O Direito Social À Saúde, As Teorias Do Mínimo Existencial e Da Reserva Do Possível em Face Do Princípio Da Dignidade Da Pessoa Humana Sob A Análise Do Poder Judiciário

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O DIREITO SOCIAL À SAÚDE, AS TEORIAS DO MÍNIMO EXISTENCIAL E DA

RESERVA DO POSSÍVEL EM FACE DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA


HUMANA SOB A ANÁLISE DO PODER JUDICIÁRIO.

Paulo Antônio Nunes Nogueira1

Resumo: O presente artigo analisa a situação do direito social à saúde no Brasil.


Aborda as teorias do mínimo existencial e da reserva do possível. Explana sobre
conceitos e conflitos entre as referidas teorias. Apresenta argumentos da
Administração Pública e das partes envolvidas. Abrange direitos fundamentais,
conceito e dimensões. Princípio da dignidade da pessoa humana. Fundamentalidade
formal e material. Ineficácia das políticas públicas. Omissão legislativa e inércia
executiva. Objetiva identificar as deficiências na prestação do serviço de saúde que
originam aumento de demandas judiciais. Conclui-se que a demanda judicial em
relação à saúde teve um crescimento significativo e que os recursos públicos não
comportam atender a totalidade das tutelas tendo o Poder Judiciário que analisar
detalhadamente cada pleito judicial. Necessidade de revisão e reformulação do
Sistema Único de Saúde. Criação de Varas Especializadas com apoio técnico aos
magistrados. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica utilizando o método dedutivo,
realizada a partir de livros, sites de internet e documentos, com o intuito de auxiliar e
incitar o pensamento na solução dessa discussão entre a Administração Pública e
seus governados.

Palavras – chave: direito à saúde; direitos fundamentais; reserva do possível;


mínimo existencial; Poder Judiciário.

ABSTRACT: This article analyzes the situation of the social right to health in Brazil. It
addresses theories of the existential minimum and the reserve of the possible.
Explain about concepts and conflicts between these theories. It presents arguments
from the Public Administration and the parties involved. It covers fundamental rights,
concept and dimensions. Principle of the dignity of the human person. Formal and
material fundamentality. Ineffectiveness of public policies. Legislative omission and
executive inertia. It aims to identify deficiencies in the provision of health services
that lead to an increase in lawsuits. It is concluded that the judicial demand in relation
to the health had a significant growth and that the public resources do not entail to
attend the totality of the tutelas having the Judiciary Power that analyze in detail each
judicial litigation. Need to review and reformulate the Unified Health System. Creation
of Specialized Sticks with technical support to the judges. It is a bibliographical
research using the deductive method, made from books, internet sites and
documents, with the purpose of helping and inciting the thinking in the solution of this
discussion between the Public Administration and its governed.

1
Graduado em Direito pela Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS; Pós-graduado em Direito
Público pela Fundação Escola Superior do Ministério Público – FMP; Pós-graduado em Direito Trabalhista e
Previdenciário pela Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC; Mestrando em Direito Público pela Fundação
Escola Superior do Ministério Público – FMP. E-mail: [email protected]
Key - words: right to health; fundamental rights; reservation of the possible;
minimum existential; Judicial power.

1 Introdução:

A interferência do Poder Judiciário na seara do Poder Executivo, no


condizente à área de saúde, devido ao aumento da demanda processual, reflete a
problemática encontrada na efetivação do direito à saúde, direito este com previsão
constitucional, perante a ineficácia dos órgãos legiferantes no condizente a
implementação de políticas sociais de saúde e alocação de recursos para melhorias
no atendimento, sendo este o tema a ser tratado no transcorrer do presente estudo.
Certamente que não há a pretensão de esgotar o assunto, e sim de adentrar de
forma panorâmica o assunto, que possui densidade sócio-legislativa significativa.
O direito à saúde está intimamente unido ao princípio da dignidade
humana, ocorre que este direito não está sendo devidamente observado pela
Administração Pública, obrigando os indivíduos a recorrerem ao Poder Judiciário,
para obterem este direito concretizado, conforme prescreve o art. 196, da CF/88. Os
assuntos que norteiam os objetivos do presente estudo podem ser sintetizados:
Sistema Único de Saúde, Direitos Fundamentais, Princípio da Dignidade Humana,
Mínimo Existencial, Reserva do Possível e Judicialização do Direito à Saúde.
O problema surge quando os magistrados ao proferirem sentenças ou
determinações judiciais, tutelando o direito à saúde, interfere mesmo que
indiretamente de forma impactante em outras áreas da Administração Pública,
considerando que o magistrado atua em um microssistema de justiça, enquanto que
a realidade coletiva atinge parâmetros amplos e complexos, que o judiciário
desconhece, sendo que a decisão certamente acarretará consequências em outras
áreas como realocação de recursos de um setor para outro.
No presente trabalho serão abordadas as teorias do mínimo existencial e
da reserva do possível em face do princípio da dignidade da pessoa humana e a
postura do poder judiciário no condizente ao direito à saúde, o que fazer em caso de
conflito destas, sendo que ao final alternativas serão apresentadas com o objetivo de
amenizar esse caos que encontra-se a saúde pública no Brasil.
Trata-se de uma pesquisa bibliográfica utilizando o método dedutivo sem
a pretensão de exaurir o referido tópico, entretanto com o intuito de auxiliar e incitar
o pensamento na solução desse imbróglio que apresenta crescente evolução
impactando a economia e o bem estar da população menos assistida,
sobrecarregando o poder judiciário com a crescente demanda que abarrota os
cartórios judiciais.

2 Evolução da saúde no Brasil

A saúde no Brasil Colonial não era tratada, ou sequer considerada,


beneficiavam-se de tratamentos médicos apenas as pessoas com poder econômico
significativo, enquanto que a população pobre em sua totalidade permanecia à
mercê das doenças que surgiam. Não havia por parte do Estado, qualquer política
social que visasse combate às doenças, preventivamente, tanto pelo Estado como
pelos médicos o objetivo único era somente o de evitar a morte.
Com a chegada da família real ao Brasil, em 1808, criaram-se as
primeiras faculdades de medicina, beneficiando as cidades de Salvador, na Bahia e
no Rio de Janeiro, Rio de Janeiro que se tornaram centros de ações sanitárias,
apesar de tais acontecimentos a saúde no Brasil não obteve avanços significativos,
permanecendo a população “abandonada” a própria sorte (CONASS, 2011, p.16).
Nesse período, o interesse primordial limitava-se ao controle sanitário mínimo na
capital do Império, assim permanecendo por quase um século, essa fase na história
do Brasil encerrou-se sem que os graves problemas de saúde existentes na
população fossem solucionados, ou sequer tentar fazê-lo (BERTOLLI, 1996, p.33).
Com a proclamação da República, surge a necessidade de modernizar a
economia e a sociedade, outrora escravagista, porém, não havia políticas de saúde
e o País permanecia à mercê das epidemias, não oportunizando aos trabalhadores a
devida assistência médica necessária, levando-os a buscarem assistência à saúde
em hospitais filantrópicos. Ocorre que esse método era excludente, pois havia
trabalhadores, amparados pela assistência médica enquanto seus familiares não
eram, pois não possuíam carteira de trabalho, não contribuindo para a previdência e
dessa forma permanecendo sem obterem a assistência médica, sendo rotulados de
indigentes pelos hospitais filantrópicos e sendo atendidos por estes.
Esse modelo médico assistencial privatista caracterizou-se pela
centralização do atendimento médico, pela prática curativa individual em detrimento
das ações coletivas preventivas, deslocamento da prestação dos serviços médicos a
entes privados lucrativos e não lucrativos. Houve críticas ao modo centralizador e a
prática curativa individual pelas instituições de saúde que realizavam atendimentos
filantrópicos, pelas instituições acadêmicas e pelas secretarias de saúde, que
propunham a desmedicalização da sociedade, com programas alternativos de
autocuidado da saúde, com ênfase na atenção primária e valorização da medicina
tradicional. Então, surgiram os primeiros projetos-pilotos de medicina comunitária
realizados por instituições acadêmicas e secretarias de saúde e as experiências em
municipalização do serviço de saúde, objetivando a ideologia de reforma sanitária
brasileira. O movimento sanitário apresentou ao Governo propostas transformadoras
no sentido de abranger e melhorar o atendimento à saúde da população não
assistida (CONASS, 2011, p.30-34).
Em 1982, foi criado o Conselho Nacional de Secretários de Saúde
(CONASS), porém o fato sanitário vital para o atual sistema assistencial
médico/ambulatorial, deu-se em 1986, na VIII Conferência Nacional de Saúde onde
foram lançadas as bases doutrinárias de um novo sistema público de saúde, com os
seguintes temas oficiais: saúde como dever do Estado e direito dos indivíduos;
reformulação do sistema nacional de saúde e financiamento setorial. Diante de
pressões das instituições acadêmicas e do movimento sanitarista, foi adotado
conjuntamente com a Constituição da República de 1988, o Sistema Único de Saúde
(CONASS, 2011, p.24-25).
Com previsão constitucional, Título VIII, da Ordem Social, Capítulo II, da
Seguridade Social, Seção II, da Saúde, artigos 196 a 200, encontra-se o Sistema
Único de Saúde (SUS), que possui caráter inclusivo abrangendo a sociedade como
um todo para usufruir em caso de necessidade do atendimento médico/ambulatorial,
de forma gratuita, sem qualquer discriminação, para que isso ocorra o Estado deve
planejar e executar políticas de saúde, visando o bem comum (CONASS, 2011,
p.26-30).
O Estado distribui para seus entes federativos, responsabilidades
conforme sua autonomia descentralizando para os mesmos, atribuições e permitindo
para melhoria de atendimento, que terceiros ou pessoas de direito privado, mediante
controle e supervisão da Administração Pública, forneçam serviços de saúde para a
população. Cada ente federativo fará sua contribuição, de forma escalonada e
descentralizada, realizando investimento em políticas de saúde conforme as
peculiaridades do local, possibilitando a participação popular, através do Orçamento
Participativo. Os recursos são repassados da União para os estados e municípios,
sendo ainda que os estados repassem mais recursos aos municípios de seu
território, conforme a tributação arrecadada, tendo ainda os municípios que alocarem
recursos próprios para suas políticas de atenção à saúde.
A participação da iniciativa privada, no setor de saúde, ocorre de forma
complementar, visando rapidez e qualidade no atendimento dos usuários, entretanto
a prioridade é das entidades filantrópicas e das sem fins lucrativos. Com a instituição
do SUS, produziram-se resultados imediatos como o fim da marginalização social
que atingia grande parcela da população no âmbito do serviço de saúde. A
integração realizada pelo SUS extinguiu a forma centralizadora do serviço de saúde
brasileiro, discriminatória que estipulava o vínculo dos direitos sociais com a
inserção no mercado de trabalho.
O SUS é constituído pelo conjunto de ações e de serviços de saúde sob
gestão pública, organizado em redes regionalizadas e hierarquizadas com atuação
em todo o território nacional, sob direção una em cada ente federativo, como
prescreve a Constituição Brasileira e a Lei n° 8.080/90. Essa descentralização
(MEIRELLES, 2008, p.752-754) em cada esfera governamental atua de forma
preventiva e paliativa nos níveis de saúde, visando de forma integral abranger toda a
população, quer seja brasileiro ou estrangeiro, o direito à assistência nosológica é
única e os recursos oriundos dos entes federativos devem ser investidos na saúde
da população, com a participação da mesma (WEBER, 2010, p. 47).
A saúde é direito de todos e um dever do Estado, entretanto para que tal
objetivo se perfectibilize é necessário que parâmetros sejam adotados, sendo o
mínimo existencial um dos requisitos a serem observados e o próximo ponto a ser
abordado.

3 Mínimo existencial
A teoria do mínimo existencial define-se como conjunto de prestações
materiais imprescindíveis para a garantia de uma vida digna e saudável,
acrescentado de segurança social para a plena realização de tal objetivo. O mínimo
existencial está umbilicalmente ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana,
deve-se ater para que não ocorra confusão entre mínimo existencial com mínimo de
sobrevivência, pois este último diz respeito à garantia do direito à vida. Considerado
essencial para a constituição e manutenção de um Estado Social de Direito o
mínimo existencial, vislumbra ampla fruição de garantia efetiva socioeconômica não
se restringindo somente a parte física, considerando-se o padrão socioeconômico de
cada Estado.
O objetivo dessa teoria é possibilitar aos indivíduos a garantia de seus
direitos subjetivos perante o poder estatal, nos casos de inércia ou omissão em
relação à prestação de tais direitos. O Estado Social de Direito (Estado que garante
a observação às liberdades civis, direitos fundamentais, direitos humanos com total
proteção jurídica), sob qualquer hipótese pode privar seus indivíduos do mínimo
existencial, pelo contrário deve suprir suas necessidades por meio de prestações de
políticas públicas, possibilitando uma vida com dignidade. O mínimo existencial é
denominado como um direito-garantia fundamental autônomo, o que faz que seja
independente de previsão constitucional expressa, pois decorre do princípio da
dignidade humana e da proteção da vida. Está implícito no art. 170, caput, CF/88,
entre outros, essa garantia implícita ao mínimo existencial impede omissões, bem
como proteções e promoções insuficientes por parte do ente estatal, incluindo os
particulares se for este o caso.
O mínimo existencial preconiza prestações para sua tutela defensiva,
inibindo que argumentos como a reserva do possível prevaleçam e afastem a devida
satisfação dos direitos fundamentais sociais, grande parte da doutrina, e a
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça
coadunam desse entendimento. Certamente que para a tutela do mínimo existencial,
o indivíduo deve fazer uso de elementos probatórios e demonstrar suas verídicas
necessidades e consequentemente alternativas efetivamente eficientes e
indispensáveis ao objeto pleiteado. Coibindo gastos excessivos em tratamentos que
em uma análise mais detalhada se apresentem desnecessários, viabilizando o
atendimento para outros indivíduos em idêntica situação social.
A proteção ao mínimo existencial está sedimentada na ética e se
fundamenta na liberdade, nos direitos humanos e nos princípios de igualdade e da
dignidade humana. A doutrina internacional considera que o mínimo existencial
condiz com condições mínimas de vida digna, sendo que cada um tenha acesso ao
suficiente para sustento próprio e participação na vida social do Estado. Depreende-
se a necessidade de efetivação do mínimo existencial em prol dos indivíduos em
concreta vulnerabilidade social para arcar com os custos de um tratamento ou
medicamento. O direito constitucional de igualdade, não propriamente diz respeito
às prestações iguais por parte do ente estatal, vivemos em uma sociedade desigual,
sendo que o que impede financeiramente alguns não afeta outros, arcar com os
custos de planos de saúde é um ótimo exemplo a ser considerado.
Devido aos vultuosos valores econômicos que necessita para sua
manutenção, o mínimo existencial, encontra óbices por parte de atores legiferantes,
fato que se evidencia quando da concretização dos direitos a prestações. O
argumento apresentado como barreira é a disponibilidade financeira, originando um
elo com a denominada teoria da reserva do possível, próximo segmento que
veremos a seguir.

4 Reserva do possível

A teoria da reserva do possível (Vorbehalt des Möglichen) surgiu na


Alemanha, devido a um grupo de estudantes que não foram admitidos na faculdade
de medicina de Munique e Hamburgo, em virtude de limitação de vagas em cursos
superiores, pleitearam judicialmente o ingresso nas faculdades, o Tribunal Alemão
pronunciou-se no sentido de que possuíam direito ao ingresso, mas que deveria ser
observado a reserva do possível, ou seja o que o indivíduo pode esperar da
sociedade. Tendo em vista, os gastos significativos efetuados administrativa e
judicialmente com o mínimo existencial, surge o argumento da Administração
Pública da reserva do possível, com o intuito de justificar ou impugnar as decisões
judiciais que a obrigam a cumprir com seus compromissos constitucionalmente
estabelecidos em relação aos direitos fundamentais. Predominantemente os gastos
referidos, dizem respeito aos direitos sociais, ou seja, as prestações dos mesmos
que vinculam-se à distribuição, redistribuição, destinação de bens.
Os direitos de defesa (direitos negativos ou ações negativas), que são os
direitos a não-intervenção na liberdade pessoal e nos bens fundamentais tutelados
pela Constituição, demandam da Administração Pública, tanto no aspecto recursos
humanos como nos recursos materiais, considerável dispêndio pecuniário, para sua
efetiva proteção. Não há, portanto, de se dizer que não há abalos nas finanças
públicas, nos casos de intervenção do Poder Judiciário para garantia dos direitos
fundamentais e que os custos para a eficácia e efetivação das prestações
reclamadas, apenas é possível sob a alocação de recursos, com o provável
comprometimento da estrutura financeira do ente federativo, isso é pacífico na
doutrina dominante.
Surge o impasse da situação exposta: E se o ente federativo realmente
não disponha dos recursos financeiros para a efetiva prestação reclamada? Que o
Estado não possui recursos ilimitados é notório, essa limitação dos mesmos gera o
limite fático à efetivação dos direitos prestacionais e cabe a ressalva que a
Administração Pública possui a capacidade precípua de dispor dos recursos
conforme estabelecido em sua legislação vigente. Devido os motivos supracitados,
os entes federativos denominaram a reserva do possível, a qual, não
necessariamente, compreende somente a falta de recursos e sim uma reserva
estratégica da capacidade financeira destes, para que a efetivação das prestações
ocorra dentro dos limites, ora apregoados pelo Estado.
A reserva do possível explicita que os direitos sociais, dependem da literal
disponibilidade de recursos, então estabelecidos dentro do orçamento público.
Sendo de direito do indivíduo a reclamação de prestações, que coerentemente se
pode exigir, observando o Estado como um todo e não somente individualizá-lo,
conforme suas necessidades particulares. Diante do exposto, conclui-se que a
reserva do possível, caracteriza-se por:
- a efetiva disponibilidade fática dos recursos para a efetivação dos
direitos fundamentais;
- a disponibilidade jurídica dos recursos humanos e materiais;
- a proporcionalidade da prestação reclamada em relação à exigibilidade
e razoabilidade.
Cabe então ao Poder Judiciário, atuar com ponderação e coerência ao
julgarem prestações reclamadas, de direitos sociais, sob pena de intervenção aos
princípios democráticos e de separação de poderes, ao condenar o ente federativo
de supressão aos direitos fundamentais de previsão constitucional que impõe ao
Estado o planejamento e a execução de políticas públicas para a manutenção do
princípio da dignidade da pessoa humana. Porém não apenas o Poder Judiciário
deve zelar para o bom desenvolvimento das prestações sociais os entes federativos
devem observar os princípios constitucionais que regem a Administração Pública,
com ênfase aos princípios da moralidade e da eficiência, pois a aludida escassez de
recursos deve ser administrada para a efetivação dos direitos sociais.
A eficácia e a efetividade dos direitos sociais exige o comprometimento de
todos os órgãos estatais e agentes políticos, para que a reserva do possível não se
transforme em bandeira impeditiva da devida prestação dos direitos sociais,
minimizando, o quanto possível, da reserva e maximizando, com prudência, os
recursos disponíveis. Com o argumento exagerado a reserva do possível, é por
vezes, explicitada com o intuito de mascarar a omissão estatal e outras a justificativa
é legítima, mas cabe ao Estado o ônus da prova do fato alegado.
Destacam-se nessa fase os princípios da proporcionalidade e da
razoabilidade, direcionando tanto os órgãos estatais como os indivíduos, atuando
nessa bidimensão para inibir o excesso e a insuficiência, servindo como guias para
adequar a realidade fática. Obstando dessa forma que em prol da proteção de um
indivíduo desampare-se grande parte da sociedade. Ingo Wolfgang Sarlet, salienta
as palavras do ex Ministro do STF, Eros Grau: “que a assim designada reserva do
possível não pode ser reduzida a limite posto pelo orçamento, até porque se fosse
assim, um direito social sob reserva de cofres cheios, equivaleria, na prática a
nenhuma vinculação jurídica.” A reserva do possível não deve prevalecer nessa
hipótese, faz-se necessário providências que garantam a prioridade da vida e da
dignidade da pessoa humana.
Nas situações onde surja o conflito entre as supracitadas teorias, deve-se
utilizar o princípio da proporcionalidade que atua como controle de atos omissivos e
comissivos tanto do ente estatal bem como dos sujeitos privados, com sua dupla
função de: proibição de proteção insuficiente e de proibição de excesso.
O ente estatal no exercício de seu dever de proteção pode vir a afetar de
maneira desproporcional os direitos fundamentais de outros indivíduos em prol de
somente um, nesse momento o princípio da proporcionalidade age para controlar a
proibição de excesso, limitando a aplicação de direitos fundamentais. Caso ocorra o
inverso, se o ente estatal não efetivar suas funções de proteção de maneira
condizente o princípio da proporcionalidade atuará de forma a compelir o mesmo a
observar os direitos fundamentais e a cessar a ingerência, em resumo o princípio da
proporcionalidade exerce sua função em situações de desproporções tanto para
mais como para menos. Os direitos fundamentais possuem previsão constitucional,
e com base nestes é que os indivíduos recorrem ao poder judiciário para obterem a
tutela pleiteada, tais direitos serão pormenorizadamente explicitados no tópico a
seguir.

5 Direitos fundamentais

São direitos consagrados à pessoa humana, com reconhecimento


constitucional de ordem interna de um Estado, pode-se afirmar que os mesmos se
originam e se desenvolvem com as constituições nas quais foram reconhecidos e
assegurados, e é sob este ângulo que devem ser analisados. O Estado assume
deveres de proteção e defesa para com seus indivíduos em caso de omissão e ação
deste origina-se o direito de recorrer ao Poder Judiciário para a obtenção do que lhe
é devido pela Administração Pública. Enquanto que Direitos Humanos são aqueles
assegurados no plano internacional (garantia à qualquer pessoa independentemente
de seu vínculo com o Estado), portanto, oponível ao Estado perante as instâncias
supranacionais de tutela (KEINERT, 2009, p.55). Exemplo de direitos humanos o
caso de violência contra a mulher, que originou a criação da Lei Maria da Penha.
Os direitos humanos e direitos fundamentais individuais não são direitos
de um contra a coletividade e os direitos fundamentais sociais não são os direitos da
coletividade contra um, porém tanto um quanto o outro são parcelas fundamentais
do que cada um pode exigir dos demais e do que cada um possui como dever de
prestar aos demais. A diferença entre direito fundamental individual e social não é a
sua qualificação e sim a sua indispensabilidade à dignidade humana (QUEIROZ,
2011, p.23-32).
Os direitos fundamentais na totalidade exigem do Estado atuação
negativa e positiva, isso demonstra a interdependência entre eles, por exemplo: o
direito à vida requer a obrigação negativa de não privar alguém dela, além disso,
requer obrigação positiva de adotar todas as medidas necessárias que garantam a
preservação desta. Presume-se que os direitos fundamentais são integrantes da
definição da forma e atuação do Estado, devendo por este serem observados. Os
direitos fundamentais sofreram transformações em relação ao seu conteúdo, eficácia
e efetivação, escalonados em direitos fundamentais de (SARLET, 2010, p. 45-47):
- 1ª dimensão, direitos do indivíduo perante o Estado, de cunho negativo,
no qual os poderes públicos devem abster-se de fazer algo, atuando como defesa
nas condutas positivas por parte da Administração Pública, delimitando a
intervenção do Estado conferindo autonomia individual aos seus subordinados
permitindo “direitos de resistência ou de oposição perante o Estado”, são estes o
direito à vida; à liberdade; à propriedade e à igualdade;
- 2ª dimensão, dos quais trataremos no transcorrer do presente trabalho,
especificamente os sociais, no condizente à saúde. Possuem cunho positivo, atuam
para que o Estado reconheça e propicie por meio de políticas sociais o direito à
saúde; educação; trabalho, ou seja, sai da seara formal abstrata para a seara
material concreta. Outorgam aos indivíduos direitos a prestações sociais estatais,
atingem notoriedade após a Segunda Guerra Mundial, consagrando-se em diversas
constituições e pactos internacionais, coadunam com o “princípio da igualdade. Não
restringem-se somente ao cunho positivo, englobam também as liberdades sociais
no que se refere a direitos trabalhistas, abrangem a coletividade bem como o
indivíduo em sua esfera pessoal, o que permite que apenas uma pessoa recorra ao
poder judiciário para obter o bem da vida individual;
- 3ª dimensão, visa à coletividade como titular de direitos, destina-se à
proteção de grupos humanos tais como família, povo, nação. Caracterizando-se
como direitos de titularidade coletiva ou difusa, seu destino principal é o gênero
humano como valor supremo em termos de existencialidade concreta. São estes a
solidariedade; a fraternidade; a paz; meio ambiente e qualidade de vida, resultantes
de novas reivindicações fundamentais do ser humano, originadas seja pela evolução
tecnológica, pelo estado de beligerância e outros fatores que causaram reflexos na
esfera dos direitos fundamentais. A titularidade coletiva, por vezes é indefinida e
indeterminada, cite-se como exemplo o direito ao meio ambiente e a uma melhor
qualidade de vida, que apesar de beneficiar individualmente cada ser humano visa
como beneficiário principal a coletividade;
- 4ª dimensão, necessita do reconhecimento internacional e mesmo
internamente no Brasil, porém possui célebre defensor nacional, Paulo Bonavides,
que conclui que os direitos de 4ª dimensão é o resultado da globalização dos direitos
fundamentais, sendo estes direito à democracia e à informação, bem como pelo
direito ao pluralismo, porém está distante de obter o reconhecimento, como já dito
anteriormente.
Os direitos fundamentais possuem para seu reconhecimento um processo
de cunho essencialmente dinâmico e dialético, que caracterizam-se ora por avanços,
às vezes por retrocessos e contradições, mas cabe a ressalva de que são frutos de
reivindicações concretas, ao longo dos séculos, tendo em vista, as injustiças/
agressões aos bens fundamentais e elementares do ser humano. Os direitos
fundamentais evoluíram, juntamente com a humanidade e atualmente desdobram-se
em diferentes aspectos devido a criação jurisprudencial e a transmutação
hermenêutica.
De modo geral, todas as dimensões dos direitos fundamentais baseiam-
se nos postulados da Revolução Francesa, sendo estes a liberdade, a igualdade e a
fraternidade, porém para que a justiça seja feita ressalta-se que tal afirmação queda
por incompleta se não for referenciado o Princípio da Dignidade Humana. A função
principal dos direitos fundamentais em regimes democráticos é garantir os direitos
das minorias perante os desvios de poder praticados por quem está exercendo o
poder, gerando assim uma interdependência e reciprocidade entre direitos
fundamentais e a democracia, o que não evita atritos entre estes.
A Revolução Industrial foi o marco fundamental para a evolução dos
direitos sociais que após esta se estabeleceram e se positivaram, sua característica
principal pressupõe conduta ativa pelo ente federativo, ou seja, somente ocorre
devido ações governamentais através de políticas públicas. Os direitos sociais
pertencem à segunda dimensão de direitos, no qual o Estado possui o dever de
propiciar por meio de prestações, com uma atuação positiva, o necessário para seus
governados. Como bem explicita José Joaquim Gomes Canotilho, (CANOTILHO,
1999, p.519).
Os direitos fundamentais sociais prestacionais são os direitos positivados
nas constituições dos Estados, com este intervindo nas relações privadas, com o
objetivo de recompor as desigualdades sociais geradas pelo modelo liberal de
organização jurídica e econômica. Englobam direitos a prestações (direitos
positivos) e defesas (direitos negativos / ações negativas), amparados na posição
jurídica subjetiva do ora titular do pretenso direito, tendo assim o Estado que assumir
o status de fornecedor das prestações positivas e não somente abster-se de realizar
condutas lesivas aos direitos de liberdade já consagrados, para tanto deve-se
observar a dupla fundamentalidade formal e material (SARLET, 2007, p. 173-177).
Expressamente enunciado pelo artigo 1º, inciso III da CF/88, o Princípio
da Dignidade da Pessoa Humana constitui o valor unificador de todos os direitos
fundamentais, sendo estes uma concretização desse princípio, incluindo os direitos
fundamentais implícitos e os previstos em Tratados Internacionais.
A dignidade da pessoa humana é irrenunciável e inalienável, pelo fato de
qualificar o ser humano e devido a isso é elemento integrante e irrenunciável da
natureza da pessoa humana. É inerente a cada ser humano, não podendo ser
retirada, porém é reconhecida, respeitada e protegida pelas leis vigentes em âmbito
nacional e internacional. Com a previsão constitucional, a dignidade da pessoa
humana, exige do Estado que preserve e crie condições com o objetivo de mantê-la
e possibilite o seu pleno exercício, pois se a mesma deixar de existir não haveria
mais limite a ser respeitado (MARQUES, 2012, p. 56). A dignidade da pessoa
humana abrange o respeito e a proteção da integridade física do indivíduo (proibição
de pena de morte), sendo pressuposto a garantia de isonomia de todos os seres
humanos (vedação de tratamento discriminatório e arbitrário).
Devido ao seu status constitucional a dignidade da pessoa humana
adquiriu valor jurídico fundamental, amparando não somente os direitos
fundamentais em si, mas toda a ordem constitucional vigente, caracterizando-se
como o princípio constitucional de maior hierarquia axiológico-valorativa (SILVA,
2009, p.179). Vinculando dessa forma o Estado, suas atividades e seus órgãos
públicos, tanto em sentido positivo (o Estado deve propiciar condições para sua
efetividade) bem como de cunho negativo (o Estado deve abster-se de ingerências).
Como já dito anteriormente o princípio da dignidade da pessoa humana é
considerado como o fundamento do sistema dos direitos fundamentais, tendo em
vista, que estes são exigências, desdobramentos e concretizações daquele, mesmo
que de forma indireta ocorra.
6 Judicialização do direito a saúde

A judicialização crescente das demandas relacionadas à concretização do


direito à saúde vem exigindo atitudes intromissivas por parte do Poder Judiciário, em
todas as instâncias, no plano dos Poderes Executivo e Legislativo, pois ao garantir o
direito do postulante o aplicador do Direito interfere em alocações de recursos
públicos que provavelmente não seriam investidos no caso concreto em litígio.
O Poder Judiciário está em consonância com os direitos fundamentais,
que por sua vez atuam como legítimas medidas de decisão material, que
determinam e direcionam as decisões judiciais, devido a essa amplitude os direitos
fundamentais com seus efeitos vinculantes abrangem completamente os órgãos
jurisdicionais e seus atos praticados no exercício de suas funções.
É função precípua dos órgãos jurisdicionais, o controle de
constitucionalidade dos demais órgãos estatais, dispondo dessa forma do
poder/dever de zelar pela observância de quaisquer atos atentatórios aos direitos
fundamentais e se necessário declararem sua inconstitucionalidade. Através da
interpretação, integração e aplicação os tribunais conferem a maior eficácia possível
aos direitos fundamentais no âmbito nacional.
Os órgãos jurisdicionais enfrentam tipos diferentes de pedido de tutela,
que não objetivam somente o fornecimento de medicamentos pelo ente estatal, por
vezes trata-se de internação hospitalar e até mesmo a concessão de medicamentos
ou tratamentos experimentais sem comprovação científica (LINS, 2014, p. 37-38). É
dever dos órgãos jurisdicionais interpretar e aplicar as normas constitucionais e
infraconstitucionais, ponderando os aspectos adversos para a adequada efetivação
do direito à saúde com o intuito de evitar danos graves ao autor ou de gastos
excessivos do ente estatal.
“O direito não beneficia os que dormem.” esta aparenta ser a ordem do
dia, devido à morosidade e ineficácia na solução dos problemas, diversos destes
com risco de vida, dores lancinantes, levam os usuários do SUS a recorrerem ao
judiciário para garantirem um direito que está constitucionalmente consolidado, o do
direito a saúde, resultando em ordens judiciais de internação compulsória, cumulada
de multa diária que por vez podem comprometer o orçamento de um município, ou
então a prisão do profissional de saúde por crime de desobediência, ocorre que
devido ao caráter de urgência essas ordens judiciais vêm desprovidas de
conhecimentos técnicos quanto ao aspecto nosológico.
O art. 5º, XXXV, CF/88, fundamenta o direito do indivíduo ao afirmar que
a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça a
direito, configura-se o princípio da inafastabilidade de jurisdição, segundo o qual à
todos pertence o direito de recorrer aos órgãos jurisdicionais para obter a efetiva
prestação por parte do ente estatal.
A responsabilidade civil e administrativa do Estado possui previsão
constitucional, art. 196, da Constituição Brasileira: “A saúde é direito de todos e
dever do Estado.”, cabe então às autoridades executivas e legislativas
proporcionarem os meios para que os indivíduos atinjam seus fins, sob pena, de que
caso não o façam, tenha que o judiciário intervir para o cumprimento da legislação
constitucional e infraconstitucional.
O direito à saúde é um direito subjetivo, ou seja, é a possibilidade que o
indivíduo possui de requerer o que lhe é devido na norma jurídica, entretanto, o ente
estatal não pode escusar-se de realizar políticas públicas sob o argumento de difícil
implementação dos direitos subjetivos, pois os mesmos possuem ligação com a
eficácia jurídica derivadas das normas e não da possibilidade de sua execução,
especificamente parte das normas jurídicas e não da capacidade econômica do
Estado.
Assunto de suma relevância, que atinge o Território Nacional em sua
totalidade, é o caos que convive a sociedade brasileira no condizente a saúde,
especialmente a pública. Perfazem-se dias, meses culminando em anos a espera de
uma consulta/procedimento de um profissional da área de saúde. Cortes de verbas
no orçamento da área de saúde, a falta de saneamento básico, o estresse do
cotidiano, doenças cardiovasculares, agregam maior sofrimento aos desassistidos,
outro fator preponderante ocorreu com a transição da população brasileira da zona
rural para a zona urbana, devido a busca versus oferta de emprego nos grandes
centros comerciais das metrópoles causando aglomerações aos arredores das
cidades. O crescimento populacional, não se fez acompanhar pelo planejamento
estratégico governamental, criando um abismo entre a população que outrora não
buscava auxílio médico e a infraestrutura de um sistema quase inoperante.
O que pode intuir o indivíduo sem recursos financeiros para custear um
plano privado de saúde. Buscar auxílio no Poder Judiciário, para observar seu direito
fundamental atendido, diante da inércia do Poder Estatal. Tendo em vista a
imparcialidade da justiça é de se esperar que não haja intromissão para evitar
incoerências, porém vejamos a outra face da situação, se aguardar pacientemente
crendo na celeridade nosológica pode ser tardio quando esta vier (REJANE, 2012, p.
12-23).
O legislador constituinte consolidou um dos direitos humanos de suma
importância aos indivíduos, que é o direito à saúde, colocando-o na Constituição
Federal de 1988. Sendo, a partir de então, com previsão constitucional, fato a ser
observado nas políticas governamentais atuais, caso não o for, há o remédio
constitucional para a solução de tais divergências.
Um País, com as dimensões territoriais como o Brasil ainda não possui
políticas de inclusão social, em diversos casos, plenamente eficientes, aliás, não há
de se falar isso em escala mundial, pois não existem recursos suficientes. A
demanda da população rural para a cidade, a desestrutura dos hospitais, centros de
saúde, falta de saneamento básico, entre outros, agravam a desigualdade social,
sendo o fator preponderante a inércia das políticas econômicas e sociais relativas à
área da saúde, prima-se pela ação paliativa/curativa em detrimento das ações
preventivas, o que reduziria os gastos de forma significativa. Como bem observa
Germano Schwartz, (SCHWARTZ, 2004, p. 44).
Tendo em vista, os prejuízos causados pela disseminação de doenças,
em alguns casos incapacitantes (temporária/definitivamente), mórbidas, interferindo
no desenvolvimento do País, o Estado decide assumir o papel principal de provedor
de assistência médica preventiva/paliativa. Eis que surgem programas de saúde
pública, cujos objetivos visam o bem estar físico e mental do trabalhador e seus
familiares. Conforme salienta Germano Schwartz: “[....] o Estado começa a avocar
para si o papel que antes era do indivíduo: tratar da saúde. E aí a saúde passa a ser
pública [....] (SCHWARTZ, 2003, p. 73)”.
O Supremo Tribunal Federal, em julgados, posicionou-se favorável quanto
à auto-aplicabilidade do direito à saúde, destacando do art. 196, CF/88, sua eficácia
imediata, caracteriza-se uma mudança de conceitos fundamentais que transparecem
da atual jurisprudência brasileira, apontando para uma Ordem Jurídica na qual
prevalecem às garantias aos direitos fundamentais, transpondo os direitos subjetivos
(direito à saúde) para os objetivos primando pelos princípios constitucionais.
O Poder Judiciário brasileiro, demonstra que em caso de inércia do poder
estatal, atuará como sanador, evidencia-se a tendência reparadora nos julgados,
que o direito à saúde transcendeu para um patamar mais coerente, beneficiando o
indivíduo hipossuficiente que outrora permanecia marginalizado pelo sistema que o
relegara à segundo plano, tendo que arcar/suportar a agonia da dor e espera. As
decisões judiciais abrangem o direito à saúde de uma forma ampla, tanto em casos
de internação, como fornecimento de medicamentos, aparelhos, ou seja, é o direito
à saúde sendo analisado, respeitado e dirigido à quem a Lei previu.
O art. 5º, CF/88 em seu inciso XXXV – “a lei não excluirá da apreciação
do Poder Judiciário, lesão ou ameaça a direito;” legitimou o Poder Judiciário a ser o
guardião dos direitos da sociedade brasileira, que ao ser provocado devido a
ação/omissão do Estado dirime o litígio. O Estado deve provar faticamente que a
incapacidade de prover os direitos prestacionais se dá por fatos alheios à sua
vontade e não escusar-se através de argumentos frágeis que não se sustentam por
si só, a Administração Pública deve maximizar seus recursos de forma eficiente e
minimizar seus gastos em políticas sociais ineficazes.
Outra demonstração de que o Poder Judiciário está atento à inércia
estatal, em todas as esferas de governo, independe se tratar de fornecimento de
medicamentos como nos casos de internação compulsória, há o direito de requerer
do Estado a prestação dos direitos sociais. Denota-se a observância, por parte do
Poder Judiciário ao conceder a tutela antecipada, o mandado de segurança
garantindo dessa forma os direitos fundamentais inerentes à sociedade.
Cabe a ressalva, que anteriormente não havia previsão constitucional,
quanto ao direito à saúde, e a assistência médico-hospitalar amparava os indivíduos
que contribuíam, havia saúde pública, porém, de uma maneira menos atuante, não
se podia recorrer ao Poder Judiciário, pois não havia amparo legal para que este se
pronunciasse. Com a Constituição Federal de 1988, que incluiu os direitos
fundamentais, surgiu a base legal que ampara os indivíduos que necessitam de
prestação tanto positiva como negativa por parte do Estado para que busquem seus
direitos junto ao Poder Judiciário devido à inércia estatal, que perdura há longos
anos.
7 Considerações finais

O Brasil evoluiu significativamente em relação às políticas sociais


implementadas em seu território para a sociedade como o todo, existem aspectos
que merecem revisão por parte dos órgãos legiferantes, essa premissa deve estar
bem pautada, quando tratar-se das teorias supracitadas, a Administração Pública
pode dispor de meios para possibilitar aos indivíduos em vulnerabilidade social
absoluta o mínimo existencial, através de políticas de inclusão social, e a reserva do
possível pode ser atenuada por implementação das políticas sociais, com
maximização de recursos alocados para a atenção à saúde. O magistrado, cito de
forma geral, encontra-se exposto a diversas formas de pressão em face dessas
situações, pressão política pelo princípio de separação de poderes, entre outros,
porém isso não permite ampla liberdade aos julgadores de adentrarem a esfera de
competência dos demais Poderes conforme queiram, deve haver uma ponderação
que equalize as regras e princípios utilizados, manutenindo o Princípio da
Separação de Poderes.
O conflito entre as teorias: da reserva do possível e do mínimo existencial,
é fato controverso nas decisões dos magistrados. É de notório conhecimento que os
recursos pecuniários do Estado, inclui entes federativos, é limitado, o indivíduo não
pode exigir que o Estado consinta em fornecer condições que coloquem em risco as
políticas sociais que visam a coletividade. Sob o prisma da teoria do mínimo
existencial, salienta-se que a existência digna é mais do que a garantia da
sobrevivência física, pois isso é tratar um indivíduo em condições sub-humanas.
Para que um indivíduo possua dignidade da pessoa humana, deve ter assegurado
para si a garantia de usufruir dos direitos fundamentais, esse é o papel do Estado,
não no sentido de fornecer gratuitamente aos indivíduos o que eles almejarem e sim
dar condições para que possam alcançar esse objetivo de forma plena.
Cautela, essa premissa deve estar bem pautada, quando tratar-se das
teorias supracitadas, os órgãos legiferantes podem dispor de meios para
possibilitarem aos indivíduos em vulnerabilidade social absoluta o mínimo
existencial, através de políticas de inclusão social, e a reserva do possível pode ser
atenuada por implementação das políticas sociais, com maximização de recursos
alocados para a atenção à saúde. Em caso de omissão e inércia dos órgãos
legiferantes, caberá então ao Poder Judiciário a: definição do padrão de mínimo
existencial, dentro da realidade socioeconômica do país, no sentido da reserva do
possível a maximização dos recursos alocados, a margem da Lei de
Responsabilidade Fiscal, podem minimizar os efeitos da reserva do possível, desde
que observado o princípio da proporcionalidade em sentido estrito, relação custo-
benefício. A reserva do possível é um limite fático e jurídico dos direitos
fundamentais, devido a sua tríplice dimensão: a efetiva disponibilidade fática dos
recursos para a efetivação dos direitos fundamentais, a disponibilidade jurídica dos
recursos materiais e humanos e a proporcionalidade da prestação em relação a
exigibilidade pleiteada.
A igualdade preconizada na CF/88 deve ser relativizada em cada caso
concreto, o acesso universal, deve ser interpretado de forma coerente, sob pena de
“falir” o SUS, é uma utopia pensar que seria possível tratar e dar a todos o mesmo
tratamento médico ambulatorial. Conclui-se a premente criação de Varas Judiciárias
especializadas em Direito à Saúde, com assessoria técnica de profissionais da área
de saúde, peritos, entre outros profissionais que se fizerem necessário e da criação
de políticas de saúde eficientes que aloquem os recursos previstos na saúde com
programas preventivos em face dos curativos/paliativos, pois os gastos com aqueles
são de menores gastos que estes, além de revisão e reformulação nos critérios de
atendimentos do SUS, caso o indivíduo utilize o sistema e possua plano de saúde e
possa arcar com os gastos, deve a Administração Pública buscar o devido
ressarcimento dos gastos efetuados.

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