Fichamento - Testamentos Katia Mattoso
Fichamento - Testamentos Katia Mattoso
Fichamento - Testamentos Katia Mattoso
“Mas de que tipo de fontes dispomos para estudar na Bahia o grupo dos
escravos libertos? As séries fiscais são praticamente inexistentes, vez que
foram destruidas em 1970. Permanecem, porém, numerosas outras séries, tais
como: jornais e periódicos, obras literárias, documentos provenientes de
associações de classe, de Irmandades religiosas, recenseamentos, registros
paroquiais, documentos das autoridades judiciária, policial e militar e,
finalmente, os arquivos notariais com seus livros de Notas e Escrituras, seus
registros de testamentos e seus maços de Inventários post-mortem” (p.8)
“Como o escravo se libertou? Unicamente porque foi ajudado. Temos aqui uma
segunda chave para explicar os sucessos sociais dos libertos. Essa ajuda pode
ter provindo de antigos senhores, de outros libertos, de amigos próximos ou
mais afastados. A família baiana generosa e atuante serviu de ponto onde
nasciam as solidariedades: empréstimos em dinheiro com juros ou sem eles,
recomendações, emprego, dependiam inteiramente dos que os circundam. As
Irmandades religiosas, as associações leigas de assistência mútua,
completavam os apoios individuais. Ter sido escravo de uma pessoa
importante na dependência do qual ficava-se como agregado, ajudava o
sucesso social, como também ajudavam laços criados pelas camaradagens ou
pelos apadrinhamentos. O terceiro fator de promoção social do liberto
dependeu com frequência da estrutura familial, tomada aqui no sentido restrito
da palavra. Frequentemente solteiro, vimos que o liberto tinha poucos filhos, o
que significa poucas bocas para alimentar e educar e, frequentemente, se
casava com um cônjuge relativamente remediado numa verdadeira associação
de interesses. Finalmente, o quarto fator dependeu da conjuntura geral de
Salvador no século XIX. Este século foi, em seu conjunto, um período de
marasmo econômico. um marasmo que foi se acentuando com o passar dos
anos que sem dúvida, favoreceu aqueles que tinham maiores possibilidades de
adaptar-se e menos tradições. Não tendo o direito, porque libertos, de se
refugiarem nos empregos públicos, os nossos testadores certamente reagiram
como os judeus em outras sociedades: minoria que procurava integrar-se da
melhor maneira possível acompanhando as evoluções da conjuntura e
apoderando-se das ocasiões que os outros, os mais comprometidos com as
tradições, não podiam aproveitar. As diferenças na composição do patrimônio
dos libertos, entre o início e o fim do século, testemunham sua adaptação à
vida econômica da cidade” (p.44-45)