Caio Capítulo II
Caio Capítulo II
Caio Capítulo II
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Segundo Eusébio de Cesaréia (sic) (2000, p.146), “foi pedido ao apóstolo João que transmitisse em
seu evangelho os eventos que os evangelistas precedentes haviam omitido e as ações do Salvador
nesse espaço de tempo, isto é, antes da prisão do batista”.
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Segundo La Calle “depois da primitiva conclusão do evangelho (Jo 20,30-31), acrescentou-se ao
texto todo o capítulo 21, que compreende uma nova manifestação do ressuscitado na Galileia (Jo
21,1-14), a tríplice confissão de Pedro, com a profecia do seu martírio (Jo 21,15-19) e um dito do
Senhor, que vai justificar a redação última do Quarto Evangelho como pertencente ao ainda vivo
discípulo amado (Jo 21,20-25)” (LA CALLE, 1985, p.159).
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O aparecimento de Cristo Ressuscitado no Evangelho de João descrito por “quatro aparecimentos:
(1) Para Maria Madalena (Jo 20.11-18); (2) aos discípulos, sendo que Tomé estava ausente (Jo
20.19-24); (3) aos discípulos, sendo que Tomé estava presente (Jo 20.26-29); e (4) aos sete
discípulos à beira do Mar de Tiberíades (Jo 21.1-23)” (DAVIDSON, 1997, p.1937).
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Jesus, tais como Maria Madalena, mas que exerceram ofícios fundamentais para o
seu crescimento e desenvolvimento.
Muitas mulheres fizeram a opção de trilhar junto de Jesus de Nazaré. É o
caso de Maria Madalena. A vida itinerante comporta o abandono da família, do
trabalho, ou seja, a renúncia a elementos básicos da vida humana (Mc 1,16-20;
2,13s; Lc 9,3). Por isso a expressão “tudo deixamos e te seguimos” (Mc 10,28)
manifesta o aspecto exigente da vida itinerante.
Segundo Silva (1997, p.77), as mulheres no século I
experimentaram a novidade do poder libertador de Deus através dos
contatos que tinham com Jesus. As atitudes dele sinalizavam uma nova
comunidade, uma comunidade de igualdade onde participavam homens e
mulheres.
Ainda segundo Koester (2005), para as mulheres das camadas sociais mais
pobres pouco importavam as diferenças de status e as diferenças legais. O casal
precisava trabalhar para ter um orçamento que possibilitasse a subsistência. A
mulher colaborava na lavoura, com habilidades domésticas da fiação e do tecimento.
Nesse ambiente, concebido atualmente como majoritariamente masculino,
Paulo de Tarso conheceu profetizas (1 Cor 11,5), conheceu Júnia, a quem atribui o
título de apóstola mulher que, acompanhada de Andrônico, são reconhecidos como
tendo se tornado apóstolos antes mesmo de Paulo (Rom, 16, 7).
Vale ressaltar que segundo Brooten (1985, p. 70) as mulheres que são
citadas no corpus neotestamentário, como Prisca (ou Priscila), Junia, dentre outras
líderes, e não eram somente judias ou cristãs, mas estavam inseridas na conjuntura
do Mediterrâneo do século I, que é o mundo greco-romano.
Segundo MacMullen (1990, p. 169, 170), na parte oriental do Império
Romano, no primeiro século, as mulheres detinham relativa liberdade no que
concerne ao uso do seu dinheiro. Podiam fazer doações, empréstimos e compras.
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As doações eram, por vezes, enormes e, por isso, amplamente relembradas pelos
seus beneficiários, por exemplo, nos templos ou na própria cidade da doadora (cf.
Febe em Rm 16, 1). Essas mulheres podiam, ainda, ocupar o cargo de secretário da
cidade (γραμματεύς), presidir os locais de esporte (γυμνάσιον) etc.
Segundo Morin (1984, p.55) o reduto da mulher no mundo judaico
palestinense era sua casa. A mulher dentro de casa significava viver excluída da
vida pública. Na casa paterna o lugar das filhas ficava em segundo plano, depois
dos filhos. As mulheres aprendiam trabalhos domésticos, trabalhos com costura,
trabalhos com fiação e o cuidado para com as crianças. Para com os pais idosos as
filhas tinham a obrigação de cozinhar, dar de beber, vestir, cobrir, ajudar a entrar e
sair da casa. Como a família judaica antiga é de tradição patriarcal tudo era
centralizado na figura paterna, e o pai possuía autoridade sobre todos na casa. O
mesmo processo ocorria quando após o casamento as mulheres passavam à tutela
de seus maridos.
Segundo Thompson (1995, p.81) e Stegmann (2004, p.411) existem
controvérsias sobre o papel da mulher no mundo antigo. Alguns crêem que elas não
possuíam poder algum, e eram sempre submissas aos homens. Outros acreditam
na total Independência e liderança das mulheres. Os dois pontos apresentados são
pontos de vistas extremos, o mais plausível é que as mulheres eram capazes de unir
posições de liderança e influência diante de muitos obstáculos.
Morin (1984, p.56) afirma que no campo religioso judaico as mulheres
sofriam discriminação em relação aos homens. Elas eram submetidas há muitas
proibi sono pela lei judaica, pelo rigor da legislação civil e penal e até mesmo a pena
de morte. Enquanto os homens eram obrigados a cumprir os preceitos religiosos,
elas eram dispensadas. Para se ter uma noção: a elas não havia a necessidade de
ensinar a Torah. Era preferível queimar o livro sagrado em vez de ensiná-las. A
escola era reservada aos homens jovens. No antigo templo de Jerusalém elas eram
excluídas dos dias de purificação e após o nascimento de seus filhos. Se é criança
fosse homem, 40 dias de explosão; se fosse mulher 80 dias de exclusão.
Apesar dessa discrepância, Fiorenza (1992, p.284-285) aborda que havia
lideranças femininas nas comunidades judaicas. Escritos antigos apresentam que na
região da Ásia menor Egito, havia mulheres como chefes de sinagogas, dirigentes,
anciãs e sacerdotisas. Mesmo durante a dominação romana abrir mulheres de
destaque na vida pública, exerciam funções da magistratura, oficiais e sacerdotisas.
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Uma dessas patronas foi Febe, como aparece mencionada por Paulo em
Rm 16,2, προστάτις (“patrona”). Aplicado para descrever Febe, no entanto, foi
também o termo διάκονος, acompanhado de um artigo feminino. De acordo com
Whelan (1993, p.67), o termo διάκονος deve ser analisado com cautela, pois pode
ser confundido com o ofício tardio das diaconisas, que surgiu entre os séculos III e
IV, o qual se diferenciava do diaconato masculino do século I. Traduzir o termo
διάκονος por diaconisa não é somente enganoso, como linguisticamente incorreto.
Para Mandigan e Osiek (2005, p. 4), nos três primeiros séculos do
Cristianismo não havia uma palavra grega para diaconisa nos ambientes cristãos. O
termo διακόνισσα foi desenvolvido na passagem do século III para o IV com o
objetivo de diferenciar o papel masculino do feminino. Assim o termo διάκονος,
restringiu-se ao universo masculino, embora, mesmo após isso, o termo ainda
continue, em alguns casos, sendo empregado para as mulheres.
Com o desenvolvimento da sucessão apostólica e o senso de status clerical
no século III, as mulheres ordenadas não desempenhavam mais os mesmos papéis
que os homens (Mandigan; Osiek, 2005, p. 6). Como diaconisas, davam assistência
no batismo, faziam visitas pastorais, ajudavam na instrução e na manutenção da
ordem nas assembleias, mas somente dirigidas ao público feminino. Elas se
tornaram um elo entre as mulheres da comunidade e o seu bispo.
Daí advém a importância de reler não apenas as narrativas sobre Jesus com
as mulheres, mas também Paulo de Tarso, o qual se refere aos líderes mulheres e
homens da comunidade de Filipos com o uso de διάκονος4. Schüssler Fiorenza
(1992, p. 209-212) afirma que um sinal de relevância das mulheres no cristianismo
primitivo é apresentado no Novo Testamento quando se faz referência às
comunidades domésticas. Essas comunidades domésticas era a base do
cristianismo primitivo. Nas igrejas domésticas, as pessoas cristãs se reuniam para o
culto, para a leitura da Sagrada Escritura, para a partilha e eucarística. Nas igrejas
domésticas se oferecia oportunidades iguais às mulheres, sendo que elas ali
exerciam funções igualitárias em relação aos homens. Essas igrejas foram muito
importantes para o movimento missionário, porque ofereciam espaço e apoio e era
ali onde as mulheres exerciam a sua liderança.
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Fl 1, 1: “Παῦλος καὶ Τιμόθεος δοῦλοι Χριστοῦ Ἰησοῦ πᾶσιν τοῖς ἁγίοις ἐν Χριστῷ Ἰησοῦ τοῖς οὖσιν ἐν
Φιλίπποις σὺν ἐπισκόποις καὶ διακόνοις”.
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Stark (2006, p. 113) afirma que o cristianismo primitivo era atraente para as
mulheres, porque elas possuíam status mais elevado do que no mundo greco-
romano. No contexto greco-romano o número de homens era superior pela alta
mortalidade das mulheres no parto, aborto e pelo infanticídio feminino. No
cristianismo primitivo a vida familiar era vivida de modo diferente do contexto greco-
romano.
Stegemann (2004, p. 438) menciona que a presença de mulheres de todas
as classes sociais no cristianismo primitivo era forte. Desde mulheres não-casadas
que tinha um pequeno empreendimento até escravas compunha suas fileiras bom
final As Viúvas eram assistidas pelas comunidades domésticas, essas viúvas
assistidas amparavam os órfãos e os encarcerados.
Stark (2006, p.114-115) afirma que no cristianismo primitivo o infanticídio e o
aborto eram proibidos, qual este modo de proceder houve uma redução na
mortalidade feminina provocando um acréscimo de mulheres no mundo cristão. Por
meio de mulheres proeminentes nem o cristianismo penetrou nas classes mais altas
da sociedade greco-romana. Muitas mulheres influenciavam os maridos a
protegerem a igreja, e os convertiam para a fé cristã. Quando o chefe de família se
convertia consequentemente toda a família se convertia, incluindo cervos e os
escravos. Deste modo, pode-se afirmar que atividade missionária das mulheres era
muito mais intensa do que a dos homens.
Sobre a conduta moral, Stark (2006, p.120) afirma que entre os cristãos
havia a proibição de incesto, de divórcio, de infidelidade conjugal e de poligamia.
Havia incentivo entre os cristãos quanto guardar a virgindade até o casamento, e era
ensinado de que as relações sexuais fora do casamento eram fornicações e
adultérios. Já entre os pagãos, por exemplo, as viúvas eram obrigadas a se casar
em um prazo de 2 anos sob condição de serem multadas caso não fizesse. As
viúvas que se casassem passavam a sua herança ao novo marido. Já no
Cristianismo, havia profundo respeito às viúvas e não havia o encorajamento para
um segundo casamento. Com isso as Viúvas mais abastadas continuavam
administrando sua herança e as viúvas mais pobres eram amparadas pela
comunidade cristã e tinha a liberdade de escolher segundas núpcias. A mulher cristã
vivia num ambiente de segurança igualdade matrimonial bem maior do que as
mulheres pagãs. Um benefício adquirido pelas mulheres cristãs eram o poder de
escolher com quem iriam se casar, e a idade para o casamento era uma idade
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superior à imposta pelo paganismo, onde a mulher pagã era forçada a contrair
casamento na pré-puberdade.
Segundo Reily (1997, p.43) proferiu São João Crisóstomo em uma de suas
homilias, a de número 31 sobre o testemunho das mulheres no Cristianismo
Primitivo: “as mulheres daqueles tempos eram mais corajosas que leilões
compartilhando com os apóstolos seus labores por amor ao evangelho. Dessa
maneira viajavam com eles e desempenharam todos os outros ministérios”.
Stark (2006, p.126) menciona sobre o contexto das perseguições romanas
ao cristianismo que as mulheres detinham poder status elevado nas comunidades
cristãs. O número de homens cristão martirizados era menor, e a maioria desses
eram líderes. Em comparação, o número de mulheres cristãs martirizadas era bem
superior ao número de homens martirizados. Provavelmente essas mulheres eram
diaconisas detentoras de poder social. Suas vidas giravam em torno da igreja
primitiva e nos ofícios eclesiais; exercendo dentro da comunidade cristã um status
maior do que as mulheres pagãs na vida social.
Desse modo, vale ressaltar a importância da figura feminina na história do
cristianismo primitivo. Contudo, em muitos períodos da história, por questões
patriarcais, a história das mulheres sofreu um abafamento. A pesquisa apresentada
acima demonstrou a acolhida das mulheres no movimento de Jesus de Nazaré, bem
como funções de liderança que eram exercidas pelas mulheres e que muitas vezes
foram e são esquecidas. Ainda sobre os aspectos da inserção da mulher no
cristianismo primitivo, segue abaixo um exemplo ímpar de Teodora episcopisa de
Roma para elucidar a atuação feminina fora da Palestina.
Theodora, epískopa em Roma, foi mãe do Papa Pascoal I. Esse título está
registrado em uma inscrição em grego num mosaico cristão do século IX, na Capela
do Bispo Zenão de Verona, a qual se encontra dentro da Basílica de Santa
Praxedes, em Roma.
5
As informações concernentes à Teodora Epískopa de Roma foram retiradas de Richter Reimer
(2015, p. 1480-1509). : RICHTER REIMER, Ivoni. Santa Praxede: memórias e visualidades de uma
líder eclesial na Roma antiga. Horizonte, Belo Horizonte, v. 13, n. 39, jul./set. 2015, p. 1480-1509.
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Richter Reimer (2015, p. 1482) menciona que Santa Praxede foi irmã de
Santa Pudenciana, São Novato, São Timóteo, filha de São Pudêncio e neta de
Santa Priscila e do senador Quintus. Santa Priscila foi a construtora da catacumba
que leva o seu nome em Roma.
Junto do Papa São Pio I, em Roma, Praxede e Pudenciana atendiam aos
pobres, batizavam pessoas de outras religiões na Ecclesiae Pudentis. Durante a
perseguição do império, durante os reinados de Marco Aurélio e Antonino Pio, foram
martirizadas Praxede e Pudenciana, cujos dados estão preservados na Legenda
Aurea do século XIII, escrita por Tiago Voragine, e Vita Praxedis, escrita no século
V. A Basílica Menor de Santa Praxede, repleta de arte carolíngia, se encontra na
cidade Antiga de Roma, vinculada à catacumba de Santa Priscila, avó de Santa
Praxede.
Richter Reimer (2015, p.1485) apresenta o conceito de titulus no cristianismo
nascente, sendo que cada domus eclesiae era de posse de um dono (senhor) e que
a constituição de um tituli era uma necessidade local político-eclesiástica.
Sob Constantino e Dâmaso foi fortalecido o culto junto ao túmulo dos santos
mártires como acontecia no culto romano aos falecidos e a devoção as relíquias. O
andirivieni continuou sob o Papa Pascoal I e os restos das mártires Praxede e
Pudenciana foram levados à basílica menor com a criação de uma rota litúrgica
como forma contra a iconoclastia.
Na análise da capela de São Zenão, uma parte do interior da Basílica Menor
de Santa Praxede, Richter Reimer (2015, p.1482) observou mais especificamente
alguns mosaicos. Pela pesquisa evidencia que, no Cristianismo Primitivo, mulheres
lideravam as comunidades (domus ecclesiae ou Eclesía en Oikou) como aparece
em Romanos 16,1-16 (diaconisa Febe de Cencreia, Corinto, por exemplo) ou 1 Tm
3. Os dados expressos em textos do Novo Testamento e nas imagens antigas
atestam igualdade e mutualidade existente no Cristianismo Primitivo e nos inícios da
Igreja.
Em alguns mosaicos, como forma de reconstrução da memória, encontra as
santas mulheres adornadas de coroas, palmas e auréolas (sinais da vitória do
martírio) e outras figuras notáveis do Novo Testamento e do Antigo Testamento em
torno do Cristo Ressuscitado, o pantokrator, que evidencia os conflitos e as lutas
com o Islã da época.
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Osdol (2008, p.34) afirma que Maria Madalena sofreu violência simbólica por
uma fama inventada que ocultou sua verdadeira face:
Maria Madalena de quem a igreja se lembra não por seu papel decisivo de
ser a primeira apóstola, enviada com o kerigma – a mensagem das boas
novas: ‘Cristo Vive, ressuscitou’. Sua ‘fama’ de prostituta foi inventada
séculos depois para desacreditar e diminuir o testemunho, a liderança, o
poder, a palavra e o ministério de Maria Madalena, a primeira apóstola
Maria Madalena, segundo Tamez (2006, p.26) era de Magdala, uma cidade
as margens do mar da Galileia, uma colônia de pescadores. Atividade Pesqueira era
muito importante, com isso o comércio era intenso. Para integrar o movimento de
Jesus Maria Madalena deixou sua cidade natal. Maria Madalena não possui seu
nome vinculado a homens. Segundo Schottroff (1995, p.507) não possuía parente
14
6
Detalhadamente para compreender o conceito de apóstolo na ótica do Novo Testamento é
necessário retomar o conteúdo disposto no capitulo 1, no item 1.2.1 sobre a constituição histórica do
Primado Petrino e o surgimento do Ministério Apostólico até 343 d.C.
15
ter tido a primazia de ver os anjos e o Cristo Ressuscitado que a chamou pelo nome
e lhe atribuiu uma vocação específica em Jo 20, 1-18.
Segundo Mateos e Barreto (1993, p. 833) o ‘primeiro dia’ marca uma etapa
definitiva da criação. É ao mesmo tempo ‘primeiro dia’ e o ‘último dia’. É o tempo
messiânico, a era escatológica em que se realiza o reinado de Deus na história
humana.
O tempo cronológico, o tempo judaico foi superado. Para comunidades
cristãs inicia-se um tempo novo, o tempo escatológico. O Quarto Evangelho narra as
festas litúrgicas por sete vezes, as judaicas por seis vezes, a Páscoa Mosaica e, por
último, uma festa vivida, realizada na experiência da Ressurreição, a Páscoa Cristã
(DURRWELL, 1968, p. 26).
O ‘primeiro dia’ é o dia de Madalena manifestar-se junto do sepulcro. Nela
transborda a imagem da discipula, da manifestação feminina da caminhada das
mulheres ao sepulcro vazio. Madalena liga, intercala, intercepta o capítulo 20 para o
21 do Quarto Evangelho. Ela é testemunha (KONINGS, 2005).
Brown (1979, p. 1288) afirma que, na tradição dos sinóticos, as mulheres
iam ungir o cadáver de Jesus, motivo da sua presença na experiência do
Ressuscitado. Esse detalhe foi omitido propositalmente no Quarto Evangelho,
porque ele introduz a unção de Jesus antes de sua sepultura junto a mulher
pecadora que os pés (Jo 12,1-11).
Essa tese de Brown (1979, p. 1288) não se sustenta, pois em Jo 19,39-40 o
corpo de Jesus é ungido por José de Arimatéia e Nicodemos. Seria um acréscimo
19
essa passagem para se opor à unção feita pela mulher em Jo 12,1-11? ou seria uma
forma de ocultar os motivos de Madalena e das mulheres irem ao sepulcro? A
indagação fica em aberto.
O encontro de Madalena com o Ressuscitado acontece quando “ainda
estava escuro” (Jo 20,1). O luto se faz presente, se expressa (v.11). A superação do
luto é iniciativa do Ressuscitado, pois Ele se manifesta. A pedra foi retirada. Maria
Madalena corre dar a notícia.
No versículo 2 aparece a expressão λίθον ἠρμένον “pedra removida”. Maria
Madalena se depara com a o sepulcro vazio. Konings (2000, p. 878) apresenta que
a pedra removida possui dois motivos: a morte foi vencida e a pedra removida seria
sinal desta vitória. Deste modo, o sepulcro vazio com a pedra removida “visto”
(verbo ver em grego) seria um sinal visível do Ressuscitado. Por outro lado, o
próprio evangelho apresenta a não necessidade de remoção da pedra (cf. Jo 20,26).
O ‘sepulcro vazio’ é o centro da primeira parte da perícope: “O túmulo aberto
(vazio) não provoca a fé pascal, mas apenas susto” (Kessler, 2002, p. 261).
Madalena, ao ver o sepulcro vazio, compreende que algo aconteceu. Algo que
supera a compreensão humana. Por isso, o sepulcro vazio suscita espanto e
incompreensão de Madalena (Jo 20, 2).
O termo μνημεῖον geralmente é traduzido por “sepulcro”, mas no versículo 1
tem sentido diferente. Ele significa memorial/mausoléu, ou seja, não é um simples
sepulcro, mas uma tumba especial como a de um rico proprietário. A raiz de
μνημεῖον é μνεία que significa “lembrança, memória”, como aparece em Rm 12,13.
Significa memória afetuosa.
Esse mausoléu fora cedido por José de Arimatéia. No versículo 5 aparece
que o outro discípulo “se curvou” (παρακύψας). Isso se deve ao fato de que existiam
dois tipos de sepulcros: cova e caverna. Os mais comuns eram os poços na vertical,
e sobre a cavidade havia uma tampa como forma de proteção ao cadáver. Também
havia as covas na horizontal, que eram sepulcros escavados. Possuíam uma
abertura de aproximadamente um metro de diâmetro. Desse modo, para uma
pessoa adulta entrar nele havia a necessidade de se curvar, como apresentado em
Jo 20,5. Na entrada desse tipo de sepulcro era colocado uma grande pedra em roda
como forma de proteção. Essa proteção era importante, sendo que Jo 20,1 usa a
palavra ἠρμένον designando que a pedra fora arrancada a força. O Quarto
Evangelho é o único a usar o verbo αἴρω/ἠρμένον para aludir que a pedra foi
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retirado. Segundo Davidson (1997, p. 2004) “é possível que ela tenha sido
acompanhada por outras mulheres, e que se afastou delas mais tarde”.
Em Jo 20,1.2 aparece um indício de que o texto original sofreu alterações
posteriores. Madalena menciona aos dois discípulos a retirada da pedra e do corpo
com o uso do verbo οἴδαμεν (“sabemos”, 20,2), portanto, com o uso da primeira
pessoa do plural. Talvez isso fosse um resquício da tradição das mulheres. Em Jo
20,1, porém, se utiliza o verbo ἔρχεται (“vai”) na terceira pessoa do singular. Como
interpretar isso? O evangelho joanino quer propositalmente destacar Maria
Madalena dentre o grupo de mulheres?
Segundo Lima (2021, p. 87), nos sinóticos Madalena não está sozinha
outras mulheres são mencionadas e nomeadas. Segundo Mateus,
Madalena está acompanhada da “outra Maria” (Mt 28,1); Marcos informa
que foram com Madalena, Salomé e Maria, mãe de Tiago (Mc 16,1); Lucas
lista Madalena, Joana, Maria, mãe de Tiago e “outras” (Lc 24,10).
corre desesperada tomada pelo temor de que o sepulcro havia sido violado e
profanado, foi um julgamento prévio que teve por base o medo.
Diferentemente de Berger (1998, p. 206), Richter Reimer (1995, p. 35) afirma
que havia algumas brechas nas leis judaicas, e que as mulheres podiam
testemunhar publicamente, como no caso da kethubah. Isso corrobora com os
relatos evangélicos da ressurreição, ou seja, as mulheres foram testemunhas. A
história interpretativa, contudo, a partir de seletivo processo de escolha de textos,
alega que não poderiam ser testemunhas.
A frase οὐκ οἴδαμεν ποῦ ἔθηκαν αὐτόν (“não sabemos onde puseram ele”)
possui um “nós” oculto no verbo. Para Champlin (2014, p. 630) seria um nós editorial
e um sinal da presença de outras mulheres que são omitidas no texto, mas essa
afirmativa não quer dizer que essas outras mulheres permaneceram no sepulcro
como Maria Madalena.
No Quarto Evangelho, Pedro é uma figura concreta (Tuñi, 1991, p.101-105)
e por isso apressadamente Maria Madalena se dirige “a Simão Pedro e o outro
discípulo” e alerta sobre o sumiço do corpo (Jo 20,2): “Tiraram o Senhor do sepulcro
e não sabemos onde o puseram”. Os detalhes na narrativa sugerem “reminiscências
de uma testemunha ocular” (DAVIDSON, 1997, p. 2004).
Há também indícios de acréscimo no texto original, por exemplo, ἄλλον
μαθητὴν ὃν ἐφίλει ὁ ἰησοῦς (“o outro discípulo, a quem Jesus amava”) ao lado de
Pedro, como amigos e não como rivais. O Discípulo Amado permite Pedro entrar
antes no sepulcro, mesmo tendo chegado por primeiro (Jo 20,6). Segundo Brown
(1970), o Quarto Evangelho foca no primado do amor e não da autoridade.
Maria Madalena anuncia aos dois discípulos, no versículo 2, usando o verbo
οἴδαμεν (“saber”) na primeira pessoa do plural. O verbo οἴδαμεν é formado pelo
sufixo οἴδα raiz de conhecimento. Em 1 Ts 5, 12 ele possui o sentido de respeitar.
No versículo 1 narra usando ἔρχεται, o verbo ir na primeira pessoa do singular.
Segundo Capucho (2010, p.32) isso é outro forte indicio de que o texto original
sofreu alterações em redações posteriores. Esse verbo aparece 33 vezes no Novo
Testamento.
Com essas redações posteriores foi acrescentado na perícope o outro
discípulo ao lado de Pedro, mas não como corrente, mas amigo. Segundo Brown
(1970, p. 1006-1007):
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We remember that Peter was in the original form of the story; and so, while
the introduction of the Beloved Disciple inevitably created a contrast, to an
extent that contrast is accidental and is scarcely a major aspect of
Johannine polemic. Moreover, to be precise, the Beloved Disciple is placed
in Peter’s company and is not set over against him. Indeed, throughout the
Gospel Peter and the Beloved Disciple are portrayed as friends and not as
rivals… But Peter is not the special hero of the Johannine writer. The
Beloved Disciple has that role; and the writer takes special interest in
showing the Beloved Disciple’s ‘primacy of love,’ a superiority that does not
exclude Peter’s possessing another type of primacy”7.
8
O texto possui uma crítica, pois a expressão aparece somente em outros três manuscritos
29
[...] se pudesse reverenciar o Mestre, ainda que morto, pela última vez.
Madalena continua como protagonista na cena, retratada em uma intensa
desolação. Não se conforma com a ausência […] continua em uma busca
incessante, iniciada ainda na Galileia.
anunciar aos irmãos essa experiência. Para Konings (2000, p.402), Maria de
Magdala compreende a aparição “ainda na ótica de antes da morte e ressurreição
de Jesus: venera-o como dantes, como “grande mestre”, presente junto dela na
terra”.
Segundo Davidson (1997, p.2005) no original grego ‘não me detenhas’
significa ‘não me toques mais’. Isso que significa que Maria Madalena deve se
preparar para o evento da ascensão. Ela deve deixar de querer uma aproximação
apenas física com o Mestre. Por fim, ele a encarrega de anunciar. Em Lc 24, 39 o
original grego usa o verbo apalpar, mais do que apegar. O motivo para tocar em
Cristo nos dois casos são diferentes.
No versículo 18 aparece Maria Madalena anunciando aos outros discípulos:
“ἑώρακε τὸν κύριον”. O verbo ἑώρακα (“ver”) é uma declinação do verbo ὁράω que
aparece 36 vezes no Novo Testamento significando notar, perceber, aparecer. No
versículo 8 após Pedro examinar o espaço do sepulcro usa o verbo εἶδε é uma
declinação do verbo ὁράω no modo indicativo, no tempo aoristo, na voz ativa, na
terceira pessoa do singular. Em Hb 13, 23 é traduzido como ὄψομαι, visitar no tempo
futuro. No versículo 18 ἑώρακα da origem a exclamação eureka. O verbo ἑώρακα
modo indicativo, tempo perfeito, na voz ativa, na terceira pessoa do singular. O
verbo ἑώρακα pode ser traduzido por encontrei/descobri. Maria Madalena não tem
dúvida do que viu e ouviu. Vale recordar que ὁράω expressa uma visão que
alcançou a plenitude. O mesmo verbo aparece em Jo 20, 25 na boca dos discípulos
que anunciam a Tomé e recitado pelo próprio Ressuscitado em Jo 20, 29. Deste
modo, ἑώρακα aparece três vezes somente no capítulo 20. Pode-se afirmar que isso
recorda Is 6, 3 e Ap 4, 8 sobre a santidade de Deus, pois o reconhecimento de
Madalena e de Tomé levam a perceber o Ressuscitado e, Nm 6, 24-26 as três
invocações de bênçãos sobre dadas pelo Sumo Sacerdote.
Em 1Cor 9, 1 Paulo de Tarso legitima a sua função de apóstolo como os
demais dos Doze com a seguinte afirmativa οὐχὶ ἰησοῦν τὸν κύριον ἡμῶν ἑόρακα;
(“não vi Jesus Senhor nosso?”). Aqui novamente aparece o verbo ἑόρακα que
aparece em Jo 20,18. Pode-se afirmar, assim como Paulo de Tarso, que a
experiência do Ressuscitado confere a Maria Madalena o título de Apostolorum
Apostola, ou seja, ela é apóstola como os demais homens.
Sousa (2012, p.53) afirma que Maria Madalena recebe de Jesus a revelação
de que Ele sobe ao céu e agora, pela sua morte e ressurreição, seu Pai se torna
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nosso Pai, e nós passamos a fazer parte de sua família. Ao enviá-la, Jesus lhe dá
uma missão de anunciá-lo como ele mesmo havia anunciado o Pai (Jo 4,38 e 20,17)
e como havia enviado os apóstolos, portanto, Jesus lhe confiou uma missão
apostólica.
O anuncio dessa mensagem pelas comunidades primitivas conjecturaria as
pretensões de veracidade via declaração da sucessão apostólica. Perante o
contexto da ressurreição, os nomes dos apóstolos ganharam maior relevância.
Sobre o que foi mencionado Koester (2005, 68) comenta que “esses nomes podem
ser bem históricos, e os relatos podem ter sido feitos primeiro pelo apóstolo, que
havia visto o Senhor”. Lima (2021, p.93) afirma que no caso do relato do Quarto
Evangelho o ‘apostolo’ detentor do anuncio possuía um nome, Maria Madalena.
Pode-se afirmar que sem o anúncio da ressurreição não haveria a existência
do capítulo 20 no Quarto Evangelho. O anúncio da ressurreição é o núcleo da fé
cristã. Koester (2005, p.101) afirma que a tradição do relato do mistério pascal teve
início na comunidade primitiva de Jerusalém. O tema da ressurreição recebeu
formulação teológica na primeira comunidade de língua grega, a saber Antioquia. A
ressurreição é parte essencial da mensagem do evangelho e uma chave para
doutrina da fé cristã.
Encontra-se nessa cena uma tríplice dimensão das narrativas de aparições:
iniciativa, reconhecimento e missão. No Quarto Evangelho, os textos que narram a
paixão, morte e ressurreição tem o intuito de apresentar a imagem de um
nascimento. Madalena peregrina junto de Jesus. Ela participa de sua morte e
ressurreição. É importante recordar Rm 6, 8. Sobre a ideia do nascimento Maria
Madalena se apresenta como parturiente, pois dá luz a mensagem: Ele está vivo. O
Trecho de Jo 20, 1-18 podem narrar o nascimento das comunidades cristãs em
torno da fé no Ressuscitado. Maria Madalena faz a gestação dessas comunidades
pelo anúncio. Ela manifesta ao mundo a possibilidade de ser discípulo do
Ressuscitado. Como foi afirmado por Brown (1984, p.86) o ser discípulo é a
categoria primeira para o Quarto Evangelho. É a aproximação a Jesus que dá
sentido a missão apostólica. Deste modo, Maria Madalena é primeira discípula e
apóstola, modelo perfeito de vida cristã. Ela foi detém a primazia por ser a primeira a
ver o ressuscitado, a primeira ao escutar, a primeira enviada.
6. Aos discípulos quando estavam reunidos, uma semana mais tarde, sendo
que Tomé estava presente (Jo 20,26-29). 7. A sete discípulos à beira do Mar
de Tiberíades (Jo 21,1-23). 8. Aos onze e outros em uma montanha da
Galiléia (Mt 28,16-18). Este aparecimento é considerado por muitos como
sendo o mesmo que é referido por Paulo em 1Co 15,6, onde ele afirma: "foi
9
“O pensamento é um espelho duplo e ambas as faces podem e devem ser nítidas e desempanadas”
(BAKHTIN; VOLOSHINOV, 2009, p.22).
36
para ter êxito, no seu apostolado o amor do discipulado, ou seja, não tem como ser
apóstolo sem antes ser discípulo de Jesus de Nazaré. O caráter do epílogo não é de
contestar a autoridade de Pedro, mas de valorizar o Discípulo Amado como modelo
de discípulo e herói da comunidade Joanina em comparação com a comunidade dos
Cristãos Apostólicos.
Segundo Ratzinger11 (1974, p.193-194) em Jo 21,1-19 aparecem os
aspectos da sinodalidade12 dos Apóstolos, pois “o primeiro princípio é o caráter
colegial do poder apostólico que, antes mesmo do evento Pentecostes, tinha o
verdadeiro poder de missão [...] o chamamento dos Doze, por parte de Jesus, teve
caráter simbólico e escatológico”.
Para analisar a perícope de Jo 21, 1-19 optar-se-á pela estrutura conforme o
item 2.4.1 A Pesca Miraculosa, Jo 21,1-14 e, conforme o item 2.4.2 A Confirmação
de Pedro, Jo 21, 15-19.
multidão com cinco pães e dois peixes. A pedra sobre a qual Jesus pousou o pão foi convertida num
altar. Junto às paredes daquela igreja passa a via pública, onde Mateus tinha o seu telônio. Sobre o
monte vizinho há um lugar onde o Senhor subiu para pronunciar as Bem-aventuranças” (O texto
aparece em Liber de Locis Sanctis, escrito pelo monge de Montecassino São Pedro Diácono em
1137). Atualmente o peixe mais abundante é o “tilapie”, também conhecido como “peixe de São
Pedro”. A atual igreja franciscana, construída em 1933, conserva os alicerces da antiga edificada no
século IV. No seu interior, em frente ao altar, encontra-se uma rocha de calcário venerada como
Mensa Christi, que significa “Mesa de Cristo”. Este é o local, onde segundo a tradição, Jesus
preparou o peixe e o pão para os apóstolos, e disse a Pedro: “Apascenta as minhas ovelhas”.
14
O significado da noite está ligado a Lc 5, 4-11 e ao chamado inicial em Mt 4,18-22.
15
O Mar de Tiberíades possui 166 km2 e fica a 213 m abaixo do nível do mar mediterrâneo.
16
Em Jo 21,1 “às margens do mar de Tiberíades”: Mateus (e Marcos) refere só uma aparição ocorrida
na Galiléia (sic); Lucas, por sua vez, só uma aparição em Jerusalém. Quanto a João, temos dele dois
relatos de aparição em Jerusalém (Jo 20) e um na Galiléia (sic), o que agora nos ocupa” (NICCACI;
BATTAGLIA, 1981, p.266).
17
Dentre os sete discípulos cinco podem ser nomeados. Esses cinco tiveram algum tipo de problema
com Jesus durante o seu ministério. Grupo de sete discípulos de corações feridos: Pedro negou
Jesus, Tomé não acreditou na aparição de Cristo Ressuscitado, os filhos de Zebedeu queriam ser os
maiores, Natanael desprezou Jesus e os outros dois sem nome: eu e você. Segundo a numerologia
bíblica 4+3=7; 4 pode significar que o fundamento é Cristo como pedra fundamental e pedra angular,
o 3 pode significar convite a santidade; o 7 pode significar um convite a viver a plenitude do tempo de
Deus em nossas vidas.
18
O nome Simão Pedro aparece na confissão de Mt 16,17.
39
22
“E já não tinham força para puxá-la, por causa da quantidade de peixes”.
23
A abundância dos peixes remete a alguns episódios como Caná (Jo 2,6), a multiplicação dos pães
(Jo 6,11ss), a água viva (Jo 4,14; 7,37s), a vida dada pelo Bom Pastor (Jo 10,10) e a plenitude do
Espírito dado por Jesus (Jo 3,34).
41
Segundo Dalbem (2010, p.58) o fato dessa pesca ser relatada em João,
após os acontecimentos pascais, sugere um sentido mais profundo. A pesca após
os acontecimentos pascais
24
“A nudez na bíblia é símbolo de miséria e pecado (Gn 3,7). No relato de Lucas, à vista da pesca
milagrosa, Pedro exclama, prostrando-se aos pés de Jesus: “Senhor, afasta-te de mim, que sou
homem pecador!” (NICCACI; BATTAGLIA, 1981, p.267).
25
Vale ressaltar que a barca, na narrativa, pertence a Simão Pedro, e que “fala-se de uma única
barca, símbolo da única Igreja (Jo 10,16: um só rebanho, um só pastor); delineia-se a iniciativa de
Pedro, ao arrastar a rede a margem (v.11; Lc 22,31s; Mt 13,47-50) [...] São os poderes de Cristo que
passam a Pedro” (Comentário de Mario Galizzi ao Evangelho de São João 21,1-19 do 3° Domingo da
Páscoa, ano C, no Missal Dominical: Missal da Assembleia Crista da editora Paulus de 1995, na
página 438).
42
símbolo del fracaso del hombre en llevar bendición” (JOHNSTON, 1994, p.64).
Assim sendo, o número seis representando o Colégio Apostólico que estava na
barca, para eles não bastavam reconhecerem o Ressuscitado, mas era necessário
se lançar ao encontro com a coragem de Pedro símbolo do homem corajoso que
necessita das bênçãos de Deus para um frutuoso ministério a frente da Barca da
Igreja.
Jo 21: “9Quando saltaram em terra, viram brasas acesas, tendo por cima
peixe e pão26. 10Jesus lhes disse: “Trazei alguns peixes que apanhastes”.
11
Simão Pedro subiu então ao barco e arrastou para a terra a rede, cheia de
cento e cinquenta e três peixes grandes; e apesar de serem tantos, a rede
não se rompeu27. 12Disse-lhes Jesus: “Vinde comer!” Nenhum dos discípulos
ousava perguntar-lhe: “Quem és tu?”, porque sabiam que era o Senhor.
13
Jesus aproxima-se, toma o pão e o distribui entre eles e faz o mesmo com
o peixe. 14Foi esta a terceira vez que Jesus se manifestou aos discípulos,
depois de ressuscitado dos mortos”.
26
“A refeição que o Cristo oferece aos discípulos, como meio para fazer-se reconhecer por eles,
parece portanto, uma imagem da Ceia Eucarística, na qual o Senhor “vem” e se faz plenamente
“conhecer” pelos seus, dando-lhes o alimento do seu Corpo e a bebida do seu Sangue” (NICCACI;
BATTAGLIA, 1981, p.268).
27
As redes que não se rompem podem significar que aqueles que são evangelizados através do
trabalho orientado por Cristo não se perderão, mas serão preservados até alcançarem o Reino dos
Céus representado por Jesus a beira da praia.
43
Sepulcro (Jo 20, 8-10), só reconhece o Ressuscitado (Jo 21, 7) e indica aos demais.
Deste modo, Jo 21, 1-19 que analisaremos nessa dissertação manifesta que o
fundamento da apostolicidade deve ser o discipulado, pois não existe a possibilidade
de ser bispo e exercer a autoridade sem ser discípulo primeiramente. Brown (1984,
p.87) repete parte dessa tese.
Em Jo 21, 11 as redes28 “se enchem com o número exato das diferentes
espécies de peixes catalogadas na antiguidade: 15329. Estes pescadores que, na
tradição cristã, se haviam transformado por ordem de Cristo em “pescadores de
homens” (Mc 1,17) têm de abarcar, em seu ministério de enviados, toda espécie de
pessoas. Os discípulos que pescam junto com Pedro têm o vasto mar do mundo
para praticarem a palavra de Jesus” (LA CALLE, 1985, p.160).
Por detrás da observação de que até mesmo os 153 peixes não 30 fizeram a
rede rasgar-se (eschisthe) (Jo 21,11), há um contraste com Lc 5, 6 onde Simão
Pedro também estava diretamente envolvido31. E em três ocasiões, João observou
que havia uma “divisão” de opnião (schima) a respeito de Jesus: as questões em
pautas eram: sua identidade (Jo 7,43), sua cura milagrosa do cego de nascimento
(Jo 9,16), e seu ensino (Jo 10,19) (COENEN; BROWN, 2000b, p.2337).
Segundo Theíssen (2007, p.122):
O discípulo predileto encarna a compreensão autêntica de Jesus, ao passo
que Pedro, no acompanhamento de seu Senhor, cai em muitas
incompreensões. Mas ele também tem uma função insubstituível, sugerida
na pesca milagrosa de Jo 21. Pedro deverá manter unida a comunidade
narrativa do mundo joaneu dos sinais: apesar de a rede estar cheia, ela não
se rasga (21,11). Ele é o pastor que mantém unida a Igreja Cristã. Sem esta
base social, mesmo a sublime teologia joanina, uma ousada reinterpretação
da religião cristã primitiva, não poderá existir.
28
A cena da pesca com a utilização da rede remete a vinda do reino dos Céus (Mt 13,47s), a missão
dos apóstolos (Mt 4,19s) e a missão apostólica dirigida por Pedro (Jo 21,15-19).
29
Assim testemunhou Jerônimo no seu comentário a Ez 47,12.
30
“οὐκ ἐσχίσθη...” não se rompeu, seria uma tradução mais literal do trecho de Jo 21,11.
31
A primeira parte do texto (vv. 1-14) tem grandes semelhanças com a história da “pesca milagrosa”
de Lucas (Lc 5,1-11). Mas o contexto, pós-ressurrecional, é diferente (HUGHES, 2018).
44
constitui uma riqueza para a Igreja e não deve levar a rompimento 32 da unidade, sem
que se imponha a uniformidade33.
Em Jo 21,11 Simão Pedro subiu ao barco e arrastou para a terra a rede,
cheia de 153 peixes grandes e apesar de serem tantos, a rede não se rompeu.
Novamente, outro fato chama a atenção em Jo 21,6 o grupo dos sete não
conseguiram mover a rede para dentro da barca. Em Jo 21,8 em número menor
arrastam a rede com os peixes até a praia. Mas em Jo 21,11 Pedro sozinho,
arrastou para a terra a rede cheia de cento e cinquenta e três peixes. Pedro ao se
lançar no mar para o desafio de encontrar o Ressuscitado realiza sua função de unir
o colégio apostólico a Cristo. Por ser elo de unidade o colégio apostólico recebe a
força do Ressuscitado para o labor pastoral. Pedro representa a certeza de estar na
Igreja que professa Cristo Ressuscitado.
Os 153 grandes peixes podem representar todas as pessoas e as redes
simbolizariam o mundo inteiro, fazendo eco a universalidade do Cristianismo.
Segundo La Calle (1985, p.160) essa narrativa concretiza o local onde o anúncio da
salvação de chegar: ao mundo inteiro, pois “já não se trata de comunidades
sedentárias, que se sucedam no decurso do tempo; o envio de Jesus tem urgência
de toda a história dos homens” (LA CALLE, 1985, p.160).
Diferentemente de Lc 5, 6, em que aparecem várias redes que se rompiam
devido a enorme quantidade de peixes, nota-se que em Jo 21, 11 há somente a
presença de uma única rede, mas o fato é que ela não se rompeu. Para designar a
unidade da rede, o verbo em Jo 21,11 é έσχίσθη, que também apareceu em Jo 19,
24 no caso da túnica inconsútil. Outro fato interessante foram os verbos de
movimento utilizados em Jo 21,6 (Έλκύσαι) e igualmente em Jo 21,11 (Είλκυσε) e
em Jo 21,8 (σύροντες). Com a utilização desses verbos o Quarto Evangelho aborda
que enquanto os discípulos não tem força para arrastar a rede, por isso os
discípulos vieram σύροντες arrastando34 a rede com os peixes (Jo 21,6.8), Pedro
sozinho consegue puxar35, em Jo 21,11 aparece o verbo εἵλκυσεν, para a terra a
quantidade de 153 grandes peixes. Segundo Santos o verbo ελκύω “designa a
32
A palavra grega em João 21,11 para “romper” é σχισμα, “schisma”, que deriva da raiz σχιζω.
33
No dia 01 de novembro de 2023 o Papa Francisco lançou Motu Proprio Ad theologiam
promovendam, onde ele atualiza os Estatutos da Pontifícia Academia de Teologia, chamando-a a
‘uma corajosa revolução cultural’ para ser profética e dialogante à luz da Revelação.
34
Σύρω esse verbo significa o ato de arrastar, mover com esforço ou dificuldade fazendo que deslize
pelo chão.
35
Ελκύω e έλκω puxar, desembainhar é um verbo que corresponde na língua portuguesa ao ato de
mover algo para perto de si.
45
atração cristológica: “E, quando eu for elevado da terra atrairei todos a mim” (Jo
12,32). Segundo Santos (1994, p.175) em Jo 21,11, é Pedro que assume a tarefa de
atração cristológica. Isto prepara o conferimento do primado a Pedro em relação à
comunidade eclesial (Jo 21, 15-19)”. Em Jo 21, 7 Pedro vestiu a roupa num gesto de
reverencia a Jesus que pode significar a dignidade do oficio de Pontífice36, pois
Pedro faz a ponte sobre o mar, pois ele se coloca entre os apóstolos da barca e o
Ressuscitado à beira da praia. Esse gesto de Pedro fortifica 37 os outros discípulos na
barca.
Segundo Niccaci e Battaglia (1981, p.267) a quantidade de peixes desde a
antiguidade foi motivo de árduos debates, mas o importante consiste no relato e seu
sentido eclesiológico:
A “barca” de Pedro (da qual Jesus ensina, segundo Lc 5,3) e a “rede” que
não se rompeu (é empregado o mesmo termo que para a túnica de Jesus,
imagem da unidade dos que creem: Jo 19,24) são evidentes símbolos da
Igreja e da pregação apostólica no mundo. O fato de que seja Pedro quem
arrasta a “rede” para terra significa que a ele está confiada a chefia da
Igreja, como será especificado nos versículos 15-17. É neste contexto, pois,
que se deve procurar o significado do número de peixes. A expressão então
evocaria a parábola sinótica: “O reino dos céus é também semelhante a
uma rede de arrastão, que recolhe peixes de toda a espécie” (Mt 13,47); e o
sentido seria que homens de todas as raças são chamados a fazer parte da
Igreja, e de fato nela entram graças à pregação dos apóstolos.
36
Palavra de origem latina que corresponde a “construtor de ponte” (pons + facere).
37
Num escrito de São Leão Magno que foi Papa de 440 d.C a 461d.C. ao sublinhar que solicitude do
Príncipe dos Apóstolos se estende especialmente aos seus sucessores disse: “em Pedro robustece-
se a fortaleza de todos e de tal modo se ordena o auxílio da graça divina, que a firmeza que se
confere a Pedro por Cristo se dá aos demais apóstolos por Pedro. Por isso, depois da ressurreição, o
Senhor, para manifestar a tripla confissão do eterno amor, depois de ter dado ao bem-aventurado
apóstolo Pedro as chaves do reino, como demonstração cheia de mistério, diz três vezes: apascenta
as minhas ovelhas. Sem dúvida que faz isto agora e o piedoso pastor manda que se realize o
mandato do Senhor, confirmando-nos com exortações e rogando sem cessar por nós, para que não
sejamos vencidos por nenhuma tentação. Este cuidado realiza-se com a sua piedade para com todo
o povo de Deus, e em todo o lugar, como se há-de crer, quanto mais se dignará conceder a Sua ajuda
a nós, que imediatamente fomos instruídos por ele, que estamos junto ao sagrado leito do seu sono,
onde descansa a própria carne que presidiu?” (São Leão Magno, Homilia na festa de São Pedro
Apóstolo).
46
papal’ em sinal de paz após o edito de Milão (Tríplice Coroa ou Triregnum: composta
por três coras. Uma coroa foi adicionada pelo Papa Pascoal II, em 1118, a outra
coroa foi adicionada pelo Papa Bonifácio VIII, em 1298, e a última foi adicionada
pelo Papa João XXII, em 1318 passando a ser chamada de Triregnum). Outros
papas foram presenteados com a coroa papal: Clóvis I ofertou uma ao Papa
Símaco, Bento XVI ganhou uma Triregnum em 25 de maio de 2011 de católicos
alemães produzida na Bulgária, o Papa Francisco foi presenteado em 16 de maio de
2016 pelo presidente do Parlamento da Macedônia Trajko Veljanovski com um
Triregnum produzido pelas freiras do Convento de São Jorge de Rajcica. Os
significados das coras podem ser: Pais de reis, governador do mundo e vigário de
Cristo; Igreja Padecente, Militante e Triunfante; Pastor Universal da Igreja,
Competência Eclesiástica Universal e Poder Temporal; Cristo Sacerdote, Profeta e
Rei; segundo o bispo Cordero Lanza Montezemolo: “ordem, jurisdição e magistério”;
o tríplice múnus de “reger, ensinar e santificar”; e segundo João Paulo II: “Professor,
Legislador e Juiz”. Atualmente as tiaras caíram em desuso desde Paulo VI, mas são
usadas todos os anos nos dias de 22 de fevereiro (festa da cátedra de São Pedro)
até 29 de junho (festa dos Apóstolos Pedro e Paulo) na cabeça da estátua de bronze
de São Pedro, na Basílica de São Pedro.
Segundo Dodd (1977, p.569) existe uma “ênfase no αγάπη como laço entre
Jesus e os discípulos, e a ideia de rebanho, fazem lembrar outras passagens [...] No
mais, pode ser que tenham razão os críticos que supõem que no fundo há algum
ajustamento das pretensões de Roma (quanto a Pedro) e de Éfeso (quanto ao
Discípulo Amado)”.
Em Jo 21,15 com a pergunta “Simão, filho de João, tu me amas mais do que
a estes40?” Jesus aborda um amor41 exclusivo em relação aos demais presentes na
cena como aparece na utilização do pronome demonstrativo, no caso genitivo, de
gênero neutro, no plural πλέον τούτων (“mais do que estes”).
No texto original em Jo 21,15 Jesus indaga Simão Pedro: “Σίμων, 'lωάννου,
ἀγαπᾷς με πλέον τούτων;” utilizando-se do verbo ἀγαπᾷς με (Άyαπάω) no modo
indicativo, no tempo presente, na segunda pessoa do singular que sugere amar a
partir de uma escolha deliberada, mostrando assim que o amor nunca foi um
sentimento, mas uma decisão nascida da razão e da vontade humana 42. Segundo
Richards (2008, p.88) Agape significa que “Deus escolheu amar-nos, mesmo que
nós, pecadores, sejamos hostis a Deus e à divindade”.
Pedro respondeu dessa forma em Jo 21,15: “Ναί, Κύριε, σὺ οἶδας ὅτι φιλῶ
σε” utilizando-se do verbo φιλῶ σε (Φιλεῶ) no modo indicativo, no tempo presente,
na primeira pessoa do singular dando como resposta uma forma inferior de amor,
que corresponde a “gostar de” ou simplesmente, amizade. Lembrando que Άyαπάω
sempre esteve ligado ao amor incondicional que tem como figura central Deus.
Jesus exige de Pedro uma correspondência de amor incondicional, mas Pedro
respondendo com Φιλεῶ apresenta um amor inferior ao requerido pelo Supremo
39
At 20,28; 1 Pd 5,1-5; Mt 18,12-14.
40
“Mais do que a estes”, pois Cristo não deseja confiar Seus pequeninos a alguém que não o ama.
Pedro precisava amar para assumir seu ofício pastoral.
41
O amor requerido por Jesus a Pedro possui três níveis: primeiro ligado ao nível de amor
incondicional, segundo ligado ao nível de amor/afeição como que entre amigos e, por terceiro lugar,
ligado ao nível das coisas materiais que simbolizam a vida antiga de Pedro. Mais importante do que o
amor aos homens está o amor a Cristo.
42
“A liberdade, portanto, é essencial à vocação, uma liberdade que na resposta positiva se qualifica
como adesão pessoal e profunda, como doação de amor, ou melhor, de reentrega ao Doador que é
Deus que chama, como oblação. “O chamamento – dizia Paulo VI – avalia-se pela resposta. Não
pode haver vocação que não sejam livres; e se elas não forem realmente oferta espontânea de si
mesmo, conscientes, generosas, totais [...] A liberdade é colocada na sua base suprema: exatamente
a da oblação, da generosidade, do sacrifício” (JOÃO PAULO II, 1992, p.45).
49
Pastor. Segundo Richards (2008, p.88) a melhor resposta sobre o motivo de Pedro
usar Φιλεῶ é a de que “aprendeu como até mesmo seus melhores instintos são
fracos e indignos de confiança”.
Segundo Leloup (1998) na concepção grega clássica poderia existir ao
menos doze níveis de amor. No entanto, entre as concepções foram abordados os
termos que aparecem na perícope de Jo 21,15-19 são Ágape e Philia.
Diferentemente de antes, Pedro enxergou melhor a verdadeira situação, pois
ao responder com Φιλεῶ ele queria dizer:
Senhor, Tu sabes o quanto é profunda minha afeição por Ti, mas Senhor,
sou incapaz de te amar como Tu me amas. Senhor, segure-me em tuas
mãos para sempre. Pois agora sei que não sou suficientemente forte para
permanecer unido a ti (Richards, 2008, p. 88).
Para Niccaci e Battaglia (1981, p.269) “Pedro deve continuar para com os
crentes o ofício de pastor exercitado pelo Cristo durante o seu ministério: à
semelhança do Mestre, ele deverá “dar a vida pelas ovelhas (Jo 10,11-18)”.
O relato presente no texto de Jo 21,15 representa as esperanças no
presente (verbo apascentar-apascenta) de reunir visivelmente pelo Primado de
Pedro, que representa os Cristãos Apostólicos, todas as comunidades sob os
cuidados de um único pastor. Na redação do texto tem-se a intenção de amenizar a
dolorosa anexação da Comunidade Joanina à Comunidade Petrina da Grande
Igreja. Para Brown (1984, p.94) em Jo 13, 34 Jesus expressa na última ceia “tenho
outras ovelhas que não são deste aprisco: devo conduzi-las também, e ouvirão a
minha voz e haverá um só rebanho e um só pastor”, e em Jo 17, 20s “a fim de que
todos sejam um” foi colocado na boca de Jesus um desejo de unidade que reflete,
na realidade a relação dos cristãos apostólicos e joaninos.
Para Hughes (2018) é importante notar que somente depois de ter afirmado
três vezes que amava Jesus, sendo o amor elemento primordial da unidade, a
comunidade do Discípulo Amado aceita a função apostólica de Pedro, pois insiste
que, antes de ser apóstolo é mais fundamental ser discípulo, ou seja, amar Jesus
Cristo.
Em Jo 21,16 novamente a indagação de Jesus se repete com as mesmas
características de Jo 21,15, no entanto, Jesus muda a expressão βόσκε τὰ ἀρνία
μου pela expressão ποίμαινε τὰ πρόβατά μου. Deste modo, o substantivo ἀρνία
(“cordeiros”) foi substituído pelo substantivo πρόβατά (“ovelha”) com a utilização do
mesmo pronome possessivo μου. Em Jo 21,16 muda o verbo βόσκων que significa
‘alimentar’ por outro verbo ποίμαινε (“apascentar”).
Existe uma diferença no Primado de Pedro e para com o Primado de Maria
Madalena. O verbo ποίμαινε que aparece em Jo 21, 16 dá origem à palavra pastor,
ou seja, o Primado de Pedro é pastoral.
Em Jo 20, 18 aparece o verbo ἀγγέλλουσα, sendo que esse verbo é a
junção de duas palavras: ἀπω + ἀγγέλλω. O prefixo ἀπω significa de, para longe,
para fora, enviar. O sufixo ἀγγέλλω pode ser traduzido por mensageiro, anjo.
Durante o Helenismo esse termo ἀπαγγέλλω era usado como dar ordens, trazer
51
notícias, relatar. No Antigo Testamento, na versão dos LXX, o termo ἀπαγγέλλω era
usado tanto no sentido religioso quanto secular, significa contar, ser informado,
relatar, informar e dar um aviso. No Novo Testamento ἀπαγγέλλω se repete por 45
vezes. Em Mt 11, 4 possui o sentido em itálico: “Jesus disse-lhes em resposta: “Vão
e contem a João o que vocês ouvem e veem”. O Primado de Madalena é exercido
como o de testemunha, que é segundo Richards (2008, p.88) enviada para anunciar
o que viu e ouviu: ela é apóstola. Em 1Cor 9, 1 Paulo de Tarso legitima a sua função
de apóstolo como os demais dos Doze com a seguinte afirmativa οὐχὶ ἰησοῦν τὸν
κύριον ἡμῶν ἑόρακα; (“não vi Jesus Senhor nosso?”). Aqui novamente aparece o
verbo ἑόρακα que aparece em Jo 20, 18 uma declinação do verbo ὁράω. Pode-se
afirmar, assim como Paulo de Tarso, a experiência do Ressuscitado confere a Maria
Madalena o título de Apostolorum Apostola, ou seja, ela é apóstola como os demais
homens.
O jogo de frases poder designar βόσκε τὰ ἀρνία μου (“alimenta meus
cordeiros”) o martírio de Pedro, pois ἀρνία (“cordeiro”) é símbolo da vítima pascal
levada ao matadouro, pois assim como Jesus segundo Santos (1994, p.121) “o
sangue, símbolo da vida dada por Jesus, significa reconhecer que sua morte
representou o cumprimento de desígnio amoroso totalmente gratuito do Pai: Ele
amou de tal modo o mundo que deu o que havia de mais precioso (Jo 3, 16)”. Pedro
também foi convidado a assumir com firme decisão o desígnio amoroso totalmente
gratuito de Deus por amor à Igreja Universal.
Em Jo 21,17 Jesus naquelas indagações sobre o amor muda o verbo
Άyαπάω pelo verbo Φιλεῶ. A diferença nos verbos demonstra o intuito de dizer,
simplesmente, “gosta de mim?”. Segundo Davidson (1997, p.2007) pelo motivo
dessa pergunta Pedro se entristece, não pela quantidade de perguntas em que
autores dizem fazer referência a negação, mas que “a diferença nos verbos mostra
que o Senhor exigiu menos de Pedro a segunda vez. Note-se também a crescente
humildade de Pedro”. A resposta de Pedro foi: “Senhor, tu sabes tudo; tu sabes que
te amo” (Jo 21,17).
No final de Jo 21, 17 o texto novamente substitui os verbos. Em Jo 21, 15
aparece βόσκε τὰ ἀρνία μου (o verbo βόσκων significa “alimentar”), em Jo 21, 16
aparece ποίμαινε τὰ πρόβατά μου (o verbo ποίμαινε significa “apascentar” e, em Jo
21, 17 aparece βόσκε τὰ πρόβατά μου (o verbo βόσκων significa “alimentar”). Já o
substantivo πρόβατά aparece por duas vezes dando ênfase a Igreja como rebanho
52
43
A palavra glorificar também se usou em relação à morte de Jesus (Jo 12,23).
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mim, negue-se a si mesmo, carregue a sua cruz e me siga”. O uso dessa expressão
corresponde a um movimento físico como está implícito em Jo 13, 36.
Segundo Reid (2012, p.1113) Jesus convocou Pedro a segui-lo de uma
maneira constante e fiel, com uma permanência imperturbável igualmente a Jesus
que permaneceu à vista de todos na cruz, sendo que o mesmo fim aguarda a Pedro.
Assim o seguir possui dois sentidos: os deveres pastorais dos quais Pedro deveria
se encarregar (21,15ss) e sua morte como um ato de discipulado levado ao extremo
em que Pedro segue Jesus até mesmo no ato de martírio por meio da crucifixão.
Por isso a resposta de Pedro a Jesus foi a de uma pessoa:
Consciente y libre desde ló más íntimo del corazón del discípulo, una
adhesión de toda su persona al saber que Cristo lo llama por su nombre (Jn
10, 3). Es un “sí” que compromete radicalmente la libertad del discípulo a
entregarse a Jesucristo, Camino, Verdad y Vida (Jn 14, 6). Es una
respuesta de amor a quien lo amó primero “hasta el extremo” (Jn 13, 1). En
este amor de Jesús madura la respuesta del discípulo: “Te seguiré
adondequiera que vayas” (Lc 9, 57) (CELAM, 2007, n.136, p.100).
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Deste modo, o Primado é um ministério exercido em chave colegial.