Direito Civil I - Pessoas e Bens
Direito Civil I - Pessoas e Bens
Direito Civil I - Pessoas e Bens
pessoas e
bens
Indaial – 2020
1a Edição
Elaboração:
Prof.ª Fabiane Brião Vaz
V393d
ISBN 978-65-5663-301-5
ISBN Digital 978-65-5663-302-2
CDD 342.14
Impresso por:
APRESENTAÇÃO
Olá, caro acadêmico, eu sou a sua professora e autora desta disciplina de Direito
Civil I – Pessoas e Bens e me chamo Fabiane Brião Vaz. Sou graduada em Direito,
especialista em Direito Público e possuo mestrado em Política Social pela Universidade
Católica de Pelotas/RS. Tenho experiência profissional como professora universitária do
curso de Direito, além da coordenação do Núcleo de Prática Jurídica.
Por fim, vamos, ainda, iniciar um estudo básico referente aos chamados Fatos
Jurídicos, e entender onde o encontro dos elementos Pessoas e Bens se tornará relevante
para as questões do ordenamento jurídico no nosso território.
QR CODE
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ENADE
Acadêmico, você sabe o que é o ENADE? O Enade é um
dos meios avaliativos dos cursos superiores no sistema federal de
educação superior. Todos os estudantes estão habilitados a participar
do ENADE (ingressantes e concluintes das áreas e cursos a serem
avaliados). Diante disso, preparamos um conteúdo simples e objetivo
para complementar a sua compreensão acerca do ENADE. Confira,
acessando o QR Code a seguir. Boa leitura!
LEMBRETE
Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma
disciplina e com ela um novo conhecimento.
REFERÊNCIAS.......................................................................................................................59
REFERÊNCIAS.....................................................................................................................106
REFERÊNCIAS.....................................................................................................................155
UNIDADE 1 -
NOÇÕES BÁSICAS
DE DIREITO CIVIL
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:
PLANO DE ESTUDOS
A cada tópico desta unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de
reforçar o conteúdo apresentado.
CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.
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CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 1!
Acesse o
QR Code abaixo:
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UNIDADE 1 TÓPICO 1 -
CONCEITO E DIVISÃO DO DIREITO
1 INTRODUÇÃO
a) caráter genérico: normas que poderão ser aplicadas a todos os indivíduos residentes
naquele território;
b) caráter jurídico: normas que se diferenciam diante das normas sociais (meras normas
de conduta), ou seja, estão amparadas pela garantia Estatal.
NOTA
As referidas normas de conduta constituem o direito objetivo, aquele direito
que é exterior ao indivíduo. Já as normas de caráter jurídico são leis que
formam o que chamamos de direito positivo, que são normas colocadas de
maneira obrigatória diante de todos, em prol de um bem maior, a paz social.
Gonçalves (2019) explica que o Direito pode ser caracterizado como a ciência do
“dever ser”. Isso porque, ao proporcionar as condições de coexistência entre os cidadãos
numa sociedade, o Direito estabelece a diferenciação entre o “ser” das relações naturais
e o “dever ser”, que é pautado pelo mundo jurídico.
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FIGURA 1 – INICIANDO OS ESTUDOS DO DIREITO
Cabe lembrar que, para a garantia de justiça e equidade nas ações do Estado,
essas serão desempenhadas por meio de representantes do próprio povo, através da
elaboração de leis pelas quais todos os cidadãos terão oportunidade de conhecimento
dos direitos e deveres. Além disso, a garantia da eficácia dessas leis acontecerá por
meio da aplicação de sanções àqueles que as desrespeitarem.
NOTA
As sanções citadas (que trarão consequências ao direito de liberdade ou
à propriedade do cidadão) só poderão ocorrer, efetivamente, depois da
devida apreciação do caso por parte do Estado/juiz, após a provocação por
iniciativa do cidadão interessado ou de algum órgão estatal.
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2 DIREITO E MORAL
Uma distinção necessária ao iniciar os estudos basilares acerca do Direito são os
conceitos de Direito e Moral. Inicialmente, vejamos o que aproxima esses dois conceitos.
Percebemos da onde surge o bordão tão utilizado pelos estudos iniciais do Direito:
“tudo que é jurídico é moral, mas nem tudo que é moral é jurídico”, isso quer dizer que a Moral
é mais ampla do que o Direito dentro de uma sociedade, ou seja, algumas condutas requerem
normatização por meio de leis para que sejam seguidas, enquanto outras apenas se efetivam
naturalmente. Sobre isso, Reale (2018, p. 42) ensina:
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Ocorre que as normas do Direito são fruto de usos e costumes locais da
sociedade. Uma vez que essas normas são postas pelos legisladores e aplicadas pelo
Poder Judiciário, serão impostas aos cidadãos que ali residem, independentemente das
suas opiniões ou crenças pessoais.
a) uma, duas ou mais pessoas não possuem Direito, ou seja, bilateralidade em sentido
social. Os sujeitos estão presentes de maneira subjetiva;
b) todos os sujeitos estejam presentes de maneira objetiva, isto é, insuscetível de ser
reduzida, unilateralmente, a qualquer dos sujeitos da relação (bilateralidade em
sentido axiológico);
c) atribui garantia de uma pretensão ou ação, que pode se limitar aos sujeitos da
relação ou se estender a terceiros, ou seja, uma relação de proporção estabelecida
(bilateralidade em sentido de atributividade).
NOTA
A bilateralidade atributiva é um conceito muito mais utilizado para se
definir o que venha ser o Direito do que para distingui-lo da Moral, embora
os elementos apresentados por essa teoria sirvam, também, para fazer
essa distinção.
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Podemos, assim, conceituar o direito como o conjunto de normas que
acondiciona a vida em sociedade, colocando, de um lado, direções de comportamentos
às pessoas e, de outro, sanções para o caso de descumprimento dessas deliberações,
que poderão ser aplicadas coercitivamente pelo Estado. É importante salientar que esse
“conjunto de normas” será identificado a partir de fatos distintos condizentes com a
corrente filosófica (GARCIA; PINHEIRO, 2014).
NOTA
Para gozar de boa saúde, as pessoas devem seguir os preceitos higiênicos.
Para bem se relacionar e desfrutar do prestígio social, devem observar
as regras de etiqueta e urbanidade. Para desenvolver a espiritualidade e
cultuar as santidades, as pessoas devem obedecer aos princípios religiosos,
e assim por diante.
Assim, é de fácil acepção o fato de que nem tudo que é moral é jurídico, pois a
justiça é apenas uma parte do objeto da moral. Para a melhor visualização, utilizamos os
chamados círculos concêntricos de Bentham, dos quais a circunferência representativa
do campo da moral se mostra mais ampla, contendo todas as normas reguladoras da
vida em sociedade, vejamos:
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FIGURA 2 – CÍRCULOS CONCÊNTRICOS DE BENTHAM
Por fim, devemos lembrar que o direito trará, para a esfera de atuação, os
regulamentos de Moral quando os considerar dignos de sanções mais efetivas, visto que
é comum ocorrer de os campos de atuação se cruzarem, já que ambos dizem respeito
às relações interpessoais entre os indivíduos de uma mesma sociedade.
a) Direitos subjetivos corriqueiros da própria existência (fazer, não fazer, ter, não ter).
b) Direitos subjetivos oriundos da necessidade de defender direitos (direito de ingressar
com uma ação, por exemplo).
Qual é a relação que existe entre os dois tipos de Direitos citados? Por que
ambos são essenciais para o bom funcionamento de uma sociedade? Vejamos.
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O conjunto de regras jurídicas comportamentais, que chamaremos de norma
agendi, possibilitará, para o cidadão, a opção de satisfazer algumas demandas, além de
também proporcionar a realização dos atos que serão necessários para a realização de
tais demandas (facultas agendi).
NOTA
Direito subjetivo nada mais é que a faculdade individual de agir de acordo
com o Direito Objetivo. Direito subjetivo é, pois, o poder que a ordem jurídica
confere a alguém de agir ou de exigir de outrem determinado comportamento.
Além disso, é importante ressaltar que o Direito Subjetivo também será balizado
pelo poder atribuído à vontade do indivíduo de satisfazer os seus próprios interesses,
estes que se encontram protegidos pela lei (Direito Objetivo).
NOTA
Quando se diz que “o direito impõe, a todos, o respeito à propriedade”,
estamos falando do Direito Objetivo. Já quando se fala de que “o proprietário
tem o direito de repelir a agressão à coisa que lhe pertence”, estamos falando
do Direito Subjetivo.
NOTA
Metafísica é uma subdivisão fundamental do estudo da Filosofia. Pode ser
compreendida, de maneira simplificada, como a investigação das realidades
que transcendem as experiências palpáveis, físicas. Podemos dizer que
é uma busca pelo “sentido da vida”, a tentativa de explicar o inexplicável
através de fenômenos naturais, entendimentos sensíveis etc.
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Essa corrente do Direito prega que o objeto de estudo jurídico deverá ser apenas
as normas jurídicas já existentes, originárias do Estado. Além disso, acredita que esse
estudo deve ser baseado sem levar em consideração os juízos de valores do Direito,
ou seja, os princípios e/ou os entendimentos sociais, costumes que levaram a norma
a ser criada.
O Direito Positivo é válido simplesmente por ser vigente, sem precisar abarcar
valores de significação social. Desse modo, o direito justifica as atitudes arbitrárias
por quem se encontrar no poder. Algumas ramificações doutrinárias se formaram em
decorrência do positivismo jurídico, como a escola da exegese, o normativismo jurídico
e sociologismo jurídico.
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a) Escola de exegética
Acreditava que o verdadeiro jurista é aquele que parte do Direito Positivo para
interpretar e aplicar, não procurando subsídios e respostas fora da lei na labuta, uma vez
que a lei é completa e perfeita, cabendo, ao jurisprudente, dar sentido e amplitude de
uma lei a partir da outra.
É possível inferir que o aplicador da lei deveria partir de uma interpretação literal,
porém, não significando a rejeição total do direito natural na interpretação normativa,
pois se admitia que os códigos eram fruto da razão humana, o que é natural.
b) Normativismo jurídico
Para Kelsen (1998), o Direito é uma ciência que tem objeto de investigação
próprio, desvinculado de qualquer outra ciência, que é a norma jurídica, assim como
pugna por um direito geral positivo, sendo, a teoria, de abrangência universal.
NOTA
Para elaborar a famosa “Teoria Pura do Direito”, Kelsen partiu de uma
ideologia positivista, excluindo qualquer juízo de valor, além do Direito
Natural, da Ciência Jurídica. Desprezando qualquer aspecto valorativo das
normas, Kelsen pôde afirmar que expressou o Direito como ele é, e não
como deveria ser.
c) Sociologismo jurídico
É, pois, a corrente que se embasa no fato social para explicar o Direito. Aplica-
se, aqui, o método sociológico, isto é, investigar, a partir do princípio fundamental, que
os fatos sociais devem ser estudados como coisas, assim como o produto dos estudos
da Sociologia Jurídica.
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Nesse sentido, identifica o Direito não com lei ou com jurisprudência, mas com o
fato social. Desvincula o Direito do Estado, concebendo-o como simples fenômeno social,
primeiro formado pelo povo na forma de costume, e, depois, transformado em lei estatal.
Pode-se dizer que essa escola foi fundada no pressuposto de que existe uma
lei natural, eterna e imutável; uma ordem preexistente, de origem divina ou decorrente
da natureza; ou, ainda, da natureza social do ser humano.
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b) Segunda fase (humana)
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O princípio da supremacia do interesse público sobre o privado estabelece que
as relações entre o Estado e o indivíduo particular (pessoa física/cidadão) se darão
sempre de maneira vertical, ou seja, existirá uma hierarquia, colocando os interesses do
Estado como mais relevantes do que os do particular.
NOTA
Um conceito Estatal em que fica claro o princípio da supremacia do interesse
público sobre o privado é o da desapropriação, ferramenta utilizada pelo Estado
como intervenção na propriedade privada. Ocorre que, na desapropriação, o
particular não possuirá opções para impossibilitar a efetuação.
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NOTA
Normas estatais que deixam claro o norteamento no princípio da
indisponibilidade do interesse público são as que garantem que os
agentes públicos deverão atuar sempre de acordo com a vontade do
povo, não sendo permitido que ajam em nome próprio em persecução
de interesses pessoais.
a) Princípio da igualdade.
b) Princípio da autonomia da vontade.
NOTA
Um indivíduo não pode retirar a propriedade de outro indivíduo à força.
Ainda, um contrato entre particulares não pode ser modificado de maneira
unilateral, sendo preciso que se tenham acordadas as mudanças com
ambas as partes etc.
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Já o segundo princípio norteador do Direito Privado, o princípio da autonomia
da vontade, estabelece que os indivíduos particulares podem fazer tudo o que quiserem,
desde que essas ações não se encontrem proibidas por lei, ou seja, diferentemente do
que acontece com os agentes públicos (que somente podem agir de acordo com o que a
lei os permite fazer), os particulares podem agir espontaneamente, desde que suas ações
não entrem em conflito com leis do Direito Positivo.
a) não se pode contratar o que for contrário à lei ou aos bons costumes;
b) em determinadas situações (monopólios estatais, por exemplo), não se pode escolher
o outro contratante;
c) nos contratos de adesão, não é possível exigir alterações específicas.
NOTA
Particulares podem doar seus bens, realizar compras onde melhor os
agrada, comprar objetos que tenham vontade etc.
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Assim, são ramos do Direito Público Interno: Direito Constitucional,
Administrativo, Tributário, Ambiental, Processual do Trabalho, Processual Civil, Processual
Penal e Penal. São ramos do Direito Público Externo: Direito Internacional Público, que
regula as relações entre Estados e organismos internacionais; e o Direito Internacional
Privado, que regula as relações entre pessoas ligadas a diferentes Estados (GARCIA;
PINHEIRO, 2014).
O Direito Público é, então, o tutor do interesse público, dessa forma, essa esfera
do Direito apenas alcançará as condutas individuais de forma indireta. É característica
marcante do Direito Público a desigualdade nas relações jurídicas por ele regidas, tendo
em conta a prevalência do interesse público sobre os interesses privados.
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percebeu-se que tratar a todos de modo inteiramente igual gerava grandes injustiças,
como desrespeitos ao consumidor. Assim, o direito privado foi ganhando mais normas
de ordem pública ou cogentes, que são aquelas que não podem ser afastadas pela
vontade das pessoas (GARCIA; PINHEIRO, 2014).
NOTA
Mesmo que um particular concorde em assinar uma cláusula abusiva
em um contrato de consumo, o CDC considera que essa cláusula deve
ser nula de pleno direito. Ainda, o Código Civil traz diversos princípios de
ordem pública, como o da função social dos contratos e da propriedade.
O que acontece quando o Estado integra um dos polos de uma relação regida
pelo direito privado?
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QUADRO 1 – ESPÉCIES DE DIREITO E SEUS RAMOS
Cabe lembrar que não há ramo do direito em que todas as relações sejam
integralmente regidas pelo direito privado. Há determinadas relações que, mesmo
travadas entre particulares, podem ter repercussão nos interesses da coletividade.
Nesses casos, o ordenamento estabelece regras de direito público, impositivas,
derrogatórias do direito privado, excluindo a possibilidade de as partes, livremente,
fazerem valer sua vontade, afastando a incidência dos princípios basilares do direito
privado: autonomia da vontade e liberdade pessoal.
Isso tudo também acontece nos ramos classificados de direito público. Algumas
relações jurídicas se sujeitam à aplicação subsidiária do direito privado, ou, até mesmo,
são regidas, predominantemente, pelo direito privado.
O que não pode ocorrer é alguma atuação do Estado, em qualquer campo, ser
regida, exclusivamente, pelo direito privado, com total afastamento das normas do
direito público.
IMPORTANTE
Direito Público e Direito Privado
1. O fenômeno a ser disciplinado pelo direito público e pelo direito privado
Quando se fala em direito público e em direito privado, quer-se, com isso, indicar campos
próprios da realidade cujo regime jurídico será diferente, conforme se trate de um ou outro
ramo. Assim, quando o Estado decide, unilateralmente, desapropriar um imóvel privado (em
que há o exercício de um poder público de autoridade), a forma de produção e os efeitos
jurídicos daí decorrentes são diferentes daqueles verificados em um contrato de compra e
venda do mesmo imóvel. Logo, saber que tipos de atos são de direito público e de direito
privado é algo extremamente relevante. No primeiro caso, vigora o princípio do interesse
público (em suas duas vertentes: a de supremacia e de indisponibilidade). Já no direito
privado, o princípio de liberdade, de autonomia privada. Que atos são esses? Suponha que
duas pessoas jurídicas resolvem se associar para realizar um empreendimento, como a
construção de um edifício comercial. Dentro desse objetivo, elas podem escolher o instrumento
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jurídico que pareça mais adequado para formalizar a associação. Podem fazer um
consórcio ou criar uma sociedade de propósito específico, na forma de sociedade limitada,
por exemplo. Feita a associação, além de uma parcela pequena de recursos próprios,
passam a buscar recursos de terceiros para financiar o projeto. Assim, vão a bancos e
celebram contratos de mútuo (contratos de financiamentos). Todos esses atos estão
situados no domínio privado, e o direito privado é o regime jurídico aplicável. Feito isso,
passam a buscar as autorizações necessárias. Buscam a aprovação do projeto no âmbito
do município, que concede uma licença para construir. Essa licença só será concedida
se todos os parâmetros urbanísticos fixados em leis e atos administrativos normativos
forem observados. Do contrário, os empreendedores terão que alterar o projeto. Agora,
suponha que, iniciada a construção (após a devida emissão da licença), o empreendedor
passa a construir o edifício fora das especificações devidas e os agentes públicos acabam
por fiscalizar. Verificada a desconformidade, editam um auto de infração e iniciam um
processo administrativo sancionador. Ao final, uma vez concedido o contraditório, além
da ampla defesa, é aplicada uma sanção de multa. Aqui, não há dúvidas de que os atos do
município citados estão todos situados no âmbito do direito público.
Os limites dos dois campos acabam ficando mais confusos quando, por exemplo, o
contrato de financiamento é celebrado entre os empreendedores e o Banco Nacional de
Desenvolvimento Nacional – BNDES, que é uma empresa estatal. Ainda, quando o edifício
está inserido em um projeto associado de uma concessão administrativa de revitalização
urbana, que é um contrato administrativo celebrado com o Poder Público. Mais
precisamente, com uma sociedade de economia mista (uma empresa estatal) que atuará
como “Poder Concedente”. Para que se possa ter clareza desses limites, é preciso eleger
um critério de identificação do regime jurídico, se público ou privado. Em suma, é preciso
indicar um critério que se mostre útil. Convém avaliar os principais critérios utilizados pela
doutrina, antes de indicar aquele que se mostra mais adequado.
2. Os critérios utilizados pela doutrina para diferenciar o direito público e o direito privado
A questão relacionada aos critérios de distinção entre o direito público e o direito privado
sempre foi muito debatida. Franco Montoro aponta que não existe um critério perfeito, o que
se prova pela multiplicidade de critérios insatisfatórios que, ao longo do tempo, vêm sendo
propostos. O jurista brasileiro menciona, ainda, que alguns autores, como Holiger, chegaram
a catalogar mais de cem critérios. De todos os critérios utilizados, três costumam ter mais
destaque: o do interesse, do sujeito e da subordinação. Além deles, também será feita menção
à teoria da imputação, que não deixa de ser uma derivação da teoria da subordinação. Ao
fim, serão citados autores que negam a utilidade na distinção e os que defendem haver uma
tricotomia.
2.1. Critério do interesse
O interesse dos sujeitos é, talvez, o critério mais antigo e conhecido. É possível encontrar
essa distinção em Ulpiano. “Hujus studii duae sunt positiones, publicum et privatum. Publicum
jus est, quod ad Tum rei Romanae spectat, privatum quod ad singulorum utilitatem”. Essa
passagem significa, basicamente, que o estudo do direito possui dois aspectos: o público
e o privado. Enquanto o direito público diz respeito às coisas públicas de Roma, isto é, ao
Estado, o direito privado se refere à utilidade dos indivíduos. Nessa perspectiva, o direito
público se refere aos interesses do Estado (ou da sociedade representada pelo Estado);
o direito privado, por sua vez, regula o interesse dos sujeitos privados. Oswaldo Aranha
Bandeira de Mello é um dos autores que se filia, explicitamente, à lição de Ulpiano. O
publicista brasileiro assevera que o direito público é o que diz respeito à organização
e a ação do Estado-poder, enquanto tal, sendo o direito privado o ramo que disciplina
a existência e a atividade dos particulares, no seu recíproco convívio social. Outros
publicistas brasileiros também se filiam expressamente à teoria do interesse. São os casos
de Hely Lopes Meirelles e Celso Ribeiro Bastos. Eduardo Espínola, por seu turno, escreve
que “são, ainda hoje, aceitáveis as definições de Ulpiano”. Pontes de Miranda também
se filia à teoria do interesse, ao asseverar que o direito privado cuida dos indivíduos e
suas relações, porém, quando o interesse geral passa à frente, o direito é público, porque
admite a situação de poder dos entes coletivos que correspondem àqueles interesses.
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A crítica feita a esse critério é a seguinte: nem sempre é possível determinar se o interesse
protegido é do Estado ou dos particulares. Franco Montoro sustenta que são inúmeras
as regras que visam ao interesse geral, embora pertençam ao direito privado. É o caso do
direito da família. Pietro Perlingieri, por sua vez, aponta que, na sociedade atual, mostra-se
difícil individualizar um interesse privado que seja completamente autônomo em relação
ao interesse público. Acrescenta que a dificuldade de se traçar as linhas de fronteira entre
o direito público e o privado aumenta quando se tem em vista o interesse coletivo, de
categoria intermediária (como é o caso do interesse sindical). Luís Fernando Coelho faz
crítica semelhante à exposta por Perlingieri, e assevera que depende muito mais, do ponto
de vista pessoal do intérprete, a indicação de qual interesse deve ser tutelado na relação
jurídica concreta. O autor ressalta que, atualmente, já não é mais possível identificar o
interesse da sociedade com o do Estado. Isso porque existem os interesses coletivos e
difusos, que são e devem ser exercidos contra o Estado, como o direito à preservação
ambiental, à proteção dos patrimônios artístico e cultural, a luta contra a corrupção etc.
Por conta dessas deficiências, a doutrina passou a buscar outros critérios.
2.2. Critério do sujeito
Há, ainda, outro critério bastante conhecido: aquele que se funda na natureza dos sujeitos.
É a teoria dos sujeitos. Assim, se a relação jurídica tem o Estado como parte, será aplicado
o direito público. Tratando-se de relações entre sujeitos privados, incidirá o direito privado.
É a posição de Pimenta Bueno, Arnaldo de Valles, Agustín Gordillo. José Oliveira Ascensão
critica esse critério, pois, segundo ele, o Estado e demais entes públicos também podem
atuar nos mesmos termos que qualquer outra pessoa, “utilizando as mesmas armas”. Aliás,
pode-se acrescentar que a doutrina de direito administrativo costuma indicar as atividades
administrativas de direito privado, isto é, tarefas realizadas pela Administração submetidas
ao direito privado. De fato, esse critério não se mostra útil. A atuação do BNDES, ao celebrar
contratos de financiamento, é fundada no direito privado. De igual modo, quando o
Estado cria empresas estatais de intervenção no domínio econômico (ex.: Banco do Brasil,
Petrobrás), são inúmeros os atos jurídicos privados praticados. Por isso, o critério do sujeito
não se mostra útil.
2.3. Critério da subordinação
Há, ainda, teorias fundadas na relação de dominação (ou de subordinação). De acordo
com essa concepção, nas relações de direito público, há a presença do poder público de
autoridade, o jus imperii do Estado. Ou seja, o Estado deverá estar na posição jurídica de
alterar, unilateralmente, a situação jurídica de terceiros. É nesse sentido que se diz que o
Estado se coloca em posição superior em relação aos entes privados. Por sua vez, quando
a relação jurídica for de paridade, de igualdade, está-se diante do direito privado. Radbruch
segue essa linha. Para ele, quando uma obrigação provém da ordem de um terceiro, ela é,
usualmente, de direito público. Entretanto, quando a obrigação deriva de uma autossujeição,
normalmente, está, em pauta, o direito privado. Em vista disso, Radbruch expõe que as
relações de supremacia e sujeição (isto é, entre soberano e súdito) são de direito público, ao
passo que, nas relações de direito privado, os sujeitos estão em igual posição. Contudo, alerta
o autor que nem todas as relações jurídicas do Estado são de direito público. É o que ocorre
nos casos em que o Estado não se apresenta como soberano, mas como “fisco”, relacionando-
se com os demais sujeitos em pé de igualdade. Quando o Estado não se relaciona munido
dos seus poderes de autoridade, então, a relação será de direito privado. Forsthoff também
reputa a teoria da subordinação como a mais adequada para diferenciar o direito público
do direito privado, apesar de reconhecer que, em certos casos, o Poder Público também
se coloca em relações de coordenação (como no caso da relação entre municípios). No
Brasil, Fernando Andrade de Oliveira também adota essa concepção. Wolff, Bachof e Stober
criticam a teoria da subordinação, como formulada. Para os autores, o Estado constitucional
democrático não reconhece uma superioridade jurídica do Estado sobre seus “súditos”.
Apontam que o direito privado conhece relações de subordinação, nas quais um sujeito
pode impor sua vontade ao outro (como no caso do poder de direção laboral). Ademais,
acrescentam que, no direito público, também há relações de equilíbrio, como a existente
entre as pessoas de direito público. Concluem que é uma petição de princípio distinguir o
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direito público e o direito privado com base no critério da relação de subordinação, pois a
sobreordenação jurídica é apenas o efeito do direito público ou das características de um
parceiro como titular do poder público. Com efeito, o direito público não se aplica apenas
a situações em que o Estado atua com poderes públicos de autoridade. Além de uma
relação de paridade existente entre dois entes públicos em uma relação, o direito público
também se aplica a casos em que o Poder Público não está exercendo um poder público
(a possibilidade de alterar a situação jurídica de terceiros), mas um direito subjetivo (um
direito a prestações). Quando o Estado celebra um contrato de concessão de exploração
de um aeroporto, ele passa a ser credor (isto é, é titular do direito a prestações de crédito)
em face do concessionário. Este terá que realizar certas obras, não poderá cobrar as tarifas
que bem entender etc. Em todos esses casos, o objeto da posição jurídica ativa do Estado
é uma conduta a cargo do sujeito passivo. O Estado, na qualidade de Poder Concedente,
depende da conduta do sujeito passivo para que o seu direito seja satisfeito. A situação é
totalmente diversa de um poder de aplicar uma sanção de multa. Aqui, a mera emissão do
ato sancionador já altera a situação jurídica do concessionário, que agora passa a ser devedor
do Estado no pagamento de uma quantia. Ademais, também é verdadeiro afirmar que, no
direito privado, são exercidos poderes (por vezes, chamados de “direitos protestativos” ou
“direitos formativos”). O melhor exemplo é a demissão do empregado pelo empregador sem
justa causa. É importante destacar que a teoria da subordinação é, ainda, muito utilizada,
em especial por autores estrangeiros. Talvez, o seu sucesso derive do fato de que o Estado
nada mais é que a instituição social que monopoliza o uso legítimo da força. Aliás, é o uso
legítimo da coação que caracteriza o poder político de outros poderes (como o econômico
e o ideológico).
2.4. A teoria da imputação (teoria do direito especial material)
Wolff, Bachof e Stober procuram, então, sustentar outra concepção, a teoria da imputação.
Segundo os autores alemães, a distinção entre direito público e privado reside em uma
diferença dos sujeitos de imputação, isto é, daqueles sujeitos aos quais são imputados
direitos e deveres subjetivos. No entanto, ao contrário das antigas teorias dos sujeitos,
isso não significa que fazem parte, do direito público, as normas que disciplinam apenas
o Estado ou qualquer ente público, pois os sujeitos privados (como os concessionários
de serviço público) também podem ser titulares de poderes de autoridade. Por sua vez,
os entes públicos podem, igualmente, ser sujeitos de normas jurídico-privadas. Em suma,
são, de direito público, as normas cujo “sujeito de imputação, facultativo ou obrigatório é,
exclusivamente, um titular de poder de autoridade”. Contudo, essa concepção exige um
complemento: o titular deverá estar, nessa qualidade, autorizado ou obrigado a exercer
esse poder. Os juristas alemães anotam que a teoria segundo a qual são, de direito público,
as normas que atribuem um poder de autoridade ao sujeito, é denominada de teoria de
direito especial formal. Por sua vez, quando se acrescenta que, no exercício desse poder, o
seu titular deverá atuar nessa qualidade “enquanto tal”, trata-se da teoria de direito especial
material. A teoria da imputação também não se mostra útil, já que, em última análise, ela
acaba associando a existência de poderes de autoridade ao direito público, ainda que
exercidos por sujeitos privados no exercício da função pública. Logo, surgem as mesmas
fragilidades da teoria da subordinação.
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RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu:
• A moral é mais ampla do que o Direito dentro de uma sociedade, ou seja, algumas
condutas requerem normatização por meio de leis para que sejam seguidas, enquanto
outras apenas se efetivam naturalmente.
• Direito objetivo é o conjunto de normas impostas pelo Estado, de caráter geral, cuja
observância os indivíduos podem ser compelidos mediante coerção.
• As relações nas quais o Estado se fizer presente em qualquer um dos polos estão
regidas pelo Direito Público, com exceção dos casos em que o Estado estiver se
valendo, com a permissão legal.
• São ramos do Direito Público Externo: Direito Internacional Público, que regula as
relações entre Estados e organismos internacionais, e o Direito Internacional Privado,
que regula as relações entre pessoas ligadas a diferentes Estados.
• Todos os demais ramos do Direito são, então, regidos pelo regime jurídico do
Direito Privado.
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AUTOATIVIDADE
1 (FCC/ALESE – Analista Legislativo/2018). Considere os dois agrupamentos a seguir
relativos às fontes do direito:
a. Fonte principal.
b. Fonte secundária.
2 Vimos que uma divisão importante no mundo jurídico é a que distingue Direito
Natural e Positivo. Além disso, entendemos que existem duas esferas de realidades
diferentes dentro do Direito, são elas a do Direito Objetivo e Direito Subjetivo.
A partir disso vimos que o Direito Natural é a ideia abstrata do Direito, um tipo de
regulamentação considerada ideal, que seria correspondente a uma justiça superior
e suprema considerada por aquela população de território específico naquele
momento. Nesse sentido, cite quais são as características do Direito Natural? E em
que ele se fundamenta? Dê exemplos de Direito Natural.
3 Vimos que uma distinção importante nos estudos do Direito, é a dos conceitos de
Direito e Moral. Vimos que as características em comum entre esses dois conceitos
são: ambos são caracterizados por normas reguladoras de conduta humana e ambos
ditam quais comportamentos serão corretos ou dignos de julgamento social. Explique
de maneira concisa o que o conceito de Moral, destacando o fator diferencial basilar
entre Moral e Direito?
24
4 (UEG – PC/GO – Delegado de Polícia/2013). A dicotomia Direito Público e Direito
Privado remonta ao direito romano. Vários são os critérios propostos para esclarecer
essa diferença. O critério finalístico assenta-se no interesse jurídico tutelado. Assim,
são de direito público:
I- O direito subjetivo de um sujeito é garantido pelo Estado, ou seja, pelo direito objetivo.
Será direito subjetivo o direito que se encontra com a pessoa, na sua subjetividade,
podendo ser exercido, porque também é amparado por normas estatais.
II- O direito objetivo é a legislação posta pelo Poder Legislativo. Não serão direito
objetivo normas jurídicas que não sejam as legisladas, tais como os decretos,
portarias e resoluções expedidas pelo Poder Executivo.
III- A liberdade é, ao mesmo tempo, um direito subjetivo, porque pertence ao indivíduo,
instantaneamente, e um direito objetivo, porque decorre de normas jurídicas, ou
seja, é garantida pelo Estado.
25
26
UNIDADE 1 TÓPICO 2 -
1 INTRODUÇÃO
Como já vimos no tópico anterior, o Direito Civil é um ramo do Direito Privado,
assim como o Direito Empresarial, o Direito do Trabalho etc., porém, na história do Direito,
isso nem sempre foi dessa maneira. No Direito Romano, o chamado “Direito Civil” dizia
respeito a todo direito vigente na época, incluindo o Penal e o Administrativo (GARCIA;
PINHEIRO, 2014).
O Direito Civil era o direito responsável por regulamentar a vida dos cidadãos de
Roma. Posteriormente, ocorreu que os sistemas jurídicos de raiz romana acabaram por
usar a expressão direito civil em um sentido mais especializado, no sentido de direito
privado. Contudo, a partir do século XIX, o Direito Civil ficou ainda mais estrito a designar
apenas o que estava disciplinado em um diploma específico, o Código Civil (GARCIA;
PINHEIRO, 2014).
NOTA
Em 1807, a França publicou o Código Comercial, trazendo destaque para
as questões específicas do Direito Civil. Assim, o Direito Privado se dividiu
em dois grandes ramos: o Direito Civil (regulado pelo Código Civil) e o
Direito Comercial (regulado pelo Código Comercial). No Brasil, o Direito
aplicável nessa época era o das Ordenações Portuguesas.
Mais tarde, em 1850, a partir dos exemplos europeus, o Brasil tratou de editar seu
próprio Código Comercial para regularizar as relações mercantis, mas todas as outras
relações de vida civil continuavam seguindo as Ordenações Portuguesas. Apenas no
século seguinte, em 1916, ocorreu a edição do nosso primeiro Código Civil (GARCIA;
PINHEIRO, 2014).
Ocorre que a divisão dos diplomas citada no parágrafo anterior, que colocava, de
um lado, o Direito Civil, e, do outro, o Comercial, dava margem para muitas dúvidas nos
cidadãos e inseguranças jurídicas, uma vez que separava a teoria dos negócios jurídicos
das obrigações gerais e dos contratos. Então, somente no ano de 2002, tivemos, no nosso
país, a unificação dessas teorias em um só Código Civil.
27
FIGURA 3 – INTRODUÇÃO AO CÓDIGO CIVIL
Com isso, podemos perceber o Código Civil como uma Constituição da vida
cotidiana, uma vez que regula as ações mais comuns do dia a dia dos indivíduos,
estipulando os direitos e deveres de cada um enquanto sua posição dentro das relações
sociais, como cônjuge, filho, devedor, proprietário, vizinho, herdeiro etc.
NOTA
No Direito Civil, estudamos não apenas as relações puramente interpessoais,
mas também as relações patrimoniais dos indivíduos. Na primeira estão
importantes institutos como o poder familiar; já na segunda estão as relações
que apresentam uma importância econômica e objetivam a utilização de bens.
28
Ao analisar com cautela o Código Civil, fica perceptível que ele não apenas um
ramo do Direito Privado, uma vez que nele se encontram respostas para questões que
por muitas vezes ultrapassam as relações particulares, podendo encerrar questões
que possuem aproveitamento generalizado. Como exemplo podemos citar as normas
presentes neste Código acerca de obtenção de provas, defeitos em negócios jurídicos,
prescrição e decadência, e até mesmo os que dizem respeito à hermenêutica jurídica.
NOTA
Isso tudo ocorre pela complexidade das relações humanas, que se
desenvolve de acordo com o tempo, acompanhando as novidades
tecnológicas, geográficas, econômicas, políticas e estruturais da atualidade.
Por isso, muitos direitos relacionados aos particulares se encontram ainda
fora do código Civil, regulamentados em outros diplomas, como Leis
Extravagantes ou até na própria Constituição Federal. Fato que não faz
com que essas questões deixem de fazer parte do âmbito do Direito Civil.
29
Por princípio podemos dizer que é o começo de tudo, a origem, o ponto de partida.
O princípio no direito serve como base para resolução de alguma situação que não esteja
contemplada em uma norma positiva, servindo assim de orientação ao juiz, pois este
não pode se escusar de julgar alegando falta de norma regulamentadora, conforme a
Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro “quando a lei for omissa, o juiz decidirá
o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito” (art. 4°
do decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942).
NOTA
O princípio da socialidade se revela tanto na prevalência dos valores
coletivos sobre os individuais, como na revisão dos direitos e deveres dos
cinco principais personagens do direito privado tradicional: o proprietário, o
contratante, o empresário, o pai de família e o testador.
30
§ 4º: O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado
consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos,
de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto
ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e
econômico relevante.
Esse princípio visa coibir condutas não éticas, tudo que esteja contra o justo,
ideal, correto, tudo que ofenda os valores da sociedade. Estimula que os operadores do
direito apliquem no caso concreto noções básicas de moral, ética, boa-fé, honestidade,
lealdade e confiança.
31
Exemplo clássico da aplicabilidade do princípio da operabilidade, se constata
na confusão existente no Código Civil de 1916 acerca da prescrição e decadência, pois
estes vinham descritos conjuntamente e ninguém conseguia realizar uma distinção
nítida entre os dois institutos.
O problema foi resolvido pelo Código de 2002, que, sem maiores delongas,
separou as matérias sujeitas à prescrição (do art. 197 a 206) e à decadência (do art. 207
a 211 do Código Civil).
Viana (1993, p. 277) assim orienta quanto à distinção dos dois institutos:
Podemos afirmar que este princípio visa superar a criação de normas abstratas
e genéricas, fazendo com que o legislador possa imaginar situações fáticas e assim,
criar a norma, de maneira a auxiliar o magistrado nas situações sociais existentes. Desta
maneira, os juízes terão maior apoio e terão de onde valer-se quando do julgamento no
caso concreto, utilizando-se menos da analogia e dos costumes.
NOTA
O princípio da operabilidade aparece no Código Civil é quando nele é
possibilitado ao juiz ações mais abrangentes, como por exemplo, ao
permitir que ele exerça o papel de moderador, bem como quando lhe
é permitido reduzir o valor de multas que considere abusivas etc.
32
Podemos, então, concluir que são princípios basilares do Direito Civil:
Artigo 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.
Assim, de acordo com tal princípio, os méritos iguais devem ser tratados de
modo igual, e as situações desiguais, desigualmente, já que não deve haver distinção
de classe, grau ou poder econômico entre os homens.
e) Função social: a função social do direito é o fim comum que a norma jurídica deve
atender dentro de um ambiente que viabilize a paz social. O direito sempre teve
uma função social. A norma jurídica é criada para reger relações jurídicas, e nisso, a
disciplina da norma deve alcançar o fim para o qual foi criada.
NOTA
Princípio da função social dos contratos que se faz aplicável apenas às rela-
ções de contrato; princípio da função social da propriedade que se faz neces-
sário apenas nos casos de relações sobre direitos de propriedade; da igual-
dade entre os filhos, aplicável aos casos de direito de família e sucessões etc.
33
4.1 PRINCÍPIO-NORMA
Por fim, encerrando este item acerca dos princípios do Direito Civil, cabe
observar os chamados princípios-norma. Esses princípios nada mais são do que normas
jurídicas com prerrogativas de aplicação em determinadas categorias das relações entre
particulares e possuem um papel importante dentro do Direito Civil.
34
6 CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO
No período colonial, vigoravam, no Brasil, as Ordenações Filipinas. Com a
Independência, em 1822, a legislação portuguesa permaneceu sendo aplicada em
nosso país, mas com a ressalva de que valeria até que fosse elaborado o Código Civil. A
Constituição de 1824 estabeleceu que a organização de um Código Civil seria “baseado
na justiça e na equidade”, e, no ano de 1865, essa empreitada foi confiada ao jurista
Teixeira de Freitas (GONÇALVEZ, 2019).
Foi elaborado então o que foi chamado de “Esboço do Código Civil”, contendo cinco
mil artigos que acabaram não sendo abrigados pela comissão revisora. Este projeto acabou
servindo de base para o Código Civil do nosso país vizinho, a Argentina.
O Código Civil de 1916 contava com 1.807 artigos, sendo antecedido pela
Lei de Introdução ao Código Civil e foi dividido entre Parte Geral, na qual constavam
conceitos, categorias e princípios básicos aplicáveis a todos os livros e Parte Especial,
na qual constavam normas reflexivas em determinados ramos do ordenamento jurídico
(GONÇALVEZ, 2019).
35
fosse possível e no aspecto geral, a estrutura e as disposições do
Código de 1916, mas reformulando -o, no âmbito especial, com base
nos valores éticos e sociais revelados pela experiência legislativa e
jurisprudencial. Procurou atualizar a técnica deste último, que, em
muitos pontos, foi superado pelos progressos da ciência jurídica,
bem como afastar -se das concepções individualistas que nortearam
esse diploma, para seguir orientação compatível com a socialização
do direito contemporâneo, sem se descuidar do valor fundamental da
pessoa humana.
Assim, no dia onze de janeiro de 2003 entrou em vigor o Código Civil de 2002
que, de acordo com Gonçalvez (2019, p. 62), apresentou essencialmente as seguintes
características:
Por fim, vejamos como ficaram as matérias após terem sido colocadas em
nosso atual Código Civil Brasileiro, com seus 2.046 artigos divididos entre Parte Geral
e Parte Especial:
36
IMPORTANTE
Princípios gerais do novo Código Civil
Nesta exposição trataremos da citação dos três princípios que fundamentam o
Novo Código Covil, analisando de forma detida o que busca a novel legislação,
tendo em vista o surgimento, pós Constituição de 1988, do que se determinou
Direito Civil Constitucional, visto que, tradicionalmente, o direito codificado
esgotava o fenômeno jurídico.
Como diz Norberto Bobbio tem-se a crença que o Código, uma vez emanado, basta
completamente a si próprio. Tem-se a ciência de que a elaboração do novo código é
oriunda do projeto concebido no início da década de 70, tendo o mesmo tramitado de
forma muito lenta até a sua recente conversão em lei.
Assim, face as prementes necessidades decorrentes da constante modificação da sociedade,
buscando-se, pois, suprir as lacunas do Código Beviláqua, preferiu o legislador ordinário,
naquele período, utilizar-se de espécies normativas extravagantes que funcionariam a
latere da codificação, o que indicava segmento à tendência da descodificação já utilizada
em muitos países europeus.
Dentro de todo este contexto, já se via, em algumas das referidas espécies normativas
extravagantes, o intuito do Poder Público de participar de forma mais incisiva das
relações jurídico-civis. Ora, sabe-se que a dicotomia Direito Público X Direito Privado
surgiu justamente em razão da participação estatal em um dos polos da relação jurídica.
Participação esta que era vista à luz dos que integravam a relação jurídica em análise.
Assim, em não participando o Poder Público da relação jurídica, não teria o mesmo intenso
interesse em tal relação, motivo pelo qual as normas que a regulavam eram de ordem
eminentemente facultativa, ou seja, colocava-se à disposição das partes a possibilidade de
utilizarem-se daquela norma ou, muito por força do princípio da autonomia da vontade,
normatizarem a sua relação, abrindo mão do texto legal. Por isso, repita-se, normas
facultativas ou dispositivas.
Entretanto, também não se pode olvidar que o Poder Público, ainda que de forma raquítica,
sempre interferiu diretamente dm determinadas relações entre particulares, como por
exemplo, no direito de família, emitindo normas cogentes, posto que se sabe o interesse
daquela na célula máter da sociedade. O que aconteceu no período que antecedeu
ao código, principalmente durante a tramitação, diz respeito à interferência do Poder
Público naquelas relações que eram tradicionalmente reguladas por normas dispositivas,
principalmente em tema atinente aos negócios jurídicos, mais precisamente aos contratos,
onde o pacta sunt servanda reinava absoluto.
Neste diapasão, como advento da Constituição da República, passou-se à realização de
elaboração e consequente interpretação da legislação infraconstitucional, em consonância
com a principiologia por ela tratada, estabelecendo-se, sempre a necessidade de
ser feito um juízo de ponderação (preponderância) acerca de qual interesse em jogo
deveria prevalecer, chegando-se à conclusão dever ter preponderância o interesse
constitucionalmente protegido.
É o que vem se denominando de princípio constitucional da razoabilidade ou da
proporcionalidade, expressões utilizadas como sinônimos na jurisprudência dos tribunais
superiores, malgrado a existência e distinção eminentemente teórica por parte da doutrina.
Preferimos adotar o posicionamento jurisprudencial. Traz o texto constitucional, como
um dos seus fundamentos, a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CR/88) e como
objetivo constitucional as diretrizes previstas no art. 3º. Surge, assim, o Direito Civil
Constitucional, que gera a elaboração de espécies normativas a exigir dita interpretação,
como por exemplo se deu com a Lei nº 8078/90 e a Lei nº 8245/91, demonstrando-se a
interferência estatal com a emissão de normas cogentes em relações entre particulares,
visando à consecução do princípio e objetivos mencionados.
Vem à tona, pois, o novo código civil, impregnado desta essência constitucional, sendo
alavancado por três princípios, segundo Miguel Reale: a) eticidade; b) operabilidade;
37
c) socialidade. A eticidade consiste em se deixar de lado a técnica eminentemente jurídica,
para valoração do que é legítimo/justo, enquanto a operabilidade diz respeito à facilidade
para aplicação do texto legal aos mais variados casos. Ditos princípios materializam-se,
principalmente, pela técnica legislativa de utilização das cláusulas gerais ou conceitos
jurídicos indeterminados.
Tais cláusulas viabilizam, através de um juízo discricionário – porém dentro da razoabilidade
e proporcionalidade, levando-se em conta a ponderação já referida – à proteção da pessoa
humana nas relações eminentemente patrimoniais, independentemente da existência de
norma específica para tanto. Portanto, o que se exige do intérprete é a aplicação da norma,
à luz da dignidade da pessoa humana, sendo esta o valor máximo do ordenamento.
Vêm as cláusulas gerais previstas esparsamente no código civil sendo de grande interesse
neste momento a análise daquelas previstas nos artigos 12 e 21, que se referem aos direitos
da personalidade, bem como daqueloutras constantes dos artigos 113 e 442, referentes
aos negócios jurídicos. A partir dos artigos 11 e seguintes, trata o ordenamento civil dos
direitos da personalidade, donde se pode observar a presença de situações jurídicas-
tipo, não ficando, contudo, o intérprete jungido às mesmas em razão das cláusulas gerais
previstas nos artigos 12 e 21, que, se interpretadas constitucionalmente, viabilizarão
a defesa de forma extremamente abrangente de todos os direitos da pessoa humana
arrolados explícita ou implicitamente.
Cabe, aqui, uma observação de ordem técnica, qual seja: a expressão personalidade,
tradicionalmente utilizada como suscetibilidade de direitos e deveres, vem sendo
modernamente usada para referência tão só à pessoa humana, preferindo-se a utilização
da expressão subjetividade, para que não haja confusão ontológica entre a pessoa física
e a pessoa jurídica. Aquela sim é a ratio que deve se espraiar por todo o ordenamento
infraconstitucional em razão do desiderato constitucional.
Repita-se: ao se falar em tutela da personalidade, leia-se tutela da pessoa humana. Tanto
assim, que o art. 52 do novo código, estabelece que se aplicam às pessoas jurídicas, no que
couber, a proteção dos direitos da personalidade.
A expressão no que couber, bem utilizada, visa, justamente, demonstrar a diferenciação
entre os dois entes, malgrado a pessoa jurídica possa ser titular de direitos também
integrantes do patrimônio ideal da pessoa física, como, por exemplo, a hipótese da
honra objetiva, viabilizadora do reconhecimento do dano moral à pessoa jurídica. No que
concerne aos negócios jurídicos, vemos importantes cláusulas gerais nos artigos 113 e
442, devendo as mesmas serem interpretadas de acordo com o art. 1º, III e 170, do texto
constitucional, este último regulador dos princípios da atividade econômica, a ensejar o
correto entendimento do que é chamado de boa-fé objetiva.
Derradeiramente, há que se analisar o princípio da socialidade, donde se vê o objetivo
do novo código de superar o manifesto caráter individualista do direito civil tradicional,
predominando o social sobre o individual. Dentre os exemplos mais claros está o da
exigência, em diversos setores da seara cível, o alcance da função social, expressão que
não deixa de ser observada também como uma cláusula geral, a ela se aplicando os
princípios mencionados, bem como a forma de interpretação já exposta.
Cite-se o disposto no art. 421, 1238, 1239, 1242 e, principalmente, o 1228, §§ 4º e 5º,
portanto, a título de conclusão, é o que se espera da interpretação do novo código civil.
Uma interpretação ética, operacional e social, o que só poderá ser alcançado se em
consonância com a principiologia da constituição, mais precisamente se erigida sempre à
categoria de interesse que deve preponderar a dignidade da pessoa humana.
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RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu:
• Ao analisar, com cautela, o Código Civil, fica perceptível que ele não é apenas um
ramo do Direito Privado.
• No Código Civil, encontram-se respostas para questões que por muitas vezes
ultrapassam as relações particulares, podendo encerrar questões que possuem
aproveitamento generalizado.
• O Código Civil é embasado por três princípios, são eles: Princípio da socialidade;
Princípio da eticidade e Princípio da operabilidade.
• Podemos concluir que são princípios basilares do Direito Civil: solidariedade social;
operabilidade; propriedade individual; autonomia da vontade e igualdade.
39
AUTOATIVIDADE
1 (MP do Trabalho/2004) Em relação ao Novo Código Civil, pode-se dizer que:
I- Rege todas as relações jurídicas de direito privado, desde que envolvam as pessoas
naturais e as pessoas jurídicas entre si;
II- Se aplica subsidiariamente, quando a norma invocada for compatível com o sistema de lei
especial, desde que regule as relações jurídicas de direito privado;
III- Ao tratar dos Direitos das Obrigações unifica, parcialmente, as normas de Direito
Civil e de Direito Comercial;
IV- Respeita os princípios gerais de direito que se constituem em regras de conduta
que norteiam o juiz na interpretação da relação jurídica discutida em juízo, quando
se refere ao ato ou ao negócio jurídico.
3 (MP/GO/Promotor de Justiça/2005) O atual Código Civil optou “muitas vezes, por normas
genéricas ou cláusulas gerais, sem a preocupação de excessivo rigorismo conceitual, a
fim de possibilitar a criação de modelos jurídicos hermenêuticos, quer pelos advogados
quer pelos juízes, para a contínua atualização dos preceitos legais” (trecho extraído do livro
História do novo Código Civil, de Miguel Reale e Judith Martins-Costa). Considerando o
texto, é CORRETO afirmar que:
40
a) ( ) Cláusulas gerais são normas orientadoras sob a forma de diretrizes, dirigidas
precipuamente ao juiz, vinculando-o ao mesmo tempo em que lhe dão liberdade
para decidir, sendo que tais cláusulas se restringem à Parte Geral do Código Civil.
b) ( ) Aplicando a mesma cláusula geral, o juiz não poderá dar uma solução em um
determina do caso, e solução diferente em outro.
c) ( ) São exemplos de cláusulas gerais: a função social do contrato como limite à
autonomia privada e que no contrato devem as partes observar a boa-fé objetiva
e a probidade.
d) ( ) As cláusulas gerais afrontam o princípio da eticidade, que é um dos regramentos
básicos que sustentam a codificação privada.
a) ( ) Impossibilidade de restrição.
b) ( ) Irrenunciabilidade.
c) ( ) Universalidade.
d) ( ) Economicidade
e) ( ) Eficácia irradiante ou horizontal.
41
42
UNIDADE 1 TÓPICO 3 -
LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO
DIREITO BRASILEIRO
1 INTRODUÇÃO
FIGURA 4 – LINDB
43
FIGURA 5 – FUNÇÕES LINDB
Para uma Lei ser considerada vigente, ou seja, para que suas normatizações
se tornem aplicáveis, ela deve passar por sua promulgação e, em seguida, publicação
no Diário Oficial do ente federativo correspondente. Vejamos algumas características
concernentes a todas as leis:
44
a) Generalidade: a Lei deve se direcionar para todos os cidadãos, possuindo comandos
abstratos, jamais sendo direcionada para alguma pessoa específica. Contudo, poderá
ocorrer de algumas Leis dirigirem-se para determinado grupo ou categoria de
indivíduos.
b) Imperatividade: a Lei se comunicar de maneira imperativa, isso quer dizer,
atribuindo um comando, dando uma ordem. Podendo ser exigindo determinada ação
o que chamaremos de imposição ou, ainda, exigindo determinada abstenção o que
chamaremos de proibição;
c) Autorizamento: a Lei deve garantir que o indivíduo lesado possa exigir o seu
cumprimento, assim como também a reparação caso algum de seus direitos tenha
sido violado. A Lei é responsável por autorizar a faculdade do indivíduo de buscar os
direitos que lhe são devidos (o Direito Subjetivo que estudamos no primeiro tópico
desta unidade).
d) Permanência: a Lei deverá existir até que seja revogada por outra Lei. Contudo, algumas
normas podem possuir caráter originalmente temporário, sendo destinadas desde sua
criação apenas para uma situação em período determinado de tempo.
e)Emanação de autoridade competente: a Constituição Federal assegura que
toda a Lei deve ser um ato do Estado, através de competências que prevê como
legislativas. Assim, sempre será os funcionários do Poder Legislativo quem irá editar
Leis, observando os limites de sua competência.
Seguindo os estudos acerca das características das leis, vejamos agora como
elas se organizam de acordo com sua hierarquia:
45
cidadão, além de disciplinarem a estrutura da nação e a organização do Estado.A
Constituição Federal está então no topo da escala hierárquica das leis, pois trata das
normas fundamentais do Estado (GONÇALVEZ, 2019). Já as Leis Complementares,
nas palavras de Gonçalvez (2019, p. 81):
Já os Decretos Legislativos são instrumentos normativos (CF, art. 59, VI) que
materializam competências exclusivas do Congresso Nacional, como resolver questões
acerca de tratados internacionais que acarretem compromissos gravosos ao patrimônio
nacional (CF, art. 49, I), entre outras (GONÇALVEZ, 2019).
47
I – ter sido fixada uma data posterior para o momento de início de seus feitos;
II – deva entrar em vigor 45 dias após publicada, em face de omissão de norma explícita;
III – estar pendente de regulamento, explícita ou implicitamente (normas de eficácia
limitada).
Se uma lei for republicada, os direitos adquiridos com a redação anterior são
respeitados, produzindo a disposição corrigida os mesmos efeitos de uma lei nova,
levando-se em consideração a boa-fé do agente.
Art. 1º, LINDB – § 3º: Se, antes de entrar a lei em vigor, ocorrer nova publicação
de seu texto, destinada à correção, o prazo deste artigo e dos parágrafos anteriores
começará a correr da nova publicação. § 4º As correções a texto de lei já em vigor
consideram-se lei nova).
48
§ 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém
por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo prefixo, ou
condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.
§ 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não
caiba recurso.
As leis civis não têm retroatividade, uma vez que esbarram no ato jurídico
perfeito, no direito adquirido e na coisa julgada (art. 5º, XXXVI, CF). Nem mesmo o
Estado pode retroagir os efeitos de uma nova lei para atingir situações definitivamente
constituídas.
49
Se o artigo 20 fala em avaliação das circunstâncias, o 21 é o passo seguinte,
porque determina que a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma
administrativa deverá indicar as consequências. Portanto, motivar a decisão.
NOTA
Autoridade administrativa suspende o pagamento de refeições dadas aos
presos, porque há denúncia de descumprimento das condições do contrato.
Tal decisão deve indicar expressamente as consequências, que poderão ser
graves. Para que isso seja evitado, o parágrafo único reclama que a regularização
ocorra de modo proporcional e equânime.
O artigo 23 exige que a decisão que estabelecer orientação nova deve prever
regime de transição. Mudanças administrativas dependem de atos complexos, por
vezes licitações que não se fazem em dez dias.
Imagine-se uma ordem judicial que determina a retirada de famílias de área de risco.
Certamente o município terá que realocar as pessoas e isto não se faz com facilidade. Assegurar
prazo para que a transição seja feita é medida de bom senso e agora de lei.
NOTA
Na área ambiental, por força de exigências do Código Florestal, são
comuns ações judiciais que buscam a demolição de moradias construídas
há décadas. Criam-se situações, por vezes, de flagrante injustiça.
a) Promulgação.
b) Publicação.
c) Decurso do período de vacância, quando existir.
Sobre isso, Garcia e Pinheiro (2014, p. 51) lembra que “é importante anotar que
algumas normas constitucionais, por dependerem de outra para produzirem efeitos,
têm eficácia limitada”. Com a devida noção sobre a validade das Leis, passemos agora a
observar de fato os conceitos de vigor e vigência delas.
Quando falamos em vigor, pensamos na qualidade da lei, não por coincidência essa
palavra significa “força”. Este conceito diz respeita a efetividade da lei para produzir os efeitos
jurídicos para os quais ela foi elaborada. Podemos afirmar que após verificada a validade de
uma Lei, ou seja, após estar comprovado que esta seguiu as condições devidas para sua
existência, aí então perceberemos se esta terá força jurídica para “vigorar”. Já sobre a vigência,
Garcia e Pinheiro (2014, p. 51) conceitua:
51
NOTA
O Código Civil anterior até os dias atuais ainda acaba por regular algumas
relações sociais, uma vez que suas normatizações estão no inconsciente moral
dos cidadãos, ou seja, ainda produzindo “efeitos”. Porém ele se encontra já
revogado pelo novo Código civil, não “existindo” mais. Assim, podemos afirmar
que uma lei pode possuir vigor, mesmo que não tenha mais vigência.
Por fim, Garcia e Pinheiro (2014, p. 52) bem nos lembra que:
a) à sua extensão: pode ser total ou parcial. Revogação total (ou ab-rogação) é a
supressão integral da lei anterior. O art. 2.045 do atual Código Civil revogou por inteiro
o Código anterior. Revogação parcial (ou derrogação) é a supressão de parte da lei
anterior (GARCIA; PINHEIRO, 2014);
b) à forma de sua execução: pode ser expressa ou tácita. Revogação expressa é aquela
em que a lei nova declara inequivocamente a supressão de dada lei. O atual Código
Civil, como se viu, revogou expressamente a Lei 3.071/16 (CC anterior) em seu art.
2.045 (GARCIA; PINHEIRO, 2014).
52
a) da presunção legal: a credita que a lei, uma vez publicada, é de conhecimento de
todos;
b) da ficção: acredita que todos passam a conhecer a lei com sua publicação, e;
c) da necessidade social: acredita que este princípio possibilita uma convivência
harmônica em sociedade.
Para que a obrigatoriedade das leis possua eficácia ela conta com o que
chamamos de princípio da continuidade.
O princípio estabelece que a lei irá possuir vigência enquanto não for modificada
ou revogada. Isso quer dizer que, via de regra, as leis são dotadas de caráter permanente.
53
LEITURA
COMPLEMENTAR
Obrigatoriedade das normas jurídicas
A obrigatoriedade das normas jurídicas tem por final pretensão o bom convívio
social, precipuamente disciplinar às condutas humanas, uma célebre frase, muito
difundida diz que “o nosso direito termina onde começa o de outrem”. Na verdade,
concordo com o que diz Rousseau em uma famosa frase: “O homem nasceu livre, porém
vive acorrentado por todos os lados”. Nós temos o direito de escolha para decidir se
queremos ou não praticar uma ação, porém se a conduta dessa ação resultar em prejuízo
de direito de outro ou da coletividade, então sofreremos uma sanção; existe sobre nós
um poder coercitivo superior que disciplina nossa conduta, para que exista harmonia
social funcionando como tentativa de acabar com um estado de guerra constante.
Hobbes foi um autor absolutista e, para ele, o estado se confunde com a norma,
e o poder é concentrado nas mãos do governante supremo que controla a sociedade
através das leis e normas por ele mesmo editadas.
54
Hobbes declara que o estado surge como um grande pacto contratual e o
estado se confunde com o soberano: “Eu sou o estado e a lei”. O estado/soberano é
quem rege os outros. Tomas Hobbes diferencia direito de lei, onde direito é a liberdade
de ação do indivíduo e a lei/norma obriga a fazer ou deixar de fazer algo.
Reale (1994) afirma que a norma nada mais é do que uma previsão feita para o
fato em concreto, e o efeito valorativo que determina consequência nada mais é do que
obrigatoriedade da norma e previsão de fatos.
Já a teoria de Kelsen não tem caráter finalístico de preocupação com a justiça, além
de diferenciar direito de outros fenômenos sociais como a moral e a religião.
Conforme Kelsen (1998 apud CATÃO, 2001, p. 22), “se compararmos todas as
ordens sociais, do passado e do presente, geralmente chamadas “Direito”, descobriremos
que elas têm uma característica em comum que nenhuma ordem social apresenta”. Essa
característica constitui um fato de suprema importância para a vida social e seu estudo
cientifico. Essa característica é o único critério pelo qual podemos distinguir o direito de
fenômenos sociais, como a moral e a religião.
Pudemos notar que cada autor adota uma teoria, um fundamento, seja pelo
direito natural (sentimento de justiça), contratualista ou absolutista.
55
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu:
• A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro possui caráter universal, isso quer
dizer que poderá ser aplicada em todos os ramos do Direito.
• Em sentido estrito, a palavra Lei representa apenas a norma jurídica organizada pelo
Poder Legislativo, através de seus legisladores pelo método de processo determinado
pela Constituição Federal.
• As Leis Delegadas são editadas pelo Poder Executivo, após autorização expressa
oriunda do Poder Legislativo.
• Decretos Legislativos são instrumentos normativos (CF, art. 59, VI) que materializam
competências exclusivas do Congresso Nacional.
• Resoluções são aquelas normas expedidas pelo Poder Legislativo com o intuito de
regulamentar matérias de competência privativa da Câmara dos Deputados (CF, art.
51) e do Senado Federal.
56
AUTOATIVIDADE
1 (TRT/2ª Região/Juiz do Trabalho/2007) É CORRETO dizer que:
I- Na aplicação da lei, o Juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências
do bem comum.
II- Quando a lei for omissa, o Juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, a doutrina,
a jurisprudência, os princípios gerais de direito, podendo também fundamentar
suas razões de decidir nos usos e costumes locais.
III- Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que a outra a modifique
ou a revogue.
IV- A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes,
não revoga nem modifica lei anterior, salvo se expressamente o declare.
V- A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito
adquirido, a coisa julgada e o fim social a que se destina.
I- Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país 45 dias depois de
oficialmente publicada.
II- Em se tratando de sentença arbitral estrangeira, tem sua eficácia plena assegurada
após a sua homologação pelo Supremo Tribunal Federal ou conclusão de processo
legislativo e promulgação pelo Presidente do Senado Federal.
III- Nos estados estrangeiros, a obrigatoriedade da lei brasileira, quando admitida, se
inicia três meses após oficialmente publicada.
IV- A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das existentes, não
revoga nem modifica a lei anterior.
V- Aplicar-se-á a lei do país em que for domiciliado o proprietário, quanto aos bens móveis
que ele trouxer ou se destinarem a transportes para outros lugares.
57
Assinale a alternativa CORRETA:
a) ( ) As afirmativas II e V estão incorretas e as alternativas I, III e IV estão corretas.
b) ( ) Apenas a afirmativa V está incorreta e as alternativas I, II, III e IV estão corretas.
c) ( ) Apenas a afirmativa II está incorreta e as alternativas I, III, IV e V estão corretas.
d) ( ) Todas as afirmativas estão incorretas.
e) ( ) Todas as afirmativas estão corretas.
a) ( ) Revogação.
b) ( ) Derrogação.
c) ( ) Ab-rogação.
d) ( ) Repristinação.
e) ( ) Anulação.
a) ( ) A eficácia de uma norma é condição de sua validade, mas não de sua vigência.
b) ( ) A condição de validade de uma norma é a sua vigência imediata.
c) ( ) Princípios jurídicos distinguem -se de normas por não implicarem em sanção na
hipótese de seu descumprimento.
d) ( ) Nenhuma das anteriores.
58
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado
Federal: Centro Gráfico, 1988.
BRASIL. Lei n. 10.406, 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da
União, Brasília, DF, 11 jan. 2002.
DINIZ, M. H. Curso de direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva Jur, 2020.
GAGLIANO, P. S.; FILHO, R. P. Manual de direito civil: volume único. 3. ed. São Paulo:
Saraiva Jur, 2019.
GONÇALVEZ, C. R. Direito civil brasileiro 1: parte geral. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.
KELSEN, H. Teoria pura do direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
NADER, P. Introdução ao estudo do direito. 42. ed. São Paulo: Forense, 2019.
REALE, M. Lições preliminares de direito. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2018.
TARTUCE, F. Manual de direito civil – vol. único. 10. ed. São Paulo: Método, 2019.
TARTUCE, F. Direito civil – Lei de Introdução e parte geral. São Paulo: Forense, 2018.
TEPEDINO, G.; OLIVA, M. D. Fundamentos do direito civil: teoria geral do direito civil.
São Paulo: Forense, 2020.
VIANA, M. A. da S. Curso de direito civil. São Paulo: Editora Del Rey, 1993.
59
60
UNIDADE 2 —
NOÇÕES BÁSICAS
DE DIREITO CIVIL
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:
PLANO DE ESTUDOS
A cada tópico desta unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de
reforçar o conteúdo apresentado.
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61
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UNIDADE 2!
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62
UNIDADE 2 TÓPICO 1 —
DA PESSOA NATURAL
1 INTRODUÇÃO
A natureza social dos seres humanos é o que faz com que seus comportamentos
possuam interferência direta no meio jurídico. Uma vez que entendemos o fato de
o Direito ter sido criado, essencialmente, para resolver as questões decorrentes das
relações entre os cidadãos, podemos perceber a importância de conceituar as chamadas
relações jurídicas.
Todavia, é importante ressaltar que nem toda relação entre duas pessoas é
caracterizada como relação jurídica, em que pese toda relação jurídica ser entre duas pessoas.
Para entender esse ramo basilar do Direito, é preciso, primeiramente, destrinchar o conceito
de pessoa. Só assim, distinguindo os diferentes significados de pessoa e suas relações,
poderemos ir a fundo no entendimento acerca da aplicação do Direito.
63
PESSOA FÍSICA NATURAL É como chamamos todos os “seres hu-
manos” pelo simples fato de serem.
Dentro da sociedade, são os “sujeitos de
direitos e obrigações”. Ou seja, para que
exista a PESSOA NATURAL, ela precisa
simplesmente nascer.
Além disso, é preciso lembrar que todo ser humano, além de pessoa física
natural, é, também, dotado de personalidade. Para o direito, personalidade está
intimamente ligada com o conceito de capacidade do indivíduo de ser representado
dentro das relações jurídicas e, também, para adquirir direitos ou contrair deveres.
A pessoal natural, com quem nos preocuparemos no presente item deste tópico do
livro didático, é o que podemos chamar de ser humano propriamente dito, ou seja, a pessoa
existente, apenas. Essas pessoas, pelo simples motivo de assim serem caracterizadas, são
detentoras de direitos e deveres estipulados pelo ordenamento jurídico.
Assim, entendemos que, para o Direito Civil, pessoa natural é todo ser humano
dotado de capacidade, ou seja, é a pessoa que, desde seu nascimento com vida, entende-
se como detentora de direitos e obrigações sociais. Isso se encontra expressamente
declarado pelo artigo 2º do Código Civil, vejamos:
a) Concepturo: é o ser humano que ainda não foi concebido, mas que, potencialmente,
pode vir a ser.
64
b) Nascituro: é o ser humano já concebido, mas ainda não nascido. É este que possui
as expectativas de direitos a que o Código Civil se refere. Tais expectativas se
concretizam com o nascimento com vida.
a) Teoria natalista: afirma que a pessoa adquire direitos e deveres somente quando nasce
com vida (Posição descrita no Código Civil brasileiro de 2002, Art. 2º).
b) Teoria concepcionista: afirma que a personalidade jurídica é adquirida desde o início
da concepção (Posição seguida pelo STF "Supremo Tribunal Federal").
c) Teoria da personalidade condicional: afirma que o nascituro possui direitos formais,
como o de proteção à vida, desde o momento da concepção. Contudo, somente ao
nascer com vida, adquire os direitos patrimoniais. Essa teoria não é adotada no Brasil.
65
NOTA
NOTA
São exemplos de pessoas com Capacidade de Direito, mas não Capacidade de Fato,
os recém-nascidos e os loucos. Isso quer dizer que eles podem exercer alguns direitos, como o
de receber herança, porém, são impedidos de, por exemplo, propor uma ação em nome próprio
na defesa da herança recebida. Precisam ser representados pelos pais ou curadores.
66
1) INCAPACIDADE ABSOLUTA: é caracterizada pela impossibilidade de exercer,
pessoalmente, os atos da vida civil, de acordo com o art. 3° do CC. A incapacidade, aqui,
é suprida pela representação; são esses os absolutamente incapazes:
a) Os menores de 16 anos: que são representados por seus pais ou tutores;
b) Os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento
para a prática desses atos (a lei anterior dizia, no antigo art. 5°: loucos de todo o gênero).
São pessoas representadas por curadores (CC., art. 1767, I).
c) Os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade (a lei dizia:
surdos-mudos, que não pudessem exprimir suas vontades). Estão sujeitos à curatela
(CC., art. 1780) – (também CC., arts. 1767, III e IV. 1.772 e 1782).
67
Com isso, percebemos que a questão da capacidade é de importância crucial
para o início dos estudos acerca das pessoas no mundo jurídico, isso porque a
capacidade, ou a falta dela, acompanha o indivíduo ao longo de toda a sua trajetória,
interferindo diretamente na maneira como se desdobram as relações civis.
Ocorre que, como já vimos, o ser humano possui uma necessidade natural de
viver em grupos, pois, com isso, é possível obter melhores resultados tanto de trabalho
quanto da produção de todos. Desse convívio, nascem as relações jurídicas, negociais
e familiares, principalmente.
68
2) ESTADO: outro elemento de identificação da personalidade, o estado representa a
somatória das qualificações dos cidadãos dentro de uma sociedade. Por meio da
análise do estado da personalidade, é possível saber da capacidade de produção de
efeitos jurídicos da pessoa. É uma situação jurídica resultante de certas qualidades
inerentes à pessoa. A doutrina, em geral, distingue o estado da personalidade em três
classificações:
a) Estado individual: é o modo de ser da pessoa quanto à idade, sexo, cor, altura,
saúde (são ou insano e incapaz) etc. Diz respeito a aspectos ou particularidades da
sua constituição orgânica, que exercem influência sobre a capacidade civil (homem,
mulher, maioridade, menoridade etc.).
b) Estado familiar: é o que indica a sua situação na família em relação ao matrimônio
(solteiro, casado, viúvo, divorciado) e ao parentesco, consanguínea de ou afinidade
(pai, filho, irmão, sogro, cunhado etc.).
NOTA
A união estável é reconhecida como entidade familiar pela Constituição
Federal. Trata-se da situação que produz efeitos jurídicos, conferindo,
a quem nela se encontra, direito a alimentos, a meação, a benefícios
previdenciários etc. Trata-se, pois, da qualidade jurídica a que não se pode
negar a condição de estado familiar.
NOTA
Cumpre distinguir nacionalidade de cidadania. No nosso sistema legislativo,
o conceito de cidadania está reservado à qualidade de possuir, além de
exercer direitos políticos. Cidadão e eleitor são, pois, palavras sinônimas
na nossa Constituição. Quem não é eleitor, não é cidadão, posto tenha a
nacionalidade brasileira.
69
1) DOMICÍLIO: a noção de domicílio possui grande importância no Direito. Como as
relações jurídicas se formam entre pessoas, é necessário que estas tenham um local,
livremente escolhido ou determinado pela lei, onde possam ser encontradas para
responder por suas obrigações (GONÇALVEZ, 2019).
FIGURA 2 – DOMICÍLIO NO CC
FONTE: A autora
70
QUADRO 1 – DOMICÍLIOS NECESSÁRIOS
Somente com a morte real termina a existência da pessoa natural, que pode
ser, também, simultânea (comoriência). Vejamos, então, de acordo com a doutrina do
ordenamento atual, os tipos de morte classificados:
1) A MORTE REAL: é comprovada por meio de atestado de óbito ou por ação declaratória
de morte presumida, sem decretação de ausência (art. 7º, CC), podendo, ainda,
ser utilizada a “justificação para o assento de óbito” prevista no art. 88 da Lei dos
Registros Públicos (Lei nº 6.015/73), quando houver certeza da morte em alguma
catástrofe, não sendo encontrado o corpo do falecido (GONÇALVEZ, 2019).
71
NOTA
A morte real é considerada, cientificamente, quando ocorre diagnóstico
de paralisação da atividade encefálica (morte cerebral). A Lei nº 9.434/97,
que trata dos transplantes de órgãos, no art. 3º, estabelece que, com
esse diagnóstico, faz-se extinta a capacidade, não sendo mais o morto
sujeito de direitos e obrigações. A morte natural causa, então, a extinção
de elementos, como o do poder familiar, vínculo matrimonial, contratos
personalíssimos, brigações de pagar alimentos etc.
Ainda, a extinção da pessoa natural pode ocorrer sem que seja diagnosticada a
morte natural do indivíduo, nas classificações de morte que veremos a seguir:
72
I– se for extremamente provável a morte de quem estava em
perigo de vida;
II – se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não
for encontrado até dois anos após o término da guerra.
Parágrafo único: A declaração da morte presumida, nesses casos,
somente poderá ser requerida depois de esgotadas as buscas e
averiguações, devendo a sentença fixar a data provável do falecimento.
IMPORTANTE
A morte presumida como fator de extinção da personalidade da Pessoa Natural
O trabalho objetiva a análise da sentença declaratória de morte presumida e
sua implicação na extinção da personalidade da pessoa natural, uma vez que
consideráveis consequências jurídicas são advindas da decisão que considera
sumamente provável o óbito do indivíduo, que não teve os restos mortais localizados para
comprovar seu falecimento.
Com referência à aplicação prática do tema em estudo, procurou-se demonstrar que as
frequentes ocorrências de catástrofes naturais em nosso planeta, há variadas situações em
que a pessoa pode se encontrar em perigo de vida – por exemplo, vítimas de sequestros
e ataques criminosos, tsunamis, terremotos, maremotos–, bem como as guerras civis,
militares e as instabilidades constantes em todo o planeta terra, revelam a importância
do reconhecimento da morte presumida como fator capaz a extinguir a personalidade
do sumido, possibilitando, desse modo, equilíbrio e segurança entre os membros
da sociedade.
A técnica de pesquisa utilizada foi à indireta, especificamente a pesquisa bibliográfica, em
que tomamos por base a doutrina, artigos de revistas jurídicas, que proporcionaram o
desenvolvimento do tema em estudo, por via do método dedutivo.
Ao que se alude ao conteúdo explanado, a princípio conceitua-se o direito da
personalidade, esclarece sua distinção com a ideia de capacidade de direito. Em seguida,
são apresentadas a evolução histórica, a natureza jurídica, e principais características
desse direito, considerado essencial à pessoa, na medida em que visa à proteção de sua
dignidade, considerada como o princípio mãe em nossa Constituição Federal.
Ainda, explorou o momento em que se inicia a personalidade da pessoa humana, e quando
há sua extinção, visto que a doutrina se apresenta divergente no tocante a aceitar o fim
da personalidade quando o óbito decorre de sentença que declarou a morte presumida.
Em seguida, estão em pauta as hipóteses de pressuposição do óbito, estabelecidas no
Novo Código Civil, destacando-se a inovação trazida neste diploma com o acréscimo de
causas não previstas no Código de 1.916, embora já fossem estas abordadas na Lei de
Registros Públicos (6015/73) como causas que admitem a justificação do óbito, classificadas
atualmente como hipóteses de morte presumida.
73
1 CONSIDERAÇÕES GERAIS DO DIREITO DA PERSONALIDADE
1.1 Conceito de Direito da Personalidade
Para que possamos conceituar o direito da personalidade, necessário se faz previamente
esclarecermos a conotação do termo personalidade, bem como abordarmos na sequência
em que consiste a capacidade de direito, tendo em vista a tênue linha que os separa,
causando, não raras vezes, a utilização desses termos por alguns juristas como sinônimos
fossem.
A personalidade compreende a união de caracteres da pessoa, de atributos humanos
como a vida, honra, integridade física, imagem, dentre outros bens, objeto de proteção
no ordenamento jurídico. Aquela é inerente à condição de ser humano, recebendo, dessa
forma, o amparo do Direito, denominado de Direito da Personalidade.
Nesse contexto, leciona Gofredo da Silva Telles apud Diniz (2003, p. 119):
No mesmo sentido, com propriedade Godoy apud Gnocchi (2006, p. 10) sustenta:
Logo, o conjunto de bens peculiares da essência humana, como a vida, imagem, nome, dentre
outros, é tutelado juridicamente pelos denominados direitos da personalidade, tanto no
âmbito cível, quanto no campo constitucional, conforme passaremos a expor oportunamente.
Insta salientarmos que, o conceito de personalidade até então apresentado não é o
reconhecido pela unanimidade da doutrina pátria e estrangeira, vez que o emprego da
conotação de capacidade de direito na definição de personalidade prepondera entre
renomados juristas, resultando num aparente sinônimo entre ambos os termos.
Szaniawski apud Gnocchi (2006, p. 11) atribui ao Código Civil revogado o fato de inúmeros
doutrinadores não atentarem à distinção existente entre a capacidade de direito e a
personalidade, haja vista que só com o advento do novo diploma legal é que o legislador separou
os dois conceitos.
Nesse diapasão, Roxana Cardoso Brasileiro Borges apud Gnocchi (2006, p. 11) assevera que:
Ainda, enfatizou a autora que San Tiago Dantas (2001) distinguiu personalidade jurídica e
capacidade de direito, mesmo antes da vigência do Novo Código Civil:
Em seu programa de Direito Civil, registrou o professor que a expressão "direitos
de personalidade" não tem relação exclusiva com a noção de personalidade jurídica
enquanto capacidade de ter direitos e obrigações. A personalidade quando se trata dos
direitos de personalidade, era considerada por San Tiago Dantas um fato natural, "como um
conjunto de atributos inerentes à condição humana". O autor distinguiu duas acepções do
termo "personalidade": uma delas é puramente técnico-jurídica e significa a capacidade de
74
alguém ter direitos e obrigações (ou seja, a atual definição de capacidade jurídica); a outra
acepção é natural e equivale ao conjunto dos atributos humanos, como a honra, a vida, a
integridade corpórea, a liberdade.
Destarte, o ser humano era compreendido até meados do século XX apenas como componente
de uma relação jurídica, ante a noção de personalidade estar voltada ao contexto de capacidade
de direito – diversamente de sua atual valoração, vez que o conceito contemporâneo que
temos de personalidade está embasado na dignidade da pessoa humana –, acarretando na
dupla acepção do termo personalidade, sabiamente apresentada pelo professor Dantas.
O valor que atualmente recai sobre a personalidade enaltece a figura do homem, assim
como coloca a acepção natural daquele termo num patamar mais elevado do que a
acepção técnico-jurídica. Nesse diapasão, Borges apud Gnocchi (2006, p. 12) afirma que
"atualmente, concebe-se a personalidade jurídica como categoria mais ampla do que a
capacidade", e conclui Francisco Amaral (2000), Borges (2005) apud Gnocchi (2006, p. 12)
que "hoje em dia, a personalidade surge como projeção da natureza humana".
1.2 Evolução histórica do Direito da Personalidade
Em latim, a palavra persona significa máscara utilizada pelos atores teatrais, sendo esse
termo empregado para designar à pessoa a condição de sujeito de direitos, como se
fôssemos atores na sociedade (VENOSA, 2011).
A proteção jurídica dos direitos da personalidade evoluiu na medida em que o homem foi
adquirindo o reconhecimento de seu valor, como ente dotado de dignidade no seio da
ordem social.
Bittar apud Gnocchi (2006, p. 13) leciona acerca da teoria dos direitos da personalidade e
os fatores que foram determinantes para sua formação:
75
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu:
• A natureza social dos seres humanos é o que faz com que seus comportamentos
possuam interferência direta no meio jurídico.
• Nem toda relação entre duas pessoas é caracterizada como relação jurídica, em que
pese toda relação jurídica ser entre duas pessoas.
• Uma pessoa com a capacidade limitada necessita de outra pessoa que a substitua ou
auxilie a exercer as suas vontades.
• Somente com a morte real termina a existência da pessoa natural, que pode ser,
também, simultânea (comoriência).
76
AUTOATIVIDADE
1 (CESPE/CEBRAPE – TSE: Analista Judiciário/2007). A respeito das pessoas físicas e
jurídicas, assinale a opção CORRETA:
a) ( ) Por meio do nome civil a pessoa natural é identificada no seu ambiente familiar
e no meio social; por isso, o nome é imutável, exceto se a mudança decorrer da
adoção de menor ou do casamento.
b) ( ) Os bens pertencentes a pessoa jurídica e os bens que integrem o estabelecimento
empresarial são de propriedade dos seus sócios, em comunhão ou condomínio,
na proporção representada pelas quotas da sociedade limitada ou pelas ações
da sociedade anônima.
c) ( ) A emancipação voluntária é ato unilateral de concessão realizado pelos pais,
em pleno exercício da autoridade parental, mediante instrumento público,
independentemente de homologação judicial, desde que o menor já tenha
completado 16 anos.
d) ( ) A sociedade de fato ou irregular não tem personalidade jurídica, mas possui
capacidade de ser parte no processo, tem autonomia patrimonial em relação aos
sócios e responsabilidade própria.
a) ( ) Ser autor da referida ação, sem representação de seus pais, uma vez que João
tem capacidade processual, eis que se encontra no exercício dos seus direitos e
por isso tem capacidade para estar sozinho em juízo.
b) ( ) Ser autor da ação, assistido por seus pais, uma vez que os incapazes serão
representados em juízo para que o processo tenha validade.
c) ( ) Aguardar a maioridade civil para propor a referida ação judicial, uma vez que, por
não ter capacidade de juízo, está impedido de postular a pretensão como autor
da ação;
d) ( ) Demandar, porém sem ser autor da ação, pois dependerá de que um de seus pais
ou ambos o façam em nome próprio como autor ou autores da ação, uma vez
que João não tem capacidade de direito.
e) ( ) Demandar em conjunto com seus pais, uma vez que somente sendo ele e seus
pais autores da ação, esta terá validade, pois João não pode ser autor da ação
não tendo capacidade civil.
77
3 VUNESP/TJSP – Juiz/ 2013). Acerca dos pressupostos processuais relativos às
partes, é acertado dizer que:
I- Presume-se a morte, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a
abertura de sucessão provisória.
II- Se dois ou mais indivíduos falecerem na mesma ocasião, não se podendo averiguar
se algum dos comorientes precedeu aos outros, desde que as causas que originaram
o acidente sejam efetivamente elucidadas, presumir-se-ão simultaneamente mortos.
III- A existência da pessoa natural termina com a morte.
IV- Pode ser declarada a morte presumida sem decretação de ausência, se alguém,
desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até dois anos
após o término da guerra. Nesse caso, somente poderá ser requerida depois de
esgotadas as buscas e averiguações, devendo a sentença fixar a data provável do
falecimento.
78
5 (CPCON/ Prefeitura de Santa Luzia/PB – Advogado/2015). Sobre a extinção da
pessoa natural e suas consequências, analise os itens a seguir e marque com (V)
se a assertiva for verdadeira e com (F) se for falsa. Ao final, assinale a alternativa
correspondente:
( ) A morte real é apontada no art. 6° do Código Civil como responsável pelo término
da existência da pessoa natural. Acarreta a extinção do poder familiar, a dissolução
do vínculo matrimonial, a abertura da sucessão, a extinção dos contratos
personalíssimos, a extinção da obrigação de pagar alimentos, que se transfere aos
herdeiros do devedor.
( ) A comoriência é prevista no art. 8º do Código Civil. Dispõe este que, se dois ou
mais indivíduos faleceram na mesma ocasião, não se podendo averiguar qual deles
morreu primeiro, presumir-se-ão simultaneamente mortos. O principal efeito da
presunção de morte simultânea é que, não tendo havido tempo ou oportunidade
para a transferência de bens entre os comorientes, um não herda do outro.
( ) Na morte presumida com declaração de ausência, presume-se a morte, quanto aos
ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura da sucessão provisória.
( ) Pode ser declarada a morte presumida, sem decretação de ausência, se alguém,
desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até três anos
após o término da guerra.
a) ( ) F – V – V – F.
b) ( ) V – V – F – F.
c) ( ) V – F – V – V.
d) ( ) F – F – F – V.
e) ( ) F – V – F – F.
79
80
UNIDADE 2 TÓPICO 2 -
1 INTRODUÇÃO
A importância de serem destacados os direitos de personalidade dos direitos
comumente civis economicamente considerados está no fato de serem direitos
intimamente ligados ao cidadão, visto que dizem respeito à própria pessoa humana e,
assim, merecem, igualmente, uma proteção jurídica.
81
O reconhecimento dos direitos da personalidade é considerado recente, uma
vez que foram efetivamente declarados como categoria de direito apenas após a
Declaração dos Direitos do Homem, de 1789, Declaração das Nações Unidas, em 1948,
e, por fim, a Convenção Europeia, datada de 1950.
Gonçalves (2019) explica que, no Brasil, esses direitos vêm sendo tutelados, via
de regra, por meio das jurisprudências. Por elas, está se desenvolvendo a proteção à
intimidade dos cidadãos, resguardando seus corpos, imagens e dignidades.
82
a) absolutos: são direitos inerentes a todos os homens;
b) indisponíveis: são direitos que a pessoa titular não pode abrir mão, abandonar,
deixar de exercer, como o direito à vida;
c) inalienáveis: são direitos sem valor comercial, impossíveis de serem vendidos;
d) intransmissíveis e irrenunciáveis: são direitos que não podem ser transferidos,
transmitidos para outras pessoas;
e) imprescritíveis: não se extinguem pelo uso, não uso e nem pela inércia em
reivindicá-los ou defendê-los;
f) impenhoráveis: como não possuem valor comercial, não são passíveis de penhora.
O artigo 12 do Código Civil estabelece que é com a cessação dos atos, que estejam
desrespeitando a integridade física, moral ou intelectual do cidadão, que ocorre a proteção
judicial. Além disso, é verificada a existência de lesão para os devidos ressarcimentos dos
danos morais e patrimoniais que a vítima tenha sofrido.
83
Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal:
O exercício dos direitos da personalidade pode sofrer limitação
voluntária, desde que não seja permanente nem geral (GONÇALVEZ,
2019, p. 182).
NOTA
Alguns direitos de personalidade que não estão expressos no Código Civil,
mas que são assim considerados, são os direitos a alimentos, planejamento
familiar, meio ambiente ecológico, velhice digna, culto religioso etc.
NOTA
Ainda, são imprescritíveis mesmo que exista inércia do cidadão no que
diz respeito à pretensão de defesa. Porém, o dano moral a que se pode
requerer depende da lesão ao direito, e essa pretensão à reparação do
dano está sujeita aos prazos prescricionais estabelecidos em lei.
84
NOTA
A indisponibilidade não é uma característica absoluta. Alguns dos direitos
de personalidade podem ser cedidos para fins comerciais, como o direito
autoral e o direito de imagem. Assim, os reflexos patrimoniais dos referidos
direitos podem ser penhorados.
O artigo 12, parágrafo único, do Código Civil, estabelece que, no caso de pessoa
falecida, o cônjuge sobrevivente, parente em linha reta, colateral ou até o quarto grau
pode requerer a cessação da lesão ou ameaça aos direitos de personalidade do morto.
85
Estas podem ser de natureza preventiva, cautelar, objetivando
suspender os atos que ofendam as integridades física, intelectual
e moral, ajuizando-se, em seguida a ação principal ou de natureza
cominatória, com fundamento nos arts. 497 e 536, § 4º, do Código
de Processo Civil, evitando a concretização da ameaça de lesão.
O ato pode também ser movido desde a ação de indenização por
danos materiais e morais, de natureza repressiva, com pedido de
antecipação de tutela, como tem sido admitido (GONÇALVEZ, 2019,
p. 184).
Por fim, vejamos alguns dispositivos do nosso Código Civil que merecem
destaque quando se tratam de direitos inerentes à personalidade:
Assim, concluímos que o direito à vida deve ser percebido como o direito ao
respeito à vida do próprio titular e de todos. Ocorre que a vida humana é anterior à
existência do direito e por isso deve ser respeitada por todos. É um bem jurídico essencial,
uma vez que é o pilar que origina todos os outros direitos que regem a sociedade.
IMPORTANTE
A dignidade humana e os limites dos direitos da personalidade
Os direitos da personalidade são direitos inerentes e inseparáveis do próprio conceito
de personalidade humana, independentemente de qualquer “reconhecimento” ou
“sistematização” pela ordem ou sistema jurídico. A personalidade, todavia – uma vez
reconhecida pelo ordenamento jurídico – torna-se “personalidade jurídica”. Em outras palavras, o
ordenamento jurídico contribui para preservar e tutelar o valor, a autonomia e o fim individual do
ser humano, não unicamente de forma geral e abstrata, mas também no respeito à ordem atual
e jurisdicional do direito positivo.
O ser humano é o sujeito principal e destinatário de todas as relações jurídicas [enquanto
sujeito em si dessas relações]. Por essa razão, o ser humano é sempre titular da capacidade
jurídica [art. 1° do Código Civil], que é a qualificação virtual e potencial do agir juridicamente.
A personalidade jurídica é – em outras palavras – a veste formal da substância humana.
A personalidade jurídica – por ser intrínseca e comum a todos os seres humanos – torna-se
86
também pressuposto jurídico formal e substancial da igualdade jurídica, que se concretiza
no pressuposto segundo o qual cada ser humano necessariamente há de respeitar a
personalidade jurídica dos outros, enquanto “reflexo” da sua própria.
A capacidade jurídica distingue-se da capacidade de agir, que consiste na aptidão do
indivíduo para manifestar vontades aptas a modificar a própria situação jurídica (ou seja,
é a capacidade de exercer concretamente a capacidade geral de ser titular de direitos e
deveres). Capacidade jurídica e capacidade de agir permitem ao indivíduo criar, modificar
e extinguir todas as posições jurídicas subjetivas, que podemos distinguir [sumariamente]
em direitos, interesses legítimos, poderes, obrigações, deveres e ônus.
O art. 1° da Declaração Universal dos Direitos do Homem estabelece que “todos os seres
humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Dotados de razão e de consciência,
devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”. A Carta Constitucional de
1988 do Brasil consagra a dignidade da pessoa humana como princípio fundamental do Estado
Democrático de Direito (art. 1°, III), e positiva expressamente o reconhecimento dos direitos e
garantias fundamentais (incluindo os direitos da personalidade) no art. 5°, caput, V, X e XXXVI,
em particular no que concerne ao direito à vida, à intimidade, à vida privada, à imagem, à honra,
entre outros.
Os direitos da personalidade são, portanto, direitos subjetivos absolutos, sendo que
regulamentam os aspectos mais essenciais e relevantes da personalidade humana.
Esses direitos não possuem caráter patrimonial e são inalienáveis, intransmissíveis,
irrenunciáveis e imprescritíveis. Os direitos da personalidade são regulamentados nacional
e internacionalmente pelos arts. 11 a 21 do Código Civil (aspectos privatísticos), pela própria
Carta Constitucional como direitos e garantias fundamentais (veja-se supra) e por várias
Convenções Internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos do Homem da ONU
de 1948; a Declaração do Conselho da Europa para a salvaguarda dos Direitos do Homem
e das Liberdades Fundamentais de 1950; o Pacto internacional sobre os Direitos Civis e
Políticos de 1966; o Tratado da União Europeia de 1992, e modificado em 2007; a Carta dos
Direitos Fundamentais de 2000; e a Convenção sobre Direitos Humanos e a Biomedicina
de 1997.
Pelo ordenamento jurídico, são direitos da personalidade: o direito à dignidade; o direito à
liberdade (e o direito à livre iniciativa na forma e nos limites estabelecidos pela Lei); o direito à
igualdade; o direito à segurança; o direito à cidadania; o direito à vida, o direito à integridade
física e psíquica, o direito ao nome; o direito à imagem; o direito à inviolabilidade da vida privada;
o direito à liberdade de pensamento e de expressão; o direito à propriedade; o direito a ser
submetido ao justo processo; e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (direito
novo, difuso e de exclusiva natureza pública). Trata-se de elenco “aberto” e não necessariamente
taxativo, mas que muda e evolui conforme o “nível de civilização” da sociedade, ou seja, que
depende das conquistas da sensibilização e do progresso das ciências naturais e humanas.
Direitos da personalidade e direitos humanos se interseccionam e refletem assim a
convergência entre direito público e direito privado em direção ao mesmo objetivo,
representado pelo necessário e incondicionado respeito da dignidade da pessoa humana,
valor universal e cerne de todo o ordenamento jurídico.
Os direitos da pessoalidade concretizam direitos subjetivos que individuam as características
e os atributos próprios da personalidade humana e que refletem a tutela de interesses
públicos. É importante observar que o ordenamento não atribui ao seu titular um poder
de disposição em relação a tais direitos, mas se limita a reconhecer o direito à cessação de
um fato lesivo e o eventual ressarcimento do dano. Assim, consequentemente, os direitos
humanos representam o pressuposto essencial e funcional que permite a qualquer indivíduo
viver dignamente enquanto pessoa. Unicamente através do respeito destes direitos será
possível obter a tutela da liberdade, da justiça e da paz para o indivíduo e toda a coletividade.
É principalmente a Kant que se deve a base das modernas teorias do fundamento do
reconhecimento universal dos direitos humanos, que coincidem com a tutela da dignidade
humana. A dignidade do ser humano se concretiza em um valor intrínseco absoluto, que
impõe a todos os outros seres humanos o recíproco respeito [veja-se supra]. Não por
acaso, segundo Kant, a falta de respeito à dignidade em relação aos outros concretiza a falta
de respeito para o próprio gênero humano!
87
Para Kant, a dignidade é qualidade inerente aos seres humanos enquanto seres dotados de moral.
O exercício da razão prática através da moral concretiza a dignidade do ser humano. Na medida
em que os seres humanos exercem, de forma autônoma, a própria razão prática, constroem
diferentes personalidades humanas, cada uma delas independente e insubstituível. Isso faz com
que a dignidade seja inseparável da autonomia (e abstrata) no exercício da razão prática.
A liberdade e a autonomia em exercer a razão prática é ínsita ao ser humano. Sartre ensina
que a liberdade não é uma qualidade ou característica a mais no homem, mas o homem é
livre em si, sendo que homem e liberdade são a mesma coisa: o agir, ou melhor, o escolher
é expressão pura da natureza humana que é livre, livre até de não agir, ou fracassar, ou
seguir o seu próprio caminho. A liberdade é uma aspiração natural da humanidade.
O respeito da dignidade humana, portanto, significa essencialmente autodeterminação e
liberdade de decisão em relação a finalidades, desejos e necessidades!
Essa concepção da dignidade humana, como autodeterminação dos próprios interesses – seja
isso em uma ótica moral ou jurídica – se encontra também como fundamento das Cartas
Constitucionais Ocidentais e da Declaração Universal dos Direitos dos Homens, que tutelam
interesses importantes dos indivíduos como a vida, a integridade física, a liberdade e a propriedade.
Consequentemente, considerando que o pressuposto para a existência da dignidade é a
liberdade no exercício da razão prática, e que todos os homens são dotados dessa liberdade
(ou melhor, dessa autonomia), deve-se considerar que a dignidade pertence necessariamente
ao ser humano, independentemente de qualquer tipo de reconhecimento social ou jurídico,
a ponto de a jurisprudência comparativa contemporânea, partindo da própria Declaração
Universal dos Direitos do Homem, confirmar que ninguém pode renunciar à própria dignidade!
A dignidade é, pois, bem indisponível e – de acordo com quanto supra – concretiza o
princípio fundamental do Estado Democrático de Direito do Brasil. A sua finalidade resume-
se a assegurar à pessoa os principais direitos que devem ser respeitados pela sociedade e
pelo próprio poder público, de forma a preservar a valorização do ser humano.
Sendo o direito à dignidade um fundamento da República, não há como ser “negociada”,
sob pena de gerar a instabilidade não unicamente em relação aos princípios gerais do
Direito, mas – ahimè – ao próprio regime democrático!
Por esse motivo, lembra-se que foi justamente a partir da Grundgesetz de 1949 que o
princípio do respeito à dignidade da pessoa humana foi considerado – não unicamente – um
direito fundamental, mas a própria base conceptual-normativa dos direitos fundamentais
e, consequentemente, de todos os outros direitos, sendo que a sua “conceptualização”
encontra raízes teológicas e filosóficas antes que jurídicas.
Eis, portanto, que a dignidade da pessoa, tomada em sua concretude – e não como simples
conceito geral e abstrato – encontra sua regulamentação no Direito Civil principalmente na
denominada “personalização dos direitos” ou “direitos da personalidade”.
Os direitos da personalidade (principalmente, quando envolvido o direito à vida, à
integridade e à liberdade física e moral) apresentam o problema do conflito entre os direitos
da personalidade, de um lado, e, de outro, quaisquer outros direitos ou bens de natureza
diferente (em particular, quando se trata de limitar ou negociar um direito da personalidade).
A colisão, ou o conflito, há de ser resolvido através da harmonização ou da concordância
prática ou, ainda, do diálogo entre direitos, e unicamente em via residual, através do critério
da prevalência de um direito em relação a outro, ou seja, garantindo (obrigando) que o
Estado possa agir de forma que proteja e tutele, in primis, a dignidade da pessoa.
Portanto, é possível afirmar que o direito ao respeito da dignidade da pessoa humana concretiza
de fato e de direito uma limitação à liberdade individual de dispor [plenamente] dos próprios
direitos, incluindo os da personalidade (vida, liberdade, integridade etc.), tutelando o indivíduo
contra si mesmo! Dessa forma, o Estado é obrigado a agir para garantir um conteúdo mínimo
e igualitário à esfera jurídica de cada pessoa, abrangendo o direito à vida, à saúde, à integridade,
à imagem e à honra, às liberdades, à reserva sobre a intimidade da vida privada, por exemplo.
Pelo fato de serem direitos não patrimoniais, absolutos, irrenunciáveis, intransmissíveis e
imprescritíveis, há que se considerar que as pessoas, assim como as próprias instituições
públicas e privadas, não podem [pelo menos, não deveriam] dispor desses direitos de forma a
88
“desrespeitar” a condição humana do indivíduo ou expor o ser humano, enquanto tal, em posição
de desigualdade perante os demais, desconsiderando e reduzindo a sua pessoa à condição de
bem ou coisa.
Não por acaso, discute-se acerca da possibilidade de o indivíduo, ou o Estado, terem direito de
dispor sobre a supressão da vida humana com base em interesses de ordem pública (ex. grave
doença, delito de particular gravidade, legítima defesa etc.), ou sobre a integridade psicológica
e/ou física da pessoa (ex. intervenção médica, participação em esporte violentos etc.), ou
sobre a limitação das liberdades fundamentais da pessoa (como a limitação da liberdade
pessoal para conseguir prova processual, acordos de delação premiada etc.).
De fato, há de se compreender que é sempre necessário um juízo no caso concreto em
função dos valores em causa, sendo que os interesses e os valores tutelados possuem
um “peso” diferente (por exemplo, o direito à vida é diferente do direito à propriedade de
um terreno, ou ainda, o direito à liberdade física é diferente do direito a professar um culto
religioso etc.).
Portanto, a preservação e a promoção da dignidade da pessoa passam, de jure,
necessariamente, pela disciplina das relações concretas e contingentes, cuja regulamentação
é prerrogativa e responsabilidade do Estado. Dessa forma, todas as Leis, as Normas, e os
Institutos do ordenamento jurídico (de natureza pública ou privada) devem atender primária
e obrigatoriamente ao respeito e à tutela da dignidade da pessoa, independentemente de
qualquer lógica política, econômica e jurídica.
89
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu:
• O Código Civil brasileiro é considerado um dos mais completos no que diz respeito à
salvaguarda dos direitos de personalidade.
• O direito à vida é um bem jurídico essencial, uma vez que é o pilar que origina todos
os outros direitos que regem a sociedade.
90
AUTOATIVIDADE
1 (IESES-TJ/RN – Titular de serviços de notas e registros/2012). O Código Civil, no
artigo 5º, prevê que o casamento civil faz cessar para os menores a incapacidade.
Portanto:
I- O menor de 18 anos casado e que não tenha filhos poderá realizar o divórcio
consensual através de escritura pública independentemente da autorização dos
seus pais.
II- Se realizado o divórcio antes de completar 18 anos, o divorciado voltará a ser incapaz
até que complete aquela idade.
III- A união estável também faz cessar a incapacidade do menor de 18 anos.
IV- O casamento do menor de 18 anos pode ser anulado diretamente no cartório
enquanto não completar aquela idade.
91
3 (FUNDEP – MPE/MG – Promotor de Justiça substituto/2018). Assinale a
alternativa INCORRETA:
a) ( ) Da pessoa natural, que não tenha residência habitual, é o lugar onde manteve
sua última residência.
b) ( ) Da pessoa natural que tiver diversas residências onde, alternadamente viva, é a
Capital do Estado ou a cidade mais próxima da Capital.
c) ( ) Do incapaz é o do seu representante ou assistente e o do servidor público, o
lugar em que exercer permanentemente suas funções.
d) ( ) Do marítimo é a sede do comando a que se encontrar imediatamente subordinado.
e) ( ) Do preso é o lugar onde foi proferida a sentença condenatória.
92
UNIDADE 2 TÓPICO 3 -
DA PESSOA JURÍDICA
1 INTRODUÇÃO
Pessoas Jurídicas são caracterizadas pelo agrupamento de pessoas ou bens
com objetivo determinado. Essas pessoas adquirem, por força da lei, as características
de uma Pessoa Natural, passando a ser capazes de exercer direitos e contrair obrigações.
93
A pessoa jurídica é, portanto, consequência desse tipo de interação entre os
cidadãos de uma sociedade. Consistindo em um agrupamento de pessoas ou de bens
dotado de personalidade jurídica própria e constituído na forma da lei para a consecução
de fins comuns. Pode-se afirmar que pessoas jurídicas são entidades a que a lei confere
personalidade para que sejam sujeitos de direitos e obrigações.
1) Teoria da ficção legal: considera a pessoa jurídica uma criação fictícia da lei, acreditando
que apenas a pessoa natural poderia ser parte numa relação jurídica e titular de direitos
subjetivos. Desse modo, só entendida como uma ficção pode essa capacidade jurídica
ser estendida às pessoas jurídicas, para fins patrimoniais.
2) Teoria da ficção doutrinária: acredita que a pessoa jurídica não possui existência
real, porém afirma a sua existência intelectual. Isto quer dizer, acredita que a pessoa
jurídica existe no plano da inteligência dos juristas, mera ficção doutrinária. É uma
variação da anterior.
94
NOTA
“As teorias da ficção não são, hoje, aceitas. A crítica que se lhes faz é a de que
não explicam a existência do Estado como pessoa jurídica. Dizer-se que o
Estado é uma ficção legal ou doutrinária é o mesmo que dizer que o direito,
que dele emana, também o é. Tudo quanto se encontre na esfera jurídica
seria, portanto, uma ficção, inclusive a própria teoria da pessoa jurídica”
(GONÇALVEZ, 2019, p. 216).
95
FIGURA 6 – REQUISITOS PESSOA JURÍDICA
A vontade humana denota a intenção dos cidadãos de criar uma entidade que
se distinga da personalidade de seus membros. Este requisito irá se tornar elemento
material no ato de constituição da pessoa jurídica, que deverá ser escrito. Além disso
serão necessárias duas ou mais pessoas com vontades convergentes, ligadas por um
objetivo comum.
O ato constitutivo deve ser levado a registro para que comece, então, a
existência legal da pessoa jurídica de direito privado (CC, art. 45). Antes
do registro, não passará de mera “sociedade de fato” ou “sociedade não
personificada”, equiparada por alguns ao nascituro, que já foi concebido,
mas que só adquirirá personalidade se nascer com vida No caso da
pessoa jurídica, se o seu ato constitutivo for registrado. O registro será
precedido, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder
Executivo (GONÇALVEZ, 2019, p. 218).
96
NOTA
É admitindo que as fundações prestem a outras finalidades, desde que
afastado o caráter lucrativo. E nas associações, de fins não econômicos (art.
53), os objetivos colimados são de natureza cultural, educacional, esportiva,
religiosa, filantrópica, recreativa, moral etc. Objetivos ilícitos ou nocivos
constituem causa de extinção da pessoa jurídica (art. 69) 270.
97
1) Nacional: a sociedade organizada de conformidade com a lei brasileira e que tenha
o local sede de sua administração em nosso território (art. 1.126, CC; arts. 176, § 1º, e
222, CF);
2) Estrangeira: qualquer que seja o seu objeto, não pode, sem autorização do Poder
Executivo, funcionar no País, ainda que por estabelecimentos subordinados, podendo,
todavia, ressalvados os casos expressos em lei, ser acionista de sociedade anônima
brasileira (art. 1.134, CC).
3) Corporação: caracteriza -se pelo seu aspecto eminentemente pessoal. Constitui
um conjunto de pessoas, reunidas para melhor consecução de seus objetivos.
Dividem -se em:
a) Associações: as associações não têm fins lucrativos, mas religiosos, morais,
culturais, assistenciais, desportivos ou recreativos.
b) Sociedades: as simples têm fim econômico e visam ao lucro, que deve ser distribuído
entre os sócios. São constituídas, em geral, por profissionais de uma mesma área
(escritórios de engenharia, de advocacia etc.) ou por prestadores de serviços técnicos.
Já as sociedades empresárias também visam ao lucro. Distinguem-se das sociedades
simples porque têm por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito
ao registro previsto no art. 967 do Código Civil (GONÇALVEZ, 2019).
4) Fundação: consiste em patrimônio personalizado e destinado a determinado fim.
Compõe-se de dois elementos: o patrimônio (estabelecido pelo instituidor) e o fim
(não lucrativo).
5) Direito público: se divide em pessoas de direito público externo e interno que estarão
localizadas na esfera da administração Direta ou Indireta, conforme passamos a ver:
a) Pessoas jurídicas de direito público externo: são os Estados da comunidade
internacional, ou seja, todas as pessoas que forem regidas pelo direito internacional
público: as diversas nações como a ONU, a OEA, a FAO, a Unesco etc. A propósito,
dispõe o art. 42 do Código Civil.
b) Pessoas jurídicas de direito público interno: podem classificar-se em:
b1) da administração direta: União, Estados, Distrito Federal, Territórios, Municípios).
b2) da administração indireta: autarquias, fundações públicas e demais entidades de
caráter público criadas por lei. Trata-se de órgãos descentralizados, criados por lei, com
personalidade própria para o exercício de atividade de interesse público.
6) Direito privado: se divide entre corporações (associações, sociedades simples e
empresárias) e fundações particulares (art. 44, CC).
a) Associações civis: resultam da junção de pessoas com um objetivo comum visando
à execução desses objetivos e não possuem finalidade econômica (art. 53, CC).
Aplicam-se aqui as normas do novo Direito de Empresa previsto a partir do Código
Civil arts. 966 e seguintes.
Como não têm fim lucrativo podem assumir diversas finalidades, a saber
altruísticas (beneficentes), egoísticas (literárias, recreativas, esportivas), ou apenas de
socorro mútuo, de fim não lucrativo.
98
LEITURA
COMPLEMENTAR
A personalidade jurídica no Direito Civil
Direito Civil é o principal ramo do direito privado, que se constitui como um conjunto
de normas regulamentadoras dos direitos e obrigações de natureza privada, que regulam as
relações jurídicas das pessoas enquanto membros da sociedade.
Outro grande doutrinador, Fábio Ulhoa Coelho, traz uma compreensão mais
abrangente da pessoa jurídica:
99
Pessoa jurídica é o sujeito de direito personificado não humano. É também
chamada de pessoa moral. Como sujeito de direito, tem aptidão para titularizar direitos
e obrigações. Por ser personificada, está autorizada a praticar os atos em geral da vida
civil – comprar, vender, tomar emprestado, dar em locação etc. –, independentemente
de específicas autorizações da lei.
Finalmente, como entidade não humana, está excluída da prática dos atos para os
quais o atributo da humanidade é pressuposto, como casar, adotar, doar órgãos e outros.
A pessoa jurídica possui, na sua essência, aptidão para ser titular de direitos
e obrigações na ordem jurídica. Essa aptidão somente é possível quando se une a
vontade humana, por meio de um ato constitutivo, e o registro público desse ato. Assim,
a pessoa jurídica é dotada de personalidade, ou seja, capacidade para exercer direitos e
ser evocada para responder a determinadas obrigações.
Conforme o Código Civil de 2002, no seu art. 52, aplica-se às pessoas jurídicas,
no que couber, a proteção dos direitos da personalidade. Neste sentido, no que couber –
ou seja, não são todos os direitos de proteção à personalidade inerente à pessoa jurídica
– a pessoa jurídica é dotada de direitos da personalidade, tais como: o direito ao nome,
à marca, à liberdade, à imagem, à privacidade, à própria existência, ao segredo, à honra
objetiva. Não são todos os direitos da personalidade da pessoa natural que são admissíveis
à pessoa jurídica. Para exemplificar, segue julgado do Superior de Tribunal de Justiça (STJ),
REsp 1032014 RS 2008/0033686-0, que trata de violação da marca, um dos aspectos que
constitui a personalidade jurídica:
100
Compensam-se os danos morais do fabricante que teve seu direito de identidade
lesado pela contrafação de seus produtos. Recurso especial provido. (STJ – Recurso
Especial REsp 1032014 RS 2008/0033686-0, Data de publicação: 04/06/2009)
Tem-se uma separação entre as pessoas que integram a pessoa jurídica, pois,
como já foi dito, a pessoa jurídica é dotada de personalidade que perfaz direitos e
obrigações independentes dos seus administradores. A manifestação de vontade é da
pessoa jurídica, que goza de autonomia para, entre outras coisas, assumir obrigações
contratuais em seu nome.
101
Em decorrência do princípio da autonomia da pessoa jurídica, é ela (e não os seus
integrantes) que participa dos negócios jurídicos de seu interesse e titulariza os direitos e
obrigações decorrentes. Também é ela quem demanda e é demandada em razão de tais
direitos e obrigações. Finalmente, é apenas o patrimônio da pessoa jurídica (e não o de seus
integrantes) que, em princípio, responde por suas obrigações.
Contudo, ressalte-se que essa autonomia não quer dizer que seja ilimitada
e, sem sombra de dúvida, que se trata de um ente autossuficiente – haja vista que
é regida e administrada por pessoas. Há limitações que singularizam a autonomia da
pessoa jurídica. A maior ênfase dada às limitações dessa autonomia diz respeito à
responsabilidade civil da pessoa jurídica.
A Constituição Federal de 1988, no art. 173, § 5º, dispõe que “a lei, sem prejuízo
da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a
responsabilidade desta, sujeitando-a punições compatíveis com sua natureza, nos atos
praticados contra a ordem econômica e financeira e contra economia popular".
102
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu:
• A característica das pessoas jurídicas que mais merece destaque é o seu campo se
atividade, uma vez que ele atuará em área diversa da dos indivíduos que as formam
(art. 50 e art. 1.024, CC).
103
AUTOATIVIDADE
1 (FEPESE – JUCESC – Técnico em atividades administrativas/2017). Assinale a
alternativa que contém apenas pessoas jurídicas de direito privado:
a) ( ) O direito do indivíduo ao próprio corpo é indisponível, não sendo permitido, pois, que se
pratiquem ações que afetem a integridade física do indivíduo.
b) ( ) Os negócios jurídicos bifrontes são aqueles aos quais falta atribuição patrimonial.
c) ( ) A teoria da ficção jurídica, definida por Rudolf Von Ihering como mentira técnica
consagrada pela necessidade, configura um recurso técnico para se atribuir a uma
categoria os efeitos jurídicos próprios de outra categoria.
d) ( ) A comoriência ocorre quando duas ou mais pessoas da mesma família falecem
simultaneamente e no mesmo lugar sem que seja possível precisar quem faleceu
primeiro; não é possível a comoriência no caso de uma das mortes ser real e
outra, presumida.
e) ( ) A capacidade é conceito básico da ordem jurídica, o qual se estende a todos os
homens, consagrado na legislação civil e nos direitos constitucionais de vida,
liberdade e igualdade.
104
c) ( ) Se a administração da pessoa jurídica vier a faltar, o juiz, de ofício, nomear-lhe-á
administrador provisório.
d) ( ) Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de
finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da
parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo, que os
efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos
bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
e) ( ) São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os
menores de 18 anos de idade.
105
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado
Federal: Centro Gráfico, 1988.
BRASIL. Lei n. 10.406, 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da
União, Brasília, DF, 11 jan. 2002.
DINIZ, M. H. Curso de direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva Jur, 2020.
GAGLIANO, P. S.; FILHO, R. P. Manual de direito civil: volume único. 3. ed. São Paulo:
Saraiva Jur, 2019.
GONÇALVEZ, C. R. Direito civil brasileiro 1: parte geral. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.
NADER, P. Introdução ao estudo do direito. 42. ed. São Paulo: Forense, 2019.
REALE, M. Lições preliminares de direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.
TARTUCE, F. et al.Manual de direito civil – vol. único. 10. ed. São Paulo: Método, 2019b.
TARTUCE, F. Direito civil – lei de introdução e parte geral. 15. ed. São Paulo:
Forense, 2018.
TEPEDINO, G.; OLIVA, M. D. Fundamentos do direito civil: teoria geral do direito civil.
São Paulo: Forense, 2020.
106
UNIDADE 3 —
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:
PLANO DE ESTUDOS
A cada tópico desta unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de
reforçar o conteúdo apresentado.
CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.
107
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 3!
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108
UNIDADE 3 TÓPICO 1 —
BENS COMO OBJETO
DA RELAÇÃO JURÍDICA
1 INTRODUÇÃO
Uma das estruturas fundamentais no entendimento do Direito é o conceito
de relações jurídicas. Antes de iniciar a apreciação desse elemento, é importante que
saibamos o máximo possível acerca do conceito de bens dentro do mundo jurídico, uma
vez que será o componente central das relações jurídicas.
Ocorre que os indivíduos irão se disponibilizar a procurar seus direitos por meio de vias
judiciais sempre por causa de algum bem indiretamente, senão por eles mesmos.
Bens são as coisas economicamente valoráveis que poderão servir para satisfazer
tanto às necessidades de um indivíduo particular como às necessidades da comunidade.
Isso tudo pode ocorrer no plano material ou espiritual, lembrando que bens são
coisas e devemos nos ater que serão valores (materiais ou imateriais) passíveis de se
tornarem objetos de uma relação jurídica (VAZ, 2019).
109
Os bens encontram sua divisão dentro do meio jurídico, classificada entre os artigos
79 a 103 do Código Civil brasileiro, conforme veremos ainda nesta unidade.
É sobre o objeto que será desenvolvido o poder de fruição das pessoas. Será
objeto de uma relação jurídica qualquer coisa passível de submissão ao poder dos
sujeitos de direito, e que assim sejam utilizados como instrumentos para a realização
dos objetivos jurídicos dessas pessoas.
Gonçalves (2019, p. 257) explica que, “em sentido estrito, esse conjunto
compreende os bens objeto dos direitos reais e, também, as ações humanas denominadas
prestações”. Já ao olharmos no sentido amplo, os objetos a serem considerados como
bens, no âmbito jurídico, poderão ser classificamos como:
2 CONCEITO DE BENS
Juridicamente, é comum que o conceito de coisas corresponda, também,
ao conceito de bens, porém, é importante começarmos já distinguindo esses dois
conceitos, pois nem sempre eles estarão em perfeita sincronia.
Quando falamos de bem, no sentido filosófico, podemos afirmar que será assim
considerado tudo o que venha a satisfazer determinada necessidade humana. Todavia,
quando falamos de coisa, é possível afirmar que é tudo que existe de forma material/
física, com exceção do homem/corpo humano.
NOTA
Podemos considerar coisa como um gênero que possui bem como uma das
suas espécies. Os bens são coisas suscetíveis de apropriação, ou seja, coisas
que possuem valor econômico.
110
Vejamos:
FONTE: O autor
NOTA
O Código Civil de 1916 não fazia diferença entre os conceitos de coisa e bem.
O legislador ora utiliza um termo, ora outro para se referir ao objeto das
relações jurídicas. Já o novo Código Civil, datado de 2002, utiliza, sempre, na
parte geral, a expressão bens.
Contudo, podemos concluir que bens são coisas materiais ou imateriais desde
que possuam determinada utilidade para os seres humanos, além de passíveis de
aplicação de valoração econômica, sendo possível tê-las como propriedade.
Ainda, uma classificação que devemos atentar é a das coisas que não possuem
dono pelo simples fato de que ninguém ainda se apropriou delas, ou seja, coisas passíveis
de apropriação, porém, sem dono. Chamaremos de Res Nullius, e, para representá-las,
teremos peixes ainda não pescados, por exemplo.
111
Por fim, teremos as chamadas Resderelictas, que são as coisas móveis
abandonadas pelo então proprietário, ou seja, coisas que o dono largou com a intenção
de não reaver, deixando-as livres para a apropriação por parte de qualquer outro cidadão.
PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS
BENS COISAS
Necessário que tenham utilidade para os Tudo que existe, com exceção do corpo
homens humano
Sempre possuem valor econômico Via de regra, não possuem valor
econômico
Todos são passíveis de apropriação pelo Algumas não são passíveis de
ser humano apropriação pelo ser humano (ex.:
atmosfera)
FONTE: O autor
Percebemos, então, que a maior diferença entre esses dois elementos está
no fato de que os bens possuem, como ideia central, a utilidade e a raridade, ou seja,
possuem valor comercial, enquanto as coisas são tudo que existe de maneira objetiva.
Assim, bens são as coisas que, por serem úteis e raras, tornaram-se suscetíveis de
apropriação pelo homem, contraindo valor econômico.
a) Bens corpóreos: bens que possuem uma existência física, material, sendo passíveis
de ser sentidos (tocados/presenciados) pelos seres humanos.
b) Bens incorpóreos: bens que possuem uma existência abstrata, não material/física, mas
também possuem valor econômico. São as criações da mente humana reconhecidas pelo
meio jurídico, por exemplo, como o direito autoral, o crédito ou um software.
Assim, podemos perceber que o que diferencia essas duas classes de bem é
o elemento da tangibilidade. Ou seja, a possibilidade de serem tocados. Contudo, hoje
em dia, percebemos uma questão importante acerca de alguns bens que podem ser
reconhecidos por outros sentidos, que não o tato. Como exemplo, há os gases, elementos
que ainda não vigoravam comumente na sociedade romana, mas, que hoje, são
amplamente utilizados pelo homem, sendo, inclusive, comercializados rotineiramente.
Com isso, esse tipo de bens também se encontra incluso na espécie bens corpóreos.
Nas palavras de Gonçalves (2019, p. 259):
112
O critério distintivo para os romanos era a tangibilidade ou possibilidade
de serem tocados. Atualmente, porém, esse procedimento seria
inexato, por excluir coisas perceptíveis por outros sentidos, como
os gases, que não podem ser atingidos materialmente com as mãos
e nem por isso deixam de ser coisas corpóreas. Hoje, também se
consideram bens materiais ou corpóreos as diversas formas de
energia, como a eletricidade, o gás, o vapor.
NOTA
Alguns elementos só são aplicáveis aos bens corpóreos. Via de regra,
os Direitos Reais têm, como objeto das suas relações, apenas os bens
corpóreos. No que diz respeito à maneira de se efetuar a transferência
desses bens entre os indivíduos, surgem as figuras da compra e venda,
doação ou permuta.
4 PATRIMÔNIO
Ao falarmos de bens, somos remetidos diretamente ao conceito de patrimônio, uma
vez que, conforme vimos, o conjunto de bens de um cidadão diz respeito às coisas que estão
sob sua propriedade, enquanto são passíveis de auferir de valor econômico.
113
Assim, compreendem-se, no patrimônio, tanto os elementos
ativos quanto os passivos, isto é, os direitos de ordem privada
economicamente apreciáveis e as dívidas. É a atividade econômica
de uma pessoa, sob o seu aspecto jurídico, ou a projeção econômica
da personalidade civil.
NOTA
Mesmo não fazendo parte do conceito de patrimônio, os elementos citados no
parágrafo anterior são passíveis de reparação por vias judiciárias, nos casos em
que sejam lesados.
Art. 1.784, CC: Aberta a sucessão, a herança se transmite, desde logo, aos
herdeiros legítimos e testamentários.
114
Art. 1.997, CC: A herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido; mas,
feita a partilha, só respondem os herdeiros, cada qual em proporção da parte que na
herança lhe coube.
IMPORTANTE
Direito Civil I – Bens Jurídicos
OS BENS COMO OBJETO DE RELAÇÕES JURÍDICAS: O significado do
termo "bem" e suas abrangências são alvos de constantes discussões nas
doutrinas do mundo jurídico. Alguns autores se limitam a definir bem como
um conjunto de anseios e desejos materiais ou não, que sejam de
interesse da pessoa humana (BEVILÁQUA). Para o Direito, o conceito de
bem adquire a característica de ser toda a utilidade física ou ideal, que
seja objeto de um direito subjetivo, dessa forma, todo bem material é
um bem jurídico, mas nem todo bem jurídico é um bem material.
115
BEM X COISA: Essa é uma questão que também não se tem consenso doutrinário. Para
ORLANDO GOMES, bem é o gênero e coisa é espécie (PABLO STOLZE), assim, a noção de
bem estaria para os objetos jurídicos sem valor econômico, ao passo que coisa ficaria com
os objetos materiais.
MARIA HELENA DINIZ E SILVIO VENOZA são contrários ao conceito anterior. Para eles, o
conceito de coisa abrange o de bem, tendo em vista que o termo coisa é mais vasto, por
abranger tudo o que existe no universo, como o ar atmosférico, o espaço etc.
Nosso Código Civil se assegura no modelo alemão, no qual o termo bem jurídico engloba
tanto a coisa (bens materiais) como os ideais (bens imateriais).
PATRIMÔNIO JURÍDICO: O conceito de patrimônio do nosso Código Civil tem, como finalidade,
definir todos aqueles bens jurídicos que podem ser mensurados, assim o direito da família e
o direito da personalidade, por exemplo, seriam classificados como bens extrapatrimoniais.
CLASSIFICAÇÃO DOS BENS JURÍDICOS: Os bens jurídicos são divididos, atualmente, no
nosso Código Civil, como: Bens considerados em si mesmos, Bens reciprocamente
considerados e Bens públicos e particulares.
Dos bens considerados em si mesmos (Art. 79/91, CC/02):
Bens corpóreos e incorpóreos: A distinção entre bens corpóreos e incorpóreos é definida
como os bens tangíveis no caso do primeiro e, os imateriais, no caso do segundo. Os bens
corpóreos ou materiais podem ser objetos de contratos de compra e venda ao passo
que os bens incorpóreos ou imateriais só podem ser transferidos por meio de cessão,
assim como não podem ser objetos de usucapião.
Bens móveis e imóveis: A classificação dos bens está relacionada à natureza, sendo,
os bens imóveis, aqueles que, ao serem transportados, perdem sua estrutura principal, já
os bens móveis podem ser transportados facilmente sem que sua estrutura principal seja
ameaçada. Ainda, temos os bens que se movem por vontade própria, os semoventes.
Os bens imóveis exigem que, na sua alienação, seja feita toda uma formalidade. Nesse
caso, seria a venda registrada em cartório por exemplo. Já os bens móveis dispensam essa
formalidade, porém, alguns bens móveis necessitam de um mínimo de formalidade, como
a venda de um carro, por exemplo (é preciso fazer alguns ajustes com o DETRAN).
a) Classificação dos bens imóveis:
Imóveis por sua própria natureza: São considerados imóveis, por sua própria natureza,
o solo e tudo aquilo que nele naturalmente se encontrar, como jazidas, água, rochas
(Art. 79, CC/02). No caso das árvores para derrubada, temos uma exceção, elas são
consideradas móveis por antecipação.
Imóveis por acessão física, indústria ou artificial: Serão considerados imóveis por
acessão aqueles bens que forem incorporados ao solo sem que se tenha a intenção de
remover, como os edifícios, casas, telhas de casas. No caso das partes dos bens imóveis
removidas com o intuito de serem recolocadas, serão consideradas como imóveis
(Art. 79, CC/02).
Imóveis por acessão intelectual: São bens inseridos em um imóvel, cujo o interesse
do proprietário é de ter comodidade, exploração industrial ou aformoseamento
(Art. 79, CC/02).
Imóveis por determinação legal: O novo Código Civil adotou, como imóveis, todos os bens que
são incorporados ao solo com o interesse de nele permanecer. Porém, temos uma exceção a
esse caso, que é o imóvel por determinação legal. Este não passa de um direito de um herdeiro,
por exemplo, a um determinado bem imóvel. No caso, o direito também é imóvel (Art. 80, CC/02),
assim, passível de todas as formalidades da alienação como se um bem imóvel fosse.
Ainda, acerca dos direitos de cessão aberta (causa de herdar direitos sobre o bem imóvel),
temos que a regra aplicada é que, no momento da alienação, deva existir consentimento da
cônjuge, mesmo que em regime de separação total de bens, porém, essa regra não se aplica
nesse caso, uma vez que o herdeiro iria se recusar a aceitar tal herança (MARIA HELENA DINIZ).
b) Classificação dos bens móveis:
Móveis por sua própria natureza: São aqueles que podem ser transportados sem que
haja prejuízo à integridade.
Móveis por antecipação: São os imóveis que têm a finalidade de se tornar móveis, como
116
é o caso da madeira.
Móveis por determinação legal: São bens que, por via de lei, são considerados móveis, como
é o caso dos direitos sobre trabalho intelectual, ou o fornecimento de energia etc. (Art. 83, CC/02).
Semoventes: São os bens móveis que se movem de um lugar para o outro por força de
vontade própria, como é o caso dos animais (Art. 82, CC/02).
Bens fungíveis e infungíveis: Ao diferenciar os bens fungíveis dos infungíveis, devemos
observar a natureza desse bem, pois é essa a principal motora da diferenciação.
Os bens fungíveis são aqueles que podem ser substituídos por outros, desde que tenham
a mesma quantidade, característica, natureza; já os bens infungíveis são os que, devido à
natureza peculiar, não podem ser substituídos. Vejamos o exemplo de um vaso da dinastia
Ming. Obviamente, esse vaso, hoje, tem valor incalculável, mas não foi sempre assim. No
seu tempo, aquele poderia ser só mais um vaso, ou seja, um bem fungível.
Bens consumíveis e inconsumíveis: A principal diferença entre um bem consumível e
outro não se encontra na deterioração ou alteração de seus aspectos naturais, e sim
naquele que se tem a natureza alterada com o primeiro uso. É o caso dos alimentos, por
exemplo. Já os carros tendem a deteriorar, porém, eles não somem após o primeiro uso.
Além disso, nós podemos eleger um bem consumível para se tornar inconsumível, como é o caso
de uma rara garrafa de vodca. É só acrescentar o fator tempo, e logo se tornará um artigo raro.
Bens singulares e coletivos: Ao diferenciar bens singulares dos bens coletivos, devemos
observar a natureza dos bens. Os bens singulares são bens que, na sua natureza, estão isolados.
É o caso de uma árvore. Esses bens podem ser divididos em simples ou compostos, sendo, os
bens simples, aqueles que são encontrados na natureza de forma espontânea e singular; já os
bens compostos são formados pela atuação voluntária ou não do homem, como um carro ou um
relógio.
Os bens coletivos, por sua vez, são aqueles formados pela união de vários singulares
com a finalidade unitária, como a biblioteca ou um alojamento masculino. A legislação
ainda discorre acerca desses bens, classificando-os como de direito ou de fato. Bens
coletivos de fato são a união fática de singulares, com uma floresta; já os bens coletivos
de direito são formados por força de lei, um conjunto de bens singulares unidos não por
vontade do possuidor, e sim pela lei, como o patrimônio, o espólio etc.
Dos bens reciprocamente considerados (Art. 92/97, CC/02): Este critério de
classificação leva em consideração as relações que existem entre os bens acessórios e os
principais, sendo, os bens acessórios, aqueles que não existem se não houver um bem
principal, herdando, em muitos casos, até a natureza "accessorium sequitur suum principale".
São considerados bens acessórios: os frutos; os produtos; os rendimentos (frutos civis); as
pertenças; as benfeitorias; as partes integrantes; aquisições.
Classificação dos bens acessórios:
Os frutos: Os frutos são todas as utilidades que a coisa principal produz e que possam ser
retirados sem que se modifique a substância da coisa principal, como o feijão, a soja etc. Se
acontecer de o fruto, ao ser retirado, extinguir a coisa principal, nesse caso, não há o que falar
em frutos. Os frutos podem ser classificados, quanto à natureza, em naturais, industriais
ou civis.
a) Os frutos naturais são os gerados pelo bem principal, independentemente da
intervenção direta humana;
b) Os frutos industriais são os decorrentes da atividade industrial humana;
c) Os frutos civis são aqueles que, periodicamente, geram uma renda. Por questões de
classificação, falaremos melhor deles nos rendimentos, mas que fique registrado que
não há diferença técnica entre eles.
Os frutos ainda podem ser divididos quanto à ligação com sua coisa principal: acolhidos
ou percebidos: são frutos que já se destacaram da coisa principal, porém, ainda existem;
pendentes: são aqueles que ainda não se destacaram da coisa principal; percipiendos: são
os frutos que ainda não se destacaram da coisa principal, mas já estão prontos; estantes: são
os destacados da coisa principal e armazenados; consumidos: são os que já não mais existem.
Os produtos: Os produtos, diferentes dos frutos, são originários dos bens principais,
porém, estes, ao serem retirados, modificam, um pouco, a substância dos principais, como
é o caso de uma pedreira.
117
Não existe legislação específica que trata dos efeitos dos produtos, isso faz com que tenhamos
alguns casos não previstos pelo ordenamento, como é o caso de um herdeiro, que herda,
de boa-fé, um patrimônio, e nele se encontra um bem principal que gera produtos por cinco
anos. Depois disso, é descoberto que aquele bem não o pertencia, nesse caso, a lei não
garante, a ele, direito pelos produtos colhidos, como acontece com os frutos.
Os rendimentos: Os rendimentos, como dito anteriormente, são considerados como
frutos civis. Temos uma definição do Prof. SILVIO RODRIGUES, de que os rendimentos são
frutos produzidos pela utilização da coisa principal por terceiros, como aluguéis, juros etc.
As pertenças: As pertenças são bens acessórios que não fazem parte da coisa principal,
mas que são utilizadas com a finalidade de complementar ou ajudar o bem principal, como
as máquinas agrícolas ou os aparelhos de ar-condicionado.
As benfeitorias: As benfeitorias são definidas por qualquer modificação, em termos
de construção, realizada por ação humana em um bem principal, assim, ela é sempre
originária na ação humana, como uma garagem construída em um cômodo da casa.
As benfeitorias ainda podem ser classificadas quanto à natureza, podendo ser necessárias,
úteis ou voluptuárias, porém, a classificação fica cercada de critérios subjetivos.
Uma piscina, por exemplo, construída em uma mansão, é considerada voluptuária; já
construída em uma escola, é considerada como útil; e, se construída em uma academia
de hidroginástica, é considerada como necessária.
As benfeitorias necessárias devem ser indenizadas, ao passo que as úteis dependem
da autorização do proprietário e as voluptuárias não devem ser objetos de indenização,
afirma CARLOS ROBERTO GONÇALVES.
As partes integrantes: São os bens acessórios que, se não tiverem ligados aos bens
principais, ficam a carecer de utilidade. Ex.: lâmpadas ou dos pneus de um carro.
Bens particulares e públicos: São particulares os bens que não pertencem à União, mas à
iniciativa privada. Já os bens pertencentes à União, Estados e Municípios são considerados
como públicos, podendo ser divididos em:
Bens de uso comum do povo: São aqueles que, para serem utilizados, não se submetem
a nenhum tipo de fruição e não podem ser alienados, como praias, rios.
Bens de uso especial: São aqueles que, por força de lei, são atribuídos a pessoas
específicas, além daqueles que são utilizados pelo poder público, como os imóveis
escolares. Vale ressaltar que eles também são considerados inalienáveis.
Bens dominicais ou dominiais: São bens que não são afetados diante a sua utilização pelo
povo, mas pertencem ao domínio estatal e podem ser alienados. São os bens utilizados
pelas pessoas jurídicas de direito público.
BENS DA FAMÍLIA: A principal defesa é o interesse familiar e seu direito a um patrimônio
livre de juros, alienabilidade por meio de dívidas etc. Em resumo, os bens da família são
formados por um patrimônio necessário, para que se constitua uma família, patrimônio
inviolável e inalienável.
COISAS FORA DO COMÉRCIO: A princípio, todos os bens podem ser alienados e negociados,
porém, existem algumas exceções que constituem os chamados bens de fora do comércio.
Inapropriáveis de sua própria natureza: Nesta definição, temos os bens que, por
natureza, não podem ser apropriados, como as coisas comuns (mar, luz solar). Apesar
de serem chamados de coisas, não são, visto que falta o fator ocupabilidade. Ainda, temos
os direitos da personalidade.
Legalmente inalienáveis: São bens que possuem não natureza, mas requisito legal para
se tornarem inalienáveis. Salvo caso que tenha decisão judicial, esses bens são de uso
público, como os bens dotais, terras ocupadas por índios e bens da família.
Inalienáveis pela vontade humana: Os bens inalienáveis por vontade humana são
aqueles que, por força de contrato, ficam de fora das opções de alienabilidade. Podem,
ainda, admitir relativização de tais cláusulas contratuais por via de decisão judicial.
118
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu:
• Podemos conceituar bens como tudo aquilo passível de utilização pelas pessoas,
possuindo valor econômico e sendo suscetível de apropriação.
• Os bens encontram sua divisão dentro do meio jurídico, classificada entre os artigos
79 a 103 do Código Civil brasileiro.
• Bens corpóreos possuem uma existência física, material, sendo passíveis de ser
sentidos (tocados/presenciados) pelos seres humanos.
• Bens incorpóreos possuem uma existência abstrata, não material/física, mas também
possuem valor econômico.
119
AUTOATIVIDADE
1 (TRT 14R – RO E AC – Juiz do Trabalho/2009). Analise as proposições a seguir à luz do
Direito Civil e responda:
120
d) ( ) Podem ser principais ou acessórios. Os acessórios podem ser imobiliários ou
mobiliários, enquanto os principais são os bens que existem por si mesmos,
abstrata ou concretamente.
e) ( ) Podem ser consumíveis ou inconsumíveis. Os primeiros são os bens móveis cujo
uso importe a destruição da sua substância, ou seja, que desapareçam com o
consumo.
a) ( ) Bens corpóreos são coisas com existência material; bens incorpóreos não
são perceptíveis pelos sentidos; patrimônio é o conjunto de bens e direitos de
um sujeito.
b) ( ) Há bens imóveis por natureza, bens imóveis por destinação, bens imóveis por
acessão intelectual, outros que a lei considera imóveis para os efeitos legais.
c) ( ) A lei considera móveis os direitos reais sobre objetos móveis e as ações correspondentes,
os direitos pessoais de caráter patrimonial e respectivas ações.
d) ( ) Os rios, as estradas, as ruas e praças, os edifícios destinados a serviço da
administração federal, inclusive, suas autarquias, são bens públicos.
e) ( ) A vaga em ponto de táxi incide sobre bem público de uso comum do povo. Esses
bens estão fora do comércio e o arrendamento de vaga é nulo de pleno direito.
a) ( ) São bens fungíveis os bens móveis ou imóveis que possam ser substituídos por
outros da mesma espécie, qualidade e quantidade.
121
b) ( ) Os bens podem ser divididos em consumíveis e não consumíveis, sendo certo que estes
últimos, embora utilizados, preservem suas qualidades para os fins a que se destinem e,
quando sofrerem deterioração, perecendo suas primitivas formas e sua utilidade, serão
incluídos no conceito de bens consumíveis.
c) ( ) Os bens naturalmente divisíveis podem se tornar indivisíveis por determinação
da lei, não se admitindo, por outro lado, que, mediante um negócio jurídico,
estabeleça-se a indivisibilidade da coisa.
d) ( ) Ao tratar dos bens reciprocamente considerados, os frutos e produtos podem ser
objeto de negócio jurídico, desde que separados do bem principal.
e) ( ) Os bens considerados em si mesmos podem ser divididos em móveis e imóveis,
sendo que os primeiros são adquiridos pela simples tradição e, os segundos,
dependem de escritura pública e registro em cartório competente, com exceção
daqueles cujo valor seja inferior a trinta vezes o maior salário mínimo do país.
122
UNIDADE 3 TÓPICO 2 -
1 INTRODUÇÃO
Neste tópico, estudaremos a parte mais interessante dos bens no Direito Civil,
que são as duas diferentes classificações. Como vimos no tópico anterior, o conceito de
bens é algo mais complexo do que parece, por esse motivo, a doutrina o subdivide em
diversas classes, de acordo com critérios científicos.
Veremos que nosso ordenamento prevê o enfoque dos bens através de múltiplos
ângulos. O legislador analisa as características dos bens de maneira bem particular, por
vezes, considerando suas qualidades físicas ou jurídicas:
a) Mobilidade;
b) Fungibilidade;
c) Divisibilidade;
d) Consuntibilidade.
123
Outras vezes, é preciso considerar as relações que os bens realizam entre si:
a) Principais.
b) Acessórios.
a) Públicas.
b) Particulares.
Para visualizarmos melhor o que está por vir nos próximos itens, vejamos um
fluxograma de como a classificação dos bens se encontra esquematizada:
124
Por hora, importante atentar que alguns bens podem se enquadrar em
mais de uma dessas categorias, uma vez que várias delas são passíveis de aparecer
simultaneamente em determinado bem. A exemplo disso, podemos citar uma praça de
um município que é, ao mesmo tempo, um bem imóvel e público.
2 ESPÉCIES DE BENS
Agora, analisaremos, de maneira mais detalhada, cada uma das espécies de
bens que se encontra dentro da classificação que visualizamos no item anterior.
a) Bens móveis: são aqueles que podem ser transportados sem que isso acarrete
alteração da sua forma. A transferência desse tipo de bem ocorre pela entrega
dele, o que chamamos de “tradição”, a forma mais simples de transferência. Esses
bens são passíveis de penhora e se subdividem em:
• Bens móveis por natureza: são os bens capazes de se movimentar sozinhos, por
força própria, ou capazes de serem movimentados por força alheia a si mesmos.
Exemplos: uma cadeira, um boi, um carro, um livro etc.
• Bens móveis por disposição legal: são os direitos reais que recaem sobre os
bens móveis. Exemplo: propriedade, usufruto, direitos de obrigação e suas ações
respectivas, os direitos do autor.
• Bens móveis por equiparação pela doutrina: a energia elétrica.
NOTA
É importante fixar que navios e aviões, apesar de serem registrados em
órgãos específicos e serem passíveis de hipoteca, encontram-se nessa
categoria. Eles são o que chamamos de bens móveis sui generis, possuidores
de natureza especial.
125
FIGURA 5 – BENS MÓVEIS
Compreendemos, então, que um bem imóvel é aquele que não pode ser transportado
de um local para o outro sem que haja destruição do local em que se encontra.
b) Bens imóveis: diferentes dos bens móveis, os bens imóveis são aqueles que não
podem ser transportados sem que se tenha, como resultado disso, a alteração
ou destruição total da sua essência. A transferência desse tipo de bem ocorre
através do registro no cartório de registro de imóveis. Importante destacar que,
nesse caso, a promessa de compra e venda não é suficiente para que ocorra a
transferência de propriedade. Em resumo, bens imóveis são tudo aquilo que se
encontra ligado ao solo. Estes podem ser objeto de hipoteca e, para que sejam
alienados por pessoas casadas, é necessário que se tenha o consentimento do
cônjuge, ato que, no ordenamento jurídico, chamamos de outorga uxória. Esses
bens se subdividem em:
• Bens imóveis por natureza: é o solo e sua superfície somados aos seus
acessórios (árvores, frutos) mais adjacências (espaço aéreo, subsolo).
• Bens imóveis por acessão física: tudo o que o homem incorpora de maneira
permanente ao solo, tendo, como consequência, o impedimento de que se faça a
remoção desse bem do solo sem que isso gere destruição. Exemplos: sementes
plantadas, construções. Os materiais provisoriamente separados de um prédio
não perdem o caráter de imóveis.
• Bens imóveis por destinação: são bens que possuem serventia ao imóvel
propriamente dito, e não ao seu proprietário. Exemplos: máquinas, tratores,
veículos etc. Podem, a qualquer momento, ser mobilizados.
• Bens imóveis por disposição legal: são os chamados direitos reais que recaem
sobre imóveis. Exemplos: direito de propriedade, de usufruto, o uso, a habitação,
a servidão.
Apólices da dívida pública: quando oneradas com a cláusula de inalienabilidade.
Jazidas e as quedas d’água: possuem aproveitamento para energia hidráulica.
126
De acordo com o artigo 79 do Código Civil, o solo e todas as coisas que se
incorporam a ele, de maneira natural ou artificial, são bens imóveis. A forma natural pode
ser entendida como sendo as árvores, os frutos, as pedras etc. Podem ser considerados
bens imóveis, também, por natureza, o espaço aéreo e o subsolo, desde que em altura
e profundidade úteis ao exercício.
c) Bens infungíveis: são aqueles bens que não podem ser substituídos, não
sendo passíveis de substituição por bens da sua mesma espécie, quantidade
ou qualidade. Exemplo: os bens imóveis, um carro, um livro de edição esgotada,
obras de arte.
São, então, bens infungíveis, aqueles que não podem ser substituídos por
outros em razão de determinadas características individuais especiais e específicas.
É uma característica própria dos bens imóveis, mas também se encontra presente em
alguns bens móveis, como os veículos automotores.
ATENÇÃO
Cabe lembrar que alguns bens adquirem a característica de infungíveis por seu
valor sentimental/afetivo, como o caso de joias de família.
d) Bens fungíveis: são aqueles bens que podem ser substituídos por outros bens
da mesma espécie, qualidade e quantidade. Exemplo: alimentos, dinheiro, papéis.
Percebemos que são bens móveis aqueles que podem ser substituídos por
outros da mesma espécie, qualidade e quantidade. São exemplos de bens fungíveis: o
dinheiro, a água, a caneta etc.
e) Bens divisíveis: são os bens que podem ser fracionados, partidos, divididos em
diferentes porções reais que formem, cada uma delas, um todo perfeito, isso sem
que se tenha, como consequência, a alteração da essência do bem, a perda do
seu valor econômico ou, ainda, algum prejuízo na utilização. Exemplo: terrenos,
quantidade de comida.
127
São aqueles bens que podem sofrer divisão em partes homogêneas e distintas
sem a perda considerável do valor. De acordo com o artigo 87 do Código Civil: Bens
divisíveis são os que se podem fracionar sem alteração na sua substância, diminuição
considerável de valor, ou prejuízo do uso.
f) Bens indivisíveis: são bens que são impossíveis de divisão, sem que se altere
sua essência. Bens que não podem ser divididos por determinação legal ou, ainda,
por vontade das partes, uma vez que isso deixaria de formar um todo perfeito.
Exemplo: desmanche de joias, régua e herança.
Bens consumíveis são propostos para realizar a vontade e interesse das pessoas,
podendo ser de duas espécies:
128
b) Consumíveis de direito: o consumo se dá no âmbito jurídico. Também destinados
a atender aos interesses das pessoas, mas por meio de alienações. Exemplo é a
alienação de um automóvel.
h) Bens inconsumíveis: são aqueles bens que podem ser utilizados repetidamente,
sem que se obtenham alterações na essência. Bens que não desaparecem com
todo o consumo. Exemplo: roupas, livros.
i) Bens singulares: são os bens que chamamos de per si. São bens individualizados,
coisas que, embora reunidas, são consideradas na sua individualidade.
Exemplo: uma casa, um boi de rebanho.
129
FIGURA 7 – BENS CONSIDERADOS EM SI MESMOS
3 BENS ACESSÓRIOS
Após estabelecer os bens na sua própria individualidade, o Código Civil passa a
observar as peculiaridades referentes às classes de bens, considerando-os de maneira
recíproca, ou seja, agora, analisa as relações dos bens entre si. Com isso, no Capítulo II do
mesmo livro, o legislador divide os bens em principais e acessórios.
Ainda, de acordo com Vaz (2019), quando considerados em relação uns aos
outros, os bens se classificam em:
a) Bens principais: são aqueles bens que existem por si mesmos, não existindo
necessidade de outro bem para os caracterizar. Independem da existência de
outros bens. Exemplo: terreno, joia, crédito.
A primeira parte do artigo 92 do Código Civil diz que principal é o bem que existe
sobre si, abstrata ou concretamente.
130
Quando se trata de bem imóvel, o solo é o bem principal, e tudo que se incorporar
nele, de forma permanente, acessório. No caso dos imóveis, o bem principal é aquele
para o qual se destina um acessório. Por exemplo, o carro é um bem principal e, o rádio,
um bem acessório.
São bens acessórios aqueles que dependem de um bem principal para existir.
A segunda parte do artigo 92 do Código Civil diz o acessório é aquele cuja existência
supõe a do principal.
O fruto é toda utilidade que um bem produz de forma periódica e cuja percepção
mantém intacta a substância. Embora sejam bens acessórios, podem ser objetos de
relações jurídicas próprias.
131
• Produtos: são utilidades que se extraem da coisa. Exemplo: pedras de uma
pedreira, minerais de uma jazida etc.
Por fim, o produto são bens que se retiram da coisa, desfalcando a sua substância
e diminuindo a sua quantidade. Vejamos um mapa mental dos artigos 92 a 97 do Código
Civil, que discorre acerca dos bens considerados reciprocamente:
4 BENS PÚBLICOS
Já nos encaminhando para finalizar este livro didático, passamos, agora, a
diferenciar os bens em relação às pessoas que os tutelam. Para isso, o ordenamento
classifica em bens particulares e bens públicos. De acordo com Gonçalves (2019, p. 281):
132
O art. 98 do Código Civil considera públicos “os bens do domínio
nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público
interno”. Os particulares são definidos por exclusão: “todos os outros
são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem.
NOTA
Bens públicos são inalienáveis, com exceção dos dominicais (necessitam
de autorização legislativa). Todos os bens públicos são impenhoráveis
e não podem ser hipotecados, nem podem ser objeto de usucapião
(VENOSA, 2012).
133
NOTA
Res Nullius é como chamamos os bens que não pertencem a ninguém, por
exemplo, as pérolas no fundo do mar.
BENS
Considerados em si Reciprocamente Em relação à
Em relação às pessoas
mesmo considerados comercialidade
Bens que se acham
Bens móveis Bens principais Bens particulares
no comércio
Bens que se
Bens imóveis Bens acessórios Bens públicos encontram fora do
comércio
Bens infungíveis
FONTE: Vaz (2019, p. 11)
IMPORTANTE
Bens públicos e suas especificidades
Nem é de hoje que a discussão e o estudo acerca do bem público vêm sendo abordados
no âmbito do Direito. Trata-se de uma matéria estudada, atualmente, pelos doutrinadores
do Direito administrativo e que teve, como base, os fundamentos do Direito romano.
Fazendo um breve relato histórico, em Roma, havia uma divisão entre esses bens, eram
eles: res nullius, que se tratavam das coisas que estavam fora do comércio e que engloba-
vam as res communes, res publicae e as res universitatis. Tais bens recebiam uma prote-
ção especial e eram protegidos pelo Estado.
Percebe-se, dessa época, que essa divisão influenciou o conceito de bens públicos para o
Direito brasileiro. O Código Civil de 1916 fazia referência aos bens públicos, porém, deixava
de fora as pessoas jurídicas de direito público, o que já está incluso no Código Civil de 2002.
Antes de conceituar bens públicos, faz-se necessário observar, além de perceber o que
significa a expressão domínio público para nós, cidadãos, e para o Estado.
O adjetivo “público” pode ser utilizado para caracterizar os bens que estão sob a proteção do Es-
tado no qual ele exerce um domínio e, de forma mais ampla, para designar o conjunto de bens
destinados à coletividade, dos quais a população faz uso em geral (CARVALHO FILHO, 2010).
A respeito do assunto, Di Pietro (2003) afirma que a expressão “domínio público” possui
vários significados. O primeiro, em sentido muito amplo, abrange todos os bens
pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; o segundo, em sen-
tido menos amplo, compreende os bens de uso comum do povo e os de uso
especial; e o terceiro, em sentido restrito, é utilizado especialmente para os
bens que teriam, como titular, o povo.
134
Ora, os bens públicos estão relacionados com o domínio público, no sentido de que o
Estado exerce o poder de dominação sobre os bens do seu patrimônio (MEIRELLES, 2011).
Assim, nos termos do artigo 98 do Código vigente: “São públicos os bens de domínio
nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno, todos os outros são
particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem”.
Nas palavras de José dos Santos Carvalho Filho (2010):
Bens públicos são todos aqueles que, de qualquer natureza e a qualquer título, pertencem
às pessoas jurídicas de Direito público, sejam elas federativas, como a União, os Estados,
o Distrito Federal e os Municípios, sejam da administração descentralizada, como as au-
tarquias, nestas, incluindo-se as fundações de Direito público e as associações públicas.
Para Meireles (2001, p. 479): “São todas as coisas corpóreas ou incorpóreas, imóveis, mó-
veis e semoventes, créditos, direitos e ações que pertencem a qualquer título, às entidades
estatais, autárquicas, fundacionais e empresas governamentais”.
Diante de tais conceitos, vejamos o que dispõe o artigo 99 do CC, in verbis:
Art. 99. São bens públicos:
I- os de uso comum do povo, como rios, mares, estradas, ruas e praças;
II- os de uso especial, como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da
administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os das suas autarquias;
III- os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público,
como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.
Parágrafo único. Não dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os bens perten-
centes às pessoas jurídicas de Direito público a que se tenha dado estrutura de Direito privado.
Posto isso, a doutrina classifica os bens públicos, no Brasil, em três aspectos: quanto à titula-
ridade, destinação e à disponibilidade. Analisemos cada um, explicando suas características.
Com relação à titularidade, os bens públicos podem ser federais, estaduais, distritais e municipais.
a) Bens Federais
Os bens federais estão descritos no artigo 20 da Constituição Federal, e são divididos assim por-
que a Carta Magna levou em consideração alguns critérios ligados à esfera federal, como segu-
rança nacional, proteção à economia do país, o interesse público nacional e a extensão do bem.
Importante ressaltar que, caso alguém queira intentar uma ação que tenha, por objeto, um bem
pertencente à União, esta deve ser ajuizada perante a Justiça Federal, e não a Justiça Comum;
b) Bens estaduais e distritais
Com relação aos bens estaduais e distritais, o artigo 26 da Constituição os enumera em: I)
As águas superficiais ou subterrâneas, fluentes emergentes e em depósito, II) as áreas nas
ilhas oceânicas e costeiras que estiveram no seu domínio; III) as ilhas fluviais e lacustres
não pertencentes à União; e IV) as terras devolutas não compreendidas entre as da União.
Considerando a classificação disposta, entende-se que ela também se aplica ao Distrito
Federal, ainda que a Constituição no seu artigo 32, ao tratar do Distrito Federal, não men-
cione nada a respeito dos bens públicos (CARVALHO FILHO, 2010);
c) Bens Municipais
Com relação aos bens municipais, não há nenhum rol taxativo disposto na Constituição,
porém, como regra, ruas, praças, jardins e outros logradouros públicos pertencem ao Mu-
nicípio. Além destes, enquadram-se, também, os edifícios públicos, os dinheiros públicos
municipais, os títulos de crédito e a dívida ativa;
No tocante à destinação, trata-se de um dos pontos mais relevantes. O próprio artigo 99 do Có-
digo Civil enumera os bens públicos em três: bens de uso comum do povo, bens de uso especial
e bens dominicais. Analisemos cada um deles para um melhor entendimento sobre o assunto.
Os bens de uso comum, como o próprio nome já diz, fazem referência aos bens que são
utilizados ou gozados pelo povo, ou seja, possuem destinação pública apenas para a co-
letividade (VICENTE; ALEXANDRINO, 2011).
Nas palavras de Di Pietro (2003, p. 545), consideram-se bens de uso comum: “aqueles que, por
determinação legal ou por sua própria natureza, podem ser utilizados por todos em igualdade
de condições, sem necessidade de consentimento individualizado por parte da Administração”.
Importante destacar que, em regra, os bens de uso comum são gratuitos, porém existem algu-
mas exceções como no caso da cobrança do pedágio e das zonas azuis. São exemplos de bens
135
de uso comum do povo: ruas, praças, estradas, águas do mar, rios navegáveis e ilhas oceânicas.
Para definir os bens de uso especial, o autor Marçal Justen Filho afirma que são os bens apli-
cados ao desempenho das atividades estatais, configurem elas ou não um serviço público.
Para o melhor entendimento do assunto, Di Pietro explica que bens de uso especial são
todas as coisas móveis ou imóveis, corpóreas ou incorpóreas, utilizadas pela Administra-
ção Pública para realização de suas atividades e consecução de seus fins.
Assim, entende-se que os bens de uso especial estão submetidos a serem utilizados direta-
mente pela administração. Tratam-se de bens afetados a um determinado serviço ou a um
estabelecimento público, ou seja, aqueles que a Administração Pública utiliza na produção
do bem-estar social. São exemplos: edifícios destinados a serviço ou estabelecimento da
administração, repartições públicas, teatros, universidades, museus, cemitérios etc.
Importante elucidar que, quando o artigo 99, II, do Código Civil explica que o bem de uso
especial está afetado a um serviço público, não significa dizer que deve ser utilizado dire-
tamente pela administração pública, mas também pode ter por objeto o uso por particular,
como acontece com o mercado municipal, o cemitério, os aeroportos etc.
Com relação aos bens dominicais, o artigo 99, III, do Código Civil dispõe: “são os que
constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito
pessoal ou real de cada uma dessas entidades”. Para Paulo e Alexandrino (2011, p. 864), a
definição para bens dominicais é a seguinte: “são todos aqueles que não tem uma destina-
ção pública definida, que podem ser utilizados pelo Estado para fazer renda”.
Considerando isso, é essencial dizer que aqueles bens que não se enquadram nos bens
de uso comum do povo ou de uso especial são dominicais. Exemplos de bens dominicais
são: as terras devolutas e todas as terras que não possuam uma destinação específica; os
terrenos da marinha; os prédios públicos desativados; os móveis inservíveis etc.
No tocante à disponibilidade, os bens públicos são divididos da seguinte forma: I- bens
indisponíveis; II- bens patrimoniais indisponíveis; e III- bens patrimoniais disponíveis.
Os bens de uso indisponível são aqueles em que o Estado possui o dever de conservá-los,
não podendo ser alienados ou onerados nem desvirtuados das finalidades a que estão
voltados (por exemplo: bens de uso comum do povo).
Já os bens patrimoniais indisponíveis possuem caráter patrimonial, porque, mesmo sendo
indisponíveis, admitem, em tese, uma correlação de valor, sendo, por isso, suscetíveis de
avaliação pecuniária. São indisponíveis, entretanto, porque utilizados efetivamente pelo
Estado para alcançar seus fins.
Com relação aos bens disponíveis, pode-se dizer que são aqueles que possuem caráter pa-
trimonial, mas podem ser alienados, conforme fixado em lei. É o caso dos bens dominicais.
O art. 101 do atual Código Civil claramente afirma que “os bens públicos dominicais po-
dem ser alienados, observadas as exigências em lei”.
136
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu:
• O Código Civil de 2002, no Livro II da Parte Geral, disciplina um título único destinado
aos bens e o divide em três capítulos diferentes: I – Dos bens considerados em si
mesmos; II – Dos bens reciprocamente considerados; III – Dos bens públicos.
• Quando considerados em relação uns aos outros, os bens se classificam em: bens
principais e bens acessórios.
• Já os bens particulares são definidos por exclusão: todos os outros são particulares,
seja qual for a pessoa a que pertencerem.
137
AUTOATIVIDADE
1 (TRT 23R/MT – Juiz do Trabalho/2012). Analise as proposições a seguir e assinale a
alternativa CORRETA:
138
c) ( ) Bens de uso especial ou de patrimônio administrativo: edifícios das repartições
públicas, veículos da administração, mercados. Também são chamados de bens
patrimoniais indisponíveis
d) ( ) Bens dominiais ou do patrimônio disponível: são bens não destinados ao povo em
geral, nem empregados no serviço público, mas sim, permanecem a disposição
da administração para qualquer uso ou alienação na forma que a lei autorizar.
a) ( ) Os bens públicos de uso comum são considerados bens públicos por natureza,
diferentemente dos bens públicos de uso especial e dos dominicais que são
equiparados aos bens privados.
b) ( ) Os animais, também denominados semoventes, são considerados espécies de
bens móveis por natureza, já que possuem movimento próprio.
c) ( ) A energia elétrica, embora possua valor econômico, não pode ser considerada
como bem móvel ou imóvel, sendo considerada res nullius.
d) ( ) Consideram-se bens incorpóreos aqueles bens que podem ser incorporados
ao patrimônio pessoal, pois, além de serem concretos, podem ser palpáveis e
mensuráveis economicamente.
e) ( ) Diz-se infungíveis aqueles bens que podem ser substituídos por outros da
mesma quantidade, qualidade e espécie, como é o caso do dinheiro.
139
5 (CESPE/CEBRASPE – TJ/AL – Analista Judiciário.2012). Assinale a opção CORRETA
em relação a bens:
140
UNIDADE 3 TÓPICO 3 -
FATOS JURÍDICOS
1 INTRODUÇÃO
Entramos, agora, no último tópico do nosso livro didático. Estudaremos mais
alguns elementos importantes para o Direito Civil, seus conceitos e classificações.
Começaremos entendendo o elemento fato jurídico e, a partir disso, observaremos
os elementos que nascem como consequência desses fatos, que são os atos lícitos e
ilícitos. Fatos jurídicos, nas palavras de Vaz (2019, p. 11):
O Código Civil de 2002, inclusive, substitui a expressão “ato jurídico”, que vinha
expressa no antigo Código, datado de 1916, pelo elemento “negócio jurídico”, uma vez
que o legislador percebeu que ambas são figuras diferenciadas e somente a segunda
possui conteúdo suficiente para justificar um título inteiro, regularizando-a dentro do
Livro Fatos Jurídicos.
141
O livro destinado aos fatos jurídicos é o Livro III do Código Civil, que já era assim
anunciado desde o dispositivo de 1916. Esse livro é expressamente nomeado como “Dos
Fatos Jurídicos”, e, nele, o legislador discorre sobre esse elemento de maneira geral,
abrangendo seu sentido amplo e as espécies da sua classificação, como veremos neste
tópico final do nosso livro didático.
NOTA
O fato de cair chuva citado muda de perspectiva quando imaginamos
uma situação em que, por exemplo, a tal chuva se torne um alagamento
e este cause danos ao patrimônio de algum cidadão que venha a ensejar
determinada indenização.
142
FIGURA 10 – FATOS JURÍDICOS EM SENTIDO AMPLO
b) Fatos humanos (atos jurídicos em sentido amplo): são aqueles que aconteceram
como consequência de uma ação do ser humano. Aqui, os cidadãos agem objetivando
uma criação, modificação, transferência ou extinção de determinado direito.
1) Voluntários (lícitos): atos em que os efeitos gerados eram desejados pelo agente que
os praticaram. Estes atos jurídicos em sentido amplo poderão, ainda, se subdividir em:
• o ato jurídico em sentido estrito: atos em que se tem como meta a realização de
uma vontade de outro indivíduo. Exemplo: um pedido de perdão, uma confissão etc.;
143
• o negócio jurídico: atos onde os indivíduos envolvidos estipulam normas que irão
ter como consequência a satisfação de interesses de ambos.
NOTA
No ato jurídico em sentido estrito e no negócio jurídico, já vimos que é
imprescindível a manifestação de vontade de um ser humano para que
ocorra. Diferentemente do ato-fato jurídico, conforme veremos adiante.
Já vimos que no negócio jurídico, a ação humana tem como objetivo direto o
alcance de um fim prático que seja permitido por lei. Já no ato jurídico em sentido estrito,
é apenas a consequência da manifestação da vontade que se encontra predeterminada
em texto legal.
É caso, por exemplo, de um cidadão que está caminhando pelo seu bairro
e encontra um tesouro. Ocorre que este indivíduo não tinha a vontade de se tornar
proprietário da metade do tesouro encontrado, mas, de acordo com o disposto no artigo
1.264 do Código Civil, ele se tornará possuidor dessa quantia.
144
Os atos ilícitos serão praticados de maneira infratora a um dever de
comportamento e poderá ser realizado tanto por ações ativas como por omissões, tanto
de maneira dolosa quanto de maneira culposa por parte do agente. Importante ressaltar,
ainda, que os atos ilícitos irão resultar em alguma lesão para outrem e o Código Civil os
disciplina nos seus artigos 186 e 927.
145
LEITURA
COMPLEMENTAR
A teoria dos fatos jurídicos no Direito brasileiro
INTRODUÇÃO
O que distingue o fato não jurídico e o fato jurídico são os efeitos que cada um
produz. Sabemos que não são todos os eventos naturais e humanos que interessam ao
Direito. Nosso ordenamento jurídico somente valora aqueles fatos que têm relevância
para as relações intersubjetivas humanas.
O Direito tem por objeto as relações humanas. Assim, o fato é jurídico quando
uma norma, pertencente a um ordenamento jurídico, reconhece que tal fato tem
relevância para as relações humanas e atribui-lhe consequências específicas, que
são chamadas efeitos jurídicos. O fato jurídico depende, então, da conjugação de dois
fatores: o fato em si e uma declaração de vontade da norma jurídica. É, pois, de suma
importância para a ciência do Direito identificar quais fatos que pertencem ou não ao
mundo jurídico. Para ilustrar, traz-se à colação a precisa lição de Pontes de Miranda:
146
Quando se fala de fatos, alude-se a algo que ocorreu, ou ocorre, ou vai ocorrer.
O mundo mesmo, em que vemos acontecerem os fatos, é a soma de todos os fatos que
ocorreram e o campo em que os fatos futuros se vão dar. Por isso mesmo, só se vê o fato
como novum no mundo. Temos, porém, no trato do direito, de discernir o mundo jurídico
e o que, no mundo, não é mundo jurídico. Por falta de atenção aos dois mundos muitos
erros se cometem e, o que é mais grave, se priva a inteligência humana de entender,
intuir e dominar o direito.
Pontes de Miranda destaca, ainda, que qualquer fato o qual entrar no mundo
jurídico será um fato jurídico, ainda que seja contrário ao Direito. A ilicitude, segundo o
autor, não retira o fato do conjunto dos fatos jurídicos.
O fato precisa existir para que possa ser válido e/ou produzir efeitos. A validade
e a eficácia dependem da existência, mas não dependem uma da outra. Assim, o fato
pode existir e ser válido, mas não produzir efeitos; e pode existir e produzir efeitos, mas
não ser válido.
Uma vez valorado o fato como jurídico, é preciso distinguir o fato jurídico lato
sensu do fato jurídico stricto sensu. Em sentido amplo, inserem-se no âmbito de fatos
jurídicos tanto os fatos naturais quanto os humanos, cuja ocorrência pode ou não
depender da vontade humana. Os fatos jurídicos em sentido lato formam o conjunto
maior, a partir do qual emanam subdivisões. Na doutrina, os fatos jurídicos em sentido
amplo geralmente são divididos em duas categorias, quais sejam, os fatos jurídicos em
sentido estrito e atos jurídicos em sentido amplo, subdividindo-se, estes últimos, em
atos jurídicos em sentido estrito e negócios jurídicos.
147
Então, para o mestre alagoano, os atos lícitos e os ilícitos formam subconjuntos
diferentes, assim como os atos-fatos lícitos e os ilícitos, e os fatos jurídicos lícitos (em
sentido estrito) e os ilícitos.
Rubens Limongi França, por sua vez, classifica os fatos jurídicos da seguinte forma:
a) fatos de ordem natural, os quais corresponderiam aos fatos jurídicos em sentido
estrito.
b) fatos ações humanas:
b.1) fatos cujo efeitos devem atender à vontade do agente (atos jurídicos em sentido
estrito)
b.2) fatos cujos efeitos independem da vontade do agente (atos ilícitos).
c) fatos mistos, nos quais existe a intervenção de elementos naturais e outros derivados
da vontade do agente. Como exemplo, cita-se a aquisição do domicílio, onde há
mero fato natural (residência), ligado a um fator da vontade (ânimo definitivo).
Os fatos jurídicos em sentido estrito, para parte da doutrina, são os fatos naturais.
Alguns autores, contudo, incluem nessa categoria os fatos humanos que independem
de vontade do homem.
Os fatos jurídicos que emanam de uma vontade humana, ainda que não voltada
à produção de efeitos jurídicos, são chamados de atos jurídicos em sentido amplo.
Ressalte-se: a vontade não precisa ser direcionada a produção de um efeito jurídico,
mas este deverá, necessariamente, ser produzido, sob pena de não se ter um ato
jurídico, mas sim, um fato não-jurídico. O ato, para ser jurídico, também precisa estar
conjugado com a declaração de vontade de uma norma jurídica, tal como ensinado por
Maria Helena Diniz.
148
1.3. Atos-fatos jurídicos
Os atos-fatos são fatos humanos, mas não são tratados como atos jurídicos, pois
estes últimos emanam de uma vontade humana, enquanto os primeiros, não. A norma
recebe aquele fato como jurídico, mas abstrai dele qualquer elemento volitivo que possa
existir em sua origem. Os fatos do homem podem dar origem, então, a duas espécies de
fatos: os atos jurídicos, quando o fato decorrer de uma vontade, e os atos-fatos, quando
a vontade não estiver presente. Segundo Pontes de Miranda, se esvaziamos os atos
humanos de vontade (= se dela abstraímos = se a pomos entre parênteses), se não a
levamos em conta para a juridicização, o actus é um factum, e como tal é que entra no
mundo jurídico. É de tratar-se, então, como aqueles fatos que, de ordinário, ou por sua
natureza, nada têm com a vontade do homem.
149
1.4. Atos jurídicos em sentido estrito e negócios jurídicos
Por vezes, a lei exige que haja declaração de vontade expressa para que o ato
jurídico se aperfeiçoe. Vejamos alguns desses casos previstos no CC/02:
Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou
força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Art. 299. É facultado a terceiro assumir a obrigação do devedor, com o
consentimento expresso do credor, ficando exonerado o devedor primitivo, salvo se
aquele, ao tempo da assunção, era insolvente e o credor o ignorava.
Art. 1.919. Não o declarando expressamente o testador, não se reputará
compensação da sua dívida o legado que ele faça ao credor.
150
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu:
• Dentro do mundo jurídico, apenas alguns fatos são considerados relevantes, que são
aqueles fatos causadores de efeitos jurídicos.
• Fatos humanos são aqueles que aconteceram como consequência de uma ação do
ser humano.
• Negócio jurídico é a ação humana que tem, como objetivo direto, o alcance de um fim
prático que seja permitido por lei.
151
AUTOATIVIDADE
1 (CS/UFG – Prefeitura de Goiânia/GO – Procurador do Município/2015). Na tradição
civilista, sujeito, objeto, fato e garantia são elementos que estruturam o conceito de
relação jurídica, configurado historicamente como vínculo jurídico entre pessoas. No
que se refere às pessoas, o Código Civil vigente regulamenta que:
152
Com base na análise realizada, assinale a opção CORRETA:
a) ( ) As afirmativas I, II e IV estão corretas.
b) ( ) Apenas a afirmativa III está correta.
c) ( ) As afirmativas III e IV estão corretas.
d) ( ) Apenas a afirmativa IV está correta.
a) ( ) sempre constituem atos ilícitos, porque a lei proíbe o exercício arbitrário das
próprias razões.
b) ( ) não constituem atos ilícitos e sempre eximem o seu autor da obrigação
de indenizar.
c) ( ) não constituem atos ilícitos somente quando as circunstâncias os tornarem
absolutamente necessários e nem sempre eximem o seu autor da obrigação
de indenizar.
d) ( ) constituem atos ilícitos, porém o seu autor sempre ficará isento da obrigação
de indenizar.
e) ( ) consubstanciam atos de legítima defesa e isentam seu autor da obrigação de
indenizar, salvo se foi o causador do perigo.
153
5 (FCC – PGE/SE – Procurador do Estado/2005). Constitui ato ilícito aquele praticado:
a) ( ) em estado de necessidade.
b) ( ) em legítima defesa de outrem.
c) ( ) com abuso de direito.
d) ( ) no exercício regular de um direito reconhecido, salvo com autorização judicial.
e) ( ) com reserva mental.
154
REFERÊNCIAS
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Janeiro: Francisco Alves, 1927.
BRASIL. Lei n. 10.406, 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da
União, Brasília, DF, 11 jan. 2002.
DINIZ, M. H. Curso de direito civil brasileiro. 37. ed. São Paulo: Saraiva Jur, 2020.
FARIAS, C. C. de; ROSENVALD, N.; NETTO, F. B. Manual de direito civil. 4. ed. Salvador:
Juspodivm, 2019.
GAGLIANO, P. S.; FILHO, R. P. Manual de direito civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva Jur, 2019.
GONÇALVES, C. R. Direito civil brasileiro 1: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2019.
NADER, P. Introdução ao estudo do direito. 42. ed. São Paulo: Forense, 2019.
REALE, M. Lições preliminares de direito. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2018.
TARTUCE, F. Manual de direito civil – vol. único. 10. ed. São Paulo: Método, 2019.
TARTUCE, F. Direito civil – lei de introdução e parte geral. 15. ed. São Paulo:
Forense, 2018.
TEPEDINO, G.; OLIVA, M. D. Fundamentos do direito civil: teoria geral do direito civil.
São Paulo: Forense, 2020.
VENOSA, S. de S. Direito civil: direitos reais. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2012.
155