Art - A Psicologia Na Maternidade Hospitalar-Um Relato de Experiência
Art - A Psicologia Na Maternidade Hospitalar-Um Relato de Experiência
Art - A Psicologia Na Maternidade Hospitalar-Um Relato de Experiência
22409/1984-0292/v32i1/5679
Artigos
II
Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos, Brasília, DF, Brasil
Resumo
Na atualidade, a demanda por profissionais da psicologia no ambiente hospitalar torna-se crescente. Assim, surge a necessidade
de ampliar o conhecimento desse profissional sobre o referido contexto, no intuito de orientar sua conduta, além de contribuir para
a concretização do seu espaço de atuação. Considerando esses aspectos e a relevância de pôr em questão o trabalho da psicologia
nos serviços de saúde, o presente estudo apresenta um relato de experiência que objetiva refletir sobre a atuação da psicologia
no âmbito hospitalar, especificamente na maternidade, através da apresentação de casos atendidos na maternidade e UTINeo do
Hospital Universitário de Brasília. Os atendimentos foram conduzidos de modo a contemplar especificamente os aspectos rela-
cionados à maternidade, ao tornar-se mãe, bem como à aderência do tratamento e ao período de hospitalização. Observaram-se
diversos aspectos que o psicólogo enfrenta no ambiente hospitalar, como fatores relacionados às limitações do espaço físico e
impasses referentes à atuação do psicólogo na equipe multidisciplinar.
Palavras-chave: maternidade; gestação; psicologia da saúde.
Na contemporaneidade, a psicologia não se restringe por outros profissionais, atentando igualmente para as
aos atendimentos em consultórios particulares. Ao con- questões relativas à saúde desses trabalhadores (MIYA-
trário, expande sua área de atuação, abrangendo diversos ZAKI; et al., 2011).
espaços, destacando-se os variados contextos no âmbito Com relação ao trabalho que a psicologia exerce nos
da saúde. Nesse cenário, as instituições de saúde têm va- serviços de saúde, nota-se um progresso na conquista do
lorizado a inserção da psicologia no âmbito hospitalar, seu espaço, principalmente na rede pública. Cabe ressaltar
sendo esta uma área que aborda questões referentes aos que a inclusão do psicólogo nas equipes multidisciplinares
aspectos psicológicos implicados no estado de saúde/do- é imprescindível, por auxiliar na compreensão do pacien-
ença do paciente e de seus familiares. Esse crescimento te a respeito do seu quadro clínico, motivar a autonomia
resulta da necessidade de se conhecer intervenções dire- do sujeito adoecido para que possa participar das decisões
cionadas aos processos de saúde/doença e sobre as variá- relativas ao seu processo de adoecimento e proporcionar
veis que influenciam o atual estado do paciente, além de o acolhimento aos familiares em casos de óbito (DOMIN-
intervir e orientar indivíduos que fazem parte do suporte GUES, et al. 2013). No entanto, ainda são muitas as di-
social (SCHMIDT; GABARRA; GONÇALVES, 2011). ficuldades encontradas pelos profissionais da psicologia
Atendimentos realizados em centros de saúde, hospitais e neste contexto. Existem limitações referentes tanto ao es-
clínicas têm o dever de abranger os três pilares existentes paço físico quanto, por vezes, à falta de compreensão por
no hospital, a saber, pacientes-familiares-profissionais de parte dos demais profissionais sobre o fazer do psicólogo,
saúde. O psicólogo não é responsável apenas pelos pa- sendo esses alguns aspectos que tornam o trabalho da psi-
cientes, ele também realiza intervenções com a família cologia da saúde algo complexo e em construção.
no intuito de amenizar o sofrimento vivido e garantir co-
De todo modo, ressalta-se a importância da atuação do
municação efetiva entre paciente-família e equipe, além
psicólogo, cujo intuito é intervir em indivíduos ou grupos
de propor possíveis modificações nas condutas realizadas
que vivenciam diferentes doenças em ambientes não favo-
ráveis à manutenção da saúde, valorizando uma dimensão
psicossocial (ALMEIDA; MALAGRIS, 2011). Com isso,
H
Endereço para correspondência: Universidade de Brasília, Instituto de Psicolo- as variáveis psicológicas devem ser evidentes para enten-
gia - Campus Universitário Darcy Ribeiro, ICC Sul, Bloco B. Asa Norte. Brasí-
lia, DF – Brasil. CEP: 70910900. E-mails: [email protected], ana.bilac. der o processo da doença e seus comportamentos asso-
[email protected], [email protected], [email protected] ciados. Esses elementos possuem a finalidade de prevenir
Os dados completos dos autores encontram-se ao final do artigo.
Recebido em: 18 de julho de 2016
1ª avaliação: 8 de dezembro de 2018
2ª avaliação: 13 de outubro de 2019
Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons Attribution 4.0 International License.
Aceito em: 13 de dezembro de 2019
Lorrayne Leandro Galdino de Queiroz; Ana Paula Bilac Azevedo; Evandro de Quadros Cherer; Daniela Scheinkman Chatelard
doenças, reforçar enfrentamentos funcionais e auxiliar na Outra particularidade relacionada ao nascimento pré-
prevenção do adoecimento, em que as variáveis só serão -termo é a sensação de falta de controle da situação. De-
definidas por meio de uma escuta e um acolhimento qua- vido ao fato de a equipe do hospital proporcionar todos
lificados, priorizando a subjetividade do paciente (MIYA- os cuidados essenciais, os pais podem passar a enxergar
ZAKI; et al., 2011; HERMES; LAMARCA, 2013). esses profissionais como os únicos capazes de exercer
Em vista disso, o psicólogo da saúde desenvolve seu esse papel (MILES; HOLDITCH-DAVIS,1997). Com
trabalho em ambientes distintos, prestando cuidados da isso, os pais podem sentir-se ausentes nos primeiros
saúde em unidades de internação hospitalar, unidades de cuidados, percebendo-se como incapazes de exercer o
dor, ambulatório clínico, unidades de emergência, unida- papel parental, uma vez que os bebês permanecem sob
de de internação ou enfermaria, centros de terapia inten- cuidados médicos intensivos. Considerando tais aspectos
siva e outros (TEIXEIRA, 2004). Dentre esses ambientes relevantes, é possível inferir que a prematuridade pode
inclui-se, ainda, a maternidade, local de experiência dos interferir na formação do vínculo entre pais/cuidadores e
autores deste estudo, onde as demandas mais frequentes o bebê (KLAUS; KENNELL; KLAUS, 2000).
são relativas aos casos de nascimentos pré-termo e gesta- Outro fator importante é a questão das modificações
ções interrompidas com menos de 37 semanas. Ademais, sociais e da rede familiar que ocorrem durante o período
pode-se considerar que, contemporaneamente, problemas pré-natal; isso porque “diante das construções sociais do
ocorridos antes e após o nascimento estão entre os mais ser mãe há um imperativo que impele a mulher a amar
prevalentes no Brasil e no mundo (BECK; et al., 2010). incondicionalmente seu filho, a acreditar que a gravidez
Isso inclui a mortalidade neonatal e diversas complica- é totalmente bela” (BOAS; BRAGA; CHATELARD,
ções, podendo afetar o desenvolvimento cerebral, cogni- 2013, p. 8). Tal imperativo social pode influenciar a con-
tivo e socioemocional da criança, além de influenciar os duta profissional dentro dos serviços de saúde, contri-
modos de se experienciar a maternidade e a paternidade. buindo para um atendimento sem qualificação da escuta,
A fim de discutir o trabalho no âmbito da maternida- além do distanciamento do sofrimento alheio em prol de
de, se faz necessário considerar o período da gestação, uma regra maior. Portanto, torna-se relevante que se con-
bem como o período após o parto, o puerpério. A gravidez sidere a incidência dos discursos sociais, os quais podem
pode ser compreendida como um momento de importan- operar de modo a ditar parâmetros e desconsiderar as ex-
tes mudanças na vida da mulher, perpassado por afetos, periências singulares. Atentando-se para esses aspectos,
fantasias e expectativas com relação ao parto e ao bebê torna-se possível propiciar uma escuta que seja atenta aos
(BOAS; BRAGA; CHATELARD, 2013). Assim, ques- efeitos dos ditos sociais, acolhendo o que há de singular
tões anteriores ao bebê, que permeiam a vida psíquica do em cada experiência da maternidade e nas distintas ideias
casal parental, assim como os conteúdos infantis de sua apregoadas sobre ela.
psique, são de extrema relevância, pois concernem ao lu- É diante de questões como essas que se ressalta a im-
gar construído para o bebê antes mesmo de sua chegada. portância da inserção do psicólogo nos serviços de saúde,
Também compreendendo a gestação como um mo- tendo em vista que a saúde não pode ser responsabilidade
mento de situação psíquica peculiar, Bydlowski (2002) de uma única categoria profissional, devendo ser executa-
considerou ser este um momento potencializado pela da em equipe multidisciplinar, por profissionais de diversas
sensibilidade e até mesmo de transparência psíquica, no áreas, agrupados em equipes de saúde que compartilham
qual conteúdos do inconsciente podem tornar-se cons- objetivos em comum, focados em questões totais rela-
cientes. Tal transparência pode ser revelada por meio de cionadas à saúde e à doença. Dessa forma, o serviço de
um discurso remetido, por um lado, a fantasmas regres- psicologia tem demonstrado ser essencial nas maternida-
sivos e rememorações infantis de forma nostálgica. Por des, no sentido de proporcionar um auxílio no processo
outro lado, a uma fala irracional sobre a realidade do feto de construção de um lugar materno, o qual nem sempre é
(não visto como feto, mas sim como um corpo comple- compatível com o lugar determinado socialmente, prepa-
to). Com isso, é usual encontrar na maternidade mães ração para o parto e intervenção na relação pais/bebê, de
que vivem o confronto com o bebê da realidade, o qual forma a viabilizar um espaço de escuta humanizado dentro
tipicamente difere daquele que fora imaginado. Por isso dos serviços de saúde, além de diversos manejos técnicos.
a necessidade de ajuste da imagem idealizada durante a Considerando esses aspectos e a relevância de pôr em
gestação (FERRARI; PICCININI; LOPES, 2007; LEBO- questão a realidade do trabalho da psicologia nos servi-
VICI, 1987). Sendo assim, pode-se considerar que pais ços de saúde, o presente estudo trata-se de um relato de
e mães acabam por lidarem com três diferentes bebês: experiência que objetiva refletir sobre a atuação da psi-
a criança idealizada, que foi sendo construída durante a cologia no ambiente hospitalar, especificamente no setor
gravidez, com características influenciadas por outros be- da maternidade, através da apresentação de quatro casos
bês; o recém-nascido, que será conhecido no nascimento; atendidos por estagiárias da Universidade de Brasília
e, dentre esses, o recém-nascido a pré-termo, que nascem na enfermaria da maternidade do Hospital Universitário
sonolentos, imaturos e imprevisíveis (BRAZELTON; de Brasília (HUB). Outros estudos acerca deste servi-
CRAMER, 1992). Esses aspectos podem frustrar os pais, ço de psicologia já foram realizados (BOAS; BRAGA;
pois suas idealizações não foram concretizadas, exigindo CHATELARD, 2013; FONSECA et al., 2018; FREIRE;
uma adequação ao bebê da realidade (KLAUS; KEN- CHATELARD, 2009; MATA; CHERER; CHATELARD,
NELL; KLAUS, 2000). 2017; MOTTA; COSTA; CHATELARD, 2007). Com
58
Fractal, Rev. Psicol., v. 32 – n. 1, p. 57-63, 2020
A psicologia na maternidade hospitalar: um relato de experiência
isso, este estudo procura dar seguimento a essas questões, A respeito da rotina hospitalar, a equipe médica de
esperando que o conjunto desses estudos possa contribuir obstetrícia e pediatria (médicos, residentes e estagiários
para a investigação do período gravídico-puerperal, es- de medicina) passa nos leitos todos os dias pela manhã,
sencialmente em relação à atuação do psicólogo da saúde. apresentado os casos, discutindo evoluções, procedi-
Método mentos e condutas. Com isso, algumas vezes surgem
demandas que são encaminhadas para a equipe da psi-
Este estudo trata-se de um relato de experiência que cologia. Os atendimentos também podem ser sugeridos
descreve e reflete sobre atendimentos feitos a gestantes por membros de outras equipes (enfermeiros, técnicos
e puérperas, por duas discentes (estagiárias) da gradu- em enfermagem, etc.) ou por solicitação da paciente ou
ação de Psicologia da Universidade de Brasília. Foram de seus familiares. Posto isto, os atendimentos psicoló-
apresentados quatro casos em suas particularidades e se- gicos se iniciam com acolhimentos feitos no local onde
melhanças com outros casos acompanhados no mesmo se encontram as gestantes ou puérperas (enfermaria ou
serviço de maternidade hospitalar. Os atendimentos fo- UTINeo/UCIN). Durante os atendimentos psicológicos,
ram realizados nos leitos da enfermaria e dentro da Uni- alguns dados das pacientes foram registrados no docu-
dade de Terapia Intensiva Neonatal (UTINeo) e Unidade mento “Entrevista Inicial- Perfil Puerperal/Gestacional”
de Cuidados Intensivos Neonatais (UCIN), do Hospital (HUB 2016). Os demais atendimentos foram registrados
Universitário de Brasília. O referido hospital está loca- no documento “Registro de Evoluções” (HUB 2016).
lizado na zona norte de Brasília e é considerado como Cabe ressaltar que este relato de experiência retrata aten-
Hospital de Ensino, além de fazer parte das instituições dimentos realizados entre março e julho de 2016. Para
que atendem pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A fins de ilustração, quatro casos serão brevemente apre-
Maternidade do hospital envolve, em seu espaço físico, sentados e discutidos. Particularmente, se atentará para
o Banco de Leite, o Centro de Obstetrícia, que atende as especificidades e limitações do serviço de psicologia
tanto as gestantes quanto as parturientes e é composto nas referidas unidades.
por: espaços de atendimento, centro cirúrgico, berçários,
apartamentos (enfermaria), onde algumas gestantes com Relato de experiência do serviço de psicologia na
gravidez de risco são acompanhadas, alojamentos con- maternidade
juntos para mães e recém-nascidos que aguardam alta Os atendimentos psicológicos abordados no presen-
hospitalar, além do espaço para mães de bebês em situa- te estudo foram realizados entre março e julho de 2016.
ção de risco em tratamento na UTINeo e UCIN. Como feito usualmente, os atendimentos foram iniciados
Cabe ressaltar que a maternidade dispõe, atualmente, com a realização da entrevista, para melhor entendimen-
de dez apartamentos, sendo cada um equipado com quatro to do caso e identificação de possíveis demandas. Uma
leitos, os quais possuem uma cortina que permite um iso- das pacientes foi atendida 24 horas após o parto de sua
lamento visual e auditivo mínimo. Porém, com as cortinas primeira filha, em um leito na enfermaria e com a presen-
abertas, todos os leitos de um mesmo quarto estão disponí- ça da sua irmã. Tratava-se de uma gravidez de risco, e,
veis visual e auditivamente uns para os outros. A UTINeo sendo assim, o parto foi interrompido com 33 semanas de
e a UCIN estão em um mesmo espaço, e as duas abarcam, gestação. Essa paciente relatou dispor de um suporte so-
atualmente, 32 leitos, sendo todos acessíveis visualmente cial adequado, apesar de existirem conflitos entre seu ma-
pelas pessoas que estão fora do ambiente, além de estarem rido e sua família, o que prejudicava a escolha de quem
organizadas de maneira a permitir visualização ampla dos a acompanharia durante a internação hospitalar. A puér-
profissionais que trabalham dentro desse ambiente. Todos pera, em seu discurso, discorria sobre assuntos para além
os locais mencionados estão compreendidos em curtas dis- da gravidez e do parto, relatando questões envolvendo
tâncias, o que facilita o deslocamento e acesso dos atendi- conflitos familiares e traumas associados à sua infância,
dos e dos profissionais aos diversos ambientes. trazendo em questão o quanto a maternidade evoca diver-
sos elementos constitutivos do sujeito (BOAS; BRAGA;
A maternidade e a UTINeo/UCIN do hospital contam
CHATELARD, 2013; BYDLOWSKI, 2002). Quando
com uma equipe composta por médicos efetivos, resi-
questionada sobre a gestação, afirmava não ter planejado
dentes de medicina, estagiários de medicina, enfermei-
a gravidez. No entanto, contou que, ao longo do período
ros da obstetrícia, estagiários de enfermagem obstétrica,
gestacional, teria aceitado, de certo modo, a ideia de ter
residentes de enfermagem, técnicos em enfermagem,
um bebê, na medida em que seria o sonho do seu marido
assistente social e terapeuta ocupacional, além dos ser-
ter uma filha, indicando haver uma construção imagina-
viços especializados, como, por exemplo, de psiquiatria,
tiva a respeito da filha esperada (BRAZELTON; CRA-
nefrologia, reumatologia e cardiologia, dentre outros,
MER, 1992; FERRARI; PICCININI; LOPES, 2007).
prestados por profissionais do hospital, em caso de sur-
Com relação ao trabalho de parto, ela informou não ter
gimento de demandas. No que diz respeito ao serviço de
sentido tantas contrações em suas gestações anteriores.
psicologia, a referida unidade dispõe de uma psicóloga,
Essa mãe relatava estar desgastada devido ao parto e à
uma residente em psicologia, um psicólogo voluntário e
notícia da ida de sua filha para a UTINeo. Nos primeiros
quatro estagiários de psicologia, sendo o voluntário e as
atendimentos, essa mãe informou sentir-se confusa e an-
estagiárias vinculados à Universidade de Brasília.
siosa devido a essa notícia. Além disso, demonstrava es-
tar inquieta, tendo em vista que não encontrava respostas
satisfatórias no discurso médico acerca do estado de saú-
de de sua filha. Essa situação obrigou-a a enfrentar a bebê de um profissional da saúde de cada área, com o obje-
da realidade, nascida a pré-termo, em descompasso com tivo de especificar cada caso de internação. Em relação
o que ela esperava da recém-nascida (BRAZELTON; ao banco de leite, a orientação passada da parte da psi-
CRAMER, 1992; MATA; CHERER; CHATELARD, cologia para a enfermagem foi voltada para amenizar a
2017; KLAUS; KENNELL; KLAUS, 2000). pressão psicológica sobre a mãe, o que poderia resultar
Em atendimentos posteriores, surgiram demandas não só no atraso da produção de leite, mas também em
da paciente voltadas para a falta de assertividade junto sentimentos de culpabilização e incapacidade frente ao
à família. Isso era expresso por meio de sua dificuldade desenvolvimento do filho e o exercício da maternidade.
em se expressar e impor suas opiniões e interesses para A partir do caso apresentado, é possível considerar
seus familiares. Ademais, a paciente demonstrava sentir aspectos igualmente importantes que também permea-
insegurança com o que ocorreria com ela após obter a ram outros casos atendidos. A permanência no hospital
alta hospitalar, além do receio de não se sentir capaz de não fora suficiente para a realização de um acompanha-
realizar os cuidados básicos com a bebê. No que diz res- mento psicológico a longo prazo do caso relatado, visto
peito ao seu companheiro, contou que ele estava muito que diversos conteúdos emergiram como cruciais no re-
estressado quando chegou para acompanhá-la, mostran- lato da paciente, como corriqueiramente ocorre em ou-
do-se hostil e arrogante para com ela. Diante desses ele- tros casos. Além disso, podem-se citar algumas possíveis
mentos e do longo período de hospitalização, a puérpera limitações que se tornaram frequentes nas sessões, como
demonstrava-se emocionalmente fragilizada. Assim, ao as referentes à acústica. Demandas íntimas surgiam e a
longo dos atendimentos, a paciente usualmente chorava acústica do quarto não proporcionava uma privacidade
de forma intensa, relatando sentir-se envergonhada por para aquele momento. As cortinas separando os quatro
expressar publicamente seus sentimentos. leitos não eram suficientes para isolar a fala da pacien-
Após a saída de sua filha da UTINeo, a criança per- te. Possivelmente, esses aspectos geravam, muitas vezes,
maneceu internada na enfermaria da maternidade, o que receio em continuar o assunto, ou até mesmo uma dimi-
foi associado pela paciente à ansiedade vivenciada com nuição no tom de voz.
a hospitalização. A mãe também relatou seu incômodo Outro caso acompanhado foi o de uma gestante,
com a rotina desgastante de ir ao banco de leite, tendo paciente psiquiátrica diagnosticada com transtorno de
em vista que possuía dificuldade em produzi-lo e sofria personalidade, a qual também teve seu atendimento in-
lesões no seio durante esse procedimento. Essa mãe sen- terrompido, pois recebeu alta após ter o tratamento mé-
tia-se, ainda, de algum modo, pressionada pela equipe dico finalizado. Essa paciente relatou ter passado por
do banco de leite na produção desse. Isso era associado diversas vivências traumáticas, as quais, possivelmen-
à falta de controle de seu estado emocional. Depois de te, estariam associadas a certa resistência em aderir ao
alguns atendimentos, a paciente obteve alta médica, sen- tratamento medicamentoso. Além disso, a paciente in-
do orientada a continuar o acompanhamento psicológico formou ter outros filhos e que, nas gestações anteriores,
na clínica do serviço de psicologia da Universidade de teve dificuldade de criar vínculo com os bebês, pois tinha
Brasília, onde os atendimentos são gratuitos. Ela relatou uma grave depressão, o que dificultaria sua relação com
interesse em continuar o atendimento, porém a distância eles. No atendimento, ela relatava ter medo de acontecer
e as dificuldades financeiras seriam um entrave para sua o mesmo com o filho que estava por vir, antecipando o
frequência. Após os atendimentos, foi elaborado um pa- encontro com ele ao expressar o lugar simbólico em que
recer pela equipe da psicologia para o serviço social, o situava o filho esperado (BYDLOWSKI, 2002; MATA;
qual informava as condições precárias em que vivia essa CHERER; CHATELARD, 2017). Assim, de acordo com
mãe. Depois da alta hospitalar e do encaminhamento, não a orientação da equipe do hospital, a paciente foi enca-
se obtiveram outras notícias a respeito da mãe e do bebê. minhada para atendimento em serviço especializado em
O caso brevemente ilustrado põe em questão, entre transtornos de personalidade. Ela retornou ao hospital
outras questões, que essa mãe se encontrava sem infor- para a realização do parto algumas semanas após a refe-
mações claras sobre o caso clínico de sua filha, realidade rida alta, sem que houvesse outra avaliação psicológica.
semelhante à de tantas outras gestantes e puérperas aten- Tais questões ilustram, em parte, o funcionamento do
didas, que se sentiam insatisfeitas com a falta de informa- hospital, demonstrando que a estrutura e a dinâmica da
ções sobre seu quadro de saúde ou dos seus filhos. Diante maternidade dificultam atendimentos psicológicos nos
disso, a equipe de psicologia realizou uma reunião junta- casos de transtornos mentais. Dessa forma, os encami-
mente com o restante da equipe de saúde. Esse encontro nhamentos são feitos para outros serviços, porém não há
serviu para tratar da importância de esclarecer dúvidas garantias de continuidade nos atendimentos. Algumas
a respeito da internação do bebê, além da necessidade pacientes não procuram os serviços de saúde para os
de adequar a fala de acordo com a escolaridade de cada quais foram encaminhadas por diversos motivos (ques-
paciente. Esses elementos são fundamentais na atuação tões financeiras, dificuldades de deslocamento para o lo-
da psicologia hospitalar, com o intuito de facilitar a co- cal do atendimento, etc.).
municação entre paciente-família e equipe, consideran- Além dessas limitações que o serviço de psicologia
do a dimensão psicossocial (DOMINGUES et al., 2013; na maternidade hospitalar apresenta, foram identificadas
MIYAZAKI; et al., 2011). Após a reunião, foi criado um outras características dos serviços psicológicos prestados
grupo de mães com filhos na UTINeo, com a participação neste ambiente. Uma delas está relacionada à questão
60
Fractal, Rev. Psicol., v. 32 – n. 1, p. 57-63, 2020
A psicologia na maternidade hospitalar: um relato de experiência
62
Fractal, Rev. Psicol., v. 32 – n. 1, p. 57-63, 2020
A psicologia na maternidade hospitalar: um relato de experiência