Rupturas Na Aliança Terapêutica Um Estudo de Caso Ribeiro Et Al. 2014
Rupturas Na Aliança Terapêutica Um Estudo de Caso Ribeiro Et Al. 2014
Rupturas Na Aliança Terapêutica Um Estudo de Caso Ribeiro Et Al. 2014
Eugénia Ribeiro, PhD ; Joana Coutinho, Zita Sousa, & Catarina Machado
Resumo
Apresentamos um estudo de caso cujo objectivo foi explorar a associação entre as rupturas na aliança tera-
pêutica e a expressão verbal de necessidades do cliente em psicoterapia. Foi analisado um caso de insuces-
so de um cliente diagnosticado com Transtorno de Pânico com Agorafobia, através do Rupture Resolution
Rating System (3R’s) e do Sistema de Observação de Responsividade Terapêutica Os dados resultantes da
aplicação dos dois sistemas de observação foram analisados com o software de análise de séries temporais
SMA. Os resultados indicam que um aumento da Expressão Verbal de Necessidades numa sessão está asso-
ciada a uma diminuição dos marcadores de ruptura após três e quatro sessões e um aumento dos marcado-
res de rupturas numa sessão está associado a um aumento da EVN após quatro sessões. Esta associação foi
mais evidente entre as rupturas de confronto, particularmente do marco de insatisfação com as actividades
da terapia, e a expressão de necessidades directamente relacionadas com a terapia.
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Rupturas na aliança terapêutica e expressão verbal de necessidades do cliente: um estudo de caso
Abstract
We present a case study whose main goal was to explore the relationship between therapeutic alliance´s
ruptures and the client’s verbal expression of needs in psychotherapy. We intensively analyzed an unsuc-
cessful case of a client with Panic Disorder with Agoraphobia. The sessions were analyzed using the Rup-
tures Resolution Rating System (3R’s) and the Sistema de Observação de Responsividade Terapêutica . The
results indicate that an increase in the Verbal Expression of Needs (EVN) is associated with a decrease of
the ruptures three and four sessions later and that an increase in ruptures is associated with an increase of
EVN four sessions later. There was a more clear association between the confrontation ruptures, particu-
larly the expression of dissatisfaction about therapeutic activities, and a specific type of EVN:the client´s
expression of direct requests related to therapy.
Na literatura sobre aliança terapêutica existe con- pressão verbal de necessidades do cliente (daqui em
senso de que as rupturas na aliança são episódios diante EVN) em psicoterapia e suas implicações
frequentes em terapia e de que uma das mais im- clínicas. Estes dois conceitos apesar de terem rece-
portantes competências terapêuticas consiste na sua bido a influência de diferentes formulações teóri-
negociação de forma construtiva (Safran & Muran, cas, têm essencialmente um carácter transteórico, o
2000). De igual modo, a investigação empírica indi- qual se enquadra na tradição dos factores comuns
ca que o sucesso na responsividade do terapeuta às em psicoterapia. Dito de outro modo, quer o concei-
necessidades expressas pelo cliente se reflecte nu- to de rupturas na aliança quer o de responsividade
ma aliança terapêutica positiva, a qual por sua vez às necessidades do cliente podem ser usados por clí-
prediz um bom resultado (Horvath & Bedi, 2002). nicos e investigadores para compreender a evolução
A atenção do terapeuta à expressão de necessidades do processo terapêutico qualquer que seja o modelo
por parte do cliente é importante para a definição da teórico adoptado pelo clínico (psicodinâmico, com-
agenda terapêutica, seja na definição de objectivos portamental, experiencial, etc). De notar que ambos
seja na selecção das tarefas terapêuticas. Por outro os conceitos estão intimamente relacionados com
lado, as expressões de resistência por parte do clien- aquele que, dentro da tradição dos factores comuns
te a esta agenda, que neste enquadramento são con- em psicoterapia, tem sido mais amplamente estuda-
ceptualizadas como rupturas na aliança, podem não do: a aliança terapêutica.
só significar a falta de atenção do terapeuta às ne-
cessidades do cliente como a sua incapacidade pa- De acordo com Bordin (1979), a aliança consiste na
ra as integrar na negociação da agenda terapêutica. colaboração entre terapeuta e cliente e é constituí-
Assim, neste estudo procuramos explorar a rela- da por três componentes relacionados que determi-
ção entre as rupturas na aliança terapêutica e a ex- nam a força e qualidade da mesma, nomeadamente:
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(a) o acordo nos objectivos terapêuticos; (b) o acor- Safran e colaboradores (1990) começaram por es-
do nas tarefas para os alcançar e (c) o desenvolvi- tudar segmentos de sessões terapêuticas em que
mento de um vínculo entre terapeuta e cliente. Este tinham sido identificadas rupturas, procurando en-
autor propôs igualmente que, em condições nor- contrar redundâncias nos temas desses episódios,
mais, o progresso terapêutico engloba uma variação dando um importante passo na identificação de
na força da aliança, havendo momentos de maior uma tipologia de rupturas. Tendo inicialmente de-
e menor qualidade da aliança. Estes momentos de finido uma lista de sete marcos de ruptura na alian-
menor qualidade da aliança constituem rupturas na ça, com o desenvolvimento do seu programa de
aliança, cuja reparação contribui para a melhoria da investigação, os autores verificaram que era mais
aliança e se associa à eficácia da relação de ajuda. útil distinguir apenas dois tipos principais de rup-
turas: as rupturas de evitamento e as rupturas de
Na linha de investigação sobre rupturas na aliança confronto (Safran & Muran, 1996, 2000). Nas pri-
terapêutica destacam-se os estudos de Safran e co- meiras, os pacientes lidam com as dificuldades ou
laboradores (e.g., Safran, Crocker, McCain, & Mur- desentendimentos que surgem na relação terapêu-
ray, 1990; Safran & Muran, 1996, 1998, 2000, 2006; tica, através do evitamento ou desligamento da sua
Safran, Muran, Samstag, & Winston, 2005), segun- experiencia acerca do terapeuta ou da terapia. Po-
do os quais uma ruptura na aliança pode ser definida derão, por exemplo, concordar de modo excessiva-
como um enfraquecimento no processo colaborati- mente submisso com o terapeuta, responder às suas
vo entre terapeuta e cliente, uma pobre qualidade questões com respostas mínimas ou expressar senti-
da relação terapeuta-cliente, uma deterioração na mentos negativos de forma indirecta. Nas segundas,
comunicação ou uma falha no desenvolvimento de os clientes expressam directamente a sua insatisfa-
um processo colaborativo desde o início da terapia ção ou sentimentos negativos em relação ao tera-
(e.g., Safran & Muran, 2006). Embora a frequên- peuta ou a algum elemento do processo, podendo-o
cia e intensidade das rupturas varie de caso para ca- mesmo fazer de forma acusatória ou hostil (Safran
so, a maioria dos casos clínicos é caracterizada por et al. , 2005). Enquanto nas rupturas de evitamen-
uma ou mais rupturas ao longo do processo, mes- to os clientes desinvestem de algum aspecto da te-
mo os que apresentam maior sucesso terapêutico. rapia num movimento de recuo por vezes tão subtil
As rupturas podem variar na intensidade, duração de que o terapeuta nem se apercebe, nas rupturas
e frequência, dependendo de diversos factores tais de confronto assiste-se à expressão aberta e direc-
como a problemática clínica do paciente e a orien- ta de raiva ou insatisfação do cliente, existindo ain-
tação teórica adoptada pelo terapeuta (Safran et al., da alguns casos em que o marco de ruptura pode ser
1990). Assim, as rupturas podem não passar de ten- caracterizado por uma mistura de confronto e evi-
sões mínimas percebidas por apenas um ou ambos tamento (Safran et al., 2002). Para Safran e Muran
os participantes, ou podem constituir quebras sig- (1998) os diferentes tipos de rupturas correspondem
nificativas na compreensão e comunicação, que em a diferentes formas do cliente lidar com a tensão
casos extremos, ou nos quais não há uma tentativa existente em todos os indivíduos entre as necessida-
de resolução, poderão culminar em dropout ou insu- des opostas de agência e de proximidade ao outro,
cesso terapêutico (Safran & Muran, 1996). sendo que nas rupturas de evitamento o paciente de
Para além da identificação precoce de rupturas pe- Parece-nos assim que casos de insucesso descritos
lo terapeuta constituir um aspecto fulcral do proces- como tendo sido marcados por problemas de nego-
so terapêutico por disso depender a continuidade e ciação da aliança apresentem marcadores de rup-
o sucesso da terapia, Safran e colaboradores consi- tura, bem como a marcadores EVN por parte do
deram que da resolução das rupturas podem resultar cliente, nomeadamente aquelas necessidades que se
importantes momentos de mudança (e.g., Safran et relacionam mais directamente com aspectos do pro-
al., 1990; Safran & Muran, 2000). cesso terapêutico.
Estudos anteriores evidenciaram a existência de Assim consideramos que seria oportuno compreen-
uma relação entre a presença de marcos de ruptura der de que modo ao longo do processo terapêutico,
não resolvidos e finalizações unilaterais da terapia a emergência de rupturas se vai associando à ex-
ou insucesso clínico. A literatura a este nível faz- pressão verbal de necessidades por parte do cliente,
-nos pensar que a incapacidade do terapeuta explo- num caso de insucesso clínico. O objectivo do es-
rar e responder às necessidades do cliente durante tudo passa ainda por particularizar essa associação
os episódios de ruptura contribuirá para essa asso- em termos dos subtipos de cada um dos marcadores
ciação. Safran et al. (1990) observaram que um dos de ruptura e de EVN, procurando assim perceber se
primeiros passos no processo de resolução de rup- alguns marcadores de ruptura estão mais estreita-
turas passa pela exploração da experiência imedia- mente associados à emergência de EVNs de algum
ta do cliente, nomeadamente daqueles aspectos da tipo específico.
experiência que se relacionam com a pessoa do te-
rapeuta ou com qualquer aspecto do processo tera- O sistema por nós adoptado para identificar as EVN,
pêutico. Sabe-se por exemplo, que casos em que o o Sistema de Observação da Responsividade Tera-
cliente não vê as suas necessidades atendidas em te- pêutica SORT (Sousa, Ribeiro & Horvath, 2009)
rapia são mais vulneráveis ao aparecimento de rup- concebe-as como marcadores que emergem no de-
turas e resultados pobres (e.g., Iwakabe, Rogan, & curso da interacção terapêutica e que indicam uma
Stalikas, 2000; Horvath & Bedi, 2002). Também oportunidade para a responsividade do terapeu-
Iwakabe e colaboradores (2000), verificaram que ta. Essas necessidades expressas verbalmente pe-
em sessões com baixa aliança, o cliente expressa- lo cliente podem ser de diferentes tipos: vontades,
va emoções mais direccionadas para o terapeuta. Os intenções e expectativas do cliente; dificuldades de
autores verificaram ainda que nas díades com alian- natureza intra ou interpessoal; dúvidas, incertezas
ça elevada os terapeutas mostraram maiores níveis ou dilemas do cliente e por fim vontades ou pedidos
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do Working Alliance Inventory, Horvath & Green- tópico, deferência e submissão, incongruência entre
berg 1994), versão reduzida para o cliente. Este ins- afecto e discurso e o auto-criticismo e/ou desânimo.
trumento foi utilizado para avaliar a qualidade da Os marcos de ruptura de confronto são: insatisfação
aliança terapêutica e foi preenchido no final de ca- com o terapeuta; o paciente rejeita a formulação,
da sessão como parte de um questionário pós sessão interpretação ou intervenção de forma não colabo-
(QPS, Safran), traduzido para a população portu- rativa; insatisfação com as actividades da terapia;
guesa. O IAT é composto por três sub-escalas: (1) insatisfação com os parâmetros da terapia; insatis-
acordo nas tarefas realizadas; (2) acordo relativa- fação com o progresso da terapia; o paciente defen-
mente aos objectivos e (3) desenvolvimento da li- de-se do terapeuta e, por último, esforços directos
gação ou vínculo entre terapeuta e cliente. A versão para controlar/pressionar o terapeuta. Na parte final
completa do inventário é constituída por 36 itens do processo de cotação o juiz atribui uma classifi-
e a versão reduzida incluída no QPS é constituída cação geral de evitamento e confronto (com base no
por 17 itens retirados da versão original, perante os numero de marcos e saliência dos mesmos) para a
quais o cliente se posiciona de acordo com uma es- globalidade da sessão. Esta classificação geral que
cala tipo likert de sete pontos (desde 1- “nunca” a deve reflectir o impacto de ambos os tipos de mar-
7 - “sempre”). Quer a versão original, quer a ver- cos na colaboração entre cliente e terapeuta é dada
são portuguesa completa do WAI apresentam índi- numa escala de 5 pontos (desde 1 “não ocorreram
ces elevados de consistência interna e de fidelidade, rupturas, sem significância na aliança” a 5 “ocorre-
nomeadamente, a versão Portuguesa completa apre- ram rupturas, significância máxima”).
senta um Alpha de Cronbach entre 0.83 e 0.93 para
a escala total (Machado & Horvath, 1999). - Sistema de Observação da Responsividade Tera-
pêutica (SORT) (Sousa, Ribeiro, & Horvath, 2009)
-Ruptures Resolution Rating System (3R’s) (Eu- O SORT consiste num sistema de observação da
banks-Carter, Muran, & Safran, 2009) responsividade terapêutica que codifica a expres-
Este manual foi utilizado na identificação de ruptu- são de necessidades do cliente. A codificação é fei-
ras na aliança terapêutica, sendo que o processo de ta com base na transcrição das sessões, podendo no
cotação de rupturas implica que o juiz esteja atento entanto, a visualização das sessões identificar auxi-
durante a visualização do vídeo à presença dos mo- liares não verbais (como interjeições, choro, silên-
mentos em que se tenha observado uma diminui- cios prolongados ou frases incompletas) que, apesar
ção da colaboração nas tarefas ou objectivos ou da de não serem imprescindíveis, podem facilitar e re-
ligação entre terapeuta e cliente. Posteriormente o forçar a identificação dos Eixos e Tipos de EVN.
juiz identifica o tipo de ruptura presente (evitamen- O SORT organiza a multiplicidade de necessidades
to, confronto ou uma mistura de ambos) e o subti- expressas verbalmente pelo cliente em quatro Eixos
po dentro de cada grupo tendo em conta a definição e respectivos Tipos de marcadores de EVN: (1) Ei-
operacional dos diferentes marcos descritos no ma- xo A – Eixo do Querer, que engloba os marcado-
nual. Os marcos de evitamento descritos no manual res de EVN A.1. Vontades/Motivações relacionadas
são: negação, resposta mínima, comunicação abs- com a mudança, A.2. Vontades/Motivações relacio-
tracta, storytelling de evitamento e/ou mudança de nadas com o problema e A.3. Expectativas; (2) Ei-
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cliente ao longo da intervenção. A codificação da permite inferir uma relação entre duas séries de da-
EVN foi efectuada de forma independente e cega à dos recolhidas ao longo do processo de um estudo
identificação de rupturas da aliança. de caso único. O programa assegura o tratamento da
influência de auto-correlações entre os dados, acau-
Procedimentos de validação telando erros do tipo I. As correlações obtidas pe-
A cotação das rupturas na aliança terapêutica rea- lo programa são calculadas assumindo a correcção
lizou-se com o recurso a três juízes com treino no de Bonferonni. Utilizamos neste estudo a versão do
Ruptures Resolution Rating System (3R’s) Manu- mesmo software para dados não paramétricos uma
al (Eubanks-Carter, Muran, & Safran, 2009). Um vez que a análise exploratória de dados revelou que
dos autores do estudo cotou como juiz a totalidade os dados não obedeciam a uma distribuição normal.
da amostra e os restantes dois juízes cotaram 37.5%
das sessões, para as quais foi realizado o cálculo do Num segundo momento, procedemos a uma análi-
acordo inter-juízes. Este valor foi calculado para os se qualitativa da co-ocorrência do tipo de marcos
scores globais de evitamento e de confronto de cada rupturas e do tipo de marcos de EVN. Esta análise
sessão, usando-se o coeficiente de correlação intra- foi efectuada para cada uma das sessões do proces-
-classes, sendo que o valor obtido para o evitamento so, considerando a co-ocorrência ao nível episódio.
foi de 0.583 e para o confronto de 0.956.
As codificações da EVN foram realizadas por três Resultados
juízes com treino no SORT (Sousa, Ribeiro, & Hor-
vath, 2010), tendo o treino apenas sido concluído Começaremos por descrever os resultados relativos
quando os juízes chegaram a um grau de acordo in- à emergência de marcadores de rupturas e da EVN.
ter-juízes superior a 0.7 (r = 0.89). No que respei- Posteriormente, apresentamos os resultados da aná-
ta às codificações da amostra deste estudo, um dos lise quantitativa de série temporais efectuada e por
autores do estudo cotou a totalidade das sessões e fim da análise qualitativa da co-ocorrência dos mar-
os restantes dois juízes cotaram independentemen- cadores de ruptura e de EVN identificados.
te 30% das sessões, recorrendo à metodologia de
consenso nas codificações em que se verificou de- Resultados dos marcadores de rupturas
sacordo. O gráfico 1 ilustra o número de marcos de ruptura
identificados em cada sessão do processo terapêu-
Procedimentos de análise tico. Ao longo da terapia foram cotados 36 mar-
Realizamos uma análise de Séries Temporais (Bor- cadores de ruptura dos quais 25% são marcadores
ckardt, Nash, Murphy, Moore, Shaw, & O’Neil, de evitamento e 75% são marcadores de confron-
2008) de modo a compreender de que modo co-va- to. Apesar de se terem identificado vários marcos
riavam ao longo do tempo as duas variáveis em es- de confronto nomeadamente de insatisfação com
tudo: as rupturas na aliança e a expressão verbal de as actividades da terapia, a intensidade desses mar-
necessidades por parte do cliente. Para isso recorre- cos não foi muito elevada, o que de algum modo é
mos ao software estatístico SMA Simulation Mode- congruente com os valores elevados da aliança te-
ling Analysis (S.M.A. 8.3.3., Borckardt, 2006), que rapêutica pontuados pelo cliente. Observa-se uma
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prevalência das rupturas de confronto ao longo do De um modo global, observa-se um número cres-
processo psicoterapêutico e um número mais eleva- cente de marcadores de EVN ao longo do processo
do de marcadores de ruptura até à 12ª sessão, sendo psicoterapêutico.
que a partir daí o número de marcadores de ruptura
observados diminui. Apenas não foram identifica- Apesar de pouco frequentes, os marcadores de
das rupturas na 13ª, 18ª e 19ª sessões. EVN do Eixo do Querer emergem a partir da 5ª
sessão, estando mais presentes nas últimas sessões
Resultados dos marcadores de expressão verbal de do processo psicoterapêutico. No que concerne
necessidades aos marcadores de EVN do Eixo das Dificuldades,
O gráfico 2 ilustra o número de marcadores de EVN verifica-se uma emergência oscilante mas tenden-
identificados em cada sessão do processo terapêu- cialmente crescente no decorrer do processo. Os
tico. Ao longo do processo psicoterapêutico foram marcadores da EVN do Eixo das Hesitações são
cotados 425 marcadores de EVN, dos quais 14% residuais ao longo de todo o processo, tendo sido
são marcadores de Eixo do Querer, 45% são mar- observado o valor mais elevado na penúltima ses-
cadores do Eixo das Dificuldades, 5% são marcado- são. Por fim, os marcadores do Eixo dos Pedidos
res do Eixo das Hesitações e 36% são marcadores Directos – relacionados com a terapia, o terapeu-
do Eixo dos Pedidos Directos. ta ou a relação terapêutica – emergem de um modo
oscilante ao longo do processo, tendo sido obser- res de EVN numa sessão influencia um aumento do
vado o valor mais elevado na 12ª sessão e o valor número de marcos de ruptura três sessões mais tarde.
mais baixo na 16ª sessão.
Resultados da análise qualitativa dos marcos de
Resultados da análise Time Series rupturas e marcadores de EVN
A análise de Time Series evidenciou a existência de Os momentos nos quais foram identificados mar-
três correlações estatisticamente significativas: uma cos de ruptura e marcadores de EVN foram detalha-
correlação positiva, na Lag -3 (r=.18, p< .05), o que damente analisados verificando-se que em todas as
significa que um aumento do número de marcos de sessões nas quais se detectaram marcos de ruptura
rupturas numa sessão influencia um aumento do nú- (13 das 16 sessões analisadas) co-ocorreu a emer-
mero de marcadores de EVN três sessões mais tar- gência de marcadores de EVN. A tabela 1 repre-
de; (2) uma correlação positiva, na Lag +2 (r=.37, senta os marcos de ruptura e de EVN coincidentes,
p< .05), o que indica que um aumento dos marcado- observando-se que uma das associações mais fre-
res de EVN numa sessão influencia um aumento do quentes é a coincidência entre o marco de ruptura
número de marcos de ruptura duas sessões mais tar- de confronto insatisfação com as actividades da te-
de e (3) uma correlação positiva, , na Lag +3 (r=.12, rapia e a o marco de expressão de dificuldades rela-
p< .05), o que traduz que um aumento dos marcado- cionadas com a terapia.
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Cliente: Pois que eu não consigo muito mais as- Cliente: É que já está tão interiorizado… há épo-
sim, não sei é tudo inconsciente, o que for ago- cas em que não tenho isto, mas há outras em que fi-
ra, já também, já passou algum tempo, mas co assim muito...
mesmo não sei a origem sempre, é o problema é Terapeuta: E nessas épocas é que devemos mobili-
sempre esse. zar as nossas estratégias.
Terapeuta: Mas por exemplo, o João já avançou Cliente: Eu quando estou mal uso o comprimi-
mais um bocadinho... “o que é que aconteceria se do. Pronto e às vezes nem o comprimido faz o tal
desmaiasse, o que é que aconteceria se os outros me efeito.
vissem naquele estado”.
Cliente: Pois mas isso também, eu acho que Discussão
qualquer pessoa ia, pelo menos, ia pensar as-
sim, não é? Os resultados deste estudo de caso, quer ao nível da
Terapeuta: Exactamente... (sobrepõe-se o discur- emergência de rupturas na aliança quer ao nível da
so de ambos) expressão verbal de necessidades, contribuem para
Cliente: É o que eu acho. uma reflexão sobre a qualidade da interacção tera-
Terapeuta: Mas isso são pensamentos essenciais pêutica que terá influenciado o insucesso terapêuti-
para nós... co verificado neste caso. Estes resultados parecem
Cliente: Pois, o que eu acho é que é comum, que também de algum modo desafiar a relação entre
qualquer pessoa, sei lá, pelo menos é, do que eu qualidade da aliança e resultados terapêuticos. Isto
conheço, das pessoas que conheço é que...assim… porque, apesar da avaliação da aliança, na perspecti-
qualquer pessoa pensa aquilo que eu penso. va do cliente, ter sido sempre elevada, quando anali-
sada a um nível microscópico e ao longo da sessão,
Ao nível das rupturas de evitamento o marco mais nem sempre se observou a interacção colaborativa
frequente foi o de auto-criticismo ou desanimo que que se esperava estar associada a uma aliança tera-
se manifesta pela ocorrência de um afastamento pêutica de qualidade. De facto, o cliente manifestou,
do cliente da interacção com o terapeuta entrando desde o início e ao longo do processo, insatisfação
num processo depressivo e/ou de autocrítica que com a terapia e verbalizou dificuldades relaciona-
parece limitar a possibilidade de ajuda do terapeu- das com as tarefas terapêuticas. Estas expressões de
ta. Este marco co-ocorreu em alguns casos com a insatisfação relacionadas com a terapia implicaram
expressão verbal de dificuldades intrapessoais tal quebras na colaboração terapêutica que, variando
como se observa na ilustração clínica 2, ocorrida ao longo do processo, se associaram na mesma ses-
na 12ª sessão. são ou em sessões posteriores com a expressão de
necessidades ou dificuldades também relacionadas
Ilustração clínica 2: com a terapia, por parte do cliente. A associação
Terapeuta: Agora o desafio é tentar ficar bem, não é? dos marcos de ruptura de confronto, particularmen-
Cliente: Pois, isso é o que eu... Mas eu já tenho is- te do marco de insatisfação com as actividades da
to para aí há dez anos... terapia, com marcadores de EVN do eixo D (difi-
Terapeuta: Exactamente. culdades relacionadas com a terapia), compreende-
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-se, por um lado, pelo facto de a sintomatologia do so de mudança, expressando as suas dificuldades,
cliente conduzir a dificuldades na execução das ta- parece fazê-lo protegendo a relação e abdicando da
refas terapêuticas propostas pelo terapeuta e pela afirmação da sua agência pessoal (Safran & Muran,
persistência da intervenção dirigida à gestão dessa 2000). Na fase final (a partir da 17ª sessão), come-
sintomatologia. Em nosso entender, a maior percen- ça a registar-se o marco de ruptura de confronto de
tagem de rupturas de confronto durante a primeira insatisfação com o progresso da terapia associado
fase da terapia e sua diminuição a partir da 12ª ses- à EVN relativas a pedidos directos (eixo D), ou se-
são, associada a um aumento de expressão verbal ja ligadas a aspectos da terapia, do terapeuta ou da
de necessidades, também estas relacionadas com relação terapêutica. Nesta altura, apesar de a inter-
dificuldades na terapia ou de natureza intra-pesso- venção estar na fase final, não se verificaram me-
al, sugere mais um desinvestimento / desistência lhorias significativas na sintomatologia do cliente,
por parte do cliente relativamente à terapia, do que e este parece já não estar tão preocupado em prote-
propriamente uma resolução das mesmas, como se- ger a relação.
ria de supor. O desenvolvimento da interacção ao
longo do caso sugere também esta desistência pro- O resultado da análise de séries temporais, em
gressiva do cliente, dado que ao longo do proces- que de um modo significativo um aumento de rup-
so, quer os marcos de ruptura identificados, quer os turas leva a um aumento na expressão verbal de
marcadores de EVN deixam transparecer as dificul- necessidades 3 sessões mais tarde, faria sentido
dades do cliente na adesão à terapia e aos desafios teoricamente em casos em que as rupturas foram
que esta lhe coloca. Assim, na fase inicial da tera- adequadamente resolvidas, uma vez que esse pro-
pia observa-se uma prevalência dos marcos de rup- cesso de resolução promove a maior colaboração
tura relativos à insatisfação com as actividades da do cliente nas actividades da terapia e por isso se-
terapia e um aumento das EVN do tipo dificuldades ria de esperar maior abertura para a expressão de
relacionadas com a terapia, associadas às dificulda- necessidades por parte do cliente (principalmen-
des do cliente realizar tarefas terapêuticas propostas te do eixo A e B). Neste caso não parece ser esse
como por exemplo a identificação de pensamentos o mecanismo que explica a associação pois, sen-
disfuncionais e de pensamentos alternativos. Assim, do um caso de insucesso, é mais provável que as
o cliente começa por invalidar as propostas do tera- rupturas não tenham sido adequadamente resolvi-
peuta que exigem de si uma postura mais activa face das. Sendo assim, e como discutimos acima, este
à sua própria mudança, sugerindo um desencontro aumento de EVN num momento posterior à emer-
na colaboração terapêutica (Ribeiro, Gonçalves, & gência das rupturas parece reflectir essa não reso-
Horvath, 2009). Numa segunda fase (da 8ª à 16ª ses- lução, tanto mais que as necessidades expressas
são) começa a assistir-se ao aparecimento do marco são relacionadas directamente com a terapia.
de ruptura de evitamento auto-criticismo e/ou desâ-
nimo associado à EVN do eixo das dificuldades (ei- Por outro lado, um aumento de expressão verbal de
xo B), o que está associado ao facto da terapia não necessidades leva a um aumento de rupturas 2 e 3
surtir os resultados esperados pelo cliente. Neste ca- sessões mais tarde, pode ser explicada por um me-
so o cliente apesar de continuar a investir no proces- canismo semelhante, ou seja, o cliente expressa re-
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