Filipe - Marcel - Brito - Souza Eugenia
Filipe - Marcel - Brito - Souza Eugenia
Filipe - Marcel - Brito - Souza Eugenia
CURITIBA
2013
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
CURITIBA
2013
AGRADECIMENTOS
Dedico este pequeno escrito, primeiramente, aos meus familiares pelo apoio
incondicional. Aos meus pais Maricelia e Barros, minhas irmãs May e Ry, e minha
avó Evanira: obrigado por tudo.
Agradeço a todos os que de alguma forma contribuíram nesta minha
caminhada acadêmica, seja no curso de Direito ou no curso de História, sendo que
eu não poderia deixar de mencionar especificamente aqui dois nomes: Denise e
Maria Tereza.
Agradeço também o apoio de minha orientadora Profª Drª Karina Bellotti, que
sempre atendeu de forma pronta e solícita aos meus intempestivos chamados.
RESUMO
INTRODUÇÃO........................................................................................................... 5
1. A EUGENIA: HISTÓRICO E CONCEITOS............................................................. 9
1.1 O MOVIMENTO EUGÊNICO BRASILEIRO E A TRAJETÓRIA DE RENATO
KEHL......................................................................................................................... 13
1.2 OS FUNDAMENTOS DA EUGENIA DE RENATO KEHL............................... 20
2. APROXIMAÇÃO DE RENATO KEHL À EUGENIA NEGATIVA........................... 24
3. EUGENIA NEGATIVA EM LIÇÕES DE EUGENIA............................................... 30
3.1CONCEITO...................................................................................................... 30
3.2 REGULAMENTAÇÃO EUGÊNICA DO CASAMENTO.................................... 31
3.3 RAÇA, MISCIGENAÇÃO E IMIGRAÇÃO....................................................... 34
3.4 ESTERILIZAÇÃO E ABORTO......................................................................... 38
CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................... 40
REFERÊNCIAS......................................................................................................... 43
5
INTRODUCÃO
1 DIWAN, Pietra. Raça Pura: uma história da eugenia no Brasil e no mundo. São Paulo: Contexto,
2007. p. 125.
2 NALLI, Marcos. Antropologia e Racismo no Discurso Eugênico de Renato Kehl. Teoria e Pesquisa,
São Carlos. p. 120.
3
NALLI, Marcos. Antropologia e segregação eugênica: uma leitura das lições de Eugenia de Renato
Kehl. In: BOARINI, M. L. Higiene e raça como projetos. Maringá, Eduem, 2003. p. 166
4 DIWAN, Pietra. Op. cit., p. 128.
5
Idem, Ibidem.
6
6
STEPAN, Nancy. A Hora da Eugenia: raça, gênero e nação na América Latina. Rio de Janeiro:
Cadernos de Saúde Pública, 2006.
7
SOUZA, V. S. A "eugenia negativa" nos trópicos: a polítca biológica e a construção da nacionalidade
na trajetória de Renato Kehl (1928-1932). In: XII Encontro Regional de História - Usos do Passado,
2006, Niterói. p. 01.
8
Idem, Ibdem.
9
STEPAN, Nancy. Op. cit., p. 56.
10
SOUZA, V. S. Op. cit., p. 01.
11
DIWAN, Pietra. Op. cit., p. 124.
12
SOUZA, V. S. Op. cit., p. 01.
13
Idem, p. 02.
7
14
STEPAN, Op. cit., p.13.
15 Idem, Ibidem.
16
RODRIGUES DA SILVA, H. Fragmentos da história intelectual: entre questionamentos e
perspectivas. Campinas: Papirus, 2002. p. 12.
8
monografia pretende fazer uma análise mais pontual de práticas e políticas, muitas
delas ligadas a eugenia negativa, que encontram-se presentes na obra aqui em
análise.
9
17
KEHL, Renato. Lições de Eugenia. Rio de Janeiro: Editora Francisco Alves, 1º edição, 1929. p. 130.
18
STEPAN, Nancy Leys. A Hora da Eugenia: raça, gênero e nação na América Latina. Rio de Janeiro
Cadernos de Saúde Pública, 2006. p. 9.
19
SCHWARCZ, Lilian Moritz. O espetáculo das raças. São Paulo, Companhia das Letras, 1993. p. 60.
20
STEPAN, Op. cit., p. 09.
10
21
STEPAN, Op. cit., p. 09.
22
Idem, p. 32.
23
BOARINI, M. L. Higienismo, Eugenia e naturalização do social. In: BOARINI, M. L. Higiene e raça
como projetos: higienismo e eugenismo no brasil. Maringá, Eduem, 2003. p. 28.
24
Idem, p. 29.
25
STEPAN, Op. cit., p. 10.
26 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e Ambivalência. Rio de Janeiro: Zahar, 1999. p.41.
27
SCHWARCZ, Lilian Moritz. Op. cit., p. 60.
28
BOARINI, M. L. Op. cit., p. 29.
11
29
BAUMAN, Zygmunt. Op. cit., p.33.
30
Idem, p.44.
31
STEPAN, Op. cit., p.12.
32
Idem, p. 14.
33
MAZOWER, Mark. Continente sombrio: a Europa no século XX. São Paulo: Cia das Letras, 2001.
pp. 87-89.
12
34
MAZOWER, Mark. Op. cit., pp. 98-99.
35
Idem, p. 99.
36
Sobre biopoder: FOUCALT, Michel. História da Sexualidade: vontade de saber. São Paulo: Graal,
1988.
37
STEPAN, Op. cit., p.14.
38
Idem, pp. 23-24.
13
resoluções de compromisso.39
O movimento eugênico brasileiro faz parte, de forma generalizada, de uma
gama de movimentos da denominada “eugenia ordinária”40, em contraposição com a
extraordinária, brutal e excessiva eugenia nazista alemã. As ideias de Renato Kehl,
no entanto, representam uma espécie de início de ruptura com os pensamentos
dominantes na eugenia brasileira, quando passa a se inspirar, na década de 1920,
no movimento eugenista que se desenvolve na República de Weimar na
Alemanha.41 Vamos então, a seguir, como se desenvolveu o movimento no país, e
como Kehl atuou neste processo.
39
STEPAN, Op. cit., p. 24.
40
Não queremos aqui criar uma nova conceituação, apenas enfatizar que a eugenia nazista,
radicalizada pelas leis raciais de 1935, não pode ser analisada pelos mesmos parâmetros da eugenia
“comum”, existente no mundo até então, e inclusive na própria Alemanha anteriormente. Esse
conjunto de leis instaladas pelos nazistas, a partir de 1935, pretendia a criação de uma super raça
nórdica e proibiu os casamentos inter-raciais, além de prever esterilizações em massa, e a prática da
eutanásia. Sofreram com a radicalidade destas leis, inclusive com prática genocida da eutanásia,
para além dos judeus e ciganos durante a 2ª Guerra Mundial, doentes mentais e físicos,
homossexuais, alcoólatras, incapazes, idosos, prostitutas, crianças nascidas com má formação,
dentre outros casos. Assim o nazismo utilizou-se de ideias eugênicas para legitimar práticas sem
nenhum precedente. Os eugenistas, mesmo os alemães, não eram, de forma alguma, favoráveis ao
extermínio em massa, sendo que alguns deles, como Franz Kallmann, eram de origem judaica.
41
SOUZA, V. S. A "eugenia negativa" nos trópicos: a política biológica e a construção da
nacionalidade na trajetória de Renato Kehl (1928-1932). In: XII Encontro Regional de História - Usos
do Passado, 2006, Niterói. p. 04.
42
KEHL, R. Op. cit., pp. 15-16.
14
procuraram atribuir ao país um status que, aos seus olhos, não possuía: o de ser
uma nação.43 A ideia de nação, na modernidade, consiste de uma associação entre
povo e Estado visando o bem comum. Está o conceito vinculado a diversos
elementos como povo, território, cultura, corpo de leis, dentre outros. Os eugenistas,
enquanto parte da “elite intelectual” brasileira, procuraram dar sua contribuição para
a solução do problema da formatação da nação brasileira.
Nas primeiras duas décadas do século XX, o Brasil era um líder na América
Latina em ciências biomédicas e saneamento, sendo o primeiro a estabelecer
formalmente uma sociedade eugênica. A população brasileira era racialmente mista,
analfabeta e pobre, e quando surgiu a ciência eugênica a pequena inteligência do
país, em grande parte de ascendência europeia, há muito se preocupava com a
identidade racial e a saúde da nação. A noção de que o aprimoramento racial
poderia ser conseguido cientificamente teve, portanto, considerável atrativo para os
médicos e reformadores sociais. Nessas circunstâncias, havia potencial para um
movimento extremista de raça e higiene assim como espaço para espaço político
para definições menos extremadas do sentido da eugenia para a nação.44
O Brasil constitui uma das diversas nações onde, a partir da primeira década
do século XX, podemos encontrar manifestações intelectuais referentes à eugenia.
Antes do aparecimento das manifestações acerca da eugenia, já existia no país,
desde o século anterior, a circulação de idéias racistas e degeneracionistas entre
intelectuais e médicos brasileiros.45 Os movimento higienista e sanitarista, também
fruto deste momento histórico, são muitas vezes colocados como percursores do
movimento eugênico brasileiro, tendo em vista o envolvimento de muitos nomes
ligados a estes movimentos com a causa eugênica. Nomes como os de Edgar
Roquette-Pìnto e Belissário Pena, defensores dos ideais higienistas, foram pioneiros
na defesa também da eugenia, sempre aderindo à propostas da eugenia positiva,
profilática e não radical.46 A doutrina sanitarista e higienista foi desencadeada pela
presença da doença como grande obstáculo a ser superado pelo país, considerando
elementos como natureza, clima e raça, o ideário propunha a cura da população
através das novas descobertas da microbiologia e bacteriologia, e no conhecimento
43
NALLI, Marcos. O Gene Educado: a antropologia eugênica de renato kehl e a educação. 2000.
215 p. Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Maringá, 2000. p.47.
44
STEPAN, Op. cit., pp. 20-21
45
DIWAN, Pietra. Raça Pura: uma história da eugenia no Brasil e no mundo. São Paulo: Contexto,
2007. p. 88.
46
Idem, p. 114.
15
47
MAI, L. D. Difusão dos ideáriso higienistas e eugenistas no Brasil. In: BOARINI, M. L. Higiene e
raça como projetos. Maringá, Eduem, 2003. p. 45.
48
MARQUES, V. R. B. A Medicalização da Raça: Médicos, Educadores e Discurso Eugênico. 1ª. ed.
Campinas: Editora da UNICAMP, 1994. p. 52.
49
Idem, Ibidem.
50
MARQUES, V. R. B. Op. cit.,p. 52.
51
DIWAN, P. Op. cit., p. 88.
52
Idem, Ibidem.
53
KEHL, Renato. Op. Cit., p. 5.
54
MARQUES, V. R. B. Op. Cit., p. 52.
55
Idem, p. 53.
16
56
KEHL, Renato. Op. Cit., pp. 15-16. Procuraremos manter a grafia original do português da época
de produção do autor em estudo.
57
STEPAN, Nancy. Op. cit., p. 55.
58
Idem, p. 45.
59
KEHL, Renato. Op. cit., p.16.
60
MARQUES, V. R. B. Op. cit., p. 53.
61
Idem, p. 54.
17
62
MARQUES, V. R. B. Op. cit., p. 55.
63
REIS, J. R. F. Higiene Mental e Eugenia: o projeto de regeneração nacional da liga brasileira de
higiene mental. 1994. 341p. Dissertação de Mestrado. Universidade de campinas, 1994. p. 50.
64
KEHL, R. Op. Cit., p. 14.
18
65
STEPAN, N. Op. cit.
66
SOUZA, V. S. A "eugenia negativa" nos trópicos: a polítca biológica e a construção da nacionalidade
na trajetória de Renato Kehl (1928-1932). In: XII Encontro Regional de História - Usos do Passado,
2006, Niterói. p. 02.
19
67
SOUZA, V. S. A "eugenia negativa" nos trópicos: a polítca biológica e a construção da
nacionalidade na trajetória de Renato Kehl (1928-1932). In: XII Encontro Regional de História - Usos
do Passado, 2006, Niterói. p. 02.
68
Idem, Ibidem.
69
STEPAN, N. Op. cit., p. 216.
70
DIWAN, P. Op. cit., p. 150.
71
Kehl é considerado um dos pioneiros no estudo da psicologia da personalidade no Brasil.
Atualmente é patrono da cadeira nº 13 da Academia Paulista de Psicologia.
20
72
NALLI, M. A. G. Antropologia e Segregação Eugênica: Uma Leitura das Lições de Eugenia de
Renato Kehl. In: BOARINI, M. L. (organizadora). Higiene e Raça como Projetos: Higienismo e
Eugenismo no Brasil. Maringá: Eduem, 2003. p. 169.
73
KEHL, Renato. Op. cit., p. 130.
74
NALLI, M. A. G. 2003. Op. cit., p. 169.
75
KEHL, Renato. Op. Cit., p. 134.
76
NALLI, M. A. G. 2003. Op. cit., p. 169.
21
77
NALLI, M. A. G. 2003. Op. cit., p. 170.
78
STEPAN, N. Op. Cit., p. 32.
79
KEHL,R. Op. Cit., p. 66.
80
NALLI, M. A. G. 2003. Op. cit., p. 170.
81
KEHL, R. Op. Cit., Introdução.
82
NALLI, M. A. G. 2003. Op. cit., p. 170.
83
DIWAN, Pietra. Op. cit., p. 128.
84
NALLI, M. A. G. 2003. Op. cit., p. 171.
22
conta de sua defesa das teorias de Mendel, Weismann e Galton, que refutam a
hipótese de transmissibilidade dos caracteres adquiridos.85
No que tange aos fatores epistemológicos do pensamento de Kehl, em
especial no que tange a Genética e ao Neo-darwinismo, o autor não parece
conceber a possibilidade de alguma interação entre os fatores genéticos e os
demais fatores sistêmicos que interferem e condicionam o desenvolvimento do
organismo, especificamente o organismo humano como ambiente, condições
sociais, econômicas e culturais.86 Assim podemos considerar que a eugenia
propalada pelo autor é marcada, especialmente à partir da obra em estudo, por um
determinismo genético, sendo dotada de uma visão naturalista e a-histórica da
relação entre o indivíduo e a sociedade.87
Quanto ao caráter das raízes antropológicas da ideia de eugenia de Renato
Kehl, podemos dizer que este aspecto estava ligado ao grande problema
diagnosticado pela elite intelectual brasileira: a chamada questão nacional, ou seja,
a questão de como o Brasil poderia se configurar como nação. Marcos Nalli88 aponta
a concepção antropológica de Renato Kehl, através da análise de Lições, apontando
três temas principais: sua abordagem dos tipos antropológicos enquanto tipos
eugênicos; sua franca oposição às políticas de imigração no Brasil; e sua
explanação sobre o que denominou fautores disgênicos. A questão dos tipos
antropológicos era uma questão de cunho racial proeminente: consistia,
basicamente, na determinação das principais características de cada grupo racial, e
que relações havia entre tais grupos raciais, e que relações havia entre tais grupos.
Kehl deslocou essa discussão para a caracterização dos tipos eugênicos. Neste
contexto de caracterização o dado importante consiste no fato de que para Kehl não
havia um tipo ideal padrão que servisse de modelos para os demais, havia apenas
uma linha de mediana onde os sujeitos se enquadravam. Resulta disto duas classes
de tipos eugênicos: a aristogenia, que se configura como a classe genética
eugenicamente superior, e a cacogenia constituída de indivíduos inferiores. Estes
últimos poderiam adquirir um caráter genético degradante denominado disgenia. O
escopo da eugenia de Kehl, então, consistiria no direcionamento das variações
eugênicas em direção a aristogenia. Neste sentido Kehl passa a combater a prática
85
NALLI, M. A. G. 2003. Op. cit., p. 171.
86
Idem, Ibdem.
87
DIWAN, Pietra. Op. cit., p. 134.
88
NALLI, M. A. G. 2003. Op. cit., pp. 172-175.
23
89
NALLI, M. A. G. Antropologia e Racismo no Discurso Eugênico de Renato Kehl. Teoria e Pesquisa,
São Carlos. p. 138.
24
90
MARQUES, V. R. B. Op. cit., p. 68.
91
Idem, Ibidem.
92
STEPAN, Nancy Leys. Op. cit., p. 76.
93
Idem, Ibidem.
94
Idem, pp. 78-79.
25
destes países.95
Este momento em que as ideias eugenistas de Renato Kehl se radicalizam,
ocorre simultaneamente a efervescência do movimento eugênico europeu,
notadamente na Alemanha. Renato Kehl procurou alinhar-se com as tendências
científicas europeias, correspondendo-se com instituições como o Instituto de
Antropologia de Viena, na Áustria, e o Instituto de Biologia Racial de Uppsala, na
Suécia.96 Esta participação em rede global de pesquisa, buscando as ideias mais
avançadas disponíveis, colocam Kehl em uma posição de vanguarda na 'ciência'
eugênica na América Latina. Nesta região do mundo a eugenia não costumava estar
associada, como na Grã-Bretanha, a controvérsias sobre os méritos relativos à
biometria e a genética mendeliana.97 Renato Kehl passa se apropriar destes termos
e a expressar ideias eugênicas negativas, inspiradas nos conceitos alemães de
controle deliberado da reprodução humana.98
Coincidência ou não, as ideias de R. Kehl se radicalizaram a partir de um
contexto em que ascendia no Brasil um movimento nacionalista, de ordem política e
cultural, que visava “salvar a nação”.99 O contexto mundial do entreguerras
fomentava a gênese de regimes totalitários como o nazismo alemão, que teria
levado a eugenia as últimas consequências. A eugenia, no entanto, e como bem
demonstra Diwan100, foi movimento que manifestou-se em diversos países, de
formas diversas, mas também interligadas, como podemos detectar na obra de Kehl.
Na obra em análise podemos constatar o diálogo com diversos cientistas europeus e
norte-americanos, denotando o caráter mundial do movimento eugênico.
Como a presente pesquisa já delineou, o pensamento de Renato Kehl acerca
da eugenia passou, a partir do final da década de 1920, a adquirir um tom mais
radical, propondo práticas que podem ser enquadradas dentro do conceito de
eugenia negativa. As medidas defendidas pelo autor podem ser mais
95
STEPAN, Nancy Leys. Op. cit., pp. 82-83.
96 SOUZA, V. S. . A "eugenia negativa" nos trópicos: a polítca biológica e a construção da
nacionalidade na trajetória de Renato Kehl (1928-1932). In: XII Encontro Regional de História -
Usos do Passado, 2006, Niterói. p. 03.
97 STEPAN, Nancy. Op. cit., p. 49.
98 KEHL, Renato. Lições de Eugenia. Rio de Janeiro: Editora Francisco Alves, 1º edição, 1929, p.
150.
99
NALLI, Marcos. Antropologia e Racismo no Discurso Eugênico de Renato Kehl. Teoria &
Pesquisa,São Carlos, v. 47, p. 128. Apud: OLIVEIRA, Lúcia Lippi. A Questão Nacional na Primeira
República. São Paulo: Brasiliense, 1990.
100 DIWAN, Pietra. Raça Pura: uma história da eugenia no Brasil e no mundo. São Paulo: Contexto,
2007.
26
101 REIS, José Roberto Franco. Degenerando em Barbárie: A hora e a vez do eugenismo radical. In:
BOARINI(org). Higiene e raça como projetos: higienismo e eugenismo no Brasil. Maringá: Eduem.
2003. p.188.
102
DIWAN, Op. cit., p. 105.
103 Idem, p.189.
104 REIS, José Roberto Franco. Op. cit., p.189.
27
meses pela Alemanha.110 O contato que se deu nesta viagem entre o brasileiro e as
instituições eugênicas alemãs, como o Instituto de Eugenia de Berlin por exemplo, e
ainda com eugenistas como Eugen Fischer, Herman Muckermann, Herman
Lundborg, despertou a atenção de Kehl para as principais questões que dominavam
os movimentos eugênicos no norte da Europa como a seleção social e a aplicação
da política eugênica, como um programa para a política nacional.111 A impressão que
Kehl obteve pela observação do panorama alemão, por ocasião de sua viagem ao
país, foi a de que este país mostrava grande preocupação com a capacidade racial
da população e com a produção de um maior número de homens válidos. Seria
possível, segundo Renato Kehl, como no caso da Alemanha, construir no Brasil
“condições preliminares mais necessárias a reconstrução da cultura presente.
O plano eugênico alemão de construir uma “raça forte”, preservando a
tradição arianista e o ideal de formação de um homem superior, causou grande
impressão eugenista brasileiro. Em Lições de Eugenia, podemos constatar algumas
referências elogiosas ao movimento eugênico alemão. Nesta obra é que Kehl passa
a sugerir as medidas eugênicas que caracterizavam a eugenia negativa alemã.112
Mais sintomático ainda foi o fato do autor destacar na segunda edição deste
livro, publicado em 1935, a importância da criação do “Tribunal Eugênico” alemão,
no qual Hitler havia instituído “um verdadeiro Código de proteção racial”. Em suas
palavras, é na Alemanha “onde se pratica, atualmente, a eugenia com mais
amplitude e coragem”.
Renato Kehl havia retornado de sua viagem a Europa, no ano de 1928, com
anotações, bibliografia e impressões recolhidas em suas visitas aos institutos de
Eugenia no norte Europeu. Logo após este contato mais aproximado com aas
teorias e práticas da eugenia européia, notadamente da eugenia alemã, o autor
passa a se dedicar a escrita de seu compendio Liçoes de Eugenia. Como parece ter
acontecido, a escrita de Lições foi um esforço do seu autor para colocar em ordem a
ciência eugênica que ele havia encontrado em solo europeu.
A obra Lições de Eugenia, quando de sua publicação, foi cercada de diversas
polêmicas tendo em vista alguns temas que tratava, sendo que estas polêmicas
110
ROBERT, Wegner. Renato Kehl, a eugenia alemã e a doença de Niestche. Anais do XXVI
Simpósio Nacional de História – ANPUH. São Paulo, julho 2011. p. 03.
111
WEGNER, R. Op. cit., p. 03.
112
SOUZA, V. S. A Política Biológica como Projeto: a 'eugenia negativa' e a construção da
nacionalidade na trajetória de Renato Kehl (1917-1934). Dissertação de Mestrado em História das
Ciências, Casa de Oswaldo Cruz. 2006. p. 141.
29
113
SOUZA, V. S. A Política Biológica como Projeto: a 'eugenia negativa' e a construção da
nacionalidade na trajetória de Renato Kehl (1917-1934). Dissertação de Mestrado em História das
Ciências, Casa de Oswaldo Cruz. 2006. p. 151.
114
Idem, p. 138.
115
Idem, p. 139.
116
Idem, p. 138.
117
Idem, p. 140.
30
3.1 CONCEITO
118
MAI, L. D.; ANGERAMI, E. L. S. Eugenia negativa e positiva: significados e contradições. Revista
Latino-Americana de Enfermagem (Ribeirão Preto), Ribeirão Preto/SP, v. 14, n.2, 2006. p. 254.
119
STEPAN, Op. cit., p. 115.
120
Idem, Ibidem.
31
121
STEPAN, Op. cit., p. 131.
122
CASTAÑEDA, L. A. Eugenia e Casamento. História, Ciências, Saúde – Manguinhos Rio de Janeiro,
vol 10 (3), 901-30 set. – dez. 2003. p. 916.
123
Idem, p. 133.
124
Idem, Ibidem.
32
125
DIWAN, P. Op. cit., pp. 56-57.
126
KEHL, Renato. Op. Cit., p. 161.
127
Idem, p. 264.
128
Idem, Ibidem.
33
129
KEHL, Renato. Op. Cit., p. 264.
130
Doença também conhecida pelo nome de gonorréia.
131
KEHL, Renato. Op. Cit., p. 264.
132
STEPAN, Op. cit., p. 78.
133
Idem, p. 133.
134
Idem, Ibidem.
34
140
MARQUES, V. R. B. Op. cit., p. 86.
141
KEHL, Renato. Op. Cit., pp. 191-196
142
MARQUES, V. R. B. Op. cit., p. 87.
143
Idem, p. 88.
144
Idem, p. 89.
145
KEHL, Renato. Op. Cit., p. 191.
146
Idem, p. 194.
147
Decreto Federal 42.247/1921 em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1920-1929/decreto-
4247-6-janeiro-1921-568826-publicacaooriginal-92146-pl.html.
36
É importante explicar que a imigração japonesa não era uma questão apenas
no Brasil, que diferente de outros países, e a despeito das opiniões como as de
Kehl, continuou a receber imigrantes nipônicos. Em um período anterior, os
japoneses foram proibidos de imigrar para os Estados Unidos, em razão da I Guerra
Mundial, e não eram bem recebidos na Austrália e no Canadá. O Brasil tornou-se,
então, um dos poucos países no mundo a aceitar imigrantes do Japão.152 Era esta
imigração considerada por Kehl como prejudicial a formação da “raça brasileira”.153
A discussão acerca da ideologia racial no Brasil também afetou o modo
148
KEHL, Renato. Op. Cit., p. 196.
149
Idem, Ibidem.
150
http://www.saopaulo.sp.gov.br/imigracaojaponesa/historia.php. acessado em 10/06/2013.
151
KEHL, Renato. Op. Cit., p. 196
152
http://www.saopaulo.sp.gov.br/imigracaojaponesa/historia.php. acessado em 10/06/2013.
153
MARQUES, V. R. B. Op. cit., p. 91.
37
como a eugenia se desenvolveu no país, sendo que vários grupos tentavam usá-la
para seus distintos projetos políticos.154Já nos referimos aqui sobre a necessidade
da intelectualidade brasileira definir o país como nação, a partir da proclamação da
República. Assim a definição do povo brasileiro, ou seja, o tipo antropológico que
definiria a “raça brasileira” foi motivo de análise de Renato Kehl, em se plano para a
regeneração do povo brasileiro. O principal “problema” colocado por Kehl quanto à
questão da “raça brasileira” consistia na miscigenação. O eugenista se colocava em
oposição ao processo de miscigenação racial do povo brasileiro, em Lições.
Podemos observar na obra em estudo que ocorria uma valoração negativa, por parte
do autor, sobre a questão da miscigenação. Para Kehl o motivo da crise racial no
país consistia, em grande parte, na miscigenação do povo. Para salvar este da
catástrofe seria preciso adotar procedimentos eugênicos como o controle de
casamentos e a educação eugênica. O autor esclarece a questão, que era
controversa entre os biólogos da época, dizendo: “(..)somos contrários ao
cruzamento da raça branca com a preta ou amarella, única e exclusivamente, por
motivos eugênicos, sem qualquer outro motivo ou preconceito de superioridade ou
inferioridade.”155
A nacionalidade brasileira não estava, segundo os parâmetros do autor,
psicológica ou plasticamente definida de forma equilibrada.156 Kehl colocava como
justificativa para os vícios e defeitos da sociedade brasileira na questão da
miscigenação. Escreve em Lições, em sua 12ª “lição”:
158
Ato de tornar inapto o indivíduo à reprodução. Os procedimentos cirúrgicos utilizados são a
vasectomia, para os homens, e a laqueadura ou a histerectomia para as mulheres.
159
DIWAN, Pietra. Op. cit., p. 147.
160
KEHL, R. Op. cit., p. 170.
161
CASTAÑEDA, L. A. Eugenia e Casamento. História, Ciências, Saúde – Manguinhos Rio de Janeiro,
vol 10 (3), 901-30 set. – dez. 2003. p. 914.
162
Idem, Ibdem.
39
que estes médicos estariam mais abertos a discussão de uma das questões mais
controversas em termos de aplicação de mediadas eugênicas: a esterilização
involuntária dos “degenerados”. 163
Kehl não desejava, no entanto, privar da vida afetiva e matrimonial os
indivíduos eugenicamente considerados inaptos a reprodução. Considerava que a
prática da esterilização regulada pelo Estado poderia “liberar” os considerados
“inaptos à reprodução” para estas atividades. Diz Kehl que: os indivíduos
considerados inaptos a procriação terão apenas direito aos prazeres do hymeneu164
quando previamente submetidos à esterilização.165
A questão do aborto também entra no debate como medida eugênica, mas
de forma auxiliar aos outros instrumentos de controle da raça, principalmente a
esterilização. O aborto, no Brasil do início do século XX, não seria a medida mais
fácil de se defender, em país com tão vasta área a ser povoada e de ampla maioria
católica. Kehl considera este procedimento, quando não realizado pelo motivo
eugênico, como um atentado à nacionalidade. A lógica do aborto por motivo
eugênico segue a dos motivos de esterilização. Seria considerado o uso de tal
procedimento nos casos de os pais portarem condições como epilepsia, loucura,
alcoolismo crônico dentre outros motivos.166 O assunto, no entanto, é considerado
por Kehl como delicado, a despeito de outros países, como a Argentina e a Suiça já
estarem projetando legislações acerca do aborto eugênico.
163
WEGNER, R; SOUZA, V. S. Eugenia ‘negativa’, psiquiatria e catolicismo: embates em torno da esterilização
eugênica no Brasil. História, Ciências, Saúde – Manguinhos Rio de Janeiro, v.20, n.1, jan.- mar. 2013, p.263.
164
deus grego do casamento, filho de Apolo e Afrodite.
165
KEHL, R. Op. cit., p.22.
166
Idem, p.178.
40
CONSIDERAÇÕES FINAIS
167
DIWAN, Pietra. Op. cit., p. 151.
168
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e Ambivalência. Rio de Janeiro: Zahar, 1999. p. 33.
41
169
DIWAN, P. Op. cit., p. 71.
42
170
DIWAN, P. Op. cit., p. 63.
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REFERÊNCIAS
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imaginário das elites do século XIX. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
BOARINI, Maria Lucia (Org). Higiene e raça como projetos: higienismo e eugenismo
no Brasil. Maringá: Eduem. 2003.
DIWAN, Pietra. Raça Pura: uma história da eugenia no Brasil e no mundo. São
Paulo: Contexto, 2007.
STEPAN, Nancy. A Hora da Eugenia: raça, gênero e nação na América Latina. Rio
de Janeiro Cadernos de Saúde Pública, 2006.
MAIO, Marcos Chor. Raça, doença e saúde pública no Brasil: um debate sobre o
pensamento higienista do século XIX". In: Monteiro, Simone; Sansone, Livio (Org.).
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MAZOWER, Mark. Continente sombrio: a Europa no século XX. São Paulo: Cia das
Letras, 2001.
SCHWARCZ, Lilian Moritz. O espetáculo das raças. São Paulo, Companhia das
Letras, 1993.