O Pensamento No Período Edo (1603-1868)
O Pensamento No Período Edo (1603-1868)
O Pensamento No Período Edo (1603-1868)
1 . Sobre os estudos enfocando o pensamento no Período Edo, é muito instrutivo o artigo de Samuel Hideo
Yamashita, “Reading the N ew Tokugawa Intellectual Histories”,in The Journal o f Japanese Studies,
v o l . 22, n . 1, Seattle, University o f Washington, 1996, onde o autor analisa a historiografia em língua
inglesa, subdividindo-a em quatro grupos: o da teoria da modernização, que tenta explicar Edo para
chegar a M eiji, incluindo Bellah, Rubinger e Nakai: o grupo de Bary, que situa o neoconfucionism o num
panorama diverso, dinâmico e em mutação, incluindo também Tucker e Nosco; os novos intelectuais
que se inspiram em histórias intelectuais enfatizando as periferias, incluindo Harootunian, Najita e Ooms
e, finalmente, uma aproximação pós-m odem a nos trabalhos de Naoki Sakai, onde desaparecem biogra
fias de personalidades, famílias de pensamentos ou movimentos para se concentrar no discurso, nos
“textos”
2. “N eo-C onfucianism and the Formation o f Early Tokugawa Ideology: Contours o f a Problem ” In
Confucianism and Tokugawa Culture.
3. Ryô, medida monetária do período. A utilização de moedas cunhadas e a criação das cartas de crédito
foram resultados da organização e do controle dos comerciantes.
4. O fato de seguidores do cristianismo e do nenbutsu terem sido perseguidos e tidos com o perigosos para o
xogunato mostra a força da religião no campo político. Os fujufukuse, “não receber, não dar” , recusaram-
se a se filiarem ao budismo oficial quando do shümon-aratame no jô , de 1613, artifício encontrado para
um maior controle da população. Os kakure renegaram a religião mas continuaram cristãos até que se
revelaram na era Meiji quando da liberdade religiosa, tendo gerado um curioso sincretismo: M aria-sama
é cultivada num butsudan e reverenciada com o um kami.
5. Kurozumi Makoto, “The Nature o f Eartly Tokugawa Confucianism ”,In The Journal o f Japaneses Studies,
v o l . 20, n. 2, trad. Herman Ooms. 1994, pp. 347-348.
6. Autor de kanazôshi, livros populares escritos em silabário, ligado ao xogunato através de sua família,
tom ou-se m onge em 1620.
7. “Neo-C onfucianism and the Formation o f Early Tokugawa Ideology: Contours o f a Problem” , p. 60. In
Peter N osco (ed.), Confucianism and Tokugawa Culture, N ew Jersey, Princeton University Press, 1984.
Ooms lê os m ovim entos intelectuais do período Tokugawa sempre atento com as relações de poder por
eles encobertos, utilizando-se livremente da religião, da mitificação, dos rituais e de todos os m eios de
legitim ização a seu alcance.
8. Sobre o assunto, ver Tetsuo Najita, Katokudô: Visions o f Virtue in Tokugava Japan, Chiacago & Lon
dres, The University o f Chicago Press, 1987. O autor estuda a academia e sua evolução histórica,
traçando paralelos entre diferentes momentos e pensadores que por lá ensinaram, concluindo na forma
ção de um sistema de pensamento que justificou a classe dos comerciantes, retirando seu estigma de
classe improdutiva.
9. Sobre o assunto, ver Robert N. Bellah, Tokugawa Religion - The Cultural R oots o f M odern Japan,
N ew York, Londres, The Free Press, 1985 ( I a ed., 1957). Como o subtítulo da obra indica, o autor se
preocupa em tentar traçar as raízes culturais de um certo Japão, o do pós-guerra, não tendo sido sempre
tão distanciado de seu objeto de estudo quanto talvez o devesse ter sido.
10. Kurozumi, op. cit., p. 345. Chu Hsi é também grafado com o Zhu Xi no texto de Katô Shüichi. O
filósofo chinés é referido no Japão com o Shushi, adaptação fonética ao idioma. Shushi, da dinastia Sô,
foi um escritor prolífico e influente; sua obra completa se compõe de 140 volumes.
1 1 .Razan, samurai descendente dos Fujiwara e discípulo de Seika, trabalhou com o oficial no governo de
Ieyasu, tendo-se retirado da vida pública e se tomado monge, o que mostra a coexistência do confucionism o
com o budismo. D evem os citar, no entanto, que o fato de se tomar monge, muitas vezes, não tinha
relação direta com a religião budista em profundidade e sim com um desligamento total de atividades
mundanas e/ou pressupunha uma maior dedicação aos estudos.
12. Conrad D. Totman, P olitics in The Tokugawa Xogunato 1600-1843, Cambridge, M assachusetts, Harvard
University Press, 1967, p. 249.
13. Kurozuni, op. cit., p. 340.
1 4 .Idem, p. 343.
15. H istória da Literatura Japonesa, v o l . 2, p. 21.
16. O sufixo -ha (tendência, grupo, princípio, ismo) é o mais comum quando ligada a organizações nas artes
plásticas, sendo o -za ligado ao teatro e aos grupos de poetas, -ryü aos estilos de arranjos florais. À falta
de termo mais específico, utilizo “família”, já que a transmissão de “segredos” de cada linha artística era
tido com o fundamental na passagem de geração a geração.
17. “Tokugawa Japan: A Centralized Feudal State”. In East Asia: Tradition and Transformation, Londres,
Harvard University, 1973.
18. Sua obra Yamato Honsó {Plantas do Japão), de 1708, com põe-se de 23 volum es de texto e 2 de ilustra
ções, contendo mais de 1.300 especies de plantas e árvores e marcou uma nova era nos estudos japone
ses de história natural.
19. Mary Evelyn Tucker, “Moral and Spiritual Cultivation ” , Japanese Neo-Confucianism : The Life and
Thought o f K aibara Ekken (1630-1714), Albany, State University o f N ew York Press, 1989, pp. 81 e 59.
Citado em Yamashita, “Reading the N ew Tokugawa Intellectual Histories”
25. Ver Julia Ching, “Chu Shun-shui, 1600-82, A Chinese Scholar in Tokugawa Japan". In Monumenta
N ippponica, v o l .30, n. 2 ,1 9 7 5 , pp. 1 7 7 -1 9 1 .É interessante notar o fato de que o confucionism o é visto
no Japão com o filosofía moral mas sabe-se que Shun-shui realizava cerimônias sacrificiais de animais,
denunciando sua origem chinesa. N o Japão tal prática não existiu e já no início da introdução do
confucionism o tal característica foi veementemente rejeitada.
26. Katô Shüichi, H istória da Literatura Japonesa, v o l . 2, p. 76.
27. Composta de cinco volum es que tratam dos continentes, sendo a América do Sul e a África “locais onde
quase ninguém vai” O extremo interesse pela geografia, biologia, ciências naturais e matemáticas vão
ter seus reflexos na produção de uma obra visual riquíssima tematizando a natureza de modo exaustivo,
entre os quais podem os citar a família Shijô, de Kyôto.
,
A escola heterodoxa confucionista (K ogaku “Estudos Clássicos”) foi representada
pelos estudiosos Yamaga Sokô (1622-1685), rônin que contribuiu para a teoria do
.,
b u sh id ô Itô Jinsai (1627-1705), oriundo de família de comerciantes, que enfatizava as
virtudes dos primeiros trabalhos confucionistas, especialmente os A n a leto s e M encius;
32. Refere-se ao primeiro confucionism o, dos séculos V a III a.C., de forte apelo comunitário e familiar.
33. Katô Shüichi, H istória da Literatura Japonesa , v o l . 2, pp. 60-69.
34. “Kaitokudô: Visions o f Virtue” , Tokugawa Japan. Yamashita qualifica a análise cuidadosa e sistemática
do discurso da Academia Kaitokudô realizada por Najita com o modelo de com o se contextualizar idéi
as, fazendo parte de urna nova abordagem histórica, a saber, a das periferias: a academia da classe
desprezada dos comerciantes estaría na periferia das incontáveis academias de Estudos Confucionistas,
Jugaku.
35. Op. cit., p. 9.
36. Op. cit., p. 21.
o continente, o aparecimento de cinco variedades de moedas de ouro e prata e a grande reforma Kyôhô
Kaikaku com exortações à frugalidade.
4 1 . Chônin Bukuro, pp. 49-50, citado em Kaitokudô.
42. Idem, p. 52.
43. Idem, p. 53.
44. Idem, p. 56.
[...] os intelectuais dos Estudos Vernaculares adotaram uma estratégia que os comprometia a
uma caracterização de redução metonímica pela exploração de um artifício arcaizante que prometia
representar a realidade mais plenamente pela recuperação do significado corpóreo e tangível que
a linguagem existente não podia captar ou representar acuradamente. Isto explicaria sua
concentração nos estudos poéticos, [•••],seu interesse intenso pela linguagem [...],sua ênfase
deliberada nos vocábulos e na sintaxe arcaicos, intocados pelo “sentimento chinês” (kara-gokoro ).,
contaria também para a preferência de muitos em escrever no que era de fato dialeto local, para
a tendência à especulação cosmológica levando a uma cosmogonia sistemática e, finalmente,
para a natureza restauracionista de sua estratégia.
maiores cânones poéticos japoneses, tais com o temas (amor, separação, estações sazonais e seus respec
tivos pássaros, flores, locais famosos, cores) e formas (chôka, tanka, sedôka).
49. Genji M onogatari, obra monumental escrita pela dama da corte Murasaki Shikibu entre os anos de
1001 a 1020, foi o primeiro grande livro em prosa da literatura japonesa, em silabário fonético, invenção
feminina em contraposição ao domínio dos ideogramas chineses entre os nobres japoneses. Tomou-se o
cânone literário do período Heian e marcou todo o imaginário artístico posterior com suas longas descri
ções sobre o ideal de vida cortês.
50. Kokoro, já teorizado nos prefácios Kanajo e M anajo de Ki no Tsurayuki e Ki no Yakamochi, da coletâ
nea imperial Kokin Wakashâ (Coletânea de Poem as Japoneses de Hoje e de Ontem), ou Kokinshü, do
século X, pode ser entendido com o, do ponto de vista poético: mente, coração, intenção, sentimento,
sinceridade, conteúdo. Opõe-se a kotoba: palavra, signo, tradição, forma, recurso poético. Os dois con
ceitos se manterão inalterados na poética japonesa, tendo sido retomados ad infinitum. A lém dessa
acepção, kokoro do ponto de vista cotidiano denota a alma, a intenção verdadeira, a sensibilidade.
5 1 . Citado em Katô Shüichi, H istória da Literatura Japonesa, v o l .2, pp. 180-188.
52. “The Consciousness o f Archaic Form in the New Realism of Kokugaku” In Najita Tetsuo & Irwin
Scheiner (eds.), Japanese Thought in the Tokugawa P eriod 1600-1868 - M ethods and M etaphors,
Chicago & Londres, The University o f Chicago Press, 1978, pp. 80-81.
53. Harootunian, “The Conciousness o f Archaic Forma in the N ew Realism o f Kokugaku", Japanese Thought,
in the Tokugawa P erio d - M ethods & M etaphors, p. 82.
54. M ono no Aware, “a tristeza-beleza das coisas”,conceito filosófico do período Heian, traduz o conceito
de uma intensa empatia com o universo exterior. Aware transmitiria nuanças da percepção (nunca ex
cluindo as sutilezas do olfato) e do conhecimento de modo introspectivo, m elancólico, intenso. Também
por asssociação, ideal estético almejado nas N arrativas de Genji e na vida palaciana.
55. Harootunian, Things Seen dan Unseen: D iscourse and Ideology in Tokugawa N ativism . Chicago,
University o f Chicago Press, 1988.
56. Yamashita, “Reading the N ew Tokugawa Intellectual Histories”,in The Journal o f Japanese Studies,
v o l . 22, n . 1 , Seattle, University o f Washington, 1996, p. 31.
58. Densho, os certificados de iluminação, começaram a ser outorgados em 1780; consta que em 1880 por
volta de 36.000 pessoas o detinham. Num primeiro momento eram emitidos somente pela casa matriz,
mas posteriormente outros kôsha começaram a emiti-los.
59. Ôtsu-e, “im agens de Otsu”, a última estação-pousada de Tôkaidô, antes de Kyôto. N esse local produzi
ram-se im agens xilográficas coloridas a mão caracterizadas por serem imagens sim ples, cujos temas
provinham de fontes ecléticas, servindo com o souvenirs, retratando eventos e personagens históricos,
temas religiosos, folcóricos e também alguns ukiyo-e.
Como religião pregava a iluminação e a devoção altruísta que era tanto um meio para ela
quanto uma conseqüência dela. Politicamente reforçou a racionalização e a extensão do poder
pela ênfase à grande importância da lealdade e do altruísmo dos servos. Sua ênfase no imperador
foi importante, apesar de seus laços com o xogunato, na preparação da opinião popular para a
Restauração. Embora um movimento da classe dos comerciantes não almejou nenhum poder
político para si mas aceitou os samurais como líderes políticos [...] Economicamente reforçou a
diligência e a economia, valorizou a produtividade e minimizou o consumo. Além disso defendeu
padrões universais de honestidade e respeito [•••],contribuiu para o crescimento de uma atitude
contínua, prática e disciplinada em relação ao trabalho entre as classes citadinas, importante
tanto para os empreendedores quanto para os trabalhadores numa economia que se iniciava no
processo da industrialização61
60. “Rooting the Pine - Shingaku Methods o f Organization”,in Monumento Nipponica, v o l .34, n. 3 ,1 9 7 9 ,
pp. 328-30.
6 1 . Tokugawa Religion 一 The Cultural Roots o f M odem Japan, pp. 175-176.
Conclusão
62. Entendo aqui com o artes decorativas a cerâmica, a pintura em leques, biom bos, portas corrediças,
objetos laqueados, objetos vários, o quimono; e com o artes corporais a cerimônia de chá, a dança em si
ou nas representações teatrais, o arco-e-flecha, as artes marciais.
63. Shinju, hoje mais conhecido com o duplo suicídio amoroso, teve sua origem com o “prova de verdadeiros
sentimentos”. Assim , a cortesã, para mostrar seu amor real a um amante-cliente lhe ofertaria uma mecha
de cabelos, um objeto pessoal, eventualmente a falangeta do dedo mínimo e, maior prova de amor
irrestrito, acompanhá-lo na morte devido à impossibilidade da concretização de seu amor no mundo
cheio de relações sociais 一 giri.
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