Eu Costumava Ser Perfeito - Pr. George R. Knight
Eu Costumava Ser Perfeito - Pr. George R. Knight
Eu Costumava Ser Perfeito - Pr. George R. Knight
não e Peca I o! E a
maioria de vocês
concorda comigo
obre isso.
Entretanto, na vida, é preciso convencer algumas pessoas de
que nem todo prazer é Pecada Este livro ensina o que é Pecado
e como alcançar a salvação unicamente em Crista permitindo
viver uma redigia mais feliz e verdadeira
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Missão: 'Educar no contedo dris tabaás ht-.ácce rára imviimr pleno ir: .D.9.9 El exce:én..:..a
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Visão: . Ser urra Vcrittiçào nr.accral (excitai:1u pela excelência rias ser‘m.,:cs
prestados, COICS GOLS ekávad'os reiáreer3 i'..trZe.. o 2<-8, quadarie ite:ss0a
prolleticna do tr:US egressce.
Canseiho Editorial: José Paulo Martini, Afonso Cardoso, E li zeu de Sousa, Francisca Costa, Ano fO 5 uárezi
Era i ison dos Reis, Rodrigo Folli e, Ozeas C. Moura, Betania Lopes, Martin Kuhn
Tradução:
Nelson Barrizzelli
Glaucia Barrizzelli Murino
André Barrizzelli Murino MINHA BUSCA PELA VERDADEIRA RELIGIÃO
ISBN: 97S-85-8463-044-8
16-03931 CDD-234
Editora associada:
F.O Associaçâo Brasileira •
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(1 das Editores Universitárias 011509 2016
Palavras iniciais
O Pecado é amor 21
Referências 91
Dedicação
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AMIN A. RODOR,
O título do livro que o leitor tem em mãos (Eu costumava se. r perfeito) é no mínimo
curioso, para não dizer contraditório. O tempo da ação verbal está no passado (Eu costu-
mava). Como este livro é uma tradução, precisamos ver sua versão cru inglês (1 used); a
expressão original é utilizada quando se deseja enfatizar algo que "foi verdade" ou "acon-
teceu no passado", mas que não é mais verdade e não mais acontece no presente. Entre-
tanto, não seria a "perfeição" um ideal da vida cristã a ser buscado? Aqui reside a aparente
contradição: como pode alguém que "costumava ser perfeito" referir-se a isso como algo
que já não é mais parte da sua experiência ou que não é mais desejável, ou ainda, algo que
não deve mais ser perseguido? Não dizem as Escrituras que devemos ser perfeitos ~o
Deus é (Mt 5:48)? É precisamente isso que George Knight discute neste livro. Escrevendo
em estilo quase coloquial, ele relembra sua própria luta contra o perfeccionismo. A sua
busca passada pela "perfeição" o levou ao "deserto do legalismo". O fruto disso foi o aban-
dono da igreja e do próprio ministério. Com o tempo, o autor entendeu que nada disso
tem a ver com a noção bíblica de perfeição. Sendo apenas uma triste caricatura.
Perfeccionismo pode ser resumido como a busca ilusória de muitos membros
da igreja hoje, algo que Emil Brunner (2007) considera COMO o pecado da devoção,
ao se colocar no centro o que, por natureza, é periférico. Em lugar de torná-los
mais perfeitos, tal busca nos tornam mais fariseus, mais críticos, azedos e julgado-
res dos outros. Para . o apóstolo Paulo, antigo fariseu, tal atitude não passa de "zelo
' O primeiro capitulo seguirá como urna nota de explicação acerca da diferença que o autor
estabelece entre "Pecado", com a primeira letra maiúscula, e "pecado" com a primeira letra mi-
núscula. Para o entendimento deste prefácio, contudo, basta que o leitor entenda que George
R. Knight não os interpreta da mesma forma. Alem disso, ele se utilizará da mesma distinção
para os termos "Tentação" e "tentação", "Lei e lei", entre outros (nota do tradutor).
Eu costumava ser perfeito
George R. Knight
Universidade Andrei,vs, 5 de junho de 2001
Nota sobre a versão
Estou muito feliz por este livro ser, finalmente, traduzido ao português. Por
mais de 30 anos ele provou ser uma bênção espiritual e um estímulo, tanto para
o pensamento quanto para a discusão dos leitores em língua inglesa, assim como
para outros ao redor do mundo por meio de suas variadas traduções.
Dentre os mais de 40 livros que escrevi, Eu costumava ser perfeito é um
dos meus favoritos. Em minha vida, assim como na de muitos adventistas e
outros cristãos, sofri com a falta de compreensão acerca de assuntos básicos
a respeito do plano da salvação. Na verdade, o problema se agravou tanto que
cheguei a entregar minha credencial ministerial em 1969, eu estava determina-
do a abandonar a igreja. Contudo, uma série sucessiva de eventos ocorridos em
1975 conduziu-me a aceitar Jesus Cristo como meu Salvador, além de me indu-
zir à retomada de estudos acerca do plano da salvação pelo resto de minha vida.
Este livro representa parte do fruto desse estudo. Grosso modo, ele apresenta as
questões básicas a respeito plano da salvação; eu creio que será uma bênção aos
leitores de língua portuguesa.
\Por fim, eu gostaria de agradecer a Nelson Barrizzelli por tornar esta
tradução possível, e ao Rodrigo Follis e sua equipe da Unaspress por acolher
carinhosamente o manuscrito durante o processo de edição.
EU COSTUMAVA
Capítulo 1
O Pecado é amor
Note como o autor usa a palavra "pecado", ora com a primeira letra maiúscula (Pecado), ora
com letra minúscula (pecado). Ao longo do livro, ele usará essa forma para outras palavras-
-chave referentes aos conceitos que explora (nota do tradutor).
Eu costumava ser perfeito
Eva cometeu Pecado quando amou a si mesma e aos seus desejos mais do que
a Deus e a vontade dele. Ela cometeu Pecado em seu coração, e o Pecado a levou a
tomar e comer o fruto. O Pecado no coração conduz ao pecado em termos de ações.
Algo acontece primeiro no coração. Antes de tudo, há o Pecado no coração, e o
Pecado dá à luz ações pecaminosas. Podemos ilustrar deste modo:
Até ocorrerem os fatos narrados em Gênesis 3:6, Adão e Eva estavam seguros
em Jesus. Porém, com a entrada do Pecado na vida deles, aconteceu uma grande
mudança. Eles não estavam mais seguros. Eles se perderam.
As consequências do Pecado são descritas em Gênesis 3:7. Primeiro, Adão e
Eva experimentaram uma terrível sensação de nudez. Essa é uma imagem muito
profunda. Gosto da Bíblia porque ela usa palavras concretas para descrever nossa
experiência. Por exemplo, você já se sentiu nu? Quando eu era criança, tinha um
sonho que se repetia. Era sempre o mesmo. Estávamos na piscina; e todos esta-
vam usando roupas de banho. Isto é, todos, menos eu. Que sensação desagradável!
23
Eu sempre corria para me esconder atrás de alguma coisa — como as paredes do
banheiro. Como os sonhos são mirabolantes, as paredes desapareciam, e eu não
conseguia esconder a minha nudez.
Da mesma forma, quando o Pecado entrou no mundo, Adão e Eva sentiram
urna sensação desconfortável de "nudez" — uma sensação de culpa perturbadora
e inevitável. Essa sensação teve muitas consequências. Uma delas foi a tentativa de
cobrir sua nudez (culpa) com folhas de figueira. Você já tentou cobrir sua nudez
com folhas de figueira? Não é uma solução muito satisfatória. Tente em qualquer
ocasião e você entenderá o que quero dizer. As folhas de figueira de Gênesis 3 re-
tratam a tentativa humana de cobrir a nudez pelo seu próprio esforço. As folhas de
figueira representam a tentativa adotada por Adão e Eva para solucionar o proble-
ma da culpa. Elas representam a salvação pelas obras.
A segunda consequência do pecado é um desconfortável medo de Deus,
que reflete a relação rompida com Ele (Gil 3:8). Agora, Adão e Eva estão com
medo do seu Criador. Eles se escondem de Deus. Infelizmente, as relações rom-
pidas com Deus refletem em relações rompidas com as pessoas. Sempre que
desconectados de Deus, os seres humanos estarão alienados uns dos outros.
Quando questionou Adão sobre sua participação no pecado, o Senhor imedia-
tamente culpou Eva: "Não foi minha culpar, disse Adão, "Foi culpa dela! Ela
me deu o fruto!" Esse foi o fim da harmonia do casaménto mais perfeito que
Eu costumava ser perfeito
já existiu na Terra. Acusações como "Ela fez isso!", "Ele fez aquilo!" e "É culpa
sua!" passaram a ecoar nas experiências matrimoniais desde então. A desar-
monia com Deus causou desarmonia entre as pessoas (ver Gn 3:11-12).
Outra consequência do pecado é a relação rompida consigo mesmo. Isso
se refletiu em Eva e na inabilidade de confessar sua parte na queda. Na tentati-
va de se esquivar da responsabilidade pessoal (assim como Adão fez), ela colo-
cou a culpa em Satanás: "A serpente me enganou, e eu comi" (Gn 3:13). Ou seja,
"Satanás me levou a fazer isso!" Os seres humanos têm dificuldade para admitir
seus próprios erros, mas apreciam falar dos pecados do pastor, do marido ou
da esposa, dos filhos — dos pecados de qualquer pessoa, menos dos seus pró-
prios. A maioria das pessoas se diverte ao falar dos pecados alheios, mas não
consegue admitir os seus próprios. Infelizmente, apenas quando confessamos
"os nossos pecados" Deus pode nos perdoar e purificar "de toda a injustiça"
(lJo 1:9). "Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas" (Jr 17:9). Desde o
Éden, os seres humanos vivem em um mundo alienado e esfacelado.
Depois de Gênesis 3, Adão e Eva não estavam mais seguros em Jesus.
Após a queda, eles viveram como pessoas enfermas em uni mundo doente e,
infelizmente, essa enfermidade não terminou em Gênesis 3. Neste ponto, com-
24
preendemos a relevância da história de Caim e Abel, na qual um irmão mata o
outro em Gênesis 4. A doença se prolifera. Algo aconteceu com a humanidade
em Gênesis 3 e não parou mais. De volta ao relato da criação da humanidade,
podemos ter uma perspectiva melhor desse problema. Em Gênesis 1:26-27, lemos
que Adão foi criado à imagem esemelhança de Deus. Porém, em Gênesis 5:3 é dito
que Adão "gerou um filho à sua semelhança, conforme a sua imagem". Os filhos de
Adão eram mais parecidos com ele do que com Deus. Ellen -G. White (2007, p. 29)
ilustra muito bem esse detalhe quando afirma que todos os seres humanos, desde
Adão, possuem uma "inclinação" para o pecado; já o apóstolo Paulo escreveu que
" por uni só homem entrou o pecado no mundo" (Rm 5:12).
O Pecado é universal. Existe uma coisa que não precisamos ensinar a nin-
guém: pecar. Todo o resto precisa ser ensinado, mas o pecado aprendemos por
instinto. Além disso, toda nação precisa da policia ou das forças armadas. Desde
o Éden, não existe um Shangri-La2 ou qualquer outro paraíso na Terra; desde o
Pecado, vivemos ao oriente do jardim do Éden (ver Gn 3:24).
= "Shangri-la" é o termo cunhado por James Hilton, em sua obra Lost Horizon ["Horizonte
Perdido"I. O Shangri-la é descrito corno um lugar paradisíaco situado nas montanhas do
Himalaia (nota do editor).
O Pecado é amor
Atos pecaminosos
versus natureza pecaminosa
encarados como uma serie de ações decrescentes, como na ilustração a seguir, en-
tão, a salvação, ou o processo para se tornar justo, deve ser visto como uma série
de ações ou comportamentos crescentes: •
QUEDAV •- _
ÇíL1
- - -::;• A
28 FUNDO DO POÇO
PERFEIÇÃO/SER JUSTO
REDENÇÃO
FUNDO DO POÇO
Talvez esse seja um quadro muito bonit& Talvez. Mas não é o quadro apresenta-
do por Cristo e per Paulo no NT. Ao contrário, quem defendia essa compreensão eram
os fariseus. O enfoque primário do NT está no Pecado, e não nos pecados. Em resul
lado disso, o NT ilustra o processo de conversão ao cristianismo como crucificação
e novo nascimento, como o ato de receber um novo coração e urna nova mente, urna
transformação total. Ser cristão não é um processo no qual uma boa obra é somada à
outra; em vez disso, é uma experiência de completa transformação (Rm 12:2).
Estar salvo envolve basicamente duas coisas: aceitar a morte de Cristo corno nos-
so substituto e possuir um coração transformado (isto é, ter o amor agape que se desvia
do próprio eu c se orienta em direção a Deus e ao próximo). Essa experiência de novo
nascimento implica — não, exige — uma mudança em tudo o que fazemos e em tudo o
que pensamos. O NT ensina uma visão transformadora a respeito da salvação, e não de
acréscimo de virtudes. Portanto, quando uma pessoa recebe Jesus, quando recebe Jus-
tiça, quando aceita a morte de Cristo e sua ressurreição, ao passo que entroniza Deus
no coração, o resultado será-uma vida de ações justa.s. Essas ações fluem naturalmente
do novo relacionamento com Crista Então, podemos ilustrar dessa forma:
29
Justiça > ações justas
1. Suponha que você tenha 20 minutos para falar sobre Pecado ao grupo
30
de jovens da sua igreja. Enumere seis pontos que você destacaria como
os mais importantes?
3. Por que as pessoas que estão em desarmonia com Deus também estão
em desarmonia umas com as outras?
Os adventistas
negligenciam a Lei
J 7.r
.f V:t; 1_ ??,, H, ai
- $,?\ tri , negligenciam a Leil.
r‘.
' Notamos aqui, novamente, a utilização da caixa alta na primeira letra de um termo. Neste caso,
para "Lei", a fim de diferenciá-la de "lei". A lógica, como apontamos, será seguida pelo autor
para diversos outros termos (nota do editor).
Eu costumava ser perfeito
Para mais informações a respeito do "espirito de Mineapolis”, veja Knight (1998, p. 64-68).
Os adventistas negligenciam a Lei
A correta identificação da Lei por trás das leis é de extrema importância, vis-
to que qualquer discussão séria sobre justiça e perfeição depende de um entendi-
mento correto da Lei de Deus.
O AT possui pelo menos três leis: moral, civil e cerimonial. Além disso, os
livros de Moisés, e mesmo o AT como um todo, são mencionados como "a lei".
Portanto, na Bíblia, a palavra "lei" pode ter vários significados.
No NT, entretanto, Jesus apresenta daramente a natureza da Lei que está por
trás das leis. Quando questionado sobre o grande mandamento, Ele respondeu:
"Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu
entendimento. Este é o grande e primeiro mandamento. O segundo, semelhante a
este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos depen-
dem toda a Lei e os Profetas" (Mt 22:37-40).
Paulo e Tiago concordam com Jesus, mas reduzem a Lei a um único precei-
to. Paulo diz que "o cumprimento da lei é o amor" (um 13:10) e que "toda a lei se
cumpre em um só preceito, a saber: Amarás o teu próximo como a ti mesmo" (G1
5:14). Da mesma forma, Tiago não só está em harmonia com Paulo, mas expressa
a unidade final da Lei. Ele escreve que "qualquer um que guarda toda a lei, mas
tropeça em um só ponto, se torna culpado de todos" (Tg 2:10).
34
Características da Lei
Os conceitos sobre Lei apresentados no NT têm várias facetas. Primeiro,
a Lei é unificada. Não existem muitos princípios embasando a Lei, mas apenas
um. A Lei pode ser resumida em uma palavra: amor. Note que "amor" é a mesma
palavra que João usou para sintetizar o caráter de Deus. Em 1 João 4:8, lemos que
"Deus é amor". Essa afirmação faz todo o sentido se a Lei é um reflexo do caráter
de Deus. Lembre-se: refletir o caráter de Deus é uma questão crucial no cristia-
nismo e é certamente uma questão essencial no adventistno. Esses conceitos nos
ajudarão quando estudarmos a perfeição de caráter, no capítulo•6. Lembre-se
que a Lei é um reflexo do caráter de Deus, e esse caráter se resume a amar, cuidar
e fazer o bem aos outros, mesmo quando eles não merecem isso.
A Bíblia não se limita a igualar a Lei ao amor e ao caráter de Deus. Ela tam-
bém apresenta de forma detalhada o que é o amor, de tal maneira que os seres
humanos e os outros seres criados possam descobrir esse significado em situações
concretas. Para os seres não caídos, podemos pensar que uma Lei com duas partes
&suficiente; amor a Deus e amor aos outros. No entanto, após a queda, a Lei preci-
sou de mais explicações por causa da degeneração da raça humana. Em Gênesis, e
Os adventistas negligenciam a Lei
nos primeiros capítulos de Êxodo, ternos claras evidências de que os preceitos dos
Dez Mandamentos já existiam antes do Sinai. Mas Deus decidiu expor formal-
mente os dois grandes princípios da Lei na forma de dez preceitos, quando fundou
a nação de Israel como povo da aliança.
Os primeiros quatro mandamentos são uma explicação do principio do amor
a Deus, enquanto os últimos apresentam maneiras especificas de amar o próximo.
Assim, a progressão de Lei para a lei, depois para duas leis e, finalmente, para dez
leis, pode ser ilustrada da seguinte forma:
pensar bem. Se eu bater no seu carro sete vezes nos próximos sete dias no estacio-
namento da igreja, você provavelmente pensará que sete é seis vezes maior do que
deveria ser. Mas Cristo foi muito além disso. Ele disse: "Pedro, Pedro, não sete,
mas 490 vezes." Experimente fazer isso alguma vez. Quando chegar na batida 490,
você não terá mais carro. Além disso, você terá perdido as contas (ver Mt 18:21-22).
Na verdade, Pedro não estava perguntando: "Quantas vezes devo amar o
meu próximo?", mas: "Quando devo parar de amar o meu próximo?". Essa é uma
pergunta muito humana. Gosto dela. Quando devo parar de amar o meu próximo?
É aqui que somos iguais a todo mundo. Quando posso parar com toda essa gentile-
za e dar às pessoas o que elas merecem? Não gosto da graça. Graça é dar às pessoas
aquilo que elas não merecem. Não me importo de obtê-la para mim, mas não gosto
realmente de levar a graça aos outros.
Quando Pedro perguntou quando poderia deixar de amar o seu próximo,
a resposta de Jesus foi a surpreendente história dos dois devedores. Um homem
devia 100 denários, e o outros 10 mil talentos. Cem denários equivaliam ao paga-
mento de 100 dias de trabalho braçal. Era um débito grande, mas não impossível
de ser pago. Porém, em contraste com esse, um débito de 10 mil talentos era ab-
solutamente impossível de ser pago. Seriam necessários 16() mil anos de trabalho,
37
trabalhando 7 dias por semana! No entanto, apenas pela graça, o rei perdoou o
débito praticamente infinito. Contudo, o homem perdoado se recusou a transmitir
esse perdão ao seu colega, o qual lhe devia apenas 100 denários. Em resultado disso,
o perdão do rei foi revogado. A moral da história é que pecadores que foram per-
doados de urna dívida impagável precisam levar a misericórdia de Deus aos seus
semelhantes, da mesma forma como Deus teve misericórdia deles. Então, Pedro
aprendeu que não existe um momento no qual ele deveria deixar de amar o seu
próximo ou deixar de transmitir a graça de Deus (ver Mt 18:23-35). O fato assusta
dor é o de que não existe limite para o amor cristão.
Como Pedro, sentimo-nos muito mais confortáveis com a abordagem negati-
va da lei do que com a abordagem positiva. Queremos saber quando preenchemos
nossa cota de bondade, de forma que possamos relaxar para ser nós mesmos. Os
limites negativos limitam a extensão da justiça e a tornam humanamente geren-
ciáveis e alcançáveis. Assim, os legalistas de todos os matizes têm necessidade de
focalizar os "detalhes" com o discurso cio "não farás isto". Amor contínuo a todos
os inimigos é um objetivo muito além do alcance humano.
Os legalistas adoram falar a respeito de comportamentos negativos e de-
talhados. Isso me lembra uma mulher que Bruce Johnson (ex-presidente da
União do Sul do Pacífico) encontrou urna vez. Eles estavam conversando a res-
peito do pecado de Davi quando ela disse: "Bem, algumas pessoas têm esse
Eu costumava ser perfeito
ou se tornar perfeita por não trabalhar no sábado ou por ter evitado roubar.
De fato, ninguém jamais será salvo porque deixou de fazer alguma coisa. O
cristianismo é positivo, e não negativo.
Gostemos ou não (e os antigos fariseus certamente não gostavam), Jesus ele-
vou o padrão de justiça para muito além do que as pessoas "normais" buscam al-
cançar, e a maioria dos legalistas são "normais". De fato, é a ênfase' no desempenho
humano que prova sua normalidade. Eles apenas deixaram de sentir orgulho pelo
desempenho humano nos empreendimentos mundanos, e passaram a sentir orgu-
lho pelo desempenho humano em coisas espirituais.
Penso que, na década de 1890, A. T. Jones estava certo quando disse que exis-
tem três tipos de cristãos quanto ao dia de guarda. Há os guardadores do domingo,
os guardadores do sábado do calendário (em inglês, Saturday) e os guardadores
do sábado bíblico (em inglês, Sabbath). A distinção entre os dois últimos é crucial.
Qualquer um consegue guardar o sábado do calendário. Afinal, ele é o dia correto.
Porém, é necessário ter o Espírito Santo para guardar o sábado bíblico. Apenas
com um relacionamento de amor com o Deus do universo descobrimos o verda -
deiro significado do sábado bíblico. Guardar o sábado do calendário está correto,
mas guardar o sábado bíblico requer espiritualidade.
Salientando essa questão de outra maneira, eu diria que, quando a Lei de
Deus está dentro de nosso coração, torna-se natural a guarda das muitas leis de
Deus. Mas o oposto não é verdadeiro. Alguém pode guardar as muitas leis de Deus
e, ainda assim, não guardar a Lei de Deus. Isto é, a pessoa pode ter obediência ex-
terior mas não possuir o amor de Deus no seu coração. Em outras palavras, alguém
pode guardar o dia correto, mas pode ser tão perversa quanto o diabo.
A obediência exterior acompanhada pela falta de cristianismo interior é urna
das situações mais perigosas na qual podemos estar do ponto de vista espiritual.
Afinal, as pessoas equivocadas nesse ponto podemse sentir muito satisfeitas cons i-
40
go mesmas, porque estão fazendo o que é certo. Como o irmão mais velho do filho
pródigo, elas podem nunca "cair em si" e perceber sua real condição.
Esse era o problema com os fariseus do passado. Nunca se esqueça de que eles
guardavam sinceramente as leis, mas quebrantavam a Lei e pregaram Cristo na cruz.
Há, por tradição, um espírito de perversidade entre aqueles que enfatizam as leis em
vez da Lei. Essa perversidade é dirigida especialmente aos que não concordam com
eles teologicamente e/ou aos mais equilibrados do que eles em relação às leis, regras
e regulamentos específicos. Esse espírito não é novo. Jesus teve que enfrentá-lo. Ellen
G. Wh ite o chamou de "espirito dos fariseus" e "espirito de NI ineápolis". 3
O apelo de Deus a nós é o de buscar pelas prioridades corretas. Ele quer que
guardemos a sua Lei, de forma a estar verdadeiramente aptos para guardar as suas
leis. A sequência correta nos mantém longe de uma abordagem legalista, que cria
urna lista de exigências para a salvação, recriando Deus à imagem de um fariseu do
primeiro século. O ponto a ser lembrado é que se estamos seguros em Jesus, Ele vai
viver a sua vida em nós. Isso significa que não só o nosso amor será reorientado a
Deus c aos outros, mas significa que a fonte do amor de Deus vai permear cada uma
.e nossas ações. "Porque esta é a aliança que firmarei com a casa de Israel, depois
aqueles dias, diz o Senhor: na sua mente imprimirei as minhas leis, também sobre
seu coração as inscreverei; e eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo" (Hb 8:10).
Cristianismo não é apenas melhorar a antiga vida. E uma transformação to-
ai do pensamento, da ação e do viver. O cristão não está em Cristo apenas, mas
',risto está nele mediante o poder do Espírito Santo. Podemos saber que estamos
eguros em Jesus quando o seu Princípio de amor se torna a motivação que guia
iossa vida. Um dos meus textos favoritos sobre esse assunto é João 13:35:
Preguei certa vez sobre esse texto (usando as distorções acima para ilustrar
) assunto) e um adventista recém-converso veio a mim e disse: "Na minha Bíblia,
41
sse verso não está escrito como você leu. Onde posso encontrar esse texto?" Ele
stava atrás do argumento bíblico definitivo do adventista. Em sua ansiedade,
ie não captou a minha ênfase na leitura do verdadeiro texto: "Nisto conhecerão
odos que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns aos outros". O teste do cris-
ianismo está na maneira de tratar o próximo. Há muito tempo, os adventistas
êm aplicado João 14:15 aos Dez Mandamentos: "Se me amardes, guardareis os
ineus mandamentos". Mas leia os capítulos 13, 14 e 15 de João e veja do que se
:rata o contexto desse verso. "Eu lhes ordeno", Jesus diz várias vezes nesses capi-
:idos, "amem-se uns aos outros".
A partir desse princípio, e somente a partir dele, é possível uma guarda sig-
iificativa das leis de Deus.
• Visto que amo o meu próximo, não vou roubar nada dele;
• Visto que amo o meu próximo, não vou cobiçar o seu carro, a sua casa,
a sua esposa ou o seu marido;
• Visto que amo o meu próximo, não vou usá-lo como objeto sexual para
meu próprio prazer.;
Eu costumava ser perfeito
• Visto que amo o meu próximo, quero que ele experimente a alegria de
estar salvo e seguro em Jesus;
• Visto que amo o meu próximo, quero dividir com ele o deleite do sábado.
3. É uma heresia dizer que os Dez Mandamentos não são eternos nem
universais? Quais são as bases bíblicas para esse conceito?
6. Explique como alguém pode guardar a lei de Deus e, ainda assim, ser
"mais perversa que o diabo".
A justificação
dura uma vida,
a santificação
um momento
A. n consciente do fato de que o título deste capítulo é o inverso da
S abordagem usual sobre o assunto da justificação e da santifi-
cação. Mas isso não significa que estou errado. Quando preguei sobre os tópicos deste
livro no concílio anual da Associação Geral, alguns me acusaram de não acreditar nos
títulos dos meus sermões. Mas creio em todos eles. Este capítulo vai examinar mais de
perto o processo da salvação e a maneira pela qual ela afeta nossa vida diária. O que
realmente acontece conosco no processo da salvação? O que significa ser justificado e
santificado? E qual é a relevância desses termos quando o assunto é ser salvo?
Este tópico pode soar monótono e antiquado, mas essa é a disputa mais im-
portante da história do cristianismo. O calvinista holandês G. C. Berkouwer (1952,
p. 9) destaca: "Nesta controvérsia, um acusa o outro de permitir que a justifica-
ção seja assimilada pela santificação, apenas para mostrar que ele, por outro lado,
expele a santificação em sua preocupação com a justificação." A batalha sobre a
importância desses dois temas tem sido travada por dois milênios na igreja cristã,
e está longe de terminar. Os adventistas não estão nem um pouco atrás dos mais
atuantes nesse debate. O assunto está à frente das tensões atuais da Igreja Adven-
tista do Sétimo Dia. DiscordânCias sobre esse tema produzem diferentes correntes
teológicas na igreja, que levam a inúmeras direções.
Eu costumava ser perfeito
próprio eu. Crucificação é morte para a vida centrada em si mesmo; é morte para
o egocentrismo. Essa morte acontece quando entregamos nossa vida a Deus: Na
cruz, Cristo fez a provisão para nossa crucificação.
Entretanto, no momento exato da autocrucificação, a Bíblia diz que algo
mais acontece conosco. Os cristãos justificados também são regenerados, nasci-
dos do alto c ressuscitados para unia nova forma de pensar e viver baseada na
Lei de Deus. O que antes eles odiavam, agora eles amam, e vice-versa. O cristão
é descrito no NT como unia nova criatura, ou melhor, como urna nova criação
(2Co 5:17). Ele anda em novidade de vida. Paulo descreve esse processo corno a
transformação da mente (Rm 12:2). A palavra grega que ele usa para "transfor-
mação" está relacionada à "metamorfose". Você deve saber que metamorfose é
o processo pelo qual uma lagarta se transforma em uma linda borboleta. Assim,
uma criatura que só poderia rastejar consegue voar através do milagre da meta-
morfose. Esse processo significa uma mudança tão radical, tão completa, que a
menos que a pessoa conheça os dois momentos, não conseguiria sequer reconhe-
cer-se como o mesmo ser vivo.
É isso o que acontece com a vida do cristão. A vida cristã consiste na crucifi
cação da vida autocentrada, fundamentada no princípio do Pecado, e na ressurrei-
46
ção para urna nova vida, fundamentada na Lei do amor aos outros.
Um terceiro evento, que ocorre no momento da justificação inicial, é o
arrependimento. Ele pode ser visto corno o aspecto negativo ao passo que nos
aproximamos de Cristo. Se a fé é vista como aproximar-se de Cristo, então o ar-
rependimento é simultaneamente um afastar-se do Pecado. Quando as pessoas
se voltam para Deus em fé, elas estão, ao mesmo tempo, se arrependendo, isto é,
se afastando de sua velha vida autocentrada. Outra palavra para essa experiência
é conversão — isto é, dar meia-volta.
O quarto evento que acontece simultaneamente à justificação inicial é
a adoção — somos adotados pela família de Deus. Muitas pessoas dizem que
todos são filhos de Deus. Mas esse não é o ensino bíblico. A Bíblia ensina que
só aqueles que entraram em uma relação de aliança com Deus são seus filhos.
Nós nos tornamos filhos de Deus quando o aceitamos como pai e senhor. João
escreve: "Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos
filhos de Deus, a saber, aos que creem no seu nome; os quais não nasceram do
sangue, nem da vontade do homem, mas de Deus" (Jo 1:1243). No momento
exato em que aceitamos a Jesus, somos adotados na família da aliança. Esses
novos cristãos 0o reconciliados não só com Deus, mas com sua vontade e seus
caminhos. É. na adoção que temos a certeza da salvação. Ao sermos adotados,
estamos seguros em Jesus.
A justificação dura urna vida, a santificação um momento
elementos de estilo de vida que confundimos com santificação são meios, e não
fins, e muito menos fins em si mesmos.
A reforma de saúde, por exemplo, é um auxílio para a santificação. Afinal, as
pessoas que convivem comigo sabem muito bem que não sou uma pessoa amável
quando estou doente. De fato, sou chato, egoísta e às vezes até perverso quando
não me sinto bem. Mas Deus me quer feliz e amorável. Portanto, Ele quer que eu
seja saudável. A reforma de saúde é uni meio para se chegar a um fim, e não um fim
em si mesmo. Os elementos de um bom estilo de vida, que amamos corno igreja,
são meios para um bom fim. A tragédia é que, com frequência, transformamos
essas questões em fins em si mesmas# confundimos estilo de vida com caráter.)
Confundimos santificação com a lista:"do que fazer e do que não fazer. Há uma
relação entre as duas coisas, mas elas não são equivalentes.
Um segundo aspecto que precisamos examinar na santificação é o fato de
que o NT é totalmente contra as obras — isto é, certos tipos de obras. O NT é
especialmente contra três tipos de obras: 1) as obras da carne (Rm 8:3-10), que são
desdobramentos da natureza humana pecaminosa; 2) as obras da lei (Rm 3:28; G1
2:16; Ef 2:9), que são realizadas na esperança de ganhar a salvação; e 3) as obras
50 mortas (lIb 6:1), que são atividades individuais fora do relacionamento com Deus
e, portanto, desprovidas do poder da graça. Porém, o NT não é contra todas as
obras. Acima dessas obras inúteis estão as obras da fé. Existe urna vasta diferença
entre as obras da fé e os demais tipos de obras.
. Paulo aprova "a fé que alua pelo amor" (G1 5:6). Ele recomenda aos tessaloni-
censes que se recorde da "operosidade da vossa fé, da abnegação do vosso amor e da
firmeza da vossa esperança em nosso Senhor Jesus Cristo" (1Ts 1:3). E parte de sua
missão era convocar os gentios à "obediência por fé" (Rm 1:5; ver 16:26).
Jesus também deixou claro que existem "boas" obras e "más' obras. Por
exemplo, em Mateus 7, Ele fala em rejeitar, no juízo final, aqueles que fizeram
muitas obras poderosas em seu nome. Porém, na mesma passagem, Ele também
afirma que "aquele que faz a vontade de meu Pai" estará no Reino do Céus (v. 21-
22). Paulo esclarece a distinção entre "boas" e "más" obras quando diz: "Tudo o
que não provém de fé é pecado" (Riu 14:23).
Uma obra legalista é aquela feita por nossos próprios recursos, na tentativa de
ganhar o favor ou a salvação de Deus. Por outro lado, as obras da fé fluem de um
relacionamento salvifico com Jesus, são capacitadas pelo poder do Espírito Santo e
são moldadas e abrandadas pelo amor do Pai.
É crucial um entendimento correto sobre a relação entre obras, por um lado,
e a justificação, o novo nascimento e a santificação inicial, por outro. Uma pessoa
salva não realiza obras para ser salva assim como uma árvore não produz frutos a
A justificação dura uma vida, a santificação um momento
fim de mostrar que está viva. A árvore produz frutos porque está viva. Uma pessoa
salva faz boas obras porque está viva em Cristo. Martinho Lutem (1976, p. xvii)
estava certo quando escreveu em seu prefácio a Romanos que "essa fé é uma coisa
viva, ocupada, ativa e poderosa; e, portanto, é impossível para ela não produzir
boas obras incessantemente. [...] É tão impossível separar as obras da fé quanto
separar o calor e a luz do fogo".
Um terceiro ponto que precisamos compreender em relação à santificação
progressiva é o papel do esforço humano. Alguns autores cristãos parecem sugerir
que "Jesus faz tudo". Eu costumava acreditar que Jesus fazia tudo, mas logo desco-
bri que, quando não me levanto da cama de manhã, nada acontece. Eu costumava
ensinar que a sOma total das obras humanas representavam um contínuo esforço
de rendição. Embora eu ainda acredite que há muita verdade nesse raciocínio, che-
guei à conclusão de que ela falha em fazer justiça tanto à riqueza da linguagem
bíblica sobre o assunto, quanto à. experiência diária. Na Bíblia, existem muitas
palavras e histórias sobre a importância do esforço humano.
O NT está cheio de palavras de ação. A imagem bíblica não é a de santos
levados para o céu em leitos de inatividade. Tampouco a Bíblia ensina a eficácia
do esforço humano separado da graça capacitadora de Deus. "Sem mim", disse 51
Cristo, "nada podeis fazer" (Jo 15:5). A imagem bíblica, na verdade, é de coo-
peração entre Deus e os seres humanos. Assim, Paulo pôde escrever: "para isso
é que eu também me afadigo, esforçando-me o mais possível, segundo a sua
[de Deus] eficácia que opera eficientemente em mim" (Cl 1:29), e: "tudo posso
naquele que me fortalece" (Fp 4:13).
Similarmente, quando os israelitas estavam prestes a cruzar o Mar Ver-
melho, Moisés lhes disse: "Não temais; aquietai-vos e vede o livramento do Se-
nhor [...] O Senhor pelejará por vós, e vos calareis" Você deve estar pensando
"Okl É isso aí: Deus faz tudo". Mas o verso seguinte diz que Deus ordenou ao
povo para "marcharem" (Ex 14:13-15). Deus abriu o caminho, mas não carre-
gou o povo. Eles cruzaram o leito do mar seco por seu próprio esforço, com a
capacidade oriunda de Deus.
Portanto, existem elementos passivos e ativos em nossa caminhada com
Deus. Primeiro vem a entrega, depois a ação habilitadora do Espírito, a qual re-
quer esforço e cooperação humana. Talvez o texto mais claro sobre a interação
entre a obra divina e o esforço humano é a admoestação de Paulo aos filipenses:
"desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor; porque Deus é quem efetua em
vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade" (Fp 2:12-13). Em
resumo, o esforço humano é importante e necessário. Embora esse esforço não nos
leve à salvação, ele certamente é resultado de tal salvação.
Eu costumava ser perfeito
A unidade da salvação
Talvez o que mais precisamos compreender (e isto está no âmago deste livro)
é que não faz absolutamente nenhum sentido falar em justificação na experiência
cristã sem, ao mesmo tempo, falar a respeito da santificação. Da mesma forma, não
é possível considerar a santificação na experiência cristã sem pensar em justifica-
ção. Ambas andam de mãos dadas:
• O Juiz nos ama tanto que nos deu o seu único Filho.
É crucial compreender que Deus, como nosso Juiz, está do nosso lado.
Ele não está contra nós. Ele não é neutro. Ele enviou o seu Filho porque nos
ama e quer salvar o maior número de pessoas possível. Além disso, Ele salva-
rá todos aqueles que almejam o seu Reino.' Portanto, o julgamento não é algo
' Aqueles que estarão felizes no Reino de Deus, obviamente, são aqueles que estão dispostos a
viver em harmonia com . a grande Lei do amor, que afetará cada parte de sua vida. Para mais
informações sobre esse assunto, veja Knight (1990, p. 98 - 99, 113 - 118; 2016, p. 123 126).
Eu costumava ser perfeito
4. Se as "obras" não nos salvam, que lugar elas ocupam na vida cristã?
Como se relacionam com a salvação? Qual é a diferença entre as "boas"
e as "más" obras?
A tentação
não é Tentação
Como você já deve ter percebido, a essência da Tentação está relacionada com
a essência do Pecado, que acarreta todos os outros pecados. Também está relacio-
nada com o princípio do amor na Lei, que dá origem a todas as outras leis, e com a
Justiça de estar em Cristo, o que conduz a todos os atos justos.
comer muito açúcar ou jogar futebol com frequência. Essas coisas podem ser
tentações, mas não são Tentação.
A vida de Cristo ilustra a natureza da Tentação, a mãe de todas as tentações.
Para Cristo, a Tentação foi viver sua própria vida e evitar, dessa forma, a cruz. A
chave para compreender a Tentação de Cristo é Filipenses 2:5-8:
Tende em vós o mesmo sentimento que houve em Cristo Jesus, pois ele,
subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a
Deus; antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornan-
do-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, a si
mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz.
O que devemos perceber é que Jesus não foi tentado apenas em "todas as
coisas, à nossa semelhança" (H h 4:15), mas em um patamar muito além do alcance
humano, já que Jesus tinha todo o poder de Deus em suas mãos. A grande batalha
de Cristo foi continuar abdicando desses poderes. Essa é a relevância da tentação
na qual Satanás "ordenou" que Ele transformasse pedras em pães (ver ND 4:3).
Bem, essa tentação simplesmente não é tentação para mim, porque não posso
fazer esse tipo de milagre. Eu poderia ir até o quintal da minha casa e falar o dia in-
teiro para as pedras se transformarem em pães. Porém, dois anos depois, eu ainda
estaria lá sem nem ao menos um pãozinho para recompensar o meu esforço. Por
outro lado, Jesus podia fazer isso. Como o Criador de tudo o que existe, Ele tinha
o poder de fazer o pão surgir do nada.
Jesus estava sem comer por mais de um mês quando Satanás tetava conven-
cê-lo a transformar as pedras em pães. Com certeza, essa foi uma sugestão muito
atrativa, mas não foi apenas uma tentação para saciar seu apetite. Essa seria uma
tentação com "t" minúsculo, não uma Tentação com "T" maiúsculo. A Tentação
real era para que Ele não se "esvaziasse", de acordo Filipenses 2, e usasse seu poder
para satisfazer suas próprias netessidades. Isso, obviamente, significaria que Ele
não estava enfrentando o mundo como as outras pessoas. Por trás da Tentação
estava a insinuação sutil de que "se" Ele realmente era Deus poderia usar seus po-
deres para si mesmo, em vez de depender do Pai.
Alguns cristãos se envolvem em profundas discussões sobre o significa-
do de ser tentado "em todas as coisas, à nossa semelhança, mas sem pecado"
(Hb 4:15). Com frequência, temos abordado o assunto corno se ele dependesse
de alguma definição da natureza humana de Cristo. Contudo, mesmo com
urna leitura simples da Bíblia percebemos que Jesus, independentemente da
constituição de sua natureza humana, foi tentado em aspectos muito distantes
daqueles que uma pessoa comum poderia experimentar. Muitas das tentações
para ele não são tentações para mim, porque eu não tenho capacidade de res-
ponder a elas satisfatoriamente.
Todas as tentações de Cristo estavam centradas na negação de sua depen-
dência do Pai — controlar sua própria vida. Relacionada a esse assunto estava a
possibilidade sedutora de seguir sua própria vontade em vez de seguir a vontade
do Pai, principalmente porque sua vontade era de que Ele se humilhasse, sendo
"obediente até à morte, e morte de cruz" (Fp 2:8). A Tentação especial de Cristo,
durante toda a sua vida foi evitar a morte na cruz. Essa foi a essência da tentação
dos pães. Na Palestina, duas coisas sobravam: pedras e pessoas com fome. Trans-
formar pedras em pães seria um meio mais fácil, mais agradável e mais rápido
riara a concretização do seu Reino, ao contrário da cruz. Veja o que aconteceu
Eu costumava ser perfeito
em João 6 quando Jesus providenciou pão do Céu e alimentou cinco mil pessoas.
Elas disseram: "Esse é outro Moisés, outro provedor de maná. Vamos fazer dele
um rei!" Até os discípulos gostaram da ideia (ver Jo 6:14-15, 30-31; Mt 14:22).
Esta era a Tentação de Jesus: obter o Reino por outro meio que não a cruz. Além
disso, a Tentação como o ato de evitar a cruz também explica a força da rejeição
de Cristo quando Pedro sugeriu que o mestre não precisava "sofrer muitas coisas
dos anciãos, dos principais sacerdotes e dos escribas". "Arreda, Satanás!", foi a
resposta de Cristo para o seu discípulo (ver Mt 16:21, 23).
A cruz não tem muito significado para mim no século 21. Eu nunca vi urna
crucificação. Mas Jesus já tinha visto. Quando Ele via os soldados romanos pelas
ruas escoltando um homem que segurava uma cruz, sabia que era uma viagem só
de ida. Como qualquer ser humano, Jesus não queria deixar o mundo através de
uma morte tão horrível. Teria sido muito mais fácil se Ele se tornasse o messias
político que os judeus (inclusive os discípulos) desejavam que Ele fosse. Além disso,
Jesus não tinha o desejo de carregar o juízo do mundo e se tornar "pecado" por nós
através do grande sacrifício do Calvário (200 5:21). A ideia de que iria se separar
do Pai enquanto carregava nossos pecados era horrível para Ele.
A Tentação como o ato de evitar a cruz teve seu ápice no Getsémani, quando
60
Jesus se viu face a face com o significado da cruz. Naquele momento, Ele "começou
a sentir-se tomado de pavor e de angústia" e pedia "para que, se possível, lhe fosse
poupada aquela hora" (Mc 14:33, 35). Ao lutar contra a Tentação de fazer sua pró-
pria vontade e fugir da cruz, Jesus submeteu-se a um constrangimento que pode-
mos entender apenas de maneira vaga. Em agonia e pavor, Jesus finalmente tomou
a sua decisão. "Meu Pai", Ele orou, "se não é possível passar de mim este cálice sem
que eu beba, faça-se a tua vontade" (Mt 26:42).
dou [...1 O bom pastor dá a vida pelas ovelhas" (Jo 10:17-18, 11). Cristo poderia ter
descido da cruz, mas Ele não tomou essa decisão.
Por toda a vida de Jesus, Satanás tentou convencê-lo a evitar a cruz, e conti-
nuou com esse plano durante a crucificação quando o tentou a interromper o seu
"esvaziamento" e realizar sua própria vontade. Dessa vez, ele se utilizou das pró-
prias pessoas por quem Cristo estava morrendo. Os transeuntes o ridicularizavam,
alegando que Ele havia falado sobre as coisas grandiosas que podia fazer. "Se você
é quem diz ser", desafiavam, "salve-se a si mesmo e desça da cruz!" Os chefes dos
sacerdotes e os escribas também se uniram ao ato de zombaria: "Salvou os outros,
a si mesmo não pode salvar-se; desça agora da cruz o Cristo, o rei de Israel, para
que vejamos e creiamos" (Mc 15:31-32). Enquanto isso, alguns dos soldados roma -
nos também zombavam dele (ver Lc 23:26).
Como você teria respondido a esse tratamento se estivesse pendurado em uma
cruz, pelado, e tivesse acesso a tal poder? Vou dizer o que eu acho que teria feito com
essas pessoas ingratas: eu teria descido da cruz e dado a elas o que mereciam. Teria
mostrado exatamente quem eu era! Teria feito descer fogo do céu para as consumir
em um segundo! Claro, com um estalar de dedos, eu as teria pulverizado com um
holocausto nuclear. Porém, em virtude de minha natureza humana, eu optaria por
61
realizar isso de maneira lenta para que as pessoas tivessem tempo de ponderar sobre
a minha dignidade e perceber quem eles tinham insultado. Eu teria provado exata-
mente quem eu era. Esses ingratos certamente iriam se arrepender de esgotar minha
paciência — principalmente quando eu estava fazendo um favor a eles!
Felizmente, para o universo, Cristo não caiu na armadilha de Satanás. Ele
resistiu à Tentação de descer da cruz e colocar sua própria autoridade no centro de
sua vida e, assim, agir por conta própria. Dessa forma, Ele venceu nas coisas que
Adão falhou. Sua morte cancelou a penalidade do pecado e sua vida proveu um
modelo para os cristãos. Em parte, o brado "Está consumado!" (Jo 19:30) aponta
para uma vida de entrega e obediência, provando de uma vez por todas ao universo
que isso era possível. Por causa do seu amor por nós, Ele permaneceu na cruz até
o fim, até poder gritar as palavras "Está consumado!", como um grito de vitória.
e uma rebelião; é a quebra da relação com Deus que entroniza a minha vontade. A
partir dessa quebra, surge uma série de ações pecaminosas (os pecados).
O imperativo do NT é que cada discípulo de Cristo crucifique seu ego, rece-
bendo uma nova vida no poder da ressurreição (Rin 6:1-11). "Se alguém quer vir
após mim". Jesus di sse, "a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me" (Mt 16:24).
"Estou crucificado com Cristo", Paulo disse. "Logo, já não sou eu quem vive, mas
Cristo vive em mim; e esse viver que, agora, tenho na carne, vivo pela fé no Filho
de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim" (G12:20). A crucifixão
do ego está no âmago do cristianismo.
O ato de "imitar" a Cristo extrapola infinitamente o desejo de desenvolver
uma série de hábitos comportamentais. É muito mais do que aquilo que como,
visto ou assisto. Como os fariseus de todas as épocas comprovam, urna pessoa
pode ser moralmente correta e ainda assim ser egocêntrica, orgulhosa e maldosa.
Uma pessoa pode possuir padrões morais elevados sem ter sido crucificada! Uma
pessoa pode ter moral sem estar salva e segura em Jesus. Martinho Lutero des
cobriu isso. Quando Lutcro entrou para o monastério, relata Dietrich Bonhoeffer
(1963, p. 51), "ele deixou tudo para trás, menos o seu eu religioso". Porém, quan-
do conheceu a Cristo, "até isso foi tirado dele".
62
O evangelho nos chama para a crucificação e para a transformação, em vez
de urna melhoria gradual da vida centrada em si mesmo (Riu 12:1-2). Optar pelo
"espirito de Cristo" em vez do "espírito egoísta", que é natural do ser humano, não
é tuna questão de crescimento ou de evolução natural. Muito mais do que isso, diz
Farmer (apttc1 DILLISTONE, 1944, p. 155), "é uma operação cirúrgica de extirpa-
ção, dilaceração, rasgamento, rachadura e ruptura". É uma crucificação.
O centro da batalha é a vontade individual, aquilo que Ellen G. White (2010,
p. 47) chama de "poder que governa a natureza humana". Ela escreveu: "A batalha
contra o próprio eu é a maior batalha que já foi travada. A renúncia de nosso eu,
sujeitando tudo à vontade de Deus, requer luta; mas a alma leni de submeter-se a
Deus antes que possa ser renovada em santidade" (WHITE, 2010, p. 43).
Como James Denny (1959, p. 198) coloca: "Apesar de o pecado ter um
nascimento natural, ele não morre de morte natural; em todos os casos, ele
precisa ser moralmente sentenciado e levado à morte." Esse é um ato da von-
tade impulsionado pelo Espirito Santo.
Assim como aconteceu com Cristo, a luta para levar nossa cruz será a mais
severa de nossa vida, porque, como Forsyth (1983, p. 92) ressalta, "nossa vontade
é o hem mais precioso para nos, é a coisa à qual mais nos apegamos e a última da
qual desistimos". "Só Deus", diz Ellen G. White (2009, p. 142), "pode nos dar a vitó-
ria" na luta contra o nosso "eu". Mas Ele não pode e não irá forçar nossa vontade. "A
A tentação não é Tentação
• Uma vida sem pecado é urna vida que segue a Cristo até a cruz;
• Uma vida sem pecado é uma vida que permanece na cruz com Cristo;
Seguir o exemplo de Cristo não significa apenas ir à cruz, mas viver a vida
da cruz. Seguir o exemplo de Cristo é evitar a Tentação. Como.disse o apóstolo:
"Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, pois ele,
subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus;
antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em se-
melhança de homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humi-
lhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz" (Fp 2:5-8).
65
Sou perfeito,
mas não Perfeito;
estou sem pecado,
mas não sem Pecado
:c C2 41, •1: ■ sede vós perfeitos como é perfeito o vosso
I .5 11_17 ;7".
;Li
Li ni '71 - É f 7.
i _ . celeste" (Mt 5:48). Nesse texto, Cristo
não só ordena a perfeição, mas também apresenta Deus como o padrão para ela: "Anda
na minha presença e sê perfeito", Deus ordenou a Abraão (Gn 17:1). O livro de Hebreus
nos diz: 'Prossigamos até a perfeição" (1-lb 6:1, ARC), e Paulo escreveu aos colossenses
que era seu desejo "[apresentar] todo homem perfeito em Cristo" (Cl 1:28). Os dons
espirituais foram dados "com vistas ao aperfeiçoamento dos santos" (Ef 4:12, ver 13).
A única coisa que podemos concluir é que, segundo a Bíblia, a perfeição é
possível, ou os autores bíblicos não teriam ensinado isso. Portanto, a questão não é
se a perfeição é possível, mas o que a Bíblia quer dizer com essa palavra.
Perspectivas corretas e
equivocadas sobre a perfeição
Antes de examinar a Bíblia para descobrir o que a palavra "perfeição" signi-
fica, será proveitoso considerar vários aspectos preliminares sobre esse tópico. Em
Eu costumava ser perfeito
primeiro lugar, muita confusão pode ser evitada se reconhecermos que a perfeição
possui mais de um significado na vida cristã. Marvin Moore (1990, p. 106-107) ob-
serva corretamente que, "em certo sentido, nos tornamos perfeitos em Cristo no mo-
mento em que o aceitamos como nosso salvador, porque a sua justiça cobre os nossos
pecados". Além disso, no entanto, "a perfeição de caráter prossegue durante toda a
vida". Portanto, existem conceitos bíblicos de perfeição relacionados tanto com a jus-
tificação quanto com a santificação progressiva. Um terceiro conceito de perfeição
está relacionado com a glorificação, quando nossa natureza será transformada na
segunda vinda de Cristo (1Co 15:51-54). •
crucial notar que textos bíblicos como Mateus 5:48; Hebreus 6:1 e Efésios
4:12-13 (citados acima) não falam sobre a perfeição relacionada com a justificação.
Esses textos falam sobre o processo dinâmico do desenvolvimento do caráter, no
qual as pessoas realmente se tornam cada vez mais semelhantes ao seu "Pai celestial".
Paulo se refere ao aspecto dinâmico da perfeição quando diz aos membros
da igreja de Corinto: "aperfeiçoando a santidade no temor de Deus" (2Co 7:1). O
autor de Hebreus também tinha em vista essa dinâmica quando disse aos cristãos:
"Prossigamos até a perfeição" (Hb 6:1, ARC), e igualmente Paulo quando escreveu à
igreja de Corinto, dizendo: "somos transformados, glória em glória, na sua própria
68
imagem" (2Co 3:18; ver G14:19; 2Pe 3:18).
Com frequência, pensamos em perfeição corno um padrão "fixo" e "estático",
enquanto o conceito bíblico de perfeição tem que ver com crescimento ilimitado. Per-
feição é uma linha, não um ponto a ser alcançado. "A palavra ponto", observa Moore
(1990, p. 114, grifo do autor), "é muito limitada. Perfeição é muito mais um estado
de ser, um relacionamento com Jesus e um caminho de vida, do que um 'ponto' que
alguém pode medir para saber quando o alcançou". A "linha" dinâmica do desenvol.-
i mento do caráter é infinita. "Cristãos perfeitos" se tornam cada vez mais semelhantes
a Deus, sem, no entanto, se igualarem a Ele. A Nova Terra será um lugar para um cres-
cimento espiritual eterno. Ainda assim, nunca seremos absolutamente perfeitos como
Deus. Ser absolutamente perfeito, por definição, equivaleria a ser Deus.
Infelizmente, ensinos antibíblicos relacionados à perfeição e à impecabilida-
de com frequência conduzem ao excesso e ao fanatismo. John Wesley (1931, p. 38),
um homem que passou a vida ensinando a possibilidade da perfeição bíblica, re-
fere-se a alguns perfeccionistas como pessoas que "associaram o próprio nome da
Perfeição ao mal cheiro". Em outras palavras, teorias distorcidas sobre a perfeição
comunicam várias aberrações aos cristãos. A perversão dessa doutrina elimina a
clara distinção entre a vontade do cristão e a vontade do Espírito Santo. Sendo que
a pessoa é "perfeita" por definição, tudo o que ela faz é correto e santificado. Essas
pessoas não podem fazer coisas erradas, porque são perfeitas. Na década de 1840,
Sou perfeito, mas não Perfeito; estou sem pecado, mas não sem Pecado
A perfeição bíblica
Um dos problemas mais graves relacionado à perfeição entre os cristãos é o ato
de transferir para a Bíblia suas próprias definições de perfeição, em vez de permitir
que a própria Bíblia defina esse conceito. Esse procedimento costuma conduzir as
com uma lista de realizações. Porém, ele sentia que ainda não tinha feito o bastante
para obter esse prêmio, de forma que perguntou a Jesus o que mais precisava fazer.
A resposta foi: "Se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens, dá aos pobres e terás
um tesouro no céu; depois, vem e segue-me" (Mt 19:21).
Cristo não permitiu que o jovem rico banalizasse o conceito de "justiça" com
uma lista de ações. Ao contrário, uma vez mais, Ele relaciona a perfeição com o
amor ao próximo. Porém, Ele inseriu esse amor no contexto de um discipulado
transformador. "A decisão real que Cristo requereu ao jovem rico", declara Hans
IC. LaRondelle (1971, p. 181), "não foi primariamente de natureza ética jisto é, fazer
alguma coisa] mas de natureza religiosa radical [isto é, o relacionamento]: a com-
pleta auwentrega a Deus". Relacionar-se com Cristo inclui assimilar e refletir o seu
caráter de amor. Inúmeras outras passagens da Bíblia que tratam do ideal de Deus
para os seres humanos apresentam o mesmo conceito presente nas afirmações de
Cristo sobre a perfeição (ver 1Jo 2;4 , 6; 4:7-12; Tg 1:27; Mq 6:8).
É crucial, neste contexto, compreender que a perfeição bíblica é uma qua-
lidade positiva, em vez de negativa. A essência da perfeição não é se abster de
certas coisas e ações, mas realizar ações amoráveis dentro de uni relaciona-
mento com Cristo. A perfeição está na vida que reflete o amor de Cristo, por 71
Deus e pelas outras pessoas. "Perfeição", escreve Jean Zurcher (1967, p. 25), "é
mais do que simplesmente não fazer algo errado. E vencer o mal com o bem,
em harmonia com o principio básico estabelecido na Regra de Ouro [de Mt
7:12]". "Perfeição de caráter", sugere C. Mervyn Maxwell (1975, p. 164), "é nada
menos do que uma vida de amor". O amor, portanto, define tanto o Pecado
quanto a perfeição cristã. Se, como já vimos, Pecado é, em essência, conferir
prioridade ao meu amor (agape) próprio, o caminho para a perfeição bíblica
é priorizar o amor a Deus e ao meu próximo. Essa transformação, segundo
Paulo, transformará cada aspecto da minha vida diária (Rm 13:8-10; Gl 5:14).
Amor perfeito não significa desempenho perfeito, habilidade perfeita ou natu-
reza humana perfeita. Em vez disso, é prestar obediência a Deus e ao grande princí-
pio que embasa sua Lei. Tentativas de "tornar-se perfeito", divorciadas do relaciona-
mento com Jesus e com a Lei de amor são estéreis, frias, mortas e, com frequência,
desagradáveis — uma verdade demonstrada por aqueles de inclinação farisaica.
Voltemos aos termos bíblicos usados para expressar a palavra "perfeição"
em nosso idioma. Nenhum desses termos significa "sem pecado" ou possui co-
notações absolutas. A palavra-chave do NT traduzida como "perfeição" é teleios,
a forma adjetiva de telas. A ideia contida em frios está presente no nosso idioma,
por exemplo, na palavra "teleologia", que significa "o fato ou a qualidade de ser
dirigido a um fim definitivo ou de ter um propósito final". Esse significado vem
Eu costumava ser perfeito
de relações que foram rompidas com a rebelião e a Queda de Gênesis, mas são
restauradas aos indivíduos na conversão.
As definições de perfeição bíblica de John Wesley (1984, v. 11, p. 446; v.
7, p. 495) merecem mais estudo do que os adventistas geralmente dedicam ao
assunto. Perfeição, de acordo com Wesley, e o sentimento de amor perfeito a
Deus e aos nossos semelhantes, expresso em palavras e ações. O amor a Deus
significa "deleitar-se nele, alegrar-se com a sua vontade, desejar agradá-lo con-
tinuamente, buscar e encontrar nossa felicidade nele e ter sede dia e noite por
viver o mais pleno prazer que emana dele".
Além disso, para Wesley (1966, p. 117-118), perfeição
É difícil melhorar essa definição que NAlesley descreveu corno "a completa e
única perfeição".
A impecabilidade bíblica
A Bíblia ensina de forma explícita que podemos viver esta vida sem pecar. O
apóstolo João, em sua primeira epístola, é claro neste ponto: "Qualquer que per-
manece nele não peca; qualquer que peca não o viu nem o conheceu. E.. I Qualquer
que é nascido de Deus não comete pecado; porque a sua semente permanece nele;
e não pode pecar, porque é nascido de Deus" (1Jo 3:6, 9, ARC). "Sabemos que todo
aquele que é nascido de Deus não peca; mas o que de Deus é gerado conserva-se a
si mesmo, e o maligno não lhe toca" (1Jo 5:18, ARC).
Tornadas isoladamente, essas passagens parecem descrever e exigir que os
cristãos vivam sem pecado. Contudo, outros textos da mesma epístola parecem
dizer exatamente o oposto! Por exemplo: "Se dissermos que não temos pecado ne..
nhurn, a nós mesmos nos enganamos, e a verdade não está em nós. Se confessarmos
Eu costumava ser perfeito
os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os peados e nos purificar de
toda injustiça. Se dissermos que não temos cometido pecado, fazemo-lo mentiroso,
e a sua palavra não está em nós [.. .] Se, todavia, alguém pecar, temos Advogado
junto ao Pai, Jesus Cristo, o Justo" (1Jo 1:8-2:1).
À luz desses dois grupos de textos, fica evidente que, ou João está terrivel-
mente confuso, ou a sua definição de pecado é muito mais complexa do que al-
guns geralmente imaginam e, sem hesitação, o citam, alegando que "pecado é a
transgressão da Lei" Mo 3:4). Essas pessoas conferem ao texto uma interpretação
baseada puramente no comportamento exterior. O fato de que João possui uma
definição complexa de pecado é evidente não só pelas passagens citadas acima,
mas também porque, em 1 João 5:16, ele nota que alguns pecados "não [são] para
morte", enquanto outros pecados são "para morte".
A linha divisória entre os pecados que não podem ser encontrados no cristão
("pecado para morte", ver 3:9; 5:18) e aqueles cobertos pela mediação de Cristo
("pecados não para a morte"; ver 1:9; 2:1) pode ser encontrada nas atitudes da pes-
soa. É importante notar que, em todas as passagens de 1 João nas quais é exigida
a impecabilidade, os verbos gregos que descrevem as pessoas que pecam estão no
74 tempo presente, indicando aqueles que vivem em estado contínuo e habituado ao
pecado. Por outro lado, em 1 João 2:1, quando é dito que se pecarmos temos um
Medidor, o verbo está no tempo aoristo, que indica uma ação definida no tempo.
Assim, a ação não é contínua e, portanto, não é habitual.
Em 1 João, há um contraste entre aqueles que vivem em rebelião contra
Deus, isto é, no Pecado como um estilo de vida (orientados pelo Pecado e não
pela Fé), e aqueles que cometem pecados dos quais se arrependem quando se
voltam ao Mediador para receber o perdão. A primeira categoria indica os que
pecaram "para morte", enquanto o pecado da segunda categoria "não [é] para
morte". Os pecados que são "para morte" são equivalentes ao pecado imperdoá-
vel de Mateus 12:31-32. Quando as pessoas estão em estado de rebelião e rejeitam
a súplica do Espírito Santo ao arrependimento de forma contínua, eles se colo-
cam em uma posição que nega a graça perdoadora de Deus. Essa obstinação é o
pecado "para morte". É impossível para uma pessoa, ao mesmo tempo, ser cristã
e viver em estado de Pecado. Aquele que comete o Pecado "para morte" vive em
estado de "transgressão da Lei" (1Jo 3:4) e rebelião contra Deus, enquanto aquele
que vive em harmonia com o Mediador "é nascido de Deus", habita "nele e se
tornou parte da família de Deus por adoção (1Jo 3:9, 6, 1).
Pelo fato de que os cristãos nasceram do alto e tiveram a mente trans-
formada, eles não nutrem uma atitude de rebelião contra Deus. Em vez disso,
"[andam] na luz, como Ele está na luz" (1Jo 1:7; ver 2:6). Por outro lado, alguns
Sou perfeito, mas não Perfeito; estou sem pecado, mas não sem Pecado
alegam ter "comunhão com Ele, mas [andamj nas trevas" (1Jo 1:6). "Aquele que
diz: Eu o conheço e não guarda os seus mandamentos é mentiroso, e nele não
está a verdade" (1Jo 2:4).
Pelo próprio uso da palavra "andar", fica claro que João está falando de
duas formas de vida que estão em harmonia com o uso que ele faz do tempo
verbal. Podemos andar com Deus ou com o diabo. Uma opção para a vida é o
relacionamento com Deus baseado no Pecado, que conduz à continua trans-
gressão da lei (pecados) e termina em morte. lima outra opção é o relaciona-
mento de Fé, com a atitude daquele que nasceu do alto em relação ao pecado,
com a presença do Mediador para purificar e do Espirito Santo para conceder
poder. Aqueles que estão neste segundo grupo são definidos por João como
sem pecado", embora ainda cometam atos pecaminosos pelos quais precisam
ser perdoados. Portanto, impecabilidade não é somente uma possibilidade na
vida atual, mas unia promessa e urna demanda bíblica. O cristão "não pode
pecar [isto é, não vive em estado de rebelião], porque é nascido de Deus" (1Jo
3:9, ARC). Assim, a Almeida Revista e Atualizada traduz de maneira mais cor-
reta: "Esse não pode viver pecando, porque é nascido de Deus." Por outro lado,
aqueles que não são nascidos de Deus "são os filhos do diabo". Em sua rebelião, 75
eles não fazem a vontade de Deus nem amam o próximo (1Jo 3:10).
(A distinção entre impecabilidade e impecabilidade absolutaitambém é en-
contrada no que é dito por Paulo sobre perfeição e Perfeição absoluta. Na carta aos
Hlipenses, ele descreve a si mesmo e alguns dos filipenses como "perfeitos" (Fp
3:15), ainda que pouco antes ele afirme que ainda não tinha atingido a perfeição (v.
12). O estado "já perfeito" se refere à dedicação de coração e mente dos filipenses
a Cristo, enquanto a situação "ainda não Perfeito" indica que Paulo e sua igreja
estavam em processo de crescimento e desenvolvimento da perfeição. Isto é, eles já
eram perfeitos (maduros em sua atitude para com Cristo), mas estavam no cami-
nho da Perfeição mais completa (maturidade).
Assim, tornar-se Perfeito é um estado dinàmico no qual cristãos dedicados con-
tinuam a avançar na vida cristã. Paulo pôde, portanto, escrever aos filipenses que ele
estava amadurecendo no crescimento e desenvolvimento de sua própria perfeição (Fp
3:12-14). Seu coração, mente e atitude em relação a Deus eram perfeitos e retos, mas
ele ainda não tinha desenvolvido a Perfeição final. Paulo podia ser "perfeito", mas não
"Perfeito", esse é o mesmo sentido em que os leitores de João podiam estar "sem peca-
do", mas, mesmo assim, não "sem Pecado" no sentido absoluto da palavra. Os leitores
da Bíblia com muita frequência passam por cima dessas distinções escriturísticas.
Quando começamos a pensar a respeito da impecabilidade absoluta, perce-
bemos que esse é um estado impossível de ser alcançado. Aqueles que levianamente
Eu costumava ser perfeito
exigem isso de si e dos outros, geralmente definem Pecado como evitar atos cons-
cientes de rebelião contra Deus. Contudo, Pecado também inclui atos inconscien-
tes e atos de omissão, Em outras palavras, impecabilidade absoluta (ou Perfeição
absoluta) demanda um completo abandono dos pecados conscientes e inconscien-
tes, mas também requer que a pessoa faça o bem constantemente. Essa distinção
se torna especialmente pertinente quando notamos que os fariseus do passado não
foram condenados, na descrição do juizo final feita de Cristo, por pecados cometi-
dos, mas por pecados de omissão. Isto é, eles foram condenados no juizo, não por-
que cometeram atos pecaminosos, mas porque deixaram de alimentar o próximo
ou visitar os doentes (Mt 25:31-46).
A ênfase de Deus nos pecados invisíveis da omissão está em contraste com
aqueles que definem o Pecado apenas corno atos rebeldes cometidos conscien-
temente. O padrão do caráter de Deus é muito mais elevado do que pensam os
modernos ou os antigos fariseus. Claro, uma boa razão pára rebaixar o padrão e
definir Pecado somente como urna rebelião consciente é a facilidade de alcança-
-lo. Assim, a abordagem negativa das mentes farisaicas é compreensível.
Ser "perfeito", para Paulo em Filipenses, e estar "sem pecado" para João em
sua primeira epístola —, não significam Perfeição absoluta ou impecabilidade ab-
76
soluta. Mas significa estar livre de uma atitude de rebelião em relação ao Pai e aos
seus princípios estabelecidos em sua Lei de amor.
Por causa de nossos corpos e mentes imperfeitos, que não conhecem
nem compreendem todas as coisas (ver 1Co 13:12), até mesmo os cristãos
mais fiéis ainda cometem pecados de ignorância e pecados de fraqueza.
Como Wesley escreveu, existem aqueles que
amam a Deus de todo o coração. í...] Mas mesmo essas almas habitam
num corpo quebrantado e são tão pressionadas para baixo que não podem
exercer sempre, como desejariam, por pensamentos, palavras e ações,
precisamente o que é certo. Por falta de melhores órgãos corporais, eles
muitas vezes pensam, falam e agem de forma errada, não de fato por um
defeito do amor, mas por um defeito do conhecimento. P., embora esse
sela o caso, apesar daquele defeito e suas consequências, eles cumprem
a lei do amor [ainda que não perfeitamente].
Deyido à insuficiência do seu amor quando em ação, mesmo que essa insu-
ficiência se baseie em ignorância e fraqueza, eles ainda "precisam do sangue ex-
piatório e podem corretamente 1...] dizer: 'Perdoa as nossas dívidas' (WESLEY,
1996, p. 84). .:Portanto, podemos ser perfeitos ou sem pecado em nossas atitudes,
Sou perfeito, mas não Perfeito; estou sem pecado, mas não sem Pecado
ao mesmo tempo que não somos perfeitos ou sem pecado em nossas ações.)oão,
Paulo e Wesley concordam sobre esse ponto.
O paradoxo de Paulo entre já ser perfeito, mas ainda não ser Perfeito (Fp
3:9-15), e a divisão de João entre estar sem pecado, mas ainda não sem Pecado
(1Jo 3:9; 1:8; 2:1; ver Rrn 6-7) precisa ser vista em termos de€erfeição de atitude
versus perfeição de comportamento.» primeira deve ser a posse atual dos cris-
tãos; a segunda é um ideal para esta vida.
Perfeição, na Bíblia, em relação aos seres humanos e seus corpos mor-
tais, é Perfeição da alma, em vez de perfeição em todos os aspectos. É assim
que deve ser vista a tensão relacionada com o ensino de Paulo expressa em já
perfeito, mas ainda não Perfeito. O coração e a mente foram transformados de
tal forma que os cristãos não nutrem mais o desejo intencional ou a intenção
consciente de ir em direção ao pecado (Rm 6:18). Em vez disso, eles são servos
do amor agape para com Deus e para com o próximo.
Por isso, é possível, de acordo com a Bíblia, que cada cristão viva livre da
rebelião contra Deus e contra seus princípios. Essa é a razão pela qual Judas
escreve que Deus é capaz de nos guardar "de tropeços" e nos apresentar "com
exultação, imaculados diante da sua glória" (Jd 24). Como Ellen G. White (1980, 77
p. 140) declara, por meio da ajuda divina, uma pessoa é capacitada a "vencer toda
tentação com que é assaltada".
Um aspecto importante da perfeição (ou maturidade) cristã é o grande de-
sejo de se tornar perfeito em amor para com as outras pessoas e para com Deus.
Lembre-se de que a perfeição cristã não é meramente entrar em uma relação cons-
ciente de fé, na qual atos errados se tornam repulsivos; mais importante do que
isso é alcançar o amor a Deus e ao próximo. Perfeição é uma vida que transborda
amor; é a demonstração de que Deus transformou tanto o nosso coração (atitudes)
quanto nossas ações externas (comportamentos) • dois aspectos de nossa vida
que não podem ser separados. Assim, a perfeição cristã não é meramente negativa
(o que não fazemos) e interna; é também positiva (o que fazemos) e externa. Como
resultado, o cristão faz a diferença ao seu redor.
78
Capítulo 6
Eu costumava
ser perfeito
4;-;; \
$ /.17\ importante que você deve saber
"'" Cr.rr) sobre mim é que eu costumava ser
perfeito. Note o tempo do verbo no passado: eu costumava ser perfeito em um sentido
no qual agora não sou. Mas por que eu era perfeito? Eu era perfeito por ser adventista
e porque Jesus viria logo. Honestamente: eu queria a fé da trasladação; queria o caráter
da trasladação; e queria a perfeição da trasladação. Converti-me do agnosticismo para o
adventismo com a idade de 19 anos. Depois de me tornar adventista, olhei para minha
igreja, seus membros e seus pregadores e conclui: "Que confusão! Vocês ainda não alcan-
çaram a perfeição. Vocês só podem ter falhado em ser perfeitos porque não se esforçaram
o bastante". Mas eu seria diferente. Eu não falharia.
Eu tentaria mais do que qualquer adventista já havia tentado. Na ocasião, estava
trabalhando na estrutura metálica da construção de altos edifícios sobre a Baia de São
Francisco. Ainda me lembro do dia em que, muito acima da baia, eu estava meditando
sobre a perfeição. Foi então que conscientemente decidi e verbalmente me comprometi
a ser o primeiro cristão perfeito depois de Cristo — e quero dizer exatamente isso. Eu
era desesperadamente sincero. Daqui a pouco te conto mais sobre isso.
' Para estudo mais detido da compreensão adventista tradicional de Apocalipse 11:12, ver
Knight (1 989, p. 53-55; 2004, p. 115-117).
Eu costumava ser perfeito
Eles passaram a enfatizar a tradução "fé em Jesus"? O texto pode ser traduzido como
"fé em Jesus" ou "fé de Jesus". Muitos adventistas, ao interpretarem o texto como "fé
de Jesus", têm a tendência de sugerir no verso que o fato de possuirmos a "fé de Jesus"
resulta em uma vida sem pecado, assim corno a dele.
Essa interpretação provavelmente foi encorajada pelos primeiros cinco versos de
Apocalipse 14. No verso 1, por exemplo, lemos: "Olhei, e eis o Cordeiro em pé sobre
o monte Sião, e com ele cento e quarenta e quatro mil, tendo na fronte escrito o seu
nome e o nome de seu Pai". Além disso, os versos 4 e 5 declaram: "São estes os que não
se macularam com mulheres, porque são castos. São eles os seguidores do Cordeiro
por onde quer que vá" — não o seguem apenas em parte do caminho, mas por todo o
caminho. "São os que foram redimidos dentre os homens, primícias para Deus e para
o Cordeiro; e não se achou mentira na sua boca; não têm mácula". Ora, essa é uma nor-
ma muito elevada, certo? Eles "são imaculados". Ou, como traduzem (incorretamente)
a versão King Jcznies e a Almeida Revista c Corrigida, "são irrepreensíveis diante do
trono de Deus". É isso o que eu chamaria de pessoas "perfeitas"' E não é difícil ver por
que muitos advemistas pensavam dessa maneira sobre o assunto da perfeição. Afinal,
Apocalipse 12 e 14 são textos fundamentais para a identidade da denominação.
É consenso que recebemos uma espécie de "perfeição" por meio da justificação
81
pela fé pelo fato de estarmos em Cristo. Porém, esses textos de Apocalipse 14 levan-
tam a pergunta: "A justificação pela fé é suficiente, ou devemos ser perfeitos para
fazer parte dos 144 mil?" Além disso, "se há algo além da justificação, o que deve
ocorrer dentro de nós?" Essa questão divide os adventistas por mais de um século. O
que deve ocorrer com o povo de Deus no tempo do fim?
Antes de prosseguirmos, devemos entender o desenvolvimento de Apocalipse
14. Temos os 144 mil, o primeiro anjo, o segundo anjo, o terceiro anjo e, imedia-
tamente após o terceiro anjo, o grande drama da segunda vinda de Cristo, a ceifa.
Lemos nos versos 14 e 15: 'Olhei, e eis uma nuvem branca, e sentado sobre a nuvem
um semelhante a filho de homem, tendo na cabeça urna coroa de ouro e na mão uma
foice afiada. Outro anjo saiu do santuário, gritando em grande voz para aquele que se
achava sentado sobre a nuvem: Toma a tua foice e ceifa, pois chegou a hora de ceifar,
visto que a seara da terra já amadureceu!"
Os adventistas desejam estar prontos para a vinda de Jesus. Eles não só
têm a Bíblia para encorajá-los a respeito da perfeição de caráter, mas também os
escritos de Ellen G. White. Aqui está uma das suas mais impressionantes decla-
rações: "Cristo aguarda com fremente desejo a manifestação de si mesmo em sua
1 Para avaliação da nova compreensão de Apocalipse 14:12, ver Knighç (1989, p. 55-
60; 2004, p. 117-121).
Eu costumava ser perfeito
deficiências alimentares. Esse foi o resultado de sua reforma de saúde. Ellen G. White
(2011, p. 69) se referia a tal dedicação em seus dias como "deforma de saúde")
Alguns adventistas caminham por direções estranhas na busca pela perfei-
ção de caráter. Talvez isso ocorra porque alguns de nós não possuem a mínima
ideia do que signifique "caráter". Nem temos a mínima noção do que Ellen G. Wh i-
te queria dizer por "caráter de Cristo".
Mien G. White ao irmão e irmã Kress, 29 de maio de 1901; publicado em White (1990, p. 202).
Em português, a expressão foi traduzida corno "deformação da saúde". O texto original é um
trocadilho entre "reforma de saúde" (em inglês, health reforrn) e "deforma [ou deformação] da
saúde" (em inglés, heaith deforrn) (nota do editor).
Eu costumava ser perfeito
três meses, Alguns temiam que eu morresse de "reforma de saúde". Aliás, quero
que você saiba algo: em minha luta pela perfeição, eu tne tornei perfeito.
Sempre leia o contexto. 4 Descubra o que o autor inspirado está dizendo, quer
seja Paulo, Pedro, João ou Ellen G. White. O contexto fará muita diferença em nos-
sa compreensão e em nossa vida! Por exemplo, vejamos o contexto da declaração
existente no livro Parábolas de Jesus sobre reproduzir perfeitamente o caráter de
Cristo. Nos parágrafos imediatamente anteriores, lemos:
Cristo procura reproduzir-se no coração dos homens; e faz isso por inter-
médio daqueles que nele c rec-m. O objetivo da vida cristã é a frutificação —
a reprodução do caráter de Cristo no crente, para que possa se reproduzir
em outros. Não pode haver crescimento nem frutificação na vida que
está centrada no eu. Se você aceitou a Cristo como seu salvador pessoal,
deve esquecer-se de si mesmo e buscar auxiliar outros. Fale do amor de
Cristo, conte de sua bondade. Cumpra todo dever que se lhe apresentar.
Leve sobre o coração o peso da salvação das pessoas, [..4 Recebendo o
Espirito de Cristo — o espirito do amor abnegado e do trabalho por outros
—, você crescerá e produzirá frutos. As graças do Espirito amadurecerão
em seu caráter. Sua fé aumentará; suas convicções se aprofundarão, seu
amor será mais perfeito. Mais e mais você refletirá a semelhança de Crista
86
em tudo o que é puro, nobre e amável (WRITE, 2011, p. 67-68).
° Para estudo mais aprofundado sobre princípios de interpretação dos escritos de Ellen G. Whi-
te, veja Kitight (1997). Veja também Douglass (2001, p. 372 443).
Eu costumava ser perfeito
justos e injustos. Jesus está dizendo que devemos ser perfeitos, ou maduros, em amor
aos outros "corno perfeito é o vosso Pai celeste" em seu amor por nós. Lembre-se de
que Cristo morreu por você quando você ainda era seu inimigo (Rm 5:6, 10). Para
sermos como o Pai, nós também devemos amar nossos inimigos (Mt 5:43-48).
Você pode amar como Deus amou? Isso é a maturidade cristã, ou a perfeição
cristã. E, se você não crê nisso, compare Mateus 5:48 com Lucas 6:36, Lucas 6:27-36
é uma passagem paralela a Mateus 5:43-48. Ambas lidam com o amor aos inimi-
gos, e ambas concluem com a declaração de que os cristãos devem ser semelhantes
a Deus. Mas a passagem de Lucas não diz: "Portanto, sede vós perfeitos", mas:
"Sede misericordiosos, como também é misericordioso vosso Pai" (Lc 6:36). Os
evangelistas igualaram a afirmação de Cristo sobre a perfeição com a misericórdia.
Para compreender melhor esse assunto, precisamos voltar a Mateus 25:31-46,
que descreve a cena do grande julgamento das ovelhas e dos bodes. Essa é uma pas-
sagem muito interessante. Leia-a neste momento, e conte os pontos de interrogação.
Note a grande surpresa que é experimentada no juízo. Por um lado, Jesus diz a um
grupo: "Entrem no meu reino". Assim, segundo a parábola, eles respondem: "Senhor,
como fizemos isto? Não somos como aqueles fariseus. Não passamos a nossa vida
preocupados com a quantidade de coisas que devem ser feitas e as que não se devem 87
fazer". Jesus responde: "Vocês não compreendem? Quando estive faminto, vocês me
alimentaram. Quando estive na prisão, vocês me visitaram. E, quando estive sedento,
me deram de beber." Mas eles perguntam novamente: "Espere um minuto. Como
pode ser isso?! Nunca te vimos nem te alimentamos". "Mas", responde Jesus, "se vo-
cês fizeram isso a um destes meus pequeninos irmãos, vocês fizeram a mim".
A essa altura o outro grupo está ficando realmente agitado. Há um bom
número de fariseus no segundo grupo, indivíduos que haviam dedicado sua
vida a observar a multidão de detalhes sobre a lei. "Espere um momento, Se-
nhor", exclamam eles, "guardamos o sábado. Nós realmente guardamos o sá-
bado. Tínhamos umas 1.500 normas e regulamentos concernentes ao sábado!
Guardamos todos eles! E não somente guardamos o sábado; pagamos o dízimo
rigorosamente. Éramos tão escrupulosos que dizimávamos cada décima folha
de nossas pequenas hortelãs. Tínhamos uma boa alimentação. Senhor, tens
de nos salvar. Nós merecemos isso." "Bem", responde Jesus, "há apenas um
problema. Quando estive na prisão, vocês não pareciam se preocupar. Quando
estive faminto, onde vocês estavam?" "Senhor", eles respondem rapidamente,
"se soubéssemos que eras Tu, certamente teríamos estado lá". E Jesus responde:
"mas vocês não compreenderam. Não assimilaram o princípio do meu Reino.
Vocês não assimilaram o grande princípio do amor. E, se vocês não têm isso,
não serão felizes no meu Reino."
Eu costumava ser perfeito
lvlateus 25 é muito explicito sobre o fato de que o juizo gira em torno de uma
questão específica. Porém, se você precisa de mais ajuda, Ellen G. White (2001, p.
637, grifo nosso) diz isso da maneira mais clara possível: "Assim", ela escreve de-
pois de citar Mateus 25, "descreveu Cristo aos discípulos, no Monte das Oliveiras,
as cenas do grande Dia do Juízo. E apresentou sua decisão como girando em torno
de um ponto. Quando as riaçóes se reunirem diante dele, não haverá senão duas
classes, e seu destino eterno será determinado pelo que houverem feito ou negli-
genciado fazer por Ele na pessoa dos pobres e sofredores".
Se as pessoas não estão transmitindo o amor de Deus ao seu próximo, é
porque não o possuem. Se as pessoas têm o amor de Deus no coração, não há
nenhuma maneira de ele ser reprimido. Elas o expressarão. A expressão do
amor divino por aqueles a quem Jesus ama é o grande critério no juízo final.
Deus quer que todos os que estiverem no céu sejam felizes. Essa felicidade es-
tará naqueles que renunciaram ao princípio do amor egoísta e autossuficiente
(Pecado) e permitiram que Deus implantasse no coração e na vida o grande
princípio de sua Lei.
O novo nascimento inclui a mudança na vida de urna pessoa do egoísmo e
egocentrismo (Pecado) para o altruísmo e o amor ao próximo (os princípios da
88
Lei). Santificação é meramente o processo de alguém tornar-se mais amorável. O
conceito bíblico de perfeição é tornar-se maduro e expressar o amor de Deus. Tais
pessoas estão formando um caráter semelhante ao de Cristo, porque "Deus é amor"
(1Jo 4:8). Essas pessoas estão salvas para a eternidade.
A demonstração final
de Deus ao universo
Esse pensamento nos conduz ao assunto acerca da demonstração final de
Deus ao universo. Ellen G. White (2011, p. 69) alega que "a última mensagem de
graça a ser dada ao mundo é uma revelação do caráter do amor divino". A de-
monstração final ao universo do que a graça pode fazer na vida humana será uma
demonstração do poder de Deus em transformar indivíduos egoístas em pessoas
que amam a Deus e à humanidade. A demonstração final não é uma pessoa que
finalmente alcançou a vitória sobre pizza quatro queijos, refrigerantes, ou algum
artigo de alimentação ou comportamento. A grande demonstração ao universo
tem a ver com a reprodução do caráter de Cristo. Um dos grandes textos do NT
atinge o âmago da questão. Disse Jesus:
Eu costumava ser perfeito
Muitos adventistas leem esse texto como se ele estivesse dizendo esse tipo de
coisa. Contudo, em realidade, Jesus disse: "Nisto conhecerão todos que sois meus
discípulos, se vos amardes uns aos outros" (Jo 13:35). O amor não é apenas o ponto
em torno do qual gira o juízo; é também o ponto pelo qual Jesus identifica seus
discípulos. Ser seguidor de Cristo é ser alguém que ama a Deus e ao próximo.
Muitos adventistas passam por alto esse ensino fundamental do NT. Muitís-
simos têm as normas, regulamentos e leis (que têm seu lugar no contexto de manter
um relacionamento com Jesus), mas negligenciam o grande princípio que constitui
o fundamento da Lei de Deus. Muitos, em sua luta pela perfeição, trabalham ao 89
nível de pecados e leis, em vez de permitir que Deus opere neles ao nível do Peca-
do e da Lei. Infelizmente, todas as normas e regulamentos, sem o amor de Jesus,
contribuem para uma religião sombria — ou pior ainda, uma religião destrutiva.
Quando vou a um congresso da igreja, posso olhar para uma audiência de
dez mil pessoas e identificar em um relance os chamados "perfeitos". São aqueles
que não estão sorrindo. São os que evidentemente não têm nada a celebrar e em
que rejubilar-se, porque não têm segurança em Cristo.
Ora, se eu fosse o diabo, daria aos adventistas a verdade bíblica, mas os
tornaria mais frios do que o gelo no inverno siberiano. Por outro lado, eu da-
ria a alguns cristãos alegria na igreja e na vida cristã, mas confundiria de tal
forma sua teologia que eles não saberiam distinguir Gênesis de Apocalipse.
Os adventistas precisam da alegria da salvação combinada com suas verdades
doutrinárias. Quando os adventistas tiverem Jesus no coração e a certeza da
salvação, eles não possuirão apenas a verdade com "v" minúsculo (isto é, a
verdade doutrinária), mas a Verdade com "V" maiúsculo (o Senhor da verdade).
"Eu sou H.] a verdade", Jesus disse (Jo 14:6).
Estou pessoalmente convencido de que o exercício necessário para manter
o adventismo em movimento não é apenas a verdade doutrinária, mas o conhe-
cimento de Jesus e da maravilhosa certeza da salvação nele. Precisamos tanto da
verdade quanto da Verdade. Quando os adventistas possukem ambas, elas serão
Eu costumava ser perfeito
proclamadas em cada uni de seus atos, e inclusive na adoração, Nessa ocasião, eles
estarão aptos para permitir que o Espírito Santo os use para abalar o mundo com
a bela mensagem que Deus lhes confiou.