t1 - Ambulatório de Luto e Psicologia Fenomenológico-Existencial - Da Formação Do Aluno Ao Acolhimento Do Enlutado
t1 - Ambulatório de Luto e Psicologia Fenomenológico-Existencial - Da Formação Do Aluno Ao Acolhimento Do Enlutado
t1 - Ambulatório de Luto e Psicologia Fenomenológico-Existencial - Da Formação Do Aluno Ao Acolhimento Do Enlutado
1
Os funcionários do hospital Beneficência Portuguesa já estavam habituados à atuação do serviço de Psicologia e
prontamente nos informava sobre a entrada de um caso novo, bem como solicitava o atendimento frente alguma
intercocorrência.
Ribeirão Preto. Atualmente coordeno o Curso de Especialização em Psicologia Hospitalar,
oferecido pelo Psicolog – Instituto de Estudos do Comportamento, na mesma cidade.
Com a decisão do Conselho Federal de Psicologia de atribuir o título de Especialista a
algumas áreas de atuação, em 2002, obtive o título de Especialista em Psicologia Hospitalar
através da comprovação de atuação consistente na área. Em 2005, também pela atuação
comprovada na área da Psico-Oncologia, obtive certificação de distinção de conhecimento na
área de Psico-Oncologia pela Sociedade Brasileira de Psico-Oncologia (SBPO).
O trabalho com o Plantão Psicológico nas universidades e hospitais a elas relacionados
levou-me a uma constante necessidade de ampliar meu conhecimento acerca das vivências em
situações de crise, morte e luto. Dessa forma, em 2011, participei do curso “Atenção e
Intervenção em Crises de Emergência Pós-Desastres – Módulo I, no “4 Estações Instituto de
Psicologia”’, na cidade de São Paulo. Isso contribuiu em minha formação para acrescentar
novos conhecimentos sobre as formas de atuação em situações emergenciais. De modo geral,
foi muito significativo e, por isso, em 2012, finalizei o programa, participando do Módulo II.
Com o objetivo de aprimorar meus estudos na área de interface entre a psicologia, a
fenomenologia e o existencialismo, em 2009 iniciei o Curso de Especialização em Psicologia
Fenomenológico-Existencial, no Instituo de Psicoterapia Fenomenológico-Existencial do Rio
de Janeiro (IFEN).
Vinte e seis anos se passaram e atuando hoje como docente nas áreas da
saúde/hospitalar e de psicoterapia fenomenológico-existencial, bem como em consultório
particular como psicoterapeuta, as temáticas da morte do luto são constantes e continuam a
inquietar-me em buscar um constante processo de compreensão. Ainda no sentido acadêmico
tenho me preocupado com a formação do graduando em Psicologia no que se refere à
temática da morte e do luto e, nesse sendo, iniciei um trabalho, que denominei “Ambulatório
do Luto” em uma universidade.
Nesse ano letivo, já em desenvolvimento do estudo previsto pelo pós-doutoramento,
considero importante destacar algumas atividades que realizei como docente e palestrante,
bem como na supervisão de atendimentos clínicos em situação de luto.
Em parceria com a coordenação do curso de Psicologia da UNAERP, em 03 de junho
realizamos o 1º. Simpósio do Grupo de Pesquisa sobre o Luto do Curso de Psicologia da
UNAERP, intitulado, “O pulso ainda pulsa e o corpo ainda é pouco”: Morte encefálica e
Luto. Com o objetivo de informar e esclarecer o público voltado para a área da saúde sobre
morte encefálica, doação e captação de órgãos e processo de luto, o simpósio foi composto
por 3 apresentações. A enfermeira Elaine Cantarella Lima abordou o tema ‘O papel do
enfermeiro no processo de doação de órgãos’; a mestranda sob minha orientação e psicóloga
Michele de Souza Tamburi Sadalla explanou sobre ‘O trabalho do psicólogo hospitalar na
terapia intensiva e sua atuação diante da notícia de morte encefálica, e, então encerro o evento
discorrendo sobre o luto “E agora amora, o que será da vida?” – Reflexões sobre o processo
de luto, por mim apresentado.
No programa de Mestrado em Saúde e Educação da UNAERP comecei a ministrar em
agosto a disciplina optativa “O processo de luto: perdas e rompimento de vínculos afetivos”,
abordando a questão da morte como uma realidade que permeia todo o desenvolvimento
humano e, ainda assim, é um tema gerador de dificuldade para a maior parte das pessoas.
Dessa forma, no âmbito da saúde e da educação, e especificamente no cenário da pós-
graduação, é importante que os profissionais desenvolvam habilidades para lidar com tal
realidade em sua profissão. É possível considerar que o conhecimento científico sobre a
temática da morte e do processo de luto certamente contribuirá para a formação do
profissional. Nesse programa estou orientando 3 alunos com temáticas relacionadas à morte e
ao luto, sendo que 2 estão em fase inicial ainda definido a especificidade do estudo dentro do
campo de cuidados paliativos e luto e o terceiro já em fase de exame de qualificação com um
estudo sobre a psicologia no cenário da morte encefálica e da doação e captação de órgãos.
INTRODUÇÃO
Asopo, que Zeus tinha sequestrado a sua filha Egina. Zeus mandou o deus da morte, Tanatos,
perseguir Sísifo, mas este conseguiu enganá-lo e prender Tanatos. A prisão de Tanatos
impedia que os mortos pudessem alcançar o Reino das Trevas, tendo sido necessário que
fosse libertado por Ares. Foi então que Sísifo, não podendo escapar ao seu destino de morte,
instruiu a sua mulher a não lhe prestar homenagens fúnebres. Quando chegou ao mundo dos
mortos, queixou-se a Hades, soberano do reino das sombras, sobre esse descaso de sua esposa
e pediu-lhe para voltar ao mundo dos vivos apenas por um curto período, para castigá-la.
Tendo a permissão de Hades, voltou ao mundo dos vivos e se recusou a regressar para o
universo dos mortos. Hermes, o deus mensageiro e condutor das almas para o Além, castigou-
o uma punição pior do que a morte. Sísifo foi condenado para todo o sempre a empurrar uma
pedra até ao cume de um monte, caindo a pedra invariavelmente da montanha sempre que o
topo era atingido. Este processo seria sempre repetido até a eternidade.
É possível afirmar que muitas vezes desejamos, como Sísifo, a continuidade
ininterrupta de nossa vida, entretanto lidamos o tempo todo com as possibilidades antagônicas
que permeiam nosso cotidiano: a vida e a morte. A vida se dá em sua fluidez, solta no tempo,
e se constitui, a cada dia, marcada pela morte diária: por perdas e por mudanças. A morte
permeia toda nossa existência e nos inquieta.
O que é a morte? Do latim mors, mortis a morte é descrita como o fim da vida,
falecimento, termo, destruição (CUNHA, 2010). Todos nós sabemos que um dia iremos
morrer e que tudo que é vivo poderá fenecer e, certamente, morrerá.
Ariès (2003) apresenta as concepções atreladas à morte e ao morrer em diferentes
períodos históricos no ocidente, descrevendo as atitudes diante da morte ao longo do tempo
tanto no que se referem ao que permanece em sincronia por vários séculos quanto às
mudanças gradativas que vão surgindo. Para o autor a atitude mais antiga, mais longa e mais
comum é da morte domada, em que há uma resignação ao destino coletivo da espécie em que
todos irão morrer. Há uma familiaridade com a morte que é concebida sem medo e sem
desespero. Uma aceitação das leis da natureza, sem oposição. Essa resignação é acompanhada
de uma confiança mística e expressa um abandono ao destino. Mais que isso, é pela morte que
o destino de uma criatura se revela e, dessa forma, a cerimônia da morte, muitas vezes pública
torna-se tão importante quanto a dos funerais e a do luto.
Entre os séculos XII e XIV, na segunda fase da Idade Média, modificações sutis, e,
não a substituição por uma nova atitude, encerram um sentido dramático e pessoal ao modo
tão familiar como o homem vivenciava a morte. Surgem aspectos como a preocupação com o
julgamento que cada indivíduo irá enfrentar no final da vida e no momento da morte; temas
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temática e o que a ela se relaciona, omite-se do homem que está morrendo as informações
relativas ao seu estado. Entre as décadas de 30 e 50 ocorre também o deslocamento do local
da morte, que não deve mais ocorrer na intimidade do lar, mas no ambiente asséptico do
hospital. Esse abandona o caráter de asilo dos que estavam à margem e torna-se um centro de
cura e luta contra a morte. É nessa época que ocorre uma grande modificação no cenário da
morte, que durante milênios pouco se alterou. A sociedade de modo geral e, principalmente as
crianças, devem se aperceber o mínimo possível da ocorrência da morte. Os rituais fúnebres
permanecem, sendo sempre discretos e contidos, sendo as manifestações mais efusivas de dor
e tristeza associadas às perturbações mentais ou mesmo à falta de educação. O luto deve ser
solitário e silencioso, ou seja, o que antes era exigido, hoje é proibido.
Gorer2 (1963 apud Ariès, 2003) sociólogo inglês apresenta a interdição da morte, que
passa a ser vivenciada como um tabu, como a substituição do sexo como principal interdito.
Hoje é possível explicar a uma criança os aspectos fisiológicos que levam ao nascimento de
um bebê, sem recorrer a imagens fantasiosas. Entretanto, ao contrário de épocas passadas em
que a criança acompanhava a morte à cabeceira da cama, hoje, quando simplesmente não
vêem mais alguém que ama, é informada que essa pessoa repousa num belo jardim.
A busca incessante em preservar a felicidade permanente, individual e coletiva
aparece, de alguma forma associada à atitude moderna de interdição da morte.
Ariès (2003) destaca, porém, que há publicações americanas, por volta de 1970,
questionando a desumanidade das mortes no ambiente hospitalar. Tais publicações apontam
que o morto perdeu seu lugar de central na morte e que ocorre uma paralisia que inibe as
reações familiares e profissionais. É uma tentativa de restabelecer a morte em um discurso do
qual havia sido banida.
Por muito tempo em nossa sociedade associamos o momento da morte com o
cessar das batidas do coração e, consequentemente, também dada respiração. Assim como
descreve Pazin-Filho (2005) médicos e leigos definem a morte como um instante, um
momento. É como se houvesse uma linha que dividisse a vida e a morte, sendo que, na
verdade, trata-se de um processo. O autor exemplifica o processo do morrer descrevendo a
morte celular, que ocorrer em etapas e não repentinamente. Além disso, destaca que muitas
células do nosso organismo morrem diariamente, algumas são repostas e outras não e, ainda
assim, para que o indivíduo morra, um processo mais amplo e mais complexo deve ocorrer
2
GORER, Geoffrey. The pornography of death, Encounter, p. 49-52, October 1955. Disponível em: <
http://www.unz.org/Pub/Encounter-1955oct-00049.[Artigo retomado como apêndice de seu último livro, Death
griefandmourning. Nova York, Doubleday, 1963].
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levando a uma perda de função global que impossibilite a existência como um todo.Com o
avanço da medicina e da tecnologia para diagnósticos tornou-se necessário rever não somente
a idéia de morte como um instante único, mas também suas associações ao batimento
cardíaco.
Torres (2003) também aborda a questão da morte e pontua a grande dificuldade
existente em definir o que seria o fim de uma vida. Diz que: “A questão fundamental é a
seguinte: qual é o tipo de vida em relação a qual a morte deve ser determinada?”(p.478). Na
atualidade a ciência se encaminhou para a definição da morte totalmente cerebral, em que,
estar morto é ser incapaz de ser uma pessoa, o que requer um grau de consciência assegurado
pelo funcionamento cerebral adequado.
No Brasil, bem como em outros países, a interrupção irreversível das funções cerebrais
incluindo o tronco encefálico, representa a morte de uma pessoa (SANTOS; MORAES;
MASSAROLLO, 2012). O Conselho Federal de Medicina (1997) denomina, regulamenta e
diagnostica esta morte como “Morte encefálica”.
O tema da morte traz consigo uma ampla possibilidade de abrangência. Falar da morte
é também deparar-se com as mudanças e transformações decorrentes da finitude, daquilo que
se encerra, que rompe. O mito greco-romano relacionado à união de Hades (Plutão) e
Perséfone (Prosérpina) (BULFINCH, 1999) é uma metáfora interessante para abordarmos tais
aspectos.
Zeus (Júpiter) ao rebelar-se contra seu pai, Cronos (Saturno) o destrona e divide seus
domínios com seus irmãos Poseidon (Netuno) e Dis ou Hades (Plutão). Zeus fica com o céu,
envolvendo a Terra e o Olimpo; Poseidon fica com os mares e a Hades é destinado o reino
dos mortos. Certo dia, Hades receoso de que seu reino pudesseser aberto à luz do sol decidiu
viajar pela terra para verificar se havia danos. Nesse mesmo dia, Afrodite (Vênus) e seu filho
Eros (Cupido) que brincavam na terra avistaram Hades. Com a intenção de aumentar seu
domínio, Afrodite pede ao filho que acerte Hades com uma de suas flechas fazendo com que o
mesmo se apaixonasse por Perséfone que brincava com suas companheiras em um bosque
onde a Primavera reinava perpetuamente. Logo que a vê, Hades fica enlouquecido de paixão e
decide raptá-la. Perséfone grita e pede ajuda a sua mãe, a deusa Deméter (Ceres), mas ainda
assim é levada pelo senhor do reino dos mortos.
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Hades cavalgou até a beira do Rio Cíano, que se recusou à sua passagem, entretanto,
com o seu tridente, Hades feriu a margem do rio e a terra abriu-se dando-lhe passagem para o
mundo inferior, o Tártaro.
Deméter, desesperada procurou sua filha pelo mundo todo sem encontrá-la. Cansada e
disfarçada como uma velha mulher sentou-se em uma pedra e ali permaneceu por nove dias e
nove noites. Então, uma menina que passava por ali com seu pai a interpela chamando-a de
mãe e questiona sobre o motivo de estar ali. Deméter compartilha sua história e os três se
emocionam. Ela os acompanha até sua casa e lá descobre que o filho do velho homem estava
doente. Deméter se aproxima da criança, beija-lhe os lábios e, instantaneamente, ele retoma o
vigor da saúde. À noite, enquanto todos dormiam, Deméter encanta o menino com palavras
para transformá-lo em imortal, mas é surpreendida pela mãe da criança, que assustada, a
impede. Deméter diz:
Mãe, foste cruel no amor ao teu filho. Eu ia torná-lo imortal, mas frustraste meus
esforços. Não obstante, ele será grande e útil. Ensinará ao homem o uso do arado e
as recompensas que o trabalho pode obter do solo cultivado (BULFINCH, 1999, p.
71).
Nesse mito encontramos a referência à criança que é levada para uma nova etapa em
que ocorrem alguns rompimentos de vínculos com os pais para que novos envolvimentos
afetivos possam surgir. A menina que até então brincava, assume um novo papel, passa a ser
senhora de outro reino. Muitas vezes as mudanças ocorrem de forma tão repentina que são
experienciadas de forma traumática, como um rapto. O adulto que acompanha essa criança
agora crescida também é desalojado de seu papel mais conhecido e seguro. Abandona, ainda
que temporariamente sua forma mais própria, a deusa que cede lugar a velha senhora, Precisa
se reorganizar. Perde, sofre, e quase enlouquece, mas descobre novas maneiras de cuidar.
Toda mudança requer ajustes, novas configurações. O mundo ao redor chega a ficar árido e
repleto de infertilidade, mas novos recursos são acionados. As oscilações passam a fazer parte
da vida e integram uma nova possibilidade.
Assim como no mito, todo desenvolvimento humano é permeado por transformações,
perdas, mudanças e reorganizações. É inevitável esbarrarmos em assuntos relacionados à
morte quando entramos não âmbito da psicologia. Precisamos, contudo, estender nossa
compreensão acerca do conceito de morte, seja essa última relacionada à interrupção da vida,
às mudanças de etapas ao longo de nossa vida ou ainda ao rompimento de vínculos afetivos.
A morte que ceifa a vida dos indivíduos apresenta representações singulares de acordo com
cada cultura, período histórico e até mesmo vivências pessoais de cada um de nós. Para
Kovacs (1992) essa construção acontece durante todo o processo de desenvolvimento vital,
tendo características peculiares em cada etapa desse ciclo.
Com o intuito de realizar uma breve reflexão acerca das diferentes mudanças inerentes
ao longo do desenvolvimento humano, apresentarei, a seguir, alguns aspectos relacionados à
morte, perdas e rompimentos de vínculos afetivos na infância, adolescência, vida adulta e na
velhice.
Vendruscolo (2005) em estudo anterior retoma alguns aspectos relacionados à visão da
criança sobre a morte. Tais palavras – criança e morte - parecem contraditórias, é como se a
morte não se ocupasse da vida na infância seja pela morte da própria criança, pela perda de
alguém próximo de sua convivência, ou de um bichinho de estimação ou até mesmo pelas
imagens de TV e jogos infantis. Acreditar que a criança estará protegida do contato com as
perdas favorece atitudes inadequadas dos adultos quando uma situação dessa natureza vier a
ocorrer.
Ao não falar, o adulto crê estar protegendo a criança, como se essa proteção
aliviasse a dor e mudasse magicamente a realidade. O que ocorre é que a criança se
sente confusa e desamparada sem ter com quem conversar (KOVÁCS, 1992, p. 49).
21
Torres (1999) refere que as investigações sobre a compreensão da morte pela criança
começaram em 1934 e continuam ao longo desses anos diferenciando-se entre aquelas que
questionam sobre a idade em que as crianças compreendem a morte e aquelas que, além
disso, procuram investigar se a compreensão de cada componente está relacionada com o
nível de desenvolvimento global. Essas dimensões de níveis do conceito de morte na criança
são apresentadas da seguinte forma: irreversibilidade, impossibilidade de retornar ao estado
anterior, morte do corpo; não funcionalidade, compreensão de que todas as funções
definidoras da vida cessam com a morte e universalidade, tudo que é vivo morre.
A maneira como a criança organiza e expressa sua compreensão e seus sentimentos
frente à morte (e aos diferentes níveis acima descritos) bem como às perdas de modo
geral,está relacionada ao seu desenvolvimento afetivo e cognitivo. É imprescindível que para
cuidar do psiquismo infantil os profissionais da saúde e os pais tenham como referência a
moldura desenvolvimental, ou seja, que considerem o que é esperado em termos de
habilidades e competências para cada faixa etária (GREENSPAN; GREENSPAN, 1993;
VENDRUSCOLO, 2001).
Na transição da infância para a adolescência há um universo de fantasias, certezas e
seguranças que se despendem e abrem espaço para novos desejos, curiosidades e dúvidas.
O adolescente, assim como o adulto, compreende a morte como universal, irreversível
e como um cessar da funcionalidade. Entretanto, a ânsia da liberdade trazida pela
adolescência, acrescida da sensação de onipotência peculiar a essa etapa do ciclo vital,
favorece o envolvimento em situações extremamente perigosas. É como se o caráter da
universalidade ainda não estivesse bem compreendido – “Comigo não irá acontecer”.
(KOVÁCKS, 1992, 2003; RODRIGUES; KOVÁCKS, 2005).
O jovem adulto está no auge da força física e da resistência. Vivencia uma fase
aparentemente mais tranquila em que a revolução idealizada na adolescência começa
acontecer. Porém, é um período árduo de redefinição de relacionamentos pessoais (amigos,
trabalho, estudo) em que, além disso, precisa criar independência econômica e emocional para
arcar com suas escolhas (DE MARCO, 2012). A morte nessa fase não é uma grande
preocupação.
Já na meia-idade, por volta de 40 a 50 anos, ao mesmo tempo em que o adulto pode
sentir-se realizado profissionalmente e também no ambiente familiar, considerando a
estabilidade no relacionamento conjugal e a entrada dos filhos na vida adulta, ele também
começa a se deparar com a própria finitude. É o início de um período de perdas físicas, como
da visão, audição, força, resistência, colágeno, e cor dos cabelos. Nessa fase, na “crise da
22
1.3 O LUTO
De acordo com a quarta edição desse manual. DSM IV, luto podia ser diagnosticado
como uma patologia, uma categoria diagnóstica e, consequentemente, tratado com
psicoterapia e até com medicamentos. O Luto inserido na categoria V62.82 descrito quando o
foco de atenção clínica é uma reação à morte de um ente querido. Como uma maneira de
reação à perda, alguns sintomas característicos de um Episódio Depressivo Maior, como
sensações de tristeza e sintomas associados, tais como insônia, perda de apetite e perda de
peso poderiam ser identificados. O critério para diferenciar Luto e Transtorno Depressivo
Maior estava associado à persistência dos sintomas por mais de 2 meses após a perda e
também à presença de certos sintomas que não são característicos de uma reação "normal" de
luto, tais como: culpa acerca de ações que o sobrevivente tenha realizado ou não à época do
falecimento; pensamentos sobre morte, outros que não o sentimento do sobrevivente de que
seria melhor estar morto ou de que deveria ter morrido com a pessoa falecida; preocupação
mórbida com inutilidade; retardo psicomotor acentuado; prejuízo funcional prolongado e
acentuado; experiências alucinatórias outras que não o fato de achar que ouve a voz ou vê
temporariamente a imagem da pessoa falecida.
Na edição atual, do DSM V (2014) ocorre a retirada do luto como critério de exclusão
do Transtorno Depressivo Maior, sendo possível aplicar esse diagnóstico mesmo às pessoas
que passaram pela perda de um ente querido há menos de dois anos. Há ainda a descrição do
Transtorno do Luto Complexo Persistente, caracterizado por aspectos como: tempo em que
ocorreu a perda (risco se a perda ocorreu há pelo menos 12 meses); sintomas do enlutado
(saudade, pesar, preocupação com o falecido); sentimentos de choque, raiva e culpa em
relação à morte; evitar entrar em contato com lembranças; prejuízos sociais e a influência na
vida cotidiana (levar em conta as diferenças culturais).
Outras preocupações também nortearam as pesquisas que buscavam compreender o
processo do luto. Franco (2010) destaca que até o final do século XX o desligamento
emocional em relação à pessoa falecida configurava-se como centro dos estudos sobre o luto.
Atualmente as pesquisas referentes a essa temática se ampliaram favorecendo que tanto a
compreensão quanto o trabalho com o luto possam ser realizados com base em múltiplas
referências.
Muitos estudos apontam os fatores de risco que influenciam a expressão do luto.
Parkes (2009) citando a importante revisão de Stroebe e Schut3 (2001) enumera quatro tipos
3
STROEBE, W.; SCHUT, H. Risk factors in coping with bereavement: a methodological and empirical review.
In: STROEBE, M.S.; STROEBE, W.; HANSSON, R. (Eds.) Handbook of bereavement. Cambridge:
Cambridge University Press. 2001, p. 349-72
24
4
BOWLBY, J.; PARKES, C.M. Separation and loss wthin the family. In: MARRIS, P. (Ed.) The child in his
family. New York: Wiley, 1970.
25
5
Termo cunhado por Parkes (2009) para descrever aquele aspecto do mundo interno que é tido como verdadeiro;
como o que temos de mais garantido, incluindo concepções sobre nós mesmos, a sociedade, nossas habilidades e
expectativas. O autor reforça a ideia de que não se trata de um mundo de fantasia, mas sim de uma visão real e
verdadeira que nos capacita, na maior parte das vezes, a abordar o mundo com confiança e segurança.
26
padrão sócio-econômico da família. Assim como afirma Franco (2010) o fundamento desse
modelo está na constatação de que pessoas em luto, vivenciam alternadamente, em um
movimento que não é linear e não acontece de forma simultânea, o enfrentamento da perda e a
necessidade de reajustar sua vida. Ainda de acordo com Stroebe e Schut (1999), podemos
acrescentar a visão de Parkes (2009) situando esse modelo como a essência da transição
psicossocial. O enlutamento é visto, portanto, em uma perspectiva dinâmica que não nega os
aspectos teóricos anteriores, mas os transcende, indo além da noção de fases que se sucedem.
Há um esquema representativo proposto por Stroebe e Schut (1999) que ilustra e
esclarece o modelo descrito anteriormente.
sendo preciso tentar “segurá-lo”, pois fica muito claro que sua presença sempre permanecerá
“aqui”. Ainda com Parkes (2009):
Assim, o aspecto do luto que emerge da nossa necessidade infantil de procurar pelo
genitor perdido, e que é a essência da teoria do apego, ao longo do desenvolvimento
virá a ser complementado pela descoberta de que, em parte graças ao mundo
presumido que nossos pais nos ajudaram a desenvolver, podemos sobreviver durante
a transição para um mundo sem essa pessoa perdida. Por amar seu bebê a mãe irá
ensiná-lo a se separar dela (PARKES, 2009, p.48).
2: OBJETIVOS
Geral
Específicos
3 JUSTIFICATIVA
4 MÉTODO
Edmund Husserl (1859-1938) que tem seu nome diretamente associado à origem da
fenomenologia, também questiona o aspecto metodológico presente até então nas Ciências
Humanas. Husserl une-se a Dilthey e a Brentano, procurando clarificar a necessidade delas
29
Não se trata apenas de um momento único em que se realiza essa suspensão, mas uma
atitude que se mantém ao longo da investigação, descartando qualquer conhecimento prévio
sobre aquilo que se pretende compreender na investigação científica.
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4.2 Participantes
4.3 Local
Os dados estão sendo obtidos na Clínica-Escola de Psicologia da UNAERP. São
utilizadas as salas de atendimento psicológico disponíveis para o período, bem como
dependências da universidade em que se estende o serviço de psicologia da Clínica-Escola,
como o Hospital Electro Bonini.
Ainda recorrendo à mitologia grega para abordar a questão da finitude humana bem
como o desafio de conviver com a mesma em si e naquele que amamos, recorro nesse
momento, a história de Tétis, mãe do herói Aquiles.
Tétis era uma deusa muito bela e, com seu encanto, despertou em Zeus o desejo de
desposá-la. Porém, ao ser alertado por Prometeu, que o filho de Tétis seria maior que o pai, o
grande Deus desistiu de tal investida e ainda determinou que a deusa se casasse com um
mortal. Dessa forma, Peleu torna-se esposo de Tétis e pai de Aquiles, um grande guerreiro.
Tiveram vários filhos, os quais Tétis tentou transformá-los em deuses, porém não obteve
sucesso. Mas com o último filho, Aquiles, foi diferente. Sem que Peleu soubesse, Tétis levou
o filho ainda bebê ao Rio Estige, em cujas águas residia o dom da imortalidade para aquele
que fosse nele banhado. Segurou-o pelos calcanhares e o mergulhou nas águas tornando-o
31
invulnerável aos diferentes males. A única exceção foram seus calcanhares que não foram
tocados pela água
Quando surge o início da organização para a grande batalha em que Menelau parte em
busca Helena, que seguiu com Páris para Tróia, Aquiles é convidado por Ulisses a
acompanhá-los. Tétis sabia que se seu filho partisse nessa expedição ele morreria, por isso,
tenta esconder o filho, que, inevitavelmente é encontrado e dissuadido a partir. Em diálogo
com sua mãe, é advertido pela mesma, que o previne em relação ao destino que o aguardava.
Diz ao filho que se fosse a Tróia, alcançaria a fama, porém sua vida seria breve; se, ao
contrário, ficasse, viveria por longo tempo, mas sem glória.
Aquiles tem a possibilidade de escolher, trilhar seu caminho e opta pela vida breve e
gloriosa.
Tétis, mãe, quer tornar seus filhos imortais e busca os recursos que dispõe e conhece
para tal feito. Com os primeiros filhos isso não ocorre e ela os perde, entregando-os à morte
na própria tentativa de eternizar a vida. A finitude se concretiza. Com o mais novo, Aquiles,
ela acredita ter obtido sucesso. Não foi queimado pelo fogo da condição humana, mas
banhado pelas águas da imortalidade. Quando Aquiles a questiona se deve partir para a
batalha de Tróia, ciente da finitude, e que ele não retornaria vivo da guerra, Tétis não subtrai
Aquiles de sua própria decisão. Ao responder que não se trata mais de evitar a morte,
condição de todos os humanos, mas de escolher o sentido com o qual a vida será construída,
devolve ao filho a tutela de sua vida, não busca mais, a qualquer custo, poupá-lo de sua
condição mais própria de humanidade.
O desejo de driblar a condição da finitude em busca da imortalidade permeia os
diferentes períodos históricos. O mundo contemporâneo procura a todo custo controlar os
riscos cotidianos com orientações precisas do que deve ser feito e do que deve ser evitado
para se obter uma vida segura e saudável. Ainda assim, como seres falíveis e mortais, tal
modelo prescritiva se evidencia falho.
O caso clínico que será apresentado a seguir apresenta um trecho da vida de uma
família, que, provavelmente, compartilhava da mesma expectativa de segurança e mínimo
controle do existir como qualquer homem contemporâneo e até mesmo como a personagem
mítica Tétis. Porém, assim como Aquiles, o filho de Tétis não escapa de seu destino de
guerreiro e parte para a batalha que ceifa sua vida, a família em questão também se depara
com a perda de seu filho e tem a ilusão de invulnerabilidade e controle rompidos pela
ocorrência de um desastre natural.
32
Atendimento Marcos6
A proposta desse trabalho é apresentar um modo de compreender e desenvolver o
processo psicoterapêutico em situações de enlutamento a partir da perspectiva
fenomenológico-existencial. Não se trata, portanto de uma descrição de passos a serem
seguidos e muito menos de uma técnica a ser realizada.
Minha atuação como psicoterapeuta em atendimentos e como docente em supervisões
de casos de luto tem sido norteada pelo conceito de angústia. Sinto-me lançada a iniciar um
caminho com meu paciente que já está marcado pela condição da finitude, que
escandalosamente se presentifica com a perda. Para Heidegger (2012) a angústia é uma
condição inerente ao existir humano e não um sintoma a ser tratado. O Dasein, ente cujo
modo de ser está sempre em jogo, em abertura de possibilidades, cotidianamente se dilui na
impessoalidade, distanciando-se da angústia.
Será apresentado e discutidoum caso clínico através de fragmentos de algumas sessões
com o objetivo de exemplificar esse modo de pensar e atuar em uma clínica fenomenológico-
existencial em situações de luto.
Marcos, 42 anos, líder religioso protestante, estudante do 3º semestre do curso de
Psicologia, natural do Rio de Janeiro e residente em Ribeirão Preto há 6 anos. Procurou
atendimento psicológico em março de 2010, aproximadamente 2 meses após a morte de seu
filho de 12 anos, seus cunhados e 2 sobrinhos ainda crianças, em Nova Friburgo. A família
era constituída por Marcos, sua esposa Carla, Eduardo e Sara, de 7 anos.
O primeiro contato de Marcos foi realizado pelo telefone, através da indicação da
coordenadora do curso de Psicologia. Marcos fala diretamente comigo, solicita um horário
para a data mais próxima possível e já inicia o relato sobre sua perda. Diz estar precisando
muito de ajuda, pois seu filho de 12 anos havia morrido no deslizamento de terras ocorrido em
janeiro, na região serrana do Rio de Janeiro.
O atendimento psicológico ao enlutado pode ser configurado como procedimento de
emergência. A dor da perda ou do rompimento de um vínculo afetivo sangra, transbordando
muitas vezes de maneira desagregadora no existir. O que se tem é o indivíduo que está
sofrendo, vivenciando, na maior parte das vezes um período de fechamento de suas
possibilidades existenciais (FEIJOO, 2000).
Não se trata, portanto de aplicar uma técnica específica para uma essa queixa, mas de
uma modalidade de atendimento pautada na atitude fenomenológica. Segundo Sá (2008) a
6
Todos os nomes utilizados são fictícios.
33
Carla permitiram, mas apesar da insistência de Sara, ela teve que retornar à casa da avó com
os pais. Logo depois foram dormir.
Marcos narra que autoriza Eduardo a dormir na casa dos primos, mas que Sara deveria
seguir com os pais para a casa da avó. Relata um hábito familiar. Intervir nesse momento
procurando retirá-lo do imponderável só o irritaria. As orientações sedimentadas de mundo
são insistentemente verbalizadas socialmente: “aconteceu o que tinha de ser”, “Deus sabe o
que faz”, dentre outras. Cabe ao terapeuta aproximá-lo do sentido de sua escolha. O que
norteou o pedido de Eduardo bem como a decisão de Marcos? Vida! Assim como Tétis.
Marcos sabe que essa possibilidade permeia o existir, mas a deixa diluída na cotidianidade e
no impessoal do “todo mundo”. Autoriza que Eduardo fique com os primos, cuidando da
vida. Queria banhá-lo nas águas do rio da imortalidade, escondê-lo daquele que vem chamá-lo
para uma batalha, mas, inevitavelmente, não pode poupá-lo de ser. Ser-para-a-morte.
Durante a madrugada Marcos disse ter acordado com um forte estrondo, que o
assustou muito, mas não saiu de casa para verificar o que havia acontecido. Reforça em seu
discurso que ficou muito assustado com o barulho e menciona a hora exata em que isso
ocorreu. Continua contando que na manhã seguinte, bem cedo, ao sair de casa, se deparou
com a cena mais chocante de sua vida. Não havia mais algumas casas vizinhas a de sua sogra.
“Eu não entendia nada. Olhava e não via nada.” Descreve ter muito barro na rua e vê
algumas pessoas tão confusas quanto ele. Imediatamente alerta sua esposa e procura fazer
contato com seu cunhado, mas não consegue. Decide ir até a casa dele. O caminho é descrito
por Marcos como aterrorizador. Tudo devastado, pessoas desesperadas, chuva, lama e
destroços. Menciona que já sentia que algo muito ruim havia acontecido. Quando se aproxima
da região em que Júlio morava, desespera-se. Não havia mais nada. Fica mais confuso, tenta
localizar-se, mas não encontra nada, nenhuma referência da casa de seus familiares. “Sumiu
tudo. Desapareceu. Como se nunca tivesse estado lá”. Marcos descreve que via que a casa
havia sido destruída, mas não conseguia organizar seu pensamento. Inicia-se um tempo
sequencial de desespero: identificar o que aconteceu, proceder à busca e identificação dos
corpos e conviver nesse caos que estava instalado na cidade. Relata a ordem em que seus
familiares foram encontrados, chama-os pelo nome e, poucas vezes, usa a palavra “corpos”.
Marcos acompanhou o processo de busca e identificação de alguns parentes. Descreve para
mim a expressão que viu nos rosto de cada um. Entretanto, diz que sentia que estava próximo
o momento de encontrarem seu filho. Decidiu parar de acompanhar. Alguns dias depois do
ocorrido encontraram Eduardo. Ele estava abraçado ao primo Tales, ambos enrolados em um
mesmo edredom, abraçados por Júlio, que estava debruçado sobre eles. Marcos chora e eu me
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emociono. Ainda em meio às lágrimas continua, parecia não poder parar de contar-me, ou
contar e recontar para si mesmo essa parte tão triste de sua história. Outros familiares
acompanharam as buscas e resgates da família de Marcos. Esses descreveram a ele que
Eduardo estava com a fisionomia serena e com os olhos fechados. “Júlio deve ter escutado
algum barulho, foi ao quarto onde os meninos dormiam e ficou por lá para protegê-los. Meu
filho não morreu sozinho.”. Nesse momento, já estávamos avançados no tempo, mas percebia
a importância dele poder encerrar seu relato. Não interrompo. Quando ele diz que então
começaram os procedimentos para o funeral, que foi comunitário opto por interromper.
Pontuei a Marcos que eu havia acompanhado-o nessa volta à Nova Friburgo, feita durante a
sessão. Ele disse reviver essas cenas todos os dias. Acrescentei pontuando que, assim como a
palavra que ele usou – reviver – em relação a recordar a tragédia, tudo que ele havia contado
estava vivo, sangrando, doendo muito e que eu compreendia. “Eu sei que já deve ter dado
nossa hora, mas... eu deveria parar de pensar nisso? Não consigo.”. Questiono: “Deveria?
Você tem deveres com a sua dor?”. Marcos: “Todo mundo diz... ‘Esquece’.”. Continuo: “Que
bom que aqui somos só eu e você. Todo mundo não vem.” Procuro desde a primeira sessão
aproximar Marcos de seu poder-ser mais próprio, naquele instante, ser-pai-de-um-filho-morto.
A existência vai transcorrendo e, repentinamente, sua concretude se apresenta com a
ausência de alguém que amamos. Trata-se de uma realidade cognitivamente apropriada pelo
homem adulto que já compreende o caráter universal da morte. Mas o que se rompe com a
perda é a trama tecida pelo sentido daquela relação. Considerando que o Dasein é sempre ser-
com, estamos falando aqui do sentido mais próprio de ser. Quando Marcos se depara com a
morte de Eduardo, morre no mesmo instante seu modo de ser. Continuar lançando-se a ser a
cada dia exige um contínuo reconfigura-se. Nesse sentido, contrariamente às prescrições do
mundo moderno que buscam um modelo de atendimento psicológico que resolva e elimine a
dor do outro, a proposta do atendimento psicológico em situação de enlutamento procura
acompanhar o processo de existir na ambiguidade exacerbada de mergulhar em tudo que se
refere à perda, bem como em tudo que o remete à vida que se apresenta.
Recorrendo ao modelo gráfico de Stroeb e Schtz (1999), mas integrando-o à
perspectiva existencial, apresento-o da seguinte forma:
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ATENDIMENTOS SEGUINTES
sente quando ouve tal comentário. Há um desejo de cindir a vivência para que se possa
distanciar dor e amor, saudade e esquecimento. Cabe ao psicoterapeuta, aproximar-se com seu
paciente da impossibilidade de tal empreitada.
Digo ao paciente, com muita clareza, que não há nenhuma preocupação de minha parte
em fazer com que ele esqueça seu menino, ou se distraia de sua dor. Restrito à recordação da
tragédia, que busca explicar, definir, tomar nas mãos e não consegue Marcos a rememora
todos os dias. Restringe seu existir. Na relação terapêutica, Marcos poderá reencontrar
Eduardo, novamente recordando, porém experimentando com o terapeuta pequenas aberturas
de possibilidades. Essas, muitas vezes, podem começar a surgir com questionamentos sobre
as regras do mundo moderno sobre “o tempo ideal” para terminar o sofrimento ou mesmo
sobre o que deve ou não ser feito enquanto se sofre. Continuo e digo que hoje Marcos se
constitui e cria novos sentidos a partir dor de não ter mais Eduardo com ele.
Muitos temas rodeavam o pensamento de Marcos: deveria questionar menos,
compreender à luz da religiosidade, a maneira aparentemente mais tranqüila como a esposa
“enfrentava” a perda. Nas sessões, eu procurava desfiar os temas e, ao seu lado, ajudá-lo em
um novo fiar. A vida seguia com dor, revolta, saudade e cansaço. Era preciso permanecer
onde ele estava.
A escuta clínica do terapeuta é o espaço de acolhimento em que o paciente, vai se
apropriar de seu modo de ser-com a maneira da ausência. Detalhando esse momento clínico, é
possível descrever um terapeuta que acompanha o paciente na sua dor. Não há pressa para que
pare de falar sobre o morto, ao contrário, a vivência se pauta na fluidez, no movimento. Ainda
na contramão, não há nenhuma preocupação em eliminar as contradições, mas integrar o
existir do enlutado às mesmas. É preciso dizer ao paciente que não há um único modo de
passar por tal situação, nem mesmo o forma mais adequada.
Quando se está em luto experimenta-se a sensação de que o tempo estagnou naquela
vivência dolorosa e que nunca mais haverá trégua para tamanho sofrimento. Mesmo com a
noção de movimento e de processo, é como se o mesmo ocupasse todo o existir. A
cotidianidade invade com sua rotina a vivência do ser em luto. As atividades mais triviais
como o cuidado diário de si, dos outros e das coisas do mundo que nos circunda são
permeadas pelo processo do luto. Marcos relata “Tocar a vida...”, sendo que essa está aí,
sendo vivida, porém, ainda de acordo com ele, “...sem brilho... estranha”. Na mesma sessão
em que compartilha o aniquilamento que sente quando não sente mais o cheiro de Eduardo,
que está abandonando as suas roupas guardadas no armário, Marcos se encanta com o festival
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de dança de Clara. Talvez, no processo de luto, o homem possa experimentar de maneira tão
explícita o que é a contradição de existir.
Figura 3 – Processo de luto
Dessa forma, não há mais a necessidade de “elaborar” o luto, com a expectativa de que
‘tudo isso um dia irá passar’. É possível mostrar ao paciente esse modelo gráfico para que ele
consiga visualizar o movimento de sua vivência nesse momento. Quase todos os espaços
invadidos pelo luto.
Alguns meses após o acidente, Marcos disse que ele e a esposa estavam planejando ter
outro filho, mas que teria que ser por inseminação artificial, pois ele havia feito vasectomia.
Questionou-me se eu considerava ser muito cedo para tal decisão. Parentes e amigos
próximos já haviam emitido suas opiniões, algumas favoráveis a idéia e outras absolutamente
contrárias. Ao ser indagada eu poderia responder-lhe a partir de conceitos prévios oriundos do
senso comum (“Que bom ter outro filho... Irá distrair-lhes um pouco...”) ou até mesmo de
interpretações que poderiam ter como base pré-suposições teóricas (negação da perda; fuga do
sofrimento; tentativa de substituição). Parto do lugar do não-saber. Sigo seu discurso e
pontuo: “Outro filho, o terceiro filho”. Marcos acenou positivamente com a cabeça: “O
Eduardo nunca será substituído.” Questionei-o sobre essa afirmação e ele passa a me dizer
sobre a opinião das pessoas. Volto para sua vivência: “Vocês terão 3 filhos, ou mais”.
Indaguei sobre “as pessoas” estarem tão presentes na intimidade do casal. Então ele retoma a
decisão do casal de terem apenas dois filhos. Não iria substituir Eduardo, mas assustava-se
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com a vinda do terceiro filho, não planejado anteriormente. Utilizei uma linguagem
metafórica pontuei: “O vento inesperado tem feito muitas visitas a vocês. Ele entra e bagunça
tudo. Onde foram parar os planos”
Para Heidegger (2012) o homem é cuidado, e assim, cuida de existir. Nesse sentido, o
autor nos mostra que o Dasein se ocupa dos entes simplesmente dados e se pré-ocupa com o
próprio dasein. Essa pré-ocupação pode ser substitutiva, saltando à frente do outro para que se
faça no lugar dele o que lhe é solicitado em seu existir. Mas também há outro modo, que
envolve a anteposição libertadora, posição essencial para o psicoterapeuta. Nessa última, ao
cuidar, acompanha-se o paciente em sua vivência de tal forma que seu discurso, dirigido ao
outro, já retorne à sua própria escuta através das pontuações do terapeuta. Assim, o paciente
vai se apropriando de seu modo de ser mais próprio. Trata-se, portanto, de um caminho árduo,
em que não há tutela do terapeuta sobre a vida do paciente, evidencia-se o tempo todo
liberdade e responsabilidade em existir.
Dasein, ente marcado pelo caráter de poder-ser é atravessada permanentemente pelas
facticidades. A perda de alguém querido, oriunda da morte ou do rompimento de uma relação
afetiva pode ser considerada como tal. Na dimensão da cotidianidade o Dasein se depara com
a angústia e dela se afasta diluindo-se na impessoalidade num movimento contínuo. È nesse
mesmo sentido que o processo de luto também se configura, transitando entre a orientação
voltada para a perda em si, como a dor, o rompimento dos laços, a sensação de que não
aconteceu e a orientação voltada para a restauração, como a realização de novas atividades, os
novos papéis e as novas respostas às mudanças da vida.
Na clínica existencial não há uma prescrição de como esse processo deve ocorrer.
Considera-se apenas o sentido que o mesmo tem atribuído a ele. O modo como as orientações
voltadas à perda e à restauração ocorrerão não são previamente definidas. O choro intenso de
um pai enlutado não demonstra maior dor do que a ausência de choro de outro. Assim como
ter mais um filho ou mesmo não desmontar o quarto do filho que já morreu podem ter o
sentido de restauração para duas pessoas. Voltamos aqui à importância do lugar do “não
saber”, ocupado pelo terapeuta, tão bem definido por Pompéia (2004).
A vida de Marcos e Carla se reconfigura a cada dia. Opiniões diversas são emitidas
ainda que não solicitadas, são orientações sedimentadas sobre o “melhor” no momento.
Decidem pela inseminação. E meses depois nascem os gêmeos: Lucas e Pedro.
A dor começa a ceder espaço à saudade. Aquilo que foi anteriormente descrito como
orientação para a perda, para o luto ainda se articula com a orientação para a restauração. É
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como se todos os dias, no ritmo da vivência de cada um, esse processo fosse ocupando um
espaço menor, mas continuasse sempre ali, no existir.
Ao mesmo tempo novas questões surgiam, tornavam-se temas e se inseriam no
cotidiano de Marcos: a vida conjugal, desejo sexual, religiosidade, posicionamento religioso,
retornar ou não ao local da tragédia.
Gradativamente, esse processo que permanece no modo contínuo e tomando quase
toda a vida Marcos, começa a encontrar um novo modo de ocorrer, que pode trazer certo
receio.
Um grande temor do paciente logo que nos procura é medo que sente de ter suas
lembranças apagadas. Vale considerar que frente à noção moderna de que a psicoterapia irá
cauterizar os processos de sofrimento, esse receio é extremamente pertinente. Quando fui
indagada por Marcos se ele a dor iria passar, certamente não estava inclusa a expectativa de
esquecimento. Trata-se aqui da difícil tarefa de responder simultaneamente ao processo de
luto e ao existir.
Como citado anteriormente o paciente pede ajuda para sair desse conflito paradoxal
que vivencia buscando a anestesia de sua dor e a garantia de que não perderá sua lembrança.
Nesse sentido, o modelo do processo dual do luto apresentado por Stroeb e Schutz (1999) tem
sido de grande auxílionos atendimentos. Novamente recorrendo à representação gráfica, é
possível expor a permanência do processo do luto, que não será extinto, encerrado e
ampliação do campo das possibilidades existenciais.
[...] enlutar-se não designa apenas um período necessário a ser esquecido ou superado,
mas uma crise de sentido que permite um novo relacionar-se com o que se perdeu do
outro e, portanto o que se perdeu de possibilidades de sua existência singular enquanto
ser-no-mundo, seja no esquecer, ou mesmo no manter uma coexistência na presença-
ausente da saudade (FREITAS, 2009, p. 104).
6 RESULTADOS PRELIMINARES
trabalho narrando 4 histórias: Carla, a viúva que não podia chorar!; Yara – quem é essa
mulher que canta sempre esse lamento?; Karina – não podemos falar da mamãe! e João,
Maria e Pedrinho – uma triste história de amor.
estabelecer um convívio próximo com o filho que esta para nascer. Justifica-se afirmando que
a mãe não terá muita história pra contar de Angelo, e que o bebê verá as fotos de família e que
ela Carla estará presente em todas. Sendo assim, considera fundamental que essa criança saiba
quem ela foi.
Ao longo de 18 sessões Carla descreve sua insistente aproximação com a namorada de
Angelo e passa a denominá-la pelo nome, Ester. A cada atendimento Carla descreve seu
distanciamento de Angelo, como morto, e permanece fixada em seus pais, em Ester e sua filha
Beatriz. Passa a relatar seus contatos com eles a partir de uma descrição de muita intimidade.
Porém só há o relato de sua aproximação e nunca da recíproca dos mesmos. Com o
nascimento de Beatriz, Carla mostra-se absolutamente absorvida pela vida que não é a sua.
Chega a planejar o dia em que será a “verdadeira” mãe de Beatriz, a qual terá seu nome
trocado por Rafaela.
Carla criou uma realidade à parte e direcionou todo seu afeto nessa espécie de
“matrix”. A cada dia que passava o choro interditado nesse processo de luto não autorizado
cedia espaço para uma fantasia de alegria e de pertinência à família de Angelo. As
intervenções terapêuticas que buscavam pontuar seu discurso e aproximá-la da dor da perda
pareciam incomodá-la, de tal forma que interrompe os atendimentos afirmando estar bem e
não precisar mais desses cuidados.
em seus sonhos. Ela mesma, a mulher, aparecia como uma imagem distorcida e quase
apagada em seus relatos. Sobre sua vida hoje, Yara conta que sai de casa apenas duas vezes
por semana, uma para ir à missa e outra ao grupo de oração. Reforça que não tem convívio
com ninguém e tem procurado se afastar, inclusive de sua irmã, pois não se conforma com o
tanto que ela se descreve como doente e reclama da vida pelo fato de seus filhos saírem para
passear.
Nos primeiros atendimentos João vai se tornando cada vez mais presente nos
atendimentos. Yara traz fotos do filho para mostrar para a psicóloga e lê o bilhete que ele
deixou no dia de sua morte: “Desculpa mãe, não dava mais para mim”. O espaço terapêutico
também se torna uma possibilidade de reencontrá-lo simbolicamente ao falar sobre ele, ver as
fotos, as postagens no facebook e os e-mails de amigos. Encontrar a psicóloga a aproxima de
João e, gradativamente, de sua própria dor. Yara passa a trazer algum tipo de alimento para a
psicóloga a partir do quarto atendimento. São bolachinhas, chocolates e bolos pelos quais
João tinha preferência. Ela parece começar a se alimentar, se nutrir na relação terapêutica.
Do mergulho na profundidade de sua dor, em que também diz sentir vontade de
desistir da vida, Yara emerge para pequenos planos como realizar um trabalho voluntário e se
aproximar dos irmãos e rapidamente submerge outra vez para suas recordações: “Parece que
o vejo no corredor lá de casa”. Esse movimento é sempre acentuado por datas significativas
que, nesse primeiro anos sem ele, se tornam mais significativas ainda. Ele nasceu e morreu
em setembro e passar por esse mês foi imensamente triste, principalmente pelas campanhas
relacionadas à prevenção do suicídio. Entretanto, Yara já tinha mais voz e, na mesma medida,
também se ouvia mais, respeitando seus sentimentos de pesar e de empenho pra vida com
mais tranquilidade.
Após muitos “mimos” como ela mesma descrevia os presentes que trazia para a
psicóloga, Yara traz balas de côco e reforça que João detestava. Começa a surgir outra
configurar a relação terapêutica, que às vezes tem um sabor que não é tão agradável, inclusive
por se aproximar do término do ano letivo e do encerramento dos atendimentos: “Você
também vai me deixar... vai embora... cuidar da sua vida...”.
Em 22 sessões o canto de lamento de Yara chama incansavelmente por João, que se
aproxima e se afasta em sua memória, porém não a impede de se apropriar de seu existir,
ainda que tão marcado pela dor de não poder mais afagar seu filho.
46
bichos atacavam a psicóloga, morriam, viviam novamente, bem em acordo com o modo como
uma criança de 4 anos compreende a morte, ou seja, como um evento reversível. Quando a
terapeuta introduz um livro de ilustrações em que há a cena da morte de um bichinho e fica
explícita a tristeza de uma criança, Karina paralisa. Ela fica olhando para o livro, tenta
desenhar e não consegue: “Não consigo... tá aqui (bate na cabeça com sua mão) mas não sei
mais fazer... não consigo”. Passa a sessão toda calada e entristecida. As brincadeiras de
agressão e morte dos animais se repetem e ficam mais violentas, exigindo acolhimento
constante da terapeuta. Por volta da 15ª sessão, Karina vai ao atendimento com uma blusa que
tem a letra “M” estampada. Quando a psicóloga pergunta sobre a letra ela diz que é de
mamãe, porém rapidamente se corrige e diz que é do nome de um super herói. Falta na sessão
seguinte. A psicóloga mantém em cada sessão os mesmos brinquedos e livros e tudo se repete
até a última sessão realizada em que elas brincam de pintar o cabelo e Karina diz que vai
colorir o cabelo da terapeuta de amarelo. Quando questionada sobre o motivo ela diz que acha
bonito. A psicóloga pergunta quem ela conhece de cabelo amarelo e ela diz que é a mamãe.
Nesse momento continuam falando sobre o “cabelo amarelo” e Karina não se afasta do
assunto, ela já estava se autorizando a falar sobre a mamãe. Porém, novas faltas ocorreram e
sempre foi feito contato com a família para remarcar e após 3 faltas consecutivas a avó diz
que ela havia piorado, pois estava falando muito sobre a mãe, olhando para as fotos e que o
pai achava melhor não leva-la novamente à psicoterapia, porque assim poderia esquecer esse
“assunto”. Tentamos contato com o pai, mas foi em vão. A evolução positiva da criança em
terapia, ou seja, a aproximação com a memória da mãe, com as lembranças e, assim,
gradativamente, com a dor da perda foi compreendida pelo pai como uma vivência perigosa
que deveria ser evitada, através do silêncio. Não podemos falar da mamãe!
consulta médica e chorava muito, sendo solicitado que passasse pelo atendimento psicológico.
Durante o mesmo afirmava o receio de esperar muito tempo para o parto e algo ruim
acontecer ao Pedrinho. Então, é orientada a esclarecer essas dúvidas durante a consulta
médica e a pedido de Maria a psicóloga a acompanha durante essa situação. Quando retorna
nas outras duas semanas demonstra estar mais calma, mais ainda com medo de que seu filho
pudesse sofrer de alguma forma. A psicóloga combina com Maria para que eles a avisassem
quando viessem para a maternidade para a chegada de Pedrinho. E assim aconteceu. Com 42
semanas Maria interna no início da tarde, acompanhada por João e começa a espera pela
indução do parto. A psicóloga volta para vê-la ao entardecer e as dores estão presentes e
dilatação começa a ocorrer. Maria estava com dores, porém confiante. Combinam que se
fosse necessário a equipe ligaria para a psicóloga, caso contrário retornaria bem cedo no dia
seguinte para vê-los.
Pedrinho nasceu naquela madrugada por um parto tipo cesárea de emergência devido
ao deslocamento da placenta, o que ocasionou sofrimento fetal, várias paradas
cardiorrespiratórias após o nascimento, manobras de reanimação e, depois de
aproximadamente 8 horas de vida ele morreu, nos braços de Maria e de João.
Ao chegar à maternidade por volta das 7:00 horas a psicóloga é imediatamente
informada sobre a gravidade da situação e vai ao encontro dos pais. João apressava-se para
obter notícias sobre a possível transferência de Pedrinho para uma UTI (Unidade de Terapia
Intensiva) neo-natal em outro hospital. Maria contava e recontava como tinha sido todo o
processo: as dores, o pedido para fazer o parto logo, a constatação da oscilação do batimento
cardíaco do bebê, o parto e espera pelo choro de Pedrinho, que não aconteceu. Repetia que
tinha que ficar bem para cuidar seu filho e ao mesmo tempo pedia para que a psicóloga fosse
ao encontro de João para ver como ele estava. Nesse momento, a psicóloga o encontra em
frente a sala de urgência, em desespero. Ele invade a sala e vê que estavam massageando o
tórax de Pedrinho, que havia tido mais uma parada. Ela o ampara fisicamente, pede que os
médicos falem rapidamente com ele e o conduz para fora, combinando que não o deixaria sem
notícias. João literalmente desmorona encostado na parede da sala de urgências, deixando-se
espalhar pelo chão do corredor. Era preciso estar à altura de seus olhos para acolhê-lo e,
então, a psicóloga senta-se ao seu lado e ele chora compulsivamente. Pedrinho tem 7ª parada
e chega o momento de trazer Maria para se despedir de seu bebê. A psicóloga acompanha a
enfermeira e a médica que informam Maria sobre a gravidade da situação e sobre a extrema
fragilidade de Pedrinho. Na sala de urgência Maria e João são pais que sofrem a perda de um
bebê e ao mesmo tempo duas crianças que não sabem o que fazer. A psicóloga encaminha
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Maria para perto do berço, a acomoda em uma cadeira para que possa segurar Pedrinho em
seu colo. Conduz João para perto dos dois e diz que seria a hora deles conversarem com o
filho, dizerem o que sentiam por ele: “Vamos filho, papai tá aqui, você vai conseguir”.
Pedrinho morre no colo de Maria.
O atendimento psicológico emergencial em situação de luto foi mantido durante o dia
do óbito para toda a família, inclusive com os avós que estavam cuidando da parte burocrática
dos funerais e também nos dois de internação subsequentes à morte da criança. Sendo assim
foi possível acolher os pais no momento da morte e também nos primeiros dias do luto, em
que estavam se reorganizando para retornar para sua casa. Momento esse em que iriam se
deparam com o ambiente preparado para a chegada de Pedrinho. Tais aspectos foram trazidos
pelo casal, sendo que ao expressarem os sentimentos, os medos e as fantasias sobre essa
situação, conseguiam, pouco a pouco, criar recursos para enfrentar a perda.
Justificativa
Cronograma de atividades
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