroso. O
modo brasileiro pode ser sentido
por toda a peça, que contém fortes
padrões rítmicos. A música foi com-
posta com a intenção da marimba
O baixo da época em que tocava na
liderar o material temático e com
banda Margem isso a parte da marimba pode ser
tocada quase como uma peça solo
zado no Brasil por ex-alunos dele. sem precisar do acompanhamento
Na terceira chamada ‘Stevens’, as da orquestra”.
baquetas não se cruzam. A primei- O Concerto está disponível no
ra baqueta é segurada pelos dedos YouTube em várias versões, ao lado
polegar e indicador e a segunda ba- de outras importantes peças, como
queta é apoiada pelos dedos anular o Concerto nº 2 para Marimba e Or-
e mínimo”. questra, os Prelúdios para Marimba,
Concerto nº 1 - Tullio informa os Concertos nº 1 e 2 para Vibrafone
que o Concerto nº 1 para Marimba e o mais recente, o Duplo Concerto
e Orquestra foi escrito entre junho e para Marimba e Tímpanos.
julho de 1986 em Brasília, dedicado Rosauro nos conta que continua
a Marcelo, um dos filhos do compo- compondo, embora em menor esca-
sitor. A estréia aconteceu no mesmo la. De agora em diante ele pretende
ano nos Estados Unidos com a Ma- tocar mais música popular, usando
nitowoc Symphony Orchestra sobre os mallets, participar de rodas de
direção de Manuel Prestamo. Com choro, e se dedicar às vídeo-au-
o sucesso comercial da gravação do las pela Internet. Ele interrompe a
concerto em CD e vídeo em 1990 conversa para nos dar uma canja na
pela percussionista inglesa Evelyn marimba, executando um chorinho
Glennie com a London Symphony com sabor de jazz. E de novo nos
Orchestra, o concerto rapidamen- surpreende: “Assim que eu voltei
te tornou-se conhecido em todo o para o Brasil há dois anos e meio
mundo. Na verdade, é o concerto de atrás, comecei a tocar cavaquinho,
marimba mais popular de todos os pois é mais fácil eu carregar esse
tempos, tendo sido tocado por mais instrumento do que colocar uma
de 3.000 orquestras. marimba nas costas”!
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Um livro, talvez? - Eu e o Joa- Atualização – Agora, no final de
quim achamos que a conversa foi maio, Rosauro estava passando al-
ótima e que está na hora de parar de guns dias com a esposa perto de Ba-
alugar o nosso anfitrião. Mas ele quer den-Baden, no sudoeste da Alema-
relatar mais fatos que vai puxando lá nha, na casa dos sogros. Por telefone
dos anos 70 e 80. Por exemplo, diz e pelo Whatsapp trocamos algumas
que foi o diretor da primeira rodada palavras sobre o que ele fez nos úl-
dos Saltimbancos em Brasília, mon- timos meses.
tado por Hugo Rodas. Informa que No começo da pandemia, Rosau-
nessa época, junto com Ricardo Vas- ro estava em Florianópolis, onde
concelos e o Rodolfo Cardoso, criou ficou até junho do ano passado, um
o primeiro protótipo de trio elétrico período muito produtivo durante o
na cidade, Flor do Planalto. “Nós to- qual compôs uma Suíte Brasileira
cávamos nos bares da Asa Norte mas para Vibrafone e Orquestra de Cor-
nunca saímos em cima de um cami- das, com sete movimentos – Ma-
nhão. Com esse bandolim aí”, diz, se racatu, Bossa Nova, Choro, Coco,
levantando para nos mostrar o ins- Dança, Valsa e Frevo. Dessa suíte
trumento. ele desdobrou outra, para flauta e
“O Reco do Bandolim ia lá vá- marimba, em quatro movimentos –
rias vezes no trio elétrico dar uma Valsa, Coco, Dança e Choro. Por fim,
canja”, conta. “O primeiro ban- compôs uma peça para vibrafone
dolim que o Reco teve fui eu que em dois movimentos, Interlúdio e
emprestei pra ele. E ele deixou o Choro, que vai integrar um CD de
bandolim no chão, foi dar ré e o seu amigo mexicano Israel Moreno,
carro passou por cima. O primeiro professor da Universidade de Ciên-
bandolim que o Reco comprou foi cias e Artes de Chiapas.
para me pagar! Depois eu tive uma Ele também investiu muito na
banda com ele, a quem chamáva- Ney Rosauro Percussion School,
mos de Jimmy Reco. O irmão dele, gravando 25 vídeos-aulas que estão
o Ivan tocava na banda, chamada à disposição do público brasileiro
Carência Afetiva”. gratuitamente no seu canal do You-
Já nos levantando para sair, Ro- Tube. Os vídeos foram baseados em
sauro nos para com uma exclama- seus materiais didáticos e contêm
ção: “Ah, vejam esse baixo! Era o até mesmo dicas práticas, de como
baixo que eu tocava na Margem. Na enrolar baquetas, por exemplo.
época era branco, agora é amarelo. Ney Rosauro diz que este ano
Eu ganhei quando tinha 18 anos”. está trabalhando em ritmo menos
Diante de tantas histórias, su- acelerado. Saindo da Alemanha, vol-
gerimos ao Ney Rosauro para es- tará para a sua casa em Miami, onde
crever um livro com a memória dos já estava passando uma temporada
primeiros movimentos culturais que aproveitou para botar as leituras
de Brasília. É claro que ele já havia em dia. Na verdade, devorou mais de
pensado nisso. dez livros sobre a música popular
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brasileira, incluindo autores como no com Renato Vasconcelos. "Eu já
Mário de Andrade, Sérgio Cabral, devia ter feito isso há mais tempo",
Ruy Castro, Nelson Motta, Regina comenta.
Zappa, Ismael Caneppele e Caetano Ney Rosauro deve voltar ao Bra-
Veloso. “Imagine, eu ainda não tinha sil apenas no final de junho, a tempo
lido a biografia do Ary Barroso”! de se preparar para a estreia de sua
Outra novidade desse período é nova Suíte com a Orquestra Sinfôni-
que ele andou tomando aulas de pia- ca de Porto Alegre, em setembro. n
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