Cópia Traduzida de Viveiros - de - Castro - Eduardo - Cosmological - Perspectivism - in - Amazonia - and - Elsewhere
Cópia Traduzida de Viveiros - de - Castro - Eduardo - Cosmological - Perspectivism - in - Amazonia - and - Elsewhere
Cópia Traduzida de Viveiros - de - Castro - Eduardo - Cosmological - Perspectivism - in - Amazonia - and - Elsewhere
HNOMCLASSE ASTERSÉRIE
Volume 1
HNOMCLASSE ASTERSÉRIE
Volume 1
Editores da série: Giovanni da Col e Stéphane Gros
ISSN 2049-4769
HNO
Série Masterclass
Equipe editorial
E-mail [email protected]
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Twitter @haujournal
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HAU-N.E.T.
1. Cosmologias: perspectivismo 45
Perspectivismo na Amazônia e em outros lugares 47
Perspectivismo na literatura: alguns exemplos 49
Contexto etnográfico 53
Contexto teórico 60
Cosmologia 61
Conhecimento 67
Palavras 71
Sujeito e objeto 71
Corpo e alma 71
Perspectiva 74
Animal 78
Bibliografia 155
ASOBRE ESTE TEXTO
vem do fato de que eles agora servem de base para uma introdução
até então inédita de Roy Wagner, cuja generosidade excede os limites
de qualquer reconhecimento possível de minha parte. Não será a
primeira vez que o prefácio vale muito mais que o livro.
Os fatos forçam você a acreditarem eles;
perspectivas incentivam você a acreditar fora
deles
Cosmologias: perspectivismo
coelho não temzac– esse é o seu poder. O ser humano não nasce
comzac, temos que aprender.
suposição de que não há nada dentro de nós que possa garantir certeza
absoluta (disso eu tenho certeza). Talvez Heidegger (que não é um dos
meus filósofos favoritos e não está à altura de Wittgenstein) pudesse
ajudar-nos aqui e sugerir alguma experiência pela qual pudéssemos
provar o nosso Ser (Dasein) porindependente, ou meios independentes
(cf. Heidegger 2001: 183). (Talvez não – tal coisa nunca foi vista na
Floresta Negra, com a possível exceção deBolo floresta negra.)
são como uma jaqueta reversível que pode ser usada do avesso se
necessário, pois nesse caso não há necessidade de determinar qual é a
“correta”. Portanto, é claro que os seres humanos foram “cientistas”
desde o início e, da mesma forma, foram também os
grandesclassificadoresdo mundo. A única questão é saber o que “o
começo” significa neste caso, e a única resposta é que éagora.
Assim, auto-referências
como“pessoas”significar“pessoa,”não“membro da espécie
humana”; e são pronomes pessoais que registram o ponto de vista
do sujeito que fala, e não nomes próprios.—— Aula 2, pág. 99
Diz-se que é um sintoma de esquizofrenia quando alguém se refere a si
mesmo na terceira pessoa. Bem, essa pode ser a opinião de Roy, mas
certamente não é a minha. “Roy” é o nome que dão aos cowboys e
vendedores de carros usados, e eu próprio sou um escocês enrustido
chamado “Rob-Roy”. Eu sou
na verdade, um agente secreto de alguns seres subliminares chamados
Antigêmeos, mas “Roy” é o oposto disso. Tendo escrito um livro
chamadoUma antropologia do sujeitoAgora estou ansioso por um
volume complementar chamadoUma antiantropologia do predicado.
paralaxe que é mais que real e que define a condição humana. Os Tolai
dizem que “Quando você olha para uma árvore cuja folhagem recorta o
formato de um rosto humano contra o céu, e depois vai e volta ao
imaginá-la – árvore com rosto, rosto com árvore, e assim por diante,
isso é apote de tabaco HOMEMé umgordo, pois seus desejos estão
encerrados no contorno de sua forma, mas ele quer o que éforadessa
forma. Quando ele consegue isso, entretanto, ele quer ser encerrado
novamente na forma humana” (Rodney Needham, comunicação
pessoal). Existe uma réplica exata desta definição entre os Yekuana do
Orinoco, conforme descrita por David
Gus (1989). De acordo com Guss, os Yekuana consideram a reversão
figura-fundo umao assassino da metáfora, que é a fonte de todo
engano na raça humana. Assim como otiposé usado para espremer o
ácido prússico da mandioca amarga, para que ela possa se tornar
comestível para os seres humanos, de modo que a construção humana
da inversão figura-fundo em todas as suas muitas formas espreme a
meia-verdade da metáfora,qual é
o veneno da mente.Tudo neste mundo que tem umformatambém tem
um negativo, ouum poucoforma (não um gêmeo, mas umantigêmeo)
correspondente a ele e flutuando em algum lugar. Quando os dois
entram em contato, ocorre algo como um eclipse do Sol, e os dois se
anulam, como trens de ondas opostos. (Por isso, como Edie Turner
uma vez me disse: “A morte... não é apenaseducacional,
masperfeitamente seguro.”)
2. Pele é uma metonímia de contenção muito difundida na Nova Guiné e no uso dos
aborígenes australianos. Designa os atributos superficiais de algo, como um
indivíduo-como, por exemplo, um “nome” pode ser entendido, ou “aparência”,
como na iconografia dos Warlpiri de Munn (Munn 1986).
EUINTRODUÇÃO 37
Referências
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Juan.Nova York: Simon e Schuster.
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canto na expressão Kaluli. Filadélfia: University of
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William Heinemann.
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Folhas.
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———. 1966.A mente selvagem.Chicago: Universidade de Chicago
Press.
Masculino, Tomás. 1994.Para lembrar os rostos dos mortos: a
plenitude da memória no sudoeste da Nova Grã-Bretanha.
Madison, Wisconsin: The University of Wisconsin Press.
44 Roy W.PALHA
etc.), eles veem seus atributos corporais (peles, penas, garras, bicos)
como decorações corporais ou instrumentos culturais, eles veem seu
sistema social organizado da mesma forma que as instituições humanas
(com chefes, xamãs, cerimônias, metades exogâmicas). etc.). Este “ver
como” refere-se literalmente a percepções e não analogicamente a
conceitos, embora em alguns casos a ênfase seja colocada mais no
aspecto categórico do que no aspecto sensorial do fenômeno; em
qualquer caso, os xamãs, mestres do esquematismo cósmico (Taussig
1987: 462-63) e dedicados a comunicar e administrar essas
perspectivas cruzadas, estão sempre lá para tornar os conceitos
tangíveis e as intuições inteligíveis.
Em suma, os animais são pessoas, ou vêem-se como pessoas. Tal
noção está virtualmente sempre associada à ideia de que a forma
manifesta de cada espécie é um mero invólucro (uma “roupa”) que
esconde uma forma humana interna, geralmente visível apenas aos
olhos da espécie particular ou a certas pessoas trans. -seres específicos,
como xamãs. Esta forma interna é a alma ou espírito do animal: uma
intencionalidade ou subjetividade formalmente idêntica à consciência
humana, materializável, digamos, num esquema corporal humano
escondido atrás de uma máscara animal.
À primeira vista, teríamos então uma distinção entre uma essência
antropomórfica de tipo espiritual, comum aos seres animados, e uma
aparência corporal variável, característica de cada espécie individual,
mas que, em vez de ser um atributo fixo, é antes uma roupa mutável e
removível. . Esta noção de vestimenta é uma das expressões
privilegiadas da metamorfose – espíritos, mortos e xamãs que
assumem forma animal, feras que se transformam em outras feras,
humanos que são inadvertidamente transformados em animais – um
processo onipresente no “mundo altamente transformacional” ( Rivière
1994) proposto pelas ontologias amazônicas.4
Este perspectivismo e transformismo cosmológico pode ser visto em
diversas etnografias sul-americanas, mas em geral é apenas objeto de
breves comentários e parece ser bastante desigual.
4. Essa noção do corpo como vestimenta pode ser encontrada entre os Makuna
(Århem 1993), os Yagua (Chaumeil 1983: 125-27), os Piro (Gow pers. comm.), o
Trio (Rivière 1994) e o Alto Xingu. sociedades (Gregor 1977: 322). A noção é
muito provavelmente pan-americana, tendo um rendimento simbólico
considerável, por exemplo, nas cosmologias da Costa Noroeste (ver Goldman
1975 e Boelscher 1989), se não de distribuição muito mais ampla. Volto a isso na
Aula 4.
CPERSPECTIVISMO OSMOLÓGICO 49
É por isso que caçam, matam inimigos, usam o fogo para preparar a
comida, cultivam milho etc. Mas é assim que eles [os animais]
veem as coisas. Os Wari’ sabem que a onça mata sua presa com
garras e dentes e a come crua. Mas para a onça, ou melhor, do
ponto de vista da onça (compartilhado pelos xamãs, mas não pelo
resto dos Wari’), ele mata suas presas com flechas como os Wari’
fazem; ele leva a presa para casa, dá para a esposa e manda ela
cozinhar.
Contexto etnográfico
9. Por exemplo, Tanner (1979) e Karim (1981). Ver Bloch (1989) para uma
generalização deste argumento, que lembra a distinção clássica entre aspectos
“técnicos” e “expressivos” da acção.
CPERSPECTIVISMO OSMOLÓGICO 55
12. Brightman (1983: 40, 160) e Fienup-Riordan (1994: 62) discutem ideias
semelhantes num contexto norte-americano. Para a Amazônia, ver também Jara
1996: 92–94 (Akuryó) e Guss (1989: 40) (Ye’kuana). Schiefflin (1976: 94-95)
relata o mesmo para os Kaluli da Nova Guiné.
13. A noção de que o “eu” (humanos, índios, minha tribo) é o termo historicamente
estável na distinção entre o “eu” e o “outro” (animais, brancos, outros índios)
aparece tanto na diferenciação interespecífica quanto na separações
intraespecíficas, como pode ser visto nos diversos mitos ameríndios de origem
dos brancos. Os outros eram o que somos e não somos, como entre nós,
CPERSPECTIVISMO OSMOLÓGICO 57
o que éramos. Percebe-se assim quão pertinente pode ser a noção de “sociedades
frias”: a história existe de facto, mas é algo que só acontece aos outros.
14. Este ponto tem sido frequentemente defendido para outras cosmologias
não-ocidentais. Ver, por exemplo, Gell (1995: 23) sobre a Polinésia: “O
pensamento polinésio sobre o universo diferia do pensamento ‘criacionista’
judaico-cristão na medida em que se baseava, não na criação do universo.do
nadapor Deus, mas na existência inicial de tudo em um plenário abrangente ou
em um continuum firmemente vinculado. A época criativa ocorreu como um
processo de “diferenciação” dentro desta pré-existência
plenum” Como acabo de observar, o plenário ameridiano, diferentemente do
Nas cosmogonias polinésias, mais “naturalistas”, é humano: a humanidade é a
forma do continuum primordial. Sobre a relevância do tema mitológico do
continuum nas cosmologias polinésias – um tema originalmente desenvolvido por
Lévi-Strauss (1964) precisamente num contexto comparativo polinésio-ameríndio
– ver o notável livro de Schrempp (1992).
58 Eduardo VIVEIROS DE CASTRO
15. Não pretendo sugerir que esta obsessão seja um “erro”, apenas que nós,
“modernos tardios”, parecemos particularmente assombrados por esse aspecto do
Ser (embora não estejamos muito dispostos a estendê-lo aos seres não humanos).
CPERSPECTIVISMO OSMOLÓGICO 59
Contexto teórico
Cosmologia
Ao aplicar os rótulos de “perspectivismo” ou “multinaturalismo” às
“cosmologias ameríndias” e contrastá-las com uma “cosmologia
ocidental”, estou fadado a ser acusado de duas falhas complementares
(entre outras). Pode-se dizer que estou superdiferenciando esses dois
pólos, e talvez até mesmo essencializando-os, isto é, propondo mais
uma teoria da Grande Divisão, e que estou subdiferenciando cada um
deles internamente – o ameríndio, ao tratar, digamos, , os Kayapó e os
Tsimshian como pássaros da mesma pena que se reuniram ontem da
Sibéria, e o ocidental agrupando sob este rótulo uma bricolagem ímpia
de histórias, línguas, culturas, tradições intelectuais, práticas
discursivas, gêneros e o que quer que seja. .
As teorias da Grande Divisão, isto é, polaridades e outros
dispositivos comparativos “outros”, tiveram uma má publicidade
ultimamente. O lugar do outro, porém, nunca pode ficar vago por
muito tempo. No que diz respeito à antropologia contemporânea, o
candidato mais popular para o cargo parece ser a própria antropologia.
Em primeiro lugar, na sua fase formativa (nunca superada
completamente), a principal tarefa da antropologia era explicar como e
porquê o outro primitivo ou tradicional estava errado: os selvagens
confundiam as ligações ideais com as reais e projectavam
animisticamente as relações sociais na natureza. Em segundo lugar, na
fase clássica da disciplina (que perdura), a outra é a sociedade/cultura
ocidental. Em algum lugar ao longo do caminho – com os gregos?
Cristandade? a Reforma? o Iluminismo? Capitalismo? – o Ocidente
entendeu tudo errado, postulando substâncias, indivíduos, separações e
oposições onde quer que todas as outras sociedades/culturas vejam
corretamente relações, totalidades, conexões e incrustações. Porque é
antropologicamente anómalo e ontologicamente equivocado, é o
Ocidente, e não as culturas “primitivas”, que requer explicação: o
Ocidente foi um Acidente. E, em terceiro lugar, na fase pós-positivista
(ainda muito desejativa) da antropologia, primeiro o Orientalismo,
depois o Ocidentalismo, são evitados: o Ocidente e o Resto já não são
vistos como tão diferentes um do outro. Por um lado, nunca fomos
modernos (isto é verdade) e, por outro, nenhuma sociedade
sempre foi primitivo (isso também é verdade). Então quem está errado,
o que precisa de explicação? (Alguémdeveestar errado, algotema ser
explicado.) Nossos antepassados antropológicos, que nos fizeram
acreditar na tradição e na modernidade, estavam errados - e assim a
grande polaridade agora é entre a antropologia e a vida
prática/corporificada real de
62 Eduardo VIVEIROS DE CASTRO
19. Uma tripartição semelhante à proposta acima pode ser encontrada em Latour
(1996a); mas meu fio condutor é diferente do de Latour. O que torna os nossos
três estados comparáveis é a sua ênfase comum no fetichismo e na reificação.
20. “Os Munchkins disseram a Dorothy que havia quatro bruxas em Oz. Os do Norte
e do Sul eram bons, mas os do Leste e do Oeste eram maus.” Assim, o
Orientalismo e o Ocidentalismo também são politicamente incorrectos na Terra de
Oz – mas o “meridionalismo” de Goody seria bastante correcto. Como
americanista, sempre achei os contrastes de Goody entre “Eurásia” e “África
Negra” interessantes, mas um tanto arbitrários. Em muitos aspectos, como a
organização política e a ideologia do parentesco, a Europa e a “África Negra”
parecem bastante semelhantes e bastante diferentes das formas amazónicas.
CPERSPECTIVISMO OSMOLÓGICO 63
21. See, for instance, Overing (1981, 1983-84, 1988); Rivière (1984); Viveiros de
Castro (1992a, 1993); Hugh-Jones (1992, 1996b); Descola (1992); Henley
(1996a, b); Fausto (1997).
64 Eduardo VIVEIROS DE CASTRO
Conhecimento
O estilo de análise exemplificado nestas palestras tem sido
repetidamente atacado por antropólogos que favorecem as chamadas
abordagens cognitivas. Não examinarei detalhadamente seus
argumentos. Deixe-me apenas dizer que acho que os materiais aqui
apresentados têm pouco a esperar e pouco a contribuir para as teorias e
preocupações cognitivistas. O cognitivismo pertence ao meu campo de
objetos, não de ferramentas. É algo que contrastarei (mais ou menos
explicitamente) com as ideias ameríndias, não com o padrão de
68 Eduardo VIVEIROS DE CASTRO
24. O que quero dizer aqui é simplesmente que o “pensamento binário” não é um
efeito colateral do alfabeto (ver Bororo; Crocker 1985), nem o dualismo é uma
propriedade exclusiva das tradições teológicas ou filosóficas ocidentais (ver
Jullien 1993 sobre a China).
25. Ideiascomo “a mente” ou “a natureza última da realidade”, entretanto – no
sentido de que são produtos intelectuais coletivos, historicamente constituídos e
culturalmente determinados – são exemplos perfeitos daqueles objetos que a
antropologiapodealegação como enquadrando-se (entre outros) em seu próprio
campo de estudo.
CPERSPECTIVISMO OSMOLÓGICO 71
Palavras
Sujeito e objeto
Estas palavras perigosas são usadas aqui num sentido puramente – mas
metaforicamente – pragmático, indexical ou pronominal. “Sujeito” é a
posição semiótica correlacionada com a capacidade de dizer “eu” de
forma real ou virtual.cosmológicodiscurso. “Objeto”, da mesma forma,
é aquilo sobre o qual se “fala”. Como ficará claro nas palestras
seguintes, baseio-me essencialmente no trabalho seminal de
Benveniste sobre a “subjetividade na linguagem” expressa no conjunto
pronominal (1966a, b). eu uso
“pessoa” como sinônimo de “sujeito”, quando se deseja assinalar o fato
de que as pessoas são “objetos” capazes de atuar como “sujeitos”. Esta
noção de “pessoa” é igualmente pronominal e também pode ser
derivada de Benveniste. Minhas metáforas vêm, portanto, da semiose,
não da produção ou do desejo: não há dialética do “eu” e do “outro”
pretendida, pois não há síntese e coprodução, mas sim alternância e
disjunção, isto é, troca (de perspectivas). As possíveis conexões do
meu “sujeito” e “objeto” com os conceitos de “objetificação”,
“personificação” e “reificação”, tais como desenvolvidos, por exemplo,
por Strathern (1988) são deixadas abertas para uma exploração mais
aprofundada.
Corpo e alma
Estarei aqui usando as palavras “alma” e “espírito” como sinônimos
parciais para me referir ao componente invisível subjetivo,
volitivo-intencional de pessoas associadas, mas destacáveis, das formas
corporais visíveis que caracterizam cada espécie. Chamarei também de
“espíritos” algumas entidades dos mundos ameríndios que não
possuem uma forma corporal estável e normalmente visível,
evidenciando de forma superlativa a metamórfica
72 Eduardo VIVEIROS DE CASTRO
27. Tal deslize prepara o terreno para aquelas oposições privativas características das
teorias da “Grande Divisão”.
28. Tanto a doençaeo diagnóstico é “tipicamente ocidental”.
74 Eduardo VIVEIROS DE CASTRO
Perspectiva
Considerando tudo o que foi escrito sobre o preconceito visual da
nossa tradição filosófica, pode parecer perigoso colocar tal ênfase na
noção de perspectiva, esta metáfora hiper-ocidental, supremamente
modernista e “vista”. Mas então, “o que. . . o que o antropólogo faz
diante de provocações deliberadas à visão?” (Strathern 1994:
243).29Tudo o que posso fazer aqui é observar que a maioria das
culturas ameríndias evidencia um preconceito visual próprio: a visão é
o modelo de percepção e conhecimento (Mentore 1993); muitas
línguas indígenas apresentam evidências que distinguem entre o
conhecimento direto (obtido pela visão) e o conhecimento por ouvir
dizer; o xamanismo está carregado de conceitos visuais (Gallois
1984–85; Townsley 1993); em muitas partes da Amazônia, drogas
alucinógenas são usadas como
“provocação deliberada”devisões; mais geralmente, a distinção entre o
visível e o invisível (Kensinger 1995: 207; Gray
1996: 115, 177) parece desempenhar um papel ontológico importante;
poderíamos também lembrar a ênfase na decoração e exibição de
superfícies corporais e de objetos, no uso de máscaras, etc. (Ver Gow
1997 para uma análise detalhada e perspicaz da visão em uma cultura
amazônica).
Em alguns casos, a noção de “perspectiva” ou “ponto de vista” é
expressa literal e intrinsecamente. Considere esta passagem de
Guédon:
Uma das primeiras mulheres Tsimshian que conheci, que ainda
hoje está envolvida no xamanismo, explicou-me que não é
oatiasxw[o ajudante do curador, a personificação de seu dom: um
objeto que serve como ferramenta do xamã] como objeto que
importa, mas os métodos usados para colocar o poder no foco
adequado com a ajuda doatiasxw. No caso dela, seu poder é a
corda. Pode-se pensar que uma corda pode ser usada para amarrar
ou puxar, mas a corda dela não é uma corda material, é uma
corda.atiasxw, isto é, como ela explica, um"ponto de vista."Se ela
olha para uma pessoa doente de uma forma normal, ela sabe que
30. Um xamã não pode matar ou comer o corpo da espécie animal que ele
compartilha. Alguns xamãs veemtodosanimais dotados de alma como pessoas – e,
portanto, são caçadores muito pobres porque a maioria das espécies caçadas pelos
Wari’ estão nesta categoria. Esta reputação dos xamãs como maus caçadores
devido à sua “androginia de espécie”, também é encontrada entre os Cashinahua
(Kensinger 1995: 211) e entre os Akuryó (Jara 1996: 92-94), onde os xamãs não
estão autorizados a caçar. esse mesmo motivo.
76 Eduardo VIVEIROS DE CASTRO
31. Os xamãs e os leigos também se distinguem com base nos olhos: os primeiros têm
olhos frios, os segundos, quentes. Esta ligação de Chewong entre comida e visão,
além de ilustrar a ideia já mencionada de que o perspectivismo está crucialmente
preocupado com os estatutos relacionais do predador e da presa, traz à mente uma
observação de Mentore (1993: 29) sobre os Waiwai da Guiana: “a dialética
primária é uma entre ver e comer.”
CPERSPECTIVISMO OSMOLÓGICO 77
Animal
A seguir, “animal” deve ser entendido no sentido distributivo, não no
sentido coletivo: toda e qualquer espécie animal (não humana), não o
reino animal, muito menos a animalidade em oposição à humanidade.
A evidência etnográfica disponível sugere que as cosmologias
ameríndias não apresentam um conceito geral e colectivo de “animal”
em oposição a “humano”. Os humanos são uma espécie entre outras, e
às vezes as diferenças internas à humanidade estão no mesmo nível das
específicas da espécie: “Os Jívaro vêem a humanidade como um
conjunto de sociedades naturais; a semelhança biológica do homem
lhes interessa muito menos do que as diferenças entre formas de
existência social” (Taylor 1993b: 658).
Se isto for verdade, então pelo menos um significado básico da
oposição padrão entre natureza e cultura deve ser descartado quando
passamos para contextos ameríndios: a natureza não é um domínio
definido pela animalidade em contraste com a cultura como o domínio
da humanidade. O verdadeiro problema com o uso da categoria
“natureza” nestes contextos, portanto, não reside tanto no fato de que
os animais também têm (ou são)
in) “cultura”, mas sim com a suposição de umaunificadodomínio não
humano (Gray 1996: 114). Nosso “não-humano” essencialista é um
“não-humano” contextual; “isso” não tem uma definição substantiva
comum e abrangente (mesmo que privativa): à parte as semelhanças
taxonómicas ou etológicas, cada espécie não humana é tão diferente de
todas as outras como o é dos humanos.
Na verdade, é raro encontrar línguas ameríndias que possuam um
conceito coextensivo ao nosso conceito de “animal (não humano)”,
embora não seja incomum encontrar termos que correspondam mais ou
menos a um dos significados informais de “animal” em inglês. :
animais terrestres relativamente grandes, normalmente mamíferos não
humanos - em oposição a peixes, pássaros, insetos e outras formas de
vida.32Suspeito que a maioria das palavras indígenas que foram
traduzidas como “animal” nas etnografias na verdade denotam algo
análogo a isto. Deixe-me dar alguns exemplos.
32. Estou ciente de que existem coisas como “categorias secretas”, isto é, formas
conceituais não lexicalizadas. Mas minha opinião é que na maioria dos
(possivelmente todos) casos amazônicos hánãonoção submersa que significa
“animal não humano” (em nosso sentido de “animal”).
CPERSPECTIVISMO OSMOLÓGICO 79
33. Pedi a Anthony Seeger para verificar o significado debrum—que ele traduziu
como “animal” em seus livros sobre os Suyá—em recente visita a esta sociedade
de língua Jê do Brasil Central. Isto é o que ele me escreveu ao retornar:
“Perguntei sobre o que significa a palavra ‘brum' significa, e fiquei bastante
surpreso com a resposta. Eu estava conversando com um dos falantes de
português mais atenciosos, um homem de cerca de 50 anos, e o homem mais
velho, Suya, com cerca de 65 anos.brumera. A resposta foi que significava
animal. Perguntei então se os peixes erambrum, e eles disseram não. Eles
disseram que tudo o que nada na água é ‘tep’ (peixe), tudo o que anda ou se
locomove (como nas cobras) em terra ébrum, e que tudo que voa é ‘saga'
(pássaro). Eu disse, então, e as cobras. Eles disseram que as cobras sãobrum
Muitas vezes(jogo ruim ou feio), como sapos e lagartos, e outras coisas.
Perguntei sobre vespas, que eles disseram que sãosaga(pássaros maus ou feios).
Eles disseram nas antigas canções de Suya, ojacaré (jacaré), oumeu,é chamado
'te-nós-mi-ji’ provando que a sua classificação como ‘peixe’ ou animal aquático é
antiga. Essa classificação nunca tinha me ocorrido, então experimentei com outra
pessoa que disse ‘claro,
é assim que as coisas são.’ Agora, existem algumas contradições. Um canto de
cura que coletei acaba chamando o jacaré de ‘bru-taw' ou jogo. Há uma
palavraparece(Nyimbur'meu,'nibru'seu,'parece'dele' . . .) para o qual ninguém
poderia me dar uma tradução direta. Acredito que significa ‘minha caça’ no
sentido de ‘minha presa morta’. A palavra é usada para se referir a peixes, caça e
pássaros mortos. Também é usado para se referir às baratas mortas por uma vespa
(o nome da vespa).parece'). Nesta forma, a palavra significa ‘presa’, como você
sugeriu quando conversamos.” Sou grato ao meu
professor Tony Seeger por esta explicação detalhada.
80 Eduardo VIVEIROS DE CASTRO
34. Assim a palavra Arawetéha'a, “carne” ou “carne” (os Araweté não têm uma
palavra genérica para “animal”), é o cognato dos 16ºpalavra tupinambá do
séculoentão, que parece ter significado “animal de caça”. Curiosamente, a palavra
tupinambá para “veado” éroupa legal, aceso. “grande jogo”, em estrita analogia
com o
anglo/alemão “deer/tier” e ao anglo/francês “venison/veado”, que deriva do verbo
latino para “caçar” (ver também espanhol/português “venado/veado,” veado).
35. Ver Viveiros de Castro (1978) para uma análise dos conceitos Yawalapíti sobre
“animais” e uma tentativa de explicação da exceção dietética (aparentemente
paradoxal) –Cebus macacos, que são considerados adequados para serem
comidos “porque se parecem com humanos”. Todos os mamíferos, inclusive os
aquáticos, sãoapapalutapa-mina.
36. O prototípico (o “chefe” de)apapalutapa-minaé a onça, que na mitologia
xinguana é o ancestral do homem. As mitologias do Alto Xingu muitas vezes se
opõem aos domínios da terra, da água e do céu, tornando humanos
eapapalutapa-minacompartilham uma origem comum, em oposição aos peixes e
pássaros.
CPERSPECTIVISMO OSMOLÓGICO 81
Ele também poderia ter citado o caso dos Ojibwa, onde a coexistência
dos sistemas detotemebanal(evocado emTotemismo hoje) serviu de
matriz para a oposição geral entre totemismo e sacrifício (desenvolvida
emO pensamento selvagem) e pode ser interpretado diretamente no
âmbito de uma distinção entre totemismo e animismo.
Gostaria de concentrar a discussão no contraste entre animismo e
naturalismo, pois penso que é um bom ponto de partida para
compreender a postura distintiva do perspectivismo ameríndio.
Abordarei esse contraste, entretanto, de um ângulo diferente do
original. A definição de “totemismo” de Descola também merece
alguns comentários, que apresentarei à vossa consideração depois de
contrastar o animismo e o naturalismo.
O animismo poderia ser definido como uma ontologia que postula o
caráter social das relações entre humanos e não humanos: o espaço
entre a natureza e a sociedade é ele próprio social. O naturalismo
baseia-se no axioma invertido: as relações entre a sociedade e a
natureza são elas próprias naturais. Na verdade, se no modo anímico a
distinção “natureza/cultura” é interna ao mundo social, estando
humanos e animais imersos no mesmo meio sociocósmico (e neste
sentido, “natureza” faz parte de uma sociabilidade abrangente) , então,
na ontologia naturalista, a distinção “natureza/cultura” é interna à
natureza (e, neste sentido, a sociedade humana é um fenómeno natural
entre outros). O animismo tem a “sociedade” como pólo não marcado,
o naturalismo tem a “natureza”: estes pólos funcionam,
respectivamente e de forma contrastante, como a dimensão universal
de cada modo. Assim, o animismo e o naturalismo são estruturas
hierárquicas e metonímicas.
Deixe-me observar que esta expressão do contraste entre animismo
e naturalismo não é apenas uma reminiscência ou análoga à famosa
questão do presente/mercadoria: considero-a como sendo amesmoem
contraste, expresso em termos mais gerais e não económicos.3Isto está
relacionado com a minha distinção anterior entre produção-criação
(naturalismo) e troca-transformação (animismo).
Na nossa ontologia naturalista, a interface natureza/sociedade é
natural: os humanos são organismos como o resto, corpos-objetos em
inter-relações “ecológicas”.
3. “Se numa economia mercantil as coisas e as pessoas assumem a forma social das
coisas, então numa economia da dádiva elas assumem a forma social das pessoas”
(Strathern 1988: 134 [de Gregory 1982: 41]). Os paralelos são óbvios.
CPERSPECTIVISMO OSMOLÓGICO 87
ação com outros corpos e forças, todos regidos pelas necessárias leis da
biologia e da física; as “forças produtivas” controlam e, portanto,
expressam as forças naturais. As relações sociais, isto é, relações
contratuais ou instituídas entre sujeitos, só podem existir internamente
à sociedade humana (não existem “relações de produção” que liguem
os humanos aos animais ou às plantas, muito menos relações políticas).
Mas quão estranhas à natureza – este seria o problema do naturalismo
– são estas relações sociais? Dada a universalidade da natureza, o
estatuto do mundo humano e social é instável e, como mostra a história
do pensamento ocidental, oscila perpetuamente entre um monismo
naturalista (“sociobiologia” e “psicologia evolucionista” sendo alguns
dos seus avatares atuais) e um dualismo ontológico natureza/cultura
(“culturalismo” e “antropologia simbólica” sendo algumas de suas
expressões recentes).
A afirmação deste último dualismo, apesar de tudo, apenas reforça o
carácter referencial final da noção de natureza, ao revelar-se
descendente directa da oposição teológica entre natureza e
sobrenatureza. Cultura é o nome moderno do espírito – recordemos a
distinção entreCiências Naturaiseconhecimento espiritual
empresas—ou pelo menos é o nome do compromisso entre
natureza e graça. Do animismo, seríamos tentados a dizer que a
instabilidade está localizada no pólo oposto: aí o problema é como
lidar com a mistura de humanidade e animalidade que constitui os
animais, e não, como é o caso entre nós, a combinação de cultura e
natureza que caracterizam os humanos; o problema é diferenciar uma
“natureza” da sociabilidade universal.
Voltemos à tipologia tripartida de Descola.4Dada a polaridade
natureza/cultura, Descola distingue três “modos de identificação”
(sendo estes a nossa tríade familiar de totemismo, animismo e
naturalismo), depois três “modos de relação” (predação, reciprocidade,
protecção), depois um número indefinido de de “modos de
categorização” (deixados sem nome e indeterminados); as
possibilidades combinatórias dentro e entre os três modos não são
totalmente gratuitas. Ora, creio que a ausência de qualquer
especificação dos “modos de categorização”
4. Deixe-me dizer que não tenho nada contra as tipologias em si, que considero um
passo importante no raciocínio antropológico: as tipologias são como regras –
precisamos delas para quebrá-las. E colecionar borboletas é uma ocupação muito
honrosa e gratificante – se realizada com circunspecção ecológica – injustamente
insultada por um dos nossos eminentes antepassados.
88 Eduardo VIVEIROS DE CASTRO
7. Latour forneceu aqui apenas o termo, não o alvo: não pretendo que seu trabalho
seja identificado com nada do que digo neste parágrafo. A propósito, há outra
variante familiar desta mudança na forma como “nós” pensamos que “eles”
pensam. No momentoO pensamento selvagemfoi escrito, considerou-se
necessário afirmar, e fornecer ilustrações abundantes, que os povos primitivos
eram dotados de uma mentalidade teórica, mostrando um autêntico interesse
especulativo pela realidade -
eles não foram movidos por suas barrigas e outras considerações puramente
práticas. Mas isso foi quando “teoria” não era uma palavra abusiva. Agora, é
claro, tudo mudou. Esses povos voltaram a praticar; não, nem é preciso dizer,
praticar por causa de uma incapacidade para a teoria (bem, as escolas “oral versus
escrita” ou “desordem cosmológica” discordariam aqui), mas praticar como
antiteoria. Seja como for, nem todos os povos primitivos contemporâneos
parecem concordar com o nosso atual interesse pela prática; talvez porque não
sejam mais primitivos (mas já foram?). Assim, no último livro de Fienup-Riordan
(1994: xiii), podemos ler a seguinte observação introdutória de um homem
Yup'ik: “Vocês, brancos, sempre querem saber sobre as coisas que fazemos, mas
são as regras que são importantes .”
CPERSPECTIVISMO OSMOLÓGICO 97
11. Esta ideia vem do livro de Deleuze sobre Leibniz (1988: 27): “Tal é o fundamento
do perspectivismo. Não expressa dependência de um assunto predefinido; pelo
contrário, tudo o que aderir ao ponto de vista estará sujeito.”
A fórmula saussureana aparece no início do séc.Curso de Lingüística Geral.
100 Eduardo VIVEIROS DE CASTRO
Fale sobre narcisismo “primitivo”. Seja o que for que Marx quis dizer
com esta ideia de que o homem “produz universalmente”, gostaria de
pensar que ele está a dizer algo no sentido de que o homem é o animal
universal – uma ideia intrigante. (Se o homem é o animal universal,
então talvez cada espécie animal seria uma espécie de humanidade
particular?). Embora aparentemente convirja com a noção ameríndia de
que a humanidade é a forma universal do sujeito, a de Marx é na
verdade uma inversão absoluta dela: ele está dizendo que os humanos
podem “ser” qualquer animal – que temos mais existência do que
qualquer outra espécie – enquanto Os ameríndios dizem que
“qualquer” animal pode ser humano – que um animal tem mais
existência do que aparenta. O “homem” é o animal universal em dois
sentidos completamente diferentes: a universalidade é antropocêntrica
no caso de Marx, e antropomórfica no caso ameríndio.12
A segunda observação nos leva de volta à relação entre animismo e
totemismo. Acabei de dizer que o animismo deveria ser entendido
como uma expressão da equivalência lógica das relações reflexivas que
os humanos e os animais têm entre si. Propus então, como exemplo,
que o salmão está para o salmão como os humanos estão para os
humanos, nomeadamente,
12. Seja como for, a noção de Marx de um animal universal – capaz de “produzir de
acordo com os padrões de outras espécies” (seja lá o que isso signifique) – é uma
antecipação precisa de outro ser metafórico universal. Refiro-me, claro, à
máquina universal, à máquina capaz de simular (ou seja, reproduzir) qualquer
outra máquina: o computador de Turing-Von Neumann.
102 Eduardo VIVEIROS DE CASTRO
Embora isso também seja verdade em certo sentido, acredito que Weiss
não “vê” o fato de que diferentes tipos de seres veem as mesmas coisas
de maneira diferente, apenas como umconsequênciado fato de que
diferentes tipos de seres veem coisas diferentes da mesma maneira.
Pois o que conta como “as mesmas coisas”? O mesmo para quem,
quais espécies? A noção de “a coisa em si” assombra a formulação de
Weiss.
Outra forma de interpretar esta ontologia perspectivista em termos
relativistas pode ser vista nas etnografias de Casevitz (1991) ou Gray
(1996). Estes autores consideram-na a extensão para além da fronteira
das espécies de uma relatividade sociológica caracteristicamente
ameríndia (no caso de Gray) ou universal (no caso de Casevitz),
segundo a qual diferenças de género, idade e estatuto de parentesco
conduzem a visões diferentes. da sociedade.1Meu problema com essa
ideia é que ela banaliza o
pergunta.Contra Gray, eu observaria que tal relatividade sociológica é
uma propriedade da vida relacional humana; Dificilmente se pode dizer
que os ameríndios tenham o monopólio dele.Contra tanto Gray quanto
Casevitz, eu observaria que, admitindo que o perspectivismo é a
aplicação de tal relatividade além da fronteira das espécies, ainda
temos que dar conta da questão crucial das diferenças perceptivas – ou
melhor, das diferenças referenciais – pois a relatividade sociológica
certamente não implica que
homens e mulheres, por exemplo, veem as coisas de maneira diferente.
Ou melhor, mulheres e homensfazer“ver” as coisas de forma diferente;
o que eles fazemnãofazer, precisamente, é ver coisas diferentes como
se fossem iguais: homens e mulheres são gêneros da mesma espécie.2
1. Gray (1996: 280) distingue explicitamente, mas na minha opinião de forma pouco
convincente, a sua “relatividade” de qualquer noção de “relativismo cultural”.
2. As diferenças de espécie, e não as diferenças de género, funcionam como o
“código-mestre” das cosmologias ameríndias; a estética principal (no sentido de
Strathern) aqui é a do antropomorfismo e do teriomorfismo, em vez do
andromorfismo e do ginomorfismo (Fienup-Riordan 1994: 49; Descola 1996). Se
for esse o caso, então talvez possamos ver no original humano/animal (mas não
passado)
CPERSPECTIVISMO OSMOLÓGICO 109
6. A tradução vem da versão em inglês (1979: 164). Ver Clifford (1992 [1982]: 172)
sobre esta famosa réplica, que li pela primeira vez em Vernant (1986).
7. O próprio Leenhardt teve uma interpretação muito diferente da anedota: ele
tomou o “corpo” transmitido por seu ensino como significando o corpo
individuante, particularizante, capaz de impedir a participação universal do
espírito
116 Eduardo VIVEIROS DE CASTRO
(ADN, química do carbono) que, por sua vez, se liga à natureza última
de todos os corpos materiais – portanto, existe algo como uma
“participação moderna”, que é a participação física. Em contraste com
isso, os ameríndios postulam uma continuidade metafísica (também
conhecida como “participação primitiva”) e uma descontinuidade física
entre os seres do cosmos, a primeira resultando no animismo, a última
no perspectivismo: o espírito ou alma (aqui não uma substância interior
imaterial mas antes uma forma reflexiva – sem “interioridade”) integra,
o corpo (não um organismo material extenso, mas um sistema de afetos
intensivos – sem “exterioridade”) diferencia.
A contraprova da singularidade do espírito nas nossas cosmologias
reside no facto de que, quando tentamos universalizá-lo, somos
obrigados – agora que a sobrenatureza está fora dos limites – a
identificá-lo com a estrutura e função do cérebro. O espírito só pode
ser universal (natural) se estiver (no) corpo. Não é por acaso, creio, que
este movimento de inscrição do espírito no corpo-cérebro ou na
matéria em geral – a inteligência artificial, o “materialismo
eliminativo” de Churchland, o “funcionalismo” ao estilo de Dennett, o
cognitivismo sperberiano, etc. sincronicamente contrariado pelo seu
oposto, o apelo neofenomenológico ao corpo como local da
singularidade subjetiva. Assim, temos testemunhado dois projetos
aparentemente contraditórios de “incorporar” o espírito: um, na
verdade, reduzindo-o ao corpo como tradicionalmente (ou seja,
biofisicamente) entendido, o outro elevando o corpo ao status
tradicional (ou seja, cultural-teológico). de “espírito”.
O contraste que acabei de fazer entre continuidades e
descontinuidades físicas e metafísicas é, admito, muito exagerado e
simplista. Pode-se argumentar, por exemplo, que na nossa tradição, se
o corpo é o que nos liga ao resto do mundo material, é também algo
que nos liga ao resto do mundo material.separanós, cada um de nós, do
resto do mundo. Da mesma forma, o espírito é o que distingue, mas
também o que nos permite ir além dos nossos limites corporais e
comunicar com os nossos semelhantes. (Além disso, como diz a
metáfora convencional, podemos mudar as nossas mentes, não os
nossos corpos.) Por outro lado, pode-se notar que o corpo é o grande
diferenciador nas ontologias ameríndias, mas no
ao mesmo tempo é o local de metamorfose interespecífica; a alma ou
espírito, por outro lado, é o que assimila todo tipo de ser, mas ao
mesmo tempo é o que deve ser mantido separado (o comércio de almas
não humanas é perigoso para os humanos).
118 Eduardo VIVEIROS DE CASTRO
9. O uso de “corpo” como nome para o objeto físico geral é, em si, revelador. A
física descreve um mundo de “corpos” que se comportam de acordo com “leis” –
isto soaria bastante antropomórfico se fosse sustentado por qualquer “selvagem”.
CPERSPECTIVISMO OSMOLÓGICO 119
12. Veja Crocker (1985) (emprestar); Overing (1985, 1986) (preparado); Vilaça
(1992) (Dinheiro’); Aarhem (1993), Hugh-Jones (1996a) (Tukanoanos).
13. No exocanibalismo amazónico, mais do que na dessubjectivação, como é o caso
dos animais de caça (ver Viveiros de Castro 1992a: 290-93; 1996: 98-102; Fausto
1997), o que se pretende é a incorporação do aspecto-sujeito da o inimigo (que é,
portanto, hipersubjetivizado, da mesma forma que a descrita por Harrison [1993:
121] para a guerra na Melanésia). O canibalismo amazônico é, para mim, uma
forma de “troca não mediada” (Strathern 1988), sendo o esquematismo básico da
“predação ontológica” – a assunção da perspectiva do inimigo como uma
condição de personificação.
128 Eduardo VIVEIROS DE CASTRO
14. Ver Pollock (1985: 95) (Tendo); Schwartzmann (1988: 268) (Panara); Vilaça
(1992: 247–55) (Dinheiro’); Turner (1995: 152) (Kayapó); Cinza (1996: 157–78,
178).
CPERSPECTIVISMO OSMOLÓGICO 129
15. Ver Fienup-Riordan (1994: 49) sobre as correlações destes três “códigos mestres”
diferentes: humano/animal na América nativa, homem/mulher na Melanésia, e
ancestrais/descendentes, ou os mortos e os vivos, em “África. ”
16. Acabo de descobrir que esta minha imagem, embora não se baseie diretamente em
nenhum modelo ameríndio, pode pelo menos ser encontrada em outras
cosmologias. “A palavra polinésia geral para ‘deus’,Deus. . . é baseado no
morfemavelho, que significa 'parte traseira', ou o lado invisível de qualquer
objeto. . . . ODeus
(elemento espiritual) da pessoa era ovelho(costas) da pessoa. . .” (Gel
1995: 36). O verso e a frente da minha imagem estão aqui invertidos, mas a ideia
de que corpo e espírito são como a frente e o verso de um objeto é a mesma.
Neste contexto, talvez valha a pena observar que muitas línguas expressam
mudança, transformação, devir ou metamorfose por meio de palavras cujo
significado básico é “virar (virar)” ou “virar”.
Sobrenatureza: sob o olhar do outro
Salvando as aparências
matéria sem forma. Gray então sugere que “para Aristóteles, forma e
formato fazem parte da alma, enquanto para Arakmbut fazem parte do
corpo”. Acho que esta é uma sugestão muito interessante,
especialmente porque pode ser lida no mesmo sentido que o meu
próprio argumento! Para Aristóteles – na verdade, na maior parte da
nossa tradição – a forma é a alma, e a alma é a diferença, aquilo que dá
unidade e propósito a um ser; corpo é matéria, e matéria é
uniformidade e indiferença. Para os Arakmbut, por outro lado, a
diferença de forma – perspectiva – está localizada no corpo. A alma ou
espírito seria pura potencialidade, isto é, universalidade informe (ou
melhor, universalidade uniforme: a forma humana). Quanto a “forma”
e “modelo” serem ambos atributos do corpo, gostaria apenas de
observar que estes devem ser cuidadosamente distinguidos, se não em
Aristóteles, pelo menos no contexto ameríndio, pois, como veremos, a
forma não coincide com o forma; a forma é um sinal da forma, da sua
forma de aparência e, como tal, pode enganar. A metamorfose não
seria, neste sentido, um processo de mudança de forma, mas, a rigor,
um processo de mudança de forma. A minha noção do corpo como um
sistema de disposições afetivas pode talvez estar relacionada com esta
ideia do corpo como forma eficaz.
Voltemos à imagem do corpo como forma de roupa. Revelou-se rico
em mal-entendidos. O mais flagrante é considerar as roupas algo sem
importância, inerte e, em última análise, falso. Acredito que nada
poderia estar mais longe da cabeça dos índios quando falam de corpo
em termos de vestimenta. Não é tanto que o corpo seja roupa, mas sim
que a roupa é corpo. Estamos a lidar com sociedades que inscrevem
significados eficazes na pele e que utilizam máscaras de animais (ou
pelo menos conhecem o seu princípio) dotadas do poder metafísico de
transformar as identidades daqueles que as usam. Colocar uma máscara
não é esconder uma essência humana sob uma aparência animal, mas
sim ativar os poderes de um corpo diferente.
Deixe-me citar Irving Goldman, sobre máscaras e peles de animais:
No ritual, a máscara representa a forma essencial do ser
representado ou encarnado. Os Kwakiutl reconhecem uma
realidade oculta por trás da máscara, mas também insistem que a
máscara seja a única realidade normalmente exposta à humanidade.
. . . A pele animal também é uma forma, uma vestimenta que
originalmente converte uma substância interior humana em forma
animal. Do ponto de vista mítico, a pele é
o atributo essencial do animal do qual, no entanto, é separável, da
mesma forma como a alma se separa do corpo. Quando,
136 Eduardo VIVEIROS DE CASTRO
Não julgue pelas aparências! Presumo que este aviso seja emitido por
praticamente todas as tradições culturais, pois pertence ao fundo
universal de sabedoria popular que inclui muitas máximas semelhantes.
Ela pertence aqui porque é verdade, é claro — em certo sentido; ou
melhor, em muitos sentidos diferentes e específicos da cultura.1As
aparências podem, de facto, enganar, porque as aparências escondem o
que não é aparente; para que algo apareça, algo mais deve desaparecer.
Mas o que as aparências escondem não é necessariamente a verdade
(um ponto defendido com vigor por Marilyn Strathern na sua análise
da autodecoração em Mount Hagen [1979]).
1. “Um dos axiomas melanésios mais conhecidos deve ser que as aparências
enganam, e a identidade unitária prepara o terreno para a revelação de que ela
cobre ou contém dentro de si outras identidades” (Strathern 1988: 122). Isto é
bastante próximo, embora não idêntico, do sentido ameríndio do engano das
aparências.
138 Eduardo VIVEIROS DE CASTRO
"Não, eu não."
Seu sogro soprou nele. Sua esposa soprou nele. “Humano”, ela
disse, “eu disse para você não fazer isso, mas você pegoushori. Eu
não vou comer você. Eu estou segurando você. Ela continuou
soprando nele até que ele não estivesse mais bêbado.
Agora o povo dela estava zangado com ele pelo que ele havia
dito, mas ele viu Ishki [o bagre] em sua pequena casa, fazendo um
chapéu de penas. “Ishki, Ishki,chá é bom[querido priminho], o que
você está fazendo?”
Shorié uma droga que faz você ver o “outro lado” invisível habitado
por essências espirituais puras. Quando você bebe, você vê animais,
plantas ou espíritos como humanos cultos vivendo em aldeias, etc. O
suco colocado nos olhos do homem pela Mulher-Cobra pode ser
considerado uma versão desta droga (provavelmente a versão das
cobras), pois permitiu-lhe ver seus afins animais como humanos. Mas
quando mais tarde ele insiste em tomarshorienquanto vive do outro
lado, a realidade invisível que ele vê é que seus afins “humanos” são
“na verdade” cobras.
A lição do mito (há outras lições tiradas por Siskind) é clara. O
invisível do invisível é o visível: o outro lado do outro lado é este lado.
Se o corpo esconde a alma, então a alma também esconde o corpo: a
“alma” da alma é o corpo, assim como o “corpo” do corpo é a alma.
No final das contas, nada está oculto (lembre-se da observação de
Guédon: “nada está oculto”), porque não existe dualismo ontológico.
Os lados são contextualmente ocultados pelos lados, as essências
eclipsam as aparências e as aparências eclipsam as essências; cada lado
é um sinal do outro, como argumentou Tânia Lima (1996) com
perspicácia em relação ao perspectivismo Juruna – um sinal, na
verdade, do Outro. Tal reversibilidade não significa que, no que diz
respeito aos humanos, a realidade seja isotrópica. Como observei sobre
a noção de perspectivismo de K. Århem, os humanos não têm escolha
sobre de que lado estão. Se você começar a ver coisas como a outra
metade vê, há uma forte possibilidade de você estar morto – a visita do
humano ao fundo do lago no mito Sharanahua tem uma conotação
inconfundível de morte. A menos, é claro, que você seja um xamã,
dotado de olhos no seu “outro” (o outro lado).
A morte de Umoro
5. Isto foi escrito em 1998. As coisas mudaram muito no Brasil desde então.
CPERSPECTIVISMO OSMOLÓGICO 145
Metamorfose
6. O artigo de Krause chamou minha atenção por meio de uma breve nota no livro
de Boelscher (1989: 212 n.10).
146 Eduardo VIVEIROS DE CASTRO
9. Um ponto lembrado por Latour (1991) e Sahlins (1996) – para mencionar dois
trabalhos recentes de natureza antropológica.
152 Eduardo VIVEIROS DE CASTRO