Os Desafios Da Química Medicinal Na Produção de Pró-Fármacos

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ISSN 1678-0817 Qualis B2

OS DESAFIOS DA QUÍMICA MEDICINAL


NA PRODUÇÃO DE PRÓ-FÁRMACOS
PARA O TRATAMENTO DO CÂNCER
Ciências da Saúde, Edição 127 OUT/23 SUMÁRIO / 31/10/2023

THE CHALLENGES OF MEDICINAL CHEMISTRY IN THE PRODUCTION OF


PRO-DRUGS FOR THE TREATMENT OF CANCER

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10062358

Cristiane Alves de Siqueira1,


Erika Guerreiro Costa1,
Bruna de Oliveira1,
Dra. Rosa Silva Lima2

Resumo

Introdução: A química medicinal combina química, biologia e medicina


para criar medicamentos seguros e eficazes. A latenciação e o
bioisosterismo são estratégias para tratar o câncer. Tratamentos comuns
incluem radioterapia, quimioterapia e cirurgia. Objetivos: Realizar um
estudo de levantamento bibliográfico sobre os desafios, eficácia e
interação dos pró-fármacos no tratamento de neoplasias malignas.
Materiais e métodos: Levantamento de dados em manuscritos sobre
química medicinal, modificação molecular e câncer entre 2007 e 2023.
Revisão bibliográfica com critérios de inclusão e exclusão. Resultados e
discussão: Fármacos extraídos de plantas e pró-fármacos são usados no
tratamento do câncer, visando alvos específicos nas células cancerígenas.
Exemplos incluem vinorelbina, vindesina, vinflunina, taxol, docetaxel,
cabazitaxel, camptotecina, irinotecano e capecitabina. A química
medicinal busca superar desafios e aproveitar oportunidades no
desenvolvimento de pró-fármacos para o tratamento do câncer. Avanços
recentes melhoram a eficácia e reduzem reações adversas, mas desafios
como identificação de alvos terapêuticos e resistência a medicamentos
persistem. Abordagem personalizada é necessária.Considerações finais:
A química medicinal desempenha um papel crucial na busca por novos
tratamentos contra o câncer. A produção de pró-fármacos é uma
estratégia promissora para superar desafios relacionados à eficácia e
toxicidade dos medicamentos. Com pesquisa contínua e colaborações
interdisciplinares, é possível desenvolver terapias mais eficazes e seguras,
oferecendo esperança e melhores resultados para os pacientes com
câncer.

Palavras chaves: Câncer, pró-fármacos, latenciação, bioisosterismo.

Abstract

Introduction: Medicinal chemistry combines chemistry, biology, and


medicine to create safe and effective drugs. Prodrug design and
bioisosterism are strategies for cancer treatment. Common treatments
include radiotherapy, chemotherapy, and surgery. Objectives: To conduct
a literature review on the challenges, efficacy, and interaction of prodrugs
in the treatment of malignant neoplasms. Materials and Methods: Data
collection from manuscripts on medicinal chemistry, molecular
modification, and cancer between 2007 and 2023. Literature review with
inclusion and exclusion criteria. Results and Discussion: Drugs extracted
from plants and prodrugs are usedin cancer treatment, targeting specific
cellular components in cancer cells. Examples include vinorelbine,
vindesine, vinflunine, taxol, docetaxel, cabazitaxel, camptothecin,
irinotecan, and capecitabine. Medicinal chemistry aims to overcome
challenges and capitalize on opportunities in prodrug development for
cancer treatment. Recent advancements improve efficacy and reduce
adverse reactions, but challenges such as identifying therapeutic targets
and drug resistance persist. A personalized approach is necessary.
Conclusion: Medicinal chemistry plays a crucial role in the search for new
cancer treatments. Prodrug production is a promising strategy to
overcome challenges related to drug efficacy and toxicity. With
continuous research and interdisciplinary collaborations, it is possible to
develop more effective and safer therapies, offering hope and better
outcomes for cancer patients.

Keywords: Cancer, prodrugs, prodrug design, bioisosterism.

Introdução

A química medicinal é um ramo da química que inclui biologia, medicina


e ciências farmacêutica. Destina-se à criação, inovação, descoberta e
síntese de compostos com atividade farmacológica, e compreensão de
seu mecanismo de ação no nível molecular (LIMA et al., 2007).

A descoberta de novos medicamentos é uma tarefa complexa atribuída à


área de Química Farmacêutica e Medicinal. Isso se deve à variedade de
fatores envolvidos no planejamento molecular de novas estruturas, que
devem ser capazes de fornecer os efeitos farmacológicos desejados, ao
mesmo tempo em que são seguros para uso terapêutico. Até hoje, ainda
existem vários medicamentos, incluindo alguns muito potentes, que
apresentam características físico-químicas, sensoriais, farmacocinéticas,
farmacológicas e toxicológicas que dificultam sua aplicação clínica
(SERAFIM et al., 2011).

Uma maneira de aprimorar as propriedades físico-químicas de um


medicamento é por meio da introdução de grupos funcionais polares em
pequenas moléculas orgânicas, que são reversíveis biologicamente. Dessa
forma, é possível mascarar essas características temporariamente sem
alterar de forma permanente as propriedades da molécula. Essa
estratégia tem sido bem-sucedida, utilizando-se grupos funcionais como
álcoois que são convertidos em ésteres, os quais podem ser facilmente
transformados in vivo por reações químicas ou enzimáticas (SERAFIM et
al., 2011).

Essa abordagem, conhecida como latenciação de fármacos, tem como


objetivo solucionar os problemas mencionados anteriormente e explorar
novos compostos terapêuticos. Ela é amplamente aplicada em estudos de
fármacos antineoplásicos, visando melhorar as taxas de absorção, retardar
o metabolismo, otimizar a seletividade em relação ao local de ação e
reduzir a toxicidade causada pelo fármaco (BARREIRO, 2008).

Outra técnica utilizada na química medicinal para projetar moléculas com


propriedades similares a uma substância-alvo é o bioisosterismo. Essa
estratégia consiste em substituir um grupo ou átomo em um composto
por outro que apresente características estruturais e/ou elétricas
semelhantes, mas que possam aumentar a atividade, seletividade ou
propriedades farmacológicas do composto original (NANDI et al., 2017).

O câncer é uma condição complexa, sendo uma doença de múltiplos


fatores que se caracteriza pela proliferação desorganizada e
descontrolada das células. Essa proliferação ocorre devido a mutações
causadas por agentes químicos, físicos ou biológicos (GUEMBAROVSKI et
al., 2008). De acordo com esse mesmo autor, esses agentes podem incluir
substâncias químicas carcinogênicas presentes na fumaça do cigarro e
em contaminantes da dieta, como a aflatoxina B1, bem como fatores
físicos, como radiação UV, raios X e raios gama, entre outros. Patogênicas,
incluindo o Helicobacter pylori, o vírus do papiloma humano (HPV) e os
vírus das hepatites B e C (HBV/HCV), pode ter uma influência significativa
no surgimento do câncer.

Diferentes processos fisiológicos podem levar a alterações genéticas, tais


como a desativação de genes supressores de tumores, a ativação de
oncogenes e a desativação de genes responsáveis pela apoptose. Dessa
forma, o câncer representa um desafio significativo para a medicina, não
apenas devido à sua complexidade no desenvolvimento, mas também
devido à dificuldade em encontrar tratamentos eficazes em todos os
casos (GUEMBAROVSKI et al., 2008).

De acordo com as projeções do Instituto Nacional de Câncer, estima-se


que o número de casos de câncer no Brasil chegue a 704 mil por ano até
2025. No país, são relatados 21 tipos de câncer, dois a mais do que os
relatos anteriores. Os tipos mais comuns são o câncer de pele não
melanoma, o câncer de mama feminino, o câncer de próstata, o câncer de
colorretal, o câncer de pulmão e o câncer de estômago.

O câncer de próstata é a forma de câncer mais comum entre os homens.


O câncer de cólon e reto é o segundo mais comum, enquanto o câncer de
estômago ocupa a terceira posição em regiões menos desenvolvidas. De
acordo com o (INCA, 2022), é estimado que até 2025 haverá cerca de 74
mil novos casos de câncer de mama, tornando-o o tipo mais comum
entre as mulheres. Esses dados revelam a importância da conscientização
sobre a prevenção e o diagnóstico precoce do câncer, bem como a
necessidade de investimentos em saúde para combater essa doença que
afeta milhares de brasileiros anualmente (INCA, 2022).

De acordo com (ONCO HEMATOS, 2013) a medicina utiliza principalmente


dois mecanismos no tratamento de tumores malignos: a radioterapia e a
quimioterapia, podendo ser associadas ou não a cirurgias. A escolha do
melhor tratamento para cada paciente depende das características do
tumor, como sua localização, tamanho e presença de metástases. A
radioterapia tem como objetivo eliminar as células cancerígenas por meio
da radiação, enquanto a quimioterapia envolve o uso de medicamentos
para eliminar as células malignas ou impedir sua multiplicação e
crescimento. Vale ressaltar que a quimioterapia não está restrita a uma
área específica do corpo. Já a cirurgia é um procedimento pontual com o
objetivo de remover o tumor (FREIRE et al., 2014).
Este trabalho de revisão bibliográfica teve como objetivo identificar os
desafios mais comuns enfrentados pelos pesquisadores na área da
química medicinal no desenvolvimento de pró-fármacos para o
tratamento do câncer. Dentre esses desafios, destacam-se a seleção
adequada dos pró-fármacos, a otimização das vias de administração, a
formulação correta para a liberação controlada do composto ativo, a
escolha de grupos funcionais apropriados e a consideração das
propriedades físico-químicas e farmacocinéticas dos pró-fármacos.

Por meio desta revisão bibliográfica, buscou-se obter uma visão


abrangente dos desafios enfrentados na produção de pró-fármacos para o
tratamento do câncer e os subsídios para o avanço científico nessa área,
que está promovendo a descoberta de novas estratégias e abordagens
terapêuticas.

Materiais e Métodos

Foram coletados dados através de pesquisa de revisão bibliográfica em 29


manuscritos divulgados entre 2007 e 2023 em língua portuguesa ou
inglesa, encontrados em bases de dados como Scientific Electronic
Library Online (SCIELO) Instituto Nacional do Câncer (INCA), Us National
Library of Medicine (PubMed), e Google Acadêmico. As palavras-chaves
utilizadas nas pesquisas foram: Química medicinal, modificação
molecular, extratos naturais bioisosterismo, antineoplásico, Câncer e
Neoplasias.

Caracterização do Estudo: O presente estudo caracteriza-se como


estudo de revisão de literatura bibliográfica, pois empregou-se como fonte
de coleta de dados a busca por informações coletadas em bancos de
dados como PubMed, Scielo, e Google Scholar. No período de 2007 a 2023.

Critérios de Inclusão: Utilizamos critérios de inclusão baseados em


materiais bibliográficos que possuíam resumos e títulos relacionados ao
tema. Após a pesquisa, foram selecionados 29 manuscritos que
forneceram informações relevantes para a elaboração do presente estudo.
Critérios de exclusão: Foram excluídos artigos, teses e dissertações que
possuíam estudos metodológicos divergentes em relação ao tema
proposto.

Resultados e Discussão

Após a realização da pesquisa exploratória com 29 manuscritos foi viável


relacionar os principais fármacos e pró-fármacos produzidos a partir de
compostos naturais extraídos e empregados no combate ao câncer. Além
disso, verificou-se que os principais alvos de atuação dessas substâncias
são as estruturas microtubulares, as proteínas tubulinas e o mecanismo
de controle do ciclo celular.

A descoberta de novos agentes antitumorais derivados de plantas tem


inpulsionado as pesquisas. Um exemplo altamente relevante é o emprego
da Vinca, também conhecida como Catharanthus roseus (L.) G. Don, que é
amplamente utilizada pela população de Madagascar para tratar
diabetes. O isolamento dos compostos vimblastina e vincristina tem sido
de extrema utilidade no tratamento de várias condições, como linfoma de
Hodgkin, sarcoma de Kaposi, câncer testicular e ovariano, assim como
leucemia linfoblástica aguda em crianças. A principal adversidade
associada aos alcaloides da Vinca é a neurotoxicidade, sendo este o
principal efeito colateral (BRANDÃO et al., 2010).

Segundo (VALENTE et al., 2022) o objetivo de aprimorar a eficácia dos


compostos derivados de C. roseus, métodos biotecnológicos relacionados
ao metabolismo secundário têm sido empregados para criar novas
moléculas com maior atividade farmacêutica e menor ocorrência de
efeitos adversios.

A vinorelbina ou nor-5′-anidrovimblastina (figura 1) , provinda


semisinteticamente da vinca, tem extensa atividade anticancerígena e é
utilizada no tratamento do câncer de pulmão e câncer de mama.
Vinorelbina apresenta maior efetividade e menor neurotoxidade ( ZHANG
et al., 2008).
Figura 1: Estrutura química da vinorelbina

A vindesina (figura 2) também conhecida como sulfato de 4-


desacetilvimblastinamida, um resultante semissintético da vimblastina. É
aplicado para o tratamento de distúrbios hematológicos, câncer de
mama, melanoma, câncer de pulmão e outros cânceres resistentes à
vincristina. Isso inibe a mitose de maneira dependente da dose e torna-se
reversível quando a mesma substância é removida do corpo (CHADEANI
et al., 2009).

Figura 2: Estrutura química da vindesina

O antineoplásico semissintético vinflunina (figura 3) é o primeiro a ser


desenvolvido a partir do semissintético vinorelbina. É um resultado
alcançado por meio de modificações moleculares nos alcaloides da Vinca.
Dois átomos flúor foram adicionados ao composto permitindo que o
espectro de atividade da vinflunina em relação a outros alcaloides fosse
ampliado. De acordo com (BENNOUNA et al., 2008) efeitos tóxicos da
vinflunina são atribuídos a ligação da molécula a um sítio específico de
ligação na tubulina o que perturba a dinâmica dos microtúbulos e
impede a formação de um fuso durante a mitose. Vinflunina impede a
expansão e crescimento de microtúbulos. Como resultado a transição da
metáfase para a anáfase e bloqueada, resultando na morte celular por
apoptose (VALENTE et al., 2022).

Figura 3: Estrutura química da vinflunina

O desenvolvimento do taxol (figura 4) enfrentou desafios significativos.


Inicialmente, houve preocupações ambientais devido à baixa quantidade
de taxol presente na casca de T. brevifolia (0,01-0,03%), o que exigiria o
abate de muitas plantas. Além disso, a solubilidade em água do taxol era
extremamente baixa, o que dificultava a formulação adequada do
medicamento. Essas questões, combinadas com a alta demanda pelo
taxol, levaram ao desenvolvimento de processos para obter o taxol a partir
de fontes mais sustentáveis. Isso foi necessário para garantir a
disponibilidade contínua do medicamento e minimizar o impacto
ambiental (MIELE et al., 2009).

Figura 4: Estrutura química do taxol


De acordo com (WEAVER, 2014), o objetivo de garantir um suprimento
mais consistente do taxol, foi desenvolvido um processo semi-sintético
para a sua obtenção utilizando um precursor, o 10-desacetilbacatina III
(10-DABIII). Esse precursor possui a estrutura básica e as funcionalidades
essenciais do paclitaxel e é obtido a partir do isolamento das agulhas das
espécies T. baccata (teixo europeu) e T. yunnanensis (teixo do Himalaia). O
paclitaxel é então sintetizado em poucas etapas, envolvendo a acetilação
da posição 10 da 10-DABIII e a introdução da cadeia lateral na posição C-13.
Esse processo semi-sintético permite obter o taxol de forma mais
eficiente, superando as limitações associadas ao abate de plantas e à
baixa solubilidade em água, garantindo assim um fornecimento mais
estável e sustentável do medicamento (MIELE et al., 2009).

Segundo (YARED et al., 2011) o docetaxel foi desenvolvido como o primeiro


análogo do paclitaxel para superar os desafios iniciais enfrentados na
obtenção desse composto. É um análogo semi-sintético do paclitaxel
produzido a partir das agulhas do teixo europeu, Taxus baccata. O
docetaxel apresenta diferenças estruturais em duas posições em relação
ao paclitaxel, o que o torna ligeiramente mais solúvel em água. No
entanto, mesmo com essas modificações, o docetaxel ainda enfrenta
alguns problemas clínicos, como baixa hidrossolubilidade e graves efeitos
tóxicos, como mielosupressão e neuropatia sensorial periférica, que
limitam a dose administrada.

O cabazitaxel é um derivado do docetaxel (figura 5) que foi sintetizado


com o objetivo de apresentar benefícios clínicos e farmacocinéticos
superiores. Essas vantagens incluem uma menor afinidade pela proteína
P-gp, que está associada à resistência dos tumores aos taxanos, tanto de
forma intrínseca quanto adquirida. Além disso, o cabazitaxel demonstrou
atividade promissora em estudos pré-clínicos in vitro e em modelos
animais com expressão dessa proteína, mostrando eficácia contra
tumores refratários e resistentes (YARED et al., 2011).

Figura 5: Estruturas química do docetaxel e cabazitaxel.

A camptotecina, alcaloide derivado da planta Camptotheca acuminata


(Descaisne, Nyssaceae), é um agente com propriedade antitumoral no
qual inibe a topoisomerase I, enzima presente em tumores. No entanto,
devido à sua baixa solubilidade aquosa, alta instabilidade físico-química e
alta toxicidade, o uso dessa droga na medicina foi restrito por muitos anos
(MARQUES et al., 2015).

Os primeiros ensaios clínicos com a camptotecina foram realizados com


sua solução salina, pois a baixa solubilidade da droga limitava seu uso por
via intravenosa. Apesar de ter sido observada atividade antitumoral em
pacientes com o câncer gastrointestinal, a detecção de toxicidade
medular e outras não hematológicas foi considerada muito grave para
prosseguir com outros testes. Estudos posteriores revelaram que a
manutenção do anel lactônico da camptotecina era crítica para a
atividade antitumoral. Porém, a porção lactônica da molécula é sujeita à
hidrolise despretensiosa, resultando na forma carboxilada.

De acordo com (GRANADA et al., 2007) falta de efetividade da


camptotecina é atribuída à abertura do anel lactônico por três razões.
Inicialmente, a estrutura carboxilada tem uma associação reduzida com a
membrana em aproximadamente duas vezes. A abertura do anel causa
mudanças estruturais no fármaco, limitando sua atividade na via
bicamada lipídica das células. Por fim, experimentos em cultura celular
revelaram que uma abertura resulta na diminuição da atividade da droga
contra a Topoisomerase I. Essas condições contribuem para a redução da
atividade da citotóxica da camptotecina (DORA et al., 2006).

A camptotecina (figura 6) é um alcaloide natural muito pouco solúvel em


água, impossibilitando a preparação de soluções intravenosas. Por esta
razão, alguns análogos foram criados na tentativa de preservar as
propriedades essenciais da molécula para citotoxicidade e produzir
derivados solúveis em condições fisiológicas. Cada análogo CPT tem uma
estrutura semelhante. As mudanças ocorridas no C-7, C-9 e C-10 originou
derivados ativos deste fármaco incluindo irinotecano, topotecano, 9-
amino-CPT e 9-nitro- camptotecina (GRANADA et al., 2007).

Figura 6: Estruturas química da camptotecina


Segundo (GRANADA et al., 2007) o irinotecano (figura 7) derivado da
camptotecina é administrado por via intravenosa e é convertido em seu
sítio de ativação 7-etil-10-hidroxicamptotecina (SN-38), principalmente no
fígado. SN-38 é um bloqueador da enzima topoisomerase I, desempenha
um papel vital na replicação do DNA e na síntese do RNA. O SN-38
interage com a enzima topoisomerase I, formando uma estrutura
complexa com o DNA. Essa interação impede a reconexão das cadeias de
DNA que foram danificadas pela topoisomerase I, resultando na formação
de quebras no DNA. Essas quebras dificultam a replicação do DNA e a
síntese de RNA, levando à morte programada das células cancerígenas,
também conhecida como apoptose.

Figura 7: Estruturas química do irinotecano

O irinotecano demonstra uma atividade notável contra vários tipos de


câncer, como câncer de estômago, pulmão, pâncreas e colo do útero, bem
como tumores cerebrais de alto grau, linfomas e leucemia (MORAES et al.,
2011).

A capecitabina é um medicamento antineoplásico com propriedades


citotóxicas, recomendado para o tratamento de câncer de mama (em
monoterapia ou combinado com outros antineoplásicos), câncer de cólon
e reto, e câncer de estômago. Essa substância é um pró-fármaco da
fluropirimidina, que passa por uma conversão enzimática em 5-
fluorouracil (5-FU). Em nível celular, a capecitabina inibe a formação de
timidilato a partir do uracil, que é um precursor do trifosfato de timidina,
uma molécula essencial no processo de síntese do DNA. Além disso,
também interfere na síntese de RNA e proteínas celulares (NASCIMENTO
et al., 2023).
(ROCHA, 2010) Afirma que a capecitabina é convertida em 5-FU, ela passa
a desempenhar sua atividade citotóxica ao inibir a síntese de DNA, o
processamento do RNA e a produção de proteínas. Esse mecanismo
resulta em danos celulares e pode levar a efeitos adversos.

A descoberta de novos medicamentos envolve uma série de etapas,


desde a concepção teórica até os testes de segurança. Inicialmente, as
moléculas são projetadas com base no conhecimento prévio das
estruturas biológicas e suas ações. A triagem farmacológica busca avaliar
diversos aspectos, incluindo o mecanismo de ação e a seletividade da
molécula. Essa avaliação ocorre em diferentes níveis, desde o molecular
até o celular, para determinar seu perfil farmacológico. (OLIVEIRA, 2012).

Antes de prosseguir para experimentos clínicos, as moléculas passam por


testes rigorosos de segurança em ensaios não clínicos. Esses testes têm
como objetivo investigar os efeitos tóxicos nos órgãos-alvo, considerando
a relação entre dose, exposição e possibilidade de reversibilidade dos
danos observados. Essa análise criteriosa garante a segurança dos
medicamentos antes de serem testados em seres humanos (OLIVEIRA,
2012).

Foram empregados processos de biotecnologia para aprimorar a


utilização da planta Catharanthus roseus e desenvolver derivados
semissintéticos dos alcaloides ativos. Essas modificações moleculares
visaram aumentar a atividade terapêutica dos compostos e reduzir sua
toxicidade. Um exemplo é a vinorelbina, um derivado semissintético da
vimblastina, que possui um mecanismo de ação semelhante aos outros
alcaloides da Vinca. A vinorelbina passou por mudanças moleculares,
como a adição de um grupo metoxi na posição 4′ do anel B e a
substituição de um grupo hidroxila por um grupo acetila na posição 3′ do
anel B. Essas modificações bioisostérica conferem propriedades
estruturais e farmacológicas distintas em comparação com a
vimblastina. (WOLF et al., 2020).
A vinflunina passou por modificações moleculares utilizando a estratégia
do bioisosterismo, adicionando átomos de flúor à sua estrutura. Essas
modificações ampliaram o espectro de atividade da vinflunina e
melhoraram sua eficácia como agente antineoplásico. A nova estrutura
molecular da vinflunina aumentou sua afinidade com o sítio de ligação na
tubulina, perturbando os microtúbulos e bloqueando a formação do fuso
mitótico de forma mais eficiente. Além disso, as alterações visaram
aumentar a estabilidade e a biodisponibilidade do composto, permitindo
que ele alcance os tecidos-alvo de maneira adequada e exerça seu efeito
citotóxico com eficácia. Essas modificações resultaram em um aumento
da atividade citotóxica da vinflunina contra células cancerígenas, ao
mesmo tempo em que reduziram a toxicidade nos tecidos saudáveis,
minimizando os efeitos colaterais indesejados. (BRANDÃO et al., 2010;
VALENTE et al.,2022).

Segundo (VILLANUEVA et al., 2011) o cabazitaxel passou por duas


modificações estruturais, primeiro, o grupo acetoxi em C2′ do paclitaxel foi
substituído por um grupo tert-butoxicarbonila (t-Boc) no cabazitaxel. Essa
mudança tem o propósito de aumentar a estabilidade do composto, pois
o grupo t-Boc é menos suscetível à hidrólise e outras reações químicas
em comparação ao grupo acetoxi, isso pode aumentar a meia-vida e a
disponibilidade do cabazitaxel no organismo.

Além disso, o grupo benzamido em C3′ do paclitaxel é substituído por um


grupo 2′-cloro-2′-metil-propionamido no cabazitaxel. Essa alteração tem
como objetivo melhorar a solubilidade do composto, tornando-o mais fácil
de ser formulado e administrado. A introdução do grupo 2′-cloro-2′-metil-
propionamido também pode contribuir para a eficácia do cabazitaxel,
possivelmente influenciando sua interação com as proteínas-alvo ou
melhorando sua absorção e distribuição nos tecidos.

Essas modificações estruturais baseadas no bioisosterismo têm como


finalidade otimizar as propriedades farmacológicas do cabazitaxel,
permitindo que o composto apresente características superiores ou
diferentes em relação ao paclitaxel, como melhor estabilidade,
solubilidade e atividade, o que pode resultar em uma maior eficácia
terapêutica. (VILLANUEVA et al., 2011; OUDARD et al., 2017).

O irinotecano é um pro-fármaco utilizado no tratamento de diversos tipos


de câncer. Ele passa por uma conversão molecular para se tornar a forma
ativa conhecida como SN-38. Essa conversão é mediada pela enzima
carboxilesterase e ocorre nas células cancerígenas, onde o grupo
carbamato é modificado para o grupo lactona. O SN-38 atua como um
potente inibidor da enzima DNA topoisomerase I, contribuindo para
suprimir o crescimento das células tumorais.

Esse processo de conversão molecular, juntamente com a latenciação,


permite a administração segura e seletiva do fármaco, melhorando a
eficácia do tratamento e reduzindo os efeitos colaterais nos tecidos
saudáveis. Além disso, o irinotecano é transportado por um grupo de
transportadores chamados proteínas de resistência a múltiplas drogas (P-
gp), que estão localizadas nas membranas celulares e desempenham um
papel essencial no transporte ativo de substâncias, incluindo o
irinotecano, dentro e fora das células (COSTA, 2010).

A capecitabina, um pró-fármaco convertido em 5-FU, possui vantagens


significativas no tratamento do câncer. Sua conversão ocorre
principalmente nos tecidos tumorais, direcionando o composto para as
células cancerígenas e minimizando os efeitos em tecidos saudáveis.
Além disso, a administração oral facilita o tratamento, evitando a
capecitabina também tem uma meia-vida mais longa, permitindo uma
exposição prolongada às células tumorais. Sua toxicidade sistêmica é
reduzida em comparação ao 5-FU convencional, devido à conversão
gradual e seletiva nos tecidos tumorais. A conversão em 5-FU ativo dentro
das células tumorais resulta em eficácia terapêutica, inibindo a síntese de
componentes celulares essenciais e levando à morte das células
cancerígenas (NASCIMENTO et al., 2023).
Considerações finais

Em conclusão, os desafios da química medicinal na produção de pró-


fármacos para o tratamento do câncer são significativos, mas também
oferecem oportunidades promissoras para avanços terapêuticos. O câncer
continua a representar uma ameaça global à saúde, exigindo
constantemente o desenvolvimento de novas abordagens
medicamentosas. A compreensão dos mecanismos moleculares
envolvidos na progressão do câncer tem sido fundamental para identificar
alvos terapêuticos e projetar fármacos eficazes.

A utilização de extratos naturais como base para a produção de fármacos


ou pró fármacos oferece uma vantagem potencial, pois a legislação
permite sua exploração. No entanto, a obtenção do princípio ativo a partir
de folhas possui uma maior facilidade em comparação com a extração da
planta inteira do ambiente. Além disso, a modificação estrutural dos
precursores naturais ativos pode levar ao desenvolvimento de pró-
fármacos, que apresentam maior potencial de ação e menor toxicidade ao
organismo.

Os avanços recentes na química medicinal e na tecnologia de síntese


orgânica têm permitido a criação de pró-fármacos com características
desejáveis, como maior solubilidade, biodisponibilidade e seletividade.
Essas melhorias podem aumentar a eficácia dos tratamentos e reduzir os
efeitos indesejáveis relacionados aos medicamentos convencionais.

No entanto, é importante destacar que os desafios persistem. A


identificação de alvos terapêuticos específicos para diferentes tipos de
câncer, a superação da resistência aos medicamentos e a redução dos
efeitos colaterais ainda são questões a serem enfrentadas. Além disso, a
complexidade e a heterogeneidade do câncer requerem uma abordagem
personalizada no desenvolvimento de pró-fármacos, levando em
consideração as características individuais do paciente e do tumor.
Em suma, a química medicinal desempenha um papel fundamental na
busca por novos tratamentos contra o câncer. A produção de pró-
fármacos oferece uma estratégia promissora para superar os desafios
relacionados à eficácia e toxicidade dos medicamentos. Com pesquisas
contínuas e colaborações interdisciplinares, é possível avançar no
desenvolvimento de terapias mais eficazes e seguras, proporcionando
esperança e melhores resultados para os pacientes afetados por essa
doença devastadora.

Agradecimentos

Agradecemos à nossa orientadora, Dra. Rosa Silva Lima, cujo


comprometimento, conhecimento e paciência foram essenciais para o
desenvolvimento deste trabalho.

Referências

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¹Aluna do Curso de Farmácia


²Professora Doutora do Curso de Farmácia
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