Veja Digital #2868 - 17nov23

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CLUBE DE REVISTAS

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VICTOR CIVITA ROBERTO CIVITA


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CARTA AO LEITOR
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DENTRO E FORA
DOS PALCOS
EM MEADOS DOS ANOS 50, o primeiro grande ícone da
idolatria juvenil, Elvis Presley, cruzava os Estados Unidos mui-
tas vezes dirigindo o próprio Cadillac, com o contrabaixo da
banda de apoio preso ao teto do carro. Nos shows, mal se ou-
via a voz do cantor e dos instrumentos, tamanha a gritaria da
plateia. O próprio empresário do cantor corria o público para

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FOTOS OCTAVIO JONES/TAS23/GETTY IMAGES; FELIPE CRUZ

IDOLATRIA O repórter Felipe Branco


Cruz, no show de Taylor em Buenos Aires:
“Nunca vi nada igual em termos de devoção”

vender fotos autografadas de Elvis a fim de engrossar os rendi-


mentos. Assim eram os tempos jurássicos da indústria pop, mas
estavam ali presentes os pilares fundamentais do negócio, do
circo das turnês ao merchandising. Desde então, essas engre-
nagens foram aperfeiçoadas, até chegarmos ao estágio em que
o fanatismo em torno de uma estrela extrapola o universo cul-
tural, tornando-se também um fenômeno econômico.
Dentro e fora dos palcos, a cantora americana Taylor Swift é
hoje o maior símbolo do patamar impressionante a que chegou
essa indústria. Compositora profícua e autora de letras confes-
sionais e bem elaboradas, embaladas por arranjos de irresistível
apelo pop, ela ostenta a marca de mais de 100 milhões de ouvin-

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tes mensais no Spotify, um recorde. Nas apresentações, lota es-


tádios mundo afora, algo que se repetirá no braço nacional da
turnê sul-americana, cujo início será no dia 17. Foram cerca de
560 000 ingressos vendidos entre Argentina e Brasil aos “swif-
ties”, como são chamados seus fãs. Tamanho frisson espalha on-
das de prosperidade para outras áreas, como a do turismo, que
calcula arrecadar por aqui 400 milhões de reais graças aos es-
petáculos. Hotéis lotados durante a passagem da artista, de 33
anos, são uma coisa tão certa quanto a presença de hits como
Blank Space no setlist da cantora, que, como peça central da en-
grenagem, já amealhou mais de 1 bilhão de dólares na carreira.
Na reportagem que começa na página 78 desta edição, os
repórteres Felipe Branco Cruz e Amanda Capuano destrin-
cham a receita que transformou uma ex-cantora country de
relativo sucesso numa estrela planetária. Para antecipar o que
os brasileiros poderão conferir de perto, Felipe esteve em
Buenos Aires na apresentação de Taylor no estádio do River
Plate no último dia 9. A turnê se chama The Eras e é como se
fosse um grande musical dividido em dez atos, cada um re-
presentando uma fase da artista. Em cada ato, ela muda o ce-
nário, o figurino e as coreografias. “Havia meninas com rou-
pas de cheerleaders, collants vermelhos e vestidos esvoaçan-
tes”, relata o repórter de VEJA. “Nunca vi nada igual em ter-
mos de devoção”, acrescenta ele, com base na sua experiência
de cobertura de centenas de shows internacionais. Compara-
da ao furacão provocado por Taylor, toda a idolatria desper-
tada nos tempos de Elvis parece hoje uma leve brisa. ƒ

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ENTREVISTA IAN BREMMER
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JASON ALDEN/BLOOMBERG/GETTY IMAGES

“HÁ UM VÁCUO
DE PODER”
O CEO da Eurasia, maior agência global de análise de
risco, diz que grandes potências não querem mais
ser xerifes do mundo, o que abre espaço para
conflitos e afrontas à democracia
ERNESTO NEVES

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ANALISTA do intrincado tabuleiro geopolítico que rege


o planeta, o americano Ian Bremmer, 54 anos, não tem
dúvida de que os ataques terroristas do Hamas contra Is-
rael deram início ao momento de maior tensão internacio-
nal no último meio século. Como CEO da Eurasia, princi-
pal agência de análise de risco do mundo, ele dispõe, co-
mo poucos, de acesso a informações de países os mais di-
versos em tempo quase real — inclusive do Brasil. Com
essa visão privilegiada, o cientista político avalia que o ex-
plosivo conflito no Oriente Médio deve se expandir, situa-
ção que a lacuna deixada pelos Estados Unidos facilita.
“Os americanos não atuam mais como garantidores da es-
tabilidade e, assim, entramos numa era de embates mais
imprevisíveis”, acredita Bremmer, que, autor de uma de-
zena de livros, destrincha a ideia no mais recente deles,
O Poder da Crise. De Paris, ele concedeu, por videocha-
mada, a seguinte entrevista a VEJA.

Quais os riscos que Israel corre ao empreender um


contra-ataque que já custa milhares de vidas? O que se
observa hoje em Israel é uma sociedade traumatizada e
com raiva. É preciso lembrar que os atentados do Ha-
mas ocorreram no sul do país, onde há muita gente pro-
gressista, que defendia a causa palestina. Agora, vejo es-
sas pessoas, até elas, dizendo que “deveriam matar todo
mundo” e que “não há inocentes em Gaza”. Virou um
modo de existir insuportável, onde não cabem pondera-

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ções. E isso pode, sim, cobrar um alto preço. O risco de


que as ações de Israel acabem por radicalizar ainda mais
os palestinos é enorme.

Em que medida o contexto geopolítico era favorável à


brutal ação dos terroristas do Hamas? O ataque de 7 de
outubro aconteceu num momento em que Israel experi-
mentava sua mais forte posição estratégica em décadas,
com a normalização das relações com vários países ára-
bes, incluindo um tratado a ser firmado com a poderosa
Arábia Saudita — tudo com a ajuda dos Estados Unidos,
ainda sob a gestão de Donald Trump. Pense nas lideran-
ças do Hamas, que não aceitam a existência israelense,
assistindo a isso. Foi nesse caldo que germinou o ato san-
grento, mas há outro ingrediente aí. Já havia um cenário
de turbulência interna em Israel, com as ruas tomadas de

“Do jeito que as peças estão se


mexendo, parece improvável que
o conflito fique circunscrito à Faixa de
Gaza. Pela lógica das guerras, esta
ainda vai piorar antes de melhorar”
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protestos contra os avanços do governo Benjamin Netan-


yahu sobre a democracia. Isso desviou as atenções e cau-
sou rachaduras até entre militares.

O Hamas representa a ideologia extremista islâmica. É


possível, afinal, derrotá-lo? A história mostra como é
complexa a tarefa. A derrubada de Saddam Hussein pelos
Estados Unidos no Iraque desencadeou, anos mais tarde, a
criação do Estado Islâmico. Quando Israel invadiu o Líba-
no, em 1982, para expulsar a Organização para a Liberta-
ção da Palestina, impulsionou a criação do Hezbollah. Não
tenho dúvidas de que os israelenses vão à caça dos que per-
petraram os ataques, mas isso não elimina o risco de que al-
go ainda mais radical brote ali. E a luta não se encerra com
o Hamas — o Hezbollah e o Irã também não reconhecem o
direito de existência de Israel. Por isso, o país seguirá vul-
nerável, enquanto a região continuará fincada sobre a ins-
tabilidade nos próximos tempos.

Como avalia os riscos de a guerra se expandir para além


de Gaza? Do jeito que as peças estão se mexendo, parece
improvável que o conflito fique circunscrito à Gaza. Pela
lógica das guerras, esta ainda vai piorar antes de melhorar,
sob um elevado custo humano. O confronto com o Hamas
deve se converter na maior batalha militar do último meio
século, tendendo à radicalização. Há potencial para uma
expansão da batalha na Cisjordânia e na fronteira com o

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Líbano, onde a cada dia registram-se mais lançamentos de


foguetes, e ainda na Síria, no Iraque e no Iêmen, com gru-
pos xiitas financiados pelo Irã em plena ação. Outro fator
de alta combustão é que essa é também uma guerra dos Es-
tados Unidos. Por mais que Washington resista em admitir,
eles estão cada vez mais envolvidos. Vejo risco concreto de
ataques a alvos americanos.

A estratégia de Joe Biden no Oriente Médio pode preju-


dicá-lo na corrida à Casa Branca em 2024? Pode tra-
zer, sim, consequências negativas ao presidente, que en-
frenta um difícil percurso para a reeleição. Depois dos
ataques do Hamas, Biden ficou mais vulnerável a críti-
cas do que o rival Donald Trump, que ganhou um dis-
curso. Ele enfatizará que nenhum conflito começou sob
seu comando, ao passo que agora temos dois — a guerra
na Ucrânia e o do Oriente Médio.

No Brasil, a diplomacia do governo Lula mira fortalecer o


Sul Global e busca a liderança em conflitos como o do
Oriente Médio. O país pode ganhar com isso? Sincera-
mente, não vejo a diplomacia brasileira bem-sucedida hoje
fora do espectro da América Latina e dos Estados Unidos.
Não se fala do Brasil em lugares como a Ásia ou a África.
No Sul Global, a Índia representa uma economia mais vi-
brante, o que projeta o premiê Narendra Modi como líder
nessa região. Além disso, Lula carrega o peso de suceder a

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um governo que tinha um entendimento sobre as questões


globais oposto ao seu.

Como isso pode afetar o Brasil no jogo geopolítico? A ex-


periência internacional mostra que é muito difícil para um
país construir uma liderança enfrentando tamanha polari-
zação e variação ideológica em tão curto espaço de tempo.
Mas é possível no longo prazo. A própria Índia seguia uma
lógica semelhante à do Brasil, mas foi mudando e passou a
investir em uma agenda política relevante e sólida. Modi
apresenta uma visão muito clara do que quer do Sul Global
e sabe tirar proveito disso.

A falta de uma estratégia consistente por parte de Bra-


sília pode prejudicar o país? A verdade é que o Brasil
não precisa de uma diplomacia tão forte. A América do
Sul é um continente pacífico. Olhe para o Oriente Médio
explodindo e para a Europa, onde se desenrola outra
guerra de proporções monumentais. Na América do Sul,
ao contrário, se avista um cenário de calmaria, ancorado
pelos Estados Unidos e pelas relações comerciais seladas
com nações do mundo inteiro. Acredito que o fato de o
Brasil ser a maior economia numa região estável irá be-
neficiá-lo nas próximas décadas.

Apesar de avanços, o Brasil ainda é tido como um lugar


que oferece risco para investidores. O que fazer para

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mudar essa percepção? O Brasil é e será considerado um


país de risco maior que os Estados Unidos e a União Euro-
peia por ser ainda um mercado emergente, de economia
em desenvolvimento. Por outro lado, o estado de direito é
consolidado e o empresariado, independente e globalizado,
o que revela amadurecimento. O Brasil atravessou um mo-
mento muito ruim no 8 de Janeiro, quando os pilares da de-
mocracia tremeram em Brasília. Mas a confusão, felizmen-
te, não impactou a transição de governo, que acabou sendo
tranquila e organizada, como deve ser. E Lula, que era visto
com desconfiança, deu sinais de pragmatismo.

Qual caminho o senhor vislumbra para um salto de pata-


mar no Brasil? Os grandes desafios são a politização do Ju-
diciário e o fortalecimento das instituições. Agora, é bom
lembrar, a Eurasia tem no país seu maior escritório numa

“Na América do Sul, se avista um cenário


de paz, sem os conflitos que explodem
no mundo. O fato de o Brasil ser a maior
economia em uma região estável irá
beneficiá-lo nas próximas décadas”
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nação em desenvolvimento — e não é à toa. Mostra que


acreditamos que o Brasil é promissor no longo prazo.

A economia verde pode ajudar o Brasil a se inserir glo-


balmente? O Brasil está conseguindo, na questão climáti-
ca, ampliar sua liderança. Com um plano de transição ener-
gética adaptado ao mundo pós-carbono, Lula vem sendo
muito bem recebido no exterior. O mais importante hoje é
o comprometimento em acabar com o desmatamento, pro-
messa que está sendo cumprida.

Acredita que a transição verde será a saída para déca-


das de baixo crescimento da economia brasileira? O
Brasil verá um aumento substancial nos investimentos
em baixo carbono. As potencialidades são imensas. Mas
a transição tem sido lenta porque, para ocorrer, é neces-
sário um maior esforço dos países ricos em prover os re-
cursos. E o que se vê até aqui é que eles têm falhado siste-
maticamente em ajudar.

O planeta registra a pior onda de conflitos em décadas.


A que se deve esse acirramento da violência entre po-
vos? Dez anos atrás, cunhei o termo G-Zero para definir
o novo momento da geopolítica global, em que nenhum
membro do G7, nem qualquer outra nação, está disposto
ou é capaz de assumir a responsabilidade de liderar o
globo. Os Estados Unidos deixaram de ser a polícia do

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mundo, não querem mais promover valores ou ser arqui-


tetos do comércio internacional. Isso resulta num vácuo
de poder que abre brechas para a ascensão de estados de-
sonestos e organizações terroristas, que se sentem mais
livres para desobedecer normas internacionais, atrope-
lando os direitos humanos.

A liderança dos Estados Unidos está chegando ao fim?


A credibilidade dos americanos erodiu-se dramaticamen-
te. Depois de Trump, ninguém confia mais em Washing-
ton como antes para cumprir compromissos. Criou-se um
ambiente de desconfiança. Mas o poderio dos Estados
Unidos segue gigantesco, já que eles mantêm o maior PIB,
o dólar é a principal moeda de troca e o país é líder em
produção de energia, tecnologia e ciência.

Mesmo com a desaceleração, a China segue na trilha


para se tornar a maior economia do planeta? O milagre
chinês, embalado por taxas de crescimento de 8% por
quase meio século, se encerrou. Mas a China continuará
a ganhar importância. Quando observamos áreas cru-
ciais, como inteligência artificial, novas fontes de energia
e modernização das cadeias de suprimento, eles têm o
domínio ou estão muito próximos disso. Não acredito,
porém, que esse será um século chinês. Isso porque os
Estados Unidos seguem competitivos e vemos ainda a as-
censão de outra potência, a Índia.

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Existe alguma possibilidade de que a Rússia termine o


conflito com a Ucrânia melhor do que entrou? A decisão
de invadir a Ucrânia, tomada por Vladimir Putin, foi a pior
de qualquer líder importante no cenário mundial desde a
queda do Muro de Berlim, em 1989. Mesmo que Putin seja
capaz de manter o controle sobre o território ucraniano,
perdeu imensas parcelas da população jovem — essencial
para mover a economia. Ele também conseguiu que a Otan
se fortalecesse com a adesão de novos membros, fez com
que a UE multiplicasse seus gastos em defesa e viu ir embo-
ra mercados preciosos.

Por que há tantas democracias em crise? Lidamos


com desinformação propagada em velocidade eston-
teante. Isso enfraquece as democracias, e afetou particu-
larmente os Estados Unidos, representantes-mor de va-
lores como liberdade individual e livre-iniciativa. Ago-
ra, os americanos não confiam mais em seu sistema po-
lítico e estão confusos sobre por que ideias lutar. En-
quanto antes exportávamos democracia, hoje o que pro-
pagamos são redes sociais, ferramentas que corroem as
instituições. Ditaduras como a China utilizam o controle
dos dados para erguer sistemas de vigilância jamais vis-
tos, e se firma no cenário o poderio desmedido das big
techs — modelo de negócios que acaba por disseminar o
ódio. E ódio, como estamos testemunhando nestes beli-
cosos tempos, só semeia a destruição. ƒ

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IMAGEM DA SEMANA
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A CONVERSA AGORA É SÉRIA

“IMAGINE NO VERÃO.” O que seria o comentário de


sempre, o simpático início de conversa de quem não sabe o
que dizer, virou coisa séria, grito de alerta ante um
incômodo inédito. Na semana passada, as temperaturas
de primavera subiram muito acima do normal. Em quase
1 500 cidades do país — à exceção da Região Sul, onde
choveu a cântaros —, os termômetros subiram 6 graus
RENATO S. CERQUEIRA/FUTURA PRESS

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acima da média para esta época do ano. No Rio de


Janeiro, a sensação térmica passou dos 58 graus (repita-se:
58 graus). Em São Paulo, sem a brisa do mar, entre o
concreto e a fumaça, encostou em 41 graus reais.
Parece evento extraordinário, acelerado pelo fenômeno
meteorológico do El Niño, que afastou a proteção das
nuvens em céu claro em demasia, por dias seguidos, e há
verdade nessa afirmação. Convém, contudo, um olhar
histórico para perceber mudanças que não vêm de hoje.
Entre 2011 e 2020, o Brasil registrou 52 dias com ondas
de calor intenso. O índice representa quase oito vezes o
total verificado nos trinta anos entre 1961 e 1990. O
resultado imediato, agora, foi um recorde na demanda
instantânea de energia elétrica, em busca por ambientes
climatizados. Não é o fim do mundo, sobreviveremos,
suando, em casos mais graves adoecendo ou morrendo,
mas o espanto embute uma mensagem para o futuro: é
preciso controlar já, sem demora, a mão suja do ser
humano, atalho para os extremos ambientais. É
emergência que precisa ser ouvida pelos cidadãos, pelas
empresas, mas sobretudo ser respeitada pelas políticas
governamentais. Não há outra saída. ƒ

Fábio Altman

2|2
CONVERSA ENDRICK
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“É UM MILAGRE EU
ESTAR AQUI”
Aos 17 anos, o atacante do Palmeiras, já vendido ao Real
Madrid, acaba de ser convocado pela primeira vez para
a seleção brasileira. Ele é o mais jovem selecionado
desde Ronaldo Fenômeno, em 1994

SURPRESA
Em campo com a
camisa alviverde:
estreia na
Espanha em
2024
CESAR GRECO/PALMEIRAS

1|3
CLUBE DE REVISTAS

A convocação para a seleção brasileira é a realização de


um sonho? Eu sempre tive muitos sonhos na vida. O sonho
de dar o meu melhor no profissional do Palmeiras e, claro,
chegar à seleção principal, depois de ter alcançado as de base.
Meus momentos de oração não traçavam metas, mas sempre
pedi que Deus estivesse ao meu lado, oferecendo saúde para
poder fazer o que eu mais sei dentro de campo. Estava tão
atento aos últimos jogos do Palmeiras que nem imaginava que
poderia acontecer agora. Quero aproveitar ao máximo.

O que o deixou mais feliz: ser contratado pelo Real Ma-


drid ou ir para a seleção brasileira? São momentos dife-
rentes. Meu primeiro ano de profissional no Palmeiras, o tí-
tulo do Brasileiro em 2022, e ter feito um gol na decisão do
Paulistão deste ano já tinham sido muito marcantes. O Real
Madrid e a seleção foram consequências naturais. Mas de-
mora para cair a ficha. Meu pai (que já trabalhou como au-
xiliar de pedreiro) e minha mãe sempre me fortaleceram e
me prepararam para quando essas oportunidades surgis-
sem. Como diz o lema do nosso grupo, “por dentro o cora-
ção está quente, mas eu prefiro manter a cabeça fria” (risos).

E como foi manter a cabeça fria e o coração quente para


chegar até aqui? Como meus pais costumam dizer, é um
milagre estar aqui. Sei do esforço que minha família fez para
conseguir ter algo para que eu tivesse o que comer. Sempre
encarei essa situação com muita força de vontade e quis ven-

2|3
CLUBE DE REVISTAS

cer como pessoa e como jogador. Sou muito grato ao Pal-


meiras por ter depositado essa confiança em mim desde
muito cedo, lá em 2016. Foi o clube que deu emprego para o
meu pai e me viu crescer desde o sub-11.

Qual a sensação de saber que a Europa está logo ali, em


meados do ano que vem? Estou tranquilo. Passei a ser
mais observado depois que meu nome começou a ser espe-
culado no Real, mas isso só aconteceu justamente por causa
da visibilidade que eu tive no Palmeiras. O professor Abel
(Ferreira) é um grande homem. Sempre conversou nos mo-
mentos bons e ruins, e minha presença em campo é reflexo
daquilo que eu executo nos jogos a partir das orientações
dele. Aprendo muito.

Quais os planos para o futuro? Hoje eu posso dizer que


estou focado apenas nesta reta final do Campeonato Brasi-
leiro. É claro que traçamos objetivos, mas meu presente está
no Palmeiras e na viagem para servir a seleção. ƒ

Valéria França

3|3
DATAS
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ALÍVIO MOMENTÂNEO
Frank Borman e a conhecida foto
da Terra vista a partir da Lua, a
bordo da Apollo 8, em 1968: um
pouco de paz lá de cima

PALAVRAS HISTÓRICAS
Três frases, e apenas três, definem a aventura humana na
conquista da Lua. Houve o indelével comentário de Neil Ar-
mstrong ao pisar no satélite natural, em 20 de julho de 1969,
no auge da missão Apollo 11: “É um pequeno passo para um
homem, um grande salto para a humanidade”. Depois, em
11 de abril de 1970, Jack Swigert, um dos cosmonautas da
Apollo 13, alertou, ao notar a explosão de um tanque de oxi-
gênio: “Houston, temos um problema”. Mas antes, em 24 de
dezembro de 1968 — preâmbulo do que viria depois —, a
tripulação da Apollo 8 deu a primeira volta ao redor da ór-
FOTOS NASA; BETTMANN/CORBIS/GETTY IMAGES

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bita lunar, em transmissão ao vivo pela TV, com uma nota


igualmente eterna. Frank Borman, o discretíssimo chefe da
trupe, pediu a palavra. Citou o livro do Gênesis, da Bíblia, e
encerrou com um par de frases comoventes, dada a singele-
za em oposição à grandeza do momento: “A tripulação da
Apollo 8 fecha com boa noite, boa sorte e um feliz Natal, e
Deus abençoe a todos vocês na boa Terra”.
Na boa Terra, o mar não estava para peixe. Vivia-se o au-
ge da Guerra do Vietnã, Bob Kennedy e Martin Luther King
tinham sido assassinados. Havia a busca pela filosofia paz &
amor dos hippies, o grito revolucionário dos estudantes pari-
sienses e a coragem da oposição contra a ditadura no Brasil,
mas era um tempo complicado. Tão ruim que a bênção de
Borman soou como poesia.
Um registro daquele momento virou ícone da platitude
possível do nosso planeta visto do espaço: a fotografia conhe-
cida como Earthrise, o “Nascer da Terra”, na qual se vê o azul
ao longe contra a silhueta cinzenta da Lua. Durante muito
tempo, houve quem atribuísse o registro a Borman — mas ele
mesmo, modesto, trataria de negar a autoria. A foto foi feita
por um colega de voo, William Anders. Aquela imagem ins-
pirou Caetano Veloso a compor uma de suas mais belas can-
ções, Terra, lembrança do tempo de cadeia: “Quando eu me
encontrava preso / Na cela de uma cadeia / Foi que eu vi pela
primeira vez / As tais fotografias / Em que apareces inteira /
Porém lá não estavas nua / E sim coberta de nuvens”. Borman
morreu em 7 de novembro, aos 95 anos.

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CLUBE DE REVISTAS

UMA VIDA
PELA MEMÓRIA
Foi abominável.
Preso pelos soldados
a mando do general
golpista Augusto Pi-
nochet, em 11 de se-
tembro de 1973, o
compositor e cantor
Víctor Jara foi tortu-
rado até a morte. Le-
vado ao Estádio Chile
— que hoje leva seu
nome —, teve as mãos
decepadas e foi su-
JAVIER CEBOLLADA/EFE
mariamente fuzilado.
Sua viúva, Joan Jara,
partiu para o exílio JUSTIÇA Joan: a vida para
em Londres, com as descobrir quem matou e decepou
duas filhas, uma de- as mãos do marido, o compositor
las com Víctor. Ao re- Víctor Jara
tornar a Santiago, em
1984, dedicou a vida a descobrir quem matara o marido.
Em outubro deste ano, a polícia americana prendeu o ex-
militar Pedro Pablo Barrientos, acusado do crime. Ele se-
rá extraditado neste mês. Joan morreu em 12 de novem-
bro, em Santiago, aos 96 anos. ƒ

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FERNANDO SCHÜLER

A REFORMA E OS
SEM-LOBBY
OS TÁXIS agora estão lá, na Constituição. Não me surpreen-
do. Talvez tenhamos a única Constituição do planeta dizendo
que um colégio (no caso, o Pedro II, no Rio de Janeiro), deve
permanecer federal. Agora transformamos a alíquota zero pa-
ra a compra de táxis em um direito constitucional. Ninguém
deu lá muita bola para esse grãozinho de areia, no mar de re-
gimes especiais em que se transformou nossa reforma tributá-
ria. E ninguém fez conta para saber quanto a brincadeira cus-
tará ao contribuinte “desorganizado”. De minha parte, fiz um
ensaio. Supondo-se que tenhamos 245 000 taxistas (número
que recebeu a bolsa-taxista), trocando de carro a cada cinco
ou seis anos (desconto médio de 20 000 reais?), teríamos um
custo perto de 1 bilhão de reais. O número pode variar um
pouco. A pergunta é: para que isso? A justificativa diz que não
seria “razoável que um benefício já consolidado e de tamanha
importância para esses dois grupos seja extinto”. Detalhe: os
“dois grupos” são as pessoas com deficiências e do espectro
autista. Táxis entraram de carona, sem muita lógica. Os apli-
cativos estão aí, não há mais monopólio, os preços caíram. En-

1|6
CLUBE DE REVISTAS

tão por que raios uma conta dessas no bolso do contribuinte?


E mais: como algo assim vira um direito constitucional?
O texto da reforma é uma riquíssima coleção de pérolas.
Que tal um regime especial para o nosso futebol, com vistas à
“recuperação desse esporte nacional”? Justo. Um milhão de
reais/mês para um treinador e ainda pagar imposto? Difícil. E
as agências de viagem e parques temáticos? Setores “estraté-
gicos de nossa economia”. E os parques não temáticos? (meus
preferidos). Talvez tenha faltado lobby. Há também 60% de
desconto no futuro imposto para setores vitais como a comu-
nicação institucional e eventos. Qualquer evento? A turnê
2034 dos Rolling Stones? A convenção anual dos Hells An-
gels? Surgiu também um regime especial para a “economia
circular”. Conceito ótimo. Mas precisa estar na Constituição?
O que exatamente cabe, aí? Vale o mesmo para a alíquota zero
nas “atividades de reabilitação de zonas históricas e de áreas
críticas”. O centro de São Paulo, por exemplo. Do Rio. Ou Ja-
guarão. E por fim a “cesta básica estendida”. Fui a campo en-
tender o que significa isso e obtive uma frase: “É tudo que ficar
fora dos trinta ou quarenta produtos da cesta básica”. Quem
sabe a “sobremesa”, ironizou um economista. Se não faz parte
da cesta básica, para que o incentivo? A impressão é que pala-
vras como “cesta ampliada”, “economia circular” ou “zonas
urbanas críticas”, uma vez na Constituição, funcionam como
uma pescaria. Quando normatizadas, terminam rendendo um
bom dinheiro para setores da economia. É uma história que já
conhecemos. E por alguma razão teimamos em repetir.

2|6
CLUBE DE REVISTAS

ASSIM É O Congresso: a sociedade percebe a


fragilidade do comando político

Exemplo disso é o “regime automotivo do Nordeste”. As


isenções beneficiam basicamente uma empresa, que controla
várias marcas, conhecidas de todos. O TCU publicou um rela-
tório sobre os resultados desses incentivos, e foi categórico:
“Desde 2010, foram cerca de 50 bilhões de reais, sem alteração
significativa da realidade socioeconômica da região”. A reno-
vação dos incentivos havia sido rejeitada na Câmara e foi res-
tabelecida no Senado. Nos bastidores, falava-se na “emenda
Lula”, dado o forte empenho do presidente na sua aprovação.
CRISTIANO MARIZ/AGÊNCIA O GLOBO

3|6
CLUBE DE REVISTAS

“Poderíamos ser
melhores, como
país, do que estamos
demonstrando”
As demais montadoras, por óbvio, chiaram. A concessão des-
sa montanha de incentivos, coisa de 5 bilhões de reais ao ano,
desequilibra a competição de mercado. Mas esse nem é o
maior problema. A questão é a engenharia de colégio. O custo
“difuso”, que “será distribuído entre todos os demais contri-
buintes”, como diz singelamente o relatório do TCU.
O sistema do lobby se retroalimenta. Se o setor A vai a Bra-
sília, conseguindo a incrível vantagem de pagar apenas 40%
da alíquota padrão do novo imposto, por que cargas d’água o
setor B não iria lá também? Foi o caso dos profissionais libe-
rais. Os grandes escritórios de advocacia, auditoria ou enge-
nharia. Conseguiram um desconto de 30%. Se a alíquota geral
chegar perto dos 30%, os escritórios irão pagar 21%. Pratica-
mente a taxa que todos pagariam se o efeito manada do lobby
e a permissividade do mundo político não tivessem feito seu
estrago. O triste é observar como o país vai transformando
uma ótima ideia, que é a ideia original da reforma, em uma
“colcha de retalhos”, expressão que tantas vezes usamos para

4|6
CLUBE DE REVISTAS

definir nosso atual sistema. O modelo em que “a tributação


varia por tipo de produto”, como bem observou o economista
Marcos Lisboa, o que leva as empresas a irem “alterando ca-
racterísticas do que produzem para obter alíquotas mais favo-
ráveis”. É isso. E basicamente o que estamos fazendo, no novo
desenho. Ou alguém acha que as empresas não farão os mes-
míssimos ajustes para se enquadrar nas dezenas de categorias
de produtos e atividades econômicas protegidas na reforma?
Alguém sugeriu que isso se deve a um fenômeno conhecido
como path dependency, isto é, a dependência de um padrão
anterior das relações de poder. A reforma não parte de uma
tábula rasa, ou de um pacto nacional. O setor automotivo há
muito goza de uma vantagem. Por que abriria mão? Vale o
mesmo para a Zona Franca de Manaus, táxis, clubes de fute-
bol ou o agronegócio. Feita de ajustes graduais, talvez fosse
possível formar coalizões reformistas majoritárias e impor
derrotas a grupos de pressão. Feita de uma só vez, a reforma
tende a gerar um clássico problema de ação coletiva. A incer-
teza leva cada setor a buscar proteção. A lógica há muito co-
nhecida do dilema do prisioneiro: por que devo cooperar, acei-
tando a regra geral, enquanto os demais se movimentam para
“trair”, obtendo o seu quinhão de benefícios? O mercado per-
cebe a fragilidade do comando político e faz o seu jogo. O re-
médio para isso é precisamente o que nos falta: convicção e
liderança. Seja no Executivo, que atuou ele mesmo como im-
pulsionador de benefícios, seja no Congresso. E na sociedade,
onde sobra complacência. Ainda nesta semana observava lí-

5|6
CLUBE DE REVISTAS

deres empresariais e acadêmicos dizendo: “25 setores ganha-


ram exceções, mas está tudo o.k. Melhor do que nada”. Quem
sabe vamos nos tornando uma sociedade que espera muito
pouco de quem dirige o país.
O ponto é: isso não precisa ser sempre assim. O Brasil fez
reformas complicadas, como as reformas trabalhista e previ-
denciária, e se saiu bastante melhor. Nosso foco desde o início
deveria ter sido buscar uma alíquota padrão mais baixa e mais
igual para todos. Decidimos pelo inverso: vantagens de todos
os lados e uma taxa geral alta para os sem-lobby. Os “pobres
mortais fora das listas especiais”, como diz o economista Feli-
pe Salto. Na prática, todos pagarão a conta. Seja no efeito sobre
o crescimento, seja na própria estabilidade da reforma e suas
regras. Talvez seja um pouco dura esta análise. É para dizer
que poderíamos ser melhores, como país, do que estamos de-
monstrando, por estes tempos. ƒ

Fernando Schüler é cientista político e professor do Insper

ƒ Os textos dos colunistas não refletem


necessariamente as opiniões de VEJA

6|6
SOBEDESCE
CLUBE DE REVISTAS

SOBE
CERVEJA
A onda de calor aumentou de forma
expressiva o consumo da bebida no
país, com alta de vendas estimada
em 40% pela Associação Brasileira
de Bares e Restaurantes (Abrasel).

ALUGUEL
O preço da locação de imóveis
residenciais nas maiores
cidades do Brasil acumula
uma alta de 16% no ano, de
acordo com pesquisa da Fipe.

ÉDITH PIAF
A célebre cantora francesa
ganhará uma nova cinebiografia
pelo estúdio Warner, com imagem
e voz dela recriadas por
inteligência artificial.

1|2
CLUBE DE REVISTAS

DESCE
JORGINHO MELLO
O governador catarinense é
acusado de censurar obras
literárias após a Secretaria de
Educação ordenar a retirada de
nove títulos das bibliotecas públicas,
incluindo clássicos como Laranja
Mecânica, de Anthony Burgess.

MOTOS
A produção caiu 6% no mês
passado em meio à seca do Rio
Amazonas, que dificultou o
transporte fluvial de peças às
fábricas de Manaus.

MARFRIG
A empresa registrou prejuízo líquido
de 112 milhões de reais no terceiro
trimestre de 2023.

2|2
VEJA ESSA
CLUBE DE REVISTAS

“Brasil e China: você vai


manter relações ou não? Porque
você chamou de comunistas os
dois presidentes.”
SERGIO MASSA, candidato peronista à
Presidência da Argentina, cutucando seu adversário,
Javier Milei, de extrema direita
LUIS ROBAYO/AFP

1|5
CLUBE DE REVISTAS

“Você pertence a um governo


em que o Alberto Fernández
não falava com o Bolsonaro.
Qual o problema se eu falar ou
não com o Lula?”
MILEI, ao responder com ironia

2|5
CLUBE DE REVISTAS

“Meia dúzia de velhinhas num


domingo, aquilo lá construiu-se uma
narrativa. Desde quando entrar em
prédio é fazer golpe? Eu fui totalmente
contra, mas não acho que é golpismo,
é vandalismo.”
RICARDO SALLES, deputado federal pelo PL,
candidato a candidato à prefeitura de São Paulo,
aquele que propôs “passar a boiada” no tempo de
ministro do Meio Ambiente de Jair Bolsonaro

“O Dino eu posso
convidar para tomar um “Não chorei
chope, mas não voto uma lágrima.”
nele (para o Supremo).” CLÉBER MACHADO,
HAMILTON MOURÃO, ao lembrar sua
senador pelo Republicanos do Rio demissão da Globo,
Grande do Sul, ex-vice presidente no ano passado, em
da República entrevista a VEJA

“Em até um ano e meio, dois anos,


não terá mais app de Bradesco
e Itaú. Será um app agregador que,
pelo Open Finance, dará acesso a
todas as contas.”
ROBERTO CAMPOS NETO, presidente do Banco Central

3|5
CLUBE DE REVISTAS

“Hoje estou me sentindo o Fidípides, como o


verdadeiro soldado que cumpriu a missão.”
VANDERLEI CORDEIRO DE LIMA, 54 anos,
ao completar a maratona de Atenas na semana passada.
Em 2004, durante a Olimpíada, ele foi interceptado por um
padre irlandês quando liderava a prova. Apesar do incidente,
ficou com a medalha de bronze

“Como aprendi a cozinhar já adulta, entendo


a dificuldade das pessoas, entendo o medo
de dar errado, a vergonha de ficar ruim.”
RITA LOBO, chef e apresentadora, que se prepara para
estrear na Globo um programa de gastronomia

“Cientistas precisam aprender a se


comunicar melhor.”
SARAH DARWIN, tataraneta de Charles Darwin,
em entrevista a VEJA

“Eu já estaria sendo esculachada, chamada


de vagabunda para baixo, né? Porque a
traição do homem é legitimada e, muitas
vezes, inclusive é incentivada.”
GIOVANNA EWBANK, em torno dos boatos de uma crise no
casamento com Bruno Gagliasso, que a teria traído

4|5
CLUBE DE REVISTAS

“Compartilho
minhas coisas
de trabalho
porque decidi
manter minha
vida pessoal,
pessoal. Por
isso se chama
‘pessoal’,
porque é algo
que me
pertence.”
IRINA SHAYK,
modelo russa,
37 anos, suposta
namorada de Tom
Brady, jogador de
MIKE MARSLAND/WIREIMAGE/GETTY IMAGES

futebol americano,
ex de Gisele
Bündchen

5|5
RADAR
CLUBE DE REVISTAS
ROBSON BONIN

Com reportagem de Nicholas Shores


e Ramiro Brites

Espírito natalino Tudo pensado


Com a chegada do clima de Trata-se da terceira etapa
Natal, o ministro Paulo Pi- do plano definido por Pi-
menta, da Secom, vai colo- menta no ano. Na largada,
car na rua uma nova cam- com “O Brasil voltou”, a
panha para mostrar as ideia foi reunir a base que
ações do governo em 2023. elegeu Lula e marcar a volta
A ideia é mirar na polariza- de ações como o Bolsa Fa-
ção e falar de... pacificação. mília, o Luz para Todos, o
O conceito já está definido: Minha Casa, Minha Vida e a
“Unir o Brasil”. correção do salário mínimo.
ANTÔNIO CRUZ/AGÊNCIA BRASIL

“UNIR O BRASIL” Pimenta: nova campanha do governo vai


mirar na polarização

1|6
CLUBE DE REVISTAS

Fiel da balança anunciando operações da


Em agosto, o slogan “Brasil PF e o iminente desfecho do
no rumo certo” focou na caso Marielle — e nada.
classe média — com o PAC
e a revisão da tabela do IR Pago quando puder
— e em diminuir a resistên- Dino, aliás, não é o único a
cia ao governo entre eleito- ter prejuízo nessa história
res de Jair Bolsonaro. da tal “Dama do tráfico”.
O Fisco tenta receber
Não aprenderam nada 48 000 reais de Luciane Fa-
Agentes do Congresso e do rias. Está na dívida ativa.
STF monitoraram em tem-
po real os atos bolsonaris- Front diplomático
tas no feriado. O tom gol- A cúpula do Mercosul, no
pista do 8 de Janeiro perma- Rio de Janeiro, em dezem-
nece na agenda. bro, terá anúncios impor-
tantes. Presidido por Lula,
Olho no olho o bloco acaba de fechar um
Os aliados, em Brasília, no- acordo de livre comércio
taram. Lula evita ao máxi- com Singapura.
mo falar ao telefone. Para
conversar, prefere chamar o Vai sair
interlocutor ao palácio. O outro acordo prestes a ser
anunciado por Lula no
Quem mandou matar? Mercosul é negociado com
Quatro meses se foram des- o EFTA (European Free
de a coletiva de Flávio Dino Trade Association), bloco

2|6
CLUBE DE REVISTAS

formado por Suíça, Norue- Coisa de maluco


ga, Islândia e Liechtenstein. O Itamaraty acompanha de
perto os movimentos de
O grande anúncio Nicolás Maduro para ane-
Em outra frente, Mauro xar parte da Guiana. O re-
Vieira e os diplomatas do ferendo venezuelano preo-
Itamaraty entraram na reta cupa a diplomacia.
final de negociação com a
União Europeia. Há possi- Frota novinha
bilidade real de anúncio do O Ministério da Saúde de
acordo no Rio. Nísia Trindade abriu um
megaprocesso para com-
Momento decisivo prar 1 780 novas ambulân-
A diplomacia brasileira te- cias para o Samu. O pregão
rá, nos próximos dias, duas é no fim do mês.
reuniões com a União Eu-
ropeia para fechar questões Preço especial
finais em torno do acordo A CGU descobriu que o go-
com o Mercosul. verno de Jair Bolsonaro su-
perfaturou verbas até na
Só Deus sabe distribuição de cestas bási-
Nos informes a Lula, o cas para indígenas durante
Itamaraty não arrisca in- a pandemia.
dicar um desfecho para as
eleições argentinas. “É Os famosos 10%
muito imprevisível”, diz Em apenas um contrato de 3
um diplomata. milhões de reais, no Acre, os

3|6
CLUBE DE REVISTAS
CRISTIANO MARIZ/O GLOBO

desvios na Funai chegaram


a 378 000 reais em gastos
com logística sem licitação.

Não me representa
Jair Bolsonaro ameaça ficar
fora da eleição em São Paulo,
caso Ricardo Salles seja mes-
mo candidato. “Há que se
valorizar o capital político do
bolsonarismo em São Pau-
lo”, diz Fabio Wajngarten.

A volta do companheiro
Cacique mais influente do
PT, José Dirceu vai se mu- MUDANÇA Dirceu: ele vai
dar para a casa da filha em morar em São Paulo para
São Paulo. Quer liderar pes- ajudar Boulos na eleição
soalmente o projeto de Gui-
lherme Boulos na luta pela reais em despesas de via-
prefeitura da capital. “Bou- gens. Só com giros interna-
los está muito firme e pre- cionais foram 164 milhões
parado”, diz. de reais.

Modo avião Passa no cartão


Neste ano, o governo gas- Antes do Natal, Lula deve
tou cerca de 1 bilhão de bater a marca dos 15 mi-

4|6
CLUBE DE REVISTAS

lhões de reais gastos no car- res em licença ou cedidos a


tão corporativo. Em setem- outros poderes.
bro, a conta estava em 8 mi-
lhões de reais. Agora está Mais um na lista
em 14,8 milhões de reais. Condenado a dezoito anos
de prisão por Sergio Moro,
Empreiteira do ano o empreiteiro Gerson Al-
Neste primeiro ano de Lu- mada pediu ao STF para
la no Planalto, a Constru- anular sua sentença, profe-
tora Luiz Costa, de Mos- rida por “juiz parcial”.
soró, é a campeã de ver-
bas, com 275 milhões de Eterno retorno
reais em contratos. Mariano Marcondes Fer-
raz, corruptor confesso na
Há vagas Lava-Jato, está de volta à
Enfrentando uma greve ativa. Membro de uma das
branca de servidores, o famílias da aristocracia ca-
Banco Central vai abrir pro- rioca, ele tem sido visto no
cesso para realizar seu con- circuito Rio-São Paulo-O-
curso público. Coisa de 6 riente Médio em busca de
milhões de reais. novos negócios.

Chama de volta Mas o que foi que eu fiz?


Lula reclamou nesta sema- Carla Zambelli tem espe-
na da falta de pessoal nos rança de fechar ainda neste
ministérios. O governo tem ano um possível acordo de
atualmente 57 500 servido- não persecução penal no

5|6
CLUBE DE REVISTAS
INSTAGRAM @DIOGONOGUEIRA_OFICIAL

HOMENAGEM Diogo Nogueira: ele vai interpretar


o pai, João, num musical

caso, alvo do STF, em que se prepara para interpretar


ela sacou uma arma de fogo o pai, João, no musical Atra-
e perseguiu um homem pe- vés do Espelho. “O maior de-
las ruas de São Paulo. safio será transmitir o artista
valente e guerreiro que ele
De pai para filho era”, diz Nogueira. A produ-
O sambista Diogo Nogueira ção sai no próximo ano. ƒ

6|6
BRASIL POLÍTICA
CLUBE DE REVISTAS
TWITTER @LULA

CADA UM POR
SI EM 2024
A um ano das eleições municipais, ministros emitem sinais
de que a frente ampla de partidos é um projeto de poder
que vale apenas para o governo federal — e olhe lá

DANIEL PEREIRA

1 | 10
CLUBE DE REVISTAS

ALIANÇA Em 2022, mais de uma dezena de partidos com


propostas diferentes se uniram em apoio à campanha de Lula

N
a eleição presidencial mais disputada desde a rede-
mocratização, Lula derrotou Jair Bolsonaro em
2022 com a ajuda de uma frente ampla, que reuniu
até antigos adversários do petista, como o ex-go-
vernador e atual vice-presidente da República, Ge-
raldo Alckmin, tucano histórico convertido em neossocialis-
ta. Na campanha, prevaleceu entre mais de uma dezena de
partidos o entendimento de que Bolsonaro representava um

2 | 10
CLUBE DE REVISTAS

mal maior, uma ameaça à democracia brasileira, o que justifi-


cava a aliança entre atores políticos com programas e ideias
diferentes. Na formação do governo, o PT, hegemônico por
natureza, ficou com os principais ministérios, mas Lula aco-
modou na Esplanada os esquerdistas PSB e PCdoB, os cen-
tristas MDB e PSD e até o direitista União Brasil. Recente-
mente, em troca de apoio no Congresso, escalou indicados de
PP e Republicanos, legendas que deram sustentação à gestão
anterior. Com maior ou menor comprometimento, essas siglas
estão juntas na base governista, mas serão rivais, em muitos
casos, nas eleições de 2024. O desafio de Lula é impedir que
os duelos municipais causem turbulência na administração
federal, atrapalhem a governabilidade e prejudiquem a sua
provável campanha à reeleição.
Um dos embates entre aliados do presidente acontecerá
na cidade de São Paulo, o maior colégio eleitoral do país. O
PT assumiu o compromisso de apoiar a candidatura do de-
putado federal Guilherme Boulos (PSOL) à prefeitura, hoje
comandada por Ricardo Nunes (MDB), que tentará a reelei-
ção. Lula já deu declarações favoráveis a Boulos, que con-
correrá também com outro nome do campo da esquerda, a
deputada federal Tabata Amaral (PSB). Em evento partidá-
rio no fim do mês passado, Alckmin divergiu publicamente
do presidente e fez questão de reforçar a pré-campanha de
Tabata ao dizer que ela representa “a verdadeira mudança”.
O vice, que acumula a função de ministro do Desenvolvi-
mento, Indústria, Comércio e Serviços, reforçou uma regra

3 | 10
CLUBE DE REVISTAS

bem conhecida na política: a de que as disputas locais, na


maioria das vezes, não reproduzem a lógica das alianças na-
cionais. Na capital paulista, a tendência é que os esquerdis-
tas se unam apenas em eventual segundo turno, no qual,
alegam, haverá um nome da direita. “Onde for possível, es-
taremos juntos no primeiro turno. Onde houver candidatos
competitivos, disputaremos (entre nós) e estaremos juntos
no segundo turno. Não consigo enxergar problema para o
governo Lula”, diz o presidente do PSB, Carlos Siqueira.

FRENTE AMPLA
DEMAIS
Interesses
envolvendo as
eleições
municipais já
provocam
divergências
entre ministros
das siglas que
hoje fazem
parte da base
de apoio do
governo Lula

SÃO PAULO
O PT fez um acordopara apoiar o deputado
Guilherme Boulos. O vice Geraldo Alckmin já anunciou
preferência pela deputada Tabata Amaral na disputa

FOTOS CADU GOMES/VPR; ANDRÉ RIBEIRO,FÁTIMA MEIRA/FUTURA PRESS; CÂMARA DOS DEPUTADOS; GOVBA; SECOMBH; PMF; VALTER CAMPANATO/AGÊNCIA BRASIL; AGÊNCIA SÃO LUÍS

4 | 10
CLUBE DE REVISTAS

A um ano da eleição, é fácil entoar um discurso de harmo-


nia, ainda mais quando as candidaturas citadas são de parcei-
ros históricos. Mas em outras capitais a rivalidade se dará en-
tre campos políticos diferentes. No final de outubro, o petista
Jaques Wagner, líder do governo no Senado, anunciou apoio
ao deputado estadual Robinson Almeida à prefeitura de Sal-
vador, causando um rebuliço em seu próprio partido, o PT,
que tem outros pré-candidatos, e no MDB, que sonha com
uma aliança com os petistas em torno do vice-governador da

SALVADOR
O ministro Rui Costa queria indicar um aliado,
mas despontam como pré-candidatos o
vice-governador Geraldo Junior e
o petista Robinson Almeida

5 | 10
CLUBE DE REVISTAS

Bahia, Geraldo Junior (MDB). Os dois partidos são da base do


governador Jerônimo Rodrigues (PT), assim como o PSB, que
chegou a cogitar, mas descartou, a candidatura do ex-verea-
dor José Trindade, próximo do ministro-chefe da Casa Civil,
Rui Costa. Em tese, caberá ao governador costurar um acor-
do entre as legendas e ungir um nome para representá-las.
Não será fácil. Mandachuva do MDB na Bahia, o ex-ministro
Geddel Vieira Lima estrilou quando Jaques Wagner defendeu
a escolha de um petista. Geddel é conhecido por fazer política

BELO HORIZONTE
Com o apoio do ministro
Alexandre Silveira, o prefeito Fuad Noman
vai disputar a reeleição, provavelmente
enfrentando o deputado Rogério Correia

6 | 10
CLUBE DE REVISTAS

com o fígado, e o partido dele só embarcou na frente ampla li-


derada por Lula no segundo turno, por decisão de Simone Te-
bet. Terceira colocada na eleição presidencial, Simone foi re-
compensada com o cargo de ministra do Planejamento e é
considerada potencial candidata ao Planalto em 2026.
Em outro grande colégio eleitoral, Belo Horizonte, a si-
tuação também parece complicada. O prefeito da capital mi-
neira, Fuad Noman (PSD), deve disputar a reeleição, já que
perdeu força a possibilidade de o ministro de Minas e Ener-

FORTALEZA
Os ministros Camilo Santana e Carlos Lupi
estarão em lados opostos. O primeiro deve
apoiar um nome do PT, provavelmente Luizianne
Lins. O segundo, a reeleição de José Sarto

7 | 10
CLUBE DE REVISTAS

gia, Alexandre Silveira, seu colega de partido, sair candida-


to. Na eleição para o governo de Minas, em 2022, o PT abriu
mão de concorrer para apoiar um nome do PSB. Agora, no
entanto, não quer ceder espaço e já lançou a pré-candidatu-
ra do deputado federal Rogério Correia à capital mineira.
Por enquanto, não há possibilidade de composição com o
PSD, partido que controla três ministérios, preside o Senado
com Rodrigo Pacheco e é comandado por Gilberto Kassab,
influente secretário do governador de São Paulo, Tarcísio de

SÃO LUÍS
Os ministros Juscelino Filho e
Flávio Dino também estarão em lados opostos — um
defendendo a reeleição de Eduardo Braide e o outro
apadrinhando o deputado Duarte Junior

8 | 10
CLUBE DE REVISTAS

Freitas, um dos principais líderes da oposição a Lula. Geral-


mente, quando partidos aliados no plano nacional disputam
prefeituras, o presidente costuma adotar como regra a im-
parcialidade — ou, pelo menos, simula uma postura olímpi-
ca. Nem sempre dá certo. Às vezes, as normas de boa convi-
vência combinadas em Brasília são simplesmente ignoradas
nos municípios, dando espaço a disputas fratricidas, como
está ocorrendo no Ceará.
À frente do Ministério da Previdência, com Carlos Lupi, o
PDT deve lutar pela reeleição de José Sarto à prefeitura de
Fortaleza. Se depender do ex-ministro Ciro Gomes, quarto
colocado na eleição presidencial de 2022 e hoje desafeto de
Lula, não haverá composição com o PT. Se depender do sena-
dor Cid Gomes, irmão de Ciro, tudo pode ser alvo de negocia-
ção com os petistas, até a cabeça de chapa. Os petistas têm pe-
lo menos quatro pré-candidatos à prefeitura — entre eles, a
deputada Luizianne Lins. O ministro da Educação, Camilo
Santana, já defendeu publicamente o direito de o PT partici-
par da disputa, independentemente da decisão do PDT. Os
pedetistas estão em pé de guerra. No começo do mês, Sarto se
reuniu em Brasília com Carlos Lupi e o presidente do PDT,
André Figueiredo, e, logo em seguida, foi decretada uma in-
tervenção no diretório cearense a fim de tirá-lo das mãos de
Cid Gomes. O senador recorreu à Justiça, conseguiu anular a
medida e retomar as rédeas do diretório. A questão parece lo-
cal, mas tem como pano de fundo um embate entre quem de-
fende a manutenção da aliança nacional com o PT, inclusive

9 | 10
CLUBE DE REVISTAS

em 2026, e quem quer seguir um caminho de oposição ou, no


mínimo, de independência.
Apesar de parecerem distantes, rivalidades locais podem
render dor de cabeça ao presidente da República, mesmo em
colégios menores como o Maranhão, onde os ministros da
Justiça, Flávio Dino (PSB), e das Comunicações, Juscelino Fi-
lho (União Brasil), são adversários políticos. Acossado por de-
núncias de irregularidades, Juscelino credita seu desgaste à
Polícia Federal, órgão que está sob o guarda-chuva de Dino.
Na eleição de 2024 para a prefeitura de São Luís, os dois
apoiarão candidatos diferentes. Juscelino trabalhará pela ree-
leição de Eduardo Braide (PSD), enquanto Dino apadrinhará
o deputado federal Duarte Junior, seu colega de partido. Em
seus dois mandatos anteriores, Lula costumava dizer que não
se envolveria nas eleições municipais, a não ser, claro, quando
houvesse uma disputa entre um aliado e um oposicionista. No
próximo ano, é provável que ele siga o mesmo receituário,
mas, mesmo com todos os cuidados que precisa ter para não
melindrar integrantes da frente ampla, ele tentará cumprir
dois objetivos. O primeiro, mais imediato, é redimir o PT, que
em 2020 elegeu apenas 183 prefeitos, o pior desempenho do
partido neste milênio. O segundo, de médio prazo, é costurar
acordos que permitam o fortalecimento de outras legendas
governistas. Por ordem do presidente, o PT deve abrir mão de
concorrer, por exemplo, no Rio de Janeiro e no Recife. A vitó-
ria que interessa a Lula é em 2026 — de preferência, com o
apoio de uma ou duas dezenas de partidos. ƒ

10 | 10
BRASIL RIO DE JANEIRO
CLUBE DE REVISTAS

UM CLÃ EM
PÉ DE GUERRA
Todo-poderoso da política fluminense por quase duas
décadas, Jorge Picciani deixou uma fortuna que está no
centro de uma renhida batalha entre os filhos e a viúva
MAIÁ MENEZES
FACEBOOK @ STUDIOGILRANGELCOREOGRAFIAS

ALEGRIA, ALEGRIA O enlace de Picciani com Hortência,


em 2014: todos os caciques do Rio compareceram à festa

1|9
CLUBE DE REVISTAS

POR QUASE duas décadas, tudo o que sacudia o mundo


político do Rio de Janeiro desaguava no gabinete de Jor-
ge Picciani. Seis vezes eleito deputado estadual, o cacique
do MDB ocupou a presidência da Assembleia Legislativa
(Alerj) em quatro de seus mandatos, cargo de alta in-
fluência que conquistou graças à notória habilidade de
costurar acordos e satisfazer os anseios de seus pares por
polpudos nacos do orçamento e cadeiras no Executivo.
Enquanto esteve no comando da Alerj, também ficou evi-
dente sua espantosa capacidade de multiplicar o próprio
patrimônio — desde que ingressou na vida pública, as ci-
fras subiram 1 951%, levando em consideração apenas os
valores declarados ao Tribunal Regional Eleitoral.
O apetite por negócios nem sempre republicanos chamou
a atenção da Justiça, que o condenou por capitanear esque-
mas de propinas a deputados, corrupção passiva e lavagem
de dinheiro, o que viria à luz nas operações Cadeia Velha e
Furna da Onça, ambas desdobramentos da Lava-Jato. Con-
denado a 21 anos de prisão, em 2019, foi parar atrás das gra-
des, repetindo a trilha já percorrida pelos ex-governadores
Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão, com quem dividiu po-
der e cultivou laços de amizade profunda. A pena, porém,
não foi cumprida em sua totalidade. Com câncer de prósta-
ta, Picciani passou para o regime domiciliar e morreu pouco
tempo mais tarde, em 2021, aos 66 anos.
Sua saída de cena, no entanto, não encerrou o rol de
polêmicas que sempre cercou o sobrenome do todo-po-

2|9
CLUBE DE REVISTAS
DOMINGOS PEIXOTO/AGÊNCIA O GLOBO INSTAGRAM @LEONARDO_PICCIANI

UNIDOS Felipe (acima, de


blusa azul), que toca a holding,
e os políticos Leonardo com
Rafael (à dir.): nos autos,
alegam “má-fé” da madrasta

deroso da política fluminense. Logo após o enterro, uma


renhida contenda se instalou silenciosamente entre os
herdeiros de seu vasto patrimônio. Em um dos lados do
ringue estão os três filhos do primeiro casamento — Ra-
fael, 36 anos, atual secretário de Esportes do governo do
Rio; Leonardo, 44, ex-ministro do Esporte na gestão de
Michel Temer e agora secretário nacional de Saneamento
de Lula; e Felipe, 42, que toca os prósperos negócios do
clã. No outro lado da arena se coloca Hortência da Silva
Oliveira, 35 anos, com quem Picciani ficou casado por
sete anos e teve um filho, hoje com 6. A disputa pelo es-

3|9
CLUBE DE REVISTAS

pólio, com torpedos para todos os lados, gira em torno de


uma ação que corre em segredo de Justiça na 1ª Vara de
Família do Rio de Janeiro, à qual VEJA teve acesso com
exclusividade. A peleja envolve a partilha da Agrobilara,
holding com sede na mineira Uberaba, que concentra
praticamente todos os bens acumulados por Picciani,
uma fortuna detalhada no processo de março de 2023,
estimada em meio bilhão de reais.
Referência na criação de gado nelore, sob o nome da
empresa estão seis fazendas, em Mato Grosso, Minas Ge-
rais e Rio de Janeiro, além de 23 imóveis, entre os quais
uma cobertura a uma quadra da Praia de Ipanema e uma
propriedade de 1 600 metros quadrados em um condomí-
nio da Barra da Tijuca, ambas no Rio. O patrimônio conta
ainda com um jatinho para oito passageiros, cinco pica-
pes, três caminhões, três tratores e mais uma mineradora,
a Coromandel, que explora lavras de fosfato em Minas,
com capital social de 27 milhões de reais. Em 2011, Pic-
ciani decidiu repartir a Agrobilara com os três filhos e a
primeira esposa, Márcia Cristina, com quem permaneceu
por três décadas, reservando para si uma fatia igual. Cada
parte ficou com 20% de um total declarado de 40 milhões
de reais, segundo avaliação feita à época.
Casada em regime de comunhão parcial de bens, Hor-
tência não tem direito a essa dinheirama, uma vez que a
partilha se desenrolou muito antes do enlace entre ela e
Picciani. O que ela alega na ação é que o filho mais novo

4|9
CLUBE DE REVISTAS

CÁLCULO Trecho da ação: a conta sobre o valor do


patrimônio será refeita

PROVA DE AMOR Carta de Jorge Picciani à mulher: a


relação durou sete anos

5|9
CLUBE DE REVISTAS

do casal, de fora do reparte, também deve ser agraciado


com um quinhão das empresas. “A divisão das cotas re-
sultou, na prática, em uma antecipação da herança que
jamais foi revista depois do nascimento do novo herdei-
ro”, diz o advogado de Hortência, Davi Salles. “Meu ma-
rido trabalhou quarenta anos para ter algo que meu filho
está sendo impedido de desfrutar”, queixa-se a jovem
viúva, que dispara: “Os filhos mais velhos querem que eu
fique na mão deles, recebendo uma espécie de esmola”.
Procurados, os três Picciani e seus advogados não se pro-
nunciaram. Nos autos, a defesa de Rafael, Leonardo e Fe-
lipe alega que a versão da ex-madrasta é “um absoluto
equívoco de compreensão quanto ao Direito Sucessório e
Societário, que tangencia a má-fé”.
Outro ponto central na queda de braço entre a viúva e
os primogênitos reside no valor da holding, que inchou à
medida que Picciani foi pondo seu generoso patrimônio
sob o guarda-chuva da empresa. A quantia de 40 milhões
de reais jamais levou em consideração, por exemplo, as
cabeças de gado que as fazendas reuniam no momento
da morte do ex-presidente da Alerj nem os contratos de
arrendamento de terra selados nesse período — um deles
com o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha.
“Jorge sempre me dizia que apenas uma dessas fazendas
valia 450 milhões de reais”, contou a VEJA Hortência,
que recém contratou um perito judicial para atualizar os
valores. Com base nos bens elencados no processo, a re-

6|9
CLUBE DE REVISTAS
DIVULGAÇÃO

QUANTAS CABEÇAS? Fazenda em Minas:


rebanho da Agrobilara ainda é mistério

portagem foi checar os números e, após analisar um a um


os itens do patrimônio, ouvindo respeitados profissionais
do mercado imobiliário e do setor agropecuário, o mon-
tante chegou a 457,6 milhões de reais.
Foi nos corredores da Alerj que Picciani e Hortência
se esbarraram pela primeira vez. A então estudante de
jornalismo trabalhava como estagiária na liderança do
MDB, e o relacionamento decolou. A diferença de idade
entre os dois — ela, 26 anos; ele, 59 — nunca freou os na-
morados, que selaram a união em cerimônia cercada de
pompa, na qual estiveram presentes todos os caciques da
cena fluminense. Os convidados foram surpreendidos

7|9
CLUBE DE REVISTAS

com uma coreografada dança dos noivos ao som de Xote


da Alegria, do grupo Falamansa.
A moça da Zona Norte do Rio foi, a princípio, bem
acolhida pelo clã e abriu os braços a outro filho que o ma-
rido tivera pouco antes, atualmente com 11 anos. “Amo
todos os meus filhos, mas minha família é você e V. (ini-
cial do nome do caçula). Talvez não tivesse força para me
levantar da cama se não fosse (sic) vocês”, anotou Piccia-
ni em 2020, enquanto pernoitava em uma cela na Cadeia
José Frederico Marques, em Benfica (veja trecho da car-
ta). Hortência relata que nunca teve divergência com os
enteados enquanto o marido era vivo. “Éramos uma fa-
mília, vivíamos reunidos em almoços e festas”, garante.
Passados dois dias da morte do patriarca, a aparente
harmonia ruiu quando os Picciani mais velhos, que fica-
ram com o controle do patrimônio, se recusaram a pagar
os gastos com a mansão da Barra, o que levou Hortência
a sair do faustoso imóvel e alugar um dois-quartos no
mesmo bairro. Como esposa, ela tinha o direito de admi-
nistrar o espólio, mas diz que estava abalada para condu-
zir as finanças e declinou. Por dois anos, conta que rece-
beu pensão de 25 000 reais, cortada assim que decidiu
tratar do enrosco nos tribunais. Um segundo processo, já
em segunda instância, pede o restabelecimento da pen-
são, negado há duas semanas. A viúva afirma que suas
fontes de renda são o aluguel da casa onde morava e o
rendimento proveniente dos 300 000 reais que manteve

8|9
CLUBE DE REVISTAS
JOSE LUCENA/FUTURA PRESS

AMIGÃO Cabral: o ex-governador


e Picciani foram enredados na Lava-Jato

em conta, que vêm evaporando rapidamente. “Meu único


plano B é voltar para a casa da Tijuca”, lamenta. Como se
não bastasse, em meio às altas cifras em jogo, Picciani
deixou um presente de grego. Contra ele, ainda pesam
seis ações por improbidade, que barram a venda de qual-
quer um de seus bens. Apenas uma delas gira na casa dos
400 milhões de reais. Em um folhetim de desfecho im-
previsível, outra viúva pode sair ganhando: a União. ƒ

Com reportagem de Lucas Mathias

9|9
CLUBE DE REVISTAS

UM CONGRESSO
DISFUNCIONAL
O Parlamento fecha os olhos
e insiste em velhos hábitos

NO ANO DE 1215, nobres ingleses se rebelaram contra um


rei que cobrava impostos escorchantes e crescentes e o obri-
garam a assinar a Magna Carta. Criou-se o Parlamento, um
conselho para fiscalizar o monarca e garantir que ele cum-
prisse a lei e não gastasse irresponsavelmente.
É função precípua do Parlamento, desde sua origem,
manter o Executivo na linha. Mas Bolsonaro infringiu a lei
incontáveis vezes, gastou muito mais do que poderia, des-
montou as instituições e atentou contra a democracia — e o
Congresso nada fez. As finanças se deterioram, Lula dina-
mita a responsabilidade fiscal, gasta de maneira temerária e
avisa que quer gastar ainda mais — e o Congresso aplaude.
Até porque ano que vem tem eleição. Os parlamentares não
são só lenientes, como participam e se locupletam com en-
tusiasmo. O Centrão (a turma que fez a festa no mensalão,
no petrolão e no orçamento secreto) faz a festa com o Orça-
mento Secreto 2.0 — O Retorno: as emendas RP9 de antes
agora são emendas RP2 e emendas Pix. E pau na máquina.

1|3
CLUBE DE REVISTAS

A outra função precípua do Congresso é, claro, criar leis.


E ele cria muitas leis. Em setembro, por exemplo, instituiu a
Semana Nacional do Empreendedorismo Feminino, a Se-
mana do Migrante e do Refugiado e o Dia Nacional dos Des-
bravadores, declarou Carlópolis (PR) a Capital Nacional da
Goiabada de Mesa e São Luís (MA) a Capital Nacional do
Reggae. E por aí vai. Mas o Congresso existe não para legis-
lar abobrinha, e sim para encaminhar as grandes questões
nacionais. Quando o Executivo empurra (caso da reforma
tributária), até sai, mas a regra é a procrastinação.
Segurança, aborto e o marco temporal das terras indíge-
nas são temas importantes e estão na roda há décadas. Al-
guém viu debate sério e aprofundado a respeito no Congres-
so? Não, só lacração e video-selfie para publicar nas redes.
Os parlamentares enrolam e, quando o Supremo deci-
de, chiam que é “interferência de um poder sobre o ou-

“Não admira que


os eleitores não deem
valor a seus votos
e encarem políticos
como parasitas”
2|3
CLUBE DE REVISTAS

tro” (não, não é). E partem para o confronto, como na


aprovação afobada do marco temporal após declarada
sua inconstitucionalidade(!).
O Senado merece menção particular. O Senado mo-
derno foi inventado nos Estados Unidos em 1787 com os
objetivos de proteger a legislação da “inconstância” e das
“paixões” — como escreveu o estadista James Madison
— dos deputados e do público em geral e garantir uma
análise cuidadosa, que impedisse leis inúteis ou nocivas.
Nosso Senado faz o oposto exato disso.
Não admira que os eleitores não deem valor a seus votos
e encarem políticos como parasitas. Em 2013, a indignação
levou multidões às ruas e derivou para o vandalismo. No
ano seguinte, começou a Lava-Jato, logo neutralizada. Em
2018, houve adesão maciça a um candidato visto como anti-
-establishment. Em 2022, o ressentimento quase reelegeu o
golpista que tentou destruir a democracia brasileira.
Nossos políticos fecham os olhos e insistem nos velhos
hábitos — enquanto o ressentimento do Brasil contra Brasí-
lia só cresce. A história mostra o que acontece quando o res-
sentimento chega ao ponto de ebulição. O 14 de julho de
1789, na França, é o exemplo mais emblemático. ƒ

3|3
BRASIL PODER
CLUBE DE REVISTAS
RICARDO STUCKERT/PR

MENTIRAS
SINCERAS
Oposição elege as redes sociais como arena para
o embate político e a difusão de notícias falsas
como arma para atacar o governo
RICARDO CHAPOLA E MARCELA MATTOS

1|9
CLUBE DE REVISTAS

CONTRAPROPAGANDA
Repatriados: chegada dos
brasileiros de Gaza foi
usada pelo governo para
rebater as “notícias” de que
Bolsonaro havia sido o
responsável pela liberação

O AVIÃO que repatriou os


22 brasileiros e dez fami-
liares palestinos que fugi-
ram dos horrores da Faixa
de Gaza pousou na Base
Aérea de Brasília no fim da noite de segunda-feira 13. Na ca-
beceira da pista, aguardando o desembarque, estavam per-
filados Lula, a primeira-dama Janja, os ministros da Justiça,

2|9
CLUBE DE REVISTAS

das Relações Exteriores, da Saúde, dos Direitos Humanos,


da Secretaria de Comunicação Social, da Secretaria-Geral
da Presidência, além dos três comandantes militares e as-
sessores do segundo escalão do governo. O presidente cum-
primentou um a um os passageiros, abraçou as crianças, ou-
viu agradecimentos sinceros, tirou fotografias e discursou
perante o batalhão de jornalistas presentes: “Enquanto tiver
a possibilidade de tirar uma pessoa da Gaza, vamos tirar.
Mesmo que seja palestino de origem”. Foi a sétima missão
de repatriação desde o início da guerra entre Israel e os ter-
roristas do Hamas, mas a primeira que contou com um re-
ceptivo desse porte. Pouco ou quase nada disso foi totalmen-
te espontâneo.
Nas últimas semanas, as redes sociais foram inundadas
por versões sobre as dificuldades para repatriar os brasileiros
que estavam em Gaza. A mais popular delas, difundida por
apoiadores de Jair Bolsonaro, relatava que a autorização para
que a comitiva cruzasse a fronteira com o Egito e deixasse a
zona de guerra só teria sido concedida depois de uma inter-
venção do ex-presidente junto ao embaixador de Israel no
Brasil. Replicando a “notícia”, o deputado Mario Frias (PL-
-SP) agradeceu ao ex-mandatário e disparou contra o atual
presidente: “Enquanto Lula passou todo esse tempo atacan-
do Israel, Bolsonaro intercedeu pelos brasileiros. Aprende,
Lula”. A deputada Carla Zambelli (PL-SP), também através
de suas redes, não chegou a afirmar diretamente que Bolso-
naro foi o responsável pela autorização, mas insinuou. Se-

3|9
CLUBE DE REVISTAS
INSTAGRAM @LUHFARIASOFICIAL

VERDADE Ministério da Justiça: servidores da pasta, de


fato, se reuniram com a “dama do tráfico”

gundo ela, o assunto foi discutido com o embaixador na vés-


pera da liberação. “Obrigado, Bolsonaro”, postou a parla-
mentar para os seus 2,3 milhões de seguidores.
O governo detectou o desgaste provocado pela informa-
ção — não confirmada nem desmentida pela Embaixada de
Israel — e decidiu utilizar a solenidade na Base Aérea como
contrapropaganda. Foi tudo planejado para não deixar dúvi-
das sobre o empenho do presidente em “salvar” seres huma-

4|9
CLUBE DE REVISTAS

IRRESPONSABILIDADE Eduardo Bolsonaro:


“Não merecemos ter um ministro envolvido com o tráfico”

5|9
CLUBE DE REVISTAS

nos. Lula ainda aproveitou


o evento para disparar críti-
cas a Israel. “O Hamas co-
meteu um ato terrorista e
fez o que fez. Israel também
está cometendo vários atos
de terrorismo ao não levar
em conta que as crianças
não estão em guerra, que as
mulheres não estão em
guerra. Eles não estão ma-
tando soldados, estão ma-
tando crianças”, disse o pre-
sidente. A simpatia pela
causa palestina não é novi-
dade, mas, ao subir o tom
das críticas a Israel e mon-
tar o pomposo evento em
Brasília, o governo apostou
que mitigaria o efeito nega- MENTIRA Post: vereador
tivo das fake news, mesmo publicou que o ministro da
que, para isso, tenha sido Justiça também se reuniu com a
necessário usar vítimas de “dama do tráfico”
uma tragédia humanitária.
O episódio revelou que a difusão de notícias falsas con-
tinua sendo a mais eficiente e poderosa arma da oposição
para o embate político. Os partidos considerados de direi-

6|9
CLUBE DE REVISTAS

ta e de centro-direita ocupam 273 das 513 cadeiras da Câ-


mara e 66 das 81 do Senado — uma força que, em tese, já
seria suficiente para obrigar o governo a negociar a trami-
tação de um simples projeto de lei. No primeiro ano da no-
va legislatura, porém, não aconteceu o que muitos analis-
tas previam. Emendas importantes, como a reforma tribu-
tária, foram aprovadas por larga maioria e as pautas con-
servadoras não avançaram. O Planalto distribuiu cente-
nas de cargos e bilhões de reais em verbas que certamente
amainaram o ímpeto de determinados grupos. Talvez isso
explique uma oposição menos atuante e mais branda do
que se imaginava.
O fato é que o confronto político tem deixado as arenas tra-
dicionais e se concentrado nas redes sociais, território que os
aliados de Jair Bolsonaro ainda são considerados imbatíveis.
Para Rodrigo Prando, professor de ciências políticas da Uni-
versidade Mackenzie, não é difícil explicar o fenômeno. Os
aliados do ex-presidente preferem levar a luta política para as
redes sociais porque têm mais expertise nesse ambiente e de-
fendem causas que encontram muito eco na sociedade. Essa
pregação, misturada com informações distorcidas e, muitas
vezes, mentirosas, forma opiniões, produz consensos e engaja-
mentos. “Hoje existe uma oposição com mais dificuldade de
fazer o embate político no lugar adequado, que seria o Con-
gresso Nacional, porque parte dela está habituada à guerra nas
redes sociais. Explorar temas relacionados a valores viraliza e
mobiliza mais, porque engloba assuntos como ética, moral e

7|9
CLUBE DE REVISTAS

religião — aspectos que vão além do bolsonarismo”, explica o


professor, autor do livro Fake News na Política, lançado no ano
passado. Nos últimos dias, surgiu mais um exemplo dos resul-
tados alcançadas por essa estratégia.
O alvo foi o ministro da Justiça, Flávio Dino, que desde o
início do governo está na mira preferencial dos bolsonaristas,
cujos ataques foram reforçados após ele passar a ser cotado
para integrar uma cadeira de ministro do Supremo Tribunal
Federal. Dessa vez, a onda de fake news da oposição teve iní-
cio após um fato verdadeiro. O jornal O Estado de S. Paulo
mostrou que a mulher de um líder do Comando Vermelho,
uma das principais e mais perigosas facções criminosas do
país, esteve duas vezes na pasta chefiada por Dino e partici-
pou de reuniões com dois secretários e dois diretores. Lucia-
ne Barbosa integrava uma comitiva formada por advogadas
ligadas aos direitos humanos, e o encontro teve como objeti-
vo discutir as condições das penitenciárias. Ela tem interesse
direto no assunto: é casada com Clemilson Farias, conhecido
como Tio Patinhas, que cumpre pena de 31 anos de prisão
por tráfico de drogas, organização criminosa e lavagem de
dinheiro, e também foi condenada pelos mesmos crimes, mas
recorre em liberdade.
A notícia é, de fato, preocupante e beira o escárnio o fato
de o ministério que cuida da segurança pública do país ter
aberto as portas para uma pessoa com essas credenciais sem,
ao menos, se dar conta disso. Setores da oposição, no entanto,
resolveram distorcer o episódio para desgastar ainda mais o

8|9
CLUBE DE REVISTAS

ministro Flávio Dino. O vereador de São Paulo Fernando Ho-


liday (PL) divulgou um vídeo em uma rede social dizendo que
o ministro da Justiça também havia se encontrado com a “da-
ma do tráfico”, apelido de Luciane. Na gravação, Dino apare-
ce abraçado e sorridente à suposta esposa do líder do Co-
mando Vermelho. Nessas condições, Holiday propagou que
a situação do ministro era “absolutamente insustentável”.
O vídeo viralizou nas redes sociais, e, na mesma velocidade,
veio a público que, na verdade, a personagem em questão
não era Luciane. Holiday apagou a publicação, o que não
evitou a repercussão. O estrago já estava feito.
Filho de Jair Bolsonaro, o deputado Eduardo Bolsonaro,
escreveu em uma rede social que “Não merecemos ter um
ministro envolvido com o tráfico”. “Muito menos um supre-
mável”, ressaltou. Flávio Dino prometeu processar os auto-
res. Aliados também tentaram criar uma onda favorável a
Dino nas redes sociais, fazendo uma série de publicações
contra os ataques direcionados ao ministro. Até Lula entrou
em campo para prestar solidariedade a um dos seus mais
populares auxiliares. “Não há uma foto sequer, mas há vá-
rios dias insistem na disparatada mentira. (...) Essas ações
(do Ministério da Justiça) despertam muitos adversários,
que não se conformam com a perda de dinheiro e dos espa-
ços para suas atuações criminosas. Daí nascem as fake news
difundidas numa clara ação coordenada”, escreveu o presi-
dente. Lula está certo. Ele só esqueceu de se manifestar so-
bre a parte verdadeira da história. ƒ

9|9
BRASIL GOVERNO
CLUBE DE REVISTAS

TWITTER @LUALCKMIN_

NO PLANALTO A elegante Lu Alckmin:


discrição quando o assunto é política

COM A MÃO
NA MASSA
Distante das disputas de poder e das intrigas políticas,
a segunda-dama se dedica a projetos sociais na periferia
de Brasília — e a acompanhar o marido LEONARDO CALDAS

1|9
CLUBE DE REVISTAS

AS ROUPAS escolhidas pela primeira-dama e pela segunda-


dama para a solenidade de posse do presidente Lula e do vice
Geraldo Alckmin já mostravam, desde o primeiro dia, estilos
distintos entre as duas. As diferenças ficaram evidentes no go-
verno. Janja tem gabinete no Palácio do Planalto, participa de
reuniões oficiais, dá palpites em decisões, já provocou a demis-
são de assessores, milita nas redes sociais, defende causas e,
sempre que pode, deixa claro o seu papel de protagonista —
desenvoltura que, não raro, é alvo de críticas prudentemente
silenciosas por parte dos próprios petistas e aliados. Lu Alck-
min, a segunda-dama, é o oposto disso. Ela não tem gabinete
na Esplanada, vai ao Ministério do Desenvolvimento, Indús-
tria, Comércio e Serviços, onde o marido também ocupa o car-
go de ministro, apenas quando é convidada a participar de al-
guma solenidade oficial, mantém distância regulamentar dos
holofotes e raramente aparece em público.
Ao contrário da maioria das autoridades, a segunda-dama
nunca gostou de chamar atenção. Discreta, ela tem dividido
seu tempo entre o Palácio do Jaburu, a residência da Vice-
Presidência, e o trabalho social que realiza em comunidades
carentes do Distrito Federal. Entrevistas? Pode-se contar nos
dedos de uma das mãos as que ela já concedeu, e, quando
acontecem, Dona Lu, de maneira educada, logo adverte que
não gosta de falar sobre política. “Sempre tive essa postura”,
desconversa. Algo parece ter mudado. Na semana passada,
VEJA acompanhou a segunda-dama em uma visita ao Sol
Nascente, a maior favela do país, localizada na periferia da Ca-

2|9
CLUBE DE REVISTAS
FOTOS ARQUIVO PESSOAL; RICARDO STUCKERT/PR E LEONARDO CALDAS

2 5

PRIORIDADE PARA O SOCIAL


1 0 projeto para formar panificadores em comunidades
carentes começou em São Paulo; 2 Na semana passada,
visitando uma unidade na periferia de Brasília; 3 Pausa para
fotos com alunos e monitores; 4 Apoio de empresários para
comprar equipamentos e parceria com a Igreja Católica;
5 Com Janja na posse de Lula e de Geraldo Alckmin

3|9
CLUBE DE REVISTAS

pital. No local, funciona uma unidade do Padaria Artesanal,


projeto que ela coordena em parceria com a iniciativa privada
e com a Igreja Católica para formar panificadores. Não havia
fotógrafos, faixas, as tradicionais claques nem comboio de car-
ros oficiais. Tudo, como de costume, muito discreto.
Dona Lu chegou ao Sol Nascente no início da tarde. A re-
portagem foi avisada com antecedência sobre o horário e o lo-
cal da visita. “Vocês estão sentindo o cheirinho de pão?”, per-
guntou ela, ao ingressar no centro comunitário. Na sequência,
inspecionou os equipamentos, experimentou pães, conversou
com os monitores, falou sobre a importância do projeto e, por
fim, posou com os alunos e a equipe — fotos que mais tarde se-
rão postadas numa rede social, onde ela tem 135 000 seguido-
res. Eram 50 000 antes da posse. A segunda-dama conta que
sua meta é levar o Padaria Artesanal a todos os estados. Insta-
da a falar sobre esse tema, ela não se esquiva: “Alguns estados
já se interessaram. Conversei com a primeira-dama do Ceará,
que vai mandar três pessoas para receber formação aqui. Mas
quero lembrar que isso não é coisa só de primeira-dama, nem
só de católicos”.
A visita durou aproximadamente duas horas. Sempre sorri-
dente, dona Lu começa então a se despedir da comunidade.
Momento da abordagem, conforme previamente combinado.
Atenciosa, ela logo faz a advertência de praxe. Aos poucos, po-
rém, vai se soltando. “Quero deixar claro que eu nunca fiz esse
trabalho social pelo Geraldo, mas foi ele quem me deu essa
oportunidade, desde que assumiu pela primeira vez o governo

4|9
CLUBE DE REVISTAS
CADU GOMES/VPR

NA POPA Alckmin e Dona Lu: ações sociais


sem alarde e sem qualquer conotação política

de São Paulo”, disse. Indagada se isso não seria uma forma de


fazer política, ela emenda: “É lógico que sou a esposa dele, as
pessoas sabem disso. Mas nunca fui funcionária de governo ou
falei em política”. Lu Alckmin é filiada ao PSB, mas ressalta
que não participa de qualquer atividade partidária. “A partir do
momento em que eu me vincular a um partido, ou alguma coi-
sa assim, as pessoas não irão me ajudar. Sou filiada apenas pa-
ra acompanhar meu marido, mas jamais serei candidata a na-
da”, afirma. Apesar das tentativas, é o máximo que se conse-
gue arrancar dela nessa seara.

5|9
CLUBE DE REVISTAS

Falar da rotina em Brasília


também não é problema. Aos
72 anos, a segunda-dama acor-
da cedo, caminha 5 quilôme-
tros em meio aos jardins do Pa-
lácio do Jaburu, toma café da
manhã com o marido e, de-
pois, ambos seguem separados
para cumprir as respectivas
agendas. No geral, ela se dedi-
REPRODUÇÃO

ca a visitar seu projeto social,


NA PROA Janja, as igrejas parceiras e, vez por
desembarcando à frente do outra, concede audiências. Nas
presidente Lula: protagonismo horas vagas, diz, cuida de uma
da primeira-dama incomoda horta e tem acompanhado o
os próprios aliados crescimento de oito emas re-
cém-nascidas na residência ofi-
cial. Nos fins de semana, recebe a visita dos netos e cozinha pa-
ra eles — “macarronada”, o prato predileto da família. Dona Lu
conta que convenceu o marido a almoçar em casa todos os dias
— uma vitória, segundo ela. Perguntada sobre o papel que con-
sidera ideal para uma primeira-dama, pondera que não existe
um modelo: “Cada uma tem um perfil, um jeito e uma maneira
de fazer o seu trabalho. Eu tive a oportunidade dada pelo Ge-
raldo de escolher a parte social”. Seria uma crítica, mesmo que
indireta, a alguém? Ela garante que não. Reverência absoluta,
porém, só mesmo ao marido (leia a entrevista ao lado). ƒ

6|9
CLUBE DE REVISTAS

“SOU A ESPOSA DELE E PONTO”


Qual é o papel de uma primeira-dama? Cada uma
tem um perfil, um jeito e uma maneira de fazer o seu traba-
lho. Eu tive a oportunidade dada pelo Geraldo de escolher a
parte social. Ajudar as pessoas é um exemplo de família que
vem desde a minha infância. Meus pais tiveram onze filhos e
pegaram um para criar. Mesmo com doze filhos, o meu pai e
a minha mãe arrumavam tempo para cuidar das pessoas
carentes. Sempre quis dar continuidade a isso. O sonho da
minha vida se realizou quando casei com o Geraldo.

Por que a senhora se recusa a falar ou comen-


tar algo em relação à política? Quero deixar cla-
ro que eu nunca fiz esse trabalho social pelo Geraldo,
mas foi ele quem me deu essa oportunidade, desde que
assumiu pela primeira vez o governo de São Paulo. As
pessoas sabem que sou a esposa dele. Mas nunca fui
funcionária de governo ou falei em política. Sempre tive
essa postura. Sou mulher dele, amo ele e faço o traba-
lho social porque gosto. Estou fazendo o que aprendi
com meus pais. Viemos ao mundo para servir.

7|9
CLUBE DE REVISTAS

Às vezes, não falar de política é uma maneira de


fazer política. Não tenho nenhuma pretensão nessa
área. Sou a esposa dele e ponto. Meu foco é o trabalho so-
cial. Quero levar o Padaria Artesanal para o Brasil inteiro.
Essa é minha marca. Eu sei que tem muita gente com fome.
Quero ensinar as pessoas a fazer pães, alimentar a popula-
ção. São pães nutritivos, fáceis de fazer, de baixo custo,
sem dinheiro público e ainda geram renda para as pessoas.

Mas a senhora não é filiada ao PSB? Não sou polí-


tica e jamais vou me candidatar a nada. Nunca, nem com
meu marido. Eu trabalho com a sociedade civil. Consegui
os kits para que as comunidades possam fazer as suas pa-
darias e ensinar mais pessoas. A partir do momento em
que eu me vincular a um partido, as pessoas não irão me
ajudar. Sou filiada ao partido apenas para acompanhar
meu marido, mas jamais serei candidata a nada.

O comportamento da senhora é bem diferente


do da primeira-dama, que participa e defende a
participação política das mulheres. A Janja é ma-
ravilhosa. Eu a conheci durante a campanha. Uma pessoa
alegre, dinâmica, que defende a causa da mulher. Uma de-

8|9
CLUBE DE REVISTAS

fensora da atuação das mulheres na política. Ela tam-


bém recebe entidades sociais. Foi ao Rio Grande do Sul
representar o presidente na época das enchentes. Tem
um trabalho lindo, pelo qual tenho o maior respeito. As-
sim como Janja, eu também quero ver mais mulheres
na política.

Como está sendo voltar a morar em Brasí-


lia? Eu já gostava daqui. Os meus três filhos eram pe-
quenos na primeira vez que moramos aqui (Alckmin foi
deputado federal de 1987 a 1994) e cresceram aqui. O
Jaburu é tranquilo, é um lugar lindo, mas eu gosto mes-
mo é do trabalho social. Gosto de estar no meio dos
projetos, das comunidades. E ainda consegui conven-
cer o Geraldo a mudar um pouco a rotina dele.

Como assim? Ele trabalha muito, nunca ia almoçar. É


de segunda a domingo. Comia só sanduíche e não almo-
çava. Eu disse que ele ocupa uma posição que necessita
de saúde. Não podia continuar daquele jeito. Ele despa-
cha de manhã no Palácio do Planalto e de tarde no minis-
tério. São quatro minutos de carro da Vice-Presidência
até o Jaburu. Ele agora vai almoçar em casa.

9|9
BRASIL INSTITUIÇÕES
CLUBE DE REVISTAS

A ÚLTIMA
TRINCHEIRA
Tabu histórico, a participação de mulheres em igualdade
de condições com homens nas corporações militares
ganha impulso com uma ofensiva da PGR no Supremo
BRUNO CANIATO

RARIDADE Formatura na Academia das Agulhas Negras (RJ)


em 2022: elas compõem apenas 10% do efetivo

BEKAS FORMATURAS MILITARES/AGÊNCIA ESPCEX

1|9
CLUBE DE REVISTAS

FOI EM MEADOS de 1821, no pequeno município baiano


de Cachoeira, que um jovem na faixa dos 20 anos bateu à
porta do Regimento de Artilharia do Exército Brasileiro,
apresentou-se como José Medeiros e colocou-se à disposi-
ção para combater as tropas portuguesas que contestavam
a legitimidade de dom Pedro I, então príncipe regente. O
disfarce não durou muito — durante as diversas lutas vito-
riosas do Batalhão dos Periquitos, descobriu-se que o solda-
do, na verdade, chamava-se Maria Quitéria de Jesus. Mais
tarde, ela ganharia reconhecimento oficial como a primeira
militar brasileira e heroína da Independência, com direito a
uma estátua na Praça da Soledade, em Salvador. O triunfo
da menina órfã, que aprendeu sozinha a manusear equipa-
mentos bélicos, foi o primeiro passo, mas a aceitação de
mulheres no ambiente militar sempre andou de forma len-
ta, travada pela desconfiança de que não teriam a mesma
condição de exercer atividades de força como os homens.
Passados dois séculos, o tabu está em xeque em razão
de ofensiva empreendida pela Procuradoria-Geral da Re-
pública para derrubar as últimas barreiras à ampla partici-
pação feminina nas Forças Armadas e na Polícia Militar. A
iniciativa tem a assinatura da procuradora-geral da Repú-
blica, Elizeta Ramos, que ocupa o cargo de forma interina
desde a saída de Augusto Aras, em setembro. Ela ingres-
sou com três ações diretas de inconstitucionalidade no
STF para alterar regras que limitam o ingresso e a partici-
pação ativa de mulheres nas Forças Armadas. Também

2|9
CLUBE DE REVISTAS
TON MOLINA/FOTOARENA

BLITZ Elizeta Ramos: dezessete


ações diretas de inconstitucionalidade

entrou com processos semelhantes para derrubar a legisla-


ção restritiva de catorze estados para o ingresso e a atua-
ção de mulheres na Polícia Militar. Em meio a essa ofensi-
va, o ministro Cristiano Zanin suspendeu dois concursos
da PM em andamento — um no Distrito Federal e outro no
Rio de Janeiro — que destinavam apenas 10% das vagas às
candidaturas femininas, prática incondizente com o prin-
cípio da igualdade de gênero no serviço público.
Há entraves de todo o tipo à participação ostensiva das
mulheres, especialmente nas Forças Armadas. O caso
mais flagrante ocorre na Marinha, cuja legislação dá po-
der ao comandante para definir atividades e funções ex-

3|9
CLUBE DE REVISTAS

clusivas de cada gênero. A Aeronáutica não possui regras


específicas que restrinjam o acesso de mulheres, mas a re-
gra atual permite que barreiras sejam criadas a partir de
critérios físicos, emocionais e logísticos. No caso do Exér-
cito, o alvo é uma norma de 2012 que exige a regulamenta-
ção de cursos militares com vagas femininas e, com isso,
cria o precedente de vetar a entrada de mulheres em ou-
tras escolas de formação.

19,7 12,7

PELOTÃO
FEMININO
A participação
das mulheres
nas forças
militares AERONÁUTICA MARINHA
brasileiras
(em %)

4|9
CLUBE DE REVISTAS

Algumas mudanças, é verdade, começaram a ocorrer a


partir da década de 80 nas Forças Armadas, embora restri-
tas, na maioria dos casos, à participação feminina em pos-
tos auxiliares, como dentistas, médicas e enfermeiras. A
Aeronáutica foi a primeira a incorporar mulheres em posi-
ções de combate, iniciando a primeira turma em 1982. É
também a Força que tem hoje o maior percentual feminino
— 19,7% (veja o quadro nesta página). No Exército, o in-

6,4 11,6 8,1


100

80

60

40

20

EXÉRCITO POLÍCIA FORÇA NACIONAL DE


MILITAR SEGURANÇA PÚBLICA
Fontes: Forças Armadas — 2022, Perfil das Instituições de
Segurança Pública do Ministério da Justiça — 2020 e Anuário
Brasileiro de Segurança Pública — 2022

5|9
CLUBE DE REVISTAS

gresso foi permitido somente em 1992, e, na Marinha, seis


anos depois. Até a virada do século, nenhuma mulher ocu-
pava cargos de generalato, e até hoje não há presença femi-
nina nos Altos-Comandos.
Em contraste, já em 2000, o Uruguai permitia mulheres
entre os quadros de comandantes de todas as Forças, o que
também tornou-se realidade no Paraguai em 2003. Ou se-
ja, o atraso do Brasil é flagrante. “A Otan, por exemplo,
tem metas obrigatórias para inclusão de mulheres e repre-
sentantes da comunidade LGBTQIA+, coisas que ainda
são tema de piada por aqui”, afirma Lucas Rezende, pro-
fessor do Departamento de Ciência Política da UFMG.
Desde a década passada, países como Israel e Coreia do
Sul já adotam o serviço militar obrigatório para mulheres
— no âmbito da Otan, o primeiro membro a implementar a
medida foi a Noruega, em 2014, além de formar uma divi-
são exclusivamente feminina do Exército dois anos depois.
Nos Estados Unidos, tanto a Marinha quanto o Comando
Sul são liderados por mulheres.
A abertura no Brasil começou bem antes na Polícia Mili-
tar, embora isso não tenha representado ainda uma partici-
pação feminina maior: as mulheres são hoje menos de 12%
do efetivo. A estreia ocorreu em 1955, com a formação do
Corpo de Policiamento Especial Feminino em São Paulo —
força pioneira na América Latina. Ao longo da década de
1980, os estados iniciaram a abertura sistemática de suas fi-
leiras para policiais femininas, ainda que restritas a ativida-

6|9
CLUBE DE REVISTAS
KYRRE LIEN/AFP

NO FRONT Exercício de tiro na Noruega: país foi o primeiro


da Otan a adotar o serviço militar obrigatório para mulheres

des auxiliares, como telefonistas, secretárias, datilógrafas e


enfermeiras. Somente a partir da década de 1990 é que elas
conseguiram, de fato, ocupar postos nas linhas de frente dos
batalhões — no entanto, a exemplo do que ocorre com as
Forças Armadas, boa parte das leis estaduais limita as vagas
e funções disponibilizadas. Em geral, as regras definem um
percentual fixo ou mínimo de postos de soldados e oficiais a
serem oferecidos às mulheres, girando entre 5% e 15% do
quadro efetivo, ou deixam essa divisão inteiramente a cabo
do Executivo estadual. O resultado, em muitos casos, é uma
discrepância na competitividade pelos cargos. No mais re-
cente concurso mineiro, a relação de candidatos por vaga era
de dezessete para homens e 48 para mulheres. “As normas
acabam por instituir injustificado tratamento privilegiado a
homens e prejuízo, preconceito e discriminação à população

7|9
CLUBE DE REVISTAS
ACERVO MUSEU PMSP

PIONEIRAS Policiais de SP em 1955:


a primeira turma feminina do Brasil

feminina”, diz a PGR. O julgamento deverá ser um teste de


alinhamento para os ministros do STF, já que os catorze pro-
cessos foram sorteados para sete relatores distintos.
A verdade é que os argumentos refratários a uma maior
abertura nos quartéis são falaciosos e machistas, a começar
pela ausência de “alojamentos adequados”. Mas a coisa vai
piorando, com discussões sobre como fazer o compartilha-
mento de banheiros, descambando até ao absurdo de preo-
cupações sobre o ciúme das esposas dos soldados. “Há uma
ideia de que a mulher não foi feita para atuar na guerra. O
papel que historicamente se destina às mulheres é de víti-
ma”, afirma a historiadora Maria Cecília Adão, membro da
Associação Brasileira de Estudos de Defesa (Abed).
Há ainda entraves institucionais — somente a partir de
2012, devido a uma lei sancionada por Dilma Rousseff, a

8|9
CLUBE DE REVISTAS

Marinha e o Exército passaram a permitir o ingresso de mu-


lheres na Escola Naval e na Academia Militar das Agulhas
Negras (Aman), formação necessária para subir às patentes
de quatro estrelas. Naquele ano, as Forças Armadas celebra-
ram a primeira mulher a ocupar um posto de generalato: a
contra-almirante Dalva Carvalho Mendes. Em 2020, a bri-
gadeiro médica Carla Lyrio Martins fez história como a pri-
meira oficial-general feminina da Força Aérea Brasileira.
Até hoje, nenhuma mulher chegou a general do Exército.
Uma vez dentro da corporação, as dificuldades não di-
minuem, pelo contrário. “Muitas mulheres nas turmas ini-
ciais se sentem pressionadas a ter um desempenho constan-
temente exemplar, pois a partir delas serão pautadas as pró-
ximas turmas femininas”, conta Maria Cecília Adão. Se-
gundo a pesquisadora, grande parte dessa pressão está re-
lacionada à força física e à cobrança para realizar os mes-
mos exercícios que os homens. Quando não conseguem
atingir as mesmas marcas, a diferença biológica é tomada
como suposto indício de uma liderança fraca, ainda que a
força bruta não seja o único — ou o melhor — parâmetro
para o sucesso no comando militar.
As barreiras para mulheres no meio militar no Brasil
vêm sendo removidas, mesmo que lentamente. A judiciali-
zação ora em curso no Supremo não deixa de ser uma boa
oportunidade para discutir as últimas trincheiras do pre-
conceito e da discriminação em um segmento bastante im-
portante da vida pública do país. ƒ

9|9
CLUBE DE REVISTAS

O MARCO DA
REFORMA TRIBUTÁRIA
O esforço conjunto pode resultar
em avanços extraordinários

O AVANÇO da reforma tributária no Congresso Nacional


merece uma análise detalhada e específica. Ignorando
por um momento os detalhes da proposta, só o fato de ela
ter sido aprovada tanto pela Câmara quanto pelo Senado
— embora ainda aguarde o aval dos deputados ao fim da
tramitação — representa um marco extraordinário.
Desde a década de 1980, quando comecei a acompa-
nhar o debate legislativo no país, a reforma tributária
sempre esteve em um vaivém constante na agenda políti-
ca. Houve ocasiões em que mudanças pontuais foram
aprovadas, mas invariavelmente elas favoreciam o ente
arrecadador central, a União, em detrimento de uma mu-
dança mais ampla e abrangente.
O cenário para a aprovação da atual reforma tributária
é particularmente notável, dado que o Poder Executivo já
não exerce a mesma influência dominante de antes no
processo decisório. Notável foi a habilidade com que a
equipe de Fernando Haddad navegou em um ambiente

1|3
CLUBE DE REVISTAS

complexo e repleto de interesses divergentes. Embora o


resultado final possa não ser perfeito, é importante lem-
brar que, muitas vezes, buscar a perfeição pode ser um
obstáculo para alcançar o bom.
Dentro do Senado, Rodrigo Pacheco demonstrou uma
liderança política extraordinária ao acelerar a aprovação
da reforma tributária, encaminhando-a de volta à Câmara
dos Deputados em uma forma quase finalizada. Na Câ-
mara, Arthur Lira deverá repetir o desempenho eficiente
do primeiro semestre, conduzindo a proposta rapidamen-
te à votação no plenário. Provavelmente, teremos a refor-
ma promulgada este ano no Congresso Nacional.
Merecem amplo reconhecimento também Aguinaldo
Ribeiro e Eduardo Braga, relatores da proposta na Câma-
ra e no Senado, respectivamente. Ambos desempenharam
um papel crucial ao construir consensos em torno de

“Apesar de não agradar


a todos, o debate
continuado dará
oportunidades para os
ajustes necessários”
2|3
CLUBE DE REVISTAS

agendas complexas, em meio a um emaranhado de inte-


resses conflitantes.
A tramitação da reforma tributária é, sem dúvida, um
feito histórico por diversos motivos. Ela promete impulsio-
nar significativamente o crescimento econômico do Brasil,
com estimativas de que o PIB possa crescer até 12% nos
próximos anos, refletindo diretamente na renda dos brasi-
leiros. O sistema tributário, atualmente complexo e opaco,
será simplificado, com uma cobrança única de impostos,
proporcionando maior transparência e compreensão para
o consumidor sobre a carga tributária efetiva.
Essas transformações são essenciais para o desenvol-
vimento econômico do país, criando um ambiente mais
favorável ao investimento, geração de empregos e atenua-
ção das desigualdades sociais e regionais. Apesar de a re-
forma não agradar a todos, o debate continuado sobre a
regulamentação das medidas constitucionais dará opor-
tunidades para os ajustes e correções necessários.
Enfim, a reforma tributária reflete a existência de um
Congresso que não abandonou o ímpeto reformista e que,
pelo seu protagonismo, confirma a existência de um semi-
parlamentarismo de coalizão no qual o esforço conjunto
dos poderes na busca de pautas consensuais pode resultar
em avanços extraordinários. ƒ

3|3
BRASIL JUSTIÇA
CLUBE DE REVISTAS

OPERAÇÃO FAMILIAR
Filho do governador de Mato Grosso vira alvo
de ação da Polícia Federal por compra de
mercúrio ilegal e caso respinga no pai, que tem
negócios no garimpo VICTORIA BECHARA

FENÔMENO Mauro Mendes e Luis: aos 26 anos, o


empresário tem cargos em mais de 23 empresas em diversas

INSTAGRAM @MAUROMENDESOFICIAL

1|5
CLUBE DE REVISTAS

A POLÍCIA FEDERAL e o Ibama deflagraram no último


dia 8 a Operação Hermes 2, a maior ação já promovida contra
o uso ilegal de mercúrio. Ela mira uma organização que abas-
tecia garimpos em quatro estados da Amazônia, além dos cri-
mes de lavagem de dinheiro, receptação e falsidade documen-
tal. A Justiça determinou o cumprimento de 34 mandados de
busca e apreensão e o sequestro de 2,9 bilhões de reais em
bens dos investigados, entre eles o empresário Luis Antonio
Taveira Mendes, filho do governador de Mato Grosso, Mauro
Mendes (União Brasil). Os agentes bateram às portas de duas
empresas de mineração pertencentes a Luis Antonio e o dele-
gado responsável pelo caso chegou a pedir a prisão dele, o que
foi negado pela Justiça. Dono de uma extensa lista de negó-
cios, o empresário, no entanto, ficou proibido de mudar de en-
dereço ou deixar o país sem autorização e o caso respingou no
governador, que está no segundo mandato.
Aos 26 anos, Luis Antonio é o mais velho dos três filhos de
Mauro Mendes e da primeira-dama, Virgínia. Formado em
direito, ele já acumula a participação em 23 empresas, como
sócio, administrador, diretor ou presidente. Ao menos quinze
delas foram abertas nos últimos cinco anos. A maioria está lo-
calizada em Cuiabá, mas ele também tem interesses no Pará,
Alagoas e Acre. Segundo a PF, Luis é sócio da Kin Mineração
e da Mineração Aricá, alvos da Operação Hermes 2 por com-
pra de mercúrio ilegal para garimpo de ouro.
Luis Antonio renunciou ao cargo de diretor da Kin em mar-
ço, mas uma de suas empresas ainda consta como sócia das

2|5
CLUBE DE REVISTAS
POLÍCIA FEDERAL

FLAGRANTE A Hermes em ação: agentes


tentam desestruturar atividade ilegal

duas mineradoras. Ele também atua no setor de construção e


energia, é sócio do Azuri (um restaurante japonês famoso na
capital mato-grossense), do Aragon (especializado em culiná-
ria ibérica) e da casa noturna Vozz Club. Em seu perfil no Lin-
kedIn, apresenta-se apenas como diretor do Grupo Sollo, que
inclui quatro companhias com capital social total de 86 mi-
lhões de reais. Uma delas, a Sollo Construções, tem dívida ati-
va de 16 milhões de reais com a Receita Federal, o que levou ao
confisco de um jatinho da companhia. A defesa de Luis Anto-
nio afirma que algumas das dívidas são questionadas judicial-
mente e que as comprovadas serão parceladas e pagas na for-
ma estabelecida pela lei. O advogado diz ainda que Luis não é
o responsável pela gestão da empresa e que o arrolamento da
aeronave é um “mecanismo comum e usual” da Receita.
Apesar dessa miríade de negócios, a entrada do empresá-
rio no radar da PF e do Ibama se deu basicamente por conta

3|5
CLUBE DE REVISTAS

do mercúrio. A PF aponta que as empresas ligadas a Luis An-


tonio compravam o produto do líder do esquema, Arnoldo
Veggi, que trazia o metal ilegalmente da China. Foram impor-
tadas mais de 5 toneladas do produto em dois anos. Segundo
um relatório policial, Arnoldo emitiu notas fiscais em 2022
simulando a venda de bolas de ferro para a Aricá, de forma a
disfarçar o contrabando de mercúrio. Em mensagens, mem-
bros da organização se referiam à Aricá como “o garimpo do
Mauro Mendes”.
A investigação ainda revelou que um dos maiores compra-
dores de mercúrio era Valdinei Mauro de Souza, bilionário
conhecido como Nei Garimpeiro e velho amigo da família
Mendes. O empresário e o governador adquiriram uma mine-
radora avaliada em 700 milhões de reais em 2014. A empresa
passou a se chamar Maney, juntando as iniciais dos nomes
dos dois amigos, que viraram réus por suposta fraude na com-
pra — foram absolvidos em agosto de 2022. Uma das compa-
nhias da qual Luis Antonio é administrador, a Minerbras Mi-
neração, usa o endereço eletrônico de Nei nos registros ofi-
ciais, apesar de o nome dele não constar no quadro societário.
O garimpeiro já havia sido alvo da primeira fase da Hermes,
suspeito de lucrar 33 milhões de reais com o ouro produzido
com mercúrio ilegal.
Após a operação da PF, o deputado estadual Valdir Bar-
ranco (PT) estuda pedir a abertura de uma CPI para apurar
o suposto envolvimento do governador no esquema de
compra de mercúrio, mas admite que dificilmente a iniciati-

4|5
CLUBE DE REVISTAS

va vai prosperar. “Os parla-


mentares têm medo”, resig-
na-se. A Polícia Civil de
Mato Grosso resolveu agir
no caso, mas isso só refor-
çou as teorias de bastidores
de que a família está “blin-
dada”: foi instaurado um in-
quérito para apurar a con-
duta de cinco jornalistas
que publicaram reporta-

DIVULGAÇÃO
gens sobre Luis Antonio. O
governador, por sua vez, REI DO OURO
alega que tudo não passa de Valdinei Mauro: sociedade
uma grande armação, des- com Mauro Mendes
tinada a manchar o nome
do clã. Em nota enviada à redação de VEJA, a defesa de
Luis Antonio afirma que o governador abandonou mais de
três décadas de vida empresarial para entrar na política,
deixando a cargo do filho a administração dos negócios,
com a ressalva de que ele não tem ligação direta com as
empresas investigadas na Hermes, ao contrário do que diz
a PF. “Portanto, ele não tem nenhuma responsabilidade so-
bre a suposta compra de mercúrio de forma irregular. Tudo
isso está sendo demonstrado judicialmente”, afirma o texto.
Somente uma investigação séria e independente poderá es-
clarecer agora quem está dizendo a verdade. ƒ

5|5
CLUBE DE REVISTAS
RADAR ECONÔMICO
CLUBE DE REVISTAS
PEDRO GIL

Com reportagem de Diego Gimenes


e Felipe Erlich

COMPRAS Loja Tok&Stok: fusão com Mobly está na fase


de estudo de sinergias

O namoro esquentou lojas —, está na fase de aná-


A possível fusão das empre- lise de sinergias.
sas de móveis e decoração
Mobly e Tok&Stok, que vi- Vantagem competitiva
vem momentos distintos no A seu favor, segundo um
Brasil — enquanto a primei- executivo que participa das
ra cresce, a segunda fecha tratativas, a Mobly conta
DIVULGAÇÃO

1|3
CLUBE DE REVISTAS

com o fato de negociar voltadas a investimentos


ações na bolsa de valores e no exterior, deve lançar
estar capitalizada. até o fim do ano a sua con-
ta-corrente internacional
Fim da linha? em euro — hoje, atua ape-
Quem acompanha de perto nas com o dólar.
o mercado de private equity
não acredita que a gestora Quero ser banco
SouthRock, ex-administra- A aposta da Avenue no seg-
dora da rede Starbucks no mento de banking é alta:
Brasil, supere o processo de Felipe Penna, ex-Master-
recuperação judicial. card, foi contratado para li-
derar a divisão. A corretora
Crise de imagem também pretende abrir
Reputação é um ativo essen- contas em libra e oferecer
cial para escritórios de in- linhas de crédito.
vestimentos privados como
a SouthRock. Com a ima- A conta não fecha
gem arranhada, a empresa Grandes redes de lojas como
deverá ter dificuldade para Magazine Luiza e Grupo Ca-
realizar novas captações de sas Bahia estariam dispostas
recursos. Procurada, a Sou- a aceitar novos limites para o
thRock não se manifestou. parcelamento sem juros —
hoje oferecido em até dez ve-
Moeda forte zes — de compras feitas no
A Avenue, uma das pri- cartão de crédito. Segundo o
meiras corretoras do país Instituto para Desenvolvi-

2|3
CLUBE DE REVISTAS

mento do Varejo (IDV), con- equilibrar as contas públi-


tudo, as vendas em parcelas cas, entrou na pauta do go-
são “imprescindíveis”. verno. Recentemente, o
Ministério do Planejamen-
União de forças to criou um grupo de tra-
Ao menos 25 entidades se- balho para reavaliar os
toriais discutem a criação gastos federais.
de um novo modelo de par-
celamento que deverá ser Data marcada
apresentado ao governo. A As sugestões de cortes se-
maior resistência quanto a rão apreciadas em dezem-
mexer no atual parcela- bro pelos ministros Rui
mento sem juros é do seg- Costa, Fernando Haddad,
mento de adquirentes — as Simone Tebet e Esther
donas das “maquininhas”. Dweck. ƒ

É hora de cortar OFERECIMENTO


Enfim, o corte de gastos,
medida indispensável para

3|3
ECONOMIA CONJUNTURA
CLUBE DE REVISTAS

PÉ NO FREIO
Na contramão de outros setores da economia do
país, a indústria não sai do lugar. Falta de inovação,
baixa produtividade e carga tributária elevada são
fatores que inibem o crescimento
LUANA ZANOBIA

COMPETITIVIDADE Linha de produção de carros: a maior


parte do parque fabril precisa se modernizar

CRIS OLIVEIRA/NISSAN

1 | 12
CLUBE DE REVISTAS

N
os últimos dias, uma série de indicadores sobre o
desempenho da economia brasileira mostrou, com
clareza inequívoca, o descompasso que existe entre
os diferentes setores produtivos. Enquanto agrone-
gócio, comércio e serviços mantêm bom ritmo de
crescimento em 2023, a indústria não sai do lugar. Um dado
em especial chama atenção: se não houver surpresas, o PIB
do país deverá avançar em torno de 3% neste ano. Por sua
vez, o segmento industrial ficará no zero a zero, o que dá a
medida de seu atraso em relação às outras atividades. Embo-
ra a paralisia seja um processo histórico que se intensificou
nas últimas décadas — nos anos 1970, a indústria chegou a
representar 36% do PIB, enquanto a participação atual é de
24%, considerando todas as suas dimensões —, o governo
Lula deveria olhar para o problema com mais atenção. “A in-
dústria brasileira precisa urgentemente retomar o seu prota-
gonismo”, afirmou o vice-presidente, Geraldo Alckmin, ao
assumir o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comér-
cio e Serviços. Até agora, contudo, nada mudou.
Diversos fatores explicam por que a indústria nacional
permanece com o pé no freio. Até os anos 1980, ela era o
principal foco das políticas públicas. Com a abertura eco-
nômica — bem-vinda, registre-se — no início da década
de 1990, os governos deixaram de tratar a indústria co-
mo prioridade. A ascensão espetacular da China repre-
sentou outro desafio para o setor. Com fortes investimen-
tos do Estado e mão de obra abundante e barata, os chi-

2 | 12
CLUBE DE REVISTAS

NO ZERO A ZERO
O desempenho acumulado nos
últimos doze meses revela que a
indústria não sai do lugar, enquanto
o varejo e serviços crescem

VARIAÇÃO % EM
RELAÇÃO AO MESMO
PERÍODO DO ANO ANTERIOR

PRODUÇÃO INDUSTRIAL (PIM)


0,5

SET/22 OUT NOV DEZ JAN/23 FEV


0

-0,5
-0,2 -0,2

-1 -0,7

-1,5 -1,1
-1,4
-2

-2,5
-2,3
Fonte: IBGE

3 | 12
CLUBE DE REVISTAS

neses capturaram uma expressiva parcela do mercado


mundial. Nesse processo, ficamos para trás. “No Brasil, a
industrialização foi focada no mercado interno, com pou-
ca inovação e alta proteção”, diz Paulo Morceiro, pesqui-
sador em desenvolvimento industrial da Universidade de
Utrecht, na Holanda. “A estratégia provou ser ineficaz,
especialmente diante da globalização.”
A desindustrialização não é um fenômeno exclusivo do
Brasil. Ela também é notada nos países ricos, com o setor

ABR 0,1 AGO


0 0 0 0

MAR MAI JUN JUL -0,1 SET


-0,2

4 | 12
CLUBE DE REVISTAS

de serviços avançando à medida que a renda da população


cresce. Contudo, há uma diferença gritante entre o caso
brasileiro e o internacional. “No Brasil, essa transição ocor-
reu de maneira precoce, antes de alcançarmos uma renda
média comparável à de nações que passaram pela transfor-
mação”, diz Claudio Considera, coordenador do Núcleo de
Contas Nacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV). Para
ele, porém, a crise vai além da transição econômica: ela se
deve também à baixa produtividade nacional.

VENDAS NO VAREJO (PMC)


2

1,5 1,3 1,3


1
1

0,6
0,5

SET/22 0,1
0

OUT NOV DEZ JAN/23 FEV


-0,5

-1 -0,7

5 | 12
CLUBE DE REVISTAS

De fato, estamos parados no tempo. Um estudo sobre o


tema, do Instituto Brasileiro de Economia da FGV, mostra
que a renda per capita do país cresceu 0,8% ao ano de 1981 a
2021. Boa parte desse passo lento se deve ao fato de que, no
mesmo período, nossa produtividade avançou, na média
anual, modesto 0,6% — ou seja, praticamente nada. Não à
toa, nas duas últimas décadas o Brasil foi ultrapassado, em
termos de produtividade, por nações como Bulgária, Co-
lômbia e República Dominicana. Com produtividade maior,

1,7 1,7
1,6
1,2
0,9 0,9
0,8

MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET

6 | 12
CLUBE DE REVISTAS

os grandes protagonistas industriais conseguem fabricar


mais em menos tempo, o que obviamente reduz os custos de
suas mercadorias. É difícil competir com quem dispõe de
cartas melhores para jogar.
Para elevar a produtividade, um dos caminhos indispen-
sáveis é a inovação, mas nesse campo o Brasil também deixa
a desejar. Investimos nela algo como 1% do PIB ao ano, en-
quanto nações como Alemanha e Estados Unidos aplicam
3%. Na China, a inovação virou política de Estado — em

SERVIÇOS PRESTADOS (PMS)


10
9 8,8
8,7 8,3
8
7,9 7,7

SET/22 OUT NOV DEZ JAN/23 FEV

7 | 12
CLUBE DE REVISTAS

2006, o governo lançou um programa de subsídios para


pesquisa que concede prêmios em dinheiro a empresas que
mais registrarem patentes. Por aqui, o baixo investimento
tecnológico resulta em parques fabris ultrapassados, um
gargalo que emperra o desenvolvimento do setor.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) fez um le-
vantamento que expôs uma situação alarmante: 12% das in-
dústrias brasileiras usam maquinário das décadas de 1980 e
1990, quando praticamente não havia internet e a inteligên-

* Dado não disponível

7,3
6,7 6,4
6,2 6
5,3

MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET

8 | 12
CLUBE DE REVISTAS

cia artificial era apenas um sonho distante. A idade média


do parque fabril é de catorze anos — 38% dos equipamentos
estão próximos ou superaram o tempo sinalizado pelo fabri-
cante como ciclo de vida ideal “Na indústria em geral, a re-
novação dos equipamentos é dificultada não só pelo alto
custo dos financiamentos, mas também pela baixa lucrativi-
dade das empresas”, diz Mario Sergio Telles, gerente execu-
tivo de economia da CNI. Embora a Selic, a taxa básica de
juros da economia, esteja em 12,25% ao ano, as indústrias
acessam linhas de crédito com taxas de 20% ou mais. Para
Ricardo Alban, empresário que recentemente se tornou pre-
sidente da CNI, tal disparidade coloca o setor industrial bra-
sileiro em desvantagem frente a competidores. Sem recur-
sos, os investimentos em inovação e tecnologia mínguam e,
inevitavelmente, o país pouco evolui.
A história ensina que as nações que alcançaram está-
gios de desenvolvimento avançados tiveram aumento sig-
nificativo na exportação de produtos de alto valor agrega-
do, algo distante da realidade brasileira. Enquanto na mé-
dia global 21% das exportações são de itens dotados de al-
ta tecnologia e 31% de média-alta, no Brasil essas catego-
rias representam apenas 2% e 13%. Não é um quadro pas-
sível de ser melhorado em pouco tempo. Mas algumas no-
vidades podem trazer alívio para o setor.
É o caso da reforma tributária em tramitação no Con-
gresso, que simplifica normas e unifica impostos. A CNI traz
um exemplo que mostra a relativa eficácia do projeto. Se-

9 | 12
CLUBE DE REVISTAS
WALLACE MARTINS/FUTURA PRESS

NA MESMA Alckmin: ele prometeu revigorar o setor,


que continua empacado

gundo a entidade, os produtos manufaturados exportados


pelo Brasil embutem um “resíduo tributário” de 7% em seu
preço. Com as novas regras, ele será zerado. Ainda assim, há
muito por ser feito. “Embora a simplificação tributária seja
um avanço necessário e positivo, ela não aborda plenamente
as questões de competitividade, em especial a carga tributá-
ria, que continua sendo um obstáculo para a inserção de
produtos brasileiros no mercado global”, diz Cesar Alarcon,
CEO da fabricante de pneus Pirelli na América Latina.

10 | 12
CLUBE DE REVISTAS

O PESO DA ATIVIDADE
Por que o setor tem papel
vital no desenvolvimento
econômico

24%
É A PARTICIPAÇÃO
DA INDÚSTRIA NO PIB
BRASILEIRO

38%
DA ARRECADAÇÃO
FEDERAL VEM
DO SETOR

7 984 REAIS
É O SALÁRIO MÉDIO DE TRABALHADORES COM
ENSINO SUPERIOR NA INDÚSTRIA, ENQUANTO A
MÉDIA NO PAÍS É DE 6 205 REAIS

Fontes: CNI e Firjan

11 | 12
CLUBE DE REVISTAS
IANO ANDRADE/CNI

NOVAS REGRAS Alban, da CNI: reforma tributária


traz algum alívio

Outra frente para evoluir é a da transição energética.


Nesse campo, o Brasil tem a vantagem comparativa de con-
tar com um uso mais extensivo de fontes de energia susten-
tável na produção do que a maioria dos países concorrentes.
Além disso, a transição pode ser a oportunidade de uma
“neoindustrialização”, a fabricação de equipamentos e pro-
dutos voltados para a nova fase mundial de mais cuidado
com o meio ambiente. Se houver medidas favoráveis do go-
verno e ação firme do empresariado, a indústria pode, sim,
dar uma nova arrancada e sair da estagnação atual. ƒ

12 | 12
CLUBE DE REVISTAS
MAÍLSON DA NÓBREGA

POR QUE O BRASIL


NÃO FICA RICO
As exceções na reforma tributária
são parte da resposta

EM 1820, quando a Revolução Industrial se espalhava pela


Europa e se iniciava nos Estados Unidos, a renda per capita
americana (1 257 dólares) era o dobro da brasileira (674 dó-
lares). Em 2022, a renda americana subiu para 62 866 e a
brasileira, para 8 831. Ficou mais de sete vezes maior do que
a nossa. Eles viraram a maior potência econômica, enquan-
to nós, malgrado o alto crescimento dos anos 1960 e 1970,
estamos presos à mediocridade.
Vários estudos explicam por que não ficamos ricos. Uma
das razões é o tempo de nossa democracia (38 anos) em
comparação com a americana (247 anos). Salvo a exceção
atual da China até aqui, o regime democrático é crucial para
ampliar e sustentar o desenvolvimento. Outras razões são a
baixa taxa de poupança e de investimento, a visão estatista
da maioria da sociedade, o caos do regime tributário, a lo-
gística deficiente e, até recentemente, a ausência de um vigo-
roso mercado de crédito e de capitais. Talvez mais impor-
tante, a má qualidade da educação.

1|3
CLUBE DE REVISTAS

Somos um país de privilégios, que se traduzem em vanta-


gens pessoais. Na feliz expressão de Marcos Lisboa, é a busca
pela meia-entrada. Essa cultura, que impregna as elites, contri-
bui para a desigualdade social do país, uma das maiores do
mundo. Assistimos agora a uma demonstração inequívoca des-
sa realidade nas inúmeras exceções que reduzem a qualidade
do excelente projeto de reforma tributária. Deixaremos de ter o
melhor sistema de tributação do consumo do mundo, embora
possamos superar o caos do regime atual. A reforma ampliará
o potencial de crescimento, mas poderia ser bem melhor.
Nada justifica que a tributação de certos serviços, consu-
midos essencialmente pelas classes mais abastadas, seja de
apenas 40% da alíquota básica, enquanto no consumo dos
pobres a cobrança será de 100%. E, quanto maiores forem
as exceções, mais alta deverá ser a tributação dos não bene-
ficiados pelos privilégios, essencialmente os pobres.

“A reforma deverá
ampliar o potencial de
crescimento do Brasil,
mas ela poderia ser
bem melhor”
2|3
CLUBE DE REVISTAS

Um exemplo notável é a exceção, incluída no Senado, que


reduz em 30% a alíquota dos serviços prestados por profis-
sionais liberais (as chamadas profissões regulamentadas).
Não há outra explicação para o privilégio além da força dos
respectivos lobbies. Outra exceção é o regime específico pa-
ra o saneamento, sob o argumento da elevação dos respecti-
vos custos. A saída lógica seria devolver o imposto aos po-
bres, e não estender o benefício para os ricos.
O projeto da reforma foi preparado por pessoas com-
petentes do setor privado. Com base na experiência mun-
dial e na pesquisa acadêmica das últimas seis décadas,
sugeriu-se alíquota única para o IVA, como ocorre nas
suas versões mais modernas. O temor de que poderosos
lobbies inviabilizassem a reforma levou à multiplicidade
de alíquotas, que nos fará o campeão mundial nesse cam-
po. Confirma-se o dito do saudoso Roberto Campos, pa-
ra quem “o Brasil não perde oportunidade de perder
oportunidades”. Será difícil o caminho que um dia nos
conduza à condição de país rico. ƒ

3|3
ECONOMIA NEGÓCIOS
CLUBE DE REVISTAS

TODO O CUIDADO
É POUCO
A rede varejista Magazine Luiza revela “incorreções
contábeis” no balanço na mesma semana em que a
Americanas mostra o maior prejuízo de sua quase
centenária história PEDRO GIL E FELIPE ERLICH

GOVERNANÇA Loja da Magazine Luiza: a empresa


prometeu melhorar os processos internos

GERMANO LÜDERS

1|6
CLUBE DE REVISTAS

OS GRANDES escândalos financeiros costumam deixar


rastros de destruição nos balanços das empresas que os pro-
tagonizam, mas eles têm um aspecto que pode ser conside-
rado positivo: o efeito “saneador” que provocam. É inegável
que as investigações da Lava-Jato sobre corrupção corpora-
tiva levaram ao aprimoramento das práticas de governança
das grandes companhias. Um estudo da Câmara Americana
de Comércio (Amcham) constatou que 45% das corpora-
ções nacionais decidiram criar um setor exclusivo para com-
pliance após o advento da operação liderada pela Polícia Fe-
deral. Agora, um novo exemplo confirma essa premissa. Na
terça-feira 14, a Magazine Luiza, uma das maiores redes va-
rejistas do país, informou que descobriu “incorreções” em
processos contábeis que levaram ao ajuste de nada desprezí-
veis 830 milhões reais em seu patrimônio líquido do final de
junho. O interessante é que a empresa só decidiu investigar o
caso após denúncia anônima feita pouco depois de o caso
Americanas aparecer — portanto, é possível que o denun-
ciante tenha se inspirado nesse episódio.
A rápida resposta da Magazine Luiza, que contratou a To-
zziniFreire Advogados e a consultoria PwC — a mesma que
analisou os números da Americanas — para realizar uma
varredura em suas contas, é outro indicativo de como escân-
dalos de grandes proporções deixam ensinamentos no mer-
cado corporativo. “Casos assim costumam levar a ajustes em
outras empresas”, diz Arthur Pitman, professor da Fundação
Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fi-

2|6
CLUBE DE REVISTAS

pecafi). Após o ocorrido, a Magazine Luiza afirmou que pre-


tende revisar controles internos e melhorar mecanismos de
governança. “A empresa apurou, constatou, agiu e vamos em
frente”, disse Frederico Trajano, presidente da Magazine Lui-
za, em reunião com investidores na qual tentou reduzir danos.
De todo modo, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM)
abriu processo administrativo para investigar o caso.

EM ALTA
As dívidas da Magazine Luiza dispararam
nos últimos anos (em reais)

6 BILHÕES

4 BILHÕES

1,7
850 BILHÃO
2 BILHÕES
456
MILHÕES
MILHÕES

DEZ/18 DEZ/19 DEZ/20

3|6
CLUBE DE REVISTAS

Em sua defesa, a Magalu argumenta que não há evidências


de fraude ou má conduta e que o problema se deve a impreci-
sões nos registros de bonificações em algumas transações co-
merciais. Para além do deslize técnico — se for esse mesmo o
caso —, especialistas dizem que a empresa deveria ter sido
mais cuidadosa com suas contas. “O caso da Magalu parte da
fragilidade de processos”, diz Ana Paula Tozzi, especialista

7,1 7,2
6,8 BILHÕES BILHÕES
BILHÕES

DEZ/21 DEZ/22 SET/23


Fonte: Magazine Luiza

4|6
CLUBE DE REVISTAS
BRUNO ROCHA/FOTOARENA

ERRO ASSUMIDO Trajano, CEO da Magalu:


“A empresa apurou e agiu”

em varejo e presidente da AGR Consultores. “É muito diferen-


te do episódio Americanas, que teve fraude contábil.”
Embora sejam, de fato, situações diversas, uma conclu-
são parece óbvia: as grandes redes brasileiras de varejo
não estão bem. Há alguns dias, a Casas Bahia, também
dona da rede Ponto, reportou prejuízo de 836 milhões no
terceiro trimestre de 2023, cifra três vezes maior em rela-
ção ao mesmo período de 2022. Na Magazine Luiza, as
dívidas saltaram de 456 milhões de reais em 2018 para
7,2 bilhões de reais agora. A Americanas, que está em re-
cuperação judicial, apresenta o caso mais dramático, com
dívidas de 42,5 bilhões de reais.
Na quinta-feira 16, a Americanas deu mais um indicativo
de sua colossal crise. Após adiar por quatro vezes consecuti-
vas a divulgação das demonstrações financeiras de 2022 —

5|6
CLUBE DE REVISTAS
GUSTAVO MINAS/BLOOMBERG/GETTY IMAGES

DRAMA Americanas: primeiro balanço após a fraude


mostrou situação caótica

a data inicial era março, que foi postergada para maio, pas-
sando mais tarde para outubro e, enfim, novembro —, a em-
presa informou que teve prejuízos de 12,9 bilhões de reais
no ano passado, o maior desde que foi fundada, em 1929.
Além disso, o balanço corrigiu o resultado de 2021, que ha-
via sido divulgado em fevereiro de 2022. Em vez do lucro de
731 milhões de reais, conforme havia sido dito na versão ori-
ginal da prestação de contas, a companhia, na verdade, per-
deu 6,2 bilhões de reais em 2021. Ou seja, os números ante-
riores eram pura fantasia. Em fato relevante enviado ao
mercado, a Americanas alegou que “foi vítima de uma frau-
de sofisticada e muito bem arquitetada, o que tornou a com-
pilação e análise de suas demonstrações financeiras históri-
cas uma tarefa extremamente desafiadora e complexa”. Pelo
visto, a crise por lá está longe de ter um final feliz. ƒ

6|6
INTERNACIONAL PORTUGAL
CLUBE DE REVISTAS

SAÍDA DE CENA
Um dos políticos mais bem-sucedidos da Europa, o
primeiro-ministro António Costa renuncia entre
denúncias de corrupção, abrindo caminho para o
avanço da extrema direita portuguesa
AMANDA PÉCHY
JOSE SENA GOULAO/EPA/EFE

FORA DO JOGO Costa: decisão de sair da política,


mesmo negando ligação com esquemas

1|6
CLUBE DE REVISTAS

E
nquanto a esquerda europeia recuava nos últimos
anos, abrindo espaço para governos de centro-di-
reita de mãos dadas com partidos nanicos radi-
cais, Portugal caminhou na direção oposta. No
poder desde 2015, o primeiro-ministro António
Costa, do Partido Socialista (PS), primeiro liderou com
habilidade uma coalizão-saco de gatos apelidada de “Ge-
ringonça”. Há um ano e meio, convocadas novas eleições,
Costa permaneceu à frente do governo, desta vez ampara-
do por uma confortável maioria absoluta no Parlamento.
Com tal currículo, foi definido como “bastião” em meio a
“uma década neoliberal na Europa” por outro ícone da re-
sistência socialista, o primeiro-ministro espanhol, Pedro
Sánchez. Se a ascensão foi paulatina, a queda foi abrupta:
Costa renunciou ao cargo horas depois de uma megaope-
ração que investiga corrupção em negócios ligados à tran-
sição energética atingir o núcleo duro de seu governo. “A
dignidade das funções de primeiro-ministro não é compa-
tível com qualquer suspeição”, proclamou, negando qual-
quer envolvimento pessoal em falcatruas.
O presidente Marcelo Rebelo de Sousa decidiu dissol-
ver o Parlamento e convocar novas eleições para 10 de
março do ano que vem, em um cenário que dá vantagem à
oposição e intensifica os ânimos do Chega, partido de di-
reita radical fundado em 2019, que tem atualmente doze
deputados. Em seu pronunciamento, Costa afirmou que
não vai se candidatar novamente, independentemente do

2|6
CLUBE DE REVISTAS
HORACIO VILLALOBOS/CORBIS/GETTY IMAGES

NA FILA Ventura, do Chega:


expectativa de ser o fiel da balança

resultado da investigação. Resultado: além de atolado na


lama, o Partido Socialista ainda precisa escolher um novo
líder para competir com Luís Montenegro, do Partido So-
cial Democrata (PSD), que está 4 pontos à frente nas pes-
quisas — um avanço e tanto em relação à eleição de 2022,
na qual os socialistas conquistaram sozinhos 41,4% dos
votos. A legenda de Montenegro, mesmo saindo na dian-
teira, não teria força para governar sozinha e precisaria se
aliar ao Chega, liderado pelo ex-jornalista esportivo An-
dré Ventura, com 13% dos votos nas pesquisas — 6 pontos
a mais do que no ano passado. “A ultradireita tem condi-
ções de ganhar musculatura para fazer parte de uma coa-
lizão e ser alçada ao governo”, confirma Pascoal Pereira,

3|6
CLUBE DE REVISTAS

professor de política da Universidade de Coimbra, proje-


tando para Portugal o mesmo tipo de avanço da direita
radical que se observa na Polônia, Alemanha, Itália e ou-
tros países europeus.
Somada à instabilidade política, a economia pode ser
decisiva na votação de março (até lá, Costa segue no pos-
to). Liderado pelos socialistas, Portugal tornou-se uma
história de sucesso europeia, com políticas progressistas
de saúde e bem-estar social e isenções fiscais atraindo tu-
ristas e ricos investidores — movimento apelidado, como
é de praxe no humor português, de “capitalismo sardi-
nha”. O PIB deve crescer 2% neste ano e a dívida pública
ficará, pela primeira vez, abaixo dos 100% em 2024. É
provável que o escândalo de agora, no entanto, com seu
componente de risco político e corrupção, afete o nível de
investimentos estrangeiros, equivalentes a 71% do PIB, de
acordo com a OCDE. Para piorar, os portugueses sofrem
as consequências de uma crise habitacional grave, em que
os aluguéis sobem aceleradamente, forçando as pessoas a
sair de suas casas.
A renúncia de Costa pode ter sido surpreendente, mas
as suspeitas de irregularidades nos projetos de transição
energética remontam a 2019. Na corrida para atingir as
metas de emissões de carbono, Portugal simplificou re-
quisitos ambientais e concedeu licenças a propostas con-
troversas, como a mina de lítio em Covas do Barroso, um
Patrimônio Agrícola Mundial. Também são investigadas,

4|6
CLUBE DE REVISTAS
RITA FRANCA/NURPHOTO/GETTY IMAGES

INSATISFAÇÃO Manifestação contra


a crise imobiliária: aluguéis dispararam

por denúncias de favoritismo a certas empresas, a explo-


ração do mesmo lítio no município de Montalegre e uma
usina de hidrogênio verde em Sines, no sul do país. Na
megaoperação que derrubou Costa, mais de 140 agentes
realizaram buscas até no Palácio de São Bento, residência
oficial do primeiro-ministro. Das cinco pessoas detidas,
duas são do círculo próximo de Costa: seu chefe de gabi-
nete, Vítor Escária, e seu amigo e empresário Diogo La-
cerda, acusados de prevaricação, corrupção e tráfico de
influência. O ministro das Infraestruturas, João Galamba,
foi declarado arguido (suspeito oficial).
Galamba foi responsável pela ruptura na relação cor-
dial que Rebelo de Sousa e Costa sempre mantiveram:

5|6
CLUBE DE REVISTAS

contra a vontade do presidente, o primeiro-ministro insis-


tiu em mantê-lo no governo, apesar de uma série de polê-
micas, que incluem intimidações, brigas e a intervenção
dos serviços secretos. Lacerda, amigo de Costa desde os
tempos de universidade em Lisboa e seu padrinho de ca-
samento, parece ter aproveitado a proximidade para obter
ganhos ilícitos em contratos públicos, como a estatização
da companhia aérea TAP, auxiliado pela influência de Es-
cária. O nome do próprio Costa chegou a ser citado na
transcrição de uma escuta telefônica feita pelo Ministério
Público, mas rumores que passaram a circular põem na
mesa a hipótese de que a menção seria ao seu homônimo,
o ministro da Economia. “O primeiro-ministro, ao que tu-
do indica, não aplicou às pessoas ao seu redor a mesma
ética rigorosa que diz seguir”, ressalta Igor Lucena, da As-
sociação Portuguesa de Ciência Política. Uma pena. ƒ

6|6
INTERNACIONAL ESTADOS UNIDOS
CLUBE DE REVISTAS

A FAVOR DA
LIBERDADE
Referendos mostram que a questão do aborto
favorece os candidatos democratas em todas
as eleições — menos na presidencial, em que
Trump está na frente de Biden CAIO SAAD

MOBILIZAÇÃO Manifestação pró-aborto na Flórida:


conservadores refutam a anulação do direito pela Suprema Corte

ALICIA DEVINE/AFP

1|4
CLUBE DE REVISTAS

COM TODAS as discussões voltadas para o embate Joe


Biden versus Donald Trump na disputa pela Casa Branca
no ano que vem, com vantagem (até agora) para o ex-pre-
sidente, os democratas tiveram a oportunidade de provar
que, quando o assunto extrapola o duelo presidencial, suas
chances de vitória ainda são significativas — especialmen-
te se o assunto é aborto, um tema candente entre o eleito-
rado americano. Em uma terça-feira de eleições locais em
diversos estados no início do mês, a invocação do direito
ao aborto e outros temas relativos a liberdades individuais
pintaram de azul (a cor do Partido Democrata) o placar fi-
nal de votações para governador, prefeito, deputado esta-
dual, conselhos municipais e outros cargos decididos nas
urnas. No resultado mais esperado, no estado de Ohio, on-
de Trump venceu em 2016 e 2020, 57% dos eleitores dis-
seram “sim” à inclusão de uma emenda à Constituição es-
tadual que garante o direito dos cidadãos de “tomar e exe-
cutar as próprias decisões reprodutivas” — e, de quebra,
aprovaram a legalização da maconha.
No conservador Kentucky, onde uma lei estadual proíbe
sumariamente o aborto, o governador democrata Andy Be-
shear foi reeleito fazendo do acesso à interrupção da gravi-
dez um tema central da campanha: sua principal peça publi-
citária foi um comercial de TV com uma jovem que relata
ter sido estuprada pelo padrasto aos 12 anos, critica o candi-
dato republicano e enfatiza que “mulheres e meninas preci-
sam de opções”. “Esta noite a democracia venceu e os trum-

2|4
CLUBE DE REVISTAS
CHRIS KLEPONIS/ZUMA PRESS/IMAGEPLUS

NA LUTA O presidente: a briga


pela dianteira anda complicada

pistas perderam”, comemorou Biden no X, ex-Twitter. A de-


cisão do Partido Republicano de abraçar com vigor o movi-
mento antiaborto já havia se mostrado equivocada na elei-
ção de 2022, a chamada midterm, para renovar a Câmara e
parte do Senado, quando o desempenho dos candidatos
trumpistas ficou aquém do esperado.
Desde que a Suprema Corte dos Estados Unidos reverteu
a decisão, em vigor há meio século, que garantia o direito
constitucional à interrupção da gravidez e transferiu a ques-
tão para os estados, a população, majoritariamente favorá-

3|4
CLUBE DE REVISTAS

vel ao aborto, vem se mobilizando para manter o acesso viá-


vel. “A maioria dos eleitores não quer leis que restrinjam cui-
dados de saúde reprodutiva. Isso não acontece só em regiões
vistas como democratas, o que sugere que o tema será críti-
co em 2024”, antecipa Nicole Huberfield, professora de di-
reito da saúde da Universidade de Boston.
Faltando um ano para a eleição presidencial, o Partido
Republicano, segundo analistas, está reconsiderando sua re-
jeição incondicional ao aborto — até porque, na corrida para
a Casa Branca, conta com ampla vantagem. De acordo com
pesquisa recente, se a eleição fosse hoje, Trump, mesmo sen-
do réu em quatro processos (ou até por causa disso), vence-
ria em cinco de seis cruciais swing states — os estados que
não têm predomínio democrata ou republicano —, nos quais
perdeu para Biden em 2020. Além da idade, fator negativo
mais citado, o atual presidente, que fará 80 anos no dia 20,
pena para ganhar apoio em questões de economia e segu-
rança nacional. Segundo análise da Bloomberg/Morning
Consult, o americano médio gasta 730 dólares por mês a
mais do que no ano passado, clara indicação de que, no bol-
so do eleitor, os danos causados pela inflação superam os
ganhos em outras áreas da economia. “Para os americanos,
pesa mais o dia de hoje que o dia de amanhã”, compara Ca-
roline Bye, pesquisadora da Morning Consult. Questões co-
mo o direito ao aborto podem ajudar os candidatos demo-
cratas em geral, mas, para Joe Biden, a caixa de complica-
ções segue abarrotada. E o tempo passa depressa. ƒ

4|4
CLUBE DE REVISTAS
VILMA GRYZINSKI

A GUERRA
É JUSTA, MAS...
Israel não pode conviver com o Hamas
nem destruir Gaza no processo

A ANALOGIA dos lutadores de boxe é muitas vezes invo-


cada para retratar os limites da guerra justa. Se os dois bo-
xeadores estão no ringue, podem se esmurrar com gosto e
até quem nem suporta ver isso costuma aceitar as regras do
jogo. Se um deles ataca o adversário pelas costas a caminho
do vestiário, está infringindo as regras. Depois do ataque em
massa contra civis, com o extermínio de crianças, a incine-
ração de pessoas vivas e o estupro de mulheres, vivas e
mortas, Israel pode se manter britanicamente entre as qua-
tro cordas do ringue, acertando o adversário apenas dentro
dos limites da discriminação e da proporcionalidade, segun-
do os critérios internacionais?
A resposta é não e sim. Pelos princípios da proporcionali-
dade, os objetivos militares alcançados com um inevitável
sofrimento da população civil têm uma importância absolu-
ta: Israel não pode deixar que os responsáveis pelas mons-
truosidades cometidas em seu território escapem impunes,
sob o risco existencial de vir a sofrer novos e piores ataques.

1|3
CLUBE DE REVISTAS

Quem tem reiteradas intenções genocidas em relação à po-


pulação judaica é o Hamas. “Do rio ao mar, a Palestina vai
ganhar”, a palavra de ordem repetida em manifestações
mundo afora significa que a nação de hoje se tornaria Juden-
frei, uma reedição do ideal nazista.
Mas os líderes israelenses sabem também que existe uma
“janela de oportunidade”, um tempo em que a margem de
tolerância dos diversos atores políticos envolvidos vai se es-
garçando. A memória das atrocidades cometidas em 7 de
outubro vai sendo superada pelas imagens de civis de Gaza
mortos, feridos ou desabrigados. O Hamas conta — e sem-
pre contou — com isso, mas o fato de que manipule o sofri-
mento de sua própria população não significa que aceitemos
impassivelmente vê-lo acontecer.
A guerra pode ser justa e até moral, mas para uma
mãe que perde um filho num bombardeio o fato de que os

“Os israelenses
sabem que existe uma
‘janela de oportunidade’
em termos de
tolerância global”
2|3
CLUBE DE REVISTAS

critérios de proporcionalidade foram atendidos nada mu-


da. Todas as pessoas dotadas de empatia e compaixão
entendem isso, embora saibam muito bem distinguir
quem foi a vítima e quem foi o agressor responsável por
desencadear a terrível roda da morte e rejeitem a torpe
equiparação entre os dois lados. O sofrimento da popula-
ção civil influencia a opinião pública nos Estados Unidos,
levando Joe Biden a pressionar Israel a aliviar os bom-
bardeios — ou pelo menos parecer que está fazendo isso.
Aliados importantes no Oriente Médio, que abominam o
Hamas, também correm risco de desestabilização se não
parecerem defender uma população árabe.
A estranha guerra em que Israel bombardeia a superfí-
cie e atinge civis, enquanto os combatentes inimigos estão
debaixo da terra e as saídas dos túneis têm de ser explodi-
das uma a uma, pode durar meses, se considerados ape-
nas os critérios militares. Mas a janela de oportunidade,
em termos de tolerância da opinião pública internacional,
não vai ficar aberta esse tempo todo. Como a volta ao sta-
tus quo anterior é injusta e até maligna, além de inaceitá-
vel para os israelenses judeus, Israel tem de cumprir de-
pressa a missão de obliterar o Hamas.
Duas grandes forças morais antagônicas se digladiam,
a guerra justa e a justa defesa de civis, e exigem que to-
memos posição. Não é fácil enfrentar esse octógono em
escala mundial. ƒ

3|3
GENTE
CLUBE DE REVISTAS
VALMIR MORATELLI

POSTURA PARA

INSTAGRAM @REBECARANDRADE
LÁ DE OLÍMPICA
Sempre de coque e maiô comporta-
do, como é regra nas competições
de ginástica artística, REBECA AN-
DRADE, 24 anos, demorou a ser re-
conhecida ao surgir em uma praia
em Angra dos Reis, litoral sul-flumi-
nense, de biquíni e longa cabeleira ao
vento. Ganhou assobios dos mar-
manjos, que custaram a perceber
se tratar da detentora de duas
medalhas olímpicas, uma de ouro
e a outra de prata, além de uma
penca de vitórias nos mundiais
de ginástica artística. Em suas
últimas férias antes de focar nos
Jogos de Paris, no ano que vem,
para onde vai cheia de favoritis-
mo, Rebeca está mais segura de
si do que nunca. “Mais nova, tive
muito problema com o corpo. Não
gostava do nariz, da pele, da barriga.
Mas fui crescendo, me conhecendo
e me amando”, afirma.

1|5
CLUBE DE REVISTAS

CORES QUENTES
Longe das câmeras desde Ratched,
série televisiva de 2020, SHARON
STONE, 65 anos, adotou um novo
STEFANIE KEENAN/GETTY IMAGES

hobby: a pintura, resultado de um


problema de saúde — sofreu
uma convulsão ao ser aneste-
siada para um tratamento de
canal — que, afirma, mudou
sua percepção sobre a vida.
Durante o procedimento, o
dentista tentou distraí-la dan-
do um testemunho sobre seu
trabalho nas prisões e falan-
do de perdão. De boca aber-
ta e sem poder se pronunciar,
a estrela de filmes de thriller
erótico nos anos 1990, como
Instinto Selvagem, foi ouvin-
do e repensando a própria
história. “Aquilo me mudou
em tudo. Passei a querer dar
o melhor de mim e foi assim
que acabei pintando”, diz ela,
que já expôs algumas das telas
nas redes sociais e recebeu elogios.

2|5
CLUBE DE REVISTAS

PAIXÃO AOS 70
Na escassez de bons papéis na televisão para atrizes septuage-
nárias, ELIANE GIARDINI, 71, sabe que integra um nicho de tra-
balho bastante reduzido em matéria de quali-
dade e visibilidade. Por isso mesmo, co-
memora a escalação, com a novela já
tendo passado do meio, para viver
a vilã Agatha de Terra e Paixão. “É
um desafio. Os outros já estão
confortáveis em seus cenários,
mas fui bem acolhida nos basti-
dores”, diz Eliane. Mais raro ainda é
sua personagem quebrar tabus
em cenas de amor na terceira
idade, com direito a beijos e se-
xo com Antônio (Tony Ramos,
75). “É bonito ter um casal mais
velho se amando. Tenho orgu-
lho de fazer essas cenas”, de-
fende a atriz, que não é chegada a
plásticas. “Quando a gente começa
a ver as primeiras rugas, aos 40, fica
assustada. Com o passar do tempo,
não é mais uma questão. Hoje me in-
teressa mesmo um sorriso de
verdade”, garante.

NANA MORAES

3|5
CLUBE DE REVISTAS
CLEIBY TREVISAN

DO OCTÓGONO PARA AS TELAS


Era com dança que a mãe de ANDERSON SILVA, 48, a dona de
casa Vera Lúcia, entretinha o filho ao chegar agitado da escola, lá
pelos seus 5 anos. “Ela me punha no colo e rodopiava pela sala”,
conta Silva, com os olhos marejados ao recordar a infância pobre
em Curitiba. Essa visita nostálgica do esportista, considerado o
maior lutador de UFC de todos os tempos, contribuiu para a realiza-
ção de Anderson Spider Silva, série ficcional da Paramount+ que
narra sua vida. Longe do octógono desde 2020, Anderson investe
na carreira de ator e produtor em Los Angeles, sem deixar total-
mente de lado os socos e pontapés: acaba de rodar um filme de
ação com cenas no México e Canadá. “Trago para minha nova car-
reira a disciplina do esporte”, diz ele, focado.

4|5
CLUBE DE REVISTAS
FACEBOOK @PRISCILLAALCANTARAOFICIAL

ARTE PROFANA
Seguindo a tendência de estrelas interna-
cionais que abdicam do sobrenome, a
cantora PRISCILLA, 27, agora sem o
Alcântara, surpreendeu o mundo gos-
pel, onde reinava absoluta, ao aposen-
tar os louvores e aderir à música pop.
E ainda marcou a transição mudan-
do radicalmente o visual — agora
usa cabelo curtíssimo e averme-
lhado (à dir.), sobrancelhas des-
coloridas e várias tatuagens es-
palhadas pelo corpo. “Sempre
me vi livre, e a minha fé nunca
me podou em nada”, diz Priscil-
la, sem dar bola para os haters
que invadiram suas redes sociais.
“E aviso logo: não se apeguem a al-
guma versão que vejam de mim, por-
que sempre vou estar evoluindo e al-
terando”, conclui, cheia de atitude. ƒ

FACEBOOK @PRISCILLAALCANTARAOFICIAL

5|5
GERAL RELIGIÃO
CLUBE DE REVISTAS

PROGRESSISTAS,
GRAÇAS A DEUS
Contraponto ao conservadorismo reinante no mundo
evangélico, uma ala de pastores brasileiros faz barulho nas
redes ao abraçar ideias como a descriminalização de drogas
e do aborto e a união entre pessoas do mesmo sexo
RICARDO FERRAZ E SOFIA CERQUEIRA

SOLTA A VOZ O pastor e cantor gospel


Kleber Lucas: “O mundo girou, precisamos mudar”

INSTAGRAM @KLEBERLUCAS

1|8
CLUBE DE REVISTAS

P
raticamente irrisório no Brasil durante quase to-
do o século XX, o rebanho evangélico avançou a
passos largos nas últimas três décadas, até virar
um fenômeno demográfico de grandes propor-
ções: hoje representa quase um terço da popula-
ção brasileira. O cenário teve como motor a atuação de
um exército de pastores de denominações historicamente
mais recentes, como as pentecostais Assembleia de Deus
e Congregação Cristã e as neopentecostais, que têm como
representante-mor a Igreja Universal do Reino de Deus.
Todas elas foram angariando fiéis de origem católica, que
despencaram de 83% para 50% numa nação em que essa
fatia parecia inabalável. E nada indica que a marcha evan-
gélica, alavancada pela politicagem, perderá impulso. Se-
gundo as projeções, seguirá embalada em elevada veloci-
dade até pelo menos 2030, ano em que um marco espeta-
cular será cravado: o Brasil deixará de abrigar, percen-
tualmente, o maior contingente católico do planeta, supe-
rado pela primeira vez pelos evangélicos.
Nesse rol, avista-se um forte pendor conservador no
terreno dos costumes, mas a novidade reside em uma ain-
da pequena mas barulhenta ala de líderes religiosos que
agitam bandeiras progressistas. As redes vêm funcionando
como uma poderosa caixa de ressonância desses pastores
que arejam a paisagem com uma visão menos rígida do
evangelho e atiçam a polêmica ao abraçar temas que in-
cendeiam o polarizado cenário brasileiro, como a descri-

2|8
CLUBE DE REVISTAS
FACEBOOK @PASTORHENRIQUEVIEIRA

NO TOPO Henrique Vieira: no rol dos


evangélicos mais influentes nas redes sociais

minalização do aborto e das drogas e a união entre pes-


soas do mesmo sexo. São tópicos que inflamam a bancada
evangélica no Congresso Nacional, majoritariamente con-
servadora, mas que, na reflexão dessa turma progressista,
ganham nova roupagem.
A tentativa é sintonizar com um mundo cada vez mais
veloz e diverso. “Eu passei a rechaçar a ideia de um Deus
preconceituoso, o que em nada colide com a Bíblia”, diz
Hermes Fernandes, 53 anos, fundador da Igreja Reina,
no Rio de Janeiro. Em um de seus sermões, ele acusou de
homofobia os pastores Silas Malafaia e André Valadão,
dois expoentes da corrente conservadora. Não demorou
para ultrapassar 10 milhões de visualizações nas redes.

3|8
CLUBE DE REVISTAS

“Emissores de Satanás”, bradou Fernandes, as lágrimas


escorrendo pela face. Aproveitou o púlpito para lembrar
que o discurso movido a ódio pode “matar homosse-
xuais”. “Se estivesse entre nós, Jesus certamente se colo-
caria ao lado dos apedrejados e não dos que apedrejam. É
uma questão de fé, não apenas de ideologia”, afirma, ao
resumir o pensamento de um grupo que conquista espa-
ço sob os holofotes.
Embora ruidosa e articulada, a peleja travada entre pas-
tores progressistas e tradicionais faz lembrar o desigual
embate bíblico entre Davi e Golias. Levantamento sobre a
popularidade digital dessas lideranças, elaborado a pedido
de VEJA pelo instituto de pesquisas Quaest, revela que
dois pastores do campo progressista já figuram entre os
dez que mais reverberam, um avanço notável, que dá ao
mesmo tempo a dimensão do chão que os separa.
Na lista dos que vêm se destacando estão o presbiteria-
no Caio Fábio, 68 anos, e Henrique Vieira, 36, à frente da
Igreja Batista do Caminho e deputado federal pelo PSOL
do Rio. O restante do ranking é tomado por religiosos com
forte presença nos meios de comunicação, como o próprio
Malafaia, que desponta no topo, e o bispo Edir Macedo, na
vice-liderança. A diferença em número de seguidores, o
tão valorizado termômetro destes tempos, se revela ainda
maior. O representante progressista com o maior quinhão
é justamente Caio Fábio (1,7 milhão), enquanto o pastor
Deive Leonardo (35 milhões), que não tem igreja fixa e

4|8
CLUBE DE REVISTAS
INSTAGRAM @BOB.LUIZBOTELHO

SEM FILTROS Bob Botelho: xingado


e ameaçado depois de se declarar gay

prega no YouTube, sobressai em meio aos conservadores


no universo virtual. “Existe uma parcela do mercado reli-
gioso em busca de uma abordagem mais moderna, e é aí
que se descortina uma brecha para os chamados progres-
sistas se expandirem”, avalia Vinícius do Valle, diretor-
-executivo do Observatório Evangélico.
Não é batalha fácil, já que há hoje no país um perigoso
caldo que mistura religião e política, dando um impulso
incomparável à banda conservadora. Nos últimos anos,
essa turma se aproximou da ala à direita no Congresso e
se entrincheirou na Frente Parlamentar Evangélica como
nunca antes, abraçando o bolsonarismo no mais alto
grau. Nesse percurso, figuras que não professavam da

5|8
CLUBE DE REVISTAS

mesma cartilha foram perdendo força e postos na hierar-


quia de suas denominações, sendo limadas pelos próprios
pares. Ocorreu sobretudo em igrejas mais tradicionais,
como a Presbiteriana e a Batista, onde ainda se ouvia,
aqui e ali, vozes dissonantes. “A direita adotou jargões re-
ligiosos próprios e uma interpretação literal e fundamen-
talista da Bíblia”, diz Sérgio Dusilek, 52 anos, ex-presi-
dente da Convenção Batista Carioca, forçado a entregar
o cargo após participar de um ato em apoio a Lula, na
campanha de 2022.
Boa parte dos atuais nomes do progressismo religioso é
egressa dessas fileiras não pentecostais, onde chegaram a
formar grupos para debater a realidade à luz da Bíblia,
mas, com o palco cada vez mais minguado, acabaram de-
bandando em busca de trajetória solo. “Hoje, trabalho por
uma igreja mais próxima das pessoas, fugindo do mani-
queísmo”, enuncia Rodolfo Capler, 36 anos, vindo das hos-
tes batistas, à frente agora da Igreja Alternativa, no interior
de São Paulo. O que ele e os outros desgarrados de famo-
sos templos tentam é implantar um exercício mais huma-
nista da fé, sem a pompa e a grandeza que cercam os cul-
tos das grandes denominações nem julgamentos que fe-
cham as portas a quem não veste o figurino conservador.
Muitos se alojam em bases modestas e às vezes pregam
até na casa das pessoas. “A experiência do indivíduo com
Deus é o que importa”, defende o pastor Dusilek. Guarda-
das todas as nuances históricas, a turma progressista revi-

6|8
CLUBE DE REVISTAS
CAIO GUATELLI/AFP

A PASSOS LARGOS Marcha para Jesus: até 2030,


a multidão evangélica será maior que a de católicos

sita as raízes da Reforma Protestante que se desenrolou no


século XVI, encabeçada por mentes como a do francês
João Calvino e do alemão Martinho Lutero, que trouxe-
ram um sopro de renovação capaz de chacoalhar os me-
dievais pilares do catolicismo. “A ética protestante repre-
sentou uma revolução ao pontuar que cada pessoa é res-
ponsável por sua vida e foi fundamental para que o capita-
lismo florescesse em países como os Estados Unidos, fin-
cado em valores como trabalho duro e disciplina”, esclare-
ce o teólogo Lourenço Stelio Rega.
Para ganhar visibilidade no tão concorrido ambiente
evangélico, os pastores progressistas não hesitam em ex-
por nos onipresentes picadeiros das redes suas próprias

7|8
CLUBE DE REVISTAS

ambiguidades. Um dos
mais proeminentes canto-
res gospel do país, Kleber
Lucas, 55 anos, no coman-
do da igreja que batizou de
Soul, no Rio, foi recém-
cancelado por uma parce-
la do rebanho que não to-
lerou o fato de ser divor-
ciado (status repudiado

HERMITAGE MUSEUM
pelo evangelho) e ainda
posar na companhia de
bons rótulos de vinho. “O REVIRAVOLTA Lutero, à
mundo girou, e a lente frente da Reforma: sacudida
com a qual o enxergamos no modo de pensar
precisa mudar também”,
prega o pastor. Ele não é o único a exibir a vida como ela é,
sem filtros. Assumidamente gay, Bob Botelho, 29 anos, li-
dera uma igreja que acolhe pessoas LGBTQIA+ em Curiti-
ba. “Já recebi mensagens dizendo que sou o diabo, que vou
para o inferno e que querem me matar”, conta Botelho, que
há sete anos também criou a organização missionária
Evangélicxs pela Diversidade. A fresta aberta por eles não
é apenas um contraponto à intolerância, mas a prova de
que, quando se trata de fé, há lugar para todos, em perma-
nente respeito à diversidade da civilização. Sem rancor,
sem preconceitos. ƒ

8|8
GERAL SAÚDE
CLUBE DE REVISTAS

RASTREAR OU NÃO?
Eis a questão quando se fala em exames
para detectar o câncer de próstata na população.
O Ministério da Saúde não recomenda, mas entidades
médicas divergem LUIZ PAULO SOUZA

PROCURA-SE Indicação individualizada: exames devem ser


prescritos de acordo com história familiar e fatores de risco

ANDRESR/GETTY IMAGES

1|6
CLUBE DE REVISTAS

“A PRÓSTATA produz líquido seminal durante a vida


adulta de um homem e ansiedade em seus anos finais”, es-
creve, sem perder o humor, o americano Bill Bryson em
Corpo: um Guia para Usuários. Sim, a mesma glândula
que fabrica o fluido essencial para os espermatozoides
correrem atrás de um óvulo é aquela que pode sediar um
preocupante tumor com o envelhecimento. Pois essa es-
trutura, do tamanho de uma noz, voltou a protagonizar
um debate no país depois de o Ministério da Saúde e o
Instituto Nacional de Câncer (Inca) publicarem um docu-
mento desaconselhando o rastreamento populacional do
câncer de próstata por meio de exames anuais, como o to-
que retal e a dosagem de marcadores no sangue.
A posição do governo se baseia em dezenas de estudos
segundo os quais esse tipo de check-up em homens sem sin-
tomas não reduz a mortalidade pela doença. Isso porque
boa parte dos tumores encontrados teria evolução lenta e
não apresentaria riscos ao organismo. Ao tentar erradicá-
-los, o paciente ainda pode ser penalizado com sequelas e
efeitos colaterais de intervenções como biópsias e cirurgias.
Os técnicos do ministério argumentam que o zelo com a
próstata é diferente daquele do cuidado com o câncer de
mama, em que mamografias anuais a partir dos 50 anos
comprovadamente diminuem mortes entre as mulheres.
A discussão é complexa. Afinal, o diagnóstico precoce
não representaria chances maiores de cura e menos percal-
ços pelo caminho? Nem sempre, na avaliação dos especia-

2|6
CLUBE DE REVISTAS

EXAMES QUE CAÇAM A DOENÇA


Métodos devem ser preconizados aos
pacientes em avaliações individualizadas

72 000
NOVOS CASOS POR ANO
DE CÂNCER DE PRÓSTATA
SÃO PREVISTOS NO BRASIL, O QUE
CORRESPONDE A 10% DO NÚMERO DE
TUMORES DIAGNOSTICADOS NO PAÍS

TOQU E RE TAL:
O MÉDICO VERIFICA A PRESENÇA DE MASSAS
ESTRANHAS NA PRÓSTATA. É UM EXAME RÁPIDO E
INDOLOR FEITO EM CONSULTÓRIO

DO SAGE M D E P SA :
TESTE PELO SANGUE QUE MENSURA UMA PROTEÍNA
LIBERADA PELA GLÂNDULA. A TAXA AUMENTA SE HÁ
INCHAÇO OU TUMORES ALI

E X A ME S D E I M AGEM:
ULTRASSOM E RESSONÂNCIA MAGNÉTICA
PODEM SER CONVOCADOS PARA VISUALIZAR
ALTERAÇÕES NA REGIÃO
Fonte: Instituto Nacional de Câncer (Inca)

3|6
CLUBE DE REVISTAS

listas do governo. Ao flagrar um tumor em estágio inicial, é


difícil cravar se ele terá comportamento indolente ou agres-
sivo — situação que demandaria tratamento quanto antes.
A Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), especialidade
que lida diretamente com os males da próstata, concorda
que o rastreio amplo e irrestrito é contraproducente, mas
tem um ponto: defende os testes anuais, de acordo com a
idade, a história e os fatores de risco do paciente. São inicia-
tivas que ajudam a mitigar a detecção de tumores em está-
gio avançado, quando a probabilidade de remissão é míni-
ma e as terapias são mais custosas.
No fundo, é uma querela atrelada a questões de foro ínti-
mo e de saúde pública — e as autoridades precisam tomar
posição. Por isso, a SBU encoraja homens entre 45 e 74 anos
a procurar um médico anualmente a fim de se decidir se va-
le a pena monitorar a glândula com exames. Decisão que,
claro, precisa levar em conta circunstâncias que elevam o
risco de quadros graves da doença, como obesidade e histó-
rico do problema na família. Essa abordagem individualiza-
da é hoje advogada por países como os Estados Unidos.
De qualquer forma, os urologistas seguem reconhecen-
do o papel do toque retal, do teste de PSA (proteína dosa-
da no sangue que acusa alterações na próstata) e de exa-
mes de imagem, a depender do contexto. Até porque o fa-
to de diagnosticar um tumor mais brando não significa
automaticamente que o paciente terá de passar por cirur-
gia ou radioterapia. Ganhou força o conceito de vigilância

4|6
CLUBE DE REVISTAS
VGAJIC/GETTY IMAGES

MAIS CEDO Homens negros: consultas precisam


começar antes dos 50 anos

ativa, em que o sujeito é acompanhado periodicamente


para saber se o tumor está quietinho e não carece de in-
tervenção alguma — estima-se que 30% dos casos pos-
sam ser cuidados dessa maneira. No entanto, a SBU e ou-
tras entidades, como a Sociedade Brasileira de Radiotera-
pia, batem na tecla do diagnóstico precoce. “Quando você
descobre a doença quando já existem sintomas, o risco de
ter um câncer sem possibilidade de cura que se espalhou é

5|6
CLUBE DE REVISTAS

algo em torno de 94%”, diz o médico Alfredo Canalini,


presidente da SBU. “Mas, se identificar numa fase ante-
rior, sem sinais do problema, tem a chance de curar 90%
dos pacientes. A detecção precoce salva, sim, vidas.”
Quem está na linha de frente dos consultórios e hospitais
também acredita que o caminho é personalizar a indicação.
“Não dá para ser totalmente contra o rastreamento nem pa-
ra defendê-lo cegamente”, diz o urologista Stênio Zequi, do
A.C. Camargo Cancer Center, em São Paulo. “O ideal é que
todo homem ao redor de 50 anos procure um médico e con-
verse a respeito.” Essa conversa deve acontecer mais cedo
sobretudo entre homens negros ou com parentes de primei-
ro grau que tiveram a enfermidade. São eles que geralmente
enfrentam os quadros mais drásticos, em que a celeridade
no diagnóstico faz diferença. O que não adianta é fugir: uma
boa consulta médica é o melhor meio de evitar ansiedades e
dissabores com a saúde. ƒ

6|6
GERAL AVIAÇÃO
CLUBE DE REVISTAS

A MATEMÁTICA
DO EMBARQUE
A United Airlines, dos Estados Unidos, parece ter
chegado a um sistema mais rápido — e, portanto,
menos chato — para entrar em aviões. Pode ser o
início de uma nova era MARÍLIA MONITCHELE

SER OU NÃO SER O drama: será que a minha bagagem de


mão vai caber nos compartimentos superiores?

MESQUITAFMS/GETTY IMAGES

1|6
CLUBE DE REVISTAS

HAJA aborrecimento. A cena é inevitável para quem viaja


de avião (em 2022, foram 7 bilhões de bilhetes emitidos em
todo o mundo): a voz no microfone chama o voo; os mais
apressadinhos saem em disparada para a fila que se arrasta
como cobra pelo chão; os mais tranquilos — talvez mais sen-
satos — esperam calmamente. Já dentro da aeronave impera
o zum-zum-zum de reclamações. Falta lugar para as malas
de mão nos bagageiros. A turma dos assentos do meio levan-
ta porque alguém a caminho do canto precisa passar. “Dá li-
cença! Espera! ” É confusão na certa, atalho para um começo
de viagem nada glamoroso, uma insuportável via-crúcis.

CRIS/DRAGONFLY PRESS/AG. O GLOBO

VIA-CRÚCIS Filas enormes antes dos portões: apenas o


início de uma insuportável travessia aborrecida

2|6
CLUBE DE REVISTAS

O embarque é um dos momentos cruciais de qualquer


travessia aérea, e há uma explicação cartesiana: perde-se
muito dinheiro com atrasos de decolagem. Estudo de
2022 mostrou que cada minuto de atraso — por mau tem-
po, muitas vezes, mas também pela demora de preencher
os lugares — pode chegar a 101 dólares por pessoa, em
multa pelas delongas.

BEM-VINDO A BORDO
Os minutos gastos para o embarque e a
avaliação de cada método de entrada
(em um avião para 173 pessoas; a
satisfação indica o número de viajantes
que aprovaram o procedimento)
WILMA
P E L A O RD E M: JAN E L AS , LU G A R E S D O
M E I O E C O R R E DO R E S
Te m p o : 1 4 m 5 5 s
Satisfação: 102

3|6
CLUBE DE REVISTAS

É, portanto, assunto vital — e, sempre que desponta uma


novidade, dá-se burburinho inevitável. É o que acaba de
acontecer. A empresa americana United Airlines anunciou,
há duas semanas, uma nova modalidade para instalar os
passageiros dentro do canudo de alumínio. Trata-se, a ri-
gor, de um método que já havia sido utilizado em 2017, e
voltou com estardalhaço. O nome: WILMA, em letras
maiúsculas, sopa de letras para designar window, middle,
aisle, janela, meio e corredor, a ordem de embarque. Che-
gou-se ao recurso depois de muita pesquisa, de muita mate-
mática. O tempo gasto para a entrada de 173 cidadãos é de
14m55, conforme análise do MythBusters (Caçadores de
Mitos), rigoroso programa do Discovery Channel. O ingres-
so aleatório (quem chegou antes se dá bem) ou de trás para

E N T R A DA A L E AT Ó R I A
TO DAS AS FI L E I R AS I N DE PE N D EN T E M EN T E
D O S N ÚME RO S D O S AS S EN TO S
Te m p o : 1 7 m 1 5 s
Satisfação: 12

4|6
CLUBE DE REVISTAS

a frente são mais lentos e têm maior desaprovação (veja no


quadro). Com uma ressalva, e é bom avisar: a classe execu-
tiva tem prioridade e, portanto, os mais endinheirados mal
enfrentam qualquer tipo de espera ou tensão.
A adoção do WILMA provocou imediata reação nos Es-
tados Unidos — indício evidente da relevância do tema, mui-
to mais decisivo para os humores e os bolsos do que supu-
nha nossa vã filosofia. Grupos de usuários da United amea-
çam boicote, desgostos. “Não vou mais voar com eles”, es-
creveu uma moça no X, o antigo Twitter. “Gosto do corre-
dor e, se for seguida a nova regra, nunca mais conseguirei
espaço nos compartimentos superiores.” Parece uma ques-
tão de postura, colada a detalhes e preciosismo — mas não
é, e atire a primeira pedra quem nunca ficou fulo da vida

D E T R Á S PA R A A F R E N T E
E N T R AM A N T E S O S PAS SAG EI RO S
D O F UN DO DA A ERO NAV E
Te m p o : 2 4 m 2 9 s
Satisfação: 19

Fonte: MythBusters

5|6
CLUBE DE REVISTAS

com a falta de espaço, até que alguém da tripulação apareça


para supostamente salvar a pátria.
A briga vai longe, e é interessante demais para ser desde-
nhada. “É normal que empresas aéreas adotem métodos de
embarque próprios e, em termos de racionalidade e eficiên-
cia, a escolha da United faz bastante sentido”, diz Alexandre
Faro Kaperaviczus, coordenador do curso de aviação civil
na Universidade Anhembi Morumbi. Como negócio é negó-
cio, se o WILMA funcionar, tende a ser adotado maciça-
mente. Ed Bastian, CEO da Delta, concorrente da United, foi
categórico: “Se eles resolverem melhor como quebrar essa
noz, vamos copiá-los”. Apertem os cintos, parece haver al-
gum conforto possível para um dos momentos mais chatos
da civilização moderna. ƒ

6|6
GERAL EDUCAÇÃO
CLUBE DE REVISTAS

HORA DE
DESCONECTAR
Os celulares começam a ser banidos de escolas
mundo afora por desviar a atenção da garotada.
O grande desafio é achar o equilíbrio
DUDA MONTEIRO DE BARROS E PAULA FREITAS

FIXADAS NA TELA As jovens gerações não sabem o que é


viver sem ela: o bom uso da tecnologia começa em casa

DOBRILA VIGNJEVIC/GETTY IMAGES

1|6
CLUBE DE REVISTAS

LÁ SE VAI O TEMPO em que a pandemia chacoalhou


os vários escaninhos da existência humana, acelerando,
no caso da sala de aula, um processo já em curso: o
aprendizado passou a se dar cada vez mais com a ajuda
das telas, seja a do computador, seja a do smartphone. Na
clausura da quarentena, elas tiveram o mérito de manter
a educação a distância, com todos os desafios e tropeços
envolvidos na tarefa. Quando a vida retomou o velho
normal, os celulares haviam sido alçados a um protago-
nismo como nunca antes. O período em que as jovens ge-
rações se mantêm debruçadas sobre eles disparou 240%,
incluindo aí os estudos, mas também uma série de ativi-
dades que transcorrem em inesgotáveis horas de navega-
ção. Eis que escolas mundo afora esbarram agora com
um dilema: como frear o vasto uso não educativo do apa-
relhinho que é quase uma extensão do braço e do cérebro
da garotada e, em paralelo, preservá-lo no que é verda-
deiramente útil ao saber?
Muitos países têm respondido a essa questão de forma
radical, obrigando os estudantes a manter o smartphone
dentro da mochila — decisão difícil de ser tomada e mais
ainda de ser implantada. Em geral, a medida chega em for-
ma de recomendação às escolas, como na Alemanha, na
Itália e, mais recentemente, no Reino Unido e na Holanda,
cujas barreiras se estenderão a tablets e smartwatches, a
partir de janeiro de 2024. Ali, terra em que as liberdades
individuais são abraçadas com todo o vigor, a ideia é bem

2|6
CLUBE DE REVISTAS

acolhida, desde que os colé-


gios possam ter voz sobre
como pôr o plano em práti-
ca — ponto que atiçou uma
acalorada polêmica. “Existe
um consenso entre educa-
dores sobre como o celular
pode desviar a concentra-
ção dos alunos, mas são as
escolas que devem criar as
normas conforme suas par-
ticularidades”, disse a VEJA
Stan Termeer, porta-voz das
instituições holandesas de
ensino médio.
A dose certa das restri-
ções e a trilha para torná-
-las eficazes é justamente o
que separa modelos exito-
sos de iniciativas que não
passam de boa intenção.
Enquanto China (onde os
ARQUIVO PESSOAL

aparelhinhos não podem


ultrapassar os portões) e
França (que baniu seu uso LUTA Jane com Lucas:
nas escolas por lei) apertam professora e mãe, ela vê
o cerco sem grande resulta- os dois lados da moeda

3|6
CLUBE DE REVISTAS

do, e com muita gente burlando a regra, em nações menos


rígidas as barreiras têm surtido mais efeito. Finlândia e
Alemanha, por exemplo, amenizam a vigilância de acor-
do com a idade do aluno — quanto mais velho for, maior o
uso que fará do smartphone, para fins pedagógicos ou
mesmo no recreio. No Brasil, o debate é candente, e os co-
légios vêm se mexendo. Em agosto, o prefeito carioca
Eduardo Paes assinou um decreto que obriga os estudan-
tes da rede municipal a manter seus celulares bem guar-
dados, mas abre uma bem-vinda brecha para que o pro-
fessor possa requisitá-los quando são valiosos à lição, co-
mo ocorre noutros pedaços do globo.
Nesses lugares em que os aparelhinhos ora precisam fi-
car fora de combate, ora são autorizados, há um bom
equilíbrio, mas é mais complicado fincar fronteiras. No
Colégio Stocco, em São Paulo, é pedido às turmas que re-
pousem o celular em caixas com divisórias que levam o
nome de cada um. Se o mestre avalia que acrescentarão
substância ao percurso do aprendizado, são retirados do
compartimento. “Muitos ainda resistem às normas, numa
postura esperada, de testar limites”, afirma a orientadora
Débora Lulo. Mas o duelo vale a pena. Um conjunto de
pesquisas analisado pela Unesco sublinha evidências cien-
tíficas de que os celulares baixam a concentração e a
curiosidade, e levam à perda de sono, impactando o de-
sempenho acadêmico. “É um mito sustentar que o cérebro
é multitarefas. Está comprovado que as telas competem

4|6
CLUBE DE REVISTAS
DOBRILA VIGNJEVIC/GETTY IMAGES

GUARDADOS Celulares fora de


combate: professores devem indicar o uso

com outros estímulos, tirando o foco do professor e da au-


la”, pontua Ana Carolina Coan, da Sociedade Brasileira de
Neurologia Infantil.
Há ainda abundantes relatos de que a presença de
smartphones no ambiente escolar faz subir os casos de
cyberbullying, uma praga em toda parte. Cabe às escolas
ficar atentas, mas os pais também têm seu papel, podando
o tempo de tela em casa. “Sabemos que muitos abusam
delas e não estão preparados para educar os filhos digital-
mente”, cutuca o pediatra Daniel Becker. “É preciso que
estejam cientes dos riscos, inclusive cognitivos”, alerta. Ao

5|6
CLUBE DE REVISTAS

reparar que a filha de 13 anos andava reclusa, revelando


ansiedade e falta de foco, a psicóloga Ana Lúcia Thomaz,
46, resolveu reservar alguns dias para programas em fa-
mília 100% off-line, em rigorosa dieta digital. “Percebi
que ela gastava tempo demais com as redes”, diz a mãe,
que externa preocupação semelhante à de outras. “Vetar o
celular em todas as dependências escolares acaba por di-
ficultar a comunicação com os filhos.”
Para esta geração de nativos digitais, que sempre viveu
cercada de telas, desgrudar do celular pode soar uma pri-
vação dolorosa. “Existe um vínculo com o prazer, a nave-
gação aumenta a liberação de dopamina no cérebro”, ex-
plica o especialista Igor Lemos. Por vezes, o uso excessivo
se reflete na vida social. “A socialização no mundo real
corre o risco de ser negligenciada quando usamos cone-
xões digitais para tudo”, avalia Nigel Winnard, diretor da
Escola Americana, no Rio de Janeiro, onde os mais velhos
são autorizados a sacar o celular da mochila no recreio.
Mãe de um adolescente de 16 anos e professora, Jane
Queiroz tem a visão de quem caminha sobre os dois lados
da arena. Em suas aulas, ela incentiva os alunos a entrar
em aplicativos educacionais que animam a rotina, mas é
bem realista quanto às limitações de controlar a turma.
“Eles põem os celulares entre as pernas e fingem prestar
atenção. Meu próprio filho já foi advertido”, relata. Ainda
falta chão para se alcançar o equilíbrio. O que não dá, por
óbvio, é empurrar a tecnologia para debaixo do tapete. ƒ

6|6
GERAL HISTÓRIA
CLUBE DE REVISTAS

A OUTRA MARGEM
DO RIO
Dado como perdido há cinquenta anos, filme de 1918
sobre o Amazonas, agora redescoberto, ilumina o
trabalho do diretor, Silvino Santos, e os primórdios
do ambientalismo ALESSANDRO GIANNINI
ARQUIVO NACIONAL DE CINEMA - PRAGA

FLORESTA Amazonas, o Maior Rio do Mundo:


um dos primeiros retratos da região, ímã de atenção
já no início do século XX

1|5
CLUBE DE REVISTAS

FOI UMA BONITA aventura. Um dos primeiros registros


em filme da Bacia Amazônica ficou perdido por quase um
século até ser reencontrado recentemente na Cinemateca
de Praga, na República Checa. Rodado no fim dos anos
1910 pelo cineasta luso-brasileiro Silvino Santos (1886-
1970), Amazonas, o Maior Rio do Mundo, de 1918, mostra
em pouco menos de uma hora as riquezas e as populações
originárias de uma das regiões mais ricas e biodiversas do
planeta. Levado por um preposto dos produtores para ser
distribuído na Europa, teve as cartelas legendadas em in-
glês e outros idiomas. Circulou por vários países europeus
durante pelo menos dez anos. Um certo Propércio de Mel-
lo Saraiva, o representante encarregado da venda interna-
cional, assumiu a autoria no lugar de Santos e até escreveu
relatos sobre a filmagem publicados em revistas locais de
relativa importância. Malandro, embebido de desfaçatez,
ficou com o dinheiro pago pela renomada empresa france-
sa Gaumont pelos direitos de distribuição.
Entre dezembro de 1921, quando foi lançado, e até pelo
menos 1931, Amazonas, o Maior Rio do Mundo foi visto e
celebrado, creditado a quem não tinha os direitos da obra.
Depois, sumiu. Em fevereiro deste ano, contudo, o crítico
americano Jay Weissberg recebeu dos técnicos da Cinema-
teca de Praga um link com a cópia digital de um longa, cata-
logado equivocadamente como uma produção de 1925, que
trazia imagens belíssimas do rio nos territórios brasileiro e
peruano. O olhar experiente de Weissberg, especialista em

2|5
CLUBE DE REVISTAS
ARQUIVO NACIONAL DE CINEMA - PRAGA

VIDA A calma das canoas dos ribeirinhos: povos originários

cinema mudo, identificou ali traços estéticos da direção de


Silvino Santos. Ele entrou em contato com o professor Sávio
Stocco, da Universidade Federal do Pará, especialista no tra-
balho do diretor radicado em Manaus no início do século
XX. “Foi quando percebemos que se tratava do filme que
era considerado perdido”, diz Stocco. Do ponto de vista ar-
tístico, mas também do zelo com a trajetória da mata origi-
nal, pode ser considerado um extraordinário salto.
Para entender o que aconteceu, convém voltar um pouco
no tempo. Em 1981, os técnicos que cuidavam do acervo da
Cinemateca de Praga identificaram que uma das latas con-
tendo uma cópia checa de um filme sobre a Amazônia esta-
va em processo irreversível de degradação. Feitos de nitrato

3|5
CLUBE DE REVISTAS

de celulose, esses filmes da era silenciosa são facilmente pe-


recíveis e também correm o risco de sofrer autocombustão.
Decidiram produzir um novo negativo em suporte estável, o
acetato, e fazer cópias a partir dele. Mais recentemente, den-
tro do mesmo sistema de conservação, foi feita uma cópia
digital, a mesma que chegaria às mãos dos especialistas. E
deu-se, então, o eureca. “Graças a esse trabalho e ao inter-
câmbio entre as cinematecas, conseguimos identificar o fil-
me e promover um novo ciclo de difusão”, afirma Gabriela
Queiroz, diretora técnica da Cinemateca Brasileira.
A cópia redescoberta parece completa e corresponde aos
textos sobre o filme. Mesmo sem ter passado ainda por um
processo de restauração mais detalhado, começou a circular
e reascendeu o interesse por aquele que é considerado um
dos principais cineastas de não ficção do início do cinema
brasileiro. A reestreia aconteceu recentemente, no Festival de
Cinema Mudo de Pordenone, na Itália. Em seguida, foi proje-
tado no Festival Internacional de Documentário de Jihlava,
na República Checa. A primeira exibição pública no Brasil
ocorreu na semana passada, na Cinemateca Brasileira, em
São Paulo. Estão programadas outras exibições, no Amazo-
nas, Ceará e Rio de Janeiro. É a chance — rara — de ter os
olhos nas origens do cinema, sem dúvida, mas também do
ambientalismo das plagas do lado de cá. Trata-se, enfim, de
uma recuperação necessária e celebrada. É uma vitória.
O diretor Silvino Santos registrou a frustração da perda
em um caderno de memórias intitulado Romance de Minha

4|5
CLUBE DE REVISTAS

AÇÃO!
Silvino Santos por
trás das câmeras:
frustração pela
perda de seu filme
REPRODUÇÃO

Vida — por enquanto restrito a pesquisadores. Era o maior e


mais ambicioso projeto da Amazônia CineFilm (1917-1920),
produtora de Manaus dirigida pelo cineasta e pelo também
diretor Luiz Thomaz Reis. Santos tentou fazer uma recria-
ção do que considerava sua obra-prima em No Paiz das
Amazonas (1921/1922), desenvolvendo temas do documen-
tário anterior, como a extração de nozes e borracha, a caça
ao peixe-boi e a pesca do pirarucu. A exemplo do pai que,
embarcado em uma canoa, sai em busca do desconhecido
em A Terceira Margem do Rio, conto de Guimarães Rosa, o
cineasta nunca deixou de acreditar que seu trabalho estava
“na órbita dos planetas”. Tê-lo de volta, conservado, é uma
piscadela ao passado de olho no futuro. ƒ

5|5
GERAL TECNOLOGIA
CLUBE DE REVISTAS

CAÇA AO TESOURO
Um conjunto de papiros carbonizados após a
devastadora erupção do Vesúvio começa a ser
desvendado com o uso de inteligência artificial, que
pode trazer mais da história à luz CAIO SAAD

DE VOLTA PARA O FUTURO Seales (à esq.), à frente da


força-tarefa: um mergulho moderno de algoritmos na Antiguidade

HENRIK KNUDSEN

1|6
CLUBE DE REVISTAS

DOLOROSA tragédia na sua época, a violenta erupção


do vulcão Vesúvio no ano 79 d.C., com jatos de lava e fu-
maça de até 30 metros de altura, soterrou Pompeia e Her-
culano, duas cidades próximas a Roma, mas ao mesmo
tempo propiciou um quase milagre: a preservação de cor-
pos, moradias e objetos que, ao serem descobertos sécu-
los depois, serviriam de farol para o cotidiano do período
clássico da Antiguidade. Descobertos a partir de escava-
ções no século XVIII, os tesouros resguardados seguem
sendo mapeados e decifrados, uma obra aberta que cami-
nha junto com os avanços da tecnologia. No mais recente
vislumbre desse passado, a inteligência artificial (IA)
permitiu que se identificasse uma palavra — porphyras,
“roxo” em grego antigo — dentro de um texto ilegível:
um pergaminho que virou carvão na biblioteca de uma
vila em Herculano.
Há anos que se buscava uma maneira de desvendar o
conteúdo dos 800 papiros carbonizados achados no que
se supõe ser a biblioteca de Filodemo, filósofo a serviço
do dono da vila, provavelmente Piso, sogro de Júlio César.
Desenrolá-los era impossível — eles se desintegrariam
instantaneamente e virariam pó. As chances aumentaram
quando Brent Seales, pesquisador da Universidade de
Kentucky que há mais de duas décadas desenvolve técni-
cas para ler pergaminhos danificados, aperfeiçoou o uso
da tomografia computadorizada para entrever o interior
das relíquias sem tocar nelas — processo que batizou de

2|6
CLUBE DE REVISTAS
ROCÍO ESPÍN PIÑAR

FOI AQUI Imagem recriada da vila que seria do sogro


de Júlio César: achado

“desembrulho virtual”. Com o apoio financeiro de empre-


sas do Vale do Silício, nos EUA, Seales criou então uma
competição para ver quem primeiro uniria tomografia e
IA para resgatar um trecho dos pergaminhos. Luke Ferri-
tor, 21 anos, aluno de ciência da computação da Universi-
dade de Nebraska, saiu na frente: encontrou as nove letras
de porphyras e ganhou 40 000 dólares.

3|6
CLUBE DE REVISTAS

A palavra atiçou a imaginação dos pesquisadores. A


cor roxa é citada, por exemplo, nas anotações de Plínio, o
Velho, e no Evangelho Segundo Marcos, que descreve co-
mo Jesus foi alvo de zombarias por ter vestido roxo antes
da crucificação. Haveria alguma ligação? “Cerca de 95%
dos documentos do período clássico, um dos mais férteis
em matéria de filosofia, foram perdidos. Há, portanto,
grande interesse nos que ainda existem”, disse Seales a
VEJA. Das mais de 120 peças de Sófocles, só sete sobrevi-
veram inteiras. Dos 142 volumes da História de Roma de
Tito Lívio, preservaram-se 35. Como os textos em latim e
grego da Antiguidade eram seguidamente copiados, há
chance de que os papiros de Herculano contenham desco-
bertas espetaculares. Em 2016, a equipe de Seales “de-
sembrulhou” o que é conhecido como pergaminho En-
Gedi, contendo seções do Livro de Levítico. Como havia
metal na tinta, ela pôde ser vista nas tomografias compu-
tadorizadas. Já a tinta dos escritos de Herculano, à base
de carvão e água, é invisível e, por isso, precisa da ajuda
da IA, capaz de encontrar padrões em microrrachaduras
que eventualmente resultem em caracteres legíveis.
O uso de máquinas para leitura e entendimento de tex-
tos antigos vem sendo cada vez mais explorado, não só
em documentos onde o texto é de difícil acesso como pa-
ra acelerar a tradução daqueles elaborados em línguas
extintas. Trata-se de um salto espetacular na compreen-
são dos mistérios do passado remoto. A Pedra de Roseta,

4|6
CLUBE DE REVISTAS
DR. BRENT SEALES/UNIVERSITY OF KENTUCKY

EURECA! Da leitura do papiro (acima), que, tocado, se


desintegra: surgiu a palavra roxo em grego (abaixo)

VESUVIUS CHALLENGE

5|6
CLUBE DE REVISTAS

fragmento contendo um texto burocrático em três idio-


mas que serviu de chave para se decifrar os hieróglifos e
impulsionar a ciência de egiptologia, foi estudada duran-
te 23 anos até se conseguir elucidar o significado da es-
crita do Egito antigo.
Em contrapartida, em um estudo publicado neste ano,
pesquisadores de Oxford detalham como conseguiram,
utilizando inteligência artificial, facilitar a versão de tá-
buas cuneiformes do acadiano, língua da antiga Mesopo-
tâmia, para o inglês, abrindo caminho para o entendi-
mento de mais de 1 milhão de textos ainda não decifra-
dos. “As máquinas já conseguem distinguir gênero, ex-
pressões idiomáticas e exceções às regras dentro da tra-
dução. Mas precisam ser treinadas para melhorar sua
precisão”, diz Tom McCoy, linguista da Universidade
Princeton. Mais de 1 500 pessoas participam da competi-
ção em torno dos papiros de Herculano. Levará o prêmio
de 700 000 dólares quem conseguir ainda neste ano re-
cuperar ao menos quatro passagens de 140 caracteres ca-
da uma — o tamanho de um tuíte nos velhos tempos. De
palavra em palavra, a Antiguidade vai se desvendando
para o mundo moderno. ƒ

6|6
GERAL MODA
CLUBE DE REVISTAS

DAS QUADRAS
PARA AS RUAS
Atletas e grifes quebram os ares aristocráticos e
imaculados do tênis e ajudam a transformar o
esporte em vitrine para marcas e tendências
de estilo SIMONE BLANES
CLIVE BRUNSKILL/GETTY IMAGES

CLASSE Jannik Sinner em Wimbledon:


bolsa Gucci a tiracolo

1|4
CLUBE DE REVISTAS

UM DOS GRANDES tenistas da história, se não o mais


vitorioso, certamente o mais clássico, de movimentos per-
feitos, bailarino com a raquete, o suíço Roger Federer pa-
recia estar se referindo a si mesmo quando lhe pediram
uma definição do esporte que praticava: “elegante”. É defi-
nição adequada, de mãos dadas com a história do esporte.
Desde o berço, no século XVI, quando o rei Henrique VIII,
da Inglaterra, mandou construir uma quadra em um de
seus palácios, a atmosfera aristocrática — elitista, sim —
levou também aos armários da moda a cativante atividade.
Não por acaso, as quadras de grama do vetusto tor-
neio de Wimbledon, o mais antigo, criado em 1877, virou
palco do imaculado branco — embora já não seja mais
assim. A cor alva simbolizava o purismo, mas também
visava a “diminuir a visibilidade das manchas de suor
dos tenistas”, consideradas “socialmente inadequadas”,
segundo a enciclopédia Britannica. Foi difícil, para o tê-
nis, tirar o peso desse passado tradicional, e talvez por is-
so mesmo nunca tenha alcançado o sucesso do cotidiano,
fora dos campeonatos, como aconteceu com o futebol e o
basquete. A história, enfim, começa a mudar. O tênis, de
algum modo, se populariza nas ruas (com o toque de
classe, é evidente, e com produtos ainda caros): no Tik-
Tok, termômetro incontornável de nosso tempo, a ten-
dência “tenniscore” já bateu 4,5 milhões de visualiza-
ções. É muita coisa. Vê-se a onda de interesse também
nas luminosas vitrines europeias e americanas.

2|4
CLUBE DE REVISTAS

LOUIS VUITTON

FASHION O espanhol Carlos Alcaraz:


embaixador da grife Louis Vuitton

Os atletas perceberam os novos ventos, sabem da relevân-


cia do marketing e compraram a ideia. O próprio Federer che-
gou a ser multado por ter usado em Wimbledon calçados co-
loridos. Agora, o italiano Jannik Sinner virou estrela não pela
performance, mas por ostentar uma enorme bolsa da Gucci,
marrom e dourada, com alças verdes e vermelhas — tudo
com a devida autorização do torneio (e regiamente pago). O
prodígio espanhol Carlos Alcaraz, embaixador da Louis Vuit-
ton, surgiu de regata estampada, assinada pela Nike. Federer
— sempre ele! — assina uma coleção da Uniqlo, em parceria
com o designer Jonathan Anderson, da Irlanda do Norte.
O atual movimento, que não para de crescer — o mer-
cado de atuais 2 bilhões de dólares anuais chegará a 2,7

3|4
CLUBE DE REVISTAS

INSTAGRAM @ROGERFEDERER

ELEGÂNCIA Roger Federer: coleção da Uniqlo


leva sua assinatura

bilhões em 2031 —, é quase uma homenagem ao pioneiro


dessa travessia dos games e sets para o dia a dia. Na dé-
cada de 1920, o francês René Lacoste, conhecido como
“crocodilo”, dada sua tenacidade, trocou as roupas pesa-
das por short e camisa curta de algodão. Foi assim que a
polo da Lacoste e o animal que estampa a grife conquis-
taram o mundo. A Lacoste foi atropelada por outras gri-
fes, muita gente esqueceu sua origem esportiva, e eis que
a roda gira. O tênis é estiloso, ponto. Vale lembrar um co-
mentário de Serena Williams quando foi forçada a tirar
um macacão em Roland Garros, no longínquo ano de
2018: “Você pode tirar o uniforme da super-heroína, mas
não meus superpoderes”. ƒ

4|4
CLUBE DE REVISTAS
LUCILIA DINIZ

AVESSO DO AVESSO
Quando andar para trás nos faz avançar

ANDAR PARA TRÁS projeta uma inegável imagem ne-


gativa, associada ao fracasso. “Pra frente é que se anda”,
dizia aquele samba triste de Aldir Blanc, reproduzindo
uma conversa entre dois amigos que não se viam havia
muito tempo. Sim, a ideia do avanço é sem dúvida um
dos valores mais enraizados da nossa cultura. A própria
origem do verbo “progredir” não nos deixa negar: pro-
gredire, em latim, significa “ir adiante”.
Vários costumes acabaram derivando dessa noção.
Na ceia de Réveillon, nada de comer aves — pois elas cis-
cam para trás e com isso o ano não traria avanços. Em
qualquer data, caranguejos também são considerados de
mau agouro, por seu “movimento retrógrado caracterís-
tico”, como escreveu o psicanalista suíço Carl Jung em
seu livro sobre arquétipos. “Andar para trás”, dizem os
portugueses, é “ensinar o caminho ao diabo”. Já aqui no
Brasil existe a crença de que os passos para trás simples-
mente trariam azar.
Toda essa carga cultural tem a ver, claro, com a nossa
anatomia. Afinal, somos programados para andar para a
frente. E, no entanto, andar para trás tem suas vantagens.

1|3
CLUBE DE REVISTAS

Ironicamente, muitas vezes, ao repisar nossos passos, re-


cordamos não só nossos tropeços, mas também os acertos.
Há quase quatro anos, ao publicar minha primeira coluna
neste espaço, ressaltei, ainda que de passagem, os benefí-
cios de andar para trás. De lá para cá, novos estudos trou-
xeram mais e mais confirmações de que a prática é salutar.
Talvez essa cultura ocidental, que associa o bom ao
que está lá adiante, explique os motivos para que uma
modalidade tão acessível ainda seja quase restrita a clí-
nicas de fisioterapia.
Afinal, se acreditamos que o futuro será sempre me-
lhor, como adotar um exercício cujo movimento evoca o
avesso do avanço?
Engana quem pensa que essa atividade aparentemente
intuitiva é trivial (afinal, é “só” inverter o sentido). As van-
tagens do exercício, aliás, começam nessa falsa simplicida-

“Ao repisar nossos


passos, recordamos
não só nossos
tropeços, mas também
os acertos”
2|3
CLUBE DE REVISTAS

de. Embora sejamos equipados para, sem grande esforço,


fazer os movimentos requeridos, colocar a caminhada diá-
ria em marcha à ré exige, para começar, um esforço do cé-
rebro para sair do automático. Com a maior demanda da
coordenação motora, melhora também o equilíbrio.
Para iniciantes, quanto mais controlado o ambiente, me-
lhor. Há sempre o risco de trombar em algo ou alguém. A
céu aberto, um gramado plano pode ser uma boa opção.
No nosso cotidiano, não é só cultural a inclinação para
a frente. Passamos muito tempo sentados, debruçados so-
bre telas, curvados para diante. Ao mudar o sentido da
marcha, usamos também músculos que não costumamos
exigir nesse dia a dia. De quebra, isso ajuda articulações.
Para completar, a caminhada reversa queima mais calo-
rias do que a feita no sentido normal.
Uma observação final: mesmo na vida, andar para
trás não significa necessariamente regredir. Às vezes de-
nota apenas o contorno de um problema ou situação que
nos incomoda. Recuos podem ser táticos, como bem sa-
bem os militares. Um passo atrás pode nos fortalecer,
dar nova perspectiva e descortinar o horizonte para con-
quistas ainda maiores. ƒ

3|3
PRIMEIRA PESSOA
CLUBE DE REVISTAS
INSTAGRAM @GILANCELLOTTI

1|4
CLUBE DE REVISTAS

ME POSICIONO EM
QUALQUER SITUAÇÃO
Atriz de O Lado Bom de Ser Traída, Giovanna Lancellotti
fala sobre assédio na vida real e cenas de sexo na ficção

SEMPRE SONHEI em fazer cinema, mas nunca esperei


protagonizar um filme como O Lado Bom de Ser Traída (há
semanas no topo da Netflix). É claro que eu desejava uma
personagem que me proporcionasse essa virada de menina
para adulta. Em 2023, fiz 30 anos. E, apesar de ter cara de
novinha, comecei a atuar aos 17. Só não imaginava ser uma
mudança tão brusca na carreira. A primeira pessoa que lê
meus roteiros — e guarda todos eles — é a minha avó. Sem-
pre peço a opinião dela. Mas, para essa produção, fiquei com
medo de mandar. Enfim, ela leu e falou: “Nossa, Giovanna,
é forte, né? Mas é bom. Acho que você deve fazer”. Com es-
se veredicto, segui em frente.
É óbvio que as cenas de sexo do filme chamam muita
atenção. Estava com um pouco de medo de como seria a

2|4
CLUBE DE REVISTAS

reação das pessoas comigo. De qualquer forma, fiquei feliz


ao perceber que minha atuação sobressaiu. Não sou careta,
sou livre em vários aspectos, mas, nessa questão da sexuali-
dade, do corpo e da nudez, sempre fui mais reservada. Por
isso digo que a Babi, a personagem, foi um grande desafio
profissional. Me tirou totalmente da zona de conforto.
Nunca imaginei que pudesse estar tão exposta e vulnerá-
vel em cena. E, graças a Deus, não passei por nenhuma si-
tuação desagradável ou constrangimento por causa do fil-
me. Já passei, sim, em outros momentos, na vida real. Sofri
um assédio aos 14 anos, quando um homem se sentou ao
meu lado no ônibus e se masturbou. Eu reagi, gritei, liguei
para a minha mãe, e o cara foi expulso. Sou privilegiada por-
que tive informação, diálogo aberto com a minha família,
fui instruída e soube reagir. E, como tenho personalidade
forte, me posiciono em qualquer situação. Sou daquelas que
falam: “Olha aqui, gente, em pleno 2023 vocês acreditam
nisso?”. Faço o outro passar vergonha. Eu diria para as mu-
lheres que são assediadas que sei quanto é difícil: então não
guardem para si, compartilhem o que aconteceu, não dei-
xem aquele episódio corroer vocês. Ninguém merece viver
sozinha com uma coisa tão nojenta. A culpa não é nossa.
E traição? Sim, já fui traída nos meus primeiros relacio-
namentos. Mas não vou dizer que fui uma jovem traumati-
zada por essas experiências. Sempre fui alto-astral, cheia de
amigos, ainda que tenha batido certo receio de me envolver,
de me apaixonar. Isso foi quebrado no dia após dia. E, se

3|4
CLUBE DE REVISTAS

existe um lado bom de ser traída, como no filme, no meu ca-


so é estar hoje com o Gabriel, meu namorado. Se os outros
não tivessem me traído, não estaria com ele agora.
Olha, quando achei que esse filme seria meu maior desa-
fio, veio outro capaz de superá-lo, só que um problema de
saúde. Comecei a gravar um longa de ação, em que faço ce-
nas de lutas, perseguições, escaladas. Já com tudo ensaiado,
eis que sofri um acidente e rompi o menisco e o ligamento
do joelho. Tive de parar por três semanas para mergulhar
em sessões de fisioterapia duas vezes ao dia, de domingo a
domingo. A cirurgia virá depois. Fiquei frustrada.
Toda a sorte que tenho na vida e na saúde mental, eu di-
ria não ter nesse lado ortopédico. Já sofri algumas fraturas,
e elas não deixam de ser episódios de superação. Tive de
operar o joelho aos 17 anos, rompi os ligamentos dos pés e,
no ano passado, o da mão. Agora a dificuldade é gravar com
o joelho meio solto. Me faz lembrar da Rochelle (persona-
gem da atriz na novela Segundo Sol, que tinha síndrome de
Guillain-Barré, condição autoimune que provoca fraqueza
muscular e restrição motora), uma lição inesquecível. Imagi-
na você perder seus movimentos, virar uma tetraplégica do
nada e depois voltar a andar? É uma coisa única. Tenho
muita fé... E acredito que nada é por acaso. Então temos de
ser nossa melhor versão. E, quando esse novo filme sair,
aposto que nem vão acreditar pelo que passei (risos). ƒ

Depoimento dado a Simone Blanes

4|4
CULTURA MÚSICA
CLUBE DE REVISTAS

O PODER DE
TAYLOR
SWIFT
Chegada da turnê
apoteótica da
superestrela
americana atesta a
força da cantora para
arrastar multidões e
gerar receitas
maiores que o PIB de
dezenas de países
AMANDA CAPUANO E
MAT HAYWARD/TAS23/GETTY IMAGES

FELIPE BRANCO CRUZ,


de Buenos Aires

CAPA: FOTO DE HECTOR VIVAS/TAS23/GETTY IMAGES

1 | 13
CLUBE DE REVISTAS

E
m julho, o primeiro-ministro canadense Justin Tru-
deau fez uma publicação inusitada nas redes sociais.
Endereçada à Taylor Swift, a mensagem dizia: “Oi, sou
eu. Eu sei de alguns lugares no Canadá que adorariam
ter você”. A frase engraçadinha, com trocadilhos de
trechos de músicas da cantora americana, tinha um objetivo
óbvio: Trudeau queria a turnê de Taylor, a The Eras, em solo
canadense. O pedido deu certo e o país receberá a loira em
2024. Mesma sorte não teve o presidente chileno Gabriel Bo-
ric, que afirmou ter escrito diretamente a Taylor pedindo, sem
sucesso, que ela adicionasse o país ao seu itinerário. Os dois
políticos não estão sozinhos nessa paparicação. Nos locais por
onde passou, Taylor foi recebida com pompa de chefe de Esta-
do: em Glendale, no Arizona, a cidade foi renomeada tempora-
riamente como Swift City; na Argentina, o parlamento deu a
ela o título de convidada de honra. No Brasil, onde fará seis
shows, o primeiro nesta sexta-feira, 17, no Rio de Janeiro, o pre-
feito carioca Eduardo Paes abraçou uma campanha dos fãs
para projetar uma homenagem à Taylor no Cristo Redentor.
Tamanha comoção, vale dizer, nada tem a ver com o gosto
musical dos políticos. Todos estão de olho na capacidade da
superestrela de movimentar a
FURACÃO NO PALCO economia por onde ela passa, ge-
The Eras Tour: o espetáculo rando dividendos impressionan-
é uma maratona musical tes para uma cadeia de negócios
com mais de três horas de que vai muito além das bilhete-
duração e 44 canções rias dos estádios.

2 | 13
CLUBE DE REVISTAS

TOQUE DE MIDAS
Lucrativa, Taylor Swift transforma em ouro
tudo o que toca: desde a indústria musical e
o turismo até o mundo esportivo

SUA FORTUNA COM 53 SHOWS,


ESTÁ AVALIADA EM THE ERAS TOUR INJETOU
1,1 BILHÃO 4,6 BILHÕES DE
DE DÓLARES DÓLARES À ECONOMIA
AMERICANA

VENDA DE MIÇANGAS PARA


PULSEIRAS DE AMIZADE
BATEU 3 MILHÕES
DE DÓLARES NOS
ESTADOS UNIDOS

MONTAGEM COM FOTOS GETTY IMAGES; DIVULGAÇÃO

3 | 13
CLUBE DE REVISTAS

MAIOR ARTISTA
FEMININA DO
SPOTIFY, COM
64 BILHÕES
DE REPRODUÇÕES

FILME SOBRE A
TURNÊ PASSOU DOS
240 MILHÕES
DE DÓLARES EM
BILHETERIA GLOBAL

4 | 13
CLUBE DE REVISTAS

400 CATÁLOGO
MUSICAL
MILHÕES AVALIADO EM
DE REAIS É O QUE A
TURNÊ DA CANTORA 400 MILHÕES
VAI MOVIMENTAR EM DE DÓLARES
TURISMO NO BRASIL

NAMORO COM
O JOGADOR TRAVIS
KELCE ATRAIU
2 MILHÕES DE
NOVOS ESPECTADORES
PARA A NFL — E A VENDA DE
CAMISETAS DO ATLETA
SALTOU 400%
Fontes: SPTuris; SMDUE; Bloomberg;
QuestionPro; Fanatics

5 | 13
CLUBE DE REVISTAS

Na estrada desde março, a turnê que começou nos Esta-


dos Unidos, seguido por México e América Latina — e com
datas marcadas na Europa e na Ásia —, deve se tornar a pri-
meira a registrar arrecadação bilionária: a projeção é de 2,2
bilhões de dólares, contra 887 milhões de Elton John, atual
dono da turnê mais rentável da história. Nos Estados Uni-
dos, estima-se que os 53 shows do giro movimentaram 4,6
bilhões de dólares. Na Filadélfia o “efeito Swift” mostrou-se
tão significativo que o banco central americano atribuiu à
turnê a recuperação da hotelaria local. Na Califórnia, os 320
milhões de dólares arrebanhados pela turnê devem gerar
até 3 300 vagas de emprego. “Se Taylor Swift fosse uma eco-
nomia, seria maior que a de cinquenta países”, atestou Dan
Fleetwood, presidente da empresa de dados QuestionPro.
Agora, tamanho poderio lucrativo se volta para a Améri-
ca do Sul (ufa!), onde mais de 560 000 ingressos foram ven-
didos para nove shows: três na Argentina e seis no Brasil, en-
tre São Paulo e Rio de Janeiro, com ingressos esgotados há
cinco meses. Também não há vagas nos hotéis localizados
nos arredores dos estádios. A primeira parada no continente,
Buenos Aires, foi acompanhada pela reportagem de VEJA.
Aconteceu ali um fenômeno raro: a crise econômica tornou o
país um destino atraente para fãs de outras nações, entre eles
americanos que não conseguiram comprar os disputados tí-
quetes nos Estados Unidos — e acabaram privilegiados pelo
favorável câmbio argentino. Foi o caso de Natan, 47 anos, e a
filha Ruthie, de 16, que viajaram da Flórida para Buenos Ai-

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CLUBE DE REVISTAS
EMILIANO LASALVIA / AFP

POLÍTICA Fã na Argentina: cartazes contra


o candidato direitista Milei

res na semana passada. Vestindo uma camisa com a expres-


são “Swiftie Dad” (pai de swiftie — nome pelo qual atendem
os fãs da cantora), o americano contou que os dois pagaram
300 dólares em cada convite para um dos melhores lugares
do estádio do River Plate, enquanto nos Estados Unidos, as-
sentos de visão parcial estavam sendo revendidos por 1 000
dólares. “Nunca assistimos ao show dela, vai ser a primeira
vez”, disse Ruthie. O mesmo aconteceu com as californianas
Sherry, de 52 anos, e Alycia, 26. Na Argentina para o show,
mãe e filha estenderam a viagem. “Depois da Taylor Swift o
que mais amo é viajar”, disse Alycia. As duas não acharam
ingressos por menos de 3 000 dólares onde moram — com o

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CLUBE DE REVISTAS
EMILIANO LASALVIA / AFP

EM FAMÍLIA Pai e filha em fila de show: camiseta


“pai de swiftie” virou moda

mesmo valor, elas não só bancaram duas entradas como ain-


da passearam por Buenos Aires. “Shows internacionais se
tornaram um fator importante de atração de turistas”, disse a
VEJA Lucas Delfino, secretário de Turismo de Buenos Aires.
Com uma estrutura cenográfica de cair o queixo, a qual
demanda noventa caminhões para o transporte, e mais de
100 pessoas envolvidas nos bastidores (estrutura compará-
vel a de um espetáculo do Cirque du Soleil), o show com
mais três horas é uma maratona em que Taylor dança e toca
instrumentos, enquanto troca dezesseis vezes de figurino.
“O entusiasmo dos fãs tem sido avassalador”, afirma Fran-
cesca Alterio, diretora de marketing da T4F, responsável por

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CLUBE DE REVISTAS

trazer a turnê ao país. A cenografia conta com efeitos espe-


ciais e inserções à la Broadway em um palco em forma de T
que se estende por 75 metros — ocupando a metade do cam-
po de futebol. Há pulseirinhas de LED sincronizadas com as
canções e telões de altíssima resolução que interagem com a
narrativa do show, a qual passa pelas diferentes eras da vida
profissional de Taylor — e, claro, por sua vida pessoal.
Aos 33 anos de idade e com dezessete de carreira, Taylor
conquistou uma legião de seguidores fiéis com um tripé de
talento, trabalho duro e inteligência para os negócios. Com
um pendor para a composição confessional, ela surgiu no
country, ainda adolescente, narrando experiências vividas
por garotas no ensino médio, como a dor do amor não cor-
respondido e o frio na barriga da primeira paixão — sofrên-
cia muitas vezes desencadeada por ex-namorados famosos
como Joe Jonas, John Mayer e Harry Styles. Não à toa, uma
parcela significativa da sua base de fãs são mulheres que
cresceram com ela, compartilhando feridas similares. Com
o passar dos anos, e já no pop, as narrativas juvenis ganha-
ram contornos mais maduros: temas como álcool, sexo, pro-
blemas conjugais, feminismo e inseguranças profundas so-
bre o mundo e sobre si mesma marcam presença nos álbuns
recentes. A embalagem poética recheada de metáforas faz
com que as canções conquistem também muitos pais. Eles
incentivam e, muitas vezes, embarcam junto na idolatria.
No show de Buenos Aires, Taylor disse que suas músicas
são como um diário pessoal que ela compartilha com os fãs.

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CLUBE DE REVISTAS

ONIPRESENTE
Na première
do filme The
Eras Tour:
JOHN SHEARER/GETTY IMAGES

recorde em
bilheteria

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CLUBE DE REVISTAS

“Espero que se identifiquem com algumas delas”, disse. Essa


coragem para se expor jamais surgiria se o caminho não ti-
vesse sido aberto por artistas, como a americana Carole
King, que nos anos 1970 se impôs como uma voz relevante
sobre as dores, os desejos e as alegrias das mulheres — co-
mo prova a faixa icônica (You Make Me Feel Like) A Natu-
ral Woman. Taylor incorporou ainda a atitude empoderada
de nomes como Madonna, e, dos anos 1990, abraçou a veia
furiosa da canadense Alanis Morissette. “As compositoras
da minha geração seriam muito diferentes se não fosse por
ela”, derreteu-se Taylor sobre a roqueira.
Com essa dose de atrevimento herdado das antecessoras,
a cantora vem desafiando a lógica da indústria fonográfica e
chegou a incomodar gigantes da tecnologia. Em 2014, ela ti-
rou todo o seu catálogo musical das plataformas de strea-
ming em protesto contra a baixa remuneração dos artistas,
fazendo Apple e Spotify mudarem suas políticas de paga-
mento para tê-la de volta. Mais recentemente, quando os
masters (direitos comerciais) de seus primeiros álbuns fo-
ram vendidos à sua revelia, ela passou a regravar todos os
trabalhos antigos e a relançá-los sob o selo “Taylor’s Ver-
sion”. Assim, desvalorizou o catálogo original e despertou
preocupação na indústria: grandes gravadoras estão revi-
sando contratos para evitar posturas do tipo.
Tal poder de barganha vem de uma postura sagaz da es-
trela pop. Ao surfar na necessidade humana de pertencimen-
to, ela forjou desde o início uma relação próxima com os fãs

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CLUBE DE REVISTAS
CHRISTOPHER POLK/TAS/GETTY IMAGES KEVIN MAZUR/GETTY IMAGES

PREDECESSORAS Cantora ao lado de Alanis Morissette (à


esq.) e Carole King (à dir.): inspirações que abriram o caminho

por meio de tradições comparáveis à de uma religião, com


direito a festas temáticas e audições íntimas de discos a se-
rem lançados. Outro exemplo é o hábito de colocar mensa-
gens em suas músicas decifráveis apenas pelos fãs mais ardo-
rosos, como referências a eventos que ela viveu. “A lingua-
gem é poderosa e ela tem papel de destaque no trabalho da
Taylor”, explica a linguista Cynthia Gordon, da universidade
americana de Georgetown. Os rituais estão por toda parte:

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CLUBE DE REVISTAS

na turnê, os “swifties” se vestem conforme a estética de cada


álbum e trocam “pulseiras da amizade” em referência à letra
da canção You’re On Your Own, Kid, rito que fez saltar as
buscas pelas miçangas que compõem o acessório em 74% no
Mercado Livre.. Nos Estados Unidos, estima-se que os fãs
gastaram, em média, 1 300 dólares (mais de 6 000 reais) por
apresentação — entre ingressos, roupas e acessórios. Por
aqui, surgiram ainda festas temáticas inteiramente dedicadas
à cantora. “Ninguém consegue os números dela”, atesta Kai-
que Brandão, organizador da TS Party, que recentemente ar-
rebanhou 2 000 pessoas para uma balada de Halloween em
São Paulo, inspirada, claro, em Taylor Swift.
A influência da loira se estende para outras áreas. Na po-
lítica, quando abandonou a postura de “isentona” em 2018,
criticou Donald Trump e se embrenhou na campanha de-
mocrata: um apelo de Taylor para que os fãs se registrassem
para votar fez saltar o número de jovens inscritos no sistema
eleitoral americano. Fãs argentinos fizeram campanha con-
tra o direitista Javier Milei reivindicando o voto da “comuni-
dade swiftie” no candidato governista Sergio Massa. Por to-
da Buenos Aires era possível ver pôsteres com os dizeres:
“Swiftie não vota em Milei”. Nos cinemas, o filme-concerto
da The Eras Tour bateu recorde de bilheteria. Até a audiên-
cia da NFL, a liga de futebol americano, subiu depois que a
cantora foi ao estádio assistir ao namorado, o jogador Travis
Kelce. É a prova de que o poder de Taylor Swift se mostra
presente, literalmente, em todos os campos. ƒ

13 | 13
CULTURA TELEVISÃO
CLUBE DE REVISTAS

DESPEDIDA
DRAMÁTICA
Em sua última temporada, The Crown retrata a
morte trágica de Diana — evento que desestabilizou
a monarquia e evidenciou os perigos do culto
à celebridade RAQUEL CARNEIRO

VIDA CEIFADA Elizabeth Debicki, que interpreta a princesa:


atormentada pelos excessos da fama

NETFLIX

1|5
CLUBE DE REVISTAS

NO INÍCIO DE 1997, a princesa Diana abraçou uma causa


pouco conhecida: em viagens à Bósnia e a Angola, ilumi-
nou o trabalho dos que desativavam antigas minas terres-
tres de tempos de guerra e visitou sobreviventes, os quais
conviviam com o preconceito das mutilações causadas pe-
los explosivos. Não bastasse, se propôs a caminhar por um
campo minado. Usando um colete e uma viseira de prote-
ção, a imagem da princesa em uma zona de perigo, des-
toando do luxo da família real (da qual ela já não fazia
mais parte), impactou o mundo. Na sexta e última tempo-
rada de The Crown, que acaba de ganhar quatro novos
episódios na Netflix, a caminhada serve de paralelo para
uma ameaça mais subjetiva: enquanto Diana anda entre
bombas, a série observa o frisson em torno das fotos dela
beijando o empresário egípcio Dodi Al-Fayed. O responsá-
vel pelo clique ficou milionário atiçando a ganância de ou-
tros paparazzi. O desfecho é conhecido: em 31 de agosto
do mesmo ano, aos 36 anos de idade, Diana morreu ao la-
do do namorado em um acidente de carro em Paris, en-
quanto eram perseguidos por famigerados fotógrafos.
Além de apontar para a tragédia que evidenciou os peri-
gos da fama e do culto à celebridade (dilema que ainda asso-
la os herdeiros William e Harry — especialmente o último,
o príncipe rebelde), a metáfora do campo minado pode ser
aplicada à própria série — que se encerra de vez em 14 de
dezembro, com a segunda parte da temporada. Criada por
Peter Morgan em 2016, The Crown somou elogios e prêmios

2|5
CLUBE DE REVISTAS
KEITH BERNSTEIN/NETFLIX

HERDEIROS Atores na pele de William, Charles e Harry:


calmaria antes do caos

na mesma medida em que recebeu críticas e insultos de


apoiadores fervorosos da realeza britânica. Ao retratar a tra-
jetória de altos e baixos da rainha Elizabeth II (vivida em
três fases pelas atrizes Claire Foy, Olivia Colman e Imelda
Staunton), a série tocou em temas delicados, como traições
envolvendo membros do palácio e a distância entre a ilustre
família e seus súditos mortais — estes afetados por dilemas
mundanos, do pânico do desemprego às dores do racismo.
Com a morte da soberana em setembro de 2022, a sensibili-
dade em torno do programa aumentou — até a respeitada atriz
Judi Dench chamou The Crown de “sensacionalista”. Novas

3|5
CLUBE DE REVISTAS
NETFLIX

LUTO Imelda Staunton como a rainha: monarquia


em xeque nos anos 1990

faíscas surgiram com a divulgação das primeiras imagens de


Diana (vivida pela ótima Elizabeth Debicki) como um “fantas-
ma” conversando com Charles (Dominic West) e a rainha após
sua morte. A gritaria foi exagerada: Morgan teve de explicar o
conceito de licença poética, afinal, não se tratava de uma as-
sombração, e sim de uma alegoria da presença indelével de Dia-
na na mente dos que a conheceram. Tal comoção, contudo, era
esperada — e não passou incólume pelos bastidores. “Perdi as
contas de quantas vezes eu chorei vendo essas cenas”, disse em
entrevista o diretor alemão Christian Schwochow, responsável
pelos três últimos episódios da primeira parte.

4|5
CLUBE DE REVISTAS

O respeito pela amada e popular princesa é patente: a


série não mostra seu corpo, e o triste momento da chega-
da da notícia da morte aos filhos é retratado sem falas. A
longa pausa dramática entre as duas partes da sexta tem-
porada servirá ainda para o público digerir a melancolia
do luto por Diana — a série vai chegar até 2005, quando
Charles e Camilla (Olivia Williams), atuais rei e rainha
consorte da Inglaterra, se casam oficialmente. Ainda não
se sabe o quão relevante a morte da princesa será nos ca-
pítulos finais. Na vida real, porém, as consequências são
deveras conhecidas.
Em uma crise gigantesca para a monarquia, Elizabeth II
se tornou vítima de teorias conspiratórias, que apontavam a
soberana como “mandante” do acidente. As acusações in-
fundadas foram propagadas especialmente por Mohamed
Al-Fayed (1929-2023), pai de Dodi: o empresário afirmava
que a rainha era contra a união do filho muçulmano com a
princesa — e que ela estaria grávida. Investigações inde-
pendentes das autoridades inglesas e francesas apontam
que a causa do acidente foi, além da perseguição dos fotó-
grafos, a direção imprudente do motorista, que estava al-
coolizado. Na versão fantasiosa de The Crown, o bilionário
Al-Fayed força o filho a interferir no itinerário de Diana,
que iria para Londres, mas acabou desembarcando em Pa-
ris — onde ele a pediria em casamento. É por essa e outras
escolhas controversas e ousadas no roteiro que a produção
cativa fãs e atiça os detratores de plantão. ƒ

5|5
CULTURA TELEVISÃO
CLUBE DE REVISTAS

ROMANCE EM JOGO
Com situações novelescas e dramas reais,
realities como Casamento às Cegas e Ilhados
com a Sogra expõem relações complicadas — e
atraem audiência estrondosa KELLY MIYASHIRO

1|5
CLUBE DE REVISTAS
NETFLIX

ENLACE Ágata e Renan no


programa da Netflix: a dupla
explodiu em popularidade
nas redes sociais

EM UMA BELA mansão com vista para o mar, convidados


de uma cerimônia aguardam a resposta dos noivos para a
clássica pergunta: aceita se casar? Na tradição do altar, a
questão é meramente protocolar, mas aqui ela cria uma real
dose de expectativa. Os pombinhos em questão já haviam
feito juras de amor, após encontros separados por uma pare-
de. Agora, com um mísero mês de convivência cara a cara,

2|5
CLUBE DE REVISTAS

eles devem decidir se funcionou ou não o experimento pro-


posto pelo Casamento às Cegas Brasil, popular reality show
casamenteiro da Netflix. A reportagem de VEJA acompa-
nhou a gravação da cena que vai ao ar na quarta temporada
do programa, em 2024, com uma novidade: desta vez, todos
os participantes são divorciados ou já tiveram noivados fra-
cassados — numa dinâmica com contornos de “uma segun-
da chance para o amor”.
Lançado em 2020, nos Estados Unidos, o reality encon-
trou público cativo no Brasil. A terceira temporada da edi-
ção nacional, exibida neste ano, somou 20 milhões de ho-
ras consumidas pelos assinantes da plataforma. De modo
a continuar lucrando com o filão da vida como ela é nas
relações, a Netflix Brasil lançou uma espécie de programa
pós-altar, o Ilhados com a Sogra. Com um prêmio de
500 000 reais, o reality uniu genros e noras com suas res-
pectivas sogras para disputarem, juntos, provas que exi-
gem relações harmoniosas para serem bem-sucedidas. Ou-
tro fenômeno de audiência, Ilhados já tem uma segunda
temporada em desenvolvimento.
O gosto do brasileiro pelo formato do reality show não
é novidade — a exemplo do incansável Big Brother Brasil,
da Rede Globo, que caminha para sua 24ª edição. O apelo
dos dois títulos da Netflix, porém, reflete tendências cultu-
rais e comportamentais curiosas. Em tempos de baixa na
audiência das novelas brasileiras, realities oferecem tra-
mas folhetinescas com mocinhos e vilões, triângulos amo-

3|5
CLUBE DE REVISTAS
ALINE ARRUDA/NETFLIX

NO DIVÃ Klebber e Camila: produções


oferecem até psicólogos de plantão

rosos e relações familiares conturbadas — além de dilemas


sérios do mundo real, como o machismo e o racismo. Eles
ainda garantem ao público uma continuação sem prazo
para acabar, após o desligar das câmeras, nas redes so-
ciais, onde os curiosos de plantão procuram saber como
está a vida dos participantes.
Nesse ambiente virtual, a verdadeira força motriz de ta-
manho sucesso se revela — e Freud, literalmente, explica. Já
dizia o pai da psicanálise que o narcisismo é ativado pela
“obsessão por diferenciar-se” daquilo que se revela “fami-
liar”. Realities são especialistas em mostrar na tela pessoas
que não conseguem enxergar além da própria perspectiva
— e, fora dela, espectadores que sentem prazer em julgar o

4|5
CLUBE DE REVISTAS
RICARDO CARVALHEIRO/NETFLIX

É FOGO O genro Rodrigo com Taninha,


em Ilhados: prêmio de 500 000 reais

próximo, mesmo cometendo os mesmos erros ou piores.


“Muitos falam e fazem absurdos na frente das câmeras e de-
pois culpam a edição”, diz Camila Queiroz, coapresentadora
de Casamento às Cegas Brasil ao lado do marido, Klebber
Toledo, que complementa: “Os cortes até minimizam certas
atitudes”. Já os que são capazes de reconhecer nos outros
seus erros podem fazer do entretenimento descompromissa-
do uma lição valiosa. “É possível entender as próprias difi-
culdades e achar formas de contorná-las”, teoriza Shenia
Karlsson, psicóloga que participa de Ilhados com a Sogra
em sessões de terapia para lá de públicas com os participan-
tes. Do sofá de casa, é um deleite acompanhar conflitos
alheios, como demonstra o sucesso desses programas. ƒ

5|5
CULTURA VEJA RECOMENDA
CLUBE DE REVISTAS
PARIS FILMES

AMOR BANDIDO Tom Blyth e Rachel Zegler: a origem


do vilão da distopia Jogos Vorazes

CINEMA
JOGOS VORAZES: A CANTIGA DOS PÁSSAROS E DAS SERPENTES
(The Hunger Games: The Ballad of Songbirds & Snakes, Estados Unidos, 2023. Em cartaz)
Entre 2012 e 2015, a saga Jogos Vorazes fez sucesso nos cine-
mas ao retratar um mundo no qual a sociedade americana era
dividida em distritos, como um esquema de castas — e anual-
mente adolescentes de cada região eram eleitos para brigar até
a morte em uma arena televisionada. No filme ambientado 64
anos antes, o protagonista é Coriolanus Snow (Tom Blyth) an-
tes de se transformar no vilão vivido por Donald Sutherland
na saga inicial. Mentor dos jogos, ele se apaixona por Lucy
(Rachel Zegler), participante raquítica do paupérrimo Distrito
12. Reproduzindo fórmulas dos quatro filmes anteriores, o lon-
ga aposta em personagens dúbios e acentua sua crítica à cultu-
ra dos reality shows e à banalidade da violência.

1|8
CLUBE DE REVISTAS

CINEMA
HOW TO HAVE SEX
(Reino Unido, 2023. Em cartaz)
Aos 16 anos, a inglesa Tara (Mia McKenna-Bruce) está no
limbo entre a formatura do ensino médio e a aprovação na
faculdade. Ela, então, viaja com amigas para a Grécia, on-
de experimentam a farra juvenil de festas barulhentas re-
gadas a álcool. Pressionada pela trupe, Tara decide perder
a virgindade — uma escolha que sai de seu controle quan-
do a linha entre o consentimento sexual e o abuso fica tur-
va. Premiado no Festival de Cannes, o longa de estreia da
cineasta Molly Manning contorna o machismo e os julga-
mentos morais para retratar uma realidade comum, mas
que insiste em tratar vítimas como culpadas.
O2 PLAY

PREMIADO McKenna-Bruce: início da vida adulta


marcada pelo trauma

2|8
CLUBE DE REVISTAS

LIVRO
O LIVRO BRANCO,
de Han Kang (tradução de Natália T. M. Okabayashi; Todavia;
160 páginas; 64,90 reais e 49,90 reais em e-book)
Autora do belo (e estranhíssimo) A Vegetariana, Han
Kang usa sua escrita poética e seu flerte com o realismo
fantástico para processar um trauma familiar: sua mãe
viu morrer nos braços a primeira filha. Mesmo sem ter
conhecido a irmã nem visto imagens dela, Han discorre
sobre o ocorrido como se fosse testemunha ocular do
evento, enquanto narra outras tramas de perdas e ga-
nhos. Cor que representa o luto em parte da Coreia do
Sul, o branco do título serve como símbolo que liga o fim
com novos recomeços. ƒ

3|8
CULTURA OS MAIS VENDIDOS
CLUBE DE REVISTAS

FICÇÃO
1 o lado FeIo do amor
Colleen Hoover [0 | 28#] GALERA RECORD

2 todas as suas ImperFeIções


Colleen Hoover [6 | 79#] GALERA RECORD

3 a BIBlIoteca da meIa-noIte
Matt Haig [1 | 64#] BERTRAND BRASIL

4 é assIm que acaBa


Colleen Hoover [2 | 116#] GALERA RECORD

5 onde estão as Flores?


Ilko Minev [3 | 25#] BUZZ

6 ImperFeItos
Christina Lauren [0 | 12#] FARO EDITORIAL

7 tudo é rIo
Carla Madeira [5 | 62#] RECORD

8 é assIm que começa


Colleen Hoover [7 | 54] GALERA RECORD

9 a revolução dos BIchos


George Orwell [0 | 236#] VÁRIAS EDITORAS

10 antes que o caFé esFrIe


Toshikazu Kawaguchi [10 | 4#] VALENTINA

4|8
CLUBE DE REVISTAS

NÃO FICÇÃO
1 amIgos, amores e aquela coIsa
terrível Matthew Perry [1 | 2] BEST SELLER

2 nação dopamIna
Anna Lembke [3 | 21#] VESTÍGIO

3 a mulher em mIm
Britney Spears [2 | 3] BUZZ

4 FIlho do hamas
Mosab Hassan Yousef [0 | 1] SEXTANTE

5 o príncIpe
Nicolau Maquiavel [7 | 28#] VÁRIAS EDITORAS

6 sapIens: uma Breve hIstórIa da humanIdade


Yuval Noah Harari [6 | 348#] L&PM/COMPANHIA DAS LETRAS

7 pequeno manual antIrracIsta


Djamila Ribeiro [9 | 124#] COMPANHIA DAS LETRAS

8 BoX BIBlIoteca estoIca: grandes mestres


Vários autores [10 | 19#] CAMELOT EDITORA

9 mulheres que correm com os loBos


Clarissa Pinkola Estés [0 | 172#] ROCCO

10 uma troca esplêndIda


William J. Bernstein [0 | 1] ALTA CULT

5|8
CLUBE DE REVISTAS

AUTOAJUDA E ESOTERISMO
1 InquIetos por natureza
Vários autores [0 | 1] GENTE AUTORIDADE

2 Força, Fortaleza!
Marcelo Facchini [0 | 3#] CITADEL

3 negócIos à prova do amanhã


Luiz Fernando Garcia [0 | 1] GENTE

4 você BrIlha quando vIve sua verdade


Vários autores [0 | 1] GENTE AUTORIDADE

5 Inove para ser únIco


Johnathan Alves [0 | 1] GENTE

6 caFé com deus paI KIds — 2024


Júnior Rostirola [0 | 3#] VÉLOS

7 amorIzação
Padre Marcelo Rossi [0 | 2#] PLANETA

8 maIs esperto que o dIaBo


Napoleon Hill [2 | 231#] CITADEL

9 os segredos da mente mIlIonárIa


T. Harv Eker [8 | 440#] SEXTANTE

10 háBItos atômIcos
James Clear [5 | 29#] ALTA BOOKS

6|8
CLUBE DE REVISTAS

INFANTOJUVENIL
1 as aventuras de mIKe 4 —
a orIgem de roBson Gabriel Dearo
e Manu Digilio [1 | 2] OUTRO PLANETA

2 dIárIo de um Banana 18: caBeça oca


Jeff Kinney [2 | 2] VR

3 a casa no mar cerúleo


TJ Klune [0 | 2#] MORRO BRANCO

4 o pequeno príncIpe
Antoine de Saint-Exupéry [3 | 396#] VÁRIAS EDITORAS

5 a cantIga dos pássaros e das serpentes


Suzanne Collins [8 | 10#] ROCCO

6 até o verão termInar


Colleen Hoover [0 | 82#] GALERA RECORD

7 as aventuras de mIKe
Gabriel Dearo e Manu Digilio [4 | 16#] OUTRO PLANETA

8 eu e esse meu coração


C.C. Hunter [0 | 19#] JANGADA

9 olhos prateados
Scott Cawthon, Kira Breed Wrisley [7 | 3] INTRÍNSECA

10 dIárIo de um Banana
Jeff Kinney [9 | 20#] VR

7|8
CLUBE DE REVISTAS

[A|B#] — A] posição do livro na semana anterior B] há quantas semanas


o livro aparece na lista #] semanas não consecutivas

Pesquisa: Bookinfo / Fontes: Aracaju: Escariz, Balneário Camboriú: Curitiba, Barra Bonita: Real
Peruíbe, Belém: Leitura, SBS, Belo Horizonte: Disal, Jenipapo, Leitura, Livraria da Rua,
SBS, Vozes, Bento Gonçalves: Santos, Betim: Leitura, Blumenau: Curitiba, Brasília: Disal,
Leitura, Livraria da Vila, SBS, Vozes, Cabedelo: Leitura, Cachoeirinha: Santos, Campina
Grande: Leitura, Campinas: Disal, Leitura, Livraria da Vila, Loyola, Saber e Ler, Senhor
Livreiro, Vozes, Campo Grande: Leitura, Campos do Jordão: História sem Fim, Campos dos
Goytacazes: Leitura, Canoas: Mania de Ler, Santos, Capão da Canoa: Santos, Caruaru: Leitura,
Cascavel: A Página, Colombo: A Página, Confins: Leitura, Contagem: Leitura, Cotia: Prime, Um
Livro, Criciúma: Curitiba, Cuiabá: Vozes, Curitiba: A Página, Curitiba, Disal, Evangelizar,
Livraria da Vila, SBS, Vozes, Florianópolis: Curitiba, Livrarias Catarinense, Fortaleza:
Evangelizar, Leitura, Vozes, Foz do Iguaçu: A Página, Kunda Livraria Universitária, Frederico
Westphalen: Vitrola, Goiânia: Leitura, Palavrear, SBS, Governador Valadares: Leitura, Gramado:
Mania de Ler, Guaíba: Santos, Guarapuava: A Página, Guarulhos: Disal, Livraria da Vila,
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Joinville: A Página, Curitiba, Juiz de Fora: Leitura, Vozes, Jundiaí: Leitura, Limeira: Livruz, Lins:
Koinonia, Londrina: A Página, Curitiba, Livraria da Vila, Macapá: Leitura, Maceió: Leitura,
Livro Presente, Maringá: Curitiba, Mogi das Cruzes: A Eólica Book Bar, Leitura, Natal:
Leitura, Niterói: Blooks, Palmas: Leitura, Paranaguá: A Página, Pelotas: Vanguarda, Petrópolis:
Vozes, Poços de Caldas: Livruz, Ponta Grossa: Curitiba, Porto Alegre: A Página, Cameron, Disal,
Leitura, Mania de Ler, Santos, SBS, Porto Velho: Leitura, Recife: Disal, Leitura, SBS, Vozes,
Ribeirão Preto: Disal, Livraria da Vila, Rio Claro: Livruz, Rio de Janeiro: Blooks, Disal, Janela,
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Maria: Santos, Santana de Parnaíba: Leitura, Santo André: Disal, Leitura, Santos: Loyola, São
Bernardo do Campo: Leitura, São Caetano do Sul: Disal, Livraria da Vila, São João de Meriti: Leitura,
São José: A Página, Curitiba, São José do Rio Preto: Leitura, São José dos Campos: Curitiba,
Leitura, São José dos Pinhais: Curitiba, Serra: Leitura, Sete Lagoas: Leitura, São Luís: Leitura, São
Paulo: A Página, B307, Círculo, CULT Café Livro Música, Curitiba, Disal, Dois Pontos,
Drummond, HiperLivros, Leitura, Santuário, Simples, Livraria da Tarde, Livraria da
Vila, Loyola, Megafauna, Nobel Brooklin, SBS, Vida, Vozes, WMF Martins Fontes,
Taboão da Serra: Curitiba, Taguatinga: Leitura, Taubaté: Leitura, Teresina: Leitura, Uberlândia:
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Magazine Luiza, Shoptime, Sinopsys, Submarino, Vanguarda, WMF Martins Fontes

8|8
CLUBE DE REVISTAS
JOSÉ CASADO

NÉVOAS DA GUERRA
A GUERRA avança na fronteira de Israel com o Líbano.
Bombardeios voltaram a rachar o solo fértil de uma dúzia de
vilas no Vale do Beqaa, no leste do país, distante três horas
de carro da capital, Beirute. Desse vale saiu a maioria dos
imigrantes que aportaram no Brasil nos últimos 143 anos,
incentivados pelo imperador Pedro II e, com frequência, en-
ganados por agentes de viagem. Aqui consolidaram uma
grande comunidade, hoje maior que a população do Líbano
(estimada em 5,5 milhões), com poder de influência na polí-
tica e na economia. Dois expoentes são o ex-presidente Mi-
chel Temer e o ministro Fernando Haddad, da Fazenda.
O horror e a selvageria do morticínio acontecem a mais
de 12 000 quilômetros de distância, mas ecoam em ressenti-
mento e melancolia entre milhões de brasileiros descenden-
tes de libaneses, árabes, palestinos e israelenses — cristãos,
muçulmanos, judeus ou ateus. A soma dos medos está na
expansão da guerra, a partir de combates entre tropas de Is-
rael e milícias como o Hezbollah (“Partido de Deus”), grupo
xiita libanês armado, financiado e empreitado pelo Irã, ago-
ra principal força paramilitar do Oriente Médio.
Como o Hamas e símiles, o Hezbollah justifica o terroris-

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mo como arma na luta permanente contra a existência do


Estado de Israel, cujo governo extremista e com evidentes
laivos de psicopatia passou a esgrimir até com o delírio de
um ataque nuclear em Gaza. Numa proeza, encorajou a es-
calada do programa nuclear iraniano, que tem ameaça im-
plícita não apenas a Israel, mas, também, à Europa.
Sombras de uma guerra distante no mapa ficaram ainda
mais próximas e perceptíveis no Brasil. Fez-se luz no resgate
de famílias de brasileiros, conduzido com habilidade, resi-
liência e competência pelo Itamaraty — é notável a mudan-
ça no padrão da diplomacia nesse tipo de ação desde a pan-
demia. Ao mesmo tempo, turvou-se o ambiente com acusa-
ções de atividades de terrorismo no país vinculadas ao Hez-
bollah. As prisões de suspeitos aparentam fragilidade judi-
cial, e o governo mantém na absoluta opacidade os motivos,
a extensão e os objetivos dessa suposta rede de terror.
A metamorfose política, no entanto, está clara. Há déca-
das o Brasil renega alegações sobre a existência no seu terri-
tório de núcleos ligados a redes globais de terrorismo. Algo
mudou, e o Hezbollah está no centro das evidências da pro-
pagação da sua “jihad” (guerra santa) na América do Sul.
São notórios seus laços do tipo “joint venture” com máfias
do narcotráfico, contrabando de armas, munições, minerais
e produtos industrializados como cigarros no Brasil, Para-
guai, Argentina, Uruguai, Chile, Bolívia, Colômbia e Vene-
zuela. Ao contrário de países vizinhos, o governo brasileiro
não reconhece o Hezbollah como organização terrorista,

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“Lula deveria adotar


a moderação como
bússola em meio às
ameaças do conflito”
mas investiga e prende militantes e simpatizantes com base
nas informações coletadas no país pelos serviços secretos
dos Estados Unidos, Europa e Israel.
Desde meados do ano, por exemplo, empreende-se uma
caçada humana no entorno de Foz do Iguaçu, região da trí-
plice fronteira. Tenta-se localizar e deter homens que usam
identidades emitidas no Brasil e em países do Mercosul, en-
tre eles José El Reda, Hussein Mouzanar, Ali Abdallah e
Faourk Omairi. Eles são acusados de cumplicidade com o
Hezbollah no massacre de 107 pessoas em dois atentados
terroristas em Buenos Aires no início dos anos 1990. Deixa-
ram mais de 500 feridos nos escombros da Embaixada de
Israel e de uma associação comunitária judaica (Amia).
Mesmo usando o terrorismo como reação ou expressão de
antissemitismo, o Hezbollah realmente conquistou alguma
simpatia em segmentos políticos extremistas da esquerda e
da direita sul-americana, como indicam diferentes relatórios
de investigações em São Paulo, Assunção e Buenos Aires.

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São fatos da vida, assim como a exaustão coletiva com a


matança em Gaza. Em Brasília, acredita-se que o governo
de Benjamin Netanyahu não tenha mais do que seis sema-
nas para “resolver” militarmente sua vingança contra o Ha-
mas. Aposta-se que, depois do Natal, vai aumentar muito a
pressão por uma pacificação regional, ainda que temporá-
ria, se os lunáticos de Netanyahu e de Sayyid Nasrallah, lí-
der do Hezbollah, se acalmarem. O conflito custa cada vez
mais caro para Israel, Líbano e países vizinhos. Tem preço
alto, também, para governantes como Xi Jinping, com pro-
blemas no plano de estabilização da economia chinesa, e Joe
Biden, em campanha pela reeleição contra Donald Trump.
Certamente, seria mais conveniente ao Brasil Lula adotar a
moderação como bússola no palanque governamental em
meio à névoa da guerra. ƒ

ƒ Os textos dos colunistas não refletem


necessariamente as opiniões de VEJA

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