Caderno Lemarx 2
Caderno Lemarx 2
Caderno Lemarx 2
1. Apresentação ..............................................................................................07
2. Introdução:
O Materialismo Histórico (Sandra M. M. Siqueira, Francisco Pereira ........09
3. Anexos ....................................................................................................73
1. Apresentação
2. Introdução
O Materialismo Histórico
Sandra M. M. Siqueira1
Francisco Pereira2
1
Professora associada da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia
(FACED/UFBA) e coordenadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas Marxistas
(LEMARXUFBA).
2
Professor de Direito e colaborador do Laboratório de Estudos e Pesquisas Marxistas
(LEMARX).
3
Para além das obras de Marx e Engels citadas neste ponto, sobre o Materialismo Histórico cf.
também: PLEKHANOV, Guiorgui. A concepção materialista da história. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1990; O papel do indivíduo na história. São Paulo: Expressão Popular, 2008; Os
princípios fundamentais do marxismo. São Paulo: Hucitec, 1989; MEHRING, Franz. Karl Marx:
a história de sua vida. São Paulo: Sundermann, 2013; O materialismo histórico. Lisboa:
Antídoto, 1977; LÊNIN, V.I. As três fontes e as três partes constitutivas do marxismo. São
Paulo: Global, 1979; Cadernos Filosóficos: Hegel. São Paulo: Boitempo, 2018; Materialismo e
Empiriocriticismo. Lisboa: Edições Avante, 1982; Sobre o significado do materialismo militante.
In: LUKÁCS, Gyorgy. Materialismo e dialética: crise teórica das ciências da natureza. Brasília:
Editora Kiron, 2011; TROTSKY, Leon. Em defesa do marxismo. São Paulo: Sundermann, 2011;
O ABC do materialismo dialético. In: Política. São Paulo: Ática, 1981; Noventa anos do
Manifesto Comunista. In: MARX, Karl e ENGELS, Friedich. Manifesto Comunista. São Paulo:
Boitempo,1998; O marxismo de nossa época. In: TROTSKY, Leon. O Imperialismo e a crise
econômica mundial. São Paulo: Sundermann, 2008; Questões do modo de vida. São Paulo:
Sundermann, 2009; Trotski e Darwin. Escritos de Trotski sobre a teoria da evolução, dialética e
marxismo. Brasília: Editora Kiron, 2012; BUKHARIN, Nicolai. Tratado de Materialismo Histórico.
Centro do Livro Brasileiro, s/d; RIAZANOV, David. Marx e Engels e a história do movimento
operário. São Paulo: Global, 1984; GRAMSCI, Antônio. Concepção dialética da história. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1991; LUKÁCS, Georg. O Jovem Marx e Outros Textos
Filosóficos. Rio de Janeiro: UFRJ, 2007; A falsa e a verdadeira ontologia de Hegel. São Paulo:
Ciências Humanas, 1979; Os princípios ontológicos fundamentais de Marx. São Paulo:
Ciências Humanas, 1979; Ensaios sobre literatura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965;
Introdução a uma estética marxista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968; Prolegômenos
para uma Ontologia do Ser Social. São Paulo: Boitempo, 2010; História e Consciência de
Classe: estudos de dialética marxista. Porto: Publicações Escorpião, 1974; Para uma ontologia
do ser social. São Paulo: Boitempo, 2012; KORCH, Karl. Marxismo e filosofia. Rio de Janeiro:
Ed. UFRJ, 2008; BOTTIGELLI, Émile. A gênese do socialismo científico. São Paulo:
Mandacaru, 1974; MACLELLAN, David. Karl Marx: vida e pensamento. Petrópolis: Vozes,
1990; As ideias de Engels. São Paulo: Editora Cultrix, 1977; LAPINE, Nicolai. O jovem Marx.
11
Lisboa: Caminho, 1983; CORNU, Auguste. Carlos Marx; Federico Engels: del idealismo al
materialismo historico. Buenos Aires: Editoriales Platina, 1965.
4
MARX, Karl. Para a crítica da economia política. São Paulo: Abril Cultural, 1982, p. 26.
12
5
Cf. PLEKHANOV, Guirgui. O papel do indivíduo na História. São Paulo: Expressão Popular,
2008.
6
A burguesia soube, é claro, apoiar-se nas críticas dos pensadores materialistas e dos
cientistas às concepções e dogmas da Igreja, para avançar na sua organização e combate ao
domínio da nobreza feudal e do clero e abrir, portanto, as portas para conquistas políticas e
15
8
Uma vez mais, as seguintes obras: MARX, Karl. Crítica da Filosofia do Direito de Hegel. São
Paulo: Boitempo, 2005; Introdução à crítica da filosofia do direito de Hegel. In: MARX, Karl.
Crítica da Filosofia do Direito de Hegel. São Paulo: Boitempo, 2005; A questão judaica. São
Paulo: Boitempo, 2010; Manuscritos Econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2006, Glosas
Críticas Marginais ao artigo “O rei da Prússia e a reforma social”, de um prussiano. São Paulo:
Expressão Popular, 2010; ENGELS, Friedrich. Esboço de uma crítica da economia política. In:
ENGELS, Friedrich. Política. São Paulo: Ática, 1981.
18
vai a Paris por alguns dias, e torna-se desde então amigo mais íntimo de Marx.
Ambos tomaram parte na vida intensa que na época tinham os grupos
revolucionários de Paris”.9
Em Paris, Marx e Engels discutiram durante dias as suas concepções e
verificaram que haviam chegado às mesmas conclusões intelectuais e
políticas. Como produto dessa consonância de ideias, observa Lênin,
“escreveram em comum A Sagrada Família ou a Crítica da Crítica Crítica. Este
livro (...) do qual a maior parte foi escrita por Marx lançou as bases deste
socialismo materialista revolucionário”.10
Para Lênin, na medida em que deu conta de que o antigo materialismo
era
9
Cf. LENIN, V. I. As três fontes e as três partes constitutivas do marxismo. São Paulo: Global,
1979, p. 11-16.
10
Idem, p. 61.
11
Idem, p. 21-22.
19
Marx, ao voltar a estudar o pensamento hegeliano, afirma que “Hegel, por toda
parte, faz da Ideia o sujeito e do sujeito propriamente dito, assim como da
‘disposição política’ faz o predicado” e que “Hegel quer, em toda parte,
apresentar o Estado como a realização do Espírito livre”. Ou quando diz, na
mesma obra, que na concepção hegeliana,
12
MARX, Karl. Crítica da Filosofia do Direito de Hegel. São Paulo: Boitempo, 2005, p. 30-32 e
74.
13
Cf. MARX, Karl. Manuscritos Econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2006.
20
14
MARX, Karl. Glosas Críticas Marginais ao artigo “O rei da Prússia e a reforma social”, de um
prussiano. São Paulo: Expressão Popular, 2010; ENGELS, Friedrich. A situação da classe
trabalhadora na Inglaterra. São Paulo: Boitempo, 2007.
15
MARX, Karl. Prefácio à Para a Crítica da Economia Política. São Paulo: Abril Cultural, 1982,
p. 25.
16
Cf. MARX, Karl. Prefácio à Para a Crítica da Economia Política. São Paulo: Abril Cultural,
1982, p. 25.
21
17
Cf. MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A sagrada família. São Paulo: Boitempo, 2003; A
ideologia alemã. São Paulo: Expressão Popular, 2009; ENGELS, Friedrich. A situação da
classe trabalhadora na Inglaterra. São Paulo: Boitempo, 2007; MARX, Karl. Teses sobre
Feuerbach. In: MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Boitempo,
2002; Carta a Annenkov. In: MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Obras Escolhidas. Lisboa:
Edições Avante!, 1982; Miséria da Filosofia: resposta à filosofia da miséria do senhor
Proudhon. São Paulo: Centauro, 2003.
18
Cf. MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A sagrada família. São Paulo: Boitempo, 2003, p. 65.
19
Idem, p. 65-66.
22
Como tal, a própria essência humana perde, com Marx, qualquer caráter
de imutabilidade, de algo dado de uma vez para sempre, e se converte em
produto das condições histórico-sociais de cada época do desenvolvimento da
humanidade. Para ele, “a essência humana não é uma abstração intrínseca ao
indivíduo isolado. Em sua realidade, ela é o conjunto das relações sociais”.21
Nesse caso, não há qualquer coisa de imutável, de absoluto, de definitivo
na história, na sociedade e no conhecimento. Em se tratando das ideias, do
conhecimento, das formas de consciências sociais, estas não só têm como
20
Idem, pp. 119-120.
21
Idem, p. 121.
23
22
MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Boitempo, 2002, p. 31.
24
23
Idem, p. 31.
24
Idem, p. 23-24.
25
Idem, p. 32.
26
MARX, Karl. Carta a Annenkov. In: MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Obras Escolhidas.
Lisboa: Edições Avante!, 1982, p. 549.
25
27
MARX, Karl. Introdução. In: MARX, Karl. Para a Crítica da Economia Política. São Paulo:
Abril Cultural, 1982, p. 18.
28
MARX, Karl. Carta a Annenkov. In: MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Obras Escolhidas.
Lisboa: Edições Avante!, 1982, p. 551.
29
Idem, p. 553.
30
Idem, p. 349-550.
31
Cf. MARX, Karl. A Miséria da Filosofia. São Paulo: Centauro, 2003, p. 98.
26
32
MARX, Karl. Introdução à Crítica da filosofia do direito de Hegel. In: MARX, Karl. Crítica da
Filosofia do Direito de Hegel. São Paulo: Boitempo, 2005, p. 151.
28
33
Idem, p. 155. É conhecida a seguinte passagem: “Assim como a filosofia encontra as armas
materiais no proletariado, assim o proletariado tem as suas armas intelectuais na filosofia”.
(Idem, p. 156).
34
MARX, Karl. Glosas Críticas Marginais ao artigo “O rei da Prússia e a reforma social”, de um
prussiano. São Paulo: Expressão Popular, 2010; ENGELS, Friedrich. A situação da classe
trabalhadora na Inglaterra. São Paulo: Boitempo, 2007; MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A
sagrada família. São Paulo: Boitempo, 2003; A ideologia alemã. São Paulo: Expressão
Popular, 2009.
35
ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. São Paulo: Boitempo,
2007, pp. 123-124.
36
MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A sagrada família. São Paulo: Boitempo, 2003; A ideologia
alemã. São Paulo: Expressão Popular, 2009, p. 49.
29
Marx estabelece, por outro lado, um critério mais objetivo para a aferição
da conformidade do pensamento com a realidade em movimento, ao dizer que
“Toda a vida real é essencialmente prática. Todos os mistérios que conduzem
a teoria ao misticismo encontram sua solução racional na prática humana e na
compreensão dessa prática”.38 Portanto,
37
Idem, p. 119.
38
Idem, p. 121.
39
Idem, p. 119-120.
30
40
Idem, p. 120.
41
MARX, Karl. Teses sobre Feuerbach. In: MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A ideologia
alemã. São Paulo: Boitempo, 2002, p. 126.
42
MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Expressão Popular, 2009,
p. 36.
31
43
MARX, Karl. O 18 Brumário e Cartas a Kugelmann. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977, p. 17.
32
44
LÊNIN, V. I. As três fontes e as três partes constitutivas do marxismo. São Paulo: Global,
1979, p. 18.
33
45
Cf. ENGELS, Friedrich. Do socialismo utópico ao socialismo científico. In: MARX, Karl e
ENGELS, Friedrich. Textos. São Paulo: Edições Sociais, v. I, 1975, pp. 27-28.
36
Conclui em seguida:
46
Em referência à obra Robinson Crusoé, romance escrito por Daniel Defoe, publicada
originalmente em 1719, no Reino Unido, que trata da história de um indivíduo que sobreviveu a
um naufrágio e, isolado, consegue sobreviver em meio às condições da natureza.
47
Cf. MARX, Karl. Para a Crítica da Economia Política. São Paulo: Abril Cultural, 1982, pp. 3-4.
37
48
Idem, p. 4.
38
Sem partilhar das ilusões de cada época, bem como das concepções
idealistas da história e da sociedade humana, a concepção materialista da
história não precisa partir de elementos ideais, forjados de maneira a priori,
mas da própria realidade social, econômica e política, em transformação e
eivada de contradições. Por isso, os fundadores do socialismo científico dizem
que o Materialismo Histórico parte
49
Cf. MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. São Paulo: Expressão Popular,
2008, pp. 59-60.
39
50
Idem, p. 32.
51
Idem, pp. 23-24.
52
Idem, pp. 24.
40
53
Idem, p. 40.
41
54
Idem, p. 24.
42
55
Idem, ibidem.
56
Cf. MARX, Karl. Para a Crítica da Economia Política. São Paulo: Abril Cultural, 1982, p. 46.
57
MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. São Paulo: Expressão Popular, 2008,
p. 30.
43
58
MARX, Karl. Carta a V. Annenkov. In: MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Obras Escolhidas.
Lisboa: Edições Avante, 1982, pp. 544-545.
59
Cf. MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. O Manifesto Comunista. São Paulo: Boitempo, 1998, p.
39.
60
Idem, ibidem.
44
61
Esses reducionismos e deformações de seus seguidores e de opositores do Materialismo
Histórico levaram, certa vez, Marx a afirmar ironicamente, como declarou Engels em carta a
Eduard Bernstein, datada de 2-3 de novembro de 1882: “Tudo o que sei é que não sou
marxista”. Cf. MUSTO, Marcello. O velho Marx: uma biografia de seus últimos anos (1881-
1883). São Paulo: Boitempo, 2018, p. 129. Essa afirmação nada tem a ver com uso que
fizeram dela seguidores e não seguidores de Marx e Engels, para negar o próprio marxismo.
62
MARX, Karl e ENGELS. Friedrich. Cartas Filosóficas e Outros Escritos. São Paulo: Grijalbo,
1977, p. 32.
45
63
Idem, p. 34.
46
64
Idem, pp. 45-46.
65
Idem, p. 46-47.
47
66
Não à toa, surgem no seio da classe dominante - ou são cooptados no seio de outras
classes – indivíduos não só identificados com as relações sociais, econômicas e políticas
dominante, mas que, por sua condição de representantes ideológicos da classe dominante,
“dominam também como pensadores, como produtores de ideias, regulam a produção e a
distribuição de ideias do seu tempo; que, portanto, as suas ideais são as ideias dominantes da
época”. Por força da divisão social do trabalho, em particular a divisão entre trabalho manual e
intelectual, no seio das sociedades divididas em classes sociais, foram se formando os
intelectuais da classe dominante, responsáveis pela produção de ideias e a legitimação
ideológica da sociedade existente. Como afiram Marx e Engels: “no seio dessa classe uma
parte surge como os pensadores dessa classe (os ativos ideólogos criadores de conceitos da
48
mesma, os quais fazem da elaboração da ilusão dessa classe sobre si própria a sua principal
fone de sustento)” (Idem, p. 67-68).
67
Idem, p. 69.
49
71
CF. MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. O Manifesto Comunista. São Paulo: Boitempo, 1998,
pp. 44-45.
72
Idem, p. 43.
53
73
Cf. ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. São Paulo:
Boitempo, 2007, pp. 48-50.
74
CF. MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. O Manifesto Comunista. São Paulo: Boitempo, 1998,
p. 45.
54
75
Idem, ibidem.
76
MARX, Karl. Para a Crítica da Economia Política. São Paulo: Abril Cultural, 1982, pp. 45-46.
55
77
Idem, p. 451.
56
Economia Política cita os modos de produção asiático, antigo, feudal, nas quais
se desenvolveram as forças produtivas, mas não no nível que possibilitassem a
reconstrução da economia e da sociedade sob bases socialistas.
Apenas no âmbito da sociedade burguesa, com o amplo desenvolvimento
das forças produtivas numa escala jamais vista na história da humanidade, por
meio da grande indústria, dos meios de comunicação, da técnica moderna, do
processo de socialização do trabalho – ainda que a apropriação seja privada -,
criam-se as condições objetivas para a reconstrução da sociedade sob bases
socialistas, portanto, para a socialização da produção e a apropriação social,
coletiva, dos produtos do trabalho humano.
Engels explicou essa questão em seus Princípios do Comunismo, ao
observar que toda
78
MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. São Paulo: Civilização Brasileira, L. 1, v.
I, 2002, p. 877.
57
79
Cf. MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Cartas Filosóficas e Outros Escritos. São Paulo:
Grijalbo, 1977, p. 25.
80
Cf. ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. São Paulo:
Boitempo, 2007.
59
81
Em 1888, Engels acrescentou a seguinte nota à edição inglesa de O Manifesto Comunista:
“Isto é toda história escrita. A pré-História, a organização social anterior à história escrita, era
desconhecida em 1847. Mais tarde, Haxthausen (August von, 1792-1866) descobriu a
propriedade comum da terra na Rússia, Maurer (Georg Ludwig von) mostrou ter sido essa a
base social da qual as tribos teutônicas derivaram historicamente e, pouco a pouco, verificou-
se que a comunidade rural era a forma primitiva da sociedade, desde a Índia até a Irlanda. A
organização interna dessa sociedade comunista primitiva foi desvendada, em sua forma típica,
pela descoberta de Morgan (Lewis Henry, 1818-81) da verdadeira natureza de gens e de sua
relação com a tribo. Após a dissolução dessas comunidades primitivas, a sociedade passou a
dividir-se em classes distintas”. Cf. Cf. ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora
na Inglaterra. São Paulo: Boitempo, 2007, p. 40.
82
MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. O Manifesto do Partido Comunista. Petrópolis, RJ: Vozes,
2011, p. 40.
83
Idem, p. 39.
60
84
Cf. MARX, Karl. A luta de classes na França: 1848-1850. São Paulo: Centelha, 1975, p. 178.
85
Idem, p. 71-72.
61
86
Cf. especialmente, MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. O Manifesto Comunista. São Paulo:
Boitempo, 1998; Lutas de classes na Alemanha. São Paulo: Boitempo, 2010; Lutas de classes
na Rússia. São Paulo: Boitempo, 2010; MARX , Karl. A luta de classes na França: 1848-1850.
São Paulo: Centelha, 1975; O 18 Brumário e Cartas a Kugelmann. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1977; A guerra civil na França. São Paulo: Boitempo, 2011; ENGELS, Friedrich. .
62
87
Cf. PLEKHANOV, Guiorgui. A concepção materialista da história. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1990; O papel do indivíduo na história. São Paulo: Expressão Popular, 2008; Os
princípios fundamentais do marxismo. São Paulo: Hucitec, 1989.
88
KAUTSKY, Karl. A origem do cristianismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010;
MEHRING, Franz. O materialismo histórico. Lisboa: Antídoto, 1977; Karl Marx: a história de sua
vida. São Paulo: Boitempo, 2013; LUXEMBURGO, Rosa. A sociedade comunista primitiva e
sua dissolução. São Paulo: Edições ISKRA, 2015.
63
89
Cf. LÊNIN, V.I. As três fontes e as três partes constitutivas do marxismo. São Paulo: Global,
1979; Cadernos Filosóficos: Hegel. São Paulo: Boitempo, 2018; Materialismo e
Empiriocriticismo. Lisboa: Edições Avante, 1982; Sobre o significado do materialismo militante.
In: LUKÁCS, Gyorgy. Materialismo e dialética: crise teórica das ciências da natureza. Brasília:
Editora Kiron, 2011.
90
TROTSKY, Leon. Em defesa do marxismo. São Paulo: Sundermann, 2011; O ABC do
materialismo dialético. In: Política. São Paulo: Ática, 1981; Noventa anos do Manifesto
Comunista. In: MARX, Karl e ENGELS, Friedich. Manifesto Comunista. São Paulo:
Boitempo,1998; O marxismo de nossa época. In: TROTSKY, Leon. O Imperialismo e a crise
econômica mundial. São Paulo: Sundermann, 2008; Questões do modo de vida. São Paulo:
Sundermann, 2009; Trotski e Darwin. Escritos de Trotski sobre a teoria da evolução, dialética e
marxismo. Brasília: Editora Kiron, 2012; BUKHARIN, Nicolai. Tratado de Materialismo Histórico.
Centro do Livro Brasileiro, s/d; RIAZANOV, David. Marx e Engels e a história do movimento
operário. São Paulo: Global, 1984.
91
GRAMSCI, Antônio. Concepção dialética da história. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1991; LUKÁCS, Georg. O Jovem Marx e Outros Textos Filosóficos. Rio de Janeiro: UFRJ,
2007; A falsa e a verdadeira ontologia de Hegel. São Paulo: Ciências Humanas, 1979; Os
princípios ontológicos fundamentais de Marx. São Paulo: Ciências Humanas, 1979; Ensaios
sobre literatura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965; Introdução a uma estética
marxista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968; Prolegômenos para uma Ontologia do
Ser Social. São Paulo: Boitempo, 2010; História e Consciência de Classe: estudos de dialética
marxista. Porto: Publicações Escorpião, 1974; Para uma ontologia do ser social. São Paulo:
Boitempo, 2012; KORCH, Karl. Marxismo e filosofia. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2008.
64
92
MANDEL, Mandel. A formação do pensamento econômico de Karl Marx (de 1843 até a
redação de O Capital). Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1968; O lugar do marxismo na história.
São Paulo: Xamã, 2001; Introdução ao marxismo. Lisboa: Antídoto, 1978; THALHEIMER,
August. Introdução ao materialismo dialético. São Paulo: Cultura Brasileira, 1934;
ALTHUSSER, Louis. Análise crítica da teoria marxista. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967;
KOSIK, Karel. Dialética do Concreto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1969; LEFEBVRE, Henri.
Lógica Formal/Lógica Dialética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975; Para compreender
o pensamento de Karl Marx. Lisboa: Edições 70, 1981; MÁRKUS, Gyorgy. Teoria do
conhecimento no jovem Marx. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974; Marxismo e Antropologia: o
conceito de “essência humana” na filosofia de Marx. São Paulo: Expressão Popular, 2015;
MÉSZÁROS, István. Filosofia, ideologia e ciência social: ensaio de negação e afirmação. São
Paulo: Boitempo, 2008; Estrutura social e formas de consciência: a determinação social do
método. São Paulo: Boitempo, 2009; NOVACK, George. As origens do materialismo. São
Paulo: Sundermann, 2015; Introdução à Lógica Marxista. São Paulo: Sundermann, 2005; O
desenvolvimento desigual e combinado na História. São Paulo: Sundemann, 2008; POLITZER,
Georges. Princípios elementares de filosofia. São Paulo: Centauro, 2007; REED, Evelyn. Sexo
contra sexo ou classe contra classe. São Paulo: Sundermann, 2011.
93
Cf. LÖWY, Michael. A Teoria da Revolução no Jovem Marx. São Paulo: Boitempo, 2012; As
aventuras de Karl Marx contra o Barão de Münchhausen: marxismo e positivismo na sociologia
do conhecimento. São Paulo: Cortez, 1994; Ideologias e Ciência Social: elementos para uma
análise marxista. São Paulo: Cortez, 1993; WOODS, Alan e GRANT, Ted. Razão e Revolução.
65
São Paulo: Luta de Classes, 2007; WOOD, Ellen Meiksins (org.). Em defesa da História:
marxismo e pós-modernismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999; FOSTER, John Bellamy. A
ecologia de Marx: materialismo e natureza. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005;
SHANIN, Teodor. Marx tardio e a via russa: Marx e as periferias do capitalismo. São Paulo:
Expressão Popular, 2017; COHEN, Gerald A. A teoria da história de Karl Marx. São Paulo:
Editora Unicamp, 2013; WOOD, Ellen Meiksins. Democracia contra capitalismo: a renovação
do materialismo histórico. São Paulo: Boitempo, 2010; THOMPSON, E. P. A miséria da teoria
ou Um Planetário de Erros: Uma crítica ao pensamento de Althusser. Rio de Janeiro. Zahar
Editores, 1981; HOBSBAWM, Eric. Sobre a história. São Paulo: Companhia das Letras, 2013;
ANDERSON, Perry. Considerações sobre o marxismo ocidental/Nas trilhas do materialismo
histórico. São Paulo: Boitempo, 2004; CHEPTULIN, A. A dialética materialista: categorias e leis
da dialética. São Paulo: Alfa-Ômega, 1982; KOPNIN, Pável Vassilievith. A dialética como lógica
e teoria do conhecimento. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.
66
2.8. Conclusões
2.9. Bibliografia
3. Anexos
2
A questão de saber se ao pensamento humano pertence a verdade
objectiva não é uma questão da teoria, mas uma questão prática. É na práxis
que o ser humano tem de comprovar a verdade, isto é, a realidade e o poder, o
carácter terreno do seu pensamento. A disputa sobre a realidade ou não
realidade de um pensamento que se isola da práxis é uma questão
puramente escolástica.
3
A doutrina materialista de que os seres humanos são produtos das
circunstâncias e da educação, [de que] seres humanos transformados são,
portanto, produtos de outras circunstâncias e de uma educação mudada,
esquece que as circunstâncias são transformadas precisamente pelos seres
humanos e que o educador tem ele próprio de ser educado. Ela acaba, por
isso, necessariamente, por separar a sociedade em duas partes, uma das
quais fica elevada acima da sociedade (por exemplo, em Robert Owen).
A coincidência do mudar das circunstâncias e da atividade humana só
pode ser tomada e racionalmente entendida como práxis revolucionante.
4
Feuerbach parte do fato da auto-alienação religiosa, da duplicação do
mundo no mundo religioso, representado, e num real. O seu trabalho consiste
em resolver o mundo religioso na sua base mundana. Ele perde de vista que
depois de completado este trabalho ainda fica por fazer o principal. É que o fato
de esta base mundana se destacar de si própria e se fixar, um reino autônomo,
nas nuvens, só se pode explicar precisamente pela autodivisão e pelo
contradizer-se a si mesma desta base mundana. É esta mesma, portanto, que
tem de ser primeiramente entendida na sua contradição e depois praticamente
revolucionada por meio da eliminação da contradição. Portanto, depois de, por
74
5
Feuerbach, não contente com o pensamento abstrato, apela
ao conhecimento sensível [sinnliche Anschauung]; mas, não toma o mundo
sensível como atividade humana sensível prática.
6
Feuerbach resolve a essência religiosa na essência humana. Mas, a
essência humana não é uma abstração inerente a cada indivíduo. Na sua
realidade ela é o conjunto das relações sociais.
Feuerbach, que não entra na crítica desta essência real, é, por isso,
obrigado: 1. a abstrair do processo histórico e fixar o sentimento [Gemüt]
religioso por si e a pressupor um indivíduo abstratamente - isoladamente -
humano; 2. nele, por isso, a essência humana só pode ser tomada como
"espécie", como generalidade interior, muda, que liga apenas naturalmente os
muitos indivíduos.
7
Feuerbach não vê, por isso, que o próprio "sentimento religioso" é
um produto social e que o indivíduo abstrato que analisa pertence na realidade
a uma determinada forma de sociedade.
8
A vida social é essencialmente prática. Todos os mistérios que seduzem a
teoria para o misticismo encontram a sua solução racional na práxis humana e
no compreender desta práxis.
9
O máximo que o materialismo contemplativo [der anschauende
Materialismus] consegue, isto é, o materialismo que não compreende o mundo
sensível como atividade prática, é a visão [Anschauung] dos indivíduos
isolados na "sociedade civil".
10
O ponto de vista do antigo materialismo é a sociedade "civil"; o ponto de
vista do novo [materialismo é] a sociedade humana, ou a humanidade
socializada.
11
Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a
questão, porém, é transformá-lo.
[p.3] As premissas com que começamos não são arbitrárias, não são
dogmas, são premissas reais, e delas só na imaginação se pode abstrair. São
os indivíduos reais, a sua ação e as suas condições materiais de vida, tanto as
que encontraram como as que produziram pela sua própria ação. Estas
premissas são [p. 4], portanto, constatáveis de um modo puramente empírico.
A primeira premissa de toda a história humana é, naturalmente, a
existência de indivíduos humanos vivos primeiro fato a constatar é, portanto, a
organização física destes indivíduos e a relação que por isso existe com o resto
da natureza. Não podemos entrar aqui, naturalmente, nem na constituição
física dos próprios homens, nem nas condições naturais que os homens
encontraram — as condições geológicas, hidrográficas, climáticas e outras.
Toda a historiografia tem de partir destas bases naturais e da sua modificação
ao longo da história pela ação dos homens.
Podemos distinguir os homens dos animais pela consciência, pela religião
— por tudo o que se quiser. Mas eles começam a distinguir-se dos animais
assim que começam a produzir os seus meios de vida, passo este que é
condicionado pela sua organização física. Ao produzirem os seus meios de
vida, os homens produzem indiretamente a sua própria vida material.
O modo como os homens produzem os seus meios de vida depende, em
primeiro lugar, da natureza dos próprios meios de vida encontrados e a
reproduzir.
[p. 5] Este modo da produção não deve ser considerado no seu mero
aspecto de reprodução da existência física dos indivíduos. Trata-se já, isso sim,
de uma forma determinada da atividade destes indivíduos, de uma forma
determinada de exprimirem a sua vida, de um determinado modo de vida dos
mesmos. Como exprimem a sua vida, assim os indivíduos são. Aquilo que eles
são coincide, portanto, com a sua produção, com o que produzem e também
com o como produzem. Aquilo que os indivíduos são depende, portanto, das
condições materiais da sua produção.
Esta produção só surge com o aumento da população. Ela própria
pressupõe, por seu turno, um intercâmbio [Verkehr] dos indivíduos entre si A
forma deste intercâmbio é, por sua vez, condicionada pela produção. (...)
“[4. A essência da concepção materialista da história. Ser social e
consciência social]
[f. 5] O fato é, portanto, este: o de determinados indivíduos, que trabalham
produtivamente de determinado modo, entrarem em determinadas relações
sociais e políticas. A observação empírica tem de mostrar, em cada um dos
casos, empiricamente e sem qualquer mistificação e especulação, a conexão
da estrutura social e política com a produção. A estrutura social e o Estado
decorrem constantemente do processo de vida de determinados indivíduos;
mas destes indivíduos não como eles poderão parecer na sua própria
representação ou na de outros, mas como eles são realmente, ou seja, como
agem, como produzem materialmente, como trabalham, portanto, em
determinados limites, premissas e condições materiais que não dependem da
sua vontade.
A produção das ideias, representações, da consciência está a princípio
diretamente entrelaçada com a atividade material e o intercâmbio material dos
homens, linguagem da vida real. O representar, o pensar, o intercâmbio
espiritual dos homens aparecem aqui ainda como refluxo direto do seu
comportamento material. O mesmo se aplica à produção espiritual como ela se
76
que não é mais do que a expressão oficial da sociedade civil. Eis o que o
sr. Proudhon nunca compreenderá, porque julga fazer uma grande coisa
quando apela para a sociedade civil contra o Estado, isto é, para a sociedade
oficial contra o resumo oficial da sociedade.
É desnecessário acrescentar que os homens não são livres árbitros
das suas forças produtivas — as quais são a base de toda a sua história —
pois toda a força produtiva é uma força adquirida, o produto de uma atividade
anterior. Assim, as forças produtivas são o resultado da energia prática dos
homens, mas esta própria energia está circunscrita pelas condições em que os
homens se encontram situados, pelas forças produtivas já adquiridas, pela
forma social que existe antes deles, que eles não criam, que é o produto da
geração anterior. Pelo simples fato de que toda a geração posterior encontra
forças produtivas adquiridas pela geração anterior, que lhe servem como
matéria-prima de nova produção, forma-se uma conexão [connexité] na história
dos homens, forma-se uma história da humanidade, que é tanto mais a história
da humanidade quanto as forças produtivas dos homens, e por consequência
as suas relações sociais, tiverem crescido. Consequência necessária: a história
social dos homens nunca é senão a história do seu desenvolvimento individual,
quer eles tenham consciência disso quer não a tenham. As suas relações
materiais formam a base de todas as suas relações. Estas relações materiais
não são senão as formas necessárias em que se realiza a sua atividade
material e individual.
O sr. Proudhon confunde as ideias e as coisas. Os homens nunca
renunciam ao que ganharam, mas isso não quer dizer que nunca renunciem à
forma social em que adquiriram certas forças produtivas. Muito pelo contrário.
Para não serem privados do resultado obtido, para não perderem os frutos da
civilização, os homens são forçados, a partir do momento em que o modo do
seu comércio já não corresponde às forças produtivas adquiridas, a mudar
todas as suas formas sociais tradicionais. —Tomo aqui a palavra comércio no
seu sentido mais geral, como nós dizemos em alemão: Verkehr. — Por
exemplo: o privilégio, a instituição das jurandas e das corporações, o regime de
regulamentação na Idade Média, eram as únicas relações sociais que
correspondiam às forças produtivas adquiridas e ao estado social pré-existente,
do qual essas instituições tinham saído. Sob a proteção do regime corporativo
e da regulamentação, os capitais tinham-se acumulado, desenvolvera-se um
comércio marítimo, haviam sido fundadas colônias — e os homens teriam
perdido os próprios frutos se tivessem querido conservar as formas sob cuja
proteção esses frutos tinham amadurecido. Por isso se deram duas trovoadas:
a revolução de 1640 e a de 1688. Todas as antigas formas econômicas, as
relações sociais que lhes correspondiam, o estado político que era a expressão
oficial da antiga sociedade civil foram quebrados, na Inglaterra. Assim, as
formas econômicas sob as quais os homens produzem, consomem, trocam,
são transitórias e históricas. Com novas faculdades produtivas adquiridas, os
homens mudam o seu modo de produção e, com o modo de produção, mudam
todas as relações econômicas, que não foram senão as relações necessárias
desse modo de produção determinado. (...)”
“I - Burgueses e Proletários
A história de toda a sociedade até aqui é a história de lutas de classes.
[Homem] livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo [Leibeigener],
burgueses de corporação [Zunftbürger] e oficial, em suma, opressores e
oprimidos, estiveram em constante oposição uns aos outros, travaram uma luta
ininterrupta, ora oculta ora aberta, uma luta que de cada vez acabou por uma
reconfiguração revolucionária de toda a sociedade ou pelo declínio comum das
classes em luta.
Nas anteriores épocas da história encontramos quase por toda a parte
uma articulação completa da sociedade em diversos estados [ou ordens sociais
— Stände], uma múltipla gradação das posições sociais. Na Roma antiga
temos patrícios, cavaleiros, plebeus, escravos; na Idade Média: senhores
feudais, vassalos, burgueses de corporação, oficiais, servos, e ainda por cima,
quase em cada uma destas classes, de novo gradações particulares.
A moderna sociedade burguesa, saída do declínio da sociedade feudal,
não aboliu as oposições de classes. Apenas pôs novas classes, novas
condições de opressão, novas configurações de luta, no lugar das antigas.
A nossa época, a época da burguesia, distingue-se, contudo, por ter
simplificado as oposições de classes. A sociedade toda cinde-se, cada vez
mais, em dois grandes campos inimigos, em duas grandes classes que
diretamente se enfrentam: burguesia e proletariado.
Dos servos da Idade Média saíram os Pfahlbürger das primeiras cidades;
desta Pfahlbürgerschaft desenvolveram-se os primeiros elementos da
burguesia [Bourgeoisie].
80
“1. Produção
a) O objeto a considerar em primeiro lugar é a produção material.
Indivíduos que produzem em sociedade, ou seja a produção de indivíduos
socialmente determinada: eis naturalmente o ponto de partida. O caçador e o
pescador individuais e isolados, com que começam Smith e Ricardo, fazem
parte das ficções pobremente imaginadas do século XVIII; são robinsonadas
que, pese embora aos historiadores da civilização, não exprimem de modo
nenhum uma simples reacção contra um refinamento excessivo e um regresso
aquilo que muito erradamente se entende como vida natural. O"contrato social"
de Rousseau, que estabelece ligações e laços entre sujeitos independentes por
natureza, tampouco se baseia em tal naturalismo. Este naturalismo não é
senão a aparência, e aparência puramente estética, das grandes e pequenas
88
propriedade, para a propriedade privada, por exemplo (tanto mais que esta
implica, como condição, uma forma sua antagónica; a não-propriedade). Bem
pelo contrário, a história mostra-nos que a propriedade comum (por exemplo
nos índios, nos Eslavos, nos antigos Celtas, etc.) representa a forma primitiva,
forma essa que, durante muito tempo, continuou a desempenhar um papel
muito importante, como propriedade comunal. Não está em causa por agora o
saber-se se a riqueza se desenvolve melhor sob esta ou aquela forma de
propriedade. Mas é uma pura tautologia afirmar que não pode haver produção,
nem tão pouco sociedade, quando não existe nenhuma forma de propriedade.
Uma apropriação que não se apropria de nada é uma contradictio in subjecto
(contradição nos termos).
2) (Proteção da propriedade, etc.). Quando se reduzem estas trivialidades
ao seu conteúdo real, elas exprimem muito mais do que aquilo que sabem os
seus pregadores; a saber: cada forma de produção gera as suas próprias
relações jurídicas, a sua própria forma de governo, etc. Muita ignorância e
muita incompreensão se revelam no fato de se relacionar apenas fortuitamente
fenômenos que constituem um todo orgânico, de se apresentar as suas
ligações como nexos puramente reflexivos. Aos economistas burgueses
parece-lhes que a produção funciona melhor com a polícia moderna do que,
por exemplo, com a aplicação da lei do mais forte. Esquecem-se apenas de
que a"lei do mais forte" também constitui um direito e que é esse direito que
sobrevive, com outra forma, naquilo a que chamam"Estado de direito".
E claro que, quando as condições sociais correspondentes a uma
determinada forma da produção se encontram ainda em desenvolvimento - ou
quando já entraram em declínio - se manifestam certas perturbaçõesna
produção, embora a sua intensidade e os seus efeitos sejam variáveis.
Em resumo: todas as épocas da produção têm determinados elementos
comuns que o pensamento generaliza: porém, as chamadas condições gerais
de toda a produção são elementos abstratos que não permitem compreender
nenhuma das faces históricas reais da produção.(...)”
conexões à outra. Uma vez que descobriu esta lei, encara mais
em pormenor as consequências nas quais a lei se manifesta na
vida social... De acordo com isto, Marx preocupa-se com uma só
coisa: demonstrar, através de uma investigação científica precisa,
a necessidade de determinadas ordens das relações sociais e por
constatar, tão irrepreensivelmente quanto possível, os fatos que
lhe servem de pontos de partida e de apoio. Para isso é
perfeitamente suficiente que ele, tendo demonstrado a
necessidade da ordem atual, demonstre também a necessidade
de uma outra ordem, para a qual tem inevitavelmente de ser feita
uma passagem a partir da primeira, sendo totalmente indiferente
que se acredite ou não nisso, se esteja consciente ou não disso.
Marx encara o movimento social como um processo histórico-
natural, dirigido por leis que não só não se encontram
dependentes da vontade, da consciência e da intenção do
homem, como determinam elas próprias a sua vontade,
consciência e intenções... Se o elemento consciente na história da
cultura desempenha um papel tão subordinado, é compreensível
então que a crítica, cujo objeto é a própria cultura, tanto menos
possa ter por fundamento qualquer forma ou qualquer resultado
da consciência. Isto é, não é a ideia mas apenas o fenômeno
exterior que lhe pode servir de ponto de partida. A crítica limitar-
se-á à comparação e confronto de um fato, não com a ideia mas
com outro fato. Para ela apenas é importante que ambos os fato
sejam estudados o mais precisamente possível e realmente
constituam diferentes graus de desenvolvimento; mas acima de
tudo é importante que não menos precisamente seja estudada a
ordem, a sequência e ligação em que se manifestam estes graus
de desenvolvimento [...] A outro leitor pode aqui ocorrer a seguinte
questão [...] as leis gerais da vida econômica não são as mesmas,
sendo indiferente que se apliquem à vida presente ou à passada?
Mas precisamente isto Marx não o admite. Para ele tais leis gerais
não existem... Em sua opinião, pelo contrário, cada grande
período histórico possui as suas próprias leis... Mas assim que a
vida ultrapassou um dado período de desenvolvimento, saiu de
um dado estádio e entrou noutro, começa também a ser guiada
por outras leis. Numa palavra, a vida econômica oferece-nos
neste caso um fenômeno perfeitamente análogo àquilo que
observamos noutras classes dos fenômenos biológicos... Os
velhos economistas não compreendiam a natureza das leis
econômicas, ao considerá-las do mesmo tipo das leis da física e
química... Uma análise mais profunda dos fenômenos mostrou
que os organismos sociais diferem uns dos outros não menos
profundamente do que os organismos botânicos e zoológicos...
Um mesmo fenômeno, em consequência da diferença de
estrutura destes organismos, da diversidade dos seus órgãos, das
diferenças de condições em que os órgãos têm de funcionar, etc,
está subordinado a leis perfeitamente diferentes. Marx nega-se,
por exemplo a admitir que a lei do aumento da população seja a
mesma sempre e em toda a parte, para todos os tempos e para
102
nem sequer ocorreu-lhes pensar que haviam criado uma das armas principais
com que iria ser exterminada a população indígena do continente americano,
então ainda desconhecido. E quando mais tarde Colombo descobriu a América
não sabia que ao mesmo tempo dava nova vida à escravidão, há muito tempo
desaparecida na Europa, e assentado as bases do tráfico dos negros. Os
homens que nos séculos XVII e XVIII haviam trabalhado para criar a máquina a
vapor não suspeitavam de que estavam criando um instrumento que, mais do
que nenhum outro, haveria de subverter as condições sociais em todo o mundo
e que, sobretudo na Europa, ao concentrar a riqueza nas mãos de uma minoria
e ao privar de toda propriedade a imensa maioria da população, haveria de
proporcionar primeiro o domínio social e político à burguesia, e provocar depois
a luta de classe entre a burguesia e o proletariado, luta que só pode terminar
com a liquidação da burguesia e a abolição de todos os antagonismos de
classe. Mas também aqui, aproveitando uma experiência ampla, e às vezes
cruel, confrontando e analisando os materiais proporcionados pela história,
vamos aprendendo pouco a pouco a conhecer as consequências sociais
indiretas e mais remotas de nossos atos na produção, o que nos permite
estender também a essas consequências o nosso domínio e o nosso controle.
Contudo, para levar a termo esse controle é necessário algo mais do que o
simples conhecimento. É necessária uma revolução que transforme por
completo o modo de produção existente até hoje e, com ele, a ordem social
vigente.
Todos os modos de produção que existiram até o presente só procuravam
o efeito útil do trabalho em sua forma mais direta e Imediata. Não faziam o
menor caso das consequências remotas, que só surgem mais tarde e cujos
efeitos se manifestam unicamente graças a um processo de repetição e
acumulação gradual. A primitiva propriedade comunal da terra correspondia,
por um lado, a um estádio de desenvolvimento dos homens no qual seu
horizonte era limitado, em geral, às coisas mais imediatas, e pressupunha, por
outro lado, certo excedente de terras livres, que oferecia determinada margem
para neutralizar os possíveis resultados adversos dessa economia primitiva. Ao
esgotar-se o excedente de terras livres, começou a decadência da propriedade
comunal. Todas as formas mais elevadas de produção que vieram depois
conduziram à divisão da população em classes diferentes e, portanto, no
antagonismo entre as classes dominantes e as classes oprimidas. Em
consequência, os interesses das classes dominantes converteram-se no
elemento propulsor da produção, enquanto esta não se limitava a manter, bem
ou mal, a mísera existência dos oprimidos.
Isso encontra sua expressão mais acabada no modo de produção
capitalista, que prevalece hoje na Europa ocidental. Os capitalistas individuais,
que dominam a produção e a troca, só podem ocupar-se da utilidade mais
imediata de seus atos. Mais ainda: mesmo essa utilidade — porquanto se trata
da utilidade da mercadoria produzida ou trocada — passa inteiramente ao
segundo plano, aparecendo como único incentivo o lucro obtido na venda.
***
A ciência social da burguesia, a economia política clássica, só se ocupa
preferentemente daquelas consequências sociais que constituem o objetivo
imediato dos atos realizados pelos homens na produção e na troca. Isso
corresponde plenamente ao regime social cuja expressão teórica é essa
ciência. Porquanto os capitalistas isolados produzem ou trocam com o único
112
arrefecido, como a Lua — girará em profunda treva e em órbitas cada vez mais
estreitas em torno de um Sol igualmente morto, até que, finalmente, cairá lá.
Outros planetas a terão precedido, outros a seguirão; em vez do sistema solar
harmoniosamente disposto, luminoso, quente, ficará apenas uma esfera morta,
fria, seguindo o seu caminho solitário através do espaço cósmico. E, assim
como acontece com o nosso sistema solar, acontecerá mais tarde ou mais
cedo, com todos os outros sistemas da nossa ilha cósmica, acontecerá a todas
as restantes inúmeras ilhas cósmicas, mesmo àqueles cuja luz nunca
alcançará a Terra enquanto um olho humano nela viver para a sentir.
E, então, quando um semelhante sistema solar completa o seu curso de
vida e lhe cabe o destino de todo o finito — a morte — que acontece? O
cadáver do Sol continuará a girar como cadáver, para a eternidade, através do
espaço infinito e todas as forças da Natureza, anteriormente infinitamente
diversificadas e diferenciadas, se reduzirão, para sempre, a uma forma de
movimento única da atracção?
«Ou», como Secchi pergunta (p. 810), «estão dadas na Natureza
forças que possam devolver o sistema morto ao estado inicial da
nebulosa incandescente e acordá-lo de novo para uma nova vida?
Não o sabemos.»
Em todo o caso, não o sabemos no sentido em que sabemos que 2 x 2 = 4
ou que a atracção da matéria aumenta e diminui [na razão] do quadrado da
distância. Mas, na ciência teórica da Natureza, que elabora o mais possível a
sua visão da Natureza num todo harmónico e sem a qual, hoje em dia, mesmo
o empirista mais desprovido de pensamento [gedankenlos] não dá um passo,
temos de contar muito frequentemente com grandezas incompletamente
conhecidas e a consequência [Konsequenz] do pensamento em todos os
tempos teve de ajudar [a suprir] o conhecimento defeituoso. Ora, a ciência
moderna da Natureza teve de adotar da filosofia o princípio [Satz] da
indestrutibilidade do movimento; ela já não pode subsistir sem ele. O
movimento da matéria, porém, não é simplesmente o movimento mecânico
grosseiro, a simples mudança de lugar; é calor e luz, tensão eléctrica e
magnética, combinação e dissociação químicas, vida e, finalmente,
consciência. Dizer que a matéria, durante toda a sua existência ilimitada no
tempo, só uma única vez e por um tempo infinitamente curto face à sua
eternidade se encontrou na possibilidade de diferenciar o seu movimento e de,
assim, desdobrar toda a riqueza desse movimento e que, antes e depois, ela
permanece, para a eternidade, limitada à simples mudança de lugar — isto
significa afirmar que a matéria é mortal e que o movimento é transitório. A
indestrutibilidade do movimento não pode ser apreendida de um modo
simplesmente quantitativo, tem de ser apreendida também qualitativamente;
uma matéria, cuja pura mudança mecânica de lugar certamente traz em si a
possibilidade de, em condições favoráveis, se converter em calor, eletricidade,
ação química, vida, mas que não é capaz de produzir essas condições a partir
de si própria — uma tal matéria perdeu movimento; um movimento que perdeu
a capacidade de se converter nas diversas formas convenientes ainda tem, por
certo dynamis, mas já não tem nenhuma energeia e, portanto, foi em parte
destruído. Ambas as coisas são, porém, impensáveis.
Isto é seguro: houve um tempo em que a matéria da nossa ilha cósmica
tinha convertido em calor uma tal quantidade de movimento — de que espécie,
não o sabemos até agora — que, a partir disso, se puderam desenvolver
123
crítico teria tido ao menos tanto mais razão para inferir da consideração a
respeito deste “grande crítico e escritor russo” que eu compartilho de suas
opiniões sobre a questão, como para concluir da minha polêmica contra o
“literato russo” e pan-eslavista que eu as rejeito.
Para concluir, como eu não gosto de deixar “nada para ser adivinhado”, irei
direto ao ponto. A fim de que eu fosse qualificado para avaliar o
desenvolvimento econômico atual da Rússia, eu estudei russo e, a seguir,
estudei por muitos anos as publicações oficiais e outras mais vinculadas a este
assunto. Cheguei a esta conclusão: se a Rússia continuar seguindo o caminho
que vem seguindo desde 1861, perderá a melhor oportunidade jamais
oferecida à história de uma nação e, assim, sofrerá todas as fatais vicissitudes
do regime capitalista.
II
O capítulo sobre a acumulação primitiva não pretende mais do que traçar o
caminho pelo qual, na Europa Ocidental, a ordem econômica capitalista
emergiu do seio da ordem econômica feudal. Ele, portanto, descreve o
movimento histórico que, ao divorciar os produtores dos seus meios de
produção, converte-os em assalariados (proletários, no sentido moderno da
palavra), enquanto converte em capitalistas aqueles que mantêm os meios de
produção sob sua posse. Nesta história, fazem época todas as revoluções que
servem de alavanca para a classe capitalista em formação; sobretudo as que,
depois de despojar grandes massas de homens de seus meios de produção e
subsistência, arremessa-os subitamente ao mercado de trabalho. Mas a base
de todo este desenvolvimento é a expropriação dos camponeses.
“Isso não se completou radicalmente, exceto na Inglaterra... mas todos os
países da Europa Ocidental estão indo pelo mesmo movimento” (Capital,
edição francesa, 1879, p. 315). Ao final do capítulo, a tendência histórica da
produção é assim resumida: que ela mesma engendra sua própria negação
com a inexorabilidade que preside as metamorfoses da natureza; que ela
mesma criou os elementos de uma nova ordem econômica ao dar de uma vez
um enorme impulso às forças produtivas do trabalho social e ao
desenvolvimento integral de cada um dos produtores individuais; que a
propriedade capitalista, descansando como ela já está sobre uma forma de
produção coletiva, não pode fazer outra coisa do que transformar-se em
propriedade social. Aqui, eu não forneço nenhuma prova pela simples razão de
que esta afirmação não é mais do que um breve resumo de longos
desenvolvimentos dados anteriormente nos capítulos que tratam da produção
capitalista.
Agora, qual aplicação à Rússia pode meu crítico fazer deste esboço
histórico? Unicamente esta: se a Rússia tende a se transformar em uma nação
capitalista a exemplo dos países da Europa Ocidental – e durante os últimos
anos ela tem estado muito agitada seguindo esta direção – ela não terá
sucesso sem primeiro transformar uma boa Parte dos seus camponeses em
proletários; e, em consequência, uma vez chegada ao coração do regime
capitalista, ela experimentará suas impiedosas leis tal como os outros povos
profanos. Isso é tudo. Mas é pouco para o meu crítico. Ele se sente obrigado a
metamorfosear meu esboço histórico da gênese do capitalismo na Europa
Ocidental numa teoria histórico-filosófica da marche generale [marcha geral]
que o destino impõe a todos os povos, quaisquer que sejam as circunstâncias
126
Influências recíprocas, em que nada permanece o que era, nem como e onde
era, mas tudo se move e se transforma, nasce e morre. Vemos, pois, antes de
tudo, a imagem de conjunto, na qual os detalhes passam ainda mais ou menos
para o segundo plano; fixamo-nos mais no movimento, nas transições, na
concatenação, do que no que se move, se transforma e se concatena Essa
concepção do mundo, primitiva, ingênua, mas essencialmente exata, é a dos
filósofos gregos antigos, e aparece claramente expressa pela primeira vez em
Heráclito: tudo é e não é, pois tudo flui, tudo se acha sujeito a um processo
constante de transformação, de Incessante nascimento e caducidade. Mas
essa concepção, por mais exatamente que reflita o caráter geral do quadro que
nos é oferecido pelos fenômenos, não basta para explicar os elementos
isolados que formam esse quadro total; sem conhecê-los a Imagem geral não
adquirirá tampouco um sentido claro. Para penetrar nesses detalhes temos de
despregá-los do seu tronco histórico ou natural e Investigá-los separadamente,
cada qual por si, em seu caráter, causas e efeitos especiais, etc. Tal é a
missão primordial das ciências naturais e da história, ramos de investigação
que os gregos clássicos situavam, por motivos muito justificados, num plano
puramente secundário, pois primariamente deviam dedicar-se a acumular os
materiais científicos necessários. Enquanto não se reúne uma certa quantidade
de materiais naturais e históricos não se pode proceder ao exame crítico, à
comparação e, consequentemente, a divisão em classes, ordens e espécies.
Por isso, os rudimentos das ciências naturais exatas não foram desenvolvidos
senão a partir dos gregos do período alexandrino e, mais tarde, na Idade
Média, pelos árabes; a ciência autêntica da natureza data semente da segunda
metade do século XV e, desde então, não fez senão progredir a ritmo
acelerado. A análise da natureza em suas diversas partes, a classificação dos
diversos processos e objetos naturais em determinadas categorias, a pesquisa
interna dos corpos orgânicos segundo sua diversa estrutura anatômica, foram
outras tantas condições fundamentais a que obedeceram os gigantescos
progressos realizados, durante os últimos quatrocentos anos, no conhecimento
científico da natureza. Esses métodos de Investigação, porém, nos transmitiu,
ao lado disso, o hábito de enfocar as coisas e os processos da natureza
isoladamente, subtraídos à concatenação do grande todo; portanto, não em
sua dinâmica, mas estaticamente; não como substancialmente variáveis, mas
como consistências fixas; não em sua vida, mas em sua morte. Por Isso, esse
método de observação, ao transplantar-se, com Bacon e Locke, das ciências
naturais para a filosofia, determinou a estreiteza específica característica dos
últimos séculos: o método metafísico de especulação.
Para o metafísico, as coisas e suas Imagens no pensamento, os
conceitos, são objetos de Investigação Isolados, fixos, rígidos, focalizados um
após o outro, de per si, como algo dado e perene. Pensa só em antíteses, sem
meio-termo possível; para ele, das duas uma: sim, sim; não, não; o que for
além disso, sobra. Para ele, uma coisa existe ou não existe; um objeto não
pode ser ao mesmo tempo o que é e outro diferente. O positivo e o negativo se
excluem em absoluto. A causa e o efeito revestem também, a seus olhos, a
forma de uma rígida antítese. À primeira vista, esse método discursivo parece-
nos extremamente razoável, porque é o do chamado senão comum. Mas o
próprio senso comum - personagem multo respeitável dentro de casa, entre
quatro paredes - vive peripécias verdadeiramente maravilhosas quando se
aventura pelos caminhos amplos da investigação; e o método metafísico de
128
pensar, pois muito justificado e até necessário que seja em muitas zonas do
pensamento, mais ou menos extensas segundo a natureza do objeto de que se
trate, tropeça sempre, cedo ou tarde, com uma barreira, ultrapassada a qual
converte-se num método unilateral, limitado, abstrato, e se perde em Insolúveis
contradições, pois, absorvido pelos objetos concretos, não consegue perceber
sua concatenação; preocupado com sua existência, não atenta em sua origem
nem em sua caducidade; obcecado pelas árvores, não consegue ver o bosque.
Na realidade de cada dia, sabemos, por exemplo, e podemos dizer com toda
certeza se um animal existe ou não; porém, pesquisando mais detidamente,
verificamos que às vezes o problema se complica consideravelmente, como
sabem muito bem os juristas, que tanto e tão inutilmente têm-se atormentado
por descobrir um limite racional a partir do qual deva a morte do filho no ventre
materno ser considerada um assassinato; nem é fácil tampouco determinar
rigidamente o momento da morte, uma vez que a fisiologia demonstrou que a
morte não é um fenômeno repentino, instantâneo, mas um processo muito
longo. Do mesmo modo, todo ser orgânico é, a qualquer instante, ele mesmo e
outro; a todo Instante, assimila matérias absorvidas do exterior e elimina outras
do seu interior; a todo instante, morrem certas células e nascem outras em seu
organismo; e no transcurso de um período mais ou menos demorado a matéria
de que é formado renova-se totalmente, e novos átomos de matérias vêm
ocupar o lugar dos antigos, por onde todo o seu ser orgânico é, ao mesmo
tempo, o que é e outro diferente. Da mesma maneira, observando as coisas
detidamente, verificamos que os dois polos de uma antítese, o positivo e o
negativo, são tão inseparáveis quanto antitéticos um do outro e que, apesar de
todo o seu antagonismo, se penetram reciprocamente; e vemos que a causa e
o efeito são representações que somente regem, como tais, em sua aplicação
ao caso concreto, mas que, examinando o caso concreto em sua concatenação
com a imagem total do universo, se juntam e se diluem na idéia de uma trama
universal de ações e reações, em que as causas e os efeitos mudam
constantemente de lugar e em que o que agora ou aqui é efeito adquire em
seguida ou ali o caráter de causa, e vice-versa.
Nenhum desses fenômenos e métodos discursivos se encaixa no quadro
das especulações metafísicas. Ao contrário, para a dialética, que focaliza as
coisas e suas Imagens conceituais substancialmente em suas conexões, em
sua concatenação, em sua dinâmica, em seu processo de nascimento e
caducidade, fenômenos como os expostos não são mais que outras tantas
confirmações de seu modo genuíno de proceder. A natureza é a pedra de
toque da dialética, e as modernas ciências naturais nos oferecem para essa
prova um acervo de dados extraordinariamente copiosos e enriquecido cada
dia que passa, demonstrando com Isso que a natureza se move, em última
instância, pelos caminhos dialéticos e não pelas veredas metafísicas, que não
se move na eterna monotonia de um ciclo constantemente repetido, mas
percorre uma verdadeira história. Aqui é necessário citar Darwin, em primeiro
lugar, quem, com sua prova de que toda a natureza orgânica existente, plantas
e animais, e entre eles, como é lógico, o homem, é o produto de um processo
de desenvolvimento de milhões de anos, assestou na concepção metafísica da
natureza o mais rude golpe. Até hoje, porém, os naturalistas que souberam
pensar dialeticamente podem ser contados com os dedos, e esse conflito entre
os resultados descobertos e o método discursivo tradicional põe a nu a
129
numa palavra, numa crise que só acabará com a sua eliminação, com um
retorno das sociedades modernas ao tipo «arcaico» de propriedade comum,
forma onde, como o diz um autor americano, de modo nenhum suspeito de
tendências revolucionárias, apoiado nos seus trabalhos pelo governo de
Washington — «o sistema novo» para o qual a sociedade moderna tende,
«será um renascimento (a revirai), numa forma superior (in a superior form), de
um tipo social arcaico». Portanto, é preciso não nos deixarmos assustar de
mais pela palavra «arcaico».
Mas, então, seria preciso, pelo menos, conhecer estas vicissitudes. Nós
não sabemos nada delas.
A história da decadência das comunidades primitivas (cometer-se-ia um
erro pondo-as todas ao mesmo nível; como nas formações geológicas, há nas
formações históricas toda uma série de tipos primários, secundários, terciários,
etc.) está ainda por fazer. Até agora não se forneceram senão magros
esboços. Mas, em todo o caso, a investigação [exploration] está
suficientemente avançada para afirmar: 1) que a vitalidade das comunidades
primitivas era incomparavelmente maior que a das sociedades semitas, gregas,
romanas, etc. e, a fortiori que a das sociedades modernas capitalistas; 2) que
as causas da sua decadência derivam de dados econômicos que as impedem
de ultrapassar um certo grau de desenvolvimento, de meios históricos de modo
nenhum análogos ao meio histórico da comuna russa de hoje.
Ao ler as histórias de comunidades primitivas, escritas por burgueses, é
preciso estar em guarda. Eles não recuam mesmo perante falsificações.
Sir Henry Maine, por exemplo, que foi um colaborador ardente do governo
inglês na sua obra de destruição violenta das comunas indianas, assegura-nos
hipocritamente que todos os nobres esforços da parte do governo para manter
estas comunas falharam contra a força espontânea das leis econômicas.
De uma maneira ou de outra, esta comuna pereceu no meio de guerras
incessantes, estrangeiras e intestinas; ela morreu, provavelmente, de morte
violenta. Quando as tribos germanas vinham conquistar a Itália, a Espanha, a
Gália, etc, a comuna de tipo arcaico já não existia. No entanto, a sua vitalidade
natural está provada por dois fatos. Existem exemplares esparsos, que
sobreviveram a todas as peripécias da Idade Média e que se conservaram até
aos nossos dias, por exemplo, na minha terra natal, o distrito de Trier. Mas, o
que é mais importante, ela imprimiu tão bem os seus próprios caracteres na
comuna que a suplantou — comuna onde a terra arável se tornou propriedade
privada, enquanto florestas, pastagens, terras baldias [vagues] etc,
permanecem ainda propriedade comunal — que Maurer, decifrando esta
comuna de formação secundária, pôde reconstruir o protótipo arcaico. Graças
aos traços característicos tirados desta, a comuna nova, introduzida pelos
Germanos em todos os países conquistados, tornou-se durante toda a Idade
Média o único foco de liberdade e vida popular.
Se depois da época de Tácito não sabemos nada da vida da comuna nem
do modo e tempo do seu desaparecimento, nós conhecemos pelo menos o
ponto de partida, graças ao relato de Júlio César. No seu tempo, a terra
repartia-se já anualmente, mas entre as gens e tribos das confederações
germânicas e não ainda entre os membros individuais duma comuna.
A comuna rural saiu, portanto, na Germânia, de um tipo mais arcaico, foi aí o
produto dum desenvolvimento espontâneo em vez de ser importada já feita da
135
soluções são a priori possíveis, mas para uma ou para outra é preciso
evidentemente meios históricos completamente diferentes.
3) A Rússia é o único país europeu onde, até hoje, a «comuna agrícola»
se manteve numa escala nacional. Ela não é presa de um conquistador
estrangeiro à semelhança das Índias Orientais. Ela também não vive isolada do
mundo moderno. Por um lado, a propriedade comum da terra permite-lhe
transformar direta e gradualmente a agricultura parcelar e individualista em
agricultura coletiva, e os camponeses russos praticam-na já nas pradarias
indivisas; a configuração física do seu solo convida à exploração mecânica
numa vasta escala; a familiaridade do camponês com o contrato de
artel facilita-lhe a transição do trabalho parcelar para o trabalho cooperativo e,
por fim, a sociedade russa, que durante tanto tempo viveu à sua custa, deve-
lhe os avanços necessários para uma tal transição. Por outro lado,
a contemporaneidade da produção ocidental, que domina o mercado do
mundo [marche du monde], permite à Rússia incorporar na comuna todas as
aquisições positivas elaboradas pelo sistema capitalista sem passar pelas suas
forcas caudinas .
Se os porta-vozes dos «novos pilares sociais» negassem a
possibilidade teórica de evolução da comuna rural moderna, perguntar-se-lhes-
ia: foi forçada a Rússia, como o Ocidente, a passar por um longo período de
incubação da indústria mecânica para chegar às máquinas, navios a vapor, aos
caminhos de ferro, etc? Perguntar-se-lhes-ia ainda como fizeram para
introduzir no seu país num abrir e fechar de olhos todo o mecanismo de trocas
(bancos, sociedades por ações, etc) cuja elaboração custou séculos ao
Ocidente?
Há um caráter da «comuna agrícola» na Rússia que a fere de fraqueza,
hostil em todos os sentidos. É o seu isolamento, a falta de ligação entre a vida
de uma comuna com a das outras, este microcosmo localizado, que se não
encontra por toda a parte como carácter imanente deste tipo, mas que por toda
a parte onde se encontra fez surgir acima das comunas um despotismo mais
ou menos central. A federação das repúblicas russas do Norte prova que este
isolamento, que parece ter sido primitivamente imposto pela vasta extensão do
território, foi em grande parte consolidado pelos destinos políticos que a Rússia
tinha de sofrer desde a invasão mongol. Hoje é um obstáculo da mais fácil
eliminação. Seria preciso simplesmente substituir a волость [vólost], instituto
governamental, por uma assembleia de camponeses escolhidos pelas próprias
comunas e servindo de órgão económico e administrativo dos seus interesses.
Uma circunstância muito favorável, sob o ponto de vista histórico, para a
conservação da «comuna agrícola» por via do seu desenvolvimento ulterior, é
que ela é não somente contemporânea da produção capitalista ocidental, e
pode assim apropriar-se dos seus frutos sem se submeter ao seu modus
operandi, como sobreviveu à época em que o sistema capitalista ocidental se
apresentava ainda intacto, como, pelo contrário, o encontra, tanto na Europa
Ocidental como nos Estados Unidos, em luta, quer com as massas
trabalhadoras, quer com a ciência, quer com as próprias forças produtivas que
ele engendra — numa palavra, numa crise que acabará pela sua eliminação,
por um regresso das sociedades modernas a uma forma superior de um tipo
«arcaico» da propriedade e da produção coletivas.
137
sido ferido de morte pela revolução de 1848, tinha a satisfação de ver que o
materialismo, momentaneamente, ainda tinha caído mais
baixo. Feuerbach tinha decididamente razão quando declinava a
responsabilidade por esse materialismo; só que não devia confundir a doutrina
dos pregadores ambulantes com o materialismo em geral.
No entanto, há aqui duas coisas a observar. Em primeiro lugar, em vida
de Feuerbach, a ciência da Natureza estava ainda compreendida naquele
intenso processo de fermentação e que só nos últimos quinze anos recebeu
um relativo fecho, clarificador; foi fornecido novo material de conhecimento em
medida até aqui inaudita, mas o estabelecimento da conexão, e, com ela, da
ordem, neste caos de descobertas que se precipitam só muito recentemente se
tornou possível. É certo que Feuerbach ainda assistiu às três descobertas
decisivas todas — a da célula, a da transformação da energia e a denominada,
com Darwin, teoria do desenvolvimento [Entwicklungstheorie]. Mas como teria
podido o solitário filósofo, no campo, seguir suficientemente a ciência para
avaliar plenamente descobertas que os próprios naturalistas daquela altura, em
parte ainda contestavam, em parte não sabiam explorar suficientemente? A
culpa cabe aqui unicamente às miserandas condições alemãs, graças às quais
as cátedras de filosofia tinham sido açambarcadas por cavilosos e ecléticos
esmagadores de pulgas, enquanto Feuerbach, que os dominava a todos como
uma torre, tinha de se ruralizar e de se tornar azedo numa pequena aldeia. Não
é, portanto, culpa de Feuerbach que a concepção histórica da Natureza, que
afasta todas as unilaterais idades do materialismo francês, agora tornada
possível, permanecesse inacessível para ele.
Em segundo lugar, porém, Feuerbach tem toda a razão em que o
materialismo meramente científico-natural é «a base do edifício do saber
humano, mas não o próprio edifício».
Pois, nós não vivemos apenas na Natureza, mas também na sociedade
humana, e também esta tem a sua história de desenvolvimento e a sua ciência,
não menos do que a Natureza. Tratava-se, portanto, de pôr a ciência da
sociedade, isto é, o conjunto [Inbegriff] das chamadas ciências históricas e
filosóficas, em consonância com a base materialista e de as reconstruir a partir
dela. Isto, porém, não foi dado a Feuerbach. Aqui, ele permaneceu, apesar da
«base», preso nos laços idealistas tradicionais, e ele reconheceu isso nestas
palavras: «Para trás, concordo com os materialistas, mas não para a frente.»
Mas quem aqui, no domínio social, não andou «para a frente», não
ultrapassou o seu ponto de vista de 1840 ou de 1844, foi o
próprio Feuerbach e, por certo, uma vez mais, principalmente na sequência do
seu desterramento, que o compeliu a produzir pensamentos a partir da sua
cabeça solitária — a ele que mais do que todos os outros filósofos estava
talhado para o comércio sociável —, em vez de os [produzir] em encontro,
amigável ou hostil, com outros homens do seu calibre. Quanto, neste domínio,
ele permaneceu idealista, vê-lo-emos mais tarde em pormenor.
Aqui há apenas que observar que Starcke procura o idealismo
de Feuerbach no lugar incorrecto. «Feuerbach é idealista, acredita no
progresso da humanidade.» (P. 19) — «A base, a infra-estrutura [Unterbau] do
todo permanece, não obstante, o idealismo. O realismo não é para nós senão
uma proteção contra enganos [Irrwege], enquanto seguimos as nossas
correntes ideais. Não são compaixão, amor e entusiasmo pela verdade e pela
justiça [Recht], forças ideais?» (P. VIII.)
144
móbiles, que causas históricas tomam, na cabeça dos agentes, a forma de tais
móbiles?
O velho materialismo nunca se pôs esta questão. A sua concepção da
história — na medida em que, em geral, ele tenha uma — é, portanto, também
essencialmente pragmática, ajuíza tudo segundo os motivos da ação, divide os
homens que agem historicamente em nobres [de alma] e não nobres e verifica,
então, em regra, que os nobres são os enganados e os não nobres os
vencedores; do que se segue, então, para o velho materialismo, que do estudo
da história não resulta muito de edificante e, para nós, que, no domínio da
história, o velho materialismo se tornou infiel a si próprio, porque toma as
forças motrizes ideais aí atuantes como causas últimas, em vez de investigar
aquilo que está por detrás delas, quais são as forças motrizes dessas forças
motrizes. A inconsequência não reside em que sejam reconhecidas forças
motrizes ideais, mas em que, a partir destas, não se regresse mais atrás às
suas causas motoras. A filosofia da história, em contrapartida, tal como,
nomeadamente, é representada por Hegel, reconhece que os móbiles
ostensivos, e também os [móbiles] realmente ativos, dos homens que agem
historicamente de modo nenhum são as causas últimas dos acontecimentos
históricos, que por detrás destes móbiles estão outros poderes motores, que há
que investigar; mas ela procura esses poderes, não na própria história,
importa-os antes de fora, da ideologia filosófica, para dentro da história. Em vez
de explicar a história da Grécia antiga a partir da sua conexão própria,
interna, Hegel afirma, por exemplo, simplesmente que ela não é nada mais do
que a elaboração das «figuras da individualidade bela», a realização da «obra
de arte» como tal. A este propósito, ele diz muito de belo e de profundo acerca
da Grécia antiga, mas isso não impede que nós hoje já não nos contentemos
com uma tal explicação, que é uma mera maneira de dizer.
Quando se trata, portanto, de investigar os poderes impulsionadores que
— consciente ou inconscientemente e, por certo, com muita frequência,
inconscientemente — estão por detrás dos móbiles dos homens que agem
historicamente e que constituem propriamente as forças motrizes últimas da
história, não se pode tratar tanto dos móbiles dos indivíduos, por mais
eminentes que sejam, mas daqueles que põem em movimento grandes
massas, povos inteiros — e, em cada povo, por sua vez, classes inteiras de
povo; e isto também, não momentaneamente, para um jacto passageiro e um
fogo de palha que rapidamente arde, mas para uma ação duradoura que
desemboca numa grande transformação histórica. Fundamentar as causas
motrizes que aqui se refletem clara ou obscuramente, imediatamente ou em
forma ideológica, mesmo em forma celestializada, na cabeça das massas que
agem e dos seus dirigentes — os chamados grandes homens — como móbiles
conscientes — é este o único caminho que nos pode pôr na pista das leis que
dominam na história, tanto grosso modo como nos períodos e países
singulares. Tudo o que põe os homens em movimento tem de passar pela
cabeça deles; mas que figura toma nessa cabeça, depende muito das
circunstâncias. Os operários de modo nenhum se reconciliaram com a empresa
maquinizada capitalista pelo facto de não mais fazerem as máquinas em
bocados, como ainda [aconteceu] em 1848 no Reno.
Mas, enquanto em todos os períodos anteriores a investigação destas
causas impulsionadoras da história era quase impossível — por causa das
[suas] complicadas e encobertas conexões com os seus efeitos —, o nosso
147
todo o movimento social e político a tomar uma forma teológica; para provocar
uma grande tempestade, tinha que se apresentar ao espírito das massas,
alimentado exclusivamente de religião, os interesses próprios delas sob
disfarce religioso. E assim como, desde o começo, a burguesia criou um
apêndice de plebeus, jornaleiros e criados de toda a espécie — urbanos, sem
posses, não pertencentes a qualquer estado [Stand] reconhecido —,
precursores do ulterior proletariado, também a heresia, já cedo, se dividiu numa
[heresia] burguesa moderada e numa [heresia] plebeia revolucionária,
abominada também pelos heréticos burgueses.
A inextirpabilidade da heresia protestante correspondia à invencibilidade
da burguesia ascendente; quando a burguesia se fortaleceu o suficiente, a sua
luta, até aí predominantemente local, com a nobreza feudal começou a tomar
dimensões nacionais. A primeira grande ação teve lugar na Alemanha — [foi] a
chamada Reforma. A burguesia não era suficientemente forte, nem estava
suficientemente desenvolvida, para poder reunir sob a sua bandeira os
restantes estados [Stände] rebeldes — os plebeus das cidades, a baixa
nobreza e os camponeses, no campo. Primeiro, a nobreza foi batida; os
camponeses levantaram-se numa insurreição que formou o ponto culminante
de todo este movimento revolucionário; as cidades abandonaram-nos e, assim,
a revolução sucumbiu aos exércitos dos príncipes da terra, que recolheram os
ganhos todos. A partir de então, a Alemanha desaparece, por três séculos, da
série dos países que autonomamente intervêm na história. Mas, ao lado do
alemão Lutero tinha havido o francês Calvino; com autêntica finura [Schärfe]
francesa, trouxe para primeiro plano o caráter burguês da Reforma,
republicanizou e democratizou a Igreja. Enquanto a Reforma luterana, na
Alemanha, estagnava e levava a Alemanha à ruína, a calvinista servia de
bandeira aos republicanos em Genebra, na Holanda, na Escócia, libertava a
Holanda da Espanha e do Império alemão[N201] e fornecia o fato ideológico ao
segundo ato da revolução burguesa, que em Inglaterra se processava. Aqui o
calvinismo com-provava-se como o autêntico disfarce religioso dos interesses
da burguesia daquela altura e, por isso, não acedeu a um reconhecimento
pleno, quando a revolução de 1689 se concluiu por um compromisso de uma
parte da nobreza com os burgueses. A Igreja de Estado inglesa foi
restabelecida, não na sua anterior figura, como catolicismo com o rei por papa,
mas fortemente calvinizada. A velha Igreja de Estado tinha celebrado o alegre
domingo católico e combatido o maçador [domingo] calvinista; a nova [Igreja de
Estado] aburguesada introduziu este [último], e ele ainda agora embeleza a
Inglaterra.
Em França, a minoria calvinista, em 1685, foi reprimida, catolizada ou
expulsa [do país](37*); mas, para que serviu isso? Já nessa altura, o livre-
pensador Pierre Bayle estava ao trabalho, e, em 1694, nasceu Voltaire. A
medida violenta de Luís XIV apenas facilitou à burguesia francesa que pudesse
fazer a sua revolução sob a forma irreligiosa, exclusivamente política, a única
que estava apropriada à burguesia desenvolvida. Em vez de protestantes,
foram livres-pensadores que se sentaram nas Assembleias nacionais. Por este
facto, o cristianismo tinha entrado no seu último estádio. Tinha-se tornado
incapaz, doravante, de servir a qualquer classe progressiva como disfarce
ideológico das suas aspirações; tornou-se cada vez mais posse exclusiva das
classes dominantes e estas aplicavam-no como mero meio de governo pelo
qual as classes inferiores eram mantidas dentro dos limites. Pelo que, então,
152
cada uma das diversas classes utiliza a religião própria que lhe corresponde: o
nobre rural [Junker] possuidor de terras, a jesuitice [Jesuiterei] católica ou a
ortodoxia protestante; o burguês liberal e radical, o racionalismo; e pelo que
não faz qualquer diferença se os senhores acreditam eles próprios nas
respectivas religiões, ou não.
Vemos, portanto, que a religião, uma vez formada, contém sempre uma
matéria tradicional, assim como que, em todos os domínios ideológicos, a
tradição é uma grande força conservadora. Mas, as transformações que se
processam nessa matéria resultam das relações das classes, portanto, das
relações econômicas dos homens que efetuam essas transformações. E, para
aqui, isto é suficiente. —
Só pode tratar-se, no que precede, de um esboço geral da concepção da
história de Marx, no máximo, quando muito de algumas ilustrações. A prova é
de fornecer na própria história e, quanto a isso, devo dizer que ela foi já
suficientemente dada em outros escritos. Esta concepção põe, porém, fim à
filosofia no domínio da história, assim como a concepção dialética da Natureza
torna tão desnecessária quanto impossível toda a filosofia da Natureza. Por
toda a parte, não se trata mais de congeminar conexões na cabeça, mas de as
descobrir nos fatos. Para a filosofia desalojada da Natureza e da história, fica
ainda então apenas o reino do pensamento puro, na medida em que ainda
resta: a doutrina das leis do próprio processo do pensar, a lógica e dialética.(..)”
parece óbvio que esta inversão que, enquanto permaneça desconhecida sob a
forma do que nós chamamos de concepção ideológica, reage e retorna à base
econômica podendo, dentro de certas limitações, modificar esta última. A base
do direito de herança (assumindo que os estágios atingidos no
desenvolvimento da família sejam iguais) é econômica e não a priori jurídica.
No entanto, seria difícil de provar, por exemplo, que a absoluta liberdade do
testador na Inglaterra e as severas restrições impostas a este na França são
decorrentes, em cada detalhe, às causas econômicas. Ambas (causas jurídicas
e causas econômicas) reagem entre si, sem podermos, no entanto, reconhecer
a esfera econômica em considerável extensão, pois a herança afeta a
distribuição de propriedade.
No reinados da ideologia que deslizam ainda alto nos céus, religião,
filosofia, etc., têm um estoque pré-histórico que encontra sua existência no e é
tomada pelo período histórico do que chamamos nonsense. Estas variadas
falsas concepções da natureza, do ser, de espíritos, forças mágicas, etc., têm,
na maior parte das vezes, apenas um fundamento econômico negativo; o
baixo desenvolvimento econômico do período pré-histórico é suplementado e
parcialmente condicionado e mesmo criado por falsas concepções de natureza.
E mesmo que a necessidade econômica seja a principal força motriz do
conhecimento progressivo sobre a natureza e se torna cada vez mais assim,
seria certamente pedante tentar encontrar e indicar causas econômicas para
este nonsense primitivo. A história da ciência é a história da gradual
substituição deste nonsense ou sua eliminação por formas mais recentes, mas
nem sempre menos absurdas de tolices. As pessoas que tomam parte nisto,
aderem a dimensões especiais da divisão do trabalho e isto aparenta para eles
como se estivessem trabalhando em um campo independente. E na medida em
que eles formam um grupo separado dentro da divisão social do trabalho, a sua
produção, incluindo seus erros, reage novamente e influencia o
desenvolvimento total da sociedade, e mesmo o desenvolvimento econômico.
Mas todos estes estão, novamente, sob a dominante influência do
desenvolvimento econômico. Na filosofia, por exemplo, isto pode ser mais
prontamente demonstrado através do período burguês. Hobbes foi o primeiro
materialista moderno (no sentido possível dos limites do século XVIII), mas ele
era um absolutista no período em que a monarquia absolutista estava em seu
mais alto ponto por toda a Europa e quando a luta da monarquia contra o povo
estava se iniciando na Inglaterra. Locke era uma criança no compromisso de
classe de 1688 tanto em matéria de religião como de política.
Os deístas ingleses e seus mais consistentes continuadores, os
materialistas franceses, eram verdadeiros filósofos da burguesia, sendo os
franceses o mesmo até durante a revolução burguesa. O filistinismo alemão
corre através da filosofia germânica de Kant até Hegel, algumas vezes
positivamente enquanto outras negativamente. Mas a filosofia de cada época,
considerando que é uma dimensão definida na divisão do trabalho, tem por
pressupostos certos pensamentos guiados por seus predecessores, dos quais
toma como ponto de partida. E é por esta razão que países economicamente
atrasados podem fraudar com vantagens na filosofia: a França no século XVIII
comparada com a Inglaterra, em cuja filosofia os próprios franceses se
basearam, e a filosofia alemã posterior relativamente baseada em ambas. Mas
na França, assim como na Alemanha, a filosofia e a literatura floreada do
período eram resultantes de um crescente progresso econômico. Eu também
156
(...) Vi o livro de Paul Barth recenseado na Deutsche Worte Viena pela ave
de mau agoiro Moritz Wirth, e esta crítica deixou-me uma impressão
desfavorável do próprio livro. Vou dar-lhe a vista de olhos, mas tenho que dizer
que, se o Moritzinho o cita retamente quando Barth [diz] que em todos os
escritos de Marx o único exemplo que pode encontrar da dependência da
filosofia, das condições materiais de existência é que Descartes declara os
animais [são] máquinas, um homem que pode escrever uma coisa destas me
faz pena. E se o homem ainda não descobriu que, se o modo material de
existência é o primum agens(1*), isso não exclui que o domínio ideal exerça de
novo sobre ele uma influência [Einwirkung] de reação, mas secundária, ele não
157
“Caro Schmidt,
Emprego a primeira hora livre para lhe responder. Creio que fará muito
bem em aceitar o [lugar no] Züricher Post. Do ponto de vista econômico, V.
poderá sempre aprender muito lá, particularmente se tiver em vista que Zürich,
apesar de tudo, é apenas um mercado de dinheiro e um mercado de
especulação de terceira ordem e que, portanto, as pressões que aí se fazem
sentir estão enfraquecidas, ou propositadamente falsificadas, por um duplo ou
triplo reflexo [Rückspiegelung]. Mas V. aprenderá a conhecer praticamente a
engrenagem e estará obrigado a seguir, em primeira mão, as informações da
Bolsa [Bölsenberichte] de Londres, Nova Iorque, Paris, Berlim, Viena, e o
mercado mundial abrir-se-lhe-á, assim — no seu reflexo [Reflex] como
mercado de dinheiro e de valores [Effekte]. Passa-se com os
reflexos [Reflexe] econômicos, políticos e outros inteiramente como com os no
olho humano: atravessam uma lente convergente e apresentam-se, portanto,
invertidos [verkehrt], de cabeça para baixo [auf dem Kopf]. Só que o dispositivo
nervoso [Nervenapparat], que os põe novamente em pé [auf die Füsse] para a
representação, falta. O homem do mercado de dinheiro vê o movimento da
indústria e do mercado mundial, precisamente, apenas no
reflexo [Widerspiegelung] inversor [umkehrende] do mercado de dinheiro e do
mercado de valores e, assim, para ele, o efeito [Wirkung] torna-se
causa [Ursache]. Isto vi eu já nos anos 40 em Manchester: para o curso da
indústria e os seus máximos e mínimos periódicos, as informações da Bolsa,
de Londres, eram absolutamente inúteis, porque os senhores queriam explicar
tudo a partir de crises do mercado de dinheiro, que todavia, na maioria das
vezes, eram elas próprias apenas sintomas. Naquela altura, tratava-se de
refutar o surgimento das crises industriais a partir de uma
sobreprodução [Überproduktion] temporária, e, para mais, a coisa tinha ainda
um lado tendencioso [tendenzielle], que convidava à falsa
interpretação [Verdrehung]. Esse ponto agora desapareceu — para nós, pelo
menos, de uma vez por todas —, além de que é de certo um facto que o
mercado de dinheiro pode ter também as suas crises próprias, nas quais as
perturbações directas da indústria apenas desempenham um papel
159
vez mais em fanicos. E isto tanto mais quanto é raro ocorrer que um código
seja a expressão abrupta, não adoçada, não falsificada, da dominação de uma
classe: isto seria mesmo contrário já ao «conceito do Direito». O conceito do
Direito, puro, consequente, da burguesia revolucionária de 1792-1796 está já
falsificado, sob muitos aspectos, no Code Napoléon, e na medida em que aí
está corporizado, tem diariamente que experimentar toda a espécie de
atenuações por causa do poder crescente do proletariado. O que não impede
o Code Napoléon de ser o código que, em todas as partes do mundo, serve de
base a todas as codificações. Assim, o curso do «desenvolvimento do Direito»
só consiste, em grande parte, em que, primeiro, se procura eliminar as
contradições que se produzem a partir da tradução imediata das relações
econômicas em princípios jurídicos e estabelecer um sistema jurídico
harmonioso, e em que, depois, a influência e o constrangimento do ulterior
desenvolvimento econômico rompe sempre de novo este sistema e complica-o
em novas contradições (de momento, falo aqui apenas do Direito Civil).
O reflexo [Widerspiegelung] de relações econômicas em princípios
jurídicos é necessariamente um [reflexo] que igualmente se põe de cabeça
para baixo [auf den Kopf]: processa-se sem que aquele que age ganhe
consciência dele; o jurista imagina que opera com princípios apriorísticos,
enquanto eles são apenas reflexos [Reflexe] econômicos — assim, fica tudo de
cabeça para baixo. E parece-me evidente que esta inversão [Umkehrung] —
que, enquanto não é conhecida, constitui aquilo a que nós chamos visão
ideológica [ideologische Anschauung] — retroage, por seu lado, de novo, sobre
a base [Basis] económica e pode, dentro de certos limites, modificá-la. A
base [Grundlage] do direito sucessório — pressupondo um igual estádio de
desenvolvimento da família — é uma [base] económica. Apesar disso, torna-se
difícil demonstrar que, por exemplo, em Inglaterra, a absoluta liberdade de
testar, em França, a sua forte limitação em todos os pormenores, têm apenas
causas econômicas. Mas, de um modo muito significativo, retroagem ambas
sobre a economia pelo fato de influírem sobre a repartição da riqueza.
No que toca aos domínios ideológicos que ainda flutuam mais alto no ar
(religião, filosofia, etc), eles têm uma componente [Bestand] pré-histórica,
encontrada e retomada pelo período histórico — a que nós hoje chamaríamos
disparate. Essas diversas representações falsas da Natureza, da constituição
do próprio homem, de espíritos, forças mágicas, etc, só negativamente têm
algo de econômico por fundamento; o baixo desenvolvimento econômico do
período pré-histórico tem como complemento, mas também, por vezes, como
condição e mesmo como causa, as representações falsas acerca da Natureza.
E mesmo se a necessidade econômica foi — e cada vez se tornou mais — a
mola principal do conhecimento progressivo da Natureza, seria, no entanto,
pedante querer procurar causas econômicas para todo esse disparate de
estado primitivo. A história das ciências é a história da gradual eliminação
desse disparate ou da sua substituição por um novo disparate, mas sempre
menos absurdo. As pessoas que se ocupam disso pertencem, por sua vez, a
esferas particulares da divisão do trabalho e apresentam-se como trabalhando
um domínio independente. E, na medida em que formam um grupo autônomo
no interior da divisão social do trabalho, nessa medida, as suas produções (e
inclusivamente os seus erros) têm uma influência retroativa sobre todo o
desenvolvimento social, mesmo sobre o [desenvolvimento] econômico. Mas,
em tudo isto, elas próprias estão, por sua vez, sob a influência dominante do
162
ele, todo o agir [Handeln], porque mediado pelo pensar, parece também em
última instância fundado no pensar.
O ideólogo histórico (histórico [historisch] deve simplesmente estar aqui,
resumidamente, por político, jurídico, filosófico, teológico, em suma, por todos
os domínios que pertencem a sociedade e não meramente à Natureza) — o
ideólogo histórico tem, portanto, em cada domínio científico uma
matéria [Stoff] que se formou autonomamente a partir do pensar de gerações
anteriores e que fez um ciclo de desenvolvimento próprio, autónomo, no
cérebro dessas gerações sucessivas. Sem dúvida que factos exteriores, que
pertencem ao próprio domínio ou a outros, podem codeterminantemente ter
atuado sobre este desenvolvimento, mas esses fatos são, segundo o
pressuposto tácito, eles próprios, por sua vez, meros frutos de um processo de
pensamento e, assim, permanecemos ainda sempre na esfera do mero pensar,
que aparentemente digeriu com felicidade mesmo os factos mais duros.
E esta ilusão [Schein] de uma história autônoma das constituições do
Estado, dos sistemas do Direito, das representações ideológicas em cada
domínio particular, que, antes de tudo, cega a maioria das pessoas.
Se Lutero e Calvino «triunfam» [uberwinden] da religião católica oficial,
se Hegel «triunfa» de Fichte e Kant, se Rousseau com o seu Contrat
social(3*) republicano «triunfa» indiretamente do Montesquieu constitucional(4*),
isso são processos que permanecem no interior da Teologia, da Filosofia, da
Ciência do Estado, representam uma etapa na história desses domínios de
pensamento e não saem fora do domínio do pensamento. E, desde que a
ilusão [Illusion] burguesa da eternidade e última
instancialidade [Letztinstanzlichkeit] da produção capitalista foi acrescentada,
mesmo o triunfo [Überwindung] dos fisiocratas e de A. Smith sobre os
mercantilistas passa por uma mera vitória do pensamento; não pelo reflexo no
pensamento [Gedankenreflex] de fatos econômicos alterados, mas pela
penetração [Einsicht] correta, finalmente alcançada, nas condições efetivas
sempre e por toda a parte existentes; se Ricardo Coração de Leão e Filipe
Augusto tivessem introduzido o livre-câmbio, em vez de se terem enredado em
cruzadas, ter-nos-iam sido poupados quinhentos anos de miséria e de
estupidez.
Este lado das coisas, que eu aqui apenas posso indicar, negligenciámo-lo
nós, creio eu, mais do que ele merecia. É a velha história: no começo, a forma
é sempre negligenciada relativamente ao conteúdo. Como disse, eu fi-lo
igualmente, e o erro sempre só me apareceu post festum. Estou, portanto, não
só muito longe de, de algum modo, lhe censurar isso — como co-culpado mais
velho disso não tenho nenhum direito de o fazer, pelo contrário —, mas
gostaria, contudo, de, para o futuro, lhe fazer notar este ponto.
Com isto se prende também a representação disparatada dos ideólogos de
que, porque denegamos às diversas esferas ideológicas que desempenham
um papel na história um desenvolvimento histórico autônomo, lhes denegamos
também toda a eficácia histórica [historische Wirksamkeit]. Está aqui
subjacente a representação não-dialéctica ordinária de causa e efeito como
polos rigidamente contrapostos um ao outro, o absoluto esquecimento da ação
recíproca. Os senhores esquecem, frequentemente, quase de propósito, que
um momento histórico, logo uma vez posto no mundo por outras causas,
finalmente econômicas, reage também sobre aquilo que o rodeia [Umgebung] e
pode mesmo retroagir sobre as suas causas. Assim, por exemplo, Barth,
165
os alemães, mas, precisamente por isso, é tanto mais instrutiva; e, uma vez
que os nossos operários colocaram de novo a Alemanha na primeira fila do
movimento histórico, podemos engolir algo mais facilmente o opróbrio do
passado.
Muito particularmente assinalável para o desenvolvimento alemão é ainda
que nenhum dos dois Estados parciais que finalmente partilharam entre si toda
a Alemanha é um [Estado] puramente alemão, mas ambos são colônias em
território eslavo conquistado: a Áustria uma [colônia] bávara, Brandenburg uma
colônia saxônica; e que eles só adquiriram poder na Alemanha porque se
apoiaram em possessões estrangeiras, não-alemãs: a Áustria na Hungria (para
não falar da Boemia), o Brandenburg na Prússia. Na fronteira oeste, mais que
todas ameaçada, nada disto teve lugar; na fronteira norte, confiou-se aos
dinamarqueses que protegessem a Alemanha dos dinamarqueses, e no Sul
havia tão pouco para proteger que os guardas da fronteira, os suíços, puderam
mesmo separar-se eles próprios da Alemanha!
Mas, lancei-me num amontoado de considerações dispersas [Allotria] de
toda a espécie — que este palavrório, pelo menos, sirva a V. de prova de como
o seu trabalho actuou sobre mim de um modo estimulante.
Uma vez mais, agradecimentos cordiais e saudações do seu
F. Engels
Carta a W. Borgius
(em Breslau)
Friedrich Engels
25 de Janeiro de 1894
“A Doutrina de Marx
O Materialismo Filosófico
169
A dialética
social da humanidade, que se explique a consciência social pelo ser social. "A
tecnologia, diz Marx (O Capital, I), revela a atitude ativa do homem para com a
natureza, o processo imediato da produção da sua vida e, por conseguinte, das
suas condições sociais de vida e das representações espirituais que delas
derivam.". Uma formulação completa das teses fundamentais do materialismo
aplicado à sociedade humana e à sua história é dada por Marx no prefácio à
sua obra Contribuição para a Crítica da Economia Política, nestes termos:
"Na produção social da sua existência, os homens entram em relações
determinadas, necessárias, independentes da sua vontade; relações de
produção que correspondem a um dado grau de desenvolvimento das suas
forças produtivas materiais.
"O conjunto dessas relações de produção constitui a estrutura económica
da sociedade, a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e
política e à qual correspondem formas de consciência social determinadas. O
modo de produção da vida material condiciona o processo da vida social,
política e intelectual, em geral. Não é a consciência dos homens que determina
o seu ser, mas, pelo contrário, é o seu ser social que determina a sua
consciência. Num certo estádio do seu desenvolvimento, as forças produtivas
materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção
existentes ou, o que não é senão a expressão jurídica disso, com as relações
de propriedade no seio das quais elas se haviam movido até então. De formas
de desenvolvimento das forças produtivas que eram, essas relações tornam-se
seus entraves. Abre-se então uma época de revolução social. A transformação
na base econômica revoluciona, mais ou menos rapidamente, toda a enorme
superestrutura. Quando se estudam tais revoluções é preciso distinguir sempre
entre as transformações materiais ocorridas nas condições econômicas de
produção - que podem ser verificadas com o rigor próprio das ciências naturais
- e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, em resumo,
as formas ideológicas sob as quais os homens tomam consciência desse
conflito e lutam por resolvê-lo.
"Assim como não se pode julgar um indivíduo pela ideia que ele faz de si
próprio, também se não pode julgar uma tal época de revoluções pela
consciência que ela tem de si mesma. Pelo contrário, é preciso explicar esta
consciência pelas contradições da vida material, pelo conflito que existe entre
as forças produtivas sociais e as relações de produção ..." "Em traços largos,
os modos de produção asiático, antigo, feudal e burguês moderno, podem ser
designados como outras tantas épocas de progresso na formação económica
da sociedade." (Ver a fórmula sucinta que Marx dá na sua carta a Engels
datada de 7 de Julho de 1866: "A nossa teoria da organização do trabalho
determinada pelos meios de produção.")
A descoberta da concepção materialista da história ou, mais exatamente, a
aplicação, a extensão consequente do materialismo ao domínio dos fenômenos
sociais eliminou os dois defeitos essenciais das teorias da história anteriores a
Marx. Em primeiro lugar, estas consideravam, no melhor dos casos, os móbiles
ideológicos da atividade histórica dos homens, sem investigar a origem desses
móbiles, sem apreender as leis objetivas que presidem ao desenvolvimento do
sistema das relações sociais e sem descobrir as raízes dessas relações no
grau de desenvolvimento da produção material. Em segundo lugar, as teorias
anteriores não abarcavam precisamente a ação das massas da população,
enquanto o materialismo histórico permite, pela primeira vez, estudar com a
173
A Luta de Classes
nos quais não havia ainda luta de classes, uma vez que não havia distinção de
classes sociais, nem diferença entre ricos e pobres, nem propriedade privada.
Entre 1851 e 1853, publicou-se em Erlangen a primeira das admiráveis
obras de Georg Ludwig von Maurer, a Introdução à história da constituição do
mercado, da fazenda, da aldeia, da cidade e dos poderes públicos, que lançava
nova luz sobre o passado germânico e sobre a estrutura social e econômica da
Idade Média. Já há algumas décadas, em alguns locais, na Alemanha, nos
países nórdicos, na Islândia, tinham sido encontrados curiosos vestígios de
antiquíssimas organizações camponesas que indicavam que houve um tempo
em que tinha existido nesses lugares uma propriedade comum da terra, um
comunismo agrário. Inicialmente, no entanto, não se soube como interpretar o
significado daqueles vestígios. Segundo uma opinião muito difundida,
sobretudo depois de Möser e de Kindlinger, a cultura da terra na Europa devia
ter sido feita a partir de fazendas isoladas, estando cada uma, rodeada por
uma extensão de terreno que era propriedade privada do possuidor da
fazenda. Pensa-se que só no fim da Idade Média é que as habitações, até
então dispersas, foram agrupadas, como medida de segurança, em aldeias; os
diferentes territórios das fazendas incorporaram-se no território da aldeia.
Observada mais atentamente, esta concepção era bastante inverossímil,
porque era preciso supor que as habitações, por vezes muito afastadas umas
das outras, tivessem sido demolidas para serem reconstruídas em outro lugar e
que cada um tivesse renunciado livremente e tranquilamente à disposição
vantajosa dos seus campos à volta da sua fazenda, a uma total liberdade na
gestão das suas terras, para reagrupá-los em estreitas faixas espalhadas e
sujeitas a uma gestão inteiramente dependente das outras aldeias. Por mais
inverossímil que esta teoria fosse, prevaleceu até meados do século passado.
Von Maurer foi o primeiro a articular todas aquelas descobertas soltas em
uma teoria audaciosa e profunda e soube demonstrar, definitivamente,
apoiando-se numa enorme documentação, em investigações muito profundas
sobre antigos documentos e textos jurídicos, que a propriedade comum da
terra não tinha surgido no fim da Idade Média, mas era, em suma, a forma
primitiva típica e geral das colônias germânicas na Europa desde suas origens.
Há dois mil anos, portanto, e até desde antes, desde tempos remotos dos quais
a história escrita nada sabe ainda, prevaleciam entre os germânicos condições
radicalmente distintas da situação atual (...).”
“O Método de Marx
dos quais atua de acordo com suas próprias leis. A transição de um sistema
para outro sempre foi determinada pelo aumento das forças de produção, por
exemplo, da técnica e da organização do trabalho. Até certo ponto, as
mudanças sociais são de caráter quantitativo e não alteram as bases da
sociedade, por exemplo, as formas prevalecentes da propriedade. Mas chega-
se a um novo ponto quando as forças produtivas maduras já não podem
conter-se por mais tempo dentro das velhas formas da propriedade: produz-se,
então, uma mudança radical na ordem social, acompanhada de comoções. A
comuna primitiva foi substituída ou complementada pela escravidão; à
escravidão seguiu-se a servidão com sua superestrutura feudal; o
desenvolvimento comercial das cidades levou a Europa, no século XVI, à
ordem capitalista, que passou imediatamente por diversas etapas. Em
seu Capital, Marx não estuda a economia em geral, mas a economia
capitalista, que tem leis específicas próprias. Refere-se a outros sistemas
apenas de passagem e com o objetivo de pôr em evidência as características
do capitalismo.
A economia da família de agricultores primitiva, que se bastava a si
mesma, não tinha necessidade da “economia política”, pois era dominada por
um lado pelas forças da natureza e por outro pelas forças da tradição. A
economia natural dos gregos e romanos, completa em si mesma, fundada no
trabalho dos escravos, dependia da vontade do proprietário dos escravos, cujo
“plano” era diretamente determinado pelas leis da natureza e da rotina. O
mesmo se pode dizer do Estado medieval com seus servos camponeses. Em
todos esses casos as relações econômicas eram claras e transparentes em
sua crueza primitiva. Mas o caso da sociedade contemporânea é
completamente diferente. Ela destruiu essas velhas conexões completas em si
mesmas e esses modos de trabalho herdados. As novas relações econômicas
relacionaram entre si as cidades e as vilas, as províncias e as nações. A
divisão do trabalho abarcou todo o planeta. Tendo destroçado a tradição e a
rotina, esses laços não se estabeleceram de acordo com algum plano definido,
e sim muito mais à margem da consciência e da previsão humanas. A
interdependência dos homens, dos grupos, das classes, das nações,
consequência da divisão do trabalho, não é dirigida por ninguém. Os homens
trabalham uns para os outros sem conhecer-se, sem conhecer as
necessidades dos demais, com a esperança, e inclusive com a certeza, de que
suas relações se regularizarão de algum modo por si mesmas. E assim o
fazem, ou melhor, assim gostariam de fazê-lo.
É totalmente impossível encontrar as causas dos fenômenos da sociedade
capitalista na consciência subjetiva — nas intenções ou nos planos de seus
membros. Os fenômenos objetivos do capitalismo foram formulados antes que
a ciência começasse a pensar seriamente sobre eles. Até hoje a imensa
maioria dos homens nada sabe sobre as leis que regem a economia capitalista.
Toda força do método de Marx reside em se aproximar dos fenômenos
econômicos, não do ponto de vista subjetivo de certas pessoas, mas do ponto
de vista objetivo do desenvolvimento da sociedade em seu conjunto, da mesma
forma que um homem de ciência que estuda a natureza se aproxima de uma
colmeia ou de um formigueiro.
Para a ciência econômica o que tem um significado decisivo é o que fazem
os homens e como o fazem, o que pensam eles com relação a seus atos. Na
base da sociedade não se encontram a religião e a moral, mas a natureza e o
178
Hegel escreveu antes que Darwin e antes que Marx. Graças ao poderoso
impulso que a Revolução Francesa deu ao pensamento, Hegel antecipou o
movimento geral da ciência. Mas porque era somente uma antecipação ainda
que feita por um gênio, recebeu de Hegel um caráter
idealista. Hegel trabalhava com sombras ideológicas como realidade
final. Marx demonstrou que o movimento dessas sombras ideológicas não
refletia outra coisa que o movimento de corpos materiais.
Chamamos nossa dialética de materialista, porque suas raízes não estão
no céu e nem nas profundezas do "livre arbítrio", mas na realidade objetiva, na
natureza. A consciência surgiu do inconsciente, a psicologia da fisiologia, o
mundo orgânico do mundo inorgânico, o sistema solar da nebulosa. Em todas
as balizas desta escala de desenvolvimento, as mudanças quantitativas se
transformaram em qualitativas. Nosso pensamento, inclusive o pensamento
dialético, é somente uma das formas de expressão da matéria em modificação.
Neste sistema não existe lugar para Deus e nem para o Diabo, nem para a
alma imortal, nem para modelos eternos de leis e morais. A dialética do
pensamento, tendo surgido da dialética da natureza, possui,
consequentemente, um caráter completamente materialista.
O darwinismo, que explicou a evolução das espécies através da marcha
das transformações quantitativas em qualitativas, foi o maior triunfo da dialética
em todo o terreno da matéria orgânica. Outro grande triunfo, foi o
descobrimento da tábua de pesos atômicos de elementos químicos e,
posteriormente, a transformação de um elemento em outro.
A estas transformações (espécies, elementos etc.) está, estreitamente
ligada a questão da classificação, de igual importância nas ciências naturais e
nas sociedades. O sistema de Linneo (século XVIII), que utilizava como ponto
de partida a imutabilidade das espécies, se limitava à descrição e classificação
das plantas, de acordo com suas características exteriores. O período infantil
da botânica é análogo ao período infantil da lógica, já que as formas de nosso
pensamento se desenvolvem como tudo o que vive. Somente o repúdio
definitivo à ideia de espécie fixa, somente o estudo da história da evolução das
plantas e sua anatomia, preparou as bases para uma classificação realmente
científica.
Marx, que ao contrário de Darwin, era um dialético consciente, descobriu
uma base para a classificação científica das sociedades humanas no
desenvolvimento de suas forças produtivas e na estrutura das relações de
propriedade, que constituem a anatomia social. O marxismo substituiu a vulgar
classificação descritiva que ainda floresce nas universidades, por uma
classificação dialética marxista. Somente mediante a utilização do método
de Marx é possível se determinar, corretamente, tanto o conceito do que seja
um Estado operário, como o momento de sua queda.
Como vemos, tudo isso não contém nada de "metafísico" ou "escolástico",
como afirma a ignorância vaidosa. A lógica dialética expressa as leis do
movimento no pensamento cientifico contemporâneo. A luta contra a dialética
materialista expressa, ao contrário, um passado distante, o conservadorismo
da pequena-burguesia, a autossuficiência dos rotineiros universitários e... uma
faísca de esperanças no outro mundo. (...)”
181
não se teria modificado essencialmente se, devido a certas causas gerais, não
se tivesse produzido uma mudança fundamental no curo geral do
desenvolvimento intelectual da Itália.
É sabido, no entanto, que as diferenças quantitativas se transformam,
finalmente, em qualitativas. Isso é sempre uma verdade e, portanto, também o
é na História. Uma determinada corrente artística pode nada deixar de notável
se uma confluência de circunstâncias desfavoráveis fizer com que
desapareçam, um após outros, vários homens de talentos que poderiam ter se
convertido em seus representares. Mas a morte prematura desses homens não
impede a manifestação artística dessa corrente, a menos que não seja
suficientemente profunda para destacar novos talentos. E como a profundidade
de qualquer corrente dada, tanto na literatura quanto na arte, é determinada
pela importância que tem para a classe ou camada social cujos gostos
expressa, bem como pelo papel social desta classe ou camada, aqui também
tudo depende, em última instância, do curso do desenvolvimento social e da
correlação das forças sociais.(...)”
A burguesia de seu lado criou a sua própria ciência social, partindo das
suas próprias necessidades da vida prática.
Como classe dominante ela se vê obrigada a resolver um grande numero
de problemas: Como conservar a ordem capitalista? Como assegurar o
pretendido "desenvolvimento normal" da sociedade capitalista? Isto é, a
usurpação regular do lucro? Como organizar para este fim as instituições
econômicas? Qual a política a ser adotada com relação aos outros países?
Como garantir a sua dominação sobre a classe proletária? Como resolver as
divergências dentro do seu meio? Como preparar os quadros de seus
funcionários, de seus policiais, de seus sábios, de seu clero? Como organizar a
instrução de maneira a impedir que a classe proletária se torne uma classe de
195
O Enquadramento Histórico
Um Exemplo de Lênin
O Formulador da Lei