O Direito e A Ideia de Evolução - Reflexões Sobre A Obra de Rudolph Von Ihering
O Direito e A Ideia de Evolução - Reflexões Sobre A Obra de Rudolph Von Ihering
O Direito e A Ideia de Evolução - Reflexões Sobre A Obra de Rudolph Von Ihering
Introdução:
A relação entre Direito e Natureza está entre aqueles temas que dividem os
especialistas, gerando debates acalorados e posições bastante distintas. É, ao mesmo
tempo, ponto de observação privilegiado das representações acerca da sociedade
humana frente ao universo.
Ao se constituir enquanto campo de estudos autônomo nas universidades
medievais, em torno do século XII, o Direito aderiu ao modelo vigente de Justiça. Nele
a lei humana era menor que a divina e a comunidade humana era uma extensão da obra
de Deus. A autonomia da razão não era pensada em termos iluministas. Pelo contrário,
na harmonia da criação o uso do pensamento conduziria ao jogo da natureza e não à
autodeterminação humana pós século XVIII. Assim o Direito não seria fruto do poder
do Estado ou um ato de força, como na obra de Weber. Seria antes um dado da
realidade natural com fundamento último em Deus e que encontraria paralelismo na
ordem social.
Os juristas da Idade Moderna assistem ao alvorecer da ideia de Estado legislador
e associaram-no ao conceito de um direito natural calcado na razão. De fato, o período
compreendido entre o início da Idade Moderna e o século XVIII é chamado de “Idade
de Ouro da Lei da Natureza”1. Seguindo o paradigma dominante da Geometria e da
Mecânica, a reflexão jurídica alterou-se consideravelmente. De forma muito sintética,
podemos afirmar que o Direito Natural passa a ser compreendido como produto da
razão. Nesse sentido, Leibiniz afirmava que:
1 LLOYD, Dennis. A ideia de lei. Tradução de Ávaro Cabral. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p 93
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“(...) na medida em que o homem é superior aos outros animais, não apenas
no impulso social... mas também em seu juízo e poder de avaliar vantagens e
desvantagens..., podemos compreender que é congruente com a natureza
humana seguir... um juízo corretamente formado; não ser desencaminhado
pelo medo ou pela tentação do prazer presente, nem ser arrebatado por
impulso cego e irrefletido; e que aquilo que é claramente repugnante a tal
juízo também é contrário a Jus, ou seja, ao direito Natural Humano”
(GRÓCIO apud MORRIS, 2002:77)
Significa, portanto, que é o próprio indivíduo e sua razão a origem do Jus. Esta é
outra característica do período. Anteriormente, entre os medievais, era mais comum o
conceito de direito como “quinhão”, “porção”. Agora, cada vez mais, “direito”
significará uma prerrogativa individual. Assim, afirma Grócio, “a Mãe do Direito, isto
é, do Direito Natural, é a Natureza Humana”.
“O Direito Natural é tão imutável que não pode ser mudado nem por Deus...
Desse modo, Deus não pode fazer com que duas vezes dois, não seja quatro;
e, da mesma maneira, não pode fazer com que aquilo que seja
intrinsecamente mau não seja mau” (GRÓCIO apud MORRIS, 2002:80)
Basicamente, Grócio afirma que o Direito Natural persistiria ainda que Deus não
existisse. Ao contrário de Santo Agostinho, por exemplo, que via o jusnaturalismo
inextricavelmente vinculado à divindade, os modernos identificam na razão a fonte dos
direitos.
A adesão ao modelo matemático e mecanicista significou, para o jusnaturalismo
moderno, a aceitação de um universo estático imbuído de uma justiça universal
cognoscível pela razão. O ápice deste movimento de ideias se dá com a promulgação
dos códigos de leis do início do século XIX, notoriamente o Código Civil napoleônico
de 1804. Estes diplomas legais eram tidos como fruto da razão humana passíveis de
uma hermenêutica que valorizasse a lógica.
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Esse Direito preso a uma natureza imutável passa a ser contestado pela Escola
Histórica do Direito. Influenciada pelo Romantismo e de origem alemã, esta
preconizava, em síntese, que:
Ihering:
“A objeção seria justa se cada povo só existisse para si próprio; mas existe
também para os demais e os outros te o direito de estar em relações com ele.
A lei da divisão do trabalho regula também a vida das nações. Um solo não
produz tudo; um povo não pode fazer tudo. Com o auxílio mútuo e a
expansão recíproca se equilibram, nos povos, a imperfeição de cada um
deles em particular. A perfeição brota do conjunto, na comunidade”
(IHERING, 1943:15)
que precisa ser considerada em seu conjunto. Esse sistema engendra a justiça, como se
lê no excerto abaixo:
Este “primeiro Ihering” vai ruir no final dos anos 50 e fica claro em Viena,
aonde se instala a partir de 1868. Ali profere a conferência “A luta pelo Direito”, em
1872, ano em que retorna a Göttingen.
Em Viena sua aula inaugural teve como tema “É o Direito uma ciência?” e foi
ministrada em 16 de outubro de 1868. A palestra é, provavelmente, uma resposta ao
promotor de justiça berlinense Julius von Kirchmann que, em 1848, atacou a
cientificidade do Direito ao coteja-lo com a epistemologia das ciências naturais, estas
sim efetivamente científicas.
A saída, para Ihering, é repensar o Direito, agora fora dos quadros da
jurisprudência dos conceitos. Ele abandona as abstrações jurídicas e passa a se dedicar
ao projeto da construção de uma ciência jurídica concreta. Na conferência inaugural de
seu curso em Viena encontramos:
Neste excerto está implícita a ideia de competição entre indivíduos que perseguem
seus interesses individuais. Mais que isso, é através deste mecanismo que encontramos
as “condições para a realização da finalidade da natureza”. Trata-se da transposição do
ideário darwinista para o mundo do liberalismo do século XIX.
O próprio Ihering confirma isto ao mostrar que neste jogo de interesses surge a
ideia de contrato e comércio: “comércio é a organização da satisfação assegurada das
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BIBLIOGRAFIA: