Veja Digital #2867 - 10nov23

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CLUBE DE REVISTAS

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VICTOR CIVITA ROBERTO CIVITA


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CARTA AO LEITOR

ALEX EDELMAN/AFP
LAMENTÁVEL Os
ataques selvagens do
6 de Janeiro e a capa
de VEJA sobre o conflito
Israel e Hamas: a vitória
da irracionalidade

O ÓDIO ESTÁ
ENTRE NÓS
“NADA UNE TÃO FORTEMENTE como o ódio — nem
o amor, nem a amizade, nem a admiração.” A frase, dita
pelo escritor russo Anton Tchekhov (1860-1904), tem
marcado a política mundial nos últimos anos. Impulsiona-
das pelas redes sociais e pelo imediatismo do universo di-
gital, qualidades como o diálogo, a reflexão, o respeito ao

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diferente têm sido trocadas por reações como raiva, impul-


sividade e impropérios destinados aos seus inimigos. Não
raro, esse comportamento belicoso busca o aplauso rápido
de uma claque — mas traz, claro, a consequente resposta
adversa da turma do outro lado. O sucesso efêmero, o fato
de chamar atenção com curtidas e joinhas, faz com que
mais e mais pessoas se juntem a essa horrenda dinâmica.
Indivíduos que eram razoáveis no trato pessoal, doces
muitas vezes, se transformam em selvagens digitais prote-
gidos pelo distanciamento do seu celular.
Infelizmente, esse desvario não fica restrito à realidade
virtual. Ele transborda para o mundo de verdade e traz
consigo consequências nefastas. A força do ódio tem sido
utilizada por líderes políticos em todo o planeta, gerando
atos execráveis como o 6 de Janeiro nos Estados Unidos,
obra da pregação de Donald Trump, e o 8 de Janeiro no
Brasil, fruto da verborragia incontrolável do ex-presidente
Jair Bolsonaro. Resultado dos ataques à democracia tra-
vestidos de mobilização popular: mortes, prédios públicos
destruídos e pessoas presas. Quando os líderes, aqueles
que deveriam organizar e comandar esse processo, prefe-
rem o caminho da discórdia, a situação sai de controle e as
massas enfurecidas entram em ação. Afinal de contas,
existe uma revolta, uma decepção da população com a
própria incompetência e contra tudo-isso-que-está-aí, o
que acaba atirando ainda mais gasolina nesse paiol, res-
tringindo o espaço do entendimento e da harmonia.

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Levado ao paroxismo, esse ódio resulta naquilo que ve-


mos hoje no conflito entre o grupo terrorista Hamas e o
governo de Israel pela Faixa de Gaza. A repulsa entre os
dois povos, palestinos e judeus, é histórica. No princípio,
era a religião. Há muitos séculos, trata-se apenas da vaida-
de de poderosos, da expansão territorial e da manipulação
orquestrada por líderes sanguinários. A falta de humani-
dade por parte de quem deveria buscar uma convergência
mínima vem multiplicando o número de mortes, exacer-
bando a dor de todos que perdem um ente querido, e ga-
rantindo ainda mais munição e “combatentes” para essa
eterna jihad (guerra santa). O cenário fica ainda mais abo-
minável ao se perceber que políticos do mundo inteiro (as-
sim como influencers ou apenas os imbecis, como tão bem
classificou o escritor Umberto Eco) se alinham aqui e ali,
alimentando um novo antissemitismo ou reforçando a isla-
mofobia para se “posicionar” frente ao seu público, como
mostra a reportagem que começa na página 54. Lamentá-
vel. Triste. Ignóbil. Não é com fanatismos ou condutas que
lembram selvagerias futebolísticas que conflitos dessa na-
tureza podem ser resolvidos. É preciso grandeza, tolerân-
cia e ponderação. Tudo o que os grandes líderes mundiais
não têm demonstrado nos últimos tempos. ƒ

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ENTREVISTA LUÍS ROBERTO BARROSO
ROSINEI COUTINHO/SCO/STF

MISSÃO DE PAZ
O presidente do Supremo Tribunal diz que o seu
principal desafio é normalizar as relações entre os
poderes e reconstruir pontes com a sociedade —
estremecidas pela polarização política

LARYSSA BORGES

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QUEM VISITA a Praça dos Três Poderes, em Brasília, logo


percebe que resquícios do dia 8 de janeiro ainda estão mui-
to presentes, especialmente no Supremo Tribunal Federal
(STF). Invadido e depredado por manifestantes, o prédio
continua cercado por grades, os acessos monitorados por
seguranças armados, há bloqueios para passagens de car-
ros e viaturas policiais ficam estacionadas 24 horas por dia,
comprometendo a harmonia de uma das mais belas obras
arquitetônicas do planeta. O ministro Luís Roberto Barro-
so, que estará na presidência da Corte pelos próximos dois
anos, afirma que mudar esse cenário é a sua prioridade — e
não apenas visualmente. A polarização política dos últimos
anos difundiu a sensação de que o STF interferiu na gover-
nabilidade, ora a favor de um lado, ora a favor de outro. Por
isso, segundo ele, é preciso reconstruir pontes com os di-
versos setores da sociedade. Nesta entrevista a VEJA, o mi-
nistro também falou sobre aspirações políticas, a polêmica
pauta de costumes e, descendente de judeus, sobre a guerra
na Faixa de Gaza. A seguir os principais trechos.

Passados dez meses dos ataques de 8 de janeiro, o STF


segue cercado por grades de contenção. Isso ainda é
necessário? A depredação aqui foi mais grave. Criou-se
erradamente na sociedade uma percepção de que o Su-
premo teria atrapalhado a governabilidade no período
anterior. Na verdade, salvamos milhares de vidas na pan-
demia e fomos um dique importante de resistência demo-

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crática no período. Me atribuí um pouco o papel de traba-


lhar pela pacificação da sociedade brasileira. Gostaria de
contribuir para fazer um país plural, justo e civilizado.
Transformei isso no meu projeto como presidente do Su-
premo e, como não tenho nenhuma ambição política, me
sinto autorizado a desempenhar esse papel.

Na prática, como pretende fazer isso? No meu projeto de


pacificação, de construção de pontes e de identificar deno-
minadores comuns, eu fui à Constituição e lá identifiquei
uma agenda para o Brasil. Não é a minha agenda e não é a
agenda do Supremo. É a agenda da Constituição, que pode
aglutinar conservadores, liberais e progressistas e que, na
minha visão, resgata o sentido verdadeiro da palavra pa-

“O Brasil oscila um pouco


entre o excesso de punitivismo
para os pobres e uma certa
impunidade para os ricos,
mas não diria que a impunidade
geral seja uma marca brasileira”
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triota. A agenda da Constituição que eu vislumbro passa


por erradicar a pobreza, garantir crescimento econômico,
prioridade máxima para a educação básica, investimento
em ciência e tecnologia, segurança pública, valorização da
livre-iniciativa, saneamento básico, habitação popular e
proteção do meio ambiente. A Constituição oferece um
bom roteiro e funciona como uma boa bússola.

Recentemente, o ex-presidente francês Nicolas Sarko-


zy sugeriu, em tom de brincadeira, que o senhor estaria
pronto para ingressar na política. A coisa que eu mais
gosto de fazer é pensar o Brasil e debater o Brasil. A políti-
ca exige um outro tipo de ambição que eu verdadeiramen-
te não tenho. Os rumores de que eu me aposentaria depois
de deixar a presidência do STF estavam associados à mi-
nha vida conjugal, e não à política. Minha mulher já estava
doente, mas ainda tinha perspectiva de alguns anos de vi-
da. Eu pensava realmente em, depois da presidência, me
aposentar e passar alguns anos com ela (Tereza Barroso
morreu em janeiro último, vítima de câncer). Agora essa
motivação já não existe mais.

Em 2020, o senhor disse que “o germe do golpe” não


existia mais no Brasil. Em que momento viu que não era
bem assim? No dia 8 de janeiro. O que aconteceu não foi
um fato isolado. Foi um processo em que as pessoas se
sentiram empoderadas para desrespeitar as instituições,

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deslegitimarem o resultado eleitoral e terem uma ambição


golpista. Eu vi a tentativa de volta do voto impresso com
contagem pública manual como parte de um processo ar-
riscado de desinstitucionalização. Imagine o que as pessoas
que foram capazes de invadir o Palácio do Planalto, o Con-
gresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal não fariam
nas seções eleitorais onde achassem que fossem perder.

O advogado Luís Roberto Barroso defenderia os mani-


festantes que invadiram e depredaram as sedes dos
três poderes? Possivelmente não, porque ali entraram
em choque com os valores que eu tenho como especial-
mente caros. Evidentemente, não recrimino o advogado
que tenha aceitado a causa porque ele não se confunde
com o seu cliente. Progressistas, liberais, conservadores,
todos condenaram o 8 de Janeiro. De certa forma foi o en-
cerramento de um ciclo, embora ainda existam residual-
mente muito ódio, muita intolerância e muita agressivida-
de na sociedade brasileira. São inovações negativas que
nós precisamos fazer refluir.

E o que o advogado Luís Roberto Barroso diria sobre os


inquéritos conduzidos pelo ministro Alexandre de Mo-
raes? O juiz é guardião da próxima vítima e muitas vezes
tem que passar a mensagem certa para a sociedade. Uma
delas é “se você perder a eleição, não pode invadir pré-
dios públicos porque não está satisfeito”. No momento de-

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cisivo as Forças Armadas não embarcaram no golpe, mas


nós vimos aqueles assustadores acampamentos nas por-
tas dos quartéis pedindo o desrespeito ao resultado das
eleições e um golpe de Estado. Acho que o Supremo teve
uma reação proporcional ao nível da ameaça que a demo-
cracia brasileira sofreu.

O senhor foi um dos alvos do bolsonarismo. Ainda se


considera viver ameaçado? É muito difícil alguma coisa
externa me abalar verdadeiramente. Não tenho nenhum
sentimento pessoal sobre esse assunto e nenhum ressenti-
mento pessoal. Os países, como as pessoas, passam pelo
que têm que passar para amadurecerem e evoluírem. Se
nós passamos por isso, era porque era importante nós
passarmos por isso. Olhamos para os Estados Unidos, o
Reino Unido, a França, países desenvolvidos e bem-suce-
didos, mas esquecemos quantas batalhas e quantos mo-
mentos de atraso eles já viveram anteriormente, talvez
maiores que os nossos. Apesar de tudo, conservo uma vi-
são muito construtiva do Brasil.

Até que ponto a sensação de impunidade dos políticos


afeta a imagem do próprio Supremo? Não tenho o ima-
ginário social brasileiro de que a corrupção seja a mãe de
todos os males, mas ela é um problema que nos atrasa na
história e não devemos varrê-la para debaixo do tapete. A
Operação Lava-Jato, por exemplo, teve como faceta posi-

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tiva revelar um país que ao longo dos anos, cumulativa-


mente, criou um modelo de corrupção estrutural, sistêmi-
ca e institucionalizada. A faceta negativa foi a contamina-
ção política ao final da operação. Com a debacle da Lava-
Jato, a luta contra a corrupção talvez tenha retrocedido
algumas casas, mas não voltamos à estaca zero.

A impunidade dos poderosos não é fato? O Brasil oscila


um pouco entre o excesso de punitivismo para os pobres
e uma certa impunidade para os ricos, mas não diria que a
impunidade geral seja uma marca brasileira. Muita gente
cumpriu pena pelo mensalão, muita gente cumpriu pena
pela Lava-Jato. Avançamos não na velocidade desejada,
mas provavelmente na direção certa.

“A sociedade brasileira ainda


não distingue com clareza o que
é ser contra o aborto e o que é
achar que a mulher deve ser
presa se tiver o infortúnio
de precisar fazer um aborto”
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O STF errou ao decidir tardiamente que a 13ª Vara em


Curitiba não deveria ter julgado os casos do presidente
Lula? Você está exumando uma história pretérita e eu es-
tou olhando para a frente.

Os projetos em tramitação no Congresso que alteram


regras de funcionamento do Supremo não vão de en-
contro à pacificação que o senhor prega? Um segmento
importante da sociedade brasileira foi levado a crer que o
Supremo é parte de um problema. Esse segmento vota e
elege representantes. No debate público da Constituinte
em 1987, eu defendi mandato de doze anos, mas, pior do
que não ter um modelo ideal, é ter um modelo que não se
consolida nunca. Por isso não vejo razão para mexer e me-
nos ainda mexer neste momento. Eu não colocaria o Su-
premo como uma instituição que, com urgência, precise
ser revisada com tantas demandas que existem no país.
Mas o debate é legítimo e está sendo feito no lugar certo,
que é o Congresso Nacional. O papel que eu escolhi de-
sempenhar é demonstrar a esse segmento da sociedade,
de pessoas de boa-fé e bem-intencionadas, que o Supremo
não foi parte do problema, e sim da solução.

O senhor costuma repetir que definir a pauta de julga-


mentos do plenário do STF exige coragem e prudência.
Coragem para não se furtar ao debate e prudência para
que não se interprete como usurpação de poderes. On-

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de pautas polêmicas como aborto e drogas se encai-


xam nessa lógica? A afirmação que se ouve por aí é que o
Supremo está querendo legalizar a maconha. Não é ver-
dade. Ele está apenas estabelecendo o marco que distin-
gue consumo de tráfico. No caso da interrupção da gesta-
ção, o que está em jogo é um direito fundamental da mu-
lher, a sua liberdade sexual e reprodutiva. Uma caracte-
rística dos direitos fundamentais é não depender das
maiorias políticas, não depender do Legislativo.

Ainda assim, o senhor anunciou que não pretende colo-


car em pauta o julgamento do aborto. Ninguém acha
que o aborto é uma coisa boa. O papel do Estado é evitar
que ele ocorra, dando educação sexual, distribuindo con-
traceptivos ou amparando a mulher que queira ter o filho e
esteja em condições adversas. Dito isso, a sociedade brasi-
leira ainda não distingue com clareza o que é ser contra o
aborto e o que é achar que a mulher deve ser presa se tiver
o infortúnio de precisar fazer um aborto. Nenhuma mulher
faz um aborto feliz da vida. Agravar a situação dela pren-
dendo-a não serve para nada. É esse o debate que eu gos-
taria que amadurecesse na sociedade. Não estou levando o
tema a julgamento, mas já estou fazendo o debate.

A mãe do senhor é judia. Como analisa a guerra entre Is-


rael e o Hamas? Matar indiscriminadamente pessoas ino-
centes, como fez o Hamas em Israel, tem nome: terroris-

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mo. Só um inominável antissemitismo poderia procurar


relativizar isso. É possível discordar duramente da políti-
ca de Israel, mas jamais justificar a barbárie. Agora, a rea-
ção tem de ser proporcional, bem como respeitar o Direi-
to Internacional e princípios humanitários. Ninguém deve
abusar das próprias razões. Com o Hamas é impossível a
paz porque a filosofia do grupo é a destruição de Israel e a
erradicação do povo judeu. Mas eu espero que após essa
tragédia e esse banho de sangue renasça a disposição de
negociar um acordo de paz com a Autoridade Palestina,
inclusive com Israel colaborando para dar sustentabilida-
de econômica ao Estado palestino. Israel venceu todas as
guerras após ser atacado: 1948, 1956, 1968 e 1973. Quem
vence é que deve ser generoso. ƒ

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IMAGEM DA SEMANA

O EFEITO DOS HOLOFOTES

EM MAIS UM episódio do vexaminoso reality show em


que um ex-presidente dos Estados Unidos responde a
noventa acusações em quatro processos, Donald Trump
prestou depoimento durante quatro horas no tribunal
de Nova York onde transcorre o julgamento dele, dos filhos
Eric e Donald Jr. e de vários executivos da Trump
Organization por terem inflado seu patrimônio para obter
JABIN BOTSFORD/THE WASHINGTON POST/GETTY IMAGES

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condições favoráveis em empréstimos e seguros.


O candidato republicano afirmou que as supervalorizações
eram irrelevantes manobras, usuais na contabilidade,
embora a maracutaia tenha resultado em ganhos ilícitos
de 168 milhões de dólares. No mais, Trump foi Trump — ora
sarcástico, ora raivoso, divagando e entremeando as
respostas com as conhecidas queixas de “caça às bruxas”,
“julgamento muito injusto” e motes eleitorais. “Responda
à pergunta sem discursos”, repetiu várias vezes o juiz
Arthur Engoron — que, por sinal, já deliberou pela culpa
dos acusados. Cabe a ele agora determinar a punição — a
promotoria pede indenização de 250 milhões de dólares ao
estado, dissolução das empresas e proibição de que a família
faça negócios em Nova York. Por mais incriminatórios que
sejam este e outros processos, a condição de réu até agora
não abalou em nada a vantagem do ex-presidente na disputa
pela Casa Branca em 2024: segundo pesquisa do jornal
The New York Times, Trump hoje venceria seu principal
rival, o presidente Joe Biden, em cinco dos seis estados-
chave para a definição do resultado da eleição do
ano que vem. Pelo visto, o reality show vai continuar. ƒ

Amanda Péchy

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CONVERSA STÊNIO GARCIA

“SEXO É ESSENCIAL”
Aos 91 anos, o ator, que se recupera de uma
septicemia, conta como mantém o casamento aceso,
diz que adorou o resultado de sua tão criticada
harmonização facial e quer voltar à TV
DUDA MONTEIRO DE BARROS

VIDA LONGA Stênio: “Dieta saudável,


muita musculação e sexo são essenciais”

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Em julho, o senhor foi internado com um quadro de


infecção generalizada. Teve medo de morrer? É na-
tural ter medo do desconhecido. A verdade é que nin-
guém sabe o que acontece quando a gente morre. Não
sou um homem de fé, apesar de gostar de estudar as re-
ligiões. Não sigo nenhuma. Dá trabalho demais.

O que, afinal, desencadeou a septicemia? Os médi-


cos descobriram que estava relacionada à Covid prolon-
gada que eu tive no ano passado. Ela deixou, aliás, vá-
rias sequelas. Desenvolvi polimialgia e estou com pro-
blemas de memória.

O que ficou do susto? Estou mais atento à saúde, se-


guindo dieta, praticando musculação quase todos os
dias e fazendo sexo, que é essencial.

Sexo é um dos motores da juventude que diz perse-


guir? Com certeza. Eu e minha mulher (a atriz Marilene
Saade) somos intensos e apaixonados. Brincamos com
nossos desejos, realizamos fetiches e adoramos inventar
personagens. Também leio muito sobre a filosofia orien-
tal tântrica, para inovar. Relação aberta até me dá curio-
sidade, mas não quero. Me sinto emocionalmente imatu-
ro para isso.

O senhor virou alvo nas redes depois de realizar

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uma harmonização facial considerada exagerada.


Arrependeu-se? De forma alguma. Fiquei me achando
mais bonito, minha autoestima foi lá em cima. Como
ator, meu corpo é meu instrumento de trabalho, então
preciso ser vaidoso e melhorar a imagem.

Está há mais de três anos sem trabalho na TV. Deci-


diu se aposentar? Não quero me aposentar. Sinto mui-
ta falta de atuar e tenho esperança de que novas oportu-
nidades aparecerão. Não deixo de ler, estudar e me cui-
dar para estar pronto para os papéis que surgirem.

Sente que perdeu papéis por causa da idade? Já pas-


sei dos 90. Acho que podem pensar, sim, que não tenho
mais condições para assumir determinadas funções. No
fundo, quero acreditar que é apenas uma fase ruim. Es-
pero não ter sido abandonado pela TV só porque estou
velho. Ainda me sinto cheio de energia. ƒ

Duda Monteiro de Barros

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DATAS

SERGIO ANDRADE/AG. O GLOBO

A ÚLTIMA DO TRIO Amiga de Hebe e Nair Bello:


gargalhadas que viraram memes

PIONEIRA CHEIA
DE GRAÇA
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Presença constante diante das câmeras desde os


primórdios da televisão no país, Lolita Rodrigues
encantou os brasileiros durante mais de sete déca-
das, com seu bom humor e vitalidade. Ao lado das
amicíssimas Hebe Camargo e Nair Bello, formou um
trio cheio de graça, simpatia, piadas impagáveis e
ataques de riso. Filha de espanhóis, a atriz, cantora,
locutora e apresentadora nascida em Santos debutou
nas radionovelas aos 10 anos. Logo depois, migrou
para a TV e marcou presença em programas e nove-
las das principais emissoras da época, como Tupi,
Record e Excelsior. No auge da fama apresentou,
junto com o marido, Aírton Rodrigues, o Almoço
com as Estrelas e o Clube dos Artistas. Mas seu cur-
rículo ostenta também a marca de ter sido uma das
protagonistas da primeira telenovela diária nacional,
além de participações em sucessos como Sassarican-
do, Rainha da Sucata e A Viagem, já na Rede Globo.
Aos 80 anos, depois de atuar em Viver a Vida, anun-
ciou sua aposentadoria e mudou-se para João Pes-
soa, na Paraíba, onde vivia a filha Silvia (esse, aliás,
era seu nome de batismo). “A velhice é uma indigni-
dade e a certeza inabalável de que o inferno existe”,
proclamou — sem deixar, no entanto, de usar o hu-
mor como um antídoto contra os dissabores da exis-
tência. Lolita morreu de pneumonia no dia 5, aos 94
anos, em João Pessoa.

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SORRISOS NA TELA
Poucas são as novelas clássicas e reprises que não conte-
nham cenas vividas por Elizângela. Natural de Resende, no
estado do Rio, a atriz venceu a penúria para estrear, ainda
criança, na TV. Em 1966, com 15 anos, atuou em seu pri-
meiro filme, Quelé do Pajeú, pelo qual ganhou um prêmio
de atriz revelação. De lá para cá foram dezenas de produ-
ções estampando
seu nome e seu sor-
riso, com destaque
para as novelas Pe-
cado Capital, Ro-
que Santeiro e A
Força do Querer (a
última, em 2017).
Na pandemia, cau-
sou polêmica ao se
recusar a tomar va-
cina e criticar a
imunização nas re-
des sociais — con-
traiu Covid e che-
MAURICIO FIDALGO/TV GLOBO

gou a ser intubada.


Morreu no dia 3,
aos 68 anos, de pa-
TALENTO Elizângela: prêmio de atriz rada cardíaca, em
revelação em seu primeiro papel Guapimirim (RJ).

3|4
CLUBE DE REVISTAS
OSVALDO VILLARROEL/EFE

FUTEBOL CAMPEÃO Vitória


no Pan: recorde de medalhas

DESEMPENHO INÉDITO
A 19ª edição dos Jogos Pan-Americanos, sediada em San-
tiago, no Chile, foi uma das mais apagadas da história, com
pouca repercussão na imprensa e nas redes sociais. Neste ce-
nário adverso, porém, os atletas brasileiros superaram as ex-
pectativas e conquistaram 205 medalhas, um recorde histó-
rico que colocou a delegação nacional em segundo lugar no
placar geral, atrás apenas dos Estados Unidos. Foram 66 ou-
ros, 73 pratas e 66 bronzes em modalidades tão diversas co-
mo skate, tênis de mesa, esgrima e karatê. A seleção masculi-
na de futebol obteve seu quinto ouro pan-americano ao ven-
cer os anfitriões chilenos nos pênaltis após empate no tempo
normal. Outro marco: as mulheres, pela primeira vez, conta-
bilizaram mais vitórias do que os homens. Os atletas festeja-
ram seu feito na Cerimônia de Encerramento, no dia 5, em
Santiago. ƒ

4|4
CLUBE DE REVISTAS
CLUBE DE REVISTAS

FERNANDO SCHÜLER

A LIÇÃO DE
RICHARD BILKSZTO
RICHARD BILKSZTO era um professor carismático, en-
gajado, gay, com seus 60 anos e diretor de uma escola públi-
ca no distrito de Ontário. Tempos atrás ele participou de um
treinamento sobre “DEI”, que significa “diversidade, equida-
de e inclusão”, dada pela ativista Kike Ojo-Thompson, em
sua escola. Em certo momento, ela sustentava que o Canadá
era um país “ainda mais racista que os Estados Unidos”, e
Bilkszto resolveu responder. “Não concordo”, disse ele, que
no primeiro encontro havia ficado calado, como todos, mas
naquele momento achou que devia falar. Ali começou o seu
calvário. Thompson respondeu que aquilo era “resistência”
do “supremacismo branco”. E que não seria ele, com sua
“branquitude”, a falar sobre discriminação. A história é lon-
ga. O fato é que Bilkszto passou a ser atacado nas redes de
ativistas, perdeu posições profissionais, foi carimbado como
“supremacista branco”. Chegou a acionar o distrito, apelou
para que o bullying parasse, pediu uma licença médica, com
depressão, e em um dia qualquer de verão cometeu suicídio,
projetando-se do alto de seu edifício.

1|6
CLUBE DE REVISTAS

Sua história talvez seja um acidente de percurso ao qual


ninguém deveria prestar muita atenção. Mas quem sabe re-
flita um mal-estar contemporâneo. É esse o tema de Yascha
Mounk, o jovem cientista político alemão, em seu novo li-
vro, The Identity Trap. O que ele chama de “armadilha iden-
titária”, espécie de obsessão atual em torno dos temas de gê-
nero, raça e orientação sexual. O livro conta como um nú-
mero crescente de escolas americanas passou a dividir os
alunos com base na cor da pele, imaginando que com isso
estejam “lutando por justiça racial”. A Bank Street School
for Children, por exemplo, escola chique de Nova York, se-
parou seus alunos em “grupos de afinidade” por cor da pele.
Esqueçam Thomas Pettigrew e sua “teoria do contato”, com
ampla evidência empírica, segundo a qual é exatamente o
“viver junto” que faz superar o preconceito. O sentido é in-
verso. Mounk diz que vamos migrando para uma “síntese
identitária”, um novo e estranho tipo de separatismo social.
A ideia de que precisamos de “normas sociais e políticas que
tratem os indivíduos não mais a partir de critérios igualitá-
rios e universalmente válidos, mas com base no grupo a que
pertençam”. Isso valendo para a atribuição de direitos, opor-
tunidades e mesmo na distribuição de vacinas e protocolos
de atendimento médico, como mostra o livro.
John Gray, o filósofo britânico, também escreveu a res-
peito em seu recém-lançado Os Novos Leviatãs. Sua pers-
pectiva é bem mais sombria: “Uma civilização liberal, pau-
tada pela prática da tolerância”, diz ele, “pertence à história”.

2|6
CLUBE DE REVISTAS

VÍTIMA O “supremacista” Bilkszto: calvário causado por mal


contemporâneo

Isto é: foi superada. É evidente que há uma boa dose de pro-


vocação aí. Gray trata dos “novos leviatãs”, a China e Rússia
de Putin à frente, mas inclui também o Ocidente liberal na
conta do “impulso totalitário” contemporâneo. “Nas escolas
e universidades”, diz”, se induz a conformidade com a ideo-
logia progressista dominante, e a arte é julgada pelo seu ali-
nhamento a uma retórica política”. De fato, o credo woke, ou
a “síntese identitária” de Mounk (Gray gosta de usar o termo
hyper-liberalism), vem se tornando hegemônico, nos meios
REPRODUÇÃO

3|6
CLUBE DE REVISTAS

“Há uma disputa em


torno dos valores
que irão forjar
nossas instituições”
de opinião, em nossas democracias. O Brasil mesmo tem si-
do um laboratório precário disso tudo. Profusão de palavras
proibidas, censura ao humor, ideologização do ensino. Ain-
da nesta semana tivemos um sinal disso tudo, com aquela
grotesca pergunta no Enem sobre o agronegócio. A pergun-
ta interessante a fazer é: isto é um mal-estar passageiro ou
algo mais profundo? Em que medida é possível dizer que o
projeto liberal-democrático moderno está posto em questão,
dada a oposição com toques de milenarismo entre o pro-
gressismo woke e isto que Mounk chama de “direita popu-
lista” (um tanto difícil de definir)?
O filósofo português João Pereira Coutinho deu uma res-
posta mais otimista sobre o problema. Algo na linha: as de-
mocracias liberais são imperfeitas, há radicalismos por to-
dos os lados, mas o sistema continua funcionando, em linhas
gerais. “Sou livre de ignorar essas paixões”, diz ele, “rir dos
dois lados, optando sensatamente pela sensatez”. Coutinho
está certo, mas há um incômodo em seu argumento. De fato,

4|6
CLUBE DE REVISTAS

é risível comparar nossas democracias com regimes totalitá-


rios. Coisa bem diferente é dizer que somos livres para “rir e
criticar” quem quer que seja, em particular o apostolado
identitário. O caso do professor Bilkszto está aí, gritando
nos nossos ouvidos. E há uma enormidade de dados nessa
mesma direção. Nada menos que 63% dos jovens universitá-
rios identificados como conservadores, hoje, nos Estados
Unidos, dizem ter medo de expor suas ideias em sala de au-
la. Se alguém quiser ter uma boa ideia do custo disso tudo,
sugiro dar uma olhada nos relatórios da FIRE, a Fundação
para os Direitos Individuais na Educação. Foi o caso da pro-
fessora Kathleen Stock, da Universidade de Sussex, devida-
mente “saída” da universidade por argumentar que o “sexo
biológico não é uma construção social”. João Pereira conhe-
ce bem esses dados. O ponto é: quando somos livres, mas
precisamos pagar um preço cada vez mais alto pela nossa
liberdade, talvez valha a pena parar e pensar um pouco a
respeito. Quando se é livre, desde que em mais e mais espa-
ços da vida se tenha que baixar a cabeça, talvez de fato se
comece a desconfiar que alguma não vai bem no elegante
edifício de nossas democracias liberais.
Há uma disputa em torno dos valores que irão forjar nos-
sas instituições, gerações à frente. De um lado, os valores se-
dimentados na grande tradição iluminista e sua crença na
igualdade de status e de direitos. A convicção de que a di-
versidade humana não deve ser capturada por critérios poli-
ticamente arbitrados ou estanques, sejam ligados a raça, gê-

5|6
CLUBE DE REVISTAS

nero ou orientação sexual — ou a qualquer outro. Que é par-


te essencial do exercício da liberdade a autodefinição, ou a
“autoria” que cada um produz sobre si mesmo. E não o en-
quadramento. Ou então vamos cedendo à nova engenharia
identitária, e passo a passo ajustando nossas instituições e
nossa cultura a hierarquias de virtude. E logo de direitos.
Como sempre, na história, estamos diante de escolhas. A ad-
vertência de Mounk é a mesma que fez Camus, a seu tempo:
“Toda ideia, levada a seu extremo, pode levar a sua própria
negação”. É esta, no fundo, a armadilha, na qual, penso, de-
veríamos prestar atenção. ƒ

Fernando Schüler é cientista político e professor do Insper

ƒ Os textos dos colunistas não refletem


necessariamente as opiniões de VEJA

6|6
CLUBE DE REVISTAS
SOBEDESCE

SOBE
FLUMINENSE
Ao vencer por 2 a 1 o Boca
Juniors, o tricolor carioca
conquistou pela primeira vez na
história a Taça Libertadores.

ÁUDIOS DE WHATSAPP
Os brasileiros são campeões
mundiais no hábito de envio
desses arquivos, segundo a
empresa responsável pelo serviço.
Pena que nem sempre vale a regra
do “use com moderação”...

MAD MEN
O programa sobre o mundo da
publicidade em Nova York nos
anos 60 foi eleito a melhor série do
século XXI pelos críticos do site
The Hollywood Reporter.

1|2
CLUBE DE REVISTAS

DESCE
ENEM
A última edição do exame deu
uma tremenda bola fora com duas
questões enviesadas sobre a
atuação do agronegócio.

WEWORK
A empresa entrou com um
pedido de recuperação judicial
nos Estados Unidos devido a
uma dívida estimada em
19 bilhões de dólares.

LETÍCIA SABATELLA
A atriz postou nas redes que a
maior parte das mortes de civis
no 7 de outubro foi provocada por
forças israelenses. Como se
sabe, o massacre terrorista nessa
data foi realizado pelo Hamas.

2|2
CLUBE DE REVISTAS
VEJA ESSA

“A dignidade das funções de


primeiro-ministro não é compatível
com qualquer suspeição de sua boa
conduta e menos ainda com a suspeita
de qualquer ato criminoso.”
ANTÓNIO COSTA, que renunciou ao cargo em Portugal diante
da abertura de investigações sobre denúncias de suborno em
seu governo — com as quais ele nega estar envolvido

PATRICIA DE MELO MOREIRA/AFP

1|4
CLUBE DE REVISTAS

“Não é porque eu sou mulher do presidente


que vou falar só de batom.”
JANJA DA SILVA, a primeira-dama que não esconde o
pendor a dar palpites

“Confio na sabedoria do povo chileno.”


GABRIEL BORIC, presidente do Chile, ao anunciar que vai
submeter a plebiscito, em 17 de dezembro, a versão revisada da
nova Constituição. A primeira foi rejeitada pela maioria,
travando a atuação do governo

“A vida dela corre perigo.”


TAGHI RAHMANI, marido da ativista iraniana e Nobel da Paz
Narges Mohammadi, que iniciou uma greve de fome na prisão,
onde cumpre pena de dez anos. Ela precisa de tratamento médico,
mas não pode ser hospitalizada porque se recusa a usar véu

“Adoro a Argentina e os argentinos


e eles serão sempre bem-vindos
ao Rio. Só não sei se o consulado
registrou o número de ataques racistas
feitos contra nossa gente. (...)
Definitivamente esses nunca serão
bem-vindos ao Brasil e ao Rio.”
EDUARDO PAES, prefeito carioca, lamentando as
agressões de torcedores do Boca Juniors antes da final contra
o Fluminense, no Maracanã

2|4
CLUBE DE REVISTAS

“É claro que a guerra no


Oriente Médio tirou o foco.”
VOLODYMYR ZELENSKY, presidente ucraniano, sobre o efeito
do conflito entre Israel e Hamas na luta de seu país contra a Rússia

“Deixar um profissional cutucar


o seu butico é a melhor opção.”
ANTONIO FAGUNDES, ator, engajando-se, em termos muito
próprios, na campanha de combate ao câncer de próstata

“A vida é dura para todo mundo. Me ferrei, mas


estou aqui. Já foi. (...) Não sou vítima de nada.”
CARLINHOS BROWN, músico, em paz com a infância pobre
na Bahia e o fato de só ter sido alfabetizado aos 14 anos

“Ele não é mais aquela pessoa.


Para ele, deve estar sendo difícil
não ser mais aquela pessoa.”
CINTIA ABRAVANEL, filha do apresentador Silvio Santos,
explicando por que o pai, de 92 anos, anda sumido

“Mergulhamos no mais importante, buscar a


essência dele. E acho que chegamos bem perto.”
GABRIEL LEONE, ator, sobre a preparação para
interpretar Ayrton Senna em nova série da Netflix

3|4
CLUBE DE REVISTAS

“Só teve uma falha no som


no início. Mas a gente
tirou de letra, foi top.”
LUDMILLA, cantora encarregada de
entoar o Hino Nacional no Grande
Prêmio de Fórmula 1, no Autódromo de
Interlagos. Depois do “Ouviram do
Ipiranga as margens plácidas”, a voz
sumiu e só voltou no “Conseguimos
conquistar com braço forte”

“Eu olhei e achei


que são todas.”
CAETANO VELOSO,
artista, sem saber a resposta
certa para uma questão do Enem
contendo letras de suas músicas

“Me fechava dois dias em


casa e bebia até quase
perder a consciência.”
WAYNE ROONEY, ídolo do futebol
britânico, sobre o uso do álcool como
INSTAGRAM @LUDMILLA

válvula de escape da pressão e da


fama no início da carreira

4|4
CLUBE DE REVISTAS
RADAR
ROBSON BONIN

Com reportagem de Gustavo Maia,


Nicholas Shores e Ramiro Brites

Dúvida cruel sabem se a ação realmente


Há 20 dias, a Abin de Luiz ocorreu. “Todos acham que
Fernando Corrêa foi alvo sim, mas ninguém tem cer-
de uma operação da Polícia teza”, diz um interlocutor
Federal, ordenada pelo STF, do Supremo.
por suposta espionagem
contra adversários de Jair Mistério no ar
Bolsonaro. Até hoje, nem os Nesta semana, o TCU rece-
próprios ministros da Corte beu um pen drive da Abin
LULA MARQUES/AGÊNCIA BRASIL

ENIGMA Luiz Corrêa: espionagem ilegal da Abin


gera dúvidas até dentro do STF

1|6
CLUBE DE REVISTAS

com dados sobre o tal pro- Planalto ao dizer que “tem


grama espião. O material, gente” que ajuda o Hezbol-
no entanto, não ajuda a re- lah por aqui.
solver o mistério.
A tal da polarização
Silêncio sepulcral Zonshine estava com Bol-
Convocado a dar explica- sonaro na Câmara quando
ções no Senado, o chefe da petistas fizeram um ato com
Abin disse que não sabia de embaixadores de países co-
nada sobre espionagem. “E mo Argélia, Cuba, Irã, Líba-
o senhor se sente confortá- no e Líbia contra o “genocí-
vel no cargo?”, questionou dio” de palestinos.
Renan Calheiros. “Sim”,
disse Corrêa. Era melhor ficar calado
Um manifesto assinado
Pombo-correio por 61 deputados de PT,
Flávio Dino foi informado PSOL, PCdoB e Rede co-
na manhã de quarta, pela bra de Lula uma reação
PF, sobre os resultados da contra Israel.
operação contra o Hezbol-
lah. À tarde, foi a Lula re- Segurança máxima
latar o caso. Por ordem de Tarcísio de
Freitas, desde o início da
Quem são? guerra em Gaza, todos os
O embaixador de Israel no endereços da Federação Is-
Brasil, Daniel Zonshine, raelita de SP receberam re-
implodiu pontes com o forço de policiamento.

2|6
CLUBE DE REVISTAS

Escanteado
Numa conversa com Rodrigo
Pacheco nesta semana, Lula
encontrou uma forma de fri-
tar Romeu Zema em MG.
Caso raro de governador sem
pontes no Planalto, Zema se-

HORACIO VILLALOBOS/CORBIS/GETTY IMAGES


rá deixado de lado na discus-
são da crise fiscal mineira.

Meu candidato
Lula dará a Pacheco os TUDO CERTO Janja: a PGR
meios de negociar a dívida arquivou investigação contra
de MG com o Tesouro. Além a primeira-dama
de recuperar a capacidade
de investimento do estado, vios de 4,7 milhões de reais
Lula quer posicionar Pache- no Piauí. Isso num contrato
co para a eleição de 2026. de 10 milhões de reais.

Quase 50% no bolso Caso encerrado


Investigação da CGU em A PGR arquivou uma inves-
contratos de saneamento tigação de improbidade con-
da Funasa na gestão Bolso- tra a primeira-dama Janja
naro — a estatal que o Cen- por falas sobre o governo
trão cobra de Lula — mos- num programa da TV Brasil.
tram corrupção, favoreci- A PGR não viu indício de
mento de empreiteira e des- promoção pessoal no caso.

3|6
CLUBE DE REVISTAS

Nem tudo se joga fora Esqueceu de avisar


Criado na gestão Bolsonaro Uma pessoa próxima a Ha-
por Milton Ribeiro, ex-che- ddad diz que a reunião de
fe do MEC, o reality show Costa e o anúncio nem se-
Vida de Merendeira caiu quer foram tratados com a
nas graças de Janja. Ela visi- Fazenda, que ficou sabendo
tou uma escola com Camilo pela imprensa da conversa
Santana e elogiou a iniciati- na Casa Civil.
va. É o primeiro exemplo de
ação bolsonarista valoriza- Justa insatisfação
da pelo petismo. Em conversa com um inter-
locutor, Haddad criticou a
Fogo amigo falta de respeito aos acor-
Fernando Haddad venceu dos. “A pessoa senta na mi-
temporariamente Rui Costa nha mesa, faz um acordo e
ao adiar a revisão da meta tenta descumpri-lo, como se
fiscal, mas segue bombar- ele não tivesse acontecido.”
deado pelo “companheiro”.
Os cães também voam
Não era o combinado A Receita Federal vai gastar
Na terça, Costa chamou ao até 93 milhões de reais num
Planalto o deputado Danilo novo jatinho para fiscaliza-
Forte. O relator da LDO ou- ção. Terá capacidade para dez
viu do ministro que o gover- pessoas e um... cão farejador.
no avaliava formalizar a re-
visão da meta por meio de Bons resultados
emenda parlamentar. O Programa Desenrola, de

4|6
CLUBE DE REVISTAS

Haddad, bateu a casa dos seu edifício na Avenida


2,2 milhões de brasileiros Paulista. A empresa deve
beneficiados pela renego- 3,3 milhões de reais em
ciação de cerca de 20 bi- aluguel.
lhões de reais em dívidas
com os bancos. Meu legado
Paulo Guedes está escre-
Alô, companheiro! vendo um livro sobre sua
Durante a discussão da re- passagem pelo Ministério
forma tributária, Lula saiu da Economia. Nada sobre
ligando para senadores em bastidores políticos. “Será
busca de votos. Foi a pri- algo técnico sobre o que
meira vez que fez esse pa- fizemos”, diz.
pel no ano.
Dinheiro de sobra
Frente ampla O BRB reservou 4,5 bilhões
Em outra frente, Jaques de reais em créditos para fi-
Wagner e Marcelo Castro nanciamento de projetos na
foram para o corpo a cor- construção civil, em 2024,
po. Literalmente, cerca- tanto no DF quanto em ou-
vam os colegas nos corre- tros estados.
dores do Senado.
No caminho certo
Mau inquilino Ratinho Jr. recebeu, nesta
A Fundação Cásper Líbero semana, dados fresquinhos
quer despejar a SouthRock, das finanças do PR. O resul-
operadora da Starbucks, de tado primário no acumula-

5|6
CLUBE DE REVISTAS
INSTAGRAM @PAOLLAOLIVEIRAREAL

FOLIA Paolla: bloco de Carnaval da musa


terá ajuda do governo Lula

do até agosto bateu 2,8 bi- gos do Zé Pereira a captar


lhões de reais. 1,6 milhão de reais para o
próximo Carnaval no Rio.
Farra garantida A entidade reúne blocos co-
O Ministério da Cultura au- mo o Cordão da Bola Preta
torizou a Associação Ami- da rainha Paolla Oliveira. ƒ

6|6
CLUBE DE REVISTAS
BRASIL PODER

FÁTIMA MEIRA/FUTURA PRESS

QUERO MAIS
O governo explicita que o gasto público é a sua
prioridade — uma escolha com consequências
negativas para o equilíbrio das contas, a credibilidade
do país e, no longo prazo, o crescimento econômico
LUANA ZANOBIA E PEDRO GIL

BOQUIABERTO
Haddad surpreso com
Lula: o presidente mandou
às favas o compromisso
do país com a
responsabilidade fiscal

CAPA: MONTAGEM COM FOTO DE @USER6702303/FREEPIK

1 | 12
CLUBE DE REVISTAS

O
economista e ex-ministro Roberto Campos, avô do
atual presidente do Banco Central, é o autor de
uma frase que, sob diversos aspectos, sintetiza
uma triste sina brasileira: “O Brasil nunca perde a
oportunidade de perder oportunidades”. A velha
máxima mais uma vez provou a sua validade. Poucas vezes
o país deparou com condições tão favoráveis para crescer.
Na nova era ambiental, o Brasil destaca-se por ter, entre as

NO VERMELHO
O resultado primário das contas públicas voltou ao campo
negativo em 2023 após ter se recuperado em 2022
(em bilhões de reais)

2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021 2022 2023* 2024**

59

-27,2 -40
-97 -88
-117
-175 -165 -153
-220

*De janeiro a setembro

** Projeção oficial
do governo
Fontes: Prisma
Fiscal e Ministério
da Fazenda
-898

2 | 12
CLUBE DE REVISTAS

maiores economias do mundo, a matriz energética mais


sustentável, o que o colocaria em posição de vantagem para
liderar as transformações que estão em curso. Somos tam-
bém o maior exportador de alimentos do planeta, com um
agronegócio vigoroso e inovador que responde por quase
25% do produto interno bruto. Na geopolítica, o cenário é
igualmente favorável. Enquanto a China coloca o pé no
freio e a Rússia está em guerra, o Brasil é, entre os grandes
emergentes, o menos exposto às turbulências internacio-
nais. Tudo isso poderia ser aproveitado para o país deslan-
char de vez. Contudo, estamos — de novo — condenados à
nossa vocação de perder oportunidades.
Desta vez, boa parte da culpa deve ser atribuída à car-
tilha econômica que os governos petistas costumam ado-
tar: a que dá prioridade aos gastos. Na quarta-feira 8, o
Banco Central revelou que as contas públicas fecharam o
mês de setembro com déficit primário de 18 bilhões de
reais, sendo que no mesmo mês de 2022 houve superávit
de 10,9 bilhões de reais. No acumulado de doze meses, o
setor público consolidado — formado por União, estados,
municípios e empresas estatais — registrou déficit de 102
bilhões de reais, o equivalente a 0,97% do PIB. É certo,
portanto, que as contas públicas fecharão 2023 no verme-
lho, após breve respiro alcançado no ano passado. A con-
clusão óbvia: os números estão ruins porque o governo
Lula desde o início vem gastando mais do que arrecada —
e promete gastar mais ainda.

3 | 12
CLUBE DE REVISTAS

LÍDER EM TRIBUTOS
O Brasil deverá ter imposto sobre valor agregado (IVA)
maior que o de alguns dos principais países da OCDE (em %)

BRASIL 27,5*
Hungria 27
Suécia 25
Irlanda 23
Itália 22
Holanda 21
Espanha 21
França 20
Reino Unido 20
Chile 19
Alemanha 19
México 16
Austrália 10
* Projeção da
Japão 10 nova alíquota

Canadá 5 Fonte: Organização


para a Cooperação
e Desenvolvimento
Econômico
MÉDIA OCDE 19 (OCDE)

0 5 10 15 20 25 30

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CLUBE DE REVISTAS
ALOISIO MAURICIO/FOTOARENA/AG. O GLOBO

CRÍTICAS A LULA Arthur Lira: “Se não tem meta,


tem consequência”

Antes mesmo de os números terem vindo a público, o


presidente Lula sugeriu uma alteração na meta fiscal e
mandou às favas a promessa de zerar o déficit público no
ano que vem, jogando fora o esforço que seu ministro da
Fazenda, Fernando Haddad, vinha fazendo. A declaração
pegou o mercado financeiro de surpresa e provocou rea-
ção de pesos-pesados da política nacional. Presidente da
Câmara, o deputado Arthur Lira afirmou que “se não tem

5 | 12
CLUBE DE REVISTAS

MARCOS OLIVEIRA/AGÊNCIA SENADO

BENESSES Senadores em votação da reforma tributária:


exceções demais comprometem a eficácia da mudança

meta, tem consequência”. Com as más notícias se avolu-


mando, percebe-se agora que a fala de Lula foi uma espé-
cie de profecia. “É uma frustração completa, jogamos a
toalha antes da hora”, disse a VEJA Gustavo Loyola, ex-
-presidente do Banco Cental. “O governo não está dispos-
to a fazer o mínimo de esforço para poder conter gastos.”
Sem disciplina fiscal, as perspectivas são alarmantes. O
economista Alexandre Schwartsman, colunista de VEJA, diz

6 | 12
CLUBE DE REVISTAS

O TAMANHO DO ROMBO
A dívida bruta brasileira voltou a crescer —
e depressa (em % do PIB)

90
86,9

80,4
80
78,3 78,1
75,3 74,4
76
73,5

70

60

2018 2019 2020 2021 2022 2023* 2024* 2025*

* Projeção Fonte: Tesouro Nacional

que houve um aumento de 3% do déficit primário (incluindo


União, estados, municípios e empresas estatais) de janeiro a se-
tembro de 2023 versus igual período de 2022. Ressalte-se
mais uma vez que, no ano passado, o governo registrou um su-
perávit de 1,2% do PIB, que provavelmente se tornará um défi-
cit de 1,8% neste ano, agora com o país sob a regência de Lula.
É interessante observar que o bom resultado fiscal de
2022 foi alcançado mesmo em um contexto eleitoral, pe-

7 | 12
CLUBE DE REVISTAS

ríodo em que os governantes se dispõem a abrir os cofres


para atrair popularidade. Isso ocorreu porque o patamar
de gasto primário da União, aquele antes de juros e amor-
tizações, voltou ao nível razoável de 18% do PIB. Durante
a campanha, Lula afirmou que isso seria insuficiente. Pa-
ra as necessidades de seu governo, o patamar deveria vol-
tar a 19,5%. A PEC da Transição atendeu a esse desejo e
contratou 150 bilhões de reais em novos investimentos,
que agora alimentam o desequilíbrio fiscal. “Deveríamos
primeiro criar uma condição superavitária para só depois
aumentar gastos”, diz o economista Samuel Pessôa, pes-
quisador do Instituto Brasileiro de Economia da Funda-
ção Getulio Vargas (Ibre/FGV).
Está no DNA do Partido dos Trabalhadores gerir as
contas públicas pelo caminho do aumento de receitas, e
não do corte de despesas. Os dogmas petistas também
pressupõem ingerência do governo nas empresas esta-
tais. Em outubro, o conselho de administração da Petro-
bras, com maioria de indicados pelo governo federal,
propôs a revisão de seu estatuto para que sejam permiti-
das indicações políticas em postos-chave da companhia.
Combinadas, iniciativas como essa afetam a credibilida-
de do país e minam a confiança dos investidores. “O go-
verno está se afastando de políticas que antes contri-
buíam para fortalecer a saúde econômica do Brasil no fu-
turo”, diz Alex Agostini, economista-chefe da agência de
classificação de risco Austin Rating.

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CLUBE DE REVISTAS
ANDRE RIBEIRO/FUTURA PRESS

DECEPÇÃO Campos Neto: sem equilíbrio fiscal, cedo ou


tarde o BC terá de conter o corte de juros

O corte de gastos seria essencial, especialmente em um


país sufocado por uma das cargas tributárias mais altas do
mundo, sem margem para aumento de impostos. Tal pre-
missa, contudo, está longe do horizonte petista. Nos últimos
meses, o ministro Haddad tem procurado obsessivamente
meios de elevar a arrecadação. Entre as propostas na mesa
estão a tributação de importados de pequeno valor, apostas
esportivas e empresas offshore. Segundo cálculos da Receita

9 | 12
CLUBE DE REVISTAS

DIVULGAÇÃO/PETROBRAS
CESAR CONVENTI/FOTOARENA
CRISE Plataforma da Petrobras e shopping vazio:
o governo quer interferir nos rumos da petrolífera e não
fez o consumo deslanchar

Federal, essas medidas gerariam 165 bilhões de reais em re-


ceitas extras. O problema é que elas não têm se materializa-
do. Mais que isso: foram superestimadas, dado o otimismo
exagerado com os rumos da economia. Ao contrário do que
o governo previa, o nível de consumo segue baixo, o que é
reflexo sobretudo do alto endividamento das famílias.
Os governos que gastam demais costumam gerar da-
nos severos à economia. Em um primeiro momento, o

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CLUBE DE REVISTAS

CONTA QUE NÃO FECHA


Os números mostram o tamanho do desafio

ZERO
É A META PARA O DÉFICIT PÚBLICO NO ANO QUE VEM

168,5
BILHÕES DE REAIS
É QUANTO A ARRECADAÇÃO DEVERIA AUMENTAR PARA
O GOVERNO CUMPRIR O OBJETIVO

101,8
BILHÕES DE REAIS
FOI O RESULTADO NEGATIVO DAS CONTAS PÚBLICAS
EM DOZE MESES ATÉ SETEMBRO
Fontes: Ministério da Fazenda e Ministério do Planejamento

avanço dos investimentos públicos pode até provocar al-


gum crescimento do PIB, mas ele será seguido no longo
prazo por crises gigantescas. Foi assim, lembre-se, nos
anos Dilma Rousseff, quando o Brasil enfrentou a pior re-
cessão da sua história. Pelo visto, o governo Lula parece
disposto a seguir o mesmo caminho. O Brasil deverá en-
cerrar 2023 com um endividamento público que equivale
a 76% do PIB e projeções indicam que, a continuar na

11 | 12
CLUBE DE REVISTAS

toada gastadora, a proporção chegará a 84% em 2026.


No final do ano passado, o índice foi de 73% do PIB.
Governos gastadores são amigos da inflação, que
sempre está à espreita, aguardando uma oportunidade
para voltar. Nesse aspecto, chama atenção o fato de Lula
ter pressionado o presidente do Banco Central, Roberto
Campos Neto, para que acelere o ritmo de corte da Selic,
a taxa básica de juros da economia. Ora, uma política
fiscal irresponsável é o que obrigaria o BC a aumentar a
Selic — o governo federal, portanto, seria o maior res-
ponsável por esse movimento.
No rol das oportunidades perdidas, a reforma tributá-
ria deverá também ocupar lugar de destaque. Embora as
novas regras aprovadas no plenário do Senado Federal
sejam melhores do que as antigas, fato é que as mudan-
ças estão longe do ideal. O texto admitiu tantas exce-
ções, resultantes de pressões políticas e setoriais, que sua
premissa original de reduzir a carga de impostos não se-
rá cumprida. O Brasil deverá ter uma das maiores taxas
de IVA (imposto sobre valor agregado) do mundo, algo
injusto para uma sociedade que recebe serviços precá-
rios dos entes públicos. “Há o risco de criarmos um
monstrengo tributário”, diz Felipe Salto, economista-
chefe da gestora Warren Investimentos. Roberto Cam-
pos tinha razão. A lista de oportunidades desperdiçadas
pelo Brasil não para de crescer. ƒ

12 | 12
CLUBE DE REVISTAS

ALEXANDRE SCHWARTSMAN

MIOPIA FISCAL
O abandono da meta demonstra
o predomínio do curto prazo

O DEBATE recente sobre a meta fiscal de 2024 parece, à


primeira vista, uma discussão bizantina: interessante para
iniciados, mas irrelevante para o resto da humanidade.
Como já se sabia, a meta originalmente proposta para o
orçamento federal de 2024 era inexequível. Assim sendo,
por que mesmo deveríamos nos preocupar com alterações?
Nessa linha, muitos argumentam que o melhor é reconhecer
o problema, ao invés de bater a cabeça contra a metafórica
parede, inclusive a incansável presidente do PT, sempre dis-
posta a atirar contra qualquer coisa que se assemelhe, mes-
mo de muito longe, à responsabilidade fiscal.
Discordo por dois motivos. Em primeiro lugar, pela sina-
lização acerca do compromisso do governo com a trajetória
das contas públicas. Um desequilíbrio inicial, que leve a um
endividamento maior, pode ser compensado à frente por re-
sultados mais sólidos, que ajudariam a limitar a reação ne-
gativa dos mercados, em particular a elevação da taxa de ju-
ros requerida para comprar os papagaios do governo.
Da forma como a coisa se desenvolveu, contudo, fica
crescentemente claro, mesmo para quem enterrou a cabeça

1|3
CLUBE DE REVISTAS

na areia ao longo dos últimos meses, que, apesar de promes-


sas de ajustes, as juras só funcionam quando não ameaçam
os interesses políticos de curto prazo. Dito de outra forma,
se o preço do projeto de poder for a elevação persistente da
dívida pública, não há a menor vergonha em aceitá-lo, mes-
mo porque quem paga a conta será sempre o contribuinte,
jamais quem contraiu a dívida.
Em segundo lugar porque representa, na prática, o enter-
ro precoce — ainda que esperado — do tal “novo arcabouço
fiscal”, saudado com fanfarras pela atual equipe econômica,
a despeito de suas muitas (e óbvias) falhas.
Parte desse aparato dizia respeito às políticas de correção
requeridas caso os resultados se desviassem dos parâmetros
definidos pelo “novo arcabouço” fiscal: limitações a novas
despesas, a reajustes salariais para o funcionalismo, assim
como outras medidas para desencorajar o mau manejo das

“O novo arcabouço
morreu antes de nascer,
um recorde na nossa
longa história de descarte
de regras fiscais”
2|3
CLUBE DE REVISTAS

contas públicas e indicar que os desequilíbrios seriam ape-


nas temporários.
Ao alterar a meta para o ano que vem, o governo impede
que os “gatilhos” acima sejam disparados. Trata-se de licen-
ça para matar na área fiscal: a qualquer sinal de dificuldade
de cumprimento da meta, que possa levar a medidas corre-
tivas (e provavelmente impopulares), “dobra-se a meta”, co-
mo ensinado pela nada saudosa presidente Dilma, abrindo
espaço para novos abusos adiante. E dá-lhe juro mais alto...
O que nos traz de volta ao que me parece ser o ponto cen-
tral da discussão: a inutilidade, ao menos por aqui, de criar-
mos regras para o gasto que entrem em conflito com os inte-
resses eleitoreiros do governo de plantão. Não interessa a
forma que tomem, cedo ou tarde, na ausência de reformas
que reduzam o ritmo de crescimento da despesa obrigatória,
o conflito ressurgirá e as regras serão devidamente substitu-
ídas por “novos arcabouços”, recomeçando, de um patamar
pior, o velho jogo de sempre.
A única novidade hoje é a rapidez do processo: o “novo
arcabouço” morreu antes de nascer, um recorde na nossa
longa história de descarte de regras fiscais e motivo de or-
gulho para os responsáveis. ƒ

3|3
CLUBE DE REVISTAS
BRASIL PODER

O PESO DO
POPULISMO
Interesses eleitoreiros e futricas políticas estão na raiz
das decisões equivocadas que levam o governo a
desperdiçar mais uma oportunidade de arrumar a casa
e fazer com que o país cresça DANIEL PEREIRA

SABOTAGEM
Lula, ao lado de Costa
e Gleisi, e Fernando
Haddad, a voz da
razão: objetivos
políticos não
podem atrapalhar
a economia

GETTY IMAGES; AG. BRASIL; RICARDO STUCKERT/


PR; MINISTÉRIO DA FAZENDA

1|6
CLUBE DE REVISTAS

O MINISTRO Fernando Haddad assumiu a Fazenda sob


forte desconfiança. Empresários e banqueiros tinham dú-
vidas sobre qual caminho ele seguiria na condução da eco-
nomia: o do primeiro mandato de Lula, marcado pela res-
ponsabilidade fiscal, ou o da gestão Dilma Rousseff, que
legou ao país uma recessão histórica. No PT, certas estre-
las também torciam o nariz para o ministro, com quem
disputavam — e ainda disputam — poder e influência na
definição da política econômica. Na própria frente ampla
que ajudou a eleger Lula havia o temor de que Haddad não
resistiria à pressão e ao fogo amigo. Apesar de ter sido der-
rotado logo no primeiro ato do governo, que decidiu por
conveniência política adiar por alguns meses a reoneração
dos combustíveis, o chefe da equipe econômica conseguiu
mostrar força, ganhar prestígio e, principalmente, desanu-
viar o ambiente econômico. Pautas prioritárias avançaram
no Congresso, índices de inflação e emprego melhoraram,
e o ministro manteve firme o compromisso de zelar pelas
contas públicas. A situação parecia bem encaminhada até
que Lula resolveu sabotar os esforços do auxiliar.
Dando voz à ala política de sua administração, o presi-
dente disse num café da manhã com jornalistas que a meta
de zerar o déficit primário em 2024, defendida por Had-
dad, dificilmente seria alcançada. Na ocasião, acrescentou
não estar disposto a cortar investimentos para garantir o
cumprimento do objetivo definido por seu ministro. A de-
claração, obviamente, fragilizou a posição de Haddad, que

2|6
CLUBE DE REVISTAS
GERALDO MAGELA/AGÊNCIA SENADO

DIREÇÃO ERRADA Congresso: a sinalização emitida


pelo governo encontra respaldo no interesse dos
parlamentares em aumentar gastos em ano eleitoral

já enfrentava nos bastidores a oposição do chefe da Casa


Civil, Rui Costa, e da presidente do PT, Gleisi Hoffmann,
para quem a meta deveria ser alterada a fim de prever um
déficit de 0,5% e, assim, permitir mais gastos. Com a que-
da de braço em curso, Lula disparou novamente contra
Haddad e instou ministros da área da infraestrutura a se-
rem “os melhores gastadores de dinheiro em obra”. “Eu
sempre digo que, para quem está na Fazenda, dinheiro
bom é dinheiro que está no Tesouro. Para quem está na
Presidência, dinheiro bom é dinheiro transformado em
obra”, afirmou o presidente. Haddad estava na reunião,
mas não se rendeu.

3|6
CLUBE DE REVISTAS

Enquanto Rui Costa defendia que o governo propuses-


se o relaxamento da meta já na votação do relatório preli-
minar da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), ocorri-
da na última terça-feira, o ministro da Fazenda conse-
guiu convencer Lula a adiar a definição sobre o tema. O
martelo deve ser batido nos próximos dias, levando em
consideração não apenas a situação fiscal do país, que de-
veria ser preponderante no debate, mas as conveniências
políticas do presidente, do PT, de ministros e de parla-
mentares. Os adversários de Haddad alegam que a equi-
pe econômica não conseguirá arrumar cerca de 170 bi-
lhões de reais de arrecadação extra para zerar o déficit e
que, em razão disso, é melhor afrouxar a meta e elaborar
um Orçamento mais realista. Na prática, a preocupação é
outra. Lula não quer ser obrigado no ano que vem, quan-
do serão disputadas as eleições municipais, a bloquear
pelo menos uns 40 bilhões de reais do Orçamento da
União para que a meta de déficit zero seja cumprida. Essa
iniciativa, segundo o presidente, drenaria recursos do
Programa de Aceleração do Crescimento e da área da
saúde, além de votos nas urnas.
Apesar de os presidentes da Câmara, Arthur Lira, e
do Senado, Rodrigo Pacheco, terem se manifestado a fa-
vor do plano de Haddad, o grosso dos parlamentares faz
coro a favor do abrandamento da meta. Como o presi-
dente da República, eles também querem mais dinheiro
para gastar em 2024. Uma das prioridades dos congres-

4|6
CLUBE DE REVISTAS

sistas é aumentar o valor do fundo eleitoral proposto pela


Fazenda para 2024 — de pouco mais de 900 milhões de
reais. Os parlamentares aventaram no início algo em tor-
no de 6 bilhões, mas agora, como se estivessem fazendo
uma grande concessão, trabalham com a cifra de 4,9 bi-
lhões de reais, a mesma destinada para as eleições gerais
de 2022. O PT de Lula e o PL de Jair Bolsonaro estão
juntos nessa cruzada, num sinal de que a polarização,
quando convém, pode dar lugar à comunhão de interes-
ses. Outro objetivo é ampliar a cota das emendas. Depu-
tados e senadores querem retomar o controle sobre 9,2
bilhões de reais do antigo orçamento secreto, que hoje es-
tão nas mãos dos ministérios, e obrigar o governo a pagar
— queira ou não queira — as emendas de comissão, que
somam 7,5 bilhões no Orçamento de 2023.
Hoje, apenas as emendas individuais e de bancada já
são impositivas (de pagamento obrigatório). Há dez anos,
nenhuma delas era, o que evidencia como o Congresso
ganhou força e avançou sobre fatias orçamentárias cada
vez maiores. Haddad não quer comprar briga com os par-
lamentares, que, em troca de generosas contrapartidas,
têm votado propostas estruturantes, inclusive a reforma
tributária. O verdadeiro embate do ministro é interno,
dentro do governo, contra o populismo e a ideia — já tes-
tada e reprovada — de que o gasto público deve ser o prin-
cipal indutor do crescimento. Acossado em múltiplas fren-
tes, o ministro sabe da dificuldade de zerar o déficit em

5|6
CLUBE DE REVISTAS

2024, mas mantém a meta para conter a ofensiva por mais


despesas e não atrapalhar os esforços de sua equipe pela
aprovação de projetos capazes de aumentar a arrecadação
no próximo ano. Ele lida com números e expectativas —
e, de certa forma, tem a seu favor um pequeno capítulo da
história recente do país. Nos últimos anos, ministros da
Fazenda foram decisivos para o sucesso ou o fracasso de
governos e de seus respectivos grupos políticos.
Embalado pelo Plano Real, Fernando Henrique Cardo-
so saltou da Fazenda para dois mandatos presidenciais.
A austeridade fiscal de Antonio Palocci, elogiada até pela
oposição, ajudou na conturbada governabilidade do pri-
meiro mandato de Lula, marcado pelo escândalo do men-
salão. Já Guido Mantega foi protagonista da derrocada
econômica protagonizada por Dilma Rousseff. Em seu ter-
ceiro mandato, Lula conhece bem os diferentes caminhos,
o da gastança desenfreada e o da responsabilidade fiscal.
Sabotar seu próprio ministro, além de ser um desserviço
ao país, pode ser um sonoro tiro no pé até em termos elei-
torais. Basta olhar no retrovisor. ƒ

6|6
CLUBE DE REVISTAS
BRASIL CONCESSÕES

APAGÃO NO DEBATE
O drama da população de São Paulo, que ficou dias sem
energia, expõe falhas na gestão pública e precipita uma
discussão rasa sobre privatizações BRUNO CANIATO E
VALMAR HUPSEL FILHO

ALVOS Nunes e Tarcísio: blecaute rende críticas ao prefeito


e coloca pressão em um dos principais planos do governador

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

1|9
CLUBE DE REVISTAS

ERA FINAL DE SEXTA-FEIRA, no meio do feriado pro-


longado de Finados, quando uma chuva intensa, com raja-
das de ventos de 104 quilômetros por hora, atingiu São Pau-
lo e instaurou o caos. Apesar de acostumados a situações
difíceis no seu cotidiano, os moradores da maior metrópole
do país viveram a partir dali um pesadelo de proporções
inéditas. A tempestade alagou ruas, apagou semáforos, der-
rubou um sem-número de árvores e deixou 2,1 milhões de
endereços sem energia. Os prejuízos para as empresas fo-
ram gigantes: só no setor de hotéis, restaurantes e turismo,
o dano foi estimado em 500 milhões de reais. A agonia foi
longa. Na segunda, quando a capital paulista tentava reto-
mar a vida normal, ainda havia 300 000 pontos sem luz.
Na quarta, cinco dias depois do temporal, cerca de 10 000
clientes permaneciam às escuras.
O tormento climático, algo que deverá ser cada vez
mais comum nos próximos anos, expôs um preocupante
problema de gestão pública, em vários níveis. Um deles em
uma atividade básica, que é a zeladoria da cidade: a queda
em massa de árvores, causando prejuízos materiais, ferin-
do pessoas e atingindo a rede elétrica, é um transtorno que
se repete há décadas. Como se viu, o atual prefeito, Ricar-
do Nunes (MDB), também foi tragado pelo problema e
acabou atingido pela saraivada de críticas. A situação ge-
rou reprimendas até do aliado, o governador Tarcísio de
Freitas (Republicanos). Segundo disse ele, a “questão arbó-
rea” era “uma das soluções mais baratas e efetivas”.

2|9
CLUBE DE REVISTAS
VINCENT BOSSON/FOTOARENA

CAOS São Paulo à noite: em alguns lugares, a luz demorou


seis dias para voltar

Evidentemente, o cenário de crise no qual mergulhou a


cidade abriu as portas para a exploração política oportunis-
ta. O deputado Guilherme Boulos (PSOL), principal rival de
Nunes no pleito municipal do próximo ano, saiu disparando
contra o prefeito sem mencionar, no entanto, que cabe a uma
agência federal — a Aneel, subordinada ao governo de seu
aliado e cabo eleitoral, o presidente Lula — fiscalizar a con-
cessão e a qualidade dos serviços prestados pela Enel, que
desde 2018 opera o fornecimento de energia. E os sinais de
que tudo ia mal não eram poucos: no relatório de 2022, a
concessionária pontuou 49,28 em uma escala de satisfação
dos clientes que vai de 0 a 100, ocupando a 45ª posição en-

3|9
CLUBE DE REVISTAS

BRUNO SPADA/CÂMARA DOS DEPUTADOS


TÁTICA Boulos: busca de dividendo eleitoral
sem citar papel de agência federal

tre 53 concessionárias. No item confiança no fornecimento,


foi a quinta pior. Questionada pela reportagem de VEJA, a
Aneel não respondeu que providências mais drásticas ado-
tou diante desse quadro tenebroso. É verdade que entre 2018
e 2023 a Enel foi multada pela agência reguladora em 157,2
milhões de reais por falhas no serviço. Desse montante, no
entanto, pagou efetivamente apenas 34,3 milhões de reais.
A situação caótica provocada pelo apagão em São Paulo
ainda precipitou uma discussão rasa e enviesada sobre a pri-
vatização de serviços públicos. As críticas ao processo de
desestatização vieram de todos os lados, inclusive de onde
pouco se esperava, casos de pessoas ligadas ao ex-presiden-

4|9
CLUBE DE REVISTAS

te Jair Bolsonaro — como o ex-secretário Fabio Wajngarten


— e do MBL, movimento que, em tese, defende ideias libe-
rais, mas que parece mais empenhado em alavancar a can-
didatura de seu fundador, o deputado Kim Kataguiri (União
Brasil), outro que tentará em 2024 a prefeitura de São Paulo.
O histórico das responsabilidades sobre a distribuição da
energia em São Paulo é cheio de idas e vindas. Na origem, o
serviço estava aos cuidados da iniciativa privada. A infraes-
trutura foi implantada em 1899 pela canadense São Paulo
Railway e estatizada em 1979, quando a empresa foi adquiri-
da pela Eletrobras. Dois anos depois, o controle passou ao
governo de São Paulo, que criou a Eletropaulo. Em 1995,
Mario Covas (PSDB) dividiu a empresa em quatro menores.
Em 1999, a Eletropaulo Metropolitana, a fatia mais rentável
do pacote, acabou sendo vendida a um consórcio formado
por empresas americanas, francesas e a brasileira CSN. Em
2001, ela passou a ser controlada só pela americana AES
Corporation e mudou de nome para AES Eletropaulo. Em
2018, enfim, a Enel Brasil, subsidiária da multinacional com
sede na Itália, comprou 73% das ações. Além de São Paulo,
a Enel atua no Rio e no Ceará. Em 2022, perdeu o contrato
em Goiás por causa do péssimo serviço. “Eles agiam como
se fossem donos da concessão, só devendo satisfações a Ro-
ma”, ironiza Ronaldo Caiado, governador desse estado.
Ao contrário das privatizações bem-sucedidas realizadas
na telefonia e em outras áreas, o processo de desestatização
do setor elétrico teve problemas de origem que repercutem

5|9
CLUBE DE REVISTAS

ROBERTO STUCKERT FILHO/PR

DESASTRE Dilma Rousseff: redução da conta de luz anunciada


no final de 2012 virou um “tarifaço” nos anos seguintes

até hoje. Quando as empresas privadas começaram a entrar


no negócio, em meados dos anos 90, a rede de distribuição
já se encontrava sucateada. Os contratos assinados para as
concessões não garantiram de forma suficiente os investi-
mentos para a recuperação do sistema e a falta de concor-
rência só piorou a situação. “A qualidade do serviço piorou e
o preço da conta de luz aumentou”, resume Ildo Sauer, pro-
fessor do Instituto de Energia da USP.
Se não bastasse, mesmo considerando o fiasco genera-
lizado do histórico de atuação das agências reguladoras,
uma boa ideia que acabou sendo completamente desvir-
tuada, virando um dos maiores cabides de nomeações

6|9
CLUBE DE REVISTAS

políticas dos últimos tempos, a Aneel conseguiu se desta-


car negativamente pela mais completa inoperância. Mes-
mo as agências estaduais têm poder limitado, já que a
competência para fiscalizar e punir é da União — em al-
guns casos, os órgãos locais apelam à Defesa do Consu-
midor para aplicar multas e cobrar indenizações, mas a
concessionária pode contestar na Aneel.
Outro problema brasileiro é a frouxidão dos parâme-
tros impostos pela agência reguladora. Desde 2019, uma
resolução permitiu elevar o limite tolerável para interrup-
ções no fornecimento— na prática, uma residência pode
ficar até 84 horas por ano no escuro, contanto que o tem-
po interrompido não some mais de 7 horas por mês. “As
distribuidoras são cada vez menos pressionadas a prestar
um serviço de qualidade”, lamenta Carlos Augusto Kirch-
ner, consultor da Federação Nacional dos Engenheiros pa-
ra assuntos regulatórios.
O recente blecaute em São Paulo é apenas o mais novo ca-
pítulo de um longo histórico de crises recorrentes geradas
pelos problemas crônicos do sistema elétrico. O mais grave
se deu nos tempos de Fernando Henrique Cardoso, com o
apagão na capacidade de geração de energia. O estrago polí-
tico foi enorme e teve influência nas eleições presidenciais de
2002, quando José Serra, o candidato escolhido pelos tuca-
nos para tentar suceder a FHC, perdeu a disputa para Lula.
Em 2013, foi a vez de Dilma Rousseff sofrer as consequências
de um gesto desastrado e demagógico: o anúncio da redução

7|9
CLUBE DE REVISTAS

ALAN MARQUES/FOLHAPRESS
CAMPANHA Alckmin: em 2006, ele teve que dizer que não
iria privatizar nada

de tarifa em 16% no final de 2012. Após queda em 2013, a


conta para o consumidor disparou nos anos seguintes. O “ta-
rifaço” ajudou a corroer a popularidade de Dilma.
Embora a concessão à iniciativa privada de serviços ope-
rados pelo estado tenha se revelado quase sempre um gran-
de acerto, a defesa da privatização é vista com receio pelos
políticos do país, que temem perder votos. Um exemplo foi o
do hoje vice-presidente Geraldo Alckmin. Em 2006, quan-
do disputava a Presidência pelo PSDB, ele passou pelo cons-
trangimento de usar boné e jaqueta com logomarcas de es-
tatais para reforçar que não iria vendê-las caso fosse eleito.
O episódio do apagão em São Paulo já provoca estilhaços
em Tarcísio de Freitas, que será obrigado a enfrentar um cli-

8|9
CLUBE DE REVISTAS

ma ainda mais hostil em seu plano de desestatizar a Sabesp,


maior companhia de saneamento básico do país. Enquanto
isso, o governo Lula segue acelerando na direção contrária,
descartando qualquer privatização (Petrobras, bancos ofi-
ciais, Porto de Santos, Correios, entre outras) — já reverteu
ao menos uma (por decreto, anulou a extinção da fábrica de
chips Ceitec) e sonha em fazer o mesmo com a Eletrobras, a
principal empresa do nosso sistema elétrico.
A maneira confusa como a privatização entrou no debate
político do maior colégio eleitoral do país é algo a lamentar por-
que ajuda a desperdiçar mais uma oportunidade de aperfeiçoar
esse modelo. No caso específico do setor elétrico, há a necessi-
dade de um ajuste mais profundo. “O governo precisa reorgani-
zar o sistema, deixando no mercado apenas as concessionárias
mais eficientes e criando linhas especiais de crédito para elas,
via BNDES, para a recuperação da infraestrutura”, afirma Ro-
naldo Caiado. A sugestão do governador goiano toca em alguns
pontos essenciais: em qualquer política de privatização, a entre-
ga de concessões ao setor privado não significa que o poder pú-
blico sairá de cena. Pelo contrário. Nesse cenário, a atuação do
governo passa a ser ainda mais fundamental, na gestão dos
contratos, na depuração dos participantes do mercado e na fis-
calização para garantir a entrega de serviços com qualidade à
população a um preço justo. Infelizmente, como ficou claro no
caos enfrentado pelos paulistanos, o que há no setor elétrico é
um apagão nesse papel regulador do poder público. O país pre-
cisa de menos escuridão e mais luz nesse debate. ƒ

9|9
CLUBE DE REVISTAS

CRISTOVAM BUARQUE

AMBIÇÕES AUSENTES
As falhas da educação brasileira são
um fracasso de décadas

SUCESSIVOS GOVERNOS executaram projetos que fize-


ram a educação brasileira avançar: Merenda Escolar (1955),
Emenda Calmon (1983), Livro Didático (1985), Fundef
(1996), PNE-I (2001), Fundeb (2007), Piso Salarial Nacional
do Professor (2008), vaga a partir dos 6 anos (2010), PNE-II
(2011), vaga a partir dos 4 anos (2013), vaga até os 17 anos
(2016), reforma do ensino médio (2017), Base Nacional Co-
mum Curricular (2020). Apesar disso, o Brasil continua en-
tre os países com a pior e mais desigual educação. A ponto
de ser necessário um Pacto Nacional pela Alfabetização na
Idade Certa (2023), o que prova o fracasso de décadas.
Enquanto o mundo e as classes abastadas brasileiras já
alfabetizam seus filhos aos 5 anos, ao mesmo tempo que
iniciam estudos de idioma estrangeiro, estamos nos van-
gloriando da simples promessa de alfabetizar aos 8, em
português. Não nos propomos a que todos terminem o en-
sino médio alfabetizados plenamente para a contempora-
neidade: falar e escrever bem o idioma português; ser
fluente em pelo menos mais um idioma; conhecer os fun-
damentos da matemática, ciências, geografia, história, ar-

1|3
CLUBE DE REVISTAS

tes; debater com competência os temas de economia, polí-


tica, antropologia, sociologia, filosofia; saber usar as ferra-
mentas digitais; dispor de pelo menos um ofício que per-
mita emprego e renda; adquirir solidariedade com os bra-
sileiros e com a humanidade; respeitar a natureza; querer
participar da construção de um mundo melhor e mais be-
lo, com desenvolvimento sustentável; ser capaz de conti-
nuar sua educação ao longo da vida; estar apto a disputar
vaga em curso superior de qualidade, se desejar.
À falta de ambiciosa meta de educação com a máxima
qualidade para todos, soma-se a ausência de uma estrutu-
ra com os instrumentos políticos e administrativos neces-
sários para executar os projetos. Não há como promover a
educação com qualidade e equidade sem um Sistema Fe-
deral Único Público de Educação de Base, mas as escolas
dependem da vontade e dos recursos dos municípios, po-

“Estamos nos
vangloriando agora da
simples promessa de
alfabetizar alunos aos
8 anos de idade”
2|3
CLUBE DE REVISTAS

bres e desiguais entre eles. A adoção dos sistemas munici-


pais pelo governo federal requer estratégia de algumas
décadas a um custo dentro das disponibilidades fiscais,
no prazo de 20 a 30 anos.
Três características da sociedade dificultam essa estra-
tégia: primeiro, educação de máxima qualidade não é um
objeto de desejo político nem uma prioridade maior do
eleitor brasileiro; segundo, a igualdade como ela deve ser
oferecida não faz parte do caráter nacional; terceiro, o
imediatismo impede que os governos a programem para
futuro posterior aos seus mandatos.
Nessas condições, o ministro da Educação não tem co-
mo se comprometer com estratégia para realizar o pro-
pósito ambicioso de colocar a educação de base entre as
melhores do mundo, assegurando acesso a todos, inde-
pendente da renda ou do endereço. Falta-lhe também ou-
sadia para propor a construção de um sistema público
nacional único, que permita plena alfabetização para a
contemporaneidade a todos os brasileiros. Por tudo isso,
sua missão se esgota com a proposta de buscar diálogo
com os prefeitos, para um pacto que assegure alfabetiza-
ção em português até os 8 anos de idade. ƒ

3|3
CLUBE DE REVISTAS
BRASIL SEGURANÇA

CHAMA O
CAPPELLI!
Missões insólitas transformam o secretário-executivo
do Ministério da Justiça em curinga do governo e opção
do PSB para as eleições de 2026 MARCELA MATTOS
TOM COSTA/MINISTÉRIO DA JUSTIÇA

“MAS QUEM É?” Ricardo Cappelli: notoriedade


depois de 23 dias como interventor no Distrito Federal

1|8
CLUBE DE REVISTAS

ERA FIM DA MANHÃ da última terça-feira, 7, quando


tocou o celular do ministro da Defesa, José Múcio. “Mi-
nistro, a reunião foi muito ruim, viu?”, disse do outro lado
da linha, sem meias-palavras, Ricardo Cappelli. O secre-
tário-executivo do Ministério da Justiça resumia o resul-
tado de um encontro do comitê que acompanha a execu-
ção do decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), que
permitiu a atuação de militares em ações de combate ao
crime organizado no Rio de Janeiro. Composto por repre-
sentantes da Polícia Federal, das três Forças Armadas e
do governo, o grupo realizava a primeira avaliação do tra-
balho, encerrada em meio a um constrangimento geral.
Cappelli relatou o que havia acabado de acontecer. Segun-
do ele, o almirante da Marinha destacado para fazer parte
da equipe parecia irritado, passou o tempo inteiro de bra-
ços cruzados e cara fechada, provocou a Polícia Federal,
reclamou da falta de dinheiro para a operação e ainda dis-
se que o decreto assinado por Lula era pouco claro.
O ministro da Defesa ouviu com atenção as pondera-
ções do secretário-executivo. Horas mais tarde, o vice-al-
mirante Paulo Renato Rohwer foi substituído. “Está
achando que eu vou para uma reunião dessas para ficar
de palhaçada?”, comentou, depois, com um auxiliar. E
anunciou: “Acabei de derrubá-lo”. Múcio achou por bem
indicar seu chefe de gabinete — um civil — como novo in-
tegrante do comitê. Afinal, não era a primeira rusga que
Cappelli tinha com militares de alta patente, em mais um

2|8
CLUBE DE REVISTAS
TOMAZ SILVA/AGÊNCIA BRASIL

FRONT Operação no Rio: quando a situação


encrencou, Cappelli foi designado

episódio que comprova que ele é o funcionário de segun-


do escalão mais poderoso da República — mais poderoso,
ressalte-se, que muitos ministros. Assumindo diferentes
missões e acumulando embates, amigos e inimigos, Ricar-
do Cappelli vem consolidando a fama de curinga do go-
verno, um “resolvedor” de problemas. Seu mais recente
desafio foi justamente coordenar o esforço federal para
frear a onda de violência no Rio de Janeiro, apesar da
pouca experiência na área de segurança.
Formado em jornalismo e com especialização em ad-
ministração pública, Cappelli chefiava, até o ano passado,
a comunicação de Flávio Dino enquanto governador do
Maranhão. Em dezembro, foi convidado a ser o número 2

3|8
CLUBE DE REVISTAS

no Ministério da Justiça e mal havia se acostumado à ca-


deira quando estourou o fatídico 8 de Janeiro. Naquele
dia, o governo tinha certeza de que havia um golpe em an-
damento para tirar Lula do poder. Era preciso agir rápido.
Decidiu-se que haveria uma intervenção na segurança pú-
blica do Distrito Federal, mas logo surgiu a dúvida sobre
quem teria condições de assumir a delicadíssima missão.
Dino disse ao presidente que seu “Zero Dois” era a pessoa
certa. “Mas quem é?”, questionou Lula. Ouviu do ministro
as melhores referências. Disciplinado, Cappelli foi a cam-
po. Tentou entrar no QG do Exército para prender os ma-
nifestantes acampados, confrontou generais e, por pouco,
não provocou uma crise militar. “Me entregaram no dia 8
um avião numa turbulência e caindo. Meu papel era segu-
rar o avião, estabilizá-lo e botar no solo com todo mundo
vivo. Foi o que eu fiz”, diz ele.
À frente da Secretaria de Segurança por 23 dias,
Cappelli demitiu 13 pessoas, entre as quais o comandante
da Polícia Militar, acusado de facilitar a ação dos vânda-
los. Depois disso, habilidoso, definiu como estratégia se
aproximar da força, passou a fazer elogios públicos dizen-
do ter plena confiança nos policiais e até intermediou com
o presidente um aumento para a categoria — recebeu, ao
fim, uma medalha de honraria da PM. Em maio, ainda
sob os efeitos do 8 de Janeiro, veio outra missão espinho-
sa. Cappelli foi convocado para uma reunião no Palácio
do Planalto. Lá, Lula disse que havia demitido o general

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CLUBE DE REVISTAS

UNE INSTAGRAM @CAPPELLI.RICARDO

EM AÇÃO As múltiplas facetas de


Cappelli: com o ditador Fidel Castro,
pupilo do ministro Flávio Dino no
ministério, interventor no DF
e em momento de descontração
comendo um pastel na feira

FÁTIMA MEIRA/FUTURA PRESS

5|8
CLUBE DE REVISTAS

que comandava o Gabinete de Segurança Institucional e


queria que ele assumisse interinamente para promover
uma “renovação” no órgão, visto pelo governo como um
antro de bolsonaristas. Após 15 dias de gestão, Cappelli
afastou 90 pessoas, militares em sua maioria. A missão
também foi considerada como muito bem-sucedida.
Tão logo correram o mundo as notícias do total descon-
trole do aparato de segurança do Rio de Janeiro, com atos
de vandalismo, ônibus incendiados e onda de assassinatos,
Cappelli foi acionado pela terceira vez. “Você vai para o
Rio. Segura lá”, disse Flávio Dino, de supetão, ao bolar um
plano, também realizado de supetão, para tentar mostrar
algum tipo de reação do governo aos problemas de segu-
rança pública. Desde então, o secretário já foi quatro vezes
ao estado, mantém conversas com o governador, o prefei-
to, delegados da Polícia Federal, da Receita e do Coaf,
além de integrar o comitê que vai monitorar a GLO, que
entrou em vigor na última semana e tem previsão de durar
seis meses. A ideia do Planalto é robustecer, com homens
da Marinha, Aeronáutica e Exército, a atuação dos agentes
federais nas fiscalizações nos portos e aeroportos de São
Paulo e do Rio, além de regiões fronteiriças, com o objeti-
vo de coibir a entrada de drogas e de armas no país.
A nova missão do “resolvedor” é uma missão impossí-
vel de ser resolvida. Enquanto, segundo Lula, a medida
vai “definitivamente tirar o poder do crime organizado”,
especialistas em segurança pública ressaltam que expe-

6|8
CLUBE DE REVISTAS

riências similares já foram testadas, não solucionaram ab-


solutamente nada e, na maioria das vezes, funcionaram
apenas como peça de propaganda. “Como uma resposta
política, se repete a receita de todos os governos de, na
crise, chamar os militares”, afirma Renato Sérgio de Li-
ma, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
“Na minha avaliação, acerta-se ao ser uma ação integra-
da. Mas ela não atinge o Comando Vermelho, não atinge
as milícias, não combate a corrupção nas polícias nem
reestrutura o efetivo dos agentes federais. É apenas um
paliativo, um remédio genérico”, acrescenta. Cappelli
afirma que se joga com as armas disponíveis. “É claro que
eu defendo tudo isso, mas precisamos de uma solução
imediata”. E resume: “É o seguinte: entre o ideal e o não
fazer nada, não vamos escolher a segunda opção”.
O faz-tudo da República tem uma longa trajetória na
esquerda. Em 1998, quando tinha 26 anos, Cappelli co-
mandou a União Nacional dos Estudantes (UNE). Naquele
tempo, já tinha fama de executar missões complicadas.
Consta que seu empenho foi fundamental para a vinda ao
Brasil do ditador cubano Fidel Castro, que participou de
um congresso da UNE. À época, Cappelli era filiado ao
PCdoB, partido no qual esteve por 26 anos e pelo qual
também disputou as eleições para vereador e deputado es-
tadual no Rio de Janeiro. Em 2021, se filiou ao PSB, sem-
pre seguindo os passos de Dino, seu mentor. Mas sua es-
trela começa a ganhar algum brilho próprio. Tamanha vi-

7|8
CLUBE DE REVISTAS

sibilidade adquirida nestes primeiros dez meses de gover-


no abriu caminho para o secretário considerar a possibili-
dade de um voo solo. O PSB do DF planeja lançá-lo na
disputa de um cargo majoritário em 2026 — ao Senado
ou, quem sabe, até mesmo o governo de Brasília.
Seu trunfo eleitoral seria justamente a atuação dele co-
mo interventor na área de segurança, tema importante nos
debates políticos na Capital. O mote de campanha não exi-
giria muita criatividade: “Chama o Cappelli!”, dizem alguns
aliados. Questionado sobre uma eventual candidatura, o
secretário desconversa: “Eu tenho um mantra com a minha
equipe que é o seguinte: toda segunda a gente se reúne para
passar a agenda da semana e eu digo para eles que o nosso
objetivo é chegar vivo na sexta-feira. Acho uma sandice as
pessoas falarem em 2026”. Assim, de maneira absoluta-
mente espontânea, o secretário tem aproveitado as poucas
horas vagas em Brasília para se reunir com empresários e
trabalhadores, comparecer a eventos públicos, receber con-
decorações, comer pastel na feira, registrando imagens des-
ses momentos e publicando tudo em suas redes sociais —
sem nenhum outro interesse, ressalte-se. ƒ

8|8
CLUBE DE REVISTAS

A FÓRMULA LULA
DE GOVERNAR
Pragmatismo e populismo
seguirão equilibrados

O PRAGMATISMO na política é uma abordagem orien-


tada para resultados, focada em soluções práticas e realis-
tas para problemas complexos. Políticos pragmáticos são
geralmente caracterizados pela flexibilidade ideológica,
priorizando o que é funcional e eficiente sobre o que é
ideologicamente puro ou teoricamente ideal. Em contras-
te, o populismo na política é um estilo que busca mobili-
zar o eleitorado apelando diretamente para as necessida-
des e desejos das massas, muitas vezes em oposição a um
“establishment” percebido como corrupto ou alienado das
realidades da “pessoa comum”.
Após fechar acordos com o Centrão, um movimento
pragmático, e atacar o mercado por causa do déficit fiscal,
uma ação populista, o governo inicia a fase “Lula 3.2”, na
qual pragmatismo e populismo serão equilibrados confor-
me o momento e as necessidades. O presidente lida com
sentimentos contraditórios que frequentemente confun-
dem os analistas políticos.

1|3
CLUBE DE REVISTAS

Ele ainda convive, e tem grande aversão a isso, com


aqueles que tentam manipulá-lo politicamente. Um exem-
plo disso é a seleção do novo ministro do STF. Lula provo-
cará ansiedade naqueles que tentam influenciar sua deci-
são, pois controlar o tempo é sua tática para prolongar e
ampliar sua influência. Diante das circunstâncias atuais,
ele se apossou do centro político do país e relegou a oposi-
ção a um bolsonarismo que oscila entre a polarização ra-
dicalizada que cansou o país e uma posição independente
sem uma narrativa assertiva. Portanto, é um equívoco
pensar que Lula sacrificará a viabilidade de seu governo
por opções populistas. Não dará chance ao azar como fez
Dilma Rousseff.
O recente episódio de ataques ao mercado em função
do déficit fiscal mais se assemelha a uma concessão nar-
rativa para o segmento menos pragmático de seu eleitora-

“O presidente lida com


sentimentos contraditórios
que frequentemente
confundem os
analistas políticos”
2|3
CLUBE DE REVISTAS

do do que, propriamente, um desejo de desestabilizar as


finanças públicas com populismo exacerbado. Lula tem
ciência de que, em 2026, ele será seu próprio concorren-
te. Em outras palavras, se a gestão das finanças públicas,
da inflação e da economia falhar, seu projeto político es-
tará comprometido.
Ele também sabe que, do 1,7 trilhão de reais em inves-
timentos previstos no novo PAC, apenas 371 bilhões de
reais — cerca de 20% — virão do Orçamento Federal.
Outros 341 bilhões de reais virão de empresas estatais,
principalmente da Petrobras. Espera-se que as empresas
privadas invistam quase o dobro do que as estatais, com
621 bilhões de reais. O restante virá por meio de financia-
mento de bancos públicos. Sem o setor privado, o merca-
do e a Faria Lima, a conta não se sustenta.
Lula está ciente de que agendas antirreforma não
prosperarão no Congresso e, mesmo que a contragosto,
está aprendendo a conviver com o semipresidencialismo
de coalizão que caracteriza o Brasil atual. O Congresso
está dividido e a obtenção de consensos em temas polê-
micos é praticamente impossível. Dessa forma, entre o
pragmatismo e o populismo, Lula escolherá ambos: deci-
sões predominantemente pragmáticas temperadas com
narrativas populistas. Uma no cravo e outra na ferradura,
ciente de que, se mergulhar na turbulência econômica,
seu projeto político naufragará. ƒ

3|3
CLUBE DE REVISTAS
BRASIL POLÍCIA

GOL CONTRA
Polícia Federal investiga se o pentacampeão Rivaldo
e a irmã do jogador Neymar ajudaram, mesmo sem
saber, a financiar os atos golpistas do dia 8 de janeiro
RICARDO CHAPOLA
INSTAGRAM @RIVALDO

ENGANADO O craque Rivaldo e Bolsonaro:


dinheiro era para pessoas carentes

1|5
CLUBE DE REVISTAS

HÁ DOIS ANOS o Supremo Tribunal Federal (STF) in-


vestiga as ações de uma suposta milícia digital que atuaria
de forma organizada com o objetivo de minar as institui-
ções democráticas. O grupo seria formado por aliados do
ex-presidente Jair Bolsonaro e alimentaria uma rede de de-
sinformação, espalhando boatos, notícias falsas e incenti-
vando ataques a políticos, juízes e adversários através das
redes sociais. O inquérito é sigiloso e pouco se sabe sobre o
que já foi efetivamente descoberto. Identificados, alguns
dos acusados tiveram a prisão preventiva decretada, en-
quanto outros fugiram do Brasil para escapar da cadeia.
Uma das suspeitas em apuração é de que a depredação das
sedes do STF, do Congresso e do Palácio do Planalto nos
atos do dia 8 de janeiro foi planejada e incentivada por essa
milícia, que, além de tudo, pode ter sido usada como canal
para financiar a baderna — uma linha de apuração que es-
tá enredando novos personagens ao caso.
Entre os acusados está o cantor gospel Salomão Viei-
ra, que teve a prisão decretada pelo ministro Alexandre
de Moraes. Apontado como um dos organizadores dos
ataques do dia 8 de janeiro, ele fugiu do país logo depois
das manifestações. No mês passado, a Interpol, a pedido
da Polícia Federal, realizou uma operação no Paraguai,
onde o cantor estaria escondido. Prendeu três manifes-
tantes que também eram procurados, mas não encontrou
Vieira. O cantor pedia doações que eram usadas para
manter os acampamentos em frente aos quartéis do Exér-

2|5
CLUBE DE REVISTAS
INSTAGRAM @RAFAELLA

LEVIANDADE Rafaella: a irmã de Neymar


garante que nunca fez qualquer doação

cito, especialmente o de Brasília, de onde, segundo os in-


vestigadores, partiram os manifestantes que promove-
ram a baderna. Vieira, que continua foragido a exemplo
de outros acusados como os blogueiros Oswaldo Eustá-
quio e Allan dos Santos, publicou em suas redes sociais
comprovantes de compra de suprimentos. A PF trabalha
com a informação de que, nessa época, ele movimentou 2
milhões de reais em suas contas e, por isso, passou a in-
vestigar também os supostos doadores.
Dois dos suspeitos são figuras conhecidas: Rivaldo, ex-
jogador da seleção brasileira de futebol, e Rafaella Santos,
irmã do atacante Neymar. No mês passado, os investigado-
res responsáveis pela Operação Lesa Pátria ouviram um
dos integrantes das tais milícias digitais. Ele contou que
conviveu por algum tempo com Salomão Vieira no Para-

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CLUBE DE REVISTAS

INSTAGRAM @ACADEMIACONSERVADORA
INSTAGRAM @OSWALDO_EUSTAQUIO78
REPRODUÇÃO

NO EXTERIOR Salomão, Eustáquio


e Allan dos Santos: acusados estão foragidos

guai após os ataques de 8 de janeiro (ambos estavam fugin-


do da polícia). Na ocasião, o cantor teria lhe confidenciado
a identidade de alguns de seus doadores. Rivaldo, segundo
Vieira, teria colaborado com 50 mil reais. Em princípio, o
jogador não cometeu crime algum, porque a doação, até
que se prove o contrário, não foi feita com o objetivo de fi-
nanciar a invasão e a depredação dos prédios públicos. Elei-
to o melhor do mundo em 1999, Rivaldo foi um dos muitos
atletas que se engajaram na campanha de Jair Bolsonaro.
Depois da derrota do ex-presidente, o pentacampeão com-
parou o resultado da eleição à eliminação do Brasil na Copa
de 1998. “Hoje tive uma sensação de tristeza um pouco pa-
recida como a final da copa do 1998 quando perdi de 3 x 0
para a França”, lamentou em uma rede social, acrescentan-
do, na sequência, que cultivava a esperança de que o desfe-

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CLUBE DE REVISTAS

cho do processo eleitoral ainda poderia ser outro: “A luta


continua e não vamos parar pois muita coisa ainda vai
acontecer até o 31/12/2022”, escreveu o ex-jogador.
Diferentemente do irmão, Rafaella tem um perfil mais
reservado quando o assunto é política. Neymar chegou a
gravar vídeos de apoio que foram usados na campanha do
ex-presidente. Uma das poucas manifestações públicas de
Rafaella também ocorreu depois da derrota do ex-capitão.
“Sou Bolsonaro, sim. Não é segredo para ninguém minha
opção nestas eleições. Mas democraticamente sempre res-
peitei a todos que optaram pelo Lula”, escreveu. Na con-
versa com o delegado, o integrante das milícias disse que
ela também teria feito doações. VEJA procurou os três per-
sonagens envolvidos nesse novo capítulo do 8 de Janeiro.
O advogado Érico Della Gatta, que representa Salomão
Vieira, informou que o seu cliente é inocente e que não po-
de falar sobre detalhes do caso, que está sob segredo de
Justiça. Em nota, a assessoria de Rafaella informou que ela
não conhece nem fez qualquer repasse de recursos a Salo-
mão e que o envolvimento de seu nome é leviandade ou
fraude. Já Rivaldo, também através de seu advogado, con-
firmou que fez duas doações em novembro do ano passado
a pedido do cantor gospel, mas que, somadas, não ultra-
passam 2 mil reais. Os repasses, segundo ele, tinham a fi-
nalidade de comprar mantimentos para “pessoas carentes
da igreja”. A PF agora quer saber como esse dinheiro foi
parar nos acampamentos golpistas. ƒ

5|5
CLUBE DE REVISTAS
BRASIL POLÍTICA

ULTRARRADICAIS
NA MIRA
Adeptos de ideias extremistas, membros do Nova
Resistência, grupo que se infiltrou no PDT, são
acusados pelo governo americano de espalhar fake
news e propaganda russa VICTORIA BECHARA

FILHOS DE DUGIN Militantes em São Paulo: turma apoia o


Hezbollah e se inspira no filósofo guru de Vladimir Putin

TWITTER @NOMNOMCOOKIEEZ

1|7
CLUBE DE REVISTAS

O DEPARTAMENTO de Estado americano é um dos ór-


gãos mais importantes da burocracia estatal do país. Foi o
primeiro a ser criado, em 1789, e tornou-se um símbolo da
política externa da nação. O atual titular, o diplomata An-
tony Blinken, é o quarto na linha de sucessão presidencial e
encarregado de missões espinhosas, como as negociações
na guerra entre Israel e Hamas. No mês passado, a atenção
do departamento surpreendentemente voltou-se para o Bra-
sil. Um dos seus braços, o Centro de Engajamento Global,
divulgou um extenso relatório sobre o Nova Resistência, um
grupo extremista pouco conhecido por aqui, que é acusado
de integrar uma rede de desinformação e propaganda pró-
Rússia e atentar contra a ordem democrática na América.
A preocupação é inédita — foi a primeira vez que o cen-
tro publicou algo sobre o Brasil. O documento, de 28 pági-
nas, classifica o Nova Resistência como organização neo-
fascista, “quase-paramilitar” e antissemita. Segundo os Es-
tados Unidos, o grupo tem “conexões profundas” com en-
tidades no ecossistema de desinformação e propaganda
russa e tentou recrutar brasileiros para lutar contra a Ucrâ-
nia. O relatório cita ainda a proximidade com o controver-
so filósofo Aleksandr Dugin, um dos gurus do presidente
russo Vladimir Putin e o pai da chamada Quarta Teoria
Política, uma corrente doutrinária que tem como objetivo
superar o liberalismo, o comunismo e o fascismo.
Alvo dessas graves acusações, o Nova Resistência foi
fundado em 2015, no Rio de Janeiro, e é uma barafunda

2|7
CLUBE DE REVISTAS
CRISTIANO MARIZ/AG. O GLOBO

AQUI NÃO Carlos Lupi: cacique do


PDT autorizou expulsão em massa

ideológica. Tem ideais antiliberais, ultranacionalistas e an-


tissemitas, além de repulsa a pautas LGBTQIA+ e feminis-
tas. Os militantes costumam manifestar simpatia a ditado-
res como Nicolás Maduro (Venezuela) e Viktor Orbán
(Hungria). “É uma extrema direita particularmente exóti-
ca porque pega emprestadas algumas ideias que não são
exatamente tradicionais desse espectro político”, avalia
David Magalhães, coordenador do Observatório da Extre-
ma Direita. “Ela busca sínteses entre temas e valores que
são associados tanto à esquerda como à direita, a exemplo
do nacionalismo, do trabalhismo e da luta anti-imperialis-
ta”, diz Francisco Thiago Vasconcelos, coordenador do La-

3|7
CLUBE DE REVISTAS

O A L E R TA
AMERICANO
O que dizem os EUA sobre
o grupo Nova Resistência

4|7
CLUBE DE REVISTAS

O Kremlin usa tanto redes abertas como ocultas a fim de


manipular informação e disseminar ideologias antidemocráticas
e autoritárias ao redor do mundo. Um exemplo é a Rede
Sincrética de Desinformação (SDN), que inclui o movimento
Nova Resistência no Brasil, o portal de notícias Fort Russ
News (FRN) e o Centro para Estudos Sincréticos (CSS).
A Nova Resistência, o FRN e o CSS tentam parecer
organizações autênticas e locais, mas na verdade elas têm
e cultivam laços estreitos com atores russos conhecidos
por suas influências malignas. Todas elas promovem
ideologias neofascistas do filósofo russo Aleksandr Dugin,
cuja Quarta Teoria Política (4PT) busca unir grupos de extrema
direita e extrema esquerda ao redor do mundo visando
a desestabilizar a democracia e derrubar a ordem
internacional baseada em regras.

Criada em 2015, se define como “organização política de


orientação nacional-revolucionária, dissidente, comunitarista,
patriótica e popular”. Defende ideias antiliberais e tem repulsa ao
identitarismo. Tem ligações com o PDT e apoiou Ciro Gomes à
Presidência em 2022

Conhecido como um dos gurus do presidente


Vladimir Putin, é o principal ideólogo da Quarta
Teoria Política, que seria uma alternativa ao
liberalismo, comunismo e nacionalismo. Para isso,
propõe a união de elementos do socialismo
soviético e do fascismo

5|7
CLUBE DE REVISTAS

boratório de Estudos da Violência e da Radicalização da


Universidade da Integração Internacional da Lusofonia
Afro-Brasileira (Unilab).
O nacionalismo, o antiamericanismo e a crítica ao libe-
ralismo aproximaram o Nova Resistência do PDT. Entre as
referências brasileiras estão o ex-presidente Getúlio Var-
gas, líderes do Integralismo (movimento de direita dos
anos 1930) e o ex-deputado Enéas Carneiro, um ícone da
direita pré-bolsonarista. Membros do grupo apoiaram Ci-
ro Gomes em 2022 e conquistaram a simpatia de Aldo Re-
belo, então candidato ao Senado pelo PDT. A chegada dos
radicais, porém, gerou resistência na legenda. Integrantes
do coletivo de diversidade se incomodaram com a postura
transfóbica e antifeminista dos novos filiados. Após de-
núncias, o presidente Carlos Lupi deu aval para que quase
cinquenta militantes fossem expulsos, incluindo a vice-lí-
der do movimento, Amaryllis Rezende. A pesquisadora
Letícia Oliveira, que monitora a extrema direita na internet
há doze anos, afirma que o grupo também se infiltrou no
PCO e tentou aproximação com PT e PSOL. “A intenção
de Dugin é se inserir em espaços institucionais, seja à es-
querda ou à direita”, diz a especialista.
O aparato do grupo no Brasil é modesto: tem canal no
YouTube com 20 000 inscritos, outro no Telegram, com
6 000 seguidores, e perfis no Instagram e no X. Também
tem um site, cujo domínio está registrado em Moscou, on-
de publica textos pró-Rússia. Segundo os EUA, o conteú-

6|7
CLUBE DE REVISTAS

do tem estilo, layout e narrativa de sites atribuídos a servi-


ços russos de inteligência. Em nota, o Nova Resistência
criticou o “amadorismo” do relatório e negou que apoie
violência ou seja financiado por estrangeiros. Disse, ain-
da, que fica lisonjeado pelo “reconhecimento de nossa im-
portância como mobilizadores e catalisadores de proces-
sos de despertar nacional e civilizacional no Brasil e na
América Ibérica”.
Admiradores de figuras exóticas ou simplesmente exe-
cráveis, o grupo busca inspiração em nomes como Ted
Kaczynski, o Unabomber, e no italiano Julius Evola, um
dos avalizadores de Os Protocolos dos Sábios de Sião, livro
que influenciou Adolf Hitler e é central para o antissemi-
tismo. O líder Raphael Machado já negou o Holocausto
(que chama de “Holoconto”) e diz que o Diário de Anne
Frank é um livro de ficção. Membros da turma já se reuni-
ram com representantes de Belarus, Coreia do Norte, Síria
e Venezuela e expressaram apoio à organização terrorista
Hezbollah, financiada pelo Irã. Apesar de estar no radar
de um importante órgão americano, o Nova Resistência
ainda não entrou na mira das autoridades brasileiras. De-
veria. Basta olhar esse currículo da pesada. ƒ

7|7
CLUBE DE REVISTAS
BRASIL CONGRESSO

A FILA ANDA
O União Brasil está prestes a sacramentar o fim
da era Bivar, o presidente que será deposto por
seu vice Antonio de Rueda, numa tentativa do
partido de ganhar poder à direita MAIÁ MENEZES

PUPILO E MESTRE Rueda (à esq.) com Luciano Bivar nos


bons tempos: foi ele que o apadrinhou e o levou à arena política

REPRODUÇÃO

1|6
CLUBE DE REVISTAS

FRUTO DA FUSÃO entre PSL e Democratas, o União Bra-


sil nunca fez jus ao nome, rachado por alas e vertentes as
mais variadas desde que despontou na paisagem de Brasília,
em 2021. Nos últimos tempos, a sigla, dona da terceira
maior bancada da Câmara dos Deputados, com 59 parla-
mentares, e do mais polpudo quinhão do fundo partidário
(cerca de 1 bilhão de reais), vem revelando suas fissuras de
forma mais acentuada do que nunca. Ao mesmo tempo em
que dá guarida a ferrenhos opositores do governo Lula, co-
mo o casal Sergio e Rosângela Moro, o partido compõe a
Esplanada, à frente das pastas das Comunicações, do Turis-
mo e, de forma indireta, do Ministério da Integração e do
Desenvolvimento Regional, nas mãos de Waldez Góes, que,
embora do PDT, foi indicado por Davi Alcolumbre, um dos
caciques da agremiação.
Essas costuras, ora de um lado do ringue, ora do outro, são
hoje vistas pelas altas lideranças do União Brasil como pouco
efetivas — um “varejinho” que, segundo quadros de peso da
legenda, acaba por facilitar o jogo para o Planalto. Para essa
turma, que quer ganhar poder de barganha, o caminho passa
pela troca da presidência do União, um processo em pleno va-
por que se oficializará nos próximos dias. Ávida por maior
protagonismo e com a atenção voltada para os arranjos que
miram o pleito municipal de 2024, a fatia egressa do antigo
Democratas já comunicou ao atual presidente, o deputado fe-
deral Luciano Bivar (ex PSL), que seu mandato será abreviado
em três meses, encerrando-se em fevereiro do ano que vem.

2|6
CLUBE DE REVISTAS
WALLACE MARTINS/FUTURA PRESS

FOGO AMIGO Ronaldo Caiado: “Bivar toma decisões


monocráticas”, dispara

De acordo com cinco membros da cúpula ouvidos pe-


la reportagem, a Executiva se reunirá em Brasília, em 20
de novembro, para informar a todos sobre os próximos
passos — um roteiro em que Bivar, dono do comando do
partido desde o marco zero, passará o leme para o advo-
gado pernambucano Antonio de Rueda, vice-presidente
nacional da sigla e seu pupilo, a quem introduziu os labi-
rintos da política. Longe dos holofotes, Rueda se mexeu
no intrincado tabuleiro para isolar o padrinho, que não
irá nem apresentar candidatura e não esconde sua má-
goa. “Tenho certeza de que o partido sairá pacificado”,
contemporizou Rueda a VEJA.

3|6
CLUBE DE REVISTAS
SILVIA COSTANTI/VALOR/AG. O GLOBO

DUELO ACM Neto: recebido com grosserias


pelo presidente da sigla

A irritação em torno da gestão de Bivar foi escalando


com episódios como o de uma tentativa dele de se apode-
rar do diretório do Amazonas, instalando ali nomes de seu
agrado, sem consultar os demais. “Isso acabou acendendo
um sinal de alerta. Ele toma decisões monocráticas, pas-
sando ao largo das regras do estatuto”, dispara o governa-
dor Ronaldo Caiado (GO), que arquitetou a saída de Bivar
ao lado dos deputados Mendonça Filho (PE) e Elmar Nas-
cimento (BA), do senador Alcolumbre (AP) e do ex-prefei-
to de Salvador, ACM Neto — um dos principais articulado-
res da mudança, que travou com o presidente do partido
conversa carregada de farpas. “O ACM Neto foi recebido

4|6
CLUBE DE REVISTAS

com os quatro pés por Bivar, de forma grosseira, desres-


peitosa e inadmissível”, dispara Caiado.
Aos 48 anos, Antonio de Rueda, habilidoso nos bastido-
res do poder, nunca concorreu em uma eleição. Porém, tra-
çou um plano: oficializará residência no Rio de Janeiro para
se lançar deputado federal pelo estado em 2026. Falta chão,
mas ele já pôs um freio na agenda de advogado para rodar
os diretórios na caça por apoio. Fez algo semelhante em
2022. Àquela época, cruzou o país movendo as engrenagens
da campanha de duas dezenas de deputados, bem-sucedi-
dos nas urnas graças à sua distribuição de verbas. A chave
do cofre fica sob sua administração — a irmã (e sócia) Maria
Emília é quem toca a tesouraria do partido. O ingresso no
mundo de Brasília ele deve a Bivar, que conheceu quando
havia recém saído da faculdade, aos 23 anos. O presidente
do União, que sempre atuou na área de seguros e possui pa-
trimônio declarado de 14 milhões de reais, foi um dos res-
ponsáveis por dar o empurrão inicial ao escritório de direito
securitário de Rueda, do qual segue cliente — atualmente
um dos maiores do país, com filiais em 14 capitais. O elo te-
ria garantido ao dirigente partidário o direito de instalar
pessoas próximas nos Detrans de diversos estados e na Su-
perintendência de Seguros Privados, a Susep. Rueda nega.
Na reunião do dia 20, o União Brasil planeja firmar uma
posição mais clara e coesa na relação com o governo e nos as-
suntos que dominam a pauta do Congresso. Serão enfatizados
pontos que os distanciam da gestão petista — o partido irá es-

5|6
CLUBE DE REVISTAS

clarecer que é contra qualquer tipo de aumento de impostos e


que defende um ajuste fiscal mais radical do que o proposto
por Lula. Também se manifestará sobre temas identitários,
parte do leque da agenda progressista, frisando que eles não
contarão com o apoio da sigla. São diretrizes que, em seu con-
junto, miram alianças e composições para o pleito de 2024.
“Bolsonaro estará menor e a tendência é seguir perdendo for-
ça. Surge então um espaço que tem de ser ocupado, e essa é
nossa meta”, afirma uma liderança, que procura, evidente-
mente, manter canal aberto com o governo.
Quem assiste de perto às movimentações de Rueda diz
que ele quer erguer algo como um “rejuvenescido MDB” —
partido que, ao longo da história, se posicionou como um
fiel da balança na relação do Congresso qualquer que fosse
o governo. Trivial não é. “Embora até supere hoje o MDB na
Câmara, a sigla não passa a confiança que a credenciaria ao
papel de garantidor da governabilidade”, avalia o cientista
político Pedro Henrique Marques, do Centro de Estudos do
Comportamento Político da UFMG. Rueda e aliados tentam
amainar os ânimos, naturalmente acirrados com a iminên-
cia de uma tomada interna de poder. Por ora, o partido ain-
da está mais para Desunião Brasil. ƒ

6|6
CLUBE DE REVISTAS
CLUBE DE REVISTAS
RADAR ECONÔMICO
PEDRO GIL

Com reportagem de Diego Gimenes


e Felipe Erlich
SHUTTERSTOCK

NOVA GESTÃO? Loja Subway: sede nos


EUA poderá assumir operação no Brasil

Quero distância empresa também estão in-


Não é só a rede de cafeterias comodados com a situação.
Starbucks que está tentan-
do romper parceria com a Socorro dos EUA
gestora SouthRock, que pe- Após o pedido de recupera-
diu recuperação judicial há ção judicial da SouthRock,
alguns dias — suas dívidas diretores da rede de lan-
totalizam 1,8 bilhão de chonetes Subway passa-
reais. Outros parceiros da ram a analisar com mais

1|3
CLUBE DE REVISTAS

cuidado o contrato assina- dia seguinte, Lula foi ao


do com a gestora. A sede da Brazilian Investment Fo-
Subway nos Estados Uni- rum, da Apex.
dos não descarta assumir a
operação no Brasil. Don’t cry for me,
Ausência sentida Argentina
O presidente Lula faltou a A marca catarinense de
um jantar com empresários roupas Hering tentou vol-
brasileiros e estrangeiros, tar recentemente para a
na segunda-feira 6, em Argentina, mas não conse-
Brasília. O encontro, pro- guiu. A obrigatoriedade de
movido pela Apex, a agên- produção local e o alto pre-
cia de promoção da expor- ço de locação em shopping
tação, contou com a pre- centers emperraram o pla-
sença do vice-presidente, no de expansão da empre-
Geraldo Alckmin, e da mi- sa brasileira.
nistra do Meio Ambiente,
Marina Silva. Tango complexo
Não é fácil a vida de quem
Verde demais se aventura no mercado ar-
A ausência do presidente gentino. A fabricante brasi-
causou surpresa porque o leira de cosméticos Natura
tema em pauta, a atração de tem uma operação grande
investimentos para a agen- no país que precisa de ajus-
da verde, é considerado tes constantes. “Temos que
prioritário pelo governo. No mudar de estratégia o tem-

2|3
CLUBE DE REVISTAS

po todo”, diz um executivo para atender também a Fór-


da companhia. mula 4, categoria destinada
a pilotos juniores. O acordo
Casamento desfeito é válido até 2027 e todos os
A Yamaha recomprou as pneus da modalidade serão
ações que a holding ma- fabricados no Brasil.
nauara Jarm tinha na com-
panhia. A fatia, mesmo mi- Pé no freio
noritária, era simbólica: a Apesar do novo contrato, a
parceria entre as empresas Pirelli vai promover o corte
durava quarenta anos. En- de 400 funcionários, redu-
tre outros negócios, a Jarm zindo turnos e otimizando
possui empresas de varejo, processos nas fábricas de Fei-
imobiliárias e revendas de ra de Santana (BA) e Campi-
motocicletas, barcos e mo- nas (SP). A companhia diz
tores náuticos. que o cenário macroeconô-
mico, com juros altos e entra-
Acelerando da de similares chineses, ge-
Fornecedora oficial dos rou contração do mercado. ƒ
pneus da Fórmula 1, a ita-
liana Pirelli fechou contrato OFERECIMENTO
com a Federação Interna-
cional de Automobilismo

3|3
CLUBE DE REVISTAS
ECONOMIA NEGÓCIOS

DIVULGAÇÃO

MUSCULATURA Bodytech: empresa sofreu na pandemia,


mas agora se recuperou

O INIMIGO DENTRO
DE CASA
A rede de academias Bodytech acusa um de seus credores,
o fundo abutre Latache, de impor dificuldades com o objetivo
de quebrá-la e, assim, pagar pouco pelo seu controle
FELIPE MENDES

1|5
CLUBE DE REVISTAS

CONTRA-ATAQUE A petição inicial da Bodytech


contra a Latache Capital que foi enviada à Justiça do Rio:
“Interesses egoístas e ilegítimos de um fundo abutre”

A PALAVRA DA JUSTIÇA Decisão em primeira


e segunda instâncias foi a favor da Bodytech:
“Aparente abusividade da conduta da Latache”

O
s abutres são conhecidos por usar uma estratégia
curiosa para caçar. Pacientes, eles sobrevoam pre-
sas feridas e as atacam quando parecem indefesas.
No mundo dos negócios, essas aves nomeiam fun-
dos que, à sua maneira, usam artifícios parecidos.
Eles geralmente investem em ativos em dificuldades — e
que estão, portanto, desvalorizados, às vezes até à beira da
falência. Nos Estados Unidos, os fundos abutres se tornaram
populares nos anos 1980 e, hoje em dia, participam ativa-

2|5
CLUBE DE REVISTAS

mente das transações financeiras realizadas no universo


corporativo. No Brasil, não são tão comuns, embora sua pre-
sença tenha aumentado nos últimos anos. Um caso rumoro-
so no país envolve a gestora de investimentos Latache Capi-
tal e a Bodytech, uma rede de 92 academias de ginástica em
dezessete estados, com receita anual de meio bilhão de reais.
Dois dos principais sócios da Bodytech, os empresários
Alexandre Accioly e Luiz Urquiza, acusam a Latache, que é
conhecida no mercado brasileiro como um fundo abutre,
de adotar táticas predatórias para destruir a empresa e, as-
sim, se apropriar do que restar dela. A história, contudo, re-
serva uma surpresa: a Latache é credora da Bodytech, o
que deveria ser suficiente para que desejasse a sua sobrevi-
vência. Ou seja: o inimigo está dentro de casa. “A Latache
tem atuado contra os interesses da Bodytech”, afirma Ur-
quiza, que, além de acionista, é presidente da companhia.
“Nunca vi uma coisa dessas.” Accioly vai mais longe. “O
papel dos fundos é ajudar a empresa a se organizar, a me-
lhorar a sua governança”, diz. “Em vez disso, a Latache en-
trou para destruir a companhia. Nós chegamos a ofertar o
valor de face da debênture deles, o que ninguém faz, mas
não quiseram vender. Parece coisa de milícia.”
No mercado de capitais, é comum o uso de diferentes fon-
tes de financiamento por parte das empresas. Embora o mé-
todo mais conhecido seja a listagem de ações via bolsa de va-
lores, algumas companhias preferem emitir títulos de dívi-
das, conhecidos como debêntures, para custear seus planos

3|5
CLUBE DE REVISTAS

SILVIA COSTANTI/VALOR/AG. O GLOBO MARIA ISABEL OLIVEIRA/AG. O GLOBO

RIVAIS Azevedo, da Latache, e Accioly, da Bodytech: dono da


academia diz que atitude da gestora “parece coisa de milícia”

de expansão. Esse foi o caminho escolhido pela Bodytech,


que há uma década emitiu dois títulos de dívidas que lhe per-
mitiram captar 310 milhões de reais. Com o passar dos anos,
o valor foi sendo quitado paulatinamente, mas as restrições
impostas pela pandemia de Covid-19 — unidades foram fe-
chadas e alunos cancelaram assinaturas — fizeram a empre-
sa perder musculatura. Em dificuldades, ela solicitou, em
2021, o alongamento dos valores devidos aos credores. Com
o bom histórico da Bodytech, o pedido foi aceito por todos.
A história mudou em fevereiro de 2023, quando a Latache
Capital entrou em cena. O fundo, que pertence ao discreto
empresário Renato Azevedo, comprou parte da dívida de um

4|5
CLUBE DE REVISTAS

dos credores e, desde então, segundo Accioly e Urquiza, pas-


sou a impor uma série de dificuldades para a Bodytech. Entre
elas, usou uma cláusula de vencimento antecipado das dívi-
das para impedir o alongamento de uma das emissões e tra-
vou a postergação de vencimentos. Nesse episódio estranho, a
rede de academias renegociou uma dívida que está em posse
do Bradesco, avaliada em 103,5 milhões de reais. Mesmo com
o aceite do Bradesco, o principal interessado, o acordo não
saiu, já que a Latache surpreendentemente bloqueou a oferta.
No mercado, causa espanto (e desconfiança) o fato de um cre-
dor não desejar que o devedor obtenha boas condições para o
pagamento de suas dívidas. Especialmente no momento em
que a empresa dá claras demonstrações de recuperação.
Revoltada com o ataque hostil e inesperado da Latache
— cujas intenções seriam, segundo Accioly e Urquiza, que-
brar a empresa para pagar um preço irrisório por ela —, a
Bodytech decidiu ir à Justiça, ganhando as ações em primei-
ra e segunda instâncias. Procurado pela reportagem, o fun-
do abutre se defendeu. “A Latache é uma credora da Body-
tech, não apenas por meio de debêntures, mas também por
meio de cédulas de crédito bancário adquiridas no mercado
secundário”, disse a gestora. “Nesse sentido, a Latache dese-
ja o máximo sucesso para a Bodytech. A empresa pode sem-
pre contar com a Latache para avaliar alternativas de capi-
talização.” Como se vê, os abutres são ardilosos. Portanto,
seria crucial para o mercado brasileiro uma regulação mais
rigorosa para evitar comportamentos dessa natureza. ƒ

5|5
CLUBE DE REVISTAS
INTERNACIONAL ORIENTE MÉDIO

O ÓDIO MATA
No conflito entre árabes e judeus, fúria e
ressentimentos são continuamente atiçados
e se espalham pelo mundo. A solução só virá
quando se abrir uma brecha no império do rancor
RICARDO FERRAZ E AMANDA PÉCHY
JAAFAR ASHTIYEH/AFP TWITTER @VISEGRAD24

DO LADO DE CÁ Violência: DO LADO DE LÁ Mais


soldado de Israel usa a força violência: suástica na fachada
para reprimir manifestante da casa em Lyon, na França,
palestino na Cisjordânia onde uma judia foi esfaqueada

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CLUBE DE REVISTAS

A
s guerras são a mais extrema expressão da barbá-
rie e desgraçadamente não faltam exemplos de
horrores e mortandade ao longo da história. Mas
poucas vezes a violência sem limites escalou de
maneira tão vertiginosa quanto a que se observa
no duelo atual entre a força militar de Israel e os militantes
do Hamas, que acaba de completar um mês. A trágica con-
tabilidade de mortos partiu do altíssimo patamar de 1 400
pessoas massacradas no dia 7 de outubro, quando o grupo
palestino cruzou os limites da Faixa de Gaza em um devas-
tador ataque-surpresa. A resposta israelense foi deslanchar
uma ofensiva para aniquilar o inimigo que, na conta do Mi-
nistério da Saúde da superpovoada Gaza, já matou mais de
10 000 pessoas, quase metade delas crianças. Os sangren-
tos trinta dias de confronto desembocaram em uma agres-
sividade de proporção inédita no campo de batalha da opi-
nião pública, com o disparo maciço nas redes sociais de ce-
nas de execuções, bombardeios de escolas, colapso de hos-
pitais e bebês sem vida.
O mundo se repartiu entre contra e a favor, sufocando o
meio-termo e abrindo espaço para o mais virulento pre-
conceito. “A mente está cheia até a borda com nossa pró-
pria dor e não sobra espaço nem para reconhecer a dor dos
outros”, escreveu o historiador e filósofo israelense Yuval
Harari. Pairando sobre tudo, o ódio, sentimento que cega e
escraviza, vai cumprindo seu papel de aprofundar as his-
tóricas desavenças entre árabes e judeus, fazendo delas

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CLUBE DE REVISTAS

INSTAGRAM @TULANE4PALESTINE
POLARIZAÇÃO Atos pró-Palestina em Tulane
(acima) e em Harvard: o conflito entre árabes e
judeus se espalha pelas universidades americanas

JOSEPH PREZIOSO/AFP

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CLUBE DE REVISTAS

uma questão pessoal, de indivíduo contra indivíduo, com


ecos em toda parte e sem solução à vista.
Nos últimos dias, tanques e tropas cercaram a cidade de
Gaza, a maior do enclave, e iniciaram a incursão pela rede
de túneis controlada pelo Hamas. “Estamos em uma nova
etapa da guerra”, declarou o porta-voz do Exército Daniel
Hagari, ao mesmo tempo em que o secretário-geral da
ONU, António Guterres, subia o tom, afirmando que Gaza
está se tornando “um cemitério de crianças”. Discute-se a
implantação de “pequenas pausas humanitárias” nos com-
bates — as forças israelenses deram quatro horas para mo-
radores da Cidade de Gaza deixarem o local —, e as listas
para a saída de estrangeiros e feridos graves pelo Egito são
divulgadas a conta-gotas (34 brasileiros estão na fila).
Não se sabe o que será de Gaza após a ofensiva militar.
Negociações estão em curso para que a mais moderada Au-
toridade Palestina, que administra a Cisjordânia, assuma o
território, mas ela terá que conviver com a presença israelen-
se — o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu antecipou
que o país “será responsável pela segurança por um período
indefinido”. A marcha da insensatez se acelerou com a de-
claração de Amihai Eliyahu, ministro do Patrimônio — car-
go criado para acomodar a extrema direita religiosa que faz
parte do governo —, de que o uso de bombas nucleares em
Gaza “seria uma opção”. Foi afastado e desautorizado, mas
o estrago estava feito. Nada do que se discute agora sinaliza
um caminho para a paz — pelo contrário, são ações que, co-

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EILEEN T. MESLAR/CHICAGO TRIBUNE/GETTY IMAGES

MEMÓRIA Homenagem ao menino palestino de 6 anos


morto em Illinois: os extremos da radicalização

mo já aconteceu outras vezes, cristalizam raiva e ressenti-


mentos que se espalham pelo planeta.
Os casos de antissemitismo e de islamofobia mais do que
triplicaram na Europa e nos Estados Unidos no último mês.
No estado de Illinois, o menino de origem palestina Wadea
Al Fayun, 6 anos, foi esfaqueado pelo dono do apartamento
onde ele morava com a família, um septuagenário que, se-
gundo sua mulher, “escuta talk shows conservadores no rá-
dio” e andava obcecado pelo conflito no Oriente Médio. Em
Lyon, na França, uma mulher judia foi ferida a facadas por
um homem que bateu à sua porta e, para não deixar dúvida
quanto à motivação do crime, pichou uma suástica na entra-
da da casa. Estrelas de davi apareceram pintadas na fachada
de prédios habitados por judeus em Paris. No longínquo Da-

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CLUBE DE REVISTAS

guestão, país muçulmano às margens do Mar Cáspio, uma


turba invadiu o saguão de um aeroporto pretendendo linchar
passageiros que desembarcavam de Tel Aviv. “No mundo co-
nectado em que vivemos, quem já têm inclinação para a vio-
lência reforça sua visão. As pessoas estão buscando motivos
para confirmar seus preconceitos”, diz Wendy Via, cofunda-
dora do Global Project Against Hate and Extremism.
As expressões de ódio despertadas pelo conflito entre
árabes e judeus derramaram-se, com força nunca vista, pe-
las universidades americanas, um terreno minado pela po-
larização política e pelo racha talhado pela cultura woke,
que leva às últimas consequências o conceito do politica-
mente correto. Em Harvard, trinta organizações estudantis
não só condenaram Israel como abraçaram o execrável slo-
gan “Do rio ao mar, a Palestina será livre” — à primeira vis-
ta inocente, mas que embute a sumária destruição total do
Estado judeu (por repetir o desatino, Rashida Tlaib, única
deputada de origem palestina dos Estados Unidos, recebeu
um raríssimo voto de censura da Câmara). Em Cornell, ou-
tra instituição de elite, um aluno disparou nas redes sociais
ameaças de morte a estudantes judeus. Tulane, em Nova Or-
leans, foi palco de agressões generalizadas entre apoiadores
dos dois lados quando um manifestante tentou incendiar
uma bandeira de Israel. Em Stanford, na Califórnia, a polí-
cia investiga como crime de ódio a morte de um judeu nas
proximidades de um ato pró-Palestina. “O discurso, no meio
universitário, repisa que os dois povos não podem viver na-

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BETH A. KEISER/AFP

TERROR Ruínas do World Trade Center:


civis chacinados em plena Nova York

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CLUBE DE REVISTAS

quela região porque um lado representa o domínio imperia-


lista e o outro rejeita a civilização ocidental. É a islamofobia
batendo boca com o antissemitismo”, resume Michel Gher-
man, professor de história da UFRJ nascido em Israel e ta-
chado de antissemita em um debate na PUC carioca.
O antissemitismo observado nos dias de hoje é uma cha-
ga que teve origem no fim do século XIX, concentrado prin-
cipalmente na Europa. As aceleradas mudanças políticas e
econômicas da época, um processo repleto de conflitos que
iriam descambar em duas guerras mundiais, desagradaram
a nacionalistas que, em busca de um bode expiatório, atri-
buíram os problemas surgidos à minoria religiosa que con-
trolava parte das instituições financeiras — início de uma
perseguição movida pela intolerância que culminou no Ho-
locausto e nos 6 milhões de mortos pelas atrocidades nazis-
tas. A fogueira da islamofobia se acenderia meio século de-
pois, quando árabes começaram a migrar para países euro-
peus em busca de vida melhor. Ela explodiria neste século,
em que as imensas levas de imigrantes ilegais, associadas à
violência latente nas periferias pobres das grandes cidades,
desencadearam um turbilhão antimuçulmano. “O antisse-
mitismo e a islamofobia têm a mesma raiz ideológica e é jus-
tamente isso que impede que as duas vítimas se reconheçam
em pé de igualdade e possam dialogar”, ressalta Arlene Cle-
mesha, professora de história árabe da USP.
O clima de animosidade entre árabes e judeus se fez pre-
sente já na origem dos dois povos: como era comum na con-

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CLUBE DE REVISTAS
AUSTRIAN ARCHIVES/IMAGNO/APA-PICTUREDESK/AFP

HORROR Judeus sendo levados de trem para campo de


concentração nazista: barbárie movida pela disseminação do ódio

vivência das tribos naquela época, as escrituras relatam cho-


ques entre os descendentes dos dois filhos de Abraão — Is-
mael, que viria a formar a nação árabe, e Isaac, tronco do
judaísmo. “Os dois povos semitas entraram em conflito por
terras já em XVII a.C.”, relata o teólogo Jacir de Freitas, au-
tor de A História de Israel e as Pesquisas Mais Recentes.
Apesar dessas diferenças, árabes e judeus repartiram o que
é hoje a Palestina com relativa civilidade durante milênios.
O conflito do qual a guerra atual é a mais recente e mais
mortífera consequência tem como ponto de partida as movi-
mentações que resultaram na proposta, apresentada pela
ONU em 1947, de divisão da Palestina para a formação do
Estado de Israel. Nacionalistas palestinos e sionistas se mo-
bilizaram contra e a favor da partilha, a Liga Árabe tomou

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CLUBE DE REVISTAS

partido e os tiros começaram a ser disparados. Três guerras


entre israelenses e alianças militares árabes, inúmeros e hor-
ripilantes atentados terroristas e seguidas revoltas sufocadas
a bala e bombas depois, judeus e palestinos vivem no mes-
mo espaço, mas separados por uma montanha de fúria e
desconfiança. “O ódio não é a causa dos acontecimentos his-
tóricos, mas sim seu subproduto. Frequentemente políticos e
ideólogos incitam esse sentimento para ganhar poder e in-
fluência”, ensina Norman Naimark, professor de história da
Universidade de Stanford.
Sentimento inerente à condição humana, o ódio se situa
entre a raiva e o nojo, duas das seis emoções básicas univer-
sais descritas pelo psicólogo americano Paul Ekman. Ambas
têm lá sua justificativa: enquanto a raiva pressupõe ação dian-
te de algo percebido como errado ou injusto, o nojo serve para
evitar contato com perigos e ameaças — na evolução, mante-
ve humanos longe de comidas venenosas ou estragadas. “Mas
a combinação é destrutiva”, explica Robert Sternberg, profes-
sor de psicologia da Universidade Cornell. “Seu estímulo pro-
vém de narrativas falsas, que convencem as pessoas de que o
outro está roubando seus recursos e seu destino.” O psicólogo
social Aharon Levy completa: “Em uma situação de ódio en-
tre grupos, cada lado acredita que está moralmente correto,
ao passo que o inimigo é imoral e não pode mudar”.
A dinâmica do ódio já serviu de base para episódios estar-
recedores de massacres de populações. Em 1995, 8 000 mu-
çulmanos foram brutalmente assassinados por forças sérvias

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CLUBE DE REVISTAS

em Srebrenica, na Bósnia
e Herzegovina. Um ano
antes, os hútus executa-
ram 800 000 tútsis, só
por serem tútsis, em
Ruanda. No mais impac-
tante ato de terrorismo ja-

ARNE DEDERT/DPA/GETTY IMAGES


mais visto, dois aviões lo-
tados derrubaram as tor-
res gêmeas do World Tra-
de Center, em plena Nova SEM PAZ Salman Rushdie:
York, matando cerca de cabeça a prêmio, anos escondido
3 000 pessoas, todas civis. e, três décadas depois, facadas
Individualmente, o escri- que lhe tiraram a visão
tor indo-britânico Salman
Rushdie passou anos escondido, com a cabeça posta a prêmio
por citar o profeta Maomé no romance Os Versos Satânicos.
Voltou a circular e em 2022, mais de três décadas depois, um
fanático o esfaqueou. Sobreviveu, mas perdeu a visão de um
olho e teve o fígado perfurado. Por outro lado, conflitos que
pareciam impossíveis de ser contornados deixaram de existir:
franceses se reconciliaram com ingleses após séculos de en-
frentamentos, japoneses fizeram as pazes com americanos,
depois da II Guerra, alemães assumiram a responsabilidade e
se penitenciaram pelos crimes nazistas. No sofrido Oriente
Médio, resta torcer para que uma brecha se abra e a voz da ra-
zão possa um dia ser ouvida. ƒ

11 | 11
CLUBE DE REVISTAS
GENTE
VALMIR MORATELLI

AGORA, SÓ MALDADES
Acostumada a fazer mocinhas tão
fashionistas quanto sofredoras, MARI-
NA RUY BARBOSA, 28 anos, continua
bem-vestida, mas destila maldade no
papel de sua primeira vilã. Em Fuzuê, no-
vela que patina na audiência da TV Glo-
bo, ela é a esnobe e poderosa Preciosa,
personagem com quem, garante, tem
pouco a ver na vida real. “Ela é uma mu-
lher vaidosa e determinada, como eu.
Mas seus princípios são deturpados.
Passa por cima de qualquer um, en-
quanto eu trabalho de forma mais
honesta”, afirma. Um efeito colateral
das gravações foi desacelerar a
agenda lotada de viagens inter-
nacionais e as campanhas pu-
blicitárias que lhe rendem pol-
pudos cachês. “Estou gravan-
do de segunda a sábado. Mas
a produção é organizada e
INSTAGRAM @MARINARUYBARBOSA

mais para a frente tenho espe-


rança de que me deem uma folgui-
nha”, diz, conformada.

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CLUBE DE REVISTAS
INSTAGRAM @ZUCK

FORA DE COMBATE
Adepto tardio das lutas marciais, MARK ZUCKERBERG, 39
anos, depois de uma passagem pelo jiu-jítsu, mergulhou de cabe-
ça nos golpes de MMA (artes marciais mistas) — e está sentindo na
carne os efeitos do esporte de altíssimo impacto. Na legenda de
uma foto no Instagram em que aparece em uma cama de hospital,
Zuckerberg conta que foi submetido a uma cirurgia depois de rom-
per o ligamento do joelho esquerdo em um treino dito “leve” para
uma luta competitiva marcada para o início do próximo ano — e
agora adiada por tempo indeterminado. “O treino ficou um tanto
fora de controle”, admitiu o fundador do Facebook, que construiu
um ringue de luta octogonal em casa.

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CLUBE DE REVISTAS

TAL PAI, TAL FILHO


Nascido de uma relação extraconjugal de Arnold Schwarzenegger,
76, com a guatemalteca Mildred Baena, 62, então governanta da
casa em que o ator morava com a família, JOSEPH BAENA, 26,
faz questão de exibir a semelhança física com o progenitor. Sua
iniciativa mais recente nesse sentido foi visitar um museu dedica-
do a Schwarzenegger em seu país natal, a Áustria, e compartilhar
fotos imitando as poses do pai em filmes como O Exterminador do
Futuro e Conan, o Bárbaro. Modelo fitness, corretor de imóveis, DJ
e ator, Baena jura que dispensa o sobrenome insoletrável para evi-
tar comparações. “Quando vou a testes de elenco, não sabem
quem sou”, diz. Até parece.
INSTAGRAM @JOEBAENA

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CLUBE DE REVISTAS

CONEXÃO BAHIA
Em visita de quatro dias a Salva-
dor como convidada do Festival
Liberatum, evento que atua co-
mo plataforma para defender di-
versidade e inclusão, a atriz e ga-
nhadora do Oscar VIOLA DA-
VIS, 58, quis conhecer um típico
restaurante baiano. Foi levada à
Casa de Veraneio, da chef Leila
Carreiro, onde provou feijoada
de mocotó e tomou duas caipiri-
nhas, de caju com limão e de ta-
marindo. “Ela foi superdiscreta,
pagou a conta e distribuiu selfies.
Criou menos confusão do que
muita influencer que aparece por
aqui”, elogiou Paulinho Martins,
sommelier do restaurante. O ator
e produtor Julius Tennon, 69, mari-
do de Viola, aproveitou para di-
vulgar a criação da Axé, produto-
ra que terá como primeiro proje-
to um podcast sobre Zumbi dos
INSTAGRAM @LIBERATUM

Palmares. “Nosso objetivo é nos


conectar com o Brasil”, anunciou.

4|5
CLUBE DE REVISTAS

AURA SENSUAL EM ALTA


Como se não bastassem as cenas sem camisa e os beijos demo-
rados que tem dado em Terra e Paixão, onde vive o delegado Mari-
no, a aura sensual de LEANDRO LIMA, 41 anos, ganhou luminosi-
dade intensa no filme O Lado Bom de Ser Traída, da Netflix, no qual
seu personagem, o juiz Marco,
claramente inspirado no domi-
nador Christian Grey de Cin-
quenta Tons de Cinza, exibe
sequências de sexo tórrido e
nudez sem pudores. “Talvez
em alguns momentos e em al-
guns lugares eu seja sexy
para algumas pessoas.
Mas na verdade sou
meio desajeitado”, afir-
ma, modestamente, o
ator paraibano, casa-
do com a modelo Flá-
via Lucini, 34. Tirar a
roupa, no entanto, não foi
problema. “Estava gosto-
so, malhando e fazendo
FACEBOOK @LEANDROLIMA

dieta. Isso deixa a gente


mais seguro diante da
câmera”, ensina. ƒ

5|5
CLUBE DE REVISTAS
GERAL DEMOGRAFIA

A BOLA É DELAS
O imenso contingente de brasileiras em idade produtiva,
superior ao de homens, deposita em mãos femininas a missão
de liderar uma virada de página em um país que envelhece
DUDA MONTEIRO DE BARROS
MOODBOARD/GETTY IMAGES

NO FRONT Mulheres vão à luta e se equilibram entre tarefas:


faltam políticas para que elas não deixem o mercado

1|8
CLUBE DE REVISTAS

A
o longo do último meio século, as placas tectôni-
cas da demografia foram chacoalhadas com ta-
manho vigor que, de país jovem, o Brasil passou
a ser uma nação envelhecida, com todas as con-
sequências que isso traz. Do ponto de vista indi-
vidual, a possibilidade de viver mais e melhor descortina
horizontes antes impensáveis para uma população grisa-
lha que vai cruzando barreiras etárias sem perder a ju-
ventude. Quando se olha para a economia, porém, a radi-
cal mexida na composição da sociedade impõe o desafio
gigantesco de seguir movendo as engrenagens com bra-
ços cada vez mais escassos, já que as maternidades regis-
tram menos bebês — fenômeno que acompanha o cami-
nhar da humanidade noutras partes do planeta. O resul-
tado, revelam dados do Censo recém-divulgado pelo Ins-
tituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é que
aquele período áureo, no qual há mais gente em idade
produtiva do que crianças e velhos, está se encerrando
em mais ou menos uma década — e é preciso acelerar o
passo para aproveitar esta fresta que, se bem usada, pode
impulsionar o crescimento.
O tão aguardado levantamento lança luz sobre um
número surpreendente em meio a esse contingente po-
tencialmente produtivo: as mulheres formam uma maio-
ria significativa. De acordo com o IBGE, na faixa dos 15
aos 59 anos, há 8,5 milhões a mais de mentes femininas
do que masculinas, o que lhes confere um papel de altas

2|8
CLUBE DE REVISTAS

HÁ 8,5 MILHÕES MAIS


MULHERES DO QUE HOMENS EM
IDADE PRODUTIVA NO BRASIL
O CONTINGENTE FEMININO
NESTA FAIXA É DE
67 MILHÕES
Fonte: IBGE

responsabilidades. Neste cenário em que a janela de


oportunidades da demografia vai se fechando, cabe a
elas liderar a virada de página numa economia que terá
de aprender a fazer mais com menos pessoas. Para que
funcione, esse decisivo batalhão feminino precisa encon-
trar condições de abraçar a carreira junto à maternidade
e à rotina doméstica. “As nações mais ricas extraíram o
máximo do momento demográfico favorável para saltar
de patamar, enquanto o Brasil envelheceu antes de mu-

3|8
CLUBE DE REVISTAS

dar de nível”, observa o demógrafo José Eustáquio Di-


niz, que ressalta a urgência de mirar as mulheres. “Pre-
cisamos dar especial atenção a elas, para que possam ser
inseridas no mercado”, diz.
Atualmente, apenas 50% trabalham fora, um contraste
em relação à ala masculina — 70% deles estão na ativa.
Ao analisar as razões para a desocupação de um e de ou-
tro lado, se chega a um ponto-chave: a maior parte dos
homens procurou, mas não conseguiu trabalho, enquanto
muitas mulheres não deram conta de equilibrar a carreira
com tantos afazeres envolvendo casa e filhos, funções
ainda culturalmente atribuídas a elas no Brasil. O IBGE
enfatiza que esse atribulado cotidiano absorve 73% mais
tempo da fatia feminina da população na comparação
com a dos homens. “Mesmo com o avanço das pautas fe-
ministas, mulheres, sobretudo as que são mães, vivem até
hoje sobrecarregadas”, resume a historiadora Aline Bea-
triz Coutinho, da Agência Nacional de História.
Certamente a maior adesão feminina ao mercado de-
pende de uma sacolejada em antigos pilares sobre os quais
se ergue a sociedade brasileira, o que exige uma mudança
na velha mentalidade. “As que decidem pular obstáculos e
seguir com a carreira são questionadas em entrevistas de
emprego se têm filhos pequenos e como vão lidar com
tanta coisa”, lembra a historiadora Aline. Várias delas aca-
bam abatidas pelos excessos da jornada dupla ou tripla, e
desistem. Há duas décadas, com o segundo filho ainda

4|8
CLUBE DE REVISTAS

bebê, a farmacêutica
Aline Santos, 46 anos,
viu-se espremida entre
profissão e maternida-
de. Ficou com a segun-
da opção. “No ambiente
de trabalho, é como se
não tivéssemos filhos e,
em casa, a demanda é
para que sejamos mães
presentes e disponíveis,
como se não trabalhás-
semos”, resume ela, que
até tentou voltar ao
mercado, mas eis que
ARQUIVO PESSOAL

esbarrou em outra novi-


dade demográfica: a
mãe, já mais velha, fi- NO TOPO Stephany Gesser,
cou doente, e Aline, co- engenheira: “Não foi nada
mo tantas brasileiras, fácil chegar tão longe”
passou a cuidar dela.
A experiência internacional pode ajudar a iluminar o
caminho do Brasil rumo a um mercado mais inclusivo às
mulheres. Nesse campo, os países do Norte europeu, on-
de até 80% da população feminina trabalha, fornecem
boas lições. A Finlândia, pioneira nas questões de igual-
dade de gênero, oferece uma licença parental, em que

5|8
CLUBE DE REVISTAS
ARQUIVO PESSOAL

PAIS E FILHOS Aline Santos, farmacêutica: ela parou de


trabalhar para ter tempo para os filhos e agora cuida da mãe

também o homem pode pedir afastamento da função pa-


ra cuidar da prole por certo período. Assim, uma leva re-
levante de mulheres não só entra como permanece na ati-
va. Lá e em outros países da Europa, observa-se um em-
penho em erguer um sistema para que filhos pequenos
sejam assistidos quando a mãe não está, multiplicando-se
as creches, instaladas inclusive em locais de trabalho.
“Aumentar o acolhimento às crianças é política testada e
aprovada mundo afora para abrir oportunidades às mu-
lheres e alavancar o desenvolvimento”, afirma Igor Luce-
na, economista e doutor em relações internacionais.
No mercado de trabalho brasileiro, persiste um fosso
entre homens e mulheres. A diferença salarial gira em tor-

6|8
CLUBE DE REVISTAS
MACHINEHEADZ/GETTY IMAGES

DEU CERTO Finlândia: boa rede de creches


é essencial para mulheres na ativa

no de 20% em prol deles, e apenas 17% dos postos de co-


mando são preenchidos por elas. Uma conhecida forma
de combater esse nó, que tanto desestimula aquelas que
têm ambição e reconhecem a dureza da trilha rumo ao to-
po, é dar transparência à folha salarial — algo que gran-
des empresas estrangeiras já fazem. Em julho, o governo
Lula sancionou uma lei de equidade salarial que prevê
multa ao patrão que a desrespeitar. A intenção é louvável,
mas o problema está justamente na dificuldade de fiscali-
zação, já que os números são muito bem guardados no
universo corporativo. “Esse tipo de avanço tem muito
mais a ver com uma transformação da própria sociedade
do que com qualquer imposição legal”, pondera Lucena.

7|8
CLUBE DE REVISTAS

Um dado que emperra o aproveitamento do bônus de-


mográfico que nos resta é o elevado desemprego e a baixa
qualificação das jovens gerações — 20% se enquadram na
tal categoria “nem nem” (não estuda nem trabalha). A
imersão nas tarefas da casa e a gravidez são dois dos itens
elencados por mulheres nessa faixa para se afastar dos li-
vros e não apostar na carreira. “O investimento em educa-
ção voltado para esse grupo é vital para fazer a produtivi-
dade crescer”, ressalta o demógrafo Ricardo Ojima, da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Muito bem
formada, a engenheira Stephany Gesser, 32 anos, encara
oceanos — ela lidera uma equipe a bordo do navio onde
passa metade do mês. “Foi desgastante o percurso até che-
gar a um cargo alto. Estou sempre tendo que provar mi-
nha competência”, desabafa ela, que quando está em terra
firme, ao lado do marido, corre para botar tudo em dia.
“São tantas obrigações que já tive sintomas de burnout”,
conta a engenheira, que por nada desiste. Que ela e mi-
lhões de outras tenham condições para capitanear a gui-
nada de que o Brasil precisa. ƒ

8|8
CLUBE DE REVISTAS
GERAL CIÊNCIA

UM DIA PARA SEMPRE


Um novo estudo revela que a poeira mineral espalhada
pela Terra há 66 milhões de anos depois do choque de
um asteroide gigante foi o que provocou o longo
inverno que mataria 75% da fauna e da flora — episódio
crucial para entendermos os nós climáticos de hoje
LUIZ PAULO SOUZA

ADEUS, DINOSSAUROS O estrago do Chicxulub: explosão


equivalente a 4,5 bilhões de vezes à da bomba de Hiroshima

SERPEBLU/GETTY IMAGES

1|5
CLUBE DE REVISTAS

ERA O MELHOR dos tempos para os dinossauros que ha-


bitavam a Terra. E então, há 66 milhões de anos, houve o
pior dos dias. Uma enorme rocha de 12 quilômetros de lar-
gura, um asteroide hoje conhecido por um carnaval de con-
soantes e vogais, o Chicxulub, despencou dramaticamente
onde hoje está a Península de Yucatán, no México. O impac-
to — 4,5 bilhões de vezes maior do que o da bomba de Hi-
roshima — levou à extinção de 75% de todas as espécies de
plantas e animais da Era Mesozoica, inclusive os cultuados
dinossauros. A força da rocha teria liberado enxofre e ácido
sulfúrico na atmosfera, atalho para intermináveis chuvas
ácidas. O escudo barrou a entrada de luz solar, as nuvens
deixaram o ambiente escuro, impedindo o processo de fo-
tossíntese e a abrupta diminuição de temperatura, em longo
e severo inverno. Daria um filme-catástrofe — como, aliás,
deu, e muitos. Foi a senha para milhares de estudos, incon-
táveis montagens ilustrativas. O fascínio por aquela tragédia
seminal ainda hoje alimenta a humanidade, entre o enigma
e a investigação, em um mar de incertezas. Virou, é natural,
assunto pop, de permanente interesse. Faça a experiência, é
engraçado: ponha “Chicxulub” no Google. Vai aparecer um
meteoro animado, vindo da esquerda para a direita, a cami-
nho do pé da página, que chacoalha ao contato da pedra.
Aquele instante indizível não cansa de entregar segredos,
e brotou agora uma novidade que aponta para uma com-
preensão inédita. Um estudo publicado na reputada revista
Nature Geoscience informa que a poeira de sílica, ou o pó de

2|5
CLUBE DE REVISTAS
ALENKAR BENTO/500PX/GETTY IMAGES

RIQUEZA Nuvem de poeira de dióxido de silício: base para


o quartzo, topázio e ametista produzidos no mundo hoje

dióxido de silício — e não o enxofre ou o ácido sulfúrico — é


que teria acelerado e mantido o esfriamento. Em alguns tra-
balhos científicos, a sílica tinha sido posta em cena, mas foi
logo esquecida. “Tê-la na equação de volta nos deixa até
emocionados”, disse a VEJA o pesquisador-chefe do estudo,
Cem Berk Senel, do Observatório Real da Bélgica. A ex-
traordinária conclusão deu-se a partir da investigação de
partículas preservadas em um sítio geológico do estado
americano de Dakota do Norte, próximo da colisão primor-
dial. A poeira mineral, levantada depois do choque, teria fi-
cado em suspensão por até quinze anos e ela é que teria pu-
xado os termômetros em pelo menos 15 graus. “Em até qua-

3|5
CLUBE DE REVISTAS

tro anos houve um colapso das grandes espécies em decor-


rência do frio e da falta de alimentos”, diz Aline Ghilardi,
paleoecóloga e pesquisadora da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte. “É a extinção em massa mais rápida
de que temos registro.” Mas se os efeitos foram tão profun-
dos, como o um quarto de espécies restantes conseguiu pas-
sar ileso? O evento é uma das provas definitivas da teoria da
evolução. Enquanto os seres dependentes apenas de plantas
e frutos, assim como seus predadores diretos, foram mais
afetados pelo fenômeno, os animais marinhos, que demora-
ram mais para sentir o efeito do frio, e os espécimes com pa-
drões alimentares mais variados, como os então primitivos
mamíferos, tiveram mais tempo para se adaptar. Prospera-
ram, portanto, os mais resilientes.
A revelação da poeira é celebrada por enxergar o que
ocorreu lá atrás, claro, mas também por iluminar o futuro.
“O conhecimento mais profundo em torno do fenômeno nos
ajuda a compreender a morte dos dinossauros e outros ani-
mais, mas também a projetar possíveis crises climáticas”, diz
Berk Senel. Por óbvio, o que se supunha para o estrago pro-
vocado anteriormente pelo Chicxulub foi sempre relevante
— e, ressalve-se, não é o caso ainda de abandonar a tese do
enxofre e do ácido sulfúrico. Contudo, ao cravar a liberação
no ar da sílica — que, aliás, em sua forma cristalina dá ori-
gem ao quartzo, ao topázio e à ametista, e que pode ser vista
em profusão em diversos cantos do mundo —, os cientistas
conseguem ser assertivos, ao ter certeza de que as grandes

4|5
CLUBE DE REVISTAS

O IMPACTO DA ROCHA
Epicentro da queda que iniciou
o processo de extinção

E UA
Golfo do
México
LOCAL ONDE O
CHICXULUB CAIU

MÉXIC O
Cidade do México YUCATÁN

GUATEMALA

extinções são causadas por alterações drásticas da natureza.


É impossível evitá-las, mas convém não incentivá-las, daí a
importância de, hoje, manter atenção para as mudanças cli-
máticas aceleradas pelo ser humano. Eis a beleza da desco-
berta: saber o que houve há 66 milhões de anos é atalho para
enxergar o aqui e agora, olhando para a frente. ƒ

5|5
CLUBE DE REVISTAS
GERAL MOBILIDADE

EM CÉU DE
BRIGADEIRO?
Os eVTOLs, as aeronaves elétricas
apelidadas de “carros voadores”,
recebem as primeiras autorizações
para operar, mas o caminho do
futuro ainda tem obstáculos
ANDRÉ SOLLITTO

BIS Imagem em
computador de
DIVULGAÇÃO/EVE

modelo da Embraer:
como Santos Dumont

1|6
CLUBE DE REVISTAS

A IDEIA de um futuro com cidades verticais, de arranha-


céus a não mais poder, e um espaço aéreo pontuado por veí-
culos voadores corre no imaginário da civilização há muito
tempo. Henry Ford chegou a conceber um “modelo T do ar”
em 1926, que não vingou depois de acidente com um protó-
tipo. O desenho de televisão Os Jetsons, de imenso sucesso
nos anos 1960 e 1970, tornaria a brincadeira um projeto de
futuro para muita criança. Nas páginas de ficção científica
do romance Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?, de
Philip K. Dick, lançado em 1968 e levado ao cinema no Bla-
de Runner de Ridley Scott, de 1982, lá estavam eles — leves,
para lá e para cá, mas nem tão faceiros assim, um tanto as-
sustadores, porque nunca soaram naturais.
Vive-se, agora, um novíssimo momento, atalho de uma
revolução. Uma companhia chinesa, a EHang, acaba de re-
ceber aval das autoridades de aviação civil para operar co-
mercialmente — e decolar, sim — as aeronaves de uma cate-
goria batizada de eVTOL, acrônimo do inglês para electric
vertical take-off and landing (aeronaves elétricas de decola-
gem e pouso vertical), a meio caminho entre um drone e um
helicóptero, movidas a eletricidade. O modelo autorizado a
subir é autônomo, o que parece assustador, mas assim é. Voa
a quase 100 quilômetros por hora em média. Carrega dois
passageiros e tem autonomia de 30 quilômetros, antes de
precisar ser recarregado. É monitorado em solo por uma
equipe de pilotos, que pode assumir o controle em caso de
emergência. Por enquanto, a traquitana fará rotas restritas.

2|6
CLUBE DE REVISTAS

DIVULGAÇÃO

PIONEIRA Frota chinesa da EHang no pátio:


primeira permissão para voar

O pioneirismo da China, dada a capacidade de produção,


chamou atenção — pela quantidade de unidades que sairão
da linha de montagem, embora ainda não existam dados
confiáveis, mas também pela pressa em dar o.k. a veículos
sem piloto. Outros países, no entanto, optaram por estraté-
gias mais conservadoras. A Administração Federal de Avia-
ção (FAA), dos Estados Unidos, cujas diretrizes costumam
servir de referência em todo o mundo, dividiu a adoção em
etapas. Inicialmente, serão permitidas apenas aeronaves co-
mandadas por nós, seres humanos, e apenas em percursos

3|6
CLUBE DE REVISTAS

cuidadosamente certificados. “Ou seja, não será possível sair


do quintal de casa e pousar em um lugar qualquer”, diz Fla-
vio Pires, CEO da Associação Brasileira de Aviação Geral
(Abag). Os exemplares controlados remotamente, como os
orientais, são esperados apenas na próxima década. “Há um
longo caminho pela frente”, afirma Pires.
A estrada, contudo, já foi pavimentada, e não se trata
de quimera, de sonho impossível. O eVTOL é, sim, reali-
dade palpável, logo ali na esquina. As autoridades france-
sas anunciaram voos comerciais durante os Jogos Olímpi-
cos de Paris, no ano que vem. A startup Volocopter con-
firmou ter toda a documentação aprovada, e testes devi-
damente feitos, para pôr em cena o VoloCity, de dois luga-
res, também corajosamente autônomo. A ideia é que ele
faça viagens do centro da cidade para cantos de menor
aglomeração urbana nas cercanias da sede olímpica, em
pulos rápidos. Será um feito e tanto, de repercussão inter-
nacional, especialmente pelo charme da capital francesa.
Foi ali, afinal, que Santos Dumont levantou o 14-bis, em
1906. Foi ali que, em 1927, o americano Charles Lin-
dbergh fez pousar o Spirit of St. Louis, que partira do esta-
do de Nova York, nos Estados Unidos, 33 horas antes.
Não por acaso, nas imagens de divulgação, a brasileira
Embraer — que desde 2017 desenvolve esboços de eV-
TOLs e já tem uma fábrica prestes a operar, em Taubaté,
no interior de São Paulo — tratou de pôr seu aparelho, em
desenho de computador, nas cercanias da Torre Eiffel. Re-

4|6
CLUBE DE REVISTAS

DECOLAGEM AUTORIZADA
Demanda por aeronaves eVTOL deve
crescer rapidamente (tamanho do
mercado, em dólares)

35
BILHÕES
30,6
BILHÕES

8,6
BILHÕES

2022 2027 2034

Fontes: Global Market Estimates, Verified Market Research

5|6
CLUBE DE REVISTAS

mete a Santos Dumont, remete de algum modo a Lin-


dbergh. A companhia brasileira, animada com o mercado,
que pode chegar a 35 bilhões de dólares em 2034 (veja no
quadro), criou uma subsidiária dedicada exclusivamente
aos “brinquedos”, a Eve Air Mobility.
A expectativa é grande. A tecnologia existe. As agên-
cias reguladoras se mexem para acelerar as regras de se-
gurança. Mas só haverá avanços reais, em céu de briga-
deiro, se os eVTOLS funcionarem, em futuro breve, como
táxi-aéreo. Será? A aposta é que ocupem lugar de viagens
curtas. Nos Estados Unidos, apenas 8% dos deslocamen-
tos entre 150 e 800 quilômetros são feitos em aeronaves
ou helicópteros. Na Europa, somente 4%. O espaço de ex-
pansão está aberto, mas há outro nó: o preço. Estima-se
que o transporte possa chegar a 7 dólares por quilômetro.
É muito. Ainda assim parece não haver dúvida: há algo no
ar além dos aviões e helicópteros. ƒ

6|6
CLUBE DE REVISTAS
GERAL NUTRIÇÃO

SABOROSAS
E SAUDÁVEIS
Uma revisão de vários estudos confirma e
amplia a ação das frutas nativas na prevenção
de doenças — um bom motivo para celebrar
nossa biodiversidade DIOGO SPONCHIATO
GODONG/GETTY IMAGES

VITAMINADA Acerola: bem adaptada ao solo brasileiro,


popularizou-se e ganhou fama como fonte de vitamina C

1|6
CLUBE DE REVISTAS

AÇAÍ, ACEROLA, baru, buriti, goiaba, jabuticaba, juçara e


maracujá são exemplares de “uma flora estranha, perfumo-
sa e cativante”, para usar as palavras de Luís da Câmara
Cascudo no clássico História da Alimentação no Brasil. Na-
tivas ou adaptadas a esta terra onde se plantando tudo dá,
são frutas que, além de símbolos da biodiversidade e da die-
ta brasileira, conquistaram nos últimos tempos lugar de des-
taque nos meios científicos devido à riqueza de seus nutrien-
tes. Pois esse tesouro de benefícios à saúde é ainda mais re-
luzente do que se pensava, como demonstra uma robusta re-
visão e compilação de pesquisas já realizadas assinada por
uma equipe da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

FEIRA DAS VARIEDADES


Além do açaí e da acerola, outras frutas avaliadas
na pesquisa da Universidade Federal da Paraíba são:

MARACUJÁ
Celebrado pelo efeito calmante, reúne
fibras que ajudam a aplacar inflamações
no intestino e a equilibrar a microbiota

GOIABA
Outro reduto de fibras, também é uma das
frutas mais ricas em vitamina C. O ideal é
consumir o fruto ao natural, não na forma
de doces ou sucos industrializados

2|6
CLUBE DE REVISTAS

Após analisar uma série de experimentos em laborató-


rio e estudos clínicos, os especialistas constataram que,
em comum, essas frutas comuns, mas não amplamente
consumidas no país, contêm substâncias capazes de inter-
ferir positivamente na microbiota — o ambiente em que
vivem os microrganismos intestinais — e na prevenção de
doenças crônicas, como diabetes e problemas cardiovas-
culares. Espécies aparentemente diversas, como buriti e
goiaba, concentram fibras e compostos bioativos que con-
tribuem para o equilíbrio do aparelho digestivo, ao ali-
mentar bactérias benfeitoras que moram nele — com re-
percussões diretas e indiretas na saúde humana. “En-

JABUTICABA
A casca está repleta de antocianinas,
pigmento que, no corpo humano, resguarda
as células contra o estresse oxidativo, ponto
de partida de doenças

BARU
Abundante no Cerrado, sua castanha
é uma alternativa a amêndoas e
avelãs. Experimentos mostram seu
potencial de baixar o colesterol

3|6
CLUBE DE REVISTAS

quanto as fibras melhoram o trânsito intestinal e aumen-


tam a sensação de saciedade, os compostos bioativos in-
duzem respostas antioxidantes e anti-inflamatórias ao
modular a microbiota”, explica Marcella Garcez, diretora
da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran).
Na prática, a ingestão regular dos frutos tipicamente
brasileiros, in natura ou quase, atenua processos fisiológi-
cos que, com o envelhecimento e os estresses do cotidia-
no, conspiram para impulsionar um leque de condições
que vai de câncer a males cardíacos. “Optar por frutas na-
tivas é uma forma de quebrar a monotonia alimentar as-
sociada a uma dieta desbalanceada. Ainda por cima, os

BURITI
O fruto da planta citada
em obras de Guimarães
Rosa é nutritivo

JUÇARA
Os frutinhos da
palmeira da Mata
Atlântica contêm
grande quantidade
de antioxidantes

4|6
CLUBE DE REVISTAS

preços são muitas vezes mais acessíveis para a popula-


ção”, diz a nutricionista Lara Natacci, da Sociedade Brasi-
leira de Alimentação e Nutrição (Sban). Açaí, jabuticaba e
companhia são ainda um meio saboroso e simples de
cumprir a meta de consumo diário de vegetais estipulada
pela Organização Mundial da Saúde (OMS): cinco por-
ções, ou 400 gramas, de frutas e hortaliças.
O açaí, principalmente, se destaca entre as frutas nati-
vas como uma força da natureza. A polpa roxa típica da
Região Norte servida em potes em boa parte do mundo
não só reúne predicados nutricionais como representa
uma força econômica pujante: em 2022, o Pará, que res-
ponde por 90% da produção no país, exportou mais de
8 000 toneladas, movimentando mais de 130 milhões de
reais. A jabuticaba, por sua vez, conhecida lá fora como
Brazilian berry, impressiona pela cota de antocianinas, o
pigmento que lhe dá a cor escura e presta serviços essen-
ciais às células — supera, nesse quesito, a uva e o vinho
tinto. Enquanto isso, o baru, uma castanha natural do cer-
rado, tem se revelado, em pesquisas conduzidas na Uni-
versidade Federal de Goiás (UFG), um tremendo aliado
no controle do colesterol alto e na proteção das artérias.
Diversidade, palavra-chave da conservação do meio
ambiente, aplica-se também à manutenção de uma dieta
adequada. Dar mais espaço às frutas nacionais no dia a
dia, além de saudável, estimula a economia local e cola-
bora para a preservação das espécies e de seus hábitats.

5|6
CLUBE DE REVISTAS
ANDERSON MATOS/GETTY IMAGES

PARA DAR E VENDER Açaí: destaque


nas exportações do Pará, o maior produtor

Entre os cientistas, é consenso que a concentração no cul-


tivo de um pequeno número de produtos alimentares (la-
ranja e soja, por exemplo) limita a renovação do solo e o
uso de práticas ecologicamente mais sustentáveis. Ao va-
lorizarmos e saborearmos as frutas nativas, beneficiamos
a saúde — e o planeta também. ƒ

6|6
CLUBE DE REVISTAS
GERAL HISTÓRIA
MUSEU DO PRADO

POPULAR Jovem e idealista: Sebastião era símbolo


de renovação em Portugal

FAKE NEWS COLONIAL


Livro analisa o mito em torno da volta triunfal de
dom Sebastião, o rei português morto em batalha —
crença que estimulou impostores e populistas
ALESSANDRO GIANNINI

1|5
CLUBE DE REVISTAS

JOVEM, IDEALISTA e extremamente católico, dom Se-


bastião, o Desejado, reinou em Portugal, na segunda meta-
de do século XVI, com forte apoio da população, que de-
positava nele a esperança de renovação e de um futuro
promissor para o país. Imbuído de seu destino heroico, o
rei comandou em pessoa uma expedição militar para com-
bater os mouros no norte da África — e morreu na batalha
de Alcácer-Quibir, no Marrocos, em 4 de agosto de 1578,
aos 24 anos, desencadeando uma crise sucessória na corte
e na Península Ibérica. Avistado pela última vez embre-
nhando-se a cavalo no meio das tropas inimigas, dom Se-
bastião sumiu na batalha e virou lenda. Seus restos seriam
reconhecidos no dia seguinte por nobres que o acompa-
nhavam e confirmaram a morte, mas há quem duvide até
hoje da veracidade desses fatos — dúvida plantada em Lis-
boa através de rumores de que o rei estava vivo e voltaria
para livrar o reino dos oportunistas. No recém-lançado
Morte e Ficção do Rei Dom Sebastião (Tinta da China Bra-
sil), o sociólogo português André Belo destrincha o famo-
so episódio que, sob o olhar de hoje, tem todos os ingre-
dientes de uma monumental fake news histórica.
Os restos de dom Sebastião, transmutado em O Enco-
berto, foram resgatados quatro anos depois de sua morte e
repousam no Mosteiro dos Jerônimos, em Lisboa, mas
persiste a crença de que o mausoléu faz parte de uma teia
de invencionices que abrange os testemunhos e documen-
tos oficiais. “Basta haver notícia para haver falsas notícias”,

2|5
CLUBE DE REVISTAS
CASA DA MOEDA-LISBOA

SUMIÇO Campanha na África: derrota na batalha


de Alcácer-Quibir

ressalta Belo. “Elas sempre existiram na história humana.”


O desaparecimento do rei abriu caminho para a formação
da União Ibérica, que reuniu Portugal e Espanha sob o do-
mínio da Casa dos Habsburgos, situação que perdurou até
1640, quando a família real portuguesa retomou o trono.
Descontentes com o predomínio espanhol na nova confi-
guração, opositores portugueses foram os primeiros a in-
centivar o chamado sebastianismo, que depois foi sendo
reciclado e aplicado a diferentes personagens e em mo-
mentos difíceis. Dom João IV, que devolveu o trono portu-
guês à Casa de Bragança, era considerado uma espécie de

3|5
CLUBE DE REVISTAS

Sebastião redivivo pelo pa-


dre Antônio Vieira, figura
de grande influência na
corte. Os ataques de Napo-
leão Bonaparte, entre 1808
e 1811, quando dom João
VI e a família real fugiram
para o Brasil, fizeram re-
nascer o mito heroico na

MUSEU DO PRADO
resistência dos portugueses
aos franceses. “Simplifi-
cando muito, foi em mo- IMPOSTOR Catizone:
mentos de crise que se re- falso dom Sebastião foi
correu ao sebastianismo”, condenado à morte
resumiu Belo a VEJA.
O sebastianismo é, na análise do sociólogo português,
uma forma de messianismo que assumiu várias “encarna-
ções” desde que foi criado e foi seguidamente usado para
impulsionar ideias e personagens populistas. O livro repro-
duz em detalhes um episódio ocorrido em 1598, quando o
calabrês Marco Tulio Catizone surgiu em Veneza dizendo
ser o rei português morto (embora sequer falasse o idioma)
e recorrendo a textos considerados proféticos. O suposto re-
torno foi divulgado em panfletos e livros publicados pelos
expatriados envolvidos na fabricação do enredo. Exposto
como impostor, Catizone foi preso em 1603 e condenado à
morte — viria a ser executado na Espanha, em 7 de agosto

4|5
CLUBE DE REVISTAS

daquele ano. “Detive-me sobre


este caso porque considero que
foi ele que criou as principais
bases para a persistência do
sebastianismo posteriormen-
te”, explica Belo.
No século XIX, chegou-se
a proclamar o fim do fenôme-
no. Mas intelectuais e políti-
cos portugueses trataram de MORTE E FICÇÃO DO
desenterrá-lo mais uma vez, REI DOM SEBASTIÃO,
dando-lhe uma nova roupa- de André Belo (Tinta da
gem. A mitologia sebastianis- China Brasil; 288 páginas;
ta foi alimentada, nos tempos 90 reais)
da ditadura de António Sala-
zar (1889-1970), para exaltar nacionalismos e assegurar
um confortável conformismo social. No Brasil, o adepto
mais conhecido da lenda do retorno do rei foi Antônio
Conselheiro, que em suas pregações aos seguidores na re-
volta de Canudos (1896-1897), no sertão baiano, afirma-
va que dom Sebastião voltaria para acabar com a monar-
quia no Brasil. Aos poucos, porém, o mito foi perdendo o
brilho. “Na minha interpretação, o sebastianismo não
tem de modo algum a importância que já teve, ao menos
na parte política”, sentencia Belo. Na ausência de rigor
científico e documentação histórica, nenhum mito, vivo
ou morto, consegue parar de pé. ƒ

5|5
CLUBE DE REVISTAS
GERAL MODA

ELA ERA SURREAL


Nos cinquenta anos da morte da revolucionária estilista
Elsa Schiaparelli, o legado da maior rival de Coco Chanel
segue mais vivo do que nunca SIMONE BLANES
REPRODUÇÃO

MELHORES AMIGOS Elsa Schiaparelli


e Salvador Dalí: estética surrealista

1|5
CLUBE DE REVISTAS

ÍCONE DO SURREALISMO, o pintor Salvador Dalí


(1904-1989) dizia que a confusão tinha de ser criada siste-
maticamente, já que serve de motor à criatividade. “Tudo
o que é contraditório cria vida”, pregava o espanhol, que
pontuava sua obra com imagens bizarras e toques oníricos.
São palavras que podem não significar muito para a ala da
humanidade mais afeita à estabilidade das regras da ele-
gância, mas acendem a imaginação de mentes inquietas
como a da estilista italiana Elsa Schiaparelli — não por
acaso, uma das melhores amigas de Dalí. No cinquentená-
rio de sua morte, a irreverência de seus desenhos ganham
fôlego renovado, influenciando designers e celebridades
planeta afora e batendo de frente com a escola mais sóbria
de sua grande rival, a francesa Coco Chanel.
Envolta na estética surreal, Schiaparelli firmaria uma
parceria com o próprio Dalí, decisiva para sua carreira e le-
gado. Junto ao pintor, ela assinou obras lendárias, como o
vestido-esqueleto, o chapéu com formato de sapato, a bolsa-
telefone e o rebelde modelito com estampa de lagosta, exibi-
do sob holofotes por ninguém menos que a então Duquesa
de Windsor, Wallis Simpson, a mulher que fez o rei Eduardo
VIII abdicar do trono britânico. Controvérsias assim eram
expressão da postura inquieta de Schiap, como era conheci-
da, antes mesmo de se embrenhar no mundo da moda.
Nascida em Roma, em 1890, a estilista veio de uma fa-
mília intelectual com raízes aristocráticas. Com persona-
lidade forte, estudou filosofia e, aos 21 anos, após publicar

2|5
CLUBE DE REVISTAS

VISUAL POLÊMICO Kylie Jenner, Anitta e Lady Gaga


(da esq. para a dir.): no fã-clube da grife criada pela italiana

poemas eróticos inspirados na ninfa grega Aretusa, escan-


dalizou os pais, que a despacharam para um convento na
Suíça, de onde fugiu depois de uma greve de fome. Foi pa-
ra Londres, onde conheceu o teosofista William Wendt de
Kerlor, com quem se casou e se mudou para Nova York.
No navio, fez amizade com Gabrièle Picabia, mulher do
pintor francês Francis Picabia, que a apresentou a outros
artistas de renome. Em 1922, separada e com uma filha
pequena, Schiaparelli regressou à Europa, aterrissando em
Paris, onde encontrou Paul Poiret, o imperador da moda
na década de 1920. Era a faísca que faltava para a italiana
adentrar o universo fashion.
FOTOS JACOPO RAULE,AXELLE/BAUER-GRIFFIN,TASOS KATOPODIS/GETTY IMAGES

3|5
CLUBE DE REVISTAS

Visionária e autodidata,
passou a desenhar roupas
com olhar artístico, muitas
vezes com tons ou contor-
nos que se despregavam do
esperado. “Ela era uma
vanguardista”, afirma a
consultora de moda e com-
portamento Gloria Kalil.
Sem receio de espantar ou

REPRODUÇÃO
incomodar, foi incorporan-
do o surrealismo à alta-cos- VIROU CAPA
tura, movimento que lhe Reconhecimento: primeira
trouxe colaborações de pe- mulher estilista na Time
so, como as com Jean Coc-
teau, Alberto Giacometti e o próprio Dalí. Concebeu desig-
ns inovadores, como o primeiro pulôver em trompe-l’oeil,
técnica que gera ilusões de óptica, e peças inéditas adorna-
das por zíper, metal e plástico, que atraíam estrelas do ci-
nema do porte de Marlene Dietrich e Katharine Hepburn.
Outra contribuição atribuída a Schiaparelli é a invenção
do rosa-choque, cor com a qual cobriu o frasco do perfume
Shocking — o formato, dizia, era inspirado no corpo da
atriz Mae West. Tantas ousadias a levaram à capa da revis-
ta Time, em 1934, e a colocaram em rota de colisão com
Coco Chanel, que a chamava de “aquela italiana que faz
roupas”. Schiap, por sua vez, disparava que Chanel era

4|5
CLUBE DE REVISTAS

“uma chapeleira que se levava muito a sério”. “Havia uma


rivalidade para além da profissão, quase que uma disputa
de classes”, define Gloria, explicando por que a francesa
levou vantagem. “Ela inventou peças que funcionam até
hoje, como o pretinho básico, e conquistou popularidade,
enquanto Schiaparelli era exótica demais.” Sua intenção
era mesmo chocar, muito mais do que vender.
As peças da marca que levam seu nome, atualmente sob
a assinatura do americano Daniel Roseberry, seguem a
mesma toada — entre elas, o polêmico vestido com a cabe-
ça de leão usado por Kylie Jenner no desfile da grife no co-
meço do ano. Não é por menos que o atual fã-clube de
Schiaparelli atrai contestadoras em busca de palco como
Lady Gaga, que elegeu um modelo preto e rosa-choque pa-
ra a posse do presidente Joe Biden, e Anitta, que desfila a
grife em tapetes internacionais. Nos cinquenta anos da
morte de Elsa Schiaparelli, em 13 de novembro de 1973,
está claro que ela extrapolou o rótulo de “rival da Chanel”.
Trata-se, na verdade, de nome incontornável na história da
moda, tendo influenciado outros gigantes, como Hubert de
Givenchy e Yves Saint Laurent, e ainda hoje revelando vi-
gor para sacudir o guarda-roupa. Afinal, como ela mesma
gostava de dizer: “Em tempos difíceis, a moda é sempre
ultrajante”. ƒ

5|5
CLUBE DE REVISTAS
GERAL ARTES PLÁSTICAS

ESCONDERIJO
ILUSTRE
Aberta pela primeira vez ao público,
“sala secreta” que abrigou Michelangelo durante
fuga dos Médici ilumina período conturbado
da vida do gênio da Renascença
AMANDA CAPUANO

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CLUBE DE REVISTAS

CLAUDIO GIOVANNINI/AFP
ESTUDOS
Ao lado, a sala
secreta
FRANCESCO FANTANI/MUSEO CAPPELLE MEDICE

de Michelangelo;
acima, a cabeça
de Laocoonte:
rascunhos
inestimáveis

EM NOVEMBRO de 1975, o então diretor do Museu das


Capelas dos Médici, em Florença, Paolo Dal Poggetto, so-
licitou a um restaurador que fizesse alguns testes em um
corredor estreito abaixo da Sacristia Nova, a fim de verifi-
car a possibilidade de criar ali uma nova passagem de saí-
da. Naquelas paredes, sob duas camadas de gesso, o pro-
fissional encontrou uma série de esboços traçados com
madeira carbonizada — rascunhos de semelhança notável
com os traços do mestre renascentista Michelangelo (1475-
1564). Com modestos 10 metros de comprimento, 3 de lar-

2|5
CLUBE DE REVISTAS

gura e 2,5 de altura, o local desvendou um antigo mistério:


em meados de 1530, Michelangelo desapareceu fugindo da
ira da poderosa família Médici, que ordenou sua persegui-
ção e morte — e o local batizado de “sala secreta” foi seu
esconderijo por dois meses. A descoberta inestimável será,
enfim, aberta pela primeira vez para visitação pública a
partir do dia 15 de novembro.
Os desenhos remetem a estudos anatômicos e trabalhos
feitos pelo artista antes da fuga. Está ali, por exemplo, uma
análise da cabeça de Laocoonte, estátua clássica encontra-
da em 1506 que serviu de inspiração para a estética do pin-
tor, escultor e arquiteto florentino. “É um ambiente peque-
no e único pelo seu potencial evocativo. As paredes con-
têm esboços numerosos, a maioria de formato monumen-
tal, que atesta uma grande clareza de design”, diz Frances-
ca De Luca, curadora do museu. Mais do que o encanto
causado pelos rascunhos em si, a sala ilumina parte da his-
tória de Florença a partir da relação de amor e ódio entre
Michelangelo e os Médici, que governaram a região e in-
fluenciaram a Igreja Católica por quase dois séculos.
Talentoso desde muito jovem, o artista foi educado den-
tro da corte a convite de Lorenzo de Médici (1449-1492) e
serviu a diversos líderes e a dois papas do clã, Leão X
(1475-1521) e Clemente VII (1478-1534). Foram os clérigos,
inclusive, que encomendaram a Michelangelo a sacristia
nova, para servir de mausoléu à família. Os trabalhos para
a construção se iniciaram em 1521, mas foram suspensos

3|5
CLUBE DE REVISTAS
HERITAGE IMAGES/GETTY IMAGES

MONDADORI/GETTY IMAGES
AMOR E ÓDIO Michelangelo (à esq.)
e Clemente VII (à dir.): relação conturbada

em 1527, quando os Médici foram perseguidos e expulsos


de Florença. Durante o curto governo republicano que rei-
nou na ausência deles, Michelangelo virou as costas aos
seus mecenas e passou a atuar como engenheiro das forti-
ficações da cidade. Quando a família retornou ao poder,
em 1530, ele foi colocado na lista de traidores de Baccio
Valori, representante do Papa Clemente VII designado co-
mo governante da cidade.
Na biografia Michelangelo, His Epic Life, o autor Martin
Gayford conta que o tribunal local enviou representantes à
casa do artista para prendê-lo. Reviraram tudo, mas ele já
não estava lá. “A cautela de Michelangelo o salvou”, atesta

4|5
CLUBE DE REVISTAS

Gayford. A essa altura, o artista já estava em fuga. Giovan


Battista Figiovanni, prior da Basílica de São Lourenço, foi
quem o abrigou na sala subterrânea. O clérigo relatou certa
vez que um parente de Valori recebeu a tarefa de rastrear e
matar Michelangelo, mas nunca o encontrou. Meses de-
pois, com os Médici já bem estabelecidos no poder, Cle-
mente VII ordenou que Michelangelo fosse encontrado e,
caso se provasse disposto, retomasse as obras na sacristia.
Com o perdão da família, ele voltou a trabalhar na capela
dos Médici, mas teria sido movido “mais pelo medo do que
pelo amor”, contou o escritor italiano Ascanio Condivi
(1525-1574). Com a morte de Clemente VII, em 1534, Mi-
chelangelo deixou Florença e partiu para Roma. Lá, con-
cluiria ainda uma última missão deixada pelo papa: antes
da morte, o pontífice encomendou a ele o afresco O Juízo
Final, que recobre o altar da Capela Sistina.
Em Florença, deixou oculto sob camadas de poeira o
quarto que lhe serviu de refúgio e de tela durante meses de
perseguição. Até 1955, tratava-se de um depósito de car-
vão. Nas duas décadas seguintes, a sala ficou fechada sob
uma escotilha coberta por guarda-roupas, móveis e tralhas
empilhadas. Finalmente restaurado, o local receberá qua-
tro pessoas por vez. O número limitado deve-se à necessi-
dade de proteger os desenhos e manter condições de con-
servação adequadas, como a intercalação de luz LED com
períodos prolongados de escuridão. Todo cuidado é pouco
com o ilustre esconderijo. ƒ

5|5
CLUBE DE REVISTAS
PRIMEIRA PESSOA

RENATO PARADA/INTRINSECA

1|5
CLUBE DE REVISTAS

EU ME ACEITEI COM
AJUDA DOS LIVROS
O advogado e influenciador literário Pedro
Pacífico, 30 anos, fala sobre o papel das obras
na autodescoberta como gay

OS LIVROS FORAM DECISIVOS no meu processo de


autoaceitação como homem gay. Nasci em São Paulo,
cresci em uma bolha muito tradicional, sou formado em
direito. Não queria ser diferente. Nos ambientes em que
vivia, isso significava ser alvo de bullying — por isso sem-
pre tentei, ao máximo, me encaixar no chamado “padrão”.
Comecei a me aproximar dos livros mais tarde na vida, já
no final da faculdade, ao descobrir que havia comunida-
des nas redes sociais dedicadas ao tema. Foi quando criei

2|5
CLUBE DE REVISTAS

o perfil @Book.ster no Instagram, em 2017, voltado para


indicações e resenhas de livros. Hoje tenho mais de
460 000 seguidores, e venho incentivando o hábito da lei-
tura na vida das pessoas. Neste ano, lancei meu livro de
memórias, Trinta Segundos sem Pensar no Medo (Intrín-
seca), que retrata minha jornada de autodescoberta com o
amparo dos livros e alcançou posição de destaque na lista
dos mais vendidos.
A leitura, bem como a comunidade virtual de leitores,
me mostrou que a diversidade, em todas as suas formas, é
algo a ser celebrado. Na época em que criei o perfil, ainda
tentava reprimir os conflitos internos sobre minha sexua-
lidade. Fui me aceitando aos poucos, conforme conhecia e
me identificava com diferentes personagens, LGBTs ou
não, e suas angústias, medos, vergonhas, o sentimento de
não poder falar o que pensa, de estar em constante sensa-
ção de alerta. Os livros também me ajudaram em ques-
tões de saúde mental, pois cheguei a enfrentar crises de
ansiedade muito fortes. Por meio de títulos como A Redo-
ma de Vidro, de Sylvia Plath, percebi que não estava sozi-
nho em meu sofrimento.
Hoje tenho 30 anos. Me aceitei como homem gay aos
27, no começo de 2020, quando conheci meu primeiro na-
morado e me apaixonei loucamente. Percebi que queria
viver aquilo, e não me importava mais com o que os ou-
tros poderiam pensar. Em janeiro de 2021, depois de me
abrir para a família e amigos, publiquei um vídeo contan-

3|5
CLUBE DE REVISTAS

do que era gay. Passei a receber muitas mensagens, e isso


abriu um canal de comunicação importante com meus se-
guidores. Queria mostrar que eu estava feliz comigo mes-
mo e poder ser uma referência para jovens como eu havia
sido um dia. Por isso quis escrever o livro, também. Além
do trabalho como influenciador, sigo advogando. Tenho o
privilégio de estar bem estabelecido em um escritório que
tem gente de mente aberta. O ambiente corporativo pode
ser bastante intimidador e preconceituoso. É difícil ver-
mos grandes executivos e advogados falando abertamen-
te sobre serem gays, com a naturalidade necessária. Tento
sempre tratar dessa forma.
Dedico o livro a meu padrinho e aos silenciados. Há
um capítulo sobre ele. Meu padrinho é meu tio-avô, um
homem gay de 94 anos que nunca tratou disso aberta-
mente. Era um tabu enorme na família. Depois que ele
viu os vídeos sobre minha sexualidade, surgiu uma aber-
tura e pudemos conversar sobre a vida dele. Ele diz sentir
grande felicidade em ver que eu estou vivendo o que ele
não pôde. Me machuca pensar o quanto a história dele
representa a de muitos. Desde então, pessoas da família
me agradecem por ter rompido essa barreira. No lança-
mento do livro em São Paulo, meu tio foi aplaudido quan-
do chegou. Ele está sentindo pela primeira vez um orgu-
lho, ainda que cheio de restrições, sobre ser quem ele é.
Para mim, isso não tem preço. Por isso a representativi-
dade é tão importante.

4|5
CLUBE DE REVISTAS

Gosto de falar sobre o valor da leitura, sobretudo da


literatura de ficção, para que o tema saia da bolha. O
Brasil é um país que pouco lê, o acesso aos livros é com-
plicado pela desigualdade. Mesmo entre os privilegia-
dos, as pessoas não têm intimidade com as obras. Sou
prova de que elas ensinam muito sobre entender e valo-
rizar as diferenças. ƒ

Depoimento dado a Gabriela Caputo

5|5
CLUBE DE REVISTAS
CULTURA TELEVISÃO

RONDAS EM SÉRIE
No rastro do universo das tramas policiais brasileiras,
novas produções da Netflix e do Prime Video abordam com
olhar humanizado a vida de agentes da Polícia Federal e da
estigmatizada PM carioca — sem esconder o lado polêmico

KELLY MIYASHIRO

FORÇA TÁTICA DNA do Crime: dramas


pessoais em meio à caça a criminosos

GUILHERME LEPORACE-ALISSON LOUBACK/NETFLIX

1|6
CLUBE DE REVISTAS

O
policial federal Benício (Rômulo Braga) está se-
dento por vingança: seu melhor amigo e colega de
trabalho foi assassinado durante uma fuga em
massa de um presídio em Foz do Iguaçu. Logo, o
agente se dedica a investigar uma quadrilha de as-
salto a bancos na fronteira com o Paraguai, a qual pode es-
tar envolvida no resgate dos detentos. Em outra ponta da
equipe, Suellen (Maeve Jinkings) acaba de voltar da licença-
-maternidade e está mais do que disposta a provar seu valor
dentro da corporação. Para isso, ela não se furta a arriscar a
própria vida, enquanto é sujeita a trabalhar com Benício, do-
no de um gênio forte e com gosto por quebrar os protocolos.
A dupla de protagonistas de DNA do Crime, primeira sé-
rie policial brasileira da Netflix, que estreia na terça-feira 14,
ecoa a fórmula dos dramas do gênero americanos bem co-
nhecidos por aqui: no caso, os parceiros opostos que preci-
sam se ajudar para prender criminosos — e, de preferência,
sobreviver. Mas a receita, é claro, tem nuances tropicaliza-
das e explora todas as peculiaridades da realidade brasilei-
ra, como a corrupção dentro das forças de segurança, o uso
desmedido de violência, a falta de treinamento adequado
para enfrentar bandidos cada vez mais organizados e a eter-
na discussão dentro da sociedade sobre qual a dose necessá-
ria de repressão para lidar com o problema. A ideia que ele-
va os agentes da lei a salvadores da pátria, aliás, foi o motor
que impulsionou o fenômeno Tropa de Elite, de José Padi-
lha, em 2007 — o diretor, porém, garante que parte do pú-

2|6
CLUBE DE REVISTAS

RACHEL TANUGI/AMAZON PRIME


MIRA FALHA PM mata inocente em
Amar É para os Fortes: cotidiano em cena

blico fez uma leitura errônea da trama, afinal, o truculento


Capitão Nascimento eternizado por Wagner Moura não é
nenhum modelo de comportamento a ser aplaudido.
Agora, no caso da leva vigorosa de séries de TV produzi-
das dentro do universo do streaming, a proposta é tratar
com lentes humanizadas, mas críticas, o complicado ofício
de ser um policial no Brasil — sem classificá-los como moci-
nhos, nem vilões. DNA do Crime reforça o time que já conta
com as eletrizantes Arcanjo Renegado e A Divisão, ambas
no Globoplay, a primeira sobre um policial rebelde do Bope,
a segunda sobre uma divisão antissequestro no Rio. No pró-
ximo dia 17 estreia no Prime Video a inédita Amar É para os
Fortes — criação de Antonia Pellegrino, Camila Agustini e
do rapper Marcelo D2, que se propõe a ser a mais imparcial
entre elas. Na trama, um PM mata um garoto inocente de 11
anos, em uma ação desastrosa na comunidade da Maré, no

3|6
CLUBE DE REVISTAS

Rio de Janeiro. A partir daí, o roteiro acompanha de forma


sensível as consequências da tragédia tanto na vida da famí-
lia da vítima quanto na do policial — ambas formadas por
pessoas negras, um catalisador extra na tensão racial paten-
te entre agentes da lei e moradores de comunidades pobres
do Rio. “Nessa guerra que a gente vive, que afeta tantas fa-
mílias, não tem nenhum vencedor”, disse Marcelo D2 a VE-
JA (leia mais ao lado).
Ao equilibrar os dois lados, Amar É para os Fortes tenta
não só causar empatia entre os críticos mais duros da polí-
cia, como também levar à reflexão quem a defende cega-
mente. Tal efeito reverbera entre os atores das produções do
gênero. “Ser um policial é estar em um lugar de risco per-
manente”, afirma Maeve Jinkings, de DNA do Crime. “Sair
de casa sem saber se vai voltar é uma coisa que não passa
pela minha cabeça sendo atriz. Após interpretar a Suellen,
eu olho para esse ofício de outra forma.”
A série do Prime Video também aposta nas nuances des-
sa realidade. Ali, a mãe do garoto morto, Rita (Tatiana Ti-
burcio, excelente), entra em uma luta desenfreada por justi-
ça, trajetória que passa por enormes empecilhos, como a for-
ça das milícias e do sistema corrupto e de autoproteção poli-
cial. Já o jovem policial que efetuou o disparo cai nessa teia
por medo de desapontar a mãe dona de casa e o pai, que em
breve assumirá o cargo de corregedor da PM. “Às vezes, a
gente fica sem conseguir escolher um lado mesmo”, diz D2.
A Divisão, que acaba de ganhar uma terceira temporada, vai

4|6
CLUBE DE REVISTAS

“NESSA GUERRA,
NINGUÉM GANHA”

GUITO MORETO/AG. O GLOBO


O rapper Marcelo D2, cocriador
de Amar É para os Fortes, fala
sobre a produção e lamenta os
RESISTENTE D2: “Eu quero
conflitos constantes nas comu-
mirar um Brasil sem violência”
nidades do Rio.

Na série, um policial mata acidentalmente um menino ino-


cente em uma operação na Maré (RJ). Por que quis mos-
trar as consequências da tragédia não só na vida da famí-
lia da vítima, como na do PM também? A ideia era expor que
nessa guerra que a gente vive, que afeta tantas famílias, não tem ne-
nhum vencedor. Só piora e morre mais gente. A polícia do Rio é a que
mais mata, mas também é a que mais morre. Essa estatística não é
boa para ninguém.

A trama também aponta como as milícias cariocas asso-


lam a cidade. Consegue vislumbrar um fim para esse pro-
blema? Eu nasci e cresci nesses subúrbios e só vi piorar até agora,
mas, como artista, quero enxergar o copo bem cheio. É complicado
que a milícia está tomando a política de assalto. Mas eu tenho cinco fi-
lhos e quero mirar um Brasil sem violência.

Por que acha que esse gênero de séries policiais faz tanto
sucesso no Brasil? Eu acho esse universo da lei fascinante e acre-
dito que faça parte da identidade cultural brasileira. Por isso o interes-
se por essa dualidade de como a polícia age para nos defender, ou não.

5|6
CLUBE DE REVISTAS

CÉSAR DIÓGENES/GLOBOPLAY
SEM REFRESCO Anti-heróis de A Divisão:
mocinhos de atitudes questionáveis

ainda mais fundo ao mostrar a linha tênue entre a lei e os


criminosos no país ao colocar, lado a lado, um agente de En-
torpecentes (vivido por Silvio Guindane) e um inspetor liga-
do a bandidos (Erom Cordeiro), que usam métodos pouco
tradicionais para resolver casos complicados de sequestros.
Nem todas as produções atuais, é verdade, tentam usar
fórmulas mais sofisticadas. Negociador, com Malvino Salva-
dor e Barbara Reis, ficou por semanas entre as séries mais
vistas do Prime Video ao mostrar com um roteiro sofrível
um agente que negocia o resgate de reféns. Outro exemplo
de sucesso é Aeroporto — Área Restrita, da Discovery, rea-
lity com flagrantes reais a turistas que tentam contraban-
dear mercadorias para dentro do Brasil. Mas, inegavelmen-
te, são os roteiros que fogem do maniqueísmo a grande bala
de prata da temporada. ƒ

6|6
CLUBE DE REVISTAS
CULTURA TELEVISÃO

LAR DA HIPOCRISIA
Na série The Curse, apresentadores de um
reality prometem melhorar a vida de latinos
carentes nos Estados Unidos — uma comédia
ácida sobre assistencialismo e preconceito
RICHARD FOREMAN JR./A24/PARAMOUNT+

APARÊNCIAS Nathan Fielder e Emma Stone diante de casa


espelhada: reflexo do bairro pobre esconde luxo interno

1|3
CLUBE DE REVISTAS

SIMPÁTICO e um tanto tímido, Asher (Nathan Fielder) tem


certeza que é uma boa pessoa. Sua esposa, Whitney (Emma
Stone), reforça com frequência essa crença. Apresentadores
de um reality que renova casas em um bairro latino no Novo
México, os dois querem fazer do local humilde um modelo
de moradia sustentável e social. Eles até vivem ali em uma
casa revestida por espelhos a pretexto de refletir a comuni-
dade ao redor — por dentro, porém, o imóvel é um luxo.
A cada boa ação praticada pelo casal, a ácida série The Cur-
se, novidade do Paramount+, oferece uma janela de hipocri-
sia por trás de tanta fachada. Caso do evento que dá nome
ao programa — “a maldição”, em português.
Diante das câmeras, Asher entrega 100 dólares a uma
menina negra vendendo refrigerantes na rua. O êxtase dela
não dura muito: ao findar a cena, o rapaz, educadíssimo, pe-
de a doação de volta, mas garante que adoraria contribuir
lhe dando 20 dólares assim que trocar o dinheiro por notas
menores. Indignada, a garota faz um gesto com a mão e o
amaldiçoa — ato que se mistura às consequências sofridas
pelo casal ao longo de dez episódios.
Se Emma Stone garante à série o brilho da estrela de
Hollywood, é Nathan Fielder quem carrega o nome de novo
autor original da TV. Criador do programa, o humorista,
ator e roteirista canadense de 40 anos virou sensação ao de-
senvolver reality shows que desafiam o termo “peculiar”.
Em Nathan for You, exibido pelo Comedy Central entre
2013 e 2017, ele usa o diploma em gestão de negócios — car-

2|3
CLUBE DE REVISTAS

reira que abandonou pelos palcos de stand-up — para acon-


selhar empreendedores numa sátira sobre os métodos de
coaches sabichões. Sua veia irônica ganhou tons dramáticos
em O Ensaio (2022), da HBO, trama na qual ele ajuda pes-
soas a ensaiar, literalmente, para um momento desafiador.
Os dilemas vão desde um homem com um segredo a ser re-
velado até uma mulher em dúvida sobre ser mãe — Fielder a
coloca em uma casa vigiada com atores mirins que se pas-
sam por filhos em diferentes fases.
Não se trata, contudo, de um humor raso: o roteirista é
versado em entrelinhas, desenhando críticas e questões
complexas entre uma cena e outra. Em The Curse, ele alfi-
neta a cultura do “white saviour”, no qual brancos se auto-
vangloriam por ajudar minorias. Apesar do assistencialismo
barato, os protagonistas querem genuinamente fazer a dife-
rença. O desejo sai pela culatra quando o abismo social e
cultural entre eles e os moradores se acentua. Logo, os sim-
páticos intrusos fazem valer o dito popular que garante: de
boas intenções, o inferno está cheio. ƒ

Raquel Carneiro

3|3
CLUBE DE REVISTAS
CULTURA MÚSICA

ESTRELAS
IMPROVÁVEIS
Geddy Lee, vocalista do Rush, conta em novo livro
como os pais, sobreviventes do Holocausto,
o auxiliaram a criar uma das mais respeitadas
bandas de rock do mundo FELIPE BRANCO CRUZ
FREDERICK BREEDON/GETTY IMAGES

VITÓRIA DOS NERDS O trio canadense: de adolescentes


deslocados a astros internacionais

1|5
CLUBE DE REVISTAS

FILHO DE IMIGRANTES judeus que sobreviveram aos


campos de concentração na Polônia, o líder e baixista do
Rush, Geddy Lee, ganhou seu nome, Gershon, em home-
nagem ao avô, morto no Holocausto. Nascido há setenta
anos em Toronto, no Canadá, onde vive até hoje, Geddy
penou na adolescência com ofensas antissemitas de cole-
gas da escola e bullying devido aos cabelos compridos,
óculos de lentes grossas e espinhas no rosto. Em Geddy
Lee: a Autobiografia, livro que será lançado no Brasil no
final deste mês, ele conta como essas experiências o trans-
formaram de menino franzino a ídolo mundial do rock.
“Sou resultado das histórias que ouvia da guerra. Infeliz-
mente, há pessoas por aí que ainda odeiam o meu povo.
Não posso controlar isso, mas rezo para que o bom senso
governe e não tenhamos que passar por um período de
ódio semelhante ao que meus pais passaram”, disse Lee a
VEJA. Vem também dessas experiências o nome artístico.
Gershon soava como Geddy, no sotaque iídiche da
mãe.“Aposto que Robert Allen Zimmerman pensou o mes-
mo (sobre seu nome) antes de se tornar Bob Dylan”, brinca.
Geddy fundou o Rush no final dos anos 60 com o cole-
ga de escola, o guitarrista Alex Lifeson. Depois do primei-
ro disco, trouxeram para o trio Neil Peart. Além de bate-
rista fenomenal, que passou a incorporar ao seu enorme e
variado kit de percussão instrumentos como címbalos, ele
se tornou o letrista da banda, misturando versos preten-
siosos com ficção científica barata. Outra força do grupo

2|5
CLUBE DE REVISTAS
DIVULGAÇÃO

VOVÔ POP Lee: longe da estrada,


ele passou a escrever e a curtir mais o neto

era o próprio Geddy, que se revezada entre o baixo e os te-


clados, além da voz peculiar, em um tom tão agudo que
alguns chegaram a compará-la à de um rato esganiçado.
Muitos também torciam o nariz para o som da banda,
uma mistura de rock pauleira com longas viagens instru-
mentais. Os fãs adoraram e, aos poucos, até a crítica se
rendeu à banda, que encerrou a carreira após a morte de
Peart, por câncer no cérebro, em 2020.
O comportamento do trio era tão peculiar quanto a sua
música. Em uma turnê com o Kiss, por exemplo, enquanto
as groupies faziam fila nos quartos dos hotéis para ficar
com os ídolos mascarados após os shows, os nerds cana-

3|5
CLUBE DE REVISTAS

denses matavam o tempo


vendo desenhos pela TV. Na
biografia, no entanto, Ged-
dy faz questão de dizer que
eles não estavam tão distan-
tes assim da tríade “sexo,
drogas e rock’n’roll”. “Éra-
mos filhos dos anos 60 e fo-
mos criados em uma cultura
de drogas”, conta. “Experi-
mentamos de tudo um pou-
co. A diferença é que não
nos permitimos ser vítimas
dessas experiências.” GEDDY LEE —
O Brasil também marca A AUTOBIOGRAFIA (MY
presença na narrativa, des- EFFIN’ LIFE), de Geddy
de a gravação do DV D Lee; (tradução de Candice
Rush in Rio, de 2003, até os Soldatelli; Editora Belas
perrengues para transpor- Letras; 624 páginas; 129,90
tar os equipamentos em reais e 78 reais o e-book)
turnê pelo país. Em um mo-
mento impagável, Geddy se diverte ao descobrir que a
banda ganhou projeção por aqui graças à série Profissão:
Perigo, do incontornável MacGyver, exibida pela Globo
nos anos 1980 — a vinheta da abertura brasileira era em-
balada pela canção Tom Sawyer do grupo: “Eu não sabia
disso. Valeu, MacGyver!”.

4|5
CLUBE DE REVISTAS

O livro ganha ares dramáticos quando Geddy revela


como foi o último show do Rush, em agosto de 2015, e a
posterior descoberta do câncer de Peart: “Quando ele
morreu, eu não queria mais pegar em nenhum instrumen-
to, mas encontrei conforto na escrita”. Ele achou também
tempo para fazer a série de TV Geddy Lee Pergunta: Bai-
xistas Também São Humanos?, da Paramount+, na qual
visita baixistas famosos, como Roberto Trujillo, do Me-
tallica, para conhecer seus hobbies. Durante o programa,
Geddy redescobriu o prazer de tocar e garantiu que retor-
nará aos palcos: “Não sei se será com o Alex ou sozinho.
Cedo ou tarde, voltarei”.
Enquanto isso não acontece, ele cultiva passatempos
da adolescência, como a coleção de cards de beisebol (es-
porte pelo qual ele é fanático) e fotografias de aves. Outro
prazer é a companhia do neto, que não tem a menor ideia
da sua fama e se surpreendeu ao descobrir que três corpos
celestes foram batizados com os nomes de Lee, Peart e Li-
feson. A homenagem faz jus ao trio de estrelas imprová-
veis do rock. ƒ

5|5
CLUBE DE REVISTAS
CULTURA PERFIL

ETERNO
INVESTIGADOR
Estrela da série Arquivo X, David Duchovny lança
novo livro de suspense que atesta sua versatilidade
THIAGO GELLI

POLIVALENTE
Duchovny: astro
da TV tem
histórico
acadêmico
FACEBOOK @DAVIDDUCHOVNY

1|4
CLUBE DE REVISTAS

DESCOLAR a imagem de David Duchovny da série Ar-


quivo X é uma tarefa difícil. Em 1993, aos 33 anos, o ator
americano vestiu o figurino do investigador Fox Mulder e
nele ficou por onze temporadas, que somam mais de 200
episódios. Ao lado de Gillian Anderson, intérprete de Da-
na Scully, compôs uma das duplas mais memoráveis da
história da televisão: os dois agentes tentavam desvendar
eventos misteriosos — e de origem extraterrestre. Duchov-
ny, porém, é uma persona tão interessante e versátil que
não merece ser eternamente reduzido à série de sucesso.
Uma dessas facetas ganhou recentemente um novo capítu-
lo: hoje, aos 63 anos, ele se impõe como autor de romances
— e seu quarto e mais novo título, o suspense O Reservató-
rio, acabou de chegar ao Brasil.
Escrito logo após o isolamento da pandemia, a obra
acompanha os devaneios do protagonista, um homem en-
clausurado em seu apartamento de frente para o Central
Park, como o do próprio autor, que enxerga uma luz pis-
cante por entre as árvores. Convencido de que aquilo é uma
tentativa de comunicação, ele busca quem pode estar por
trás da lanterna — enquanto enfrenta também a possibili-
dade de estar perdendo a cabeça. “Demorei para começar a
escrever por causa da ansiedade que minha bagagem me
trazia”, disse ele em entrevista a VEJA (leia mais).
A autocobrança tinha lá suas razões. Antes de ser um
astro da TV, Duchovny teve uma educação primorosa: ele
foi colega de classe de John Kennedy Jr. em uma pomposa

2|4
CLUBE DE REVISTAS

“NÃO FAÇO LIVROS


POLÍTICOS”

FOX IMAGE/GETTY IMAGES


Em entrevista a VEJA, David Du-
chovny falou sobre sua relação DUPLA ICÔNICA
com a literatura e seu passado Duchovny e Anderson:
acadêmico. série marcou época

O senhor atribuiria esse seu fascínio pelo mistério à


experiência em Arquivo X? A ficção científica não faz meu
gênero, apesar de ter contribuído com o roteiro de Arquivo X. Em O
Reservatório, quis utilizar um narrador não confiável para explorar
a batalha entre espiritualidade e ciência, reacendida pela discus-
são em torno da pandemia.

Qual sua intenção ao ambientar a trama em um episó-


dio real e histórico tão recente? O livro não é sobre a pan-
demia, mas sim um olhar mais humano sobre a fragilidade da civili-
zação. Uma ameaça de saúde pública global muda o jeito como vo-
cê olha o próximo, afinal, qualquer um pode ser hospedeiro do mal
que pode matá-lo. Não faço livros políticos, nem tenho respostas
fáceis. Eu quis capturar a essência de um momento.

Muitos se surpreendem com seu histórico acadêmico.


Como ele influenciou sua carreira? Demorei para começar
a escrever por causa da ansiedade que minha bagagem trazia. Even-
tualmente, percebi que é como a Torre das Canções, de Leonard
Cohen: existe um edifício de grandes livros, e estou conversando
com eles, sem tentar destruí-los ou escondê-los.

3|4
CLUBE DE REVISTAS

escola particular nova-iorquina, e estudou literatura ingle-


sa em Princeton e Yale, duas das mais respeitadas univer-
sidades de elite dos Estados Unidos. Fã de Thomas Mann,
Jorge Luis Borges e Franz Kafka, o ator-escritor deixa
transparecer sem receios as influências luxuosas em sua
escrita: seu novo livro tem uma narrativa elegante e enge-
nhosa, sem oferecer resoluções fáceis.
O astro soma outros ofícios em seu currículo: ele é tam-
bém roteirista, diretor e cantor — seu primeiro disco, Hell
or Highwater, de 2015, emula Bruce Springsteen. Lá fora,
acabou de estrelar a elogiada comédia romântica O que
Acontece Depois, com Meg Ryan. Para o astro de Arquivo
X, tamanha versatilidade não é nenhum mistério. ƒ

4|4
CLUBE DE REVISTAS

A CAVERNA
DE PLATÃO
Um debate escolar sobre celulares
oculta dramas maiores

ESTAMOS em um lugar sagrado, é uma sala de aula. Os


alunos, alvoraçados por sair da rotina. Uma “feira da sabe-
doria”, um evento promovido pela escola com palestras e
debates. Entrei em uma sala, com alunos, professores, pais
e afins... O tema central era: “O uso do celular dentro da
sala de aula deve ou não ser proibido?”.
Uma aluna começa o debate defendendo a proibição por-
que alega ser um desrespeito para com o professor e colegas,
além de atrapalhar a concentração e consequentemente o
processo pedagógico. Um outro aluno diz ser um retrocesso
a proibição, visto como a tecnologia impacta nossas vidas
hoje. Um pai toma a palavra, diz que a empresa onde traba-
lha passou por uma reestruturação e hoje é mais sustentável,
tem um aplicativo que pode ser acessado do próprio celular.
Menos impressão e mais palma da mão. Um professor de
humanas levanta a mão e pergunta se pode ler um texto do
seu próprio celular. Todos riem. É um poema que ele escre-
veu no bloco de notas sobre algoritmos. Uma profissional da

1|3
CLUBE DE REVISTAS

área de tecnologia pede a palavra e alerta sobre a transito-


riedade do celular. Diz que muito em breve eles serão redu-
zidos a óculos, lentes de contato ou até por um chip introdu-
zido na pele. Isso não será nenhuma surpresa.
Uma aluna do ensino médio alega acreditar no mito da
caverna de Platão, onde pessoas presas viradas para o fun-
do acreditavam que as sombras refletidas eram a realida-
de. Quando finalmente uma pessoa se soltou e pôde co-
nhecer a vida fora da caverna, ao voltar para contar como
era para as demais, foi assassinada por não acreditarem no
que estava dizendo. E a aluna continuou seu raciocínio di-
zendo que não podemos fechar os olhos para os avanços
tecnológicos e que é contra a proibição, mas a favor da re-
gulamentação, do uso consciente e clama pela introdução
de apps que estimulem e dinamizem o processo de apren-
dizagem do estudante.

“O que será desse


admirável mundo novo?
Uma coisa é certa,
é preciso se transformar
para permanecer”
2|3
CLUBE DE REVISTAS

Fiquei impressionado com a velocidade da transforma-


ção. O que será desse admirável mundo novo? Uma coisa é
certa, é preciso aprender a se transformar para permane-
cer. Uma ferramenta importante dessa jornada é o diálogo.
Em todos os debates, não importa quem venceu ou quem
perdeu, e sim que todos saiam melhores do que entraram.
Um evento como esse enriquece os envolvidos.
O final do debate foi emocionante, com uma homena-
gem a um professor de filosofia que estava se afastando
por motivos de saúde. Todos os alunos compartilharam a
experiência que esse professor ofereceu atravessando seus
pensamentos e corações, e plantando em suas vidas as se-
mentes de novas experiências. Um professor não é somen-
te o que ensina, mas também aquele que nos direciona pa-
ra as perguntas certas. Saí do debate e fui tomar um café,
comecei a conversar com uma inspetora que desabafou so-
bre a falta de oportunidade de acordo com as suas qualifi-
cações. Ela trabalha na escola há dez anos, é formada e
mestranda em pedagogia, mas não consegue uma vaga
compatível com sua formação. Eu perguntei o motivo, e ela
disse: “Olhe para a cor da minha pele”. ƒ

3|3
CLUBE DE REVISTAS
CULTURA VEJA RECOMENDA
LAURA RADFORD/MARVEL STUDIOS

FORÇA FEMININA Brie Larson como


Capitã Marvel: heroínas em ação

CINEMA
AS MARVELS (The Marvels; Estados Unidos; 2023. Em cartaz)
Quatro anos após se tornar a primeira heroína protagonista
da Marvel, a vencedora do Oscar Brie Larson volta aos tra-
jes de elastano de Carol Danvers, a Capitã Marvel. Desta
vez, porém, ela vem acompanhada de duas outras mulheres
fortes, advindas das séries do Disney+: são elas a agente
Monica Rambeau (Teyonah Parris), de WandaVision, e a
adolescente Kamala Khan (Iman Vellani), de Ms. Marvel.
Ambicioso ao fazer a ponte entre o cinema e a TV, As Mar-
vels pode ser apreciado até por quem não viu as séries. Isso
graças ao roteiro criativo e engraçado — combinação que
deixou a desejar nos últimos filmes do estúdio — e à dire-
ção certeira de Nia DaCosta. Outro trunfo é a química do
trio protagonista, que convence tanto no humor e na ação
quanto na vulnerabilidade de suas personagens.

1|8
CLUBE DE REVISTAS

TELEVISÃO
DOCE MISTÉRIO (disponível no Star+, com novos episódios semanais às quartas-feiras)
JAMES VAN EVERS/HULU

CORAGEM Mia Isaac: o desabrochar


de jovem mestiça contra as dificuldades

O bolo preto é uma receita caribenha com ingredientes de


vários continentes, modificada por gerações. É a lembrança
que Eleanor (Chipo Chung) deixa para os filhos antes de
morrer de câncer, junto com gravações que revelam sua his-
tória de origem. Ela um dia fora a jovem Coventina (Mia
Isaac), filha de mãe negra e pai chinês, que fugiu da costa ja-
maicana após o assassinato de seu marido, um homem mais
velho — casamento arranjado pelo próprio pai. Baseada no
livro Bolo Preto, de Charmaine Wilkerson, a série é um con-
to de amor e resiliência com pitadas de mistério e olhar afia-
do para temas duros como a misoginia.

2|8
CLUBE DE REVISTAS

LIVRO
TUPAC SHAKUR — A BIOGRAFIA AUTORIZADA,
de Staci Robinson (tradução de Karine Ribeiro; BestSeller;
432 págs.; 89,90 reais e 59,90 reais o e-book)
A história do rap e do hip-hop se divide entre antes e depois
de Tupac Shakur. O músico nova-iorquino tirou os gêneros
do gueto com inteligência, carisma e letras elaboradas, mui-
tas delas contestadoras e políticas. Nesta biografia, feita por
uma amiga de infância de Tupac, sua trajetória é narrada
com ares de intimidade, desde a infância, passando por
questões raciais e o legado deixado por ele, até os duros mo-
mentos após seu assassinato, aos 25 anos, em 1996 — crime
que só prendeu os culpados neste ano. ƒ

3|8
CLUBE DE REVISTAS
CULTURA OS MAIS VENDIDOS

OS MAIS VENDIDOS
FICÇÃO
1 A BIBLIOTECA DA MEIA-NOITE
Matt Haig [2 | 63#] BERTRAND BRASIL

2 É ASSIM QUE ACABA


Colleen Hoover [1 | 115#] GALERA RECORD

3 ONDE ESTÃO AS FLORES?


Ilko Minev [3 | 24#] BUZZ

4 REI KULL
Robert E. Howard [0 | 1] PIPOCA E NANQUIM

5 TUDO É RIO
Carla Madeira [5 | 61#] RECORD

6 TODAS AS SUAS IMPERFEIÇÕES


Colleen Hoover [4 | 78#] GALERA RECORD

7 É ASSIM QUE COMEÇA


Colleen Hoover [6 | 53] GALERA RECORD

8 A EMPREGADA
Freida McFadden [9 | 4] ARQUEIRO

9 VERITY
Colleen Hoover [8 | 79#] GALERA RECORD

10 ANTES QUE O CAFÉ ESFRIE


Toshikazu Kawaguchi [0 | #3] VALENTINA

4|8
CLUBE DE REVISTAS

NÃO FICÇÃO
1 AMIGOS, AMORES E AQUELA COISA
TERRÍVEL Matthew Perry [0 | 1] BEST SELLER

2 A MULHER EM MIM
Britney Spears [1 | 2] BUZZ

3 NAÇÃO DOPAMINA
Anna Lembke [2 | 20#] VESTÍGIO

4 MEDITAÇÕES
Marco Aurélio [0 | 4#] VÁRIAS EDITORAS

5 EM BUSCA DE MIM
Viola Davis [0 | 58#] BEST SELLER

6 SAPIENS: UMA BREVE HISTÓRIA DA HUMANIDADE


Yuval Noah Harari [5 | 347#] L&PM/COMPANHIA DAS LETRAS

7 O PRÍNCIPE
Nicolau Maquiavel [0 | 27#] VÁRIAS EDITORAS

8 O PACTO DA BRANQUITUDE
Cida Bento [9 | 10#] COMPANHIA DAS LETRAS

9 PEQUENO MANUAL ANTIRRACISTA


Djamila Ribeiro [0 | 123#] COMPANHIA DAS LETRAS

10 BOX BIBLIOTECA ESTOICA: GRANDES MESTRES


Vários autores [3 | 18#] CAMELOT EDITORA

5|8
CLUBE DE REVISTAS

AUTOAJUDA E ESOTERISMO
1 A VIDA É CRUEL, ANA MARIA
Fábio de Melo [0 | 1] RECORD

2 MAIS ESPERTO QUE O DIABO


Napoleon Hill [3 | 230#] CITADEL

3 DESCOLONIZANDO AFETOS
Geni Núñez [0 | 1] PAIDÓS

4 CHAMANDO ATENÇÃO DA SORTE


Paulo César Tinga [0 | 2#] VITROLA

5 HÁBITOS ATÔMICOS
James Clear [8 | 28#] ALTA BOOKS

6 O DEUS QUE DESTRÓI SONHOS


Rodrigo Bibo [5 | 14#] THOMAS NELSON BRASIL

7 COMO FAZER AMIGOS & INFLUENCIAR


PESSOAS Dale Carnegie [7 | 109#] SEXTANTE

8 OS SEGREDOS DA MENTE MILIONÁRIA


T. Harv Eker [6 | 439#] SEXTANTE

9 O HOMEM MAIS RICO DA BABILÔNIA


George S. Clason [0 | 146#] HARPERCOLLINS BRASIL

10 CAFÉ COM DEUS PAI 2024


Júnior Rostirola [0 | 1] VÉLOS

6|8
CLUBE DE REVISTAS

INFANTOJUVENIL
1 AS AVENTURAS DE MIKE 4: A ORIGEM DE
ROBSON Gabriel Dearo e Manu Digilio [0 | 1] OUTRO PLANETA

2 DIÁRIO DE UM BANANA 18: CABEÇA OCA


Jeff Kinney [0 | 1] VR

3 O PEQUENO PRÍNCIPE
Antoine de Saint-Exupéry [1 | 395#] VÁRIAS EDITORAS

4 AS AVENTURAS DE MIKE
Gabriel Dearo e Manu Digilio [10 | 15#] OUTRO PLANETA

5 CORALINE
Neil Gaiman [0 | 66#] INTRÍNSECA

6 BOX ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS


Lewis Carroll [0 | 1] ANTOFÁGICA

7 OLHOS PRATEADOS
Scott Cawthon e Kira Breed Wrisley [8 | 2] INTRÍNSECA

8 A CANTIGA DOS PÁSSAROS E DAS SERPENTES


Suzanne Collins [6 | 9#] ROCCO

9 DIÁRIO DE UM BANANA
Jeff Kinney [0 | 17#] VR

10 HARRY POTTER E A PEDRA FILOSOFAL


J.K. Rowling [3 | 407#] ROCCO

7|8
CLUBE DE REVISTAS

[A|B#] — A] posição do livro na semana anterior B] há quantas semanas


o livro aparece na lista #] semanas não consecutivas

Pesquisa: Bookinfo / Fontes: Aracaju: Escariz, Balneário Camboriú: Curitiba, Barra Bonita: Real
Peruíbe, Belém: Leitura, SBS, Belo Horizonte: Disal, Jenipapo, Leitura, Livraria da Rua,
SBS, Vozes, Bento Gonçalves: Santos, Betim: Leitura, Blumenau: Curitiba, Brasília: Disal,
Leitura, Livraria da Vila, SBS, Vozes, Cabedelo: Leitura, Cachoeirinha: Santos, Campina
Grande: Leitura, Campinas: Disal, Leitura, Livraria da Vila, Loyola, Saber e Ler, Senhor
Livreiro, Vozes, Campo Grande: Leitura, Campos do Jordão: História sem Fim, Campos dos
Goytacazes: Leitura, Canoas: Mania de Ler, Santos, Capão da Canoa: Santos, Caruaru: Leitura,
Cascavel: A Página, Colombo: A Página, Confins: Leitura, Contagem: Leitura, Cotia: Prime, Um
Livro, Criciúma: Curitiba, Cuiabá: Vozes, Curitiba: A Página, Curitiba, Disal, Evangelizar,
Livraria da Vila, SBS, Vozes, Florianópolis: Curitiba, Livrarias Catarinense, Fortaleza:
Evangelizar, Leitura, Vozes, Foz do Iguaçu: A Página, Kunda Livraria Universitária,
Frederico Westphalen: Vitrola, Goiânia: Leitura, Palavrear, SBS, Governador Valadares: Leitura,
Gramado: Mania de Ler, Guaíba: Santos, Guarapuava: A Página, Guarulhos: Disal, Livraria da
Vila, Leitura, SBS, Ipatinga: Leitura, Itajaí: Curitiba, Jaú: Casa Vamos Ler, João Pessoa:
Leitura, Joinville: A Página, Curitiba, Juiz de Fora: Leitura, Vozes, Jundiaí: Leitura, Limeira:
Livruz, Lins: Koinonia, Londrina: A Página, Curitiba, Livraria da Vila, Macapá: Leitura,
Maceió: Leitura, Livro Presente, Maringá: Curitiba, Mogi das Cruzes: A Eólica Book Bar,
Leitura, Natal: Leitura, Niterói: Blooks, Palmas: Leitura, Paranaguá: A Página, Pelotas:
Vanguarda, Petrópolis: Vozes, Poços de Caldas: Livruz, Ponta Grossa: Curitiba, Porto Alegre:
A Página, Cameron, Disal, Leitura, Mania de Ler, Santos, SBS, Porto Velho: Leitura,
Recife: Disal, Leitura, SBS, Vozes, Ribeirão Preto: Disal, Livraria da Vila, Rio Claro: Livruz, Rio
de Janeiro: Blooks, Disal, Janela, Leitura, SBS, Rio Grande: Vanguarda, Salvador: Disal,
Escariz, LDM, Leitura, SBS, Santa Maria: Santos, Santana de Parnaíba: Leitura, Santo André:
Disal, Leitura, Santos: Loyola, São Bernardo do Campo: Leitura, São Caetano do Sul: Disal,
Livraria da Vila, São João de Meriti: Leitura, São José: A Página, Curitiba, São José do Rio Preto:
Leitura, São José dos Campos: Curitiba, Leitura, São José dos Pinhais: Curitiba, Serra: Leitura,
Sete Lagoas: Leitura, São Luís: Leitura, São Paulo: A Página, B307, Círculo, CULT Café Livro
Música, Curitiba, Disal, Dois Pontos, Drummond, HiperLivros, Leitura, Santuário,
Simples, Livraria da Tarde, Livraria da Vila, Loyola, Megafauna, Nobel Brooklin, SBS,
Vida, Vozes, WMF Martins Fontes, Taboão da Serra: Curitiba, Taguatinga: Leitura, Taubaté:
Leitura, Teresina: Leitura, Uberlândia: Leitura, SBS, Umuarama: A Página, Vila Velha: Leitura,
Vitória: Leitura, SBS, Vitória da Conquista: LDM, internet: A Página, Amazon, Americanas.
com, Authentic E-commerce, Boa Viagem E-commerce, Bonilha Books, Canal dos
Livros, Curitiba, Leitura, LT2 Shop, Magazine Luiza, Shoptime, Sinopsys, Submarino,
Vanguarda, WMF Martins Fontes

8|8
CLUBE DE REVISTAS

JOSÉ CASADO

SEM LUZ NA CONTA


ACENDER uma lâmpada no Brasil custa caro, a cada ano
mais caro. Em dólares, sai por quase o dobro do preço pago
nos Estados Unidos, França, Reino Unido e Japão, embora a
renda dos brasileiros seja até dez vezes mais baixa.
Os brasileiros pagam uma das três tarifas residenciais
mais altas do mundo, levando-se em conta a renda por habi-
tante do ano passado, informam a Agência Internacional de
Energia e a Organização para a Cooperação e Desenvolvi-
mento Econômico.
A conta de luz no Brasil consome uma fatia (cerca de
20%) do orçamento das famílias muito maior do que ocorre
no Chile ou na Turquia, países de médio desenvolvimento,
constata a Abrace, organização de meia centena de indús-
trias brasileiras. Juntas, elas consomem mais energia elétri-
ca do que a Colômbia ou o Peru.
Paga-se muito por um sistema de abastecimento insegu-
ro, de qualidade e eficiência questionáveis. Caso exemplar é
a debilidade operacional demonstrada pela Enel no apagão
na cidade de São Paulo, depois de uma tempestade.
É notável que a empresa responsável pelo suprimento de
energia ao epicentro da economia nacional preste serviços

1|4
CLUBE DE REVISTAS

de 19ª categoria na classificação de mérito de 29 distribui-


doras feita pela Aneel, agência estatal encarregada da fisca-
lização do setor. No Rio e no Ceará, a Enel qualifica-se na
23ª e 25ª posições.
O conglomerado italiano possui 11 milhões de clientes
brasileiros. Deixou Goiás depois de confrontos com o gover-
no estadual, que pedia à agência reguladora para cassar sua
concessão por má qualidade do serviço — o grupo contes-
tou, argumentando ter reduzido em 69% as interrupções de
energia em sete anos de serviços. Em dezembro, vendeu o
negócio à espanhola Equatorial. Horas antes do apagão em
São Paulo, um executivo da Equatorial apresentara na As-
sembleia Legislativa goiana a síntese do legado na operação
e na manutenção do sistema estadual: são 360 subestações
em 237 municípios, possuem 529 transformadores dos quais
212 estão “sucateados”, descreveu Lener Jayme.
Paga-se caro por serviços deficientes e com inseguran-
ça crescente. Governo, Congresso e partidos políticos, no
entanto, preferem concentrar atenção na mitologia estati-
zação x privatização. É conveniente à luta política, onde
uns abstraem os apagões nos anos 1990 e 2000, quando o
sistema elétrico era estatal, e outros driblam o aumento
da frequência na última década de privatizações. Na mé-
dia, houve um blecaute a cada dois anos e meio — dois
nos últimos 70 dias.
Esse embate é útil apenas para dissimular deficiências do
governo na política e na fiscalização setorial e, também, pa-

2|4
CLUBE DE REVISTAS

“Paga-se caro e 40%


da conta nem é energia,
mas fatura política”
ra ocultar interesses privados de quem tem poder e influên-
cia nos gabinetes do Palácio do Planalto e do Congresso.
Quatro de cada 10 reais pagos na conta de luz nem é
energia. Ou seja, não têm ligação direta com geração, trans-
missão e distribuição de eletricidade. Correspondem a tribu-
tos e, principalmente, à míriade de penduricalhos encober-
tos na fatura. Por eles, os brasileiros estão pagando neste
ano nada menos que 119 bilhões de reais — oito vezes mais
que o orçamento do programa habitacional para a popula-
ção pobre (Minha Casa, Minha Vida), agora com captação
solar. É a consequência prática de políticas públicas obscu-
ras, incoerentes, de custo alto e efeitos perversos, entre eles,
a corrosão do orçamento das famílias pobres.
Com a conta de luz criam-se orçamentos paralelos. Jair
Bolsonaro, por exemplo, está na redes sociais criticando Lu-
la por algo que ele ajudou a instituir: a possibilidade de uso
político do caixa de Itaipu.
Meio século depois de construída, Itaipu liquidou suas dívi-
das e, desde fevereiro, tem sobra de caixa projetada ao redor de
2,5 bilhões de reais por ano. A empresa binacional decidiu usar

3|4
CLUBE DE REVISTAS

esse dinheiro numa expansão geopolítica do lado brasileiro.


Antes, influenciava a vida e os negócios em 15 municí-
pios do Paraná e um do Mato Grosso. Na semana passada,
ampliou seu “auxílio” para 430 cidades nos dois estados. A
estatal vai dar dinheiro diretamente às prefeituras para a
construção de pontes, rodovias, aeroportos e projetos sociais
nos próximos três anos. Tudo fora dos orçamentos federal e
estaduais, sem exposição à luz dos organismos de controle.
Isso, naturalmente, dá margem a interpretações sobre uso
político do caixa de Itaipu numa área onde vivem 11 milhões
de eleitores, em período marcado pela disputa por prefeitu-
ras, no ano que vem, e pela disputa presidencial, em 2026. É
a mais nova despesa de “geração de energia” escondida na
caríssima conta de luz paga por todos os brasileiros. ƒ

ƒ Os textos dos colunistas não refletem


necessariamente as opiniões de VEJA

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