Crítica À Degenerescência Racial e Reforma Psiquiátrica de Juliano Moreira
Crítica À Degenerescência Racial e Reforma Psiquiátrica de Juliano Moreira
Crítica À Degenerescência Racial e Reforma Psiquiátrica de Juliano Moreira
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Parte dos argumentos deste estudo estão presentes no Artigo Race et Folie que está no prelo
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Doutora em História Social pela USP. Professora de História da América da UFF. Especialista em história
da escravidão e das relações raciais nas Américas. Autora do livro: Juliano Moreira, um médico negro na
psiquiatria brasileira. Niterói, Editora EDUFF, 2020. E-mail: [email protected]
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preciso, como também o melhor tratamento. Pois bem, um dos pacientes que
ele recebeu naquele ano era um jovem diagnosticado como esquizofrênico. O
rapaz era filho de uma mulher negra nascida no Brasil com um imigrante italiano.
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a própria existência das raças humanas – questionamento este que se mostrará
correto na primeira década do século XX. Juliano Moreira não se contentou com
explicações que compartilhassem de um olhar racista e reducionista da
população negra brasileira.
Um ponto crucial e que muitas vezes não é tratado com a centralidade que
deveria, é que Juliano Moreira era um médico negro. Nascido em Salvador no
ano de 1872, era filho de Galdina do Amaral e de Manoel Moreira Júnior. Galdina
era uma mulher negra livre, que trabalhava como doméstica na casa do Barão
de Itapuã e que criou seu filho sozinha – Juliano só conheceu seu pai quando já
era um jovem adulto (Santos, 2020). O brilhantismo de Juliano Moreira sempre
se destacou e, com ajuda de seu padrinho (o próprio Barão de Itapuã, um médico
importante de Salvador), ele pode frequentar escolas particulares, ingressando
na Faculdade de Medicina da Bahia aos 14 anos. Seu lugar social excepcional
foi acompanhado por uma série de episódios de discriminação racial, como no
concurso que ele fez para professor da mesma faculdade em que estudara em
1896. Sendo assim, Juliano sabia muito bem dos interditos impostos pelo
racismo. E como cientista brilhante que era, ele sabia que tais interditos não
tinham nenhuma razão científica (Jacobina, 2019).
Poucos anos depois da querela com Nina Rodrigues, Juliano Moreira se mudou
definitivamente da Bahia para o Rio de Janeiro, então capital federal. Os motivos
para essa mudança não são claros em sua biografia. Ele tinha conquistado o
posto de Professor de uma das mais respeitadas (e racistas) instituições de
ensino superior do Brasil. Tal posto lhe permitia não só formar futuros médicos,
mas também atuar como psiquiatra no Asylo João de Deus e também
representar a ciência brasileira em congressos e encontros de área. Era preciso
um motivo muito forte para abrir mão de tudo isso, ainda mais um homem negro
que tinha plena consciência da excepcionalidade do lugar social que ocupava.
Mas o fato é que Juliano Moreira se mudou para o Rio de Janeiro e abriu um
consultório particular que funcionou por poucos meses no bairro de São
Cristóvão (Jacobina, 2019).
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No ano de 1903, por intermédio de seu amigo pessoal, Afrânio Peixoto, Juliano
Moreira foi convidado pelo Ministro J.J Seabra a dirigir o Hospício Nacional dos
Alienados, a instituição asilar mais importante do país. E o que ele fez a partir do
momento em que aceitou o cargo, foi protagonizar a primeira grande reforma
psiquiátrica do Brasil. Um homem negro, que não compactuava com o racismo
científico foi o responsável por transformar a forma por meio da qual os doentes
mentais eram internados.
A tarefa não seria fácil. Ainda no ano de 1902, o suicídio de um alienado nas
dependências do Hospício detonou outra forte crise. Não era a primeira vez que
um alienado tirava a própria vida na instituição. Entretanto, a forma como a morte
havia sido planejada por ele era a prova cabal da já conhecida falta de vigilância
e cuidado por parte de médicos e enfermeiros, fizeram com que o Hospício
ganhasse as piores manchetes dos jornais que circulavam na capital federal. A
imprensa estava há um bom tempo denunciado os maus-tratos daqueles que
eram internados no Hospício Nacional, chegando a sugerir que muitos saíam de
lá pior do que entravam.
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A saída da Santa Casa da administração do Hospício marcou um grande avanço
no processo de medicalização do tratamento dos doentes mentais. Para citar
uma inovação, ainda em 1890, como parte das mudanças trazidas pela
Proclamação da República, foram criadas as colônias para alienados da Ilha do
Governador. Tais colônias seguiam o modelo francês de open door, o que
ampliou ainda mais a atuação dos médicos no tratamento dos doentes mentais.
O número de pacientes nas instituições destinadas ao tratamento das doenças
nervosas também cresceu significativamente nos últimos anos do século XIX.
De acordo com Teixeira Brandão, durante os cinco primeiros anos da República,
o Hospício Nacional já tinha recebido praticamente a mesma quantidade de
internos de quando esteve sob o comando da Santa Casa no período imperial
(Portocarreiro, 2002).
Não por acaso, foi nesse contexto que Oswaldo Cruz foi nomeado diretor geral
de Saúde Pública, ficando conhecido pelas campanhas nacionais de vacinação
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obrigatória, cujo objetivo era erradicar a febre amarela e a varíola. A falta de uma
campanha educativa para a população em meio à obrigatoriedade da vacinação
desembocou numa série de revoltas, tendo sido a Revolta da Vacina (1904) no
Rio de Janeiro a mais conhecida. (Sevcenko, 1998). A forma autoritária por meio
da qual o Estado decidiu intervir na esfera privada da população brasileira – a
mesma população que esteva alijada da vida política por meio de uma
Constituição que impedia o voto dos analfabetos – foi abertamente e
violentamente questionada
Como a maior parte da classe médica do período, Juliano Moreira era um médico
que acreditava e defendia boa parte dos pressupostos do Higienismo e do
Sanitarismo. No entanto, sua forma de atuação era diferente. Juliano Moreira foi
um homem que conseguiu juntar rigor científico com bondade e generosidade.
Como pontuado por uma vasta bibliografia, a reforma psiquiátrica levada a cabo
por Juliano Moreira começa no instante que ele aceitou o convite para ser o novo
Diretor do Hospício dos Alienados. Seguindo os preceitos do alemão Emil
Kraepelin - que entendia a Assistência aos alienados de forma ampla, o que
significava pensar não só nos tratamentos ofertados aos alienados, mas na
própria condição jurídica dessas pessoas e na sua possível reinserção social -,
Juliano Moreira solicitou que o Congresso Nacional aprovasse com urgência o
decreto legislativo no. 1.132 de 22 de dezembro de 1903, aprovado pelo
presidente no ano seguinte. (Carvalhal, 1997). De forma geral, essa lei ampliou
o poder do Estado no controle aos doentes mentais tanto em estabelecimentos
privados quanto públicos, garantindo a imposição de restrições às liberdades
individuais dos doentes mentais. A partir de então, a figura do psiquiatra ganhou
autoridade e autonomia nos assuntos relativos à doença mental no Brasil
(Oliveira, 2017).
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dependências do Hospício, o que garantiu o preparado adequado dos
profissionais que trabalhavam cotidianamente com os doentes mentais – tal
escola já havia sido aventada por diretores anteriores do Hospício, mas só virou
uma realidade efetiva 15 anos, com Gustavo Riedel.
Outra parte importante da reforma de Juliano Moreira – que diz muito sobre o
olhar que ele tinha sobre as doenças mentais – foi a construção de pavilhões
destinados às oficinas. A ideia era que os internos realizassem serviços laborais
como forma de tratamento, mas também como meio de ajudar o funcionamento
das instituições e, em muitos casos, de possibilitar algum tipo de melhoria numa
futura reinserção social para além dos muros do hospício.
Se por um lado essa crítica não estava explícita na reforma, ela era o pilar de
sustentação do estudo que ele fez chamado “Notícias sobre a Evolução da
Assistência a Alienados no Brasil”, publicado pela primeira vez nos Arquivos
Brasileiros de Neuratria e Psiquiatria em 1905.
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defendidas por grande parte de seus colegas de profissão. Juliano Moreira
defendia que, por questões historicamente constituídas, a maior parte dos
internos nos hospícios eram homens e mulheres pobres, negros e mestiços na
sua grande maioria. E que boa parte das mazelas apresentadas por esses
internos tinham razões nas suas condições históricas, sociais e econômicas e
não em uma pretensa predestinação racial.
Uma das questões que Juliano Moreira se debruçou com vagar foi o alcoolismo.
Alcoólatras eram frequentemente encaminhados para o Hospício Nacional. E
muitas vezes eles eram homens e mulheres negros. Se para muitos médicos
daquela época, essa correlação tinha explicações biológicas, o que Juliano
Moreira apresentou em 1905 foi uma explicação sociológica de tal fenômeno.
A primeira reforma psiquiátrica o Brasil foi feita por um médico negro que, crítico
às teorias de degenerescência racial, implementou uma nova percepção sobre
a alienação que, mesmo imbuída do sanitarismo da época, reconhecia a
humanidade dos ditos doentes mentais e se empenhava na possibilidade de cura
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deles. Como pontuado por uma parte da historiografia, ao rechaçar o racismo
científico, Juliano Moreira pode implementar um sistema que, de alguma forma,
permitia uma segunda chance para uma população que estava fadada ao lugar
da selvageria e da incivilidade (Engel, s/d. Santos, 2020). O lugar excepcional
de Juliano Moreira na história brasileira, a sua subjetividade como um médico
negro num país sabida e abertamente racista, foi fundamental para a elaboração
de uma reforma psiquiátrica que tentava apartar o racismo da manifestação das
doenças mentais (Oda, 2000). Uma ação inovadora, transformadora que,
importante repetir, foi feita por um homem negro.
Bibliografia:
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Moreira, Juliano. Etiologia da Syphilis Maligna Precoce. Tese (Doutoramento em
Medicina) – Faculdade de Medicina de Bahia, Salvador, 1891
_____. “Notícia sobre a evolução da assistência a alienados no Brasil”. Archivos
Brasileiros de Psychiatria, Neurologia e Sciencias Affins. Revisão de Ana Maria
G. R. Oda. Rio de Janeiro, vol. 1, n. 1: 52-98, 1905,
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Seyferth, Giralda. “Construindo a nação: hierarquias raciais e o papel do racismo
na política de imigração e colonização: In: Maio, M.C. Santos, R.V (Orgs). Raça,
Ciência e Sociedade. Rio de Janeiro, Ed. FioCruz: 41-58, 1996
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