Teologia Do Processo - C. Robert Mesle
Teologia Do Processo - C. Robert Mesle
Teologia Do Processo - C. Robert Mesle
Robert Mesle
Teologia do
Processo
uma introdução básica
PAULUS
C . ROBERT MESLE
JOHN B. COBB, JR. (últim o capítulo)
TEOLOGIA DO PROCESSO
Uma introdução básica
PAULUS
Título original: Process Theo/ogy: A Basic Introduct/on
© 1993» Chalice Press, St. Louis, USA
ISBN-10: 0-827229-45-3
IS B N -13:978-0-827229-45-7
Tradução: Luiz Alexandre Solano Rossi
Diretor editorial: Claudiano Avelino dos Santos
Assistente editorial: Jacqueline M endes Fontes
Revisão: Iranildo Bezerra Lopes
Tiago José R/si Leme
Renan Damaceno
Diagramação: A na Lúcia Perfoncio
Capa: A n derson Daniel de Oliveira
Impressão e acabam ento: PAULUS
Mesle, C. Robert
Teologia do processo: uma introdução básica / C. Robert Mesle; [tcadução Barbara
Theoto Lambert]. - 1 . ed. - São Paulo: Paulus, 2013.
Título original: Process theology: a basic introduction.
ISBN 978-85-349-3687-3
1. Deus 2. Fé 3. Processo - Teologia 4. Vida cristã I. Título.
13-06443 CDD-230.046
1* edição, 2013
© PAULUS - 2013
Rua Francisco Cruz, 229
04117-091 - São Paulo (Brasil)
Tel.: (11) 5087-3700 - Fax: (11) 5579-3627
ww w.paulus.com .br
editoriai@ paulus.com .br
ISBN 978-85-349-3687-3
DEDICATÓRIA
A
meus pais, que me ensinaram como fazer teolo
gia. Eles me ensinaram, querendo eles ou não,
que a teologia deve ser sobre valores, e que a teologia
cristã, especialmente, deve ser sobre o amor. Tenho
tentado explorar a natureza do amor, perguntando:
"Como deveria ser um Deus amoroso?". Esse é o as
sunto deste livro.
Para Barbara, que acredita neste livro. E para Sa-
rah e Mark. Eu os amo mais do que chocolate - até
mais do que a nossa calda quente de "fudge" sobre
sorvete de baunilha e brownies, com um pedaço do
sagrado "fudge" ao lado.
Teologia do processo - Uma introdução básica
5
AGRADECIMENTOS
V
ários colegas dispuseram de seu valioso tempo,
oferecendo comentários sobre este manuscrito,
pelos quais sou muito agradecido. Roger Yarrington
fez com que tudo acontecesse, e respondeu aos meus
desvios no curso deste trabalho com mais paciência
e gentileza do que eu merecia. Estou em profunda
dívida para com ele de muitas maneiras. Jim Will
continua a ser meu professor e amigo. Rod Downing
mudou o curso deste manuscrito ao me desafiar so
bre preocupações ecológicas e de libertação. Jerome
Stone ajudou-me sem saber. Barry W hitney foi de
enorme ajuda, especialmente por ser um amigo que
eu não havia conhecido. E, naturalmente, John Cobb
Teologia do processo - Uma introdução básica
9
destruir o mundo através da poluição e de armas nu
cleares. Ao longo dos anos, tenho me convencido de
que a teologia do processo confronta cada uma des
sas realidades com respostas que fazem muito mais
sentido do que muitas visões tradicionais de Deus.
Embora os teólogos do processo com frequência vi
sem a problemas econômicos, políticos e sociais, pa
rece-me apropriado que esta introdução foque sobre
o conceito de divindade que fundam enta e motiva tal
trabalho.
A maior parte deste livro discute o teísmo do
processo - um modo de repensar o conceito de Deus
como o Sujeito divino que ama, deseja, planeja e age
na natureza e na história humana. Podemos dizer,
que esse Deus é um ser divino, mas provavelmente
isso causará mais confusão do que esclarecimentos.
Teístas do processo relacionai partilham a insistên
cia de Paul Tillich de que devemos pensar em Deus
como um ser divino (apesar de poderoso etc.) em
meio a outros, a quem podemos ou não encontrar.
Mas os teístas do processo não partilham a visão de
Paul Tillich de que Deus é um Ser em-si-mesmo (ou
mesmo a criação em si mesma).
Preferencialmente, eles concebem Deus como
um ser no sentido de que Deus é o sujeito de sua pró
pria experiência como Deus, é consciente, ama, pla
neja e age. Mas como ficará mais claro no decorrer
deste livro, a experiência de Deus inclui a experiên
cia de cada criatura e a experiência que cada criatura
necessariamente incorpora, a cada momento; uma
C. Robert Mesle
Meu motivo:
teologia do processo como um modelo ético
17
PENSAMENTO DO PROCESSO:
UMA VISÃO GERAL
A
ntes de embarcar numa longa jornada, geral
mente é recomendado checar um mapa para
uma previsão do lugar aonde você está indo. Quanto
mais território o mapa cobrir, menos ele lhe conta
sobre cada passo ao longo do caminho. Os detalhes
das saídas da rodovia e as ruas de retorno e, espe
cialmente, a beleza do cenário são descobertos mais
tarde. Ainda assim, o grande mapa da rodovia é útil
para nos orientar.
Essa visão geral pretende cumprir tal função. Ela
lhe dá uma inspeção bastante condensada do terreno
do pensamento do processo, porém sem as explica
ções detalhadas, os argumentos ou as lutas mais pro
Teologia do processo - Uma introdução básica
A visão do processo
Teísmo do processo
ativo.
Deus é onipresente. Cada pessoa (na verdade,
cada criatura) a cada momento está experimentando
Deus como o fundamento, tanto da ordem quanto
da liberdade. Deus, imediatamente, torna a liberda
de possível e nos chama para escolher o bem, para
escolher a visão de Deus para o mundo. Assim, Deus
trabalha no mundo através de uma autorrevelação
contínua e universal.
Mas nossa experiência de Deus está inerente
mente entrelaçada com a nossa experiência do m un
21
do, de modo que elas moldam uma à outra. Deus
luta para nos alcançar através do vidro escuro que
obscurece nossa visão. Assim, a revelação é onipre
sente e contínua, mas sempre ambígua.
Similarmente, Deus é o fundamento do vir a ser
do mundo. Tanto na natureza quanto na história,
Deus age no mundo pela autorrevelação. Mas aqui,
também, o poder de Deus está inerentem ente entre
laçado com o poder do mundo.
("Cada evento reflete tanto o poder de Deus quan
to o poder do mundo. O mundo pode ser mais ou
menos responsivo para com Deus, mas não existem
eventos separados em nosso mundo que permaneçam
fora das leis da natureza e da história para os quais
podemos apontar e dizer: "Deus fez isso sozinho”J
PARTE I
UM DEUS DIGNO DE ADORAÇÃO
Capítulo 1
AMOR, PODER E ADORAÇÃO
T
entar evitar ou atenuar dor e sofrimento desne
cessários é lugar comum para todos nós. Se uma
pessoa próxima a nós tropeça e começa a cair, auto
maticamente oferecemos uma mão firme para apoiá
-la. Se alguém tem uma dor de cabeça, oferecemos
aspirina. Pais levam seus filhos para serem im uni
zados contra doenças. Frequentemente, não temos
receio de interferir na liberdade dos outros a fim de
evitar dor desnecessária. Se uma criança começar a
correr para a frente de um carro, nós a deteremos,
se pudermos. Se virmos alguém tentando estuprar,
assaltar ou roubar alguém, tentaremos impedi-lo, no
mínimo chamando a polícia. Se não fizermos isso,
Teologia do processo - Uma introdução básica
42
Capítulo 3
AMOR, PODER E RELACIONAMENTO
O
s teólogos do processo insistem que a realidade
é completamente relacionai.
Pense em alguém que você ama muito. Como
você se sentiria se essa pessoa quebrasse o braço? Ga
nhasse um importante prêmio? Quebrasse uma pro
messa? Salvasse a vida de alguém? Se você a amasse
ainda mais, você partilharia seus sentimentos ainda
mais, ou de maneira menos plena? Pense em alguém
que o ama muito. Essa pessoa tem partilhado seus
sentimentos de alegria, tristeza, dor e triunfo? Ela
tem expressado seu contínuo e inabalável amor de
diferentes maneiras, em resposta às suas mudanças?
Teologia do processo - Uma introdução básica
Poder unilateral
"ordem da bicada".
Tente pensar em esportes. O mais poderoso time
de futebol marca gols facilmente e raram ente é go
44
leado. Pense em dinheiro. As poucas pessoas mais ri
cas têm o máximo de poder. Elas podem dizer às outras
pessoas o que fazer, mas as outras não podem dizer a
elas o que deve ser feito. As pessoas mais pobres, das
quais existem milhões, não podem dizer a ninguém
o que fazer e estão em dependência daqueles que
são mais ricos. Exércitos fornecem os exemplos mais
claros. Generais dão ordens aos majores, os majores
aos sargentos e os sargentos aos soldados, mas não
o inverso. Tais hierarquias institucionais são organi
zadas mais pela eficiência do que pela criatividade,
mas elas raramente fornecem uma coisa ou outra.
Em resumo, nossa abordagem comum ao poder
é esta: poder ê a habilidade de afetar outros, sem ser
afetado por eles. Podemos chamar isso de poder unila
teral porque ele corre somente em uma direção, do
topo da hierarquia até a base. Além disso, poder e
valor social seguem juntos. Quanto mais poderoso
você é, melhor é tratado como um membro valioso
da gangue, do time, da empresa, da sociedade ou do
exército.
Igualmente importante, nossas concepções de
b á sica
afetada por nós. Ela não tem pena de nós, não nos
ama nem fica com raiva de nós. O mesmo vale para a
- Uma introdução
49
Talvez os detalhes desses argumentos pareçam
enigmáticos. Talvez você se espante porque alguém
pensaria dessa maneira. Mas é verdade que a ideia
do poder unilateral perfeito nos conduz diretamente
à conclusão de que Deus não pode sofrer, não pode
sentir pelo mundo, não pode amar no sentido hum a
no de entrar em um relacionamento mútuo genuíno
com o mundo.
Poder relacionai
Resumo
53
Capítulo 4
LIBERDADE, TEMPO E O PODER DE DEUS
D
eus passa pela experiência do tempo? Se sim,
como? Estritamente falando^ a maioria dos teó
logos diz que Deus não experimenta o passar do tem
po)) Deus existe em uma eternidade atemporal. Em
outras palavras, todo o tempo se estende diante de
Deus como uma pintura. Assim, não há diferença
entre passado, presente e futuro| De onde veio essa
ideia e o que ela significa para a liberdade humana?
f Aristóteles, um filósofo grego, partilhou a ideia
de que Deus tem o poder unilateral perfeito, e des
creveu Deus como o "motor imóvel".] Deus criou o
mundo para mover-se e mudar, mas Deus era total
Teologia do processo - Uma introdução básica
Liberdade e graça
Resumo
66
PARTE II
O MUNDO E DEUS
INTRODUÇÃO À PARTE II
C
omo Deus age no mundo? A maior parte das teo
logias não tem resposta para essa questão, além
de negar que ela seja necessária. Diz-se que Deus
é sobrenatural, que está acima das leis da natureza
e, portanto, não está ligado a elas. Deus pode sim
plesmente fazer qualquer coisa que desejar. Isso tem
satisfeito a maior parte das pessoas por um longo
tempo. Mas, para as pessoas que pensam muito se
riamente hoje em dia, isso satisfaz cada vez menos.
As grandes religiões mundiais surgiram antes da
ascensão da ciência moderna, num tempo em que
não tínhamos ideia de como a natureza funcionava.
Teologia do processo - Uma introdução básica
71
Capítulo 5
TEMPO
C
omece com sua própria experiência de tempo.
Como ela é? Uma óbvia e inevitável característi
ca de toda experiência é que ela se transforma conti
nuamente. Você não consegue mantê-la parada.
Quando criança, viajando para a casa de meus
avós para o Natal, eu olhava os refletores ao longo
da rodovia à noite. Eu focava meus olhos em um
deles à nossa frente à medida que nos aproximáva
mos a mais ou menos 100 km/h. Eu ficava tentando
congelar o momento em que o refletor não estava
nem à m inha frente, nem atrás de mim, mas bem do
lado. Eu nunca conseguia. Eu podia antecipar sua
Teologia do processo - Uma introdução básica
Conectividade
Liberdade
Tempo e eternidade
As pessoas frequentemente procuram por um
fundamento estável, permanente, imutável e eterno
na base do que Platão chamou de "o perecer per
pétuo" do tempo. Platão, por exemplo, pensava que
aquilo que era "verdadeiramente real" era o Ser atem
poral, enquanto o mundo físico do vir a ser era uma
mera aparência sombria. O cristianismo e muitas ou
tras visões da realidade têm partilhado desta intuição
de que Ser é mais fundamental do que vir a ser.
Pensadores do processo não veem nenhum Ser
atemporal sob a realidade do vir a ser. Acreditamos
que o tempo é a passagem dos eventos e somente
isso. Olhar para alguma coisa sob os eventos como
sendo a verdadeira natureza do tempo ou da reali
dade é simplesmente perder o foco. Nossa experiên
Teologia do processo - Uma introdução básica
Deus e o tempo
De acordo com os teístas do processo, Deus par
tilha esta aventura do tempo. No capítulo 4 já vimos
79
que a crença deles na liberdade leva os teólogos do
processo a rejeitar a ideia de que Deus vive em uma
eternidade atemporal ou que veja todo o tempo como
igualmente real e presente. A conclusão é que o tem
po é tão real para Deus quanto é para nós. E, além
disso, existem modos através dos quais os teólogos
do processo veem a experiência de tempo de Deus
como diferente da nossa.
Primeiro, a visão que Deus possui do tempo é di
ferente porque Ele é eterno (embora não atemporal).
Isto é, Deus sempre existiu e sempre existirá. Ele não
pode envelhecer ou morrer. O tempo não o ameaça
da mesma forma que nos ameaça.
Segundo, existem características da existência de
Deus que, como já vimos, são imutáveis. E um fato
imutável que Deus é perfeitamente amoroso, que
Deus conhece tudo o que existe para ser conheci
do, que Deus está sempre fazendo tudo dentro do
seu poder para trabalhar pelo bem. Especialmente,
Deus possui uma "natureza primordial", que é o seu
conhecimento sobre todas as possibilidades. A maior
parte dos teólogos do processo concorda com Whi
tehead que as possibilidades são eternas; elas podem
ser mais ou menos relevantes e podem ser concre
tizadas ou não em qualquer dado momento. Mas o
que é ou será possível sempre foi possível. E, visto
que Deus conhece tudo o que há para ser conhecido,
Deus tem conhecido eterna e imutavelmente todo o
reino infinito da possibilidade. E é esse fato sobre
Deus que fundam entalmente torna a novidade e a
liberdade possíveis no mundo.
C. Robert Mesle
81
Capítulo 6
UM MUNDO DE EXPERIÊNCIA
A
única coisa da qual qualquer um de nós pode
ter certeza é quanto a nossa própria experiência.
Nós conhecemos o que experimentamos. Além disso,
vemo-nos cercados por um mundo material despro
vido de experiência - escrivaninhas, rochas, árvores,
canetas-tinteiro. Como um mundo assim pôde dar à
luz criaturas como nós? Realmente, como compre
ender nossos relacionamentos com nossos próprios
corpos se eles são feitos de matéria sem experiência?
Ver almas humanas como seres sobrenaturais injeta
dos neste mundo por Deus tem confortado muitos,
mas deixa os pensadores modernos incrivelmente
insatisfeitos. Não somos nós partes da natureza, sur
Teologia do processo - Uma introdução básica
O mundo “material"
Um mundo relacionai
93
Capítulo 7
COMO DEUS AGE NO MUNDO
Deus e evolução
105
PARTE III
UMA TEOLOGIA LIBERTADORA
INTRODUÇÃO À PARTE III
A
o redor de 580 a.C., o filósofo grego Xenófanes
observou que, "se o gado ou os leões tivessem
mãos, para com suas mãos produzir obras de arte
como fazem os homens, eles pintariam seus deuses
e dariam a eles corpos na forma como eles próprios
são - cavalos como cavalos, gado como gado". Seu
ponto de vista, naturalmente, não era sobre animais,
mas sobre nós. Nós, também, pintamos Deus - tan
to nas paredes quanto em nossas mentes - como se
Deus fosse igual a nós.
Ludwig Feuerbach, um filósofo alemão do sé
culo XIX, impulsionou esta ideia para mais além,
dizendo que a teologia é realmente antropologia.
Teologia do processo - Uma introdução básica
111
É claro que, geralmente, não estamos conscien
tes de que estamos fazendo isso. Não achamos que
nossos deuses ou seus valores sejam projeções de nós
mesmos. Presumimos que nossas pinturas dos deu
ses são imagens precisas da realidade divina, de uma
verdade e bondade eternas.
Visto que nós, seres humanos, somos frequente
mente preenchidos com sentimentos contraditórios
sobre o que valemos, não seria surpresa que nossos
deuses refletissem e potencializassem esses confli
tos. Considere, por exemplo, o Deus do cristianismo
tradicional, do qual se diz que ama todas as pesso
as infinita e incondicionalmente. Aqui, certamente,
vemos o mais alto dos nossos valores elevados ao
seu máximo. E, além disso, podemos facilmente ver
como nossa estreiteza e vingança hum anas infectam
nossa teologia quando lembramos que os cristãos
geralmente descrevem Deus lançando a maioria dos
seres humanos no fogo eterno do inferno por não
acreditarem em uma religião da qual nunca ouviram
falar. Na verdade, os cristãos geralmente acredita
vam que seu Deus predestina pessoas a queimar no
inferno pelos pecados que elas foram predestinadas
a cometer. O resultado terrível de tudo isso é que
112
enviar pessoas ao inferno passa a ser visto como uma
expressão de amor divino.
A crença cristã tradicional de que todos os judeus
vão automaticamente para o inferno tornou mais fá
cil para os cristãos vê-los como inimigos de Deus que
não somente poderiam, mas deveriam ser punidos
por serem judeus. Os campos de concentração nazis
tas foram apenas uma extensão desta teologia.
Outro exemplo concreto e trágico desta fusão de
valores contraditórios, que tem contribuído para sé
culos de miséria para escravos de senhores cristãos,
pode ser encontrado em 1 Pedro 2,18-21. Por anos
eu citei os versículos 21-24 como uma das minhas
expressões favoritas de como o Cristo crucificado
chama todos os cristãos a serem modelos de amor
sacrificial. Então um dia comecei a ler o versículo 18
e fiquei horrorizado com o que vi:
18Vós escravos, sujeitai-vos, com todo o respeito, aos
vossos senhores, não só aos bons e razoáveis, mas tam
bém aos perversos. 19É louvável que alguém suporte as
aflições, sofrendo injustamente por amor a Deus. 20Mas,
que glória há em suportar com paciência quando sois es-
Teologia do processo - Uma introdução básica
114
pre aprovarão e mesmo ordenarão que as estruturas
da sociedade favoreçam aqueles que estão no poder.
Os valores particulares, históricos e a serviço próprio
de uns poucos se tornam valores eternos e imutáveis
de Deus, que ordena que todas as pessoas obedeçam
a este sistema social, que é parte do plano eterno
de Deus. Deste modo, a exploração e o sofrimento
das pessoas oprimidas em uma sociedade tornam
-se sancionadas como sendo vontade divina. E onde
há crença na vida após a morte, é dito aos escravos
obedientes que eles serão recompensados e àqueles
rebeldes, que serão punidos na vida após a morte.
Podemos esperar que escravos e outras pessoas
exploradas rejeitem tal teologia, e às vezes eles fazem
isso. Mas lembre-se de que aqueles no poder contro
lam os púlpitos, os livros, as escolas, as igrejas. E, se
escravos são apanhados falando de um Deus que os
chama para ser livres, você pode imaginar como essa
blasfêmia será punida. Logo, os escravos aprendem a
aceitar a religião dos senhores e a ensiná-la aos seus
filhos. Se uma criança escrava desafiasse um Deus
que ordenava a escravidão, os pais poderiam mui
Teologia do processo - Uma introdução básica
ser gratos.
Entretanto, permanece o fato claro de que a reli
gião, incluindo a religião cristã, tem sido consistente-
116
mente uma das mais efetivas ferramentas disponíveis
à elite poderosa para m anter a opressão. Talvez o fato
mais insidioso seja que, exatamente por acreditar-se
que a opressão seja ordenada por Deus, ela não é vis
ta absolutamente como opressão. Certamente deve
ser parte do plano justo e amoroso de Deus (dizemos)
que muitos sofram em nome de tão poucos. Serviço
amoroso, afinal, é certamente parecido com Cristo -
especialmente para escravos! E mulheres. E povos do
terceiro mundo.
3. John Hick, Evil and the Cod of Love, Macmillan Co., 1966, p. 370SS.
118
nômicos exploradores e à opressão do sexismo. Para
semelhantes teologias deveríamos todos ser gratos.
Mas cada um desses esforços tem sido minado
pela persistente crença de que Deus é todo-poderoso.
Se um Deus todo-poderoso escolhe não intervir para
evitar a escravidão, para erradicar a pobreza, para
limpar o racismo e o sexismo em nossos corações ou
colocar fim ao horror da guerra, então esses males
devem desempenhar algum papel no plano de Deus.
E rapidamente ouvimos pessoas citando Romanos 13
e 1 Timóteo 6 para explicar que aqueles que estão no
comando têm o apoio e a aprovação de Deus.
Nos capítulos seguintes explorarei os modos pe
los quais a teologia do processo evita estas dificulda
des e nos convoca para um mundo melhor.
119
Capítulo 9
UMA TEOLOGIA DO PROCESSO DA LIBERTAÇÃO
A
visão que a teologia do processo tem de Deus
apoia diretamente teologias da libertação de três
maneiras principais. Ao afirmar o caráter relacionai
do Divino como participante na experiência de cada
criatura, a teologia do processo oferece o retrato de
um Deus partilhando diretamente os sofrimentos
do mundo. Deus se torna a vítima da injustiça e da
opressão, ao invés de tornar-se um rei indiferente.
Ao negar a noção tradicional de que Deus seja todo-
poderoso, a teologia do processo retira as escoras
que apoiam qualquer esforço que se faz para afirmar
que as injustiças sociais existentes são parte do plano
divino. E ao focar na prioridade do poder relacionai
Teologia do processo - Uma introdução básica
122
"Eu sou" (ou "Eu sou o que sou” ou "Eu serei o que
serei”). Deus estava sendo evasivo? Talvez não, su
gere Heyward. Talvez essa estória sugira diretam en
te que a natureza de Deus é dinâmica e extensiva
demais para ser capturada em um só nome. Deus
aparecerá para nós em lugares e modos nunca espe
rados, chamando-nos para ver o mundo a partir de
um novo ângulo de visão. Possivelmente inspirado
pela estória de Wiesel sobre o enforcamento, a Rev.
Heyward nos desafia a procurar por Deus em pesso
as inesperadas.
Deus se pendurará na forca.
Deus inspirará, preencherá, inundará Hándel, com po
der e esplendor.
Deus será espancado como uma esposa, uma criança,
um negro, um efeminado.
Deus julgará com retidão, justiça e misericórdia aqueles
que espancam, queimam, zombam, discriminam ou
abrigam preconceito.
Deus fará uma mastectomia.
Deus experimentará a maravilha de dar à luz.
Deus será um deficiente físico.
Deus correrá a maratona.
Teologia do processo - Uma introdução básica
Deus vencerá.
Deus perderá.
Deus ficará por baixo e excluído, sofrendo, morrendo.
Deus irromperá livre, vindo à vida, pois
Deus será quem Ele será.2
123
acima, além ou indiferente aos interesses das criatu
ras. Ao contrário, Deus partilha cada ponto de vista,
cada interesse da criatura, cada alegria e cada triste
za. E mais, Deus é capaz de comparar cada experiên
cia real da criatura com a que poderíamos ter tido
se tivéssemos sido mais sábios, amorosos, mais ge
nerosos, mais compassivos. Deus não somente sente
nossa dor, mas acrescenta a essa dor a dor de expe
rim entar o abismo entre o que é, e o que poderia ter
sido. E quando as possíveis alegrias tornam-se reais,
quando o potencial para a riqueza torna-se real na
vida das criaturas, Deus também experimenta essa
alegria.
Um Deus assim nunca pode se contentar com o
status quo inadequado. Um Deus assim nunca pode
sancionar um estado de coisas no qual alguns são vi-
timizados, explorados e oprimidos, porque o próprio
Deus é uma das vítimas. Deus não pode jamais se
contentar com um mundo no qual nós, da classe mé
dia, permanecemos m eramente confortáveis, porque
Deus conhece a horrível verdade sobre quão mais
rico e melhor o mundo poderia ser para nós e para os
outros, se vivêssemos direcionados e dirigidos pela
compaixão por aqueles que arcam com o ônus do
nosso conforto.
127
Capítulo 10
A EXPERIÊNCIA DAS MULHERES
E O PENSAMENTO DO PROCESSO
Por Barbara
130
se ajustar muito bem com aquelas dos pensadores do
processo.
Porém, discussões sobre diferenças entre ho
mens e mulheres são como uma floresta seca, pron
ta para pegar fogo com a menor das fagulhas. Por
algumas razões muito boas, tanto mulheres quanto
homens temem generalizações a respeito de sua na
tureza e de seu comportamento. Como podemos fa
lar sobre as diferenças entre os modos que mulheres
e homens experimentam o mundo sem que isso soe
como se não houvesse afinidade - sem parecer que
os homens pensam do mesmo modo, e que todas as
mulheres pensam do mesmo modo? Como um dos
meus alunos disse: "Barbara, se celebramos a singu
laridade, simplesmente não dividimos as pessoas?
Não perpetuamos os estereótipos e as diferenças?".
Para colocar a questão de modo diferente, visto
que os pensadores do processo e as feministas con
cordam que precisamos livrar nosso pensamento de
categorias dualistas e hierárquicas, como podemos
falar de modo legítimo sobre "diferença"? Eu gostaria
de explorar um pouco este tópico, antes de conectar
Teologia do processo - Uma introdução básica
132
Qualquer que seja a origem dessas complexas di
ferenças entre homens e mulheres, os padrões real
mente parecem surgir. Muitos estudos têm mostrado
que, profundamente incorporada à cultura ocidental
e, portanto, em todos nós que vivemos nessa cultura,
está uma associação de masculinidade com compe
tição, e de feminilidade com cooperação. Esta lista
pode ser ampliada de modos que soam familiares à
maioria de nós agora. Só para sugerir alguns exem
plos: geralmente, espera-se/esperava-se que homens
fossem/sejam racionais solucionadores de proble
mas, preocupados consigo mesmos e despreocupa
dos com os sentimentos dos outros ou mesmo com
seus próprios sentimentos. Reciprocamente, o foco
das mulheres era o domínio afetivo. Visto que m an
ter a paz e a harmonia era a meta delas, muitas m u
lheres foram socializadas para sentir muito descon
forto com conflito ou ira e para serem abnegadas ao
extremo. A tendência dos homens ao focar mais na
independência do que na intimidade, e a tendência
das mulheres em focar mais na intimidade do que
na independência são amplamente documentadas e
têm tido conseqüências negativas em nossos relacio
Teologia do processo - Uma introdução básica
134
der com apoio amoroso. A meta é espremer o bem da
dor sem nunca chamar a dor de boa.
Muitos pensadores têm observado as semelhan
ças entre a descrição ortodoxa de Deus como Pai e os
estereótipos clássicos do comportamento masculino
desejável. Os homens, neste modelo, deveriam ser
racionais, controladores, indiferentes e autoritários.
Eles precisariam ser elogiados, cuidados e protegidos
das realidades m undanas para que ficassem livres
para fazer "coisas importantes". As semelhanças com
o Deus masculino, branco e ortodoxo são autoeviden-
tes. Os pensadores do processo oferecem um mode
lo de Deus cuja característica-chave é o amor. Nesse
modelo, a intimidade não é temida como sendo con
traditória ã independência. Esse Deus é libertado do
fardo imposto por ser perfeitamente poderoso. Deus
faz tudo o que Ele pode. Deus é meu defensor e seu
defensor. Deus é o defensor da justiça para todas as
criaturas. Com essa visão de Deus, o significado não
está em algum lugar "lá fora", mas "aqui dentro" nos
relacionamentos e nas cores comuns e não tão co
muns de nossa vida diária. Mas, pelo fato de sermos
genuinamente livres e por Deus não poder anular as
Teologia do processo - Uma introdução básica
C
omo parte da doutrina da onipotência, as teolo
gias tradicionais geralmente supõem que Deus
seja bem capaz de dar uma revelação clara e sem
ambigüidade a quem quer que Ele escolha. Por essa
razão, pessoas de todos os tipos acham fácil afirmar
que falam com Deus. Esse poder de falar com Deus
tem servido diretamente como uma das mais eficien
tes ferramentas para opressão. Se os regulamentos e
costumes sociais podem reivindicar sua origem divi
na e direta nas revelações infalíveis de Deus, então
como pode qualquer pessoa - mesmo as vítimas -
protestar? E por que aqueles que se beneficiam senti
riam culpa se seu enriquecimento, de alguma forma,
Teologia do processo - Uma introdução básica
libertação maior.
Imagine o Deus da teologia do processo como al
guém que continuamente chama para uma visão de
libertação, para uma visão da dignidade e igualdade
humana universais. Cada pessoa ouve isso. Mas cada
pessoa ouve isso dentro de um contexto cultural que
distorce e estreita essa visão. Considere como exem
plo Levítico 25,1.39-43:
Iahweh falou a Moisés no monte Sinai; disse-lhe: 39"Se o
teu irmão se tornar pobre, estando contigo, e vender-se
a ti, não lhe imporás trabalho de escravo; 40ele será para
141
ti como um assalariado ou hóspede [...] 42Na verdade,
eles são meus servos, pois os fiz sair da terra do Egito,
e não devem ser vendidos como se vende um escravo.
43Não o dominarás com tirania, mas terás o temor de
teu Deus".
Existe um poderoso princípio de libertação em
funcionamento aqui: "Nós experimentamos a escra
vidão e sabemos quão errada ela é. O caminho de
Deus é um caminho de libertação, não de escravidão".
6Por acaso não consiste nisto o jejum que escolhi: em
romper os grilhões da iniqüidade, em soltar as ataduras
do jugo e pôr em liberdade os oprimidos e despedaçar
todo jugo? 7Não consiste em repartir o teu pão com o
faminto, em recolheres em tua casa os pobres desabri
gados, em vestires aquele que vês nu e em não te es-
conderes daquele que é tua carne? 8Se fizeres isto, a tua
luz romperá como a aurora, a cura das tuas feridas se
operará rapidamente, a tua justiça irá à tua frente e a
glória de Iahweh irá à tua retaguarda. 9Então clamarás
e Iahweh responderá, clamarás por socorro e ele dirá:
"Eis-me aqui".
Isaias 58,6-9a (BJ - Bíblia de Jerusalém)
Os autores bíblicos, lamentavelmente, com fre
quência não foram capazes de ver esse princípio
aplicado além da comunidade hebraica (veja Levítico
25,44-46), mas essas percepções podem ter um efei
to cumulativo ao longo do tempo. Pensadores judeus
posteriores, naturalmente, estenderam essa percep
ção para um princípio universal. E, finalmente, como
C. Robert Mesle
144
Capítulo 12
RELATIVISMO COMPROMETIDO:
UMA APROXIMAÇÃO À ÉTICA
E À COMUNIDADE GLOBAL
T
orturar uma pessoa até a morte ou assassiná-la
em nome de Jesus Cristo, que nos chamou para
amar nosso próximo e mesmo nossos inimigos, pare
ce-nos impossível de acreditar. Porém, sabemos que
essas ocorrências têm sido comuns na história cristã.
E o mais triste é que tais valores ainda são defendi
dos. Um recente artigo na revista Ministry defendeu
a afirmação bíblica de que Deus havia comandado
os israelitas a praticar genocídio contra os canaanitas
(como mencionado no capítulo ll) .1 Dada a crença
do autor em um inferno literal e sua crença na "mal
dade irremediável" dos canaanitas, "a autorização de
Deus para a total destruição deles é justificada, até
Teologia do processo - Uma introdução básica
1. Tim Crosby, “Does God Cet Angry?”, Ministry: International Journal for
Clergy, Seventh Day Adventist, 12501 Old Columbia Pike, Silver Spring, MD
20904).
145
pecialmente, quero que essas pessoas fiquem longe
dos meus filhos. Dogmatismo é perigoso.
Porém, fico também assustado com aquelas pes
soas que, em reação a esse dogmatismo que abraça a
violência, proclamam um relativismo total, no qual
cada crença e cada valor são tão bons quanto quais
quer outros. Se essas pessoas realmente acreditam
nisso, então elas não têm fundamento para se opor
às crenças e valores dos dogmáticos que aprovam o
genocídio!
Pessoas que pensam cuidadosamente a respeito
de ética, com frequência sentem-se dilaceradas entre
os perigos da oposição ao dogmatismo e o relativis
mo total. Se afirmarmos que existe uma base eterna
e sólida para declarar o que é certo e o que é errado,
então corremos o risco de nos tornarmos tão dogmá
ticos que, como a Inquisição Espanhola, justificamos
torturar pessoas para forçá-las a aceitar nossa reli
gião e nossa ética. Mas se, para escapar desse mal,
abraçarmos o relativismo total e dissermos que todas
as pessoas podem fazer o que quiserem, então não
temos fundamento para nos opor à tortura. Nosso
senso comum nos diz que deve haver um meio-ter
mo, mas ele necessita de uma exposição clara.
As diferenças entre culturas intensificam a difi
culdade deste desafio. Há muito tempo, as pessoas
reconheceram que, algo considerado um grave pe
cado, punível sob pena da lei, em uma cultura, pode
ser perfeitamente aceitável e até mesmo recomendá
vel, em outra. E aquilo que, em uma religião, é consi
C. Robert Mesle
Relativismo comprometido
A pluralidade de valores
155
Capítulo 13
PLURALISMO RELIGIOSO
U
ma das questões globais vitais e desafiadoras que
enfrentamos hoje é a diversidade das religiões
mundiais. Obviamente, todos os conceitos do relati
vismo comprometido, da beleza nos relacionamentos
e do poder relacionai aplicam-se aqui, tanto quanto
em qualquer outra área. Mas a questão religiosa é
complicada de maneiras especiais. Como os cristãos
comprometidos poderiam explicar a existência destas
religiões, se o Deus cristão é verdadeiramente amo
roso e universalmente autorrevelador? Por que Cristo
não falou a elas também? Ou, se Cristo falou, por que
elas não responderam? E como nós nos relacionare
mos com essas pessoas de uma maneira que respeite
Teologia do processo - Uma introdução básica
uma mentira.
Como a passagem aos Romanos sugere, o apoio
bíblico para tal postura é forte, conforme ilustrado
nas cartas de João no Novo Testamento. Apesar das
belas palavras de "João" sobre o amor, aqueles cris
tãos que discordam do autor são consistentemente
condenados como mentirosos, enganadores e anti-
cristos. Em um caso, 2 João 10-11, o autor joanino
até leva seus seguidores a se recusar a cumprimen
tar os dissidentes ou recebê-los em suas casas. Isso
é muito para o diálogo interfé (como mostrado em 3
João 9-10).
159
Uma visão do processo
Buda ensinaria.
Os cristãos lucrariam ao dialogar com essa pers
pectiva. Não é com frequência que reclamamos de
nossa tendência de nos tornar tão presos ao defen
der nossas doutrinas teológicas que, não só negligen
ciamos os seres humanos, mas de fato torturamos
e assassinamos uns aos outros para defender nossas
crenças? Não poderíamos ser enriquecidos ao apren
der de Buda a respeito do lugar próprio da teologia
na vida humana? Ao mesmo tempo, acredito que os
cristãos têm alguma coisa importante para partilhar
163
com os budistas sobre os valores positivos da alegria
na vida.
Em outras palavras, estou sugerindo que, da
perspectiva da teologia do processo, pode haver mais
beleza religiosa - mais valores m utuam ente enrique-
cedores - em um mundo com diversidade religiosa,
do que em um mundo sem ela. Podemos aprender a
celebrar a própria existência de outras religiões do
mundo e seus valores como um presente de Deus.
O relativismo comprometido, neste contexto,
fornece uma estrutura saudável para o diálogo inter-
fé. Ele permite que as pessoas afirmem o valor da sua
própria tradição, enquanto afirmam positivamente
que as outras tradições também podem oferecer va
lores criativos. Estes dois elementos são cruciais se
houver um diálogo genuíno e não m eramente um re
vezamento de tentativas para converter um ao outro.
165
Capítulo 14
JESUS
U
m exemplo crucial de como verdades podem ser
mais compatíveis do que pensamos é sugerido
pela compreensão que os teólogos do processo têm
de Jesus como o Cristo (existem, naturalmente, di
versas visões entre os pensadores do processo sobre
esse assunto. Mas existe também muito terreno co
mum sobre o qual tentarei trilhar). Penso que seja
uma virtude particular da teologia do processo ser
capaz de tratar Jesus de um modo respeitoso, tanto
pela tradição cristã quanto pela verdade de outras
tradições religiosas. Teologia do processo - Uma introdução básica
Problemas
1. Estou em dívida ao Rev. Bernard Lee, S.M. por essas ideias em seu
excelente artigo: “The Helplessness of God”, Encounter, vol. 38:4, outono
de 1977 , p. 325-336-
173
não poderia realmente escolher afastar-se do cami
nho de amor, mesmo se esse caminho significasse a
morte. Ele e Deus, podemos presumir, esperavam o
tempo todo que as pessoas fossem responder com
amor ao invés de ódio, mas a maioria não o fez. E,
assim, Jesus, através do seu poder do amor relacionai,
transformou até mesmo o ódio delas numa espécie
de vitória. Jesus e Deus resgataram deste triste acon
tecimento o bem que poderia ser obtido. Teria sido
melhor que todos tivessem respondido, tornando-se
como Jesus. Mas visto que ninguém assim o fez, Deus
e Jesus criativamente extraíram da tragédia o melhor
que puderam, trabalhando para preparar o caminho
para o chamado contínuo de Deus a nós. Esse proces
so redentor tem sido tão bem-sucedido que os cris
tãos passaram a compreender a cruz de Cristo como
a maior vitória de Deus e como o paradigma do quan
to é bom poder ser redimido a partir do sofrimento.
175
Capítulo 15
ORAÇÃO, LIBERTAÇÃO E CURA
A
oração ê um ato de adoração. O propósito fun
damental da oração é centralizar nossas vidas ao
redor daquilo que percebemos como sagrado.
O modo como geralmente oramos é realmente
muito curioso. Nossas orações raramente combinam
com nossa visão de Deus. Não quero sugerir nem
por um momento que as orações precisem passar por
algum teste teológico antes que possam ser momen
tos poderosos de adoração. Todos nós sabemos a fre
quência com que lutamos por palavras - e com as pa
lavras - e não temos bem certeza de como capturar
e expressar o que está em nossos corações. Especial
mente em momentos de estresse, mas também em
Teologia do processo - Uma introdução básica
i
Dessa forma, quando oramos a Deus, oramos
para aquele que já está em nós e ao redor de nós,
que já está agindo para tornar nossa oração possível,
que já está nos chamando para a saúde, para o amor
e para a vida. O que diremos a um Deus assim?
Lembre-se de que a oração é um ato de adoração
no qual procuramos nos centralizar, nos alinhar, ser
sensíveis e responsivos. A oração é principalmente
para nós. Assim, quando perguntamos o que deve
ríamos dizer, estamos perguntando sobre como fala
remos a nós mesmos e uns com os outros em nossos
esforços para centralizar, alinhar, ouvir e responder
ao sagrado.
Oração e libertação
Oração e cura
Conclusão
187
Capítulo 16
MILAGRES
Justiça e bondade
Teologia do processo
M
ilhões de cristãos no século passaram a pensar
na divindade e sacralidade isoladas da cren
ça em um ser divino. Paul Tillich mudou a teologia
cristã para muitos ao insistir que "Deus" não "existe"
(não é um ser entre outros seres), mas sim um nome
simbólico para o fundamento de toda a existência, "o
fundamento do ser”. O pequeno clássico do bispo Ro-
binson, Honest to God, desafiou milhões de leitores a
crescerem além da crença em um Deus que estava
"lá fora”. Bonhoeffer queria um "cristianismo sem re
ligião" no qual permanecêssemos "diante de Deus,
sem Deus". Alguns teólogos da "Morte de Deus"
buscavam uma interpretação não teísta e secular do
Teologia do processo - Uma introdução básica
evangelho cristão.
Alguns entusiastas quanto às possibilidades do
pensamento do processo perguntam-me se uma m u
dança similar na perspectiva religiosa teria a possi
bilidade de não funcionar tão bem assim na teolo
gia do processo. Eles perguntaram: Nós poderíamos
preservar os valores da visão relacionai do processo
- sua reconcepção de poder e de valor, seu foco no
processo e nas relações, sua abertura para o valor
da vida não humana, sua apreciação ao feminismo,
e sua resposta positiva à ambigüidade da vida - e
199
ao mesmo tempo encontrar sacralidade inteiramente
dentro do mundo dos processos naturais? Acredito
que a resposta seja sim. Existem muitos naturalistas,
incluindo a mim, que acham significativa uma visão
de mundo religiosa, baseada no pensamento proces-
so-relacional, sem a ideia de um ser divino.
Esta seção conclusiva contém dois capítulos: no
primeiro, explicarei e explorarei brevemente o con
ceito do "naturalismo do processo" como sendo uma
perspectiva religiosa fundam entada na visão relacio
nai do processo, mas sem o Sujeito divino do teísmo
do processo. Como parte disso, introduzirei ideias de
Henry Nelson Wieman, que foi um porta-voz para
reconceber a religião dentro dessa estrutura.
No capítulo final, no entanto, John B. Cobb Jr.,
que vejo como o preeminente teólogo do processo,
generosamente aceitou refletir sobre três questões:
Por que necessitamos de Deus para que o mundo
faça sentido na visão do processo relacionai? Que di
ferença o Deus do processo faz no mundo de nossa
experiência? Quais são as outras contribuições que
o pensamento do processo pode dar, além daquelas
discutidas neste livro?
C. Robert Mesle
200
Capítulo 17
NATURALISMO DO PROCESSO
Naturalismo e sacralidade
204
Um naturalismo processo-relacional
a existência social.
O naturalismo do processo partilha com o teís
mo do processo um reconhecimento da ambigüidade
de toda existência. As mesmas ações, eventos e estru
turas podem fazer surgir tanto a dor quanto o prazer,
tanto a destruição quanto a criação. Nenhum deter
minado estado de coisas é "do jeito que as coisas ti
nham que ser", porque não há Criador divino para
pretender qualquer coisa. Escravidão, sexismo e ho-
mofobia, por exemplo, são vistos como surgindo da
autocentralidade e preconceito humanos, e não refle
205
tem qualquer comando moral divino. Dessa forma,
o naturalismo do processo também escapa daquelas
tendências opressoras particulares que tão facilmen
te surgem de algumas visões religiosas.
Naturalistas do processo nos veem como par
tilhando experiências profundas. A experiência do
sentido, como nosso foco fundamental, é apenas um
produto mais afiado, mais claro e mais abstrato das
experiências primordiais mais vagas dentro das nos
sas células corporais. O mundo é rico e um lugar in
crível, e temos muito a aprender sobre ele e nosso lu
gar dentro dele. Visto que os naturalistas do processo
também acreditam que corpos e mentes são unidos,
eles também irão prever que temos muito a aprender
sobre os poderes da mente para curar nossos corpos
(e vice-versa) e as mentes e corpos uns dos outros.
Mas, sendo empíricos, eles nos lembram de que não
devemos nos lançar im prudentem ente em afirma
ções injustificadas. Tentativa e erro serão tão neces
sários aqui quanto em qualquer pesquisa científica.
Naturalistas do processo apoiariam a mesma fi
losofia básica do relativismo comprometido, que é
capaz de incluir a diversidade, sem abandonar o jul
gamento ético. Com ou sem Deus, o julgamento ético
deve ser fundamentado em processos reais - físicos,
biológicos, psicológicos e sociais. Até onde esses pro
cessos são partilhados, poderíamos procurar as bases
comuns dos nossos valores. Assim como elas variam,
os valores também podem variar.
Similarmente, a apreciação positiva do pluralis
C. Robert Mesle
Deus
209
Elas procuram pela salvação em um reino atemporal
e veem as fontes fundamentais do bem como total
mente além dos eventos temporais. W ieman afirmou
que aqueles que nos chamam para olhar algum reino
totalmente atemporal e transcendente para procurar
o que nos salva do mal e nos conduz para o bem
estão, ainda que involuntariamente, prejudicando
-nos ao desviar nossa atenção do que realmente im
porta. Pior, em um tempo quando temos o poder de
destruir nosso mundo, a religião que busca salvação
como fuga deste mundo é perigosa.
É como se um homem que executasse uma ope
ração cirúrgica fosse negar que os órgãos vitais estão
no corpo. Somente suas manifestações temporais es
tão lá, ele diz, mas, visto que os órgãos não estão lá,
nenhum corte de faca pode seriamente machucá-los.
A um homem assim nunca deveria ser permitido exe
cutar uma importante operação.4
Nós vivemos no mundo da natureza. Os natura
listas do processo acreditam que a natureza é o que
existe. Isso significa que as fontes do bem humano
também devem residir dentro da natureza. É aí que
devemos olhar e trabalhar.
Muitas visões religiosas incluem um sentido
muito saudável e vital de que servimos a Deus me
lhor quando servimos nosso próximo. Os naturalis
tas do processo querem dizer algo muito simples a
esse respeito. O que realmente ajuda as crianças a se
tornarem o melhor que elas podem ser acontece jus
tamente aqui e agora: boa alimentação, pais e amigos
C. Robert Mesle
210
amorosos, fortes modelos, bom cuidado médico, boa
educação, justiça e paz. Com ou sem uma divinda
de transcendente, estas são as coisas que importam.
Além disso, existe muito a respeito da natureza, da
humanidade e das fontes do bem e do mal que ainda
não compreendemos. Wieman e outros naturalistas
do processo chamam-nos para focar nosso compro
misso religioso sobre essas questões.
211
Capítulo 18
TEÍSMO DO PROCESSO
importante.
Wieman distinguiu o que é digno de confiança
e de devoção suprema entre tudo o mais. Essa dis
tinção é muito importante para ele. Confiar absolu
tamente no que não é digno de tal confiança ou nos
dedicar sem reservas ao que não é digno de tal devo
ção é "idolatria".
W ieman identifica o processo que sempre e em
toda parte faz o bem para o ser humano como o "bem
criativo". Ele o contrasta com "bens criados". O pri
meiro é o processo através do qual coisas boas vêm a
215
existir. O último são as coisas boas que vêm a existir
através desse processo. Elas incluem relacionamen
tos humanos ricos, comunidades e instituições con
tínuas e sabedoria profunda. Essas coisas são m ui
to preciosas; se não fossem, não haveria razão para
dedicar tal devoção ao processo que as faz existir.
Mas tratar até mesmo a melhor delas como se fosse
sagrada ou digna de devoção suprema é perigoso e
destrutivo.
As pessoas podem discordar se focar a atenção
na distinção entre Deus e as criaturas é desejável
ou indesejável. Mas parece evidente para mim que
a crença de W ieman em Deus tem efeitos práticos.
W ieman discutiu esses efeitos em alguns detalhes
em relação à educação, ao governo e ao mundo dos
negócios, assim como à vida religiosa.
O pensamento de W ieman tem sido importante
para mim desde os meus dias de estudante de gradu
ação. A realidade de Deus havia se tornado muito in
certa para mim, e eu realmente percebi que minhas
dúvidas eram muito perturbadoras. O que Wieman
identificou como Deus não era tudo o que Deus havia
significado para mim; assim, eu não estava satisfeito.
Mas, para minha satisfação, W ieman mostrou, na
quela época e agora, que o exame cuidadoso da ex
periência hum ana revela a realidade de um processo
criativo que é digno de nossa confiança e devoção.
Em nosso tempo, isso é uma realização muito grande.
W ieman é uma das principais fontes do teísmo
do processo. Ele desenvolveu esse teísmo no contex
C. Robert Mesle
233
PARA LEITURAS COMPLEMENTARES
U
ma boa fonte de informação sobre a teologia do
processo é o Programa Fé e Processo do Centro
para Estudos do Processo, 1325 N. College Avenue,
Claremont, CA 91711. Sinta-se livre para escrever
com suas perguntas.
Duas excelentes introduções para pessoas que
desejam dar o próximo passo depois desse livro
são:
John B. Cobb Jr. e David R. Griffin. Process Theology: An Intro-
ductory Exposition. Westminster Press, 1976.
Marjorie Hewitt Suchocki. God-Christ-Church: A Praticai Ap-
proach to Process Theology. Crossroad, 1989.
235
David P. Polk (org.). What’s a Christian to Do? Chalice Press,
1991.
------ . Now What’s a Christian to Do? Chalice Press, 1994-
Barry Whitney. What Are They Saying About God and Evil? Pau-
list Press, 1989.
236
ÍNDICE
Dedicatória:............................................................................... 5
Agradecimentos........................................................................ 7
Introdução................................................................................. 9
Pensamento do processo: uma visão geral.......................... 19
Parte I
UM DEUS DIGNO DE ADORAÇÃO
Capítulo 1
Amor, poder e adoração......................................................... 25
Capítulo 2
O amor de Deus e o nosso sofrimento................................. 31
Capítulo 3
Amor, poder e relacionamento............................................. 43
Capítulo 4
Liberdade, tempo e o poder de Deus................................... 55
Parte II
O MUNDO E DEUS
Capítulo 5
Tempo......................................................................................... 73
237
Capítulo 6
Um mundo de experiência...................................................... 83
Capítulo 7
Como Deus age no mundo...................................................... 95
Parte III
UMA TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO
Capítulo 8
Como a religião se torna opressora......................................... 111
Capítulo 9
Uma teologia do processo da libertação............................... 121
Capítulo 10
A experiência das mulheres
e o pensamento do processo.................................................. 129
Capítulo 11
Revelação, Escritura e Libertação.......................................... 137
Capítulo 12
Relativismo comprometido:
uma aproximação à ética e à comunidade global .............. 145
Capítulo 13
Pluralismo religioso...................................................................157
Capítulo 14 '
Jesus............................................................................................ 167
Capítulo 15
Oração, libertação e cura......................................................... 177
Capítulo 16
M ilagres......................................................................................189
238
Parte IV
NATURALISMO E TEÍSMO
Capítulo 17
Naturalismo do processo........................................................ 201
Capítulo 18
Teísmo do processo.................................................................. 213
239
O nde e stá D e u s q u a n d o a c r ia n ç a c o rre d e e n c o n t ro a u m c a rro
q u e p a s s a ? S e f a r ía m o s t o d o o p o s s ív e l p a r a e v it a r u m a t r a g é d ia ,
c e r t a m e n t e D e u s n ã o fa r ia m e n o s . N o e n t a n t o , e s t e é u m m u n d o n o
q u a l m ilh õ e s d e in o c e n t e s s o f r e m a o n o s s o re d o r. S e r á q u e D e u s se
im p o r ta ?
E s c r e v e n d o c o m p e r s p ic á c ia e c la r e z a d ig n a d e n o ta , R o b e rt M e s le
a p r e s e n t a a s e u s le it o r e s u m a f o r m a d e p e n s a r e m D e u s e e m n o s s o
m undo que e x p lo ra q u e stõ e s p ro fu n d a s se m se a fa sta r d o se n so
c o m u m . O r e s u lt a d o é u m a c a rt ilh a b á s i c a s o b r e o s f u n d a m e n t o s d a
t e o l o g ia d o p r o c e s s o , p e l a q u a l m u it o s a g u a r d a m h á te m p o .
O liv r o e n c e r r a c o m u m c a p ít u lo e s c r it o p e l o p r o e m in e n t e t e ó l o g o
John C obb so b re a r e la ç ã o e n tre o te ísm o do p ro ce sso e o
n a t u r a lis m o d o p r o c e s s o .
“Eu e n s in o o v a lo r d a t e o lo g ia do p ro ce sso p o r q u e e la t e m um a
b o a é t ic a . A t e o l o g i a d o p r o c e s s o m e e n s in o u q u e n ã o e x is t e u m a
r a z ã o s im p le s p a r a d e ix a r q u e n o s s a s v e lh a s id e ia s s o b r e o poder
d iv in o n o s t o r c e m p a ra um ca n to n o q u a l d e v e m o s n o s p e r s u a d ir
d e q u e m a l d a d e s b r u t a i s s ã o , n a v e r d a d e , b o a s . E la m e a p r e s e n t o u
o m o d e lo d e u m D e u s q u e é g e n u in a m e n t e a m o ro s o n u m s e n t id o
d i r e t o e in t e lig ív e l. O D e u s d a t e o lo g ia d o p r o c e s s o fa z t u d o o q u e
p e r m it e o poder d iv in o p a ra t r a b a lh a r p e lo b e m .” (Excerto da
Introdução do outor)