O documento descreve a evolução da poesia épica em Roma, começando com a tradução da Odisseia por Lívio Andronico e as primeiras epopeias originais de Névio e Ênio. Aponta Virgílio como o maior épico latino, cuja obra-prima foi a Eneida, encomendada por Augusto para glorificar Roma.
O documento descreve a evolução da poesia épica em Roma, começando com a tradução da Odisseia por Lívio Andronico e as primeiras epopeias originais de Névio e Ênio. Aponta Virgílio como o maior épico latino, cuja obra-prima foi a Eneida, encomendada por Augusto para glorificar Roma.
O documento descreve a evolução da poesia épica em Roma, começando com a tradução da Odisseia por Lívio Andronico e as primeiras epopeias originais de Névio e Ênio. Aponta Virgílio como o maior épico latino, cuja obra-prima foi a Eneida, encomendada por Augusto para glorificar Roma.
O documento descreve a evolução da poesia épica em Roma, começando com a tradução da Odisseia por Lívio Andronico e as primeiras epopeias originais de Névio e Ênio. Aponta Virgílio como o maior épico latino, cuja obra-prima foi a Eneida, encomendada por Augusto para glorificar Roma.
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A P O E S IA É P I C A
Quando nos referimos à poesia épica somos levados, de
imediato, a pensar no gênero a que se filiam as narrativas em verso que têm por assunto fatos heroicos, vividos por perso nagens humanas excepcionais, manipuladas, de certa manei ra, pelo poder dos deuses. A tradição grega é responsável por essa conceituação. A épica, entretanto, está presente em quase todas as cultu ras. Raros são os povos que não têm suas histórias, que não cultuam seus heróis e não procuram preservar a lembrança dos fatos que viveram. O registro desses fatos só foi possível, até bem pouco tempo, pela palavra. Como, porém, a palavra oral se desgasta e se corrompe com freqüência, tornou-se ne cessário o encontro de formas que lhe garantissem a fixação. A escrita só apareceu tardiamente entre as civilizações; o meio encontrado para fixar a narrativa foi, então, o verso. Fechado em sua rigidez, memorizável com facilidade graças ao ritmo melódico de que se constitui e aos recursos mnemônicos de que se vale, o verso assegura sua própria permanência e sua quase total imutabilidade. A solução grega de encerrar a lem A POESIA LATINA | 7
brança dos fatos na cadência rítmica dos versos não é exclusi
vidade do povo helênico. São numerosas as civilizações que, antes mesmo de conhecerem a escrita, tiveram suas epopeias orais em versos. No caso particular de Roma, pouco se sabe sobre a exis tência de uma “épica natural”, produzida no próprio coração de sua cultura, sem ter sofrido influências externas. Na época primitiva, embora tenham existido numerosas formas poéti cas que se realizavam em cânticos, o conteúdo épico dessas ma nifestações pré-literárias é discutível. Supõe-se que nos cânti cos convivais (carmina conuiualia), entoados durante os ban quetes, fossem lembrados feitos gloriosos de Roma e velhas lendas históricas —o que teria preservado lembranças do pas sado, retomadas, mais tarde, pelos historiadores. São, entre tanto, apenas suposições. Catão - erudito romano que viveu entre os séculos III e II a.C. - fala da existência, na época pri mitiva, de cantos heroicos, cujo assunto girava em torno das realizações de Rômulo, dos feitos dos primeiros reis, da vida de Horácio, Coriolano e outras personalidades famosas. Tais informações, todavia, carecem de maior comprovação. Assim sendo, o primeiro texto épico, propriamente dito, a surgir em Roma, em latim, não é uma epopeia natural, ema nada das raízes culturais do povo. É a tradução da Odisseia, feita por um grego tarentino, Lívio Andronico (Liuius Andro nicus —285?-204? a.C.). Não se conhece a data exata em que se realizou tal traba lho, mas tudo indica que a tradução foi feita nas proximi dades do ano 240 a.C. Já nos referimos, anteriormente, à vitória de Roma sobre Tarento, em 272 a.C., e já lembramos o fato de ter sido essa cidade um dos muitos núcleos irradiadores da cultura helêni- 8 | A LITERATURA LATINA
ca. Entre os prisioneiros de guerra, levados então para Roma,
havia um adolescente cujo nome era Andronico. Tornando-se escravo da família Lívia, adotou o nome de seus senhores em combinação com o seu, como era habitual. Desde cedo Lívio Andronico se ocupou da educação de meninos, mas, na con dição de preceptor e mestre de primeiras letras, esbarrou em uma primeira dificuldade: a falta de textos adequados para o ensino. A educação grega, em sua primeira fase, exige o ma nuseio de textos literários. É por meio deles que se procede à alfabetização da criança e que se ministram a ela as primeiras noções de história, geografia, ética, mitologia e religião. A não existência de textos para esse fim levou Lívio Andronico a tra duzir a Odisseia. Em seu trabalho de tradução, ele se utilizou do grosseiro e primitivo verso satúrnio, tão diferente dos so noros versos gregos, e teve de lutar também, certamente, com a pobreza de um vocabulário não afeito ao tratamento literário. A tradução de Lívio Andronico, entretanto, por medíocre e rudimentar que fosse, ao lado de tornar o poeta conhecido da sociedade, colocou o romano em contato direto com um texto literário grego, embora traduzido, e propiciou o apare cimento de outros poemas épicos. E as epopeias latinas começaram a surgir. Névio (Naeuius —?-201 a.C.), contemporâneo de Lívio Andronico e natural da Campânia, onde nasceu em data ig norada, não tardou a seguir os passos do escravo de Tarento, escrevendo A guerra púnica (Poenicum bellum), o primeiro poema épico composto originalmente em latim. Utilizando- -se ainda do verso satúrnio e extraindo o assunto de fatos reais - a guerra travada entre romanos e cartagineses, de 264 a 241 a.C. - , Névio soube mesclar a história à mitologia, atribuindo A POESIA LATINA | 9
causas sobrenaturais aos acontecimentos. Pelos fragmentos
que restam de A guerra púnica - algumas dezenas de versos - podemos observar certa irregularidade no estilo do poeta: gran dioso nos trechos mitológicos, pobre e árido nos trechos his tóricos. Não se pode negar-lhe, contudo, o mérito de ter sido um inovador. Ênio (Quintus Ennius —239-169 a.C.) prossegue no cami nho iniciado por Névio e compõe alguns anos mais tarde o poema Anais (Annales), usando pela primeira vez o hexâmetro grego - verso apropriado para a poesia épica - e ampliando o vocabulário poético com a criação de neologismos construídos à moda helênica. O poema de Ênio era bastante extenso, com pondo-se de dezoito livros, nos quais o poeta procurou contar toda a história de Roma. Como Névio, Ênio deteve-se em considerações sobre a origem mitológica da cidade, reservan do os seis primeiros livros para explorar histórias lendárias, re ferentes à época dos reis. Nos demais, com a precisão - e a aridez, poderíamos acrescentar - de um pontifex que registra fatos até certo ponto corriqueiros, Ênio relatou, minuciosa mente, acontecimentos que marcaram, de alguma forma, a his tória romana. Pelos fragmentos do poema que chegaram até nossos dias - cerca de 600 versos - , pode-se verificar algumas das caracte rísticas do poeta: o gosto pelo epíteto (herança da epopeia ho mérica), o emprego de comparações, o cuidado com o colori do descritivo e a vivacidade de certas cenas. Depois de Ênio, a poesia épica romana só vai encontrar um grande momento cerca de cento e cinquenta anos mais tarde, com Virgílio, já nos dias de Augusto. A que se manifes tou na primeira metade do século I a.C. tem pouca significa ção: poemas mitológicos como Io (Ios), de Licínio Calvo, ou 10 | A LITERATURA LATINA
Argonáutica (Argonautica), de Varrão de Átax, e poemas histó
ricos como A guerra sequânica (Bellum Sequanicum), do mes mo autor, não chegaram a ter grande importância, nem sequer na época em que foram escritos.
A epopeia de V irg ílio
Virgílio (Publius Vergilius Maro - 70-19 a.C.) é o épico la
tino por excelência, o poeta nacional do Império. Era já bas tante conhecido nos meios artísticos e intelectuais de Roma quando, por solicitação de Augusto, se dispôs, em 29 a.C., a encetar a empresa gigantesca de escrever uma epopeia gran diosa que pudesse ombrear com os poemas homéricos. Além de alguns trabalhos poéticos escritos na juventude, Virgílio já havia composto, por essa época, as duas grandes obras que lhe asseguraram a fama de poeta de primeira linha: as Bucólicas, coletânea de poemas pastoris, e as Geórgicas, poema didático elaborado por solicitação de Mecenas. Conhecendo suas qualidades e sabedor de que o poeta se dispunha a operar como porta-voz da política imperial, Au gusto o incumbiu da nova missão. Durante dez anos - de 29 a 19 a.C. - , Virgílio trabalhou na composição de sua epopeia, a Eneida (Aeneis). Não chegou, todavia, a dar-lhe o último polimento. Diz a tradição que o poeta, percebendo a proximidade da morte e sabendo que não haveria tempo para dar ao poema a forma final, recomendou que o texto fosse destruído. Augus to, entretanto, não permitiu que o desejo do poeta fosse satis feito. De um lado, a Eneida já era conhecida do público: du rante o longo período de tempo em que se processou a com A POESIA LATINA | 11
posição, partes isoladas foram sendo divulgadas, lidas, prova
velmente, em sessões literárias particulares e públicas. De outro lado, não se justificava a destruição. Mesmo não estando ter minado definitivamente, não se pode dizer que seja um texto inconcluso. Faltam-lhe apenas os últimos retoques: substitui ção, talvez, de uma ou outra palavra, complementação de al guns versos incompletos. No mais, o poema está pronto, per feito. E apresenta a grandiosidade das obras-primas que se su perpõem ao tempo, resistindo-lhe às investidas e não se subor dinando aos caprichos ocasionais das modas literárias. Compondo-se de doze cantos, ou livros, num total de 9.826 versos, a Eneida é, a um tempo, um poema mitológico e uma ufanista homenagem ao Império que se formava. A lenda narrada no correr do texto - a história da acidentada viagem de Eneias, príncipe troiano salvo da guerra para fun dar a nova Troia, e das duras lutas que travou no Lácio - é um pretexto para a exaltação de Roma e de Augusto, para a valo rização do romano e de seus feitos remotos e recentes, para a síntese das correntes filosóficas então difundidas em Roma, numa demonstração da vasta erudição do poeta em todas as áreas do conhecimento. Baseando-se nas epopeias homéricas, mas utilizando-se de várias outras fontes - os trágicos gregos, a lírica alexandrina, a história e a epopéia latinas -, Virgílio compôs um texto em que se aliam a grandeza da poesia da Grécia clássica e a sofistica ção das formas literárias modernas, desenvolvidas no requinte do ambiente cultural de Alexandria. Assim se desenrola o assunto lendário nos doze cantos que compõem a obra:
Canto I - Atingidos por violenta tempestade provocada
por Juno, a deusa inimiga de Troia, os navios de Eneias e de 12 | A LITERATURA LATINA
seus companheiros são arremessados às praias do norte da Áfri
ca. Dido, a rainha da Cartago, acolhe os náufragos e lhes ofe rece um banquete de boas-vindas durante o qual, graças a um estratagema de Vênus, se apaixona por Eneias. Canto I I - Por solicitação de Dido, Eneias relata a história da guerra de Troia, enfatizando os episódios que lhe determi naram o fim: o aprisionamento do grego Sinão, instruído por Ulisses para enganar os troianos, a introdução do cavalo de madeira na cidade, a saída dos soldados escondidos na calada da noite, a batalha noturna, o incêndio, o ataque ao palácio do rei e a vitória dos gregos. Canto III - Continuando a narração, Eneias relata à rainha as peripécias que marcaram a viagem dos troianos: as escalas na Trácia e em Creta, a partida para a Itália, o encontro com as harpias, a chegada ao Epiro e à Sicília e a morte de Anqui ses, seu velho pai. Canto IV - Violentamente apaixonada por Eneias, Dido se vale de um encontro aparentemente casual, durante uma tempestade, para entregar-se ao chefe troiano. Censurado por Júpiter, que lhe envia Mercúrio como emissário, Eneias aban dona Cartago, disposto a cumprir a missão para a qual fora preservado. Dido, desesperada, suicida-se. Canto V- Chegando novamente à Sicília, Eneias realiza jogos fúnebres em homenagem ao primeiro aniversário da morte de Anquises. Canto VI - Fazendo uma escala em Cumas, Eneias con sulta uma sacerdotisa de Apolo. Toma ciência do que o espe ra, no futuro, e obtém permissão para fazer uma visita ao rei no dos mortos, onde se encontra com Anquises. Canto VII - Eneias chega à região do Tibre, envia embai xadores ao rei Latino e este oferece ao chefe troiano a mão de A POESIA LATINA | 13
sua filha, Lavínia. Amata, a rainha, se enfurece com a aliança,
o mesmo ocorrendo com Turno, chefe rútulo a quem a moça fora prometida em casamento. Canto VIII- Eneias procura fazer aliança com o rei Evan dro enquanto Vênus solicita a Vulcano armas para o troiano. Canto IX - Eclode a guerra. Turno ataca os acampamen tos de Eneias e dois jovens troianos, Niso e Euríalo, têm opor tunidade de mostrar seu valor, embora encontrando a morte. A guerra prossegue. Canto X - Júpiter procura conciliar Juno e Vênus, a fim de que a guerra chegue ao fim. A violência, entretanto, conti nua. Há perdas importantes de ambos os lados. Canto XI- Faz-se uma trégua para que se enterrem os mor tos; cogita-se numa proposta de paz; os exércitos inimigos, todavia, se defrontam. A carnificina é terrível e morre Cami la, rainha dos volscos, aliada de Turno. Canto XII —Vendo o exército desanimado, Turno se dis põe a enfrentar Eneias num duelo; firmam-se as condições, mas o tratado é violado; uma seta fere Eneias e Vênus o cura. O exército troiano chega até os muros da cidade e Amata se sui cida. Trava-se o combate singular entre Eneias e Turno. O che fe troiano vence o inimigo e o sacrifica.
No decorrer da narrativa, a todo momento, Virgílio en
contra oportunidades para exaltar Roma, expressando o sen timento nacionalista. Nos versos iniciais do poema já se per cebe a intenção do poeta. Na primeira referência feita a Juno, no início do Canto I, Virgílio explica a razão do ódio que a deusa nutria pelos troianos e, sobretudo, por Eneias. Dispos tos a fundar a nova Troia - ou seja, Roma - , os remanescentes da guerra não hesitaram em enfrentar os mares e os perigos de 14 | A LITERATURA LATINA
uma longa viagem. Juno, porém, em sua onisciência divina,
sabia que a cidade a ser fundada pelos descendentes dos troia nos seria, no futuro, a causa da queda de Cartago e esta era consagrada à deusa e por ela amada com especial carinho. Daí as tentativas que faz para alterar a ordem das coisas, procuran do impedir Eneias de realizar seus desígnios: suborna Éolo, deus dos ventos, fazendo-o provocar a tempestade que levaria os navios troianos ao naufrágio; auxilia Vênus a maquinar o encontro amoroso de Eneias e Dido; instiga Amata a comba ter o troiano. Nada, porém, surte o efeito desejado. Eneias su pera todos os obstáculos e assegura a fundação de Roma, a fu tura senhora do mundo. No correr do Canto I, há mais um momento em que o na cionalismo se exalta: é quando Júpiter procura tranqüilizar Vê nus no tocante ao futuro dos troianos e lhe fala dos dias vin douros, da glória de Roma e dos feitos grandiosos de Augusto:
Nascerá de uma nobre origem, descendente da família Júlia
que tirou seu nome do grande Iulo, um César troiano que esten derá seu império até as águas oceânicas e sua fama até os astros. Tu, tranqüila, o receberás um dia, no céu, carregado com o espó lio do Oriente; e ele também será invocado com votos. (Verg. Aen. I, 286-289)
No Canto VI, quando Eneias encontra seu pai Anquises
no reino das sombras e o ancião o acompanha por algumas das regiões infernais, aparece novamente a marca do nacionalis mo. No último setor do mundo dos mortos, o velho troiano mostra ao filho as almas que aguardavam o momento de reen carnar-se e apresenta-lhe os futuros heróis do povo romano: Augusto, Numa Pompílio, os Décios, os Drusos, César, Pom peu, Paulo Emílio, Catão. As palavras que Anquises pronun