Livro Tecendos Redes e Transpondo Desafi
Livro Tecendos Redes e Transpondo Desafi
Livro Tecendos Redes e Transpondo Desafi
Te c e n d o r e d e s
e transpondo
desafios
Organizadoras:
Paula Land Curi
Paloma Lima Ramos Jashar
Hildete Pereira de Melo
Thais Ferreira Rodrigues
Financiamento:
Fomento à Ações de Extensão (FOEXT) 2021
SIGPROJ: 370609. 2101.206051.13072021
2022
Capa e ilustração: Nicole Mocarzel
Comissão Científica:
Adriana Valle Mota – AMB- Seção Rio
Luiza Rodrigues de Oliveira – UFF
Monica Abrantes Galindo – UNESP
Regina Marques – UFRB
Sônia Maria Dantas Berger- UFF
ISBN 978-65-87080-38-3
1. Psicologia Social. 2. Política Social. 3. Mulheres. 4. Movimento Feminista.
5. Relações de Gênero. 6. Direitos. 7. Cuidados. 8. Resistência. 9. Rede. 10. História
de Vida. 11. Niterói. 12. Estado de Rio de Janeiro. I. Título. II. Elas por nós. III.
Entre nós. IV. Em-caminhando juntas. V. Curi, Paula Land, Organizadora. VI.
Jashar, Paloma L. R., Organizadora. VII. Melo, Hildete Pereira de, Organizadora.
VIII. Rodrigues, Thais Ferreira. IX. Sixel, Fernanda. X. Louredo, Érica, XI.
Mocarzel, Nicole, Ilustradora. XII. UFF - Universidade Federal Fluminense. XIII.
PROEX – Pró-Reitoria de Extensão. XIV. Mulherio – Tecendo redes de resistência
e cuidados.
1. Mulher...................................................................................... 30
Dani Lopes
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uma luta polítca, ainda atual, visto que temos apenas 15% de participação
feminina no Congresso Nacional, e a violência política ainda é presente nos
espaços de poder e decisão. Pitanguy apresenta o “Manifesto nossos direitos
são conquistas diárias”, o que me remeteu diretamente à campanha desenvol-
vida este ano pela Codim no mês da mulher, e, da mesma forma que direitos
são conquistados, ela aponta que também podem ser retirados, principal-
mente quando observamos [...] um distanciamento da democracia em direção
ao autoritarismo que tem a perspectiva de um mundo binário; de um lado os que se
autoproclamam defensores da pátria, da família, da infância, arautos do bem, e de
outro, seus opositores transformados pelo discurso conservador fundamentalista em
perigosas categorias políticas de acusação. A politização da religião, qualquer que
seja, e sua interferência em leis e políticas públicas, acirra essa divisão e a aversão a
quem não se coaduna com o projeto conservador de moral e costumes.
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Ainda na primeira parte do livro, temos a contribuição de Angela Fontes,
que recupera e dialoga com as duas autoras que a antecedem, compartilhan-
do sua experiência como gestora federal da SPM, espaço que a fez adquirir
uma visão macro nacional, e a certeza da necessidade de se garantir e exe-
cutar um orçamento sensível a gênero, em todas as esferas, federal, estadual
e municipal. Após as Conferências já citadas, Angela afirma queas políticas
públicas para as mulheres buscaram traduzir em programas e ações as demandas
reivindicadas ao longo dos ciclos de Conferências Nacionais, interrompidos com o
impeachment da Presidenta Dilma Rousseff (16 de agosto de 2016). É possível
dizer que, ao longo entre 2004 e 2016, tanto os órgãos governamentais quanto os
movimentos de mulheres e movimentos feministas reconheceram a intersecciona-
lidade presente e necessária nas políticas para as mulheres.
Ainda com uma contribuição histórica, ela retoma a construção da polí-
tica estadual de defesa da mulher como a criação do Conselho Estadual de
Direitos das Mulheres (CEDIM), o terceiro a ser criado no país, e a atual
Sub Secretaria de Políticas para as Mulheres do Governo Estadual do Rio de
Janeiro, e sua participação neste processo.
Infelizmente, hoje estamos vivendo em nível nacional um período de esva-
ziamento da agenda de gênero. Segundo Flávia Birolli e demonstrado pelas três
autoras, foi nas democracias que as conquistas de legislações e políticas públicas
se efetivaram. A Lei Maria da Penha é exemplo de conquista dentro de uma
construção política que compreendeu, legitimou e deu voz às reivindicações dos
diferentes movimentos sociais e instituições de mulheres. Infelizmente, as con-
ferências como instrumentos de participação e democracia direta foram silen-
ciadas. Nesse cenário, tenho tranquilidade em afirmar que Niterói surge como
resistência por ter governos progressistas ao longo dos últimos anos, enquanto
em nível federal acompanhamos um desmonte dos fundamentos da democracia
e do Estado de Direito. Aqui, construímos mecanismos de participação cidadã
por meio dos conselhos, políticas afirmativas e uma gestão que preza pela de-
mocracia, reagindo aos movimentos ultraconservadores que tentaram se utilizar
“[...] da ameaça supostamente representada pela perspectiva de gênero para
desmantelar instituições democráticas, mudar currículos escolares e atacar or-
ganizações que apoiam a pesquisa científica no país.” (BIROLLI, 2020, p. 156).
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Prefácio
Que imensa alegria ter esse trabalho da arteterapia ofertado ao nosso equi-
pamento e ler relatos como o que reescrevo abaixo:
Com isso, conduzi que ela fechasse os olhos, acessando o momento em que se sentiu
abusada (e que posteriormente tinha se automutilado). Ela entrou em contato com a
cena e sentiu novamente a emoção, a raiva, abriu os olhos e, à sua frente, tinha um
papel branco e alguns materiais – lápis de cor, giz de cera, canetinha e carvão. Ela
pediu uma tesoura e uma base para proteger a mesa – ofereci um papelão no formato
retangular. Ela rasgou com a tesoura o papel acima do papelão – em um movimento
como uma faca – e chorou durante o processo em que acessou o seu instinto. Olhando
os pedaços de papel, ela disse querer jogar fora – ofereci a lixeira. O papelão, a base,
ficou com as marcas/arranhões da tesoura. Ela ficou encantada, contou que desejava
fazer isso, mas não queria gastar dinheiro comprando uma tela para rasgar. Afirmei
que acabara de criar uma tela, respondeu que fez sentido para ela, quis levar para
casa e disse que iria emoldurar a sua obra.
Gratidão! Gratidão a cada mulher que esteve à frente da Codim nestes
quase 20 anos, gratidão a cada uma que compôs as equipes, a cada conse-
lheira municipal, a cada uma que esteve nas diferentes trincheiras da cidade.
Caminhamos trabalhando para tornar Niterói cidade referência nas politícas
públicas que garantam a equidade de gênero. Já avançamos e podemos avançar
ainda mais! Como?
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Prefácio
Fernanda Sixel
Coordenadora da Coordenadoria de Políticas e Direitos das Mulheres
(CODIM) da Prefeitura de Niterói
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I n t ro d u ç ã o
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Pereira Melo, Jacqueline Pitanguy, Iriny Lopes, Angela Fontes e Leila Linhares
Barsted. Foram cinco manhãs maravilhosas nas quais elas nos contaram suas
histórias de lutas e deixaram suas sementes para que, nos grupos de trabalhos,
também ocorridos durante a semana, pudéssemos seguir conversando.
Cinquenta e dois trabalhos foram inscritos no Seminário por muitas mãos.
Foram mais de cem pessoas envolvidas, contando um pouco sobre suas práti-
cas. Pessoas de Niterói, dos municípios vizinhos, de outros mais distantes e até
mesmo de outros estados. Experiências que falam da diversidade de práticas,
de mulheres, de redes e de problemas.
Os trabalhos recebidos foram divididos em Grupos de Trabalho (GTs)
a partir da proximidade entre as temáticas apresentadas. Primeiramente,
pensamos dividi-los em quatro eixos, correspondendo aos grandes eixos da
Política de Enfrentamento às violências contra as mulheres, mas não acon-
teceu como programamos.
Em um primeiro momento, veio a surpresa do envio de alguns trabalhos
que (aparentemente) se distanciavam da proposta. Poderíamos tê-los descar-
tado, porém as temáticas trazidas, embora não diretamente circunscritas na
Política, tratavam de violações gravíssimas dos direitos das mulheres. Eram
denúncias de mulheres sobre as violações vividas por outras mulheres, em
especial, naquilo que tange aos direitos à saúde e aos direitos reprodutivos:
direito de ter ou não filhos – suas maternidades e abortos.
Sem nenhum descarte dos materiais recebidos, percebemos que os trabalhos
traziam vivências e questionamentos a respeito dos cruzamentos entre a expe-
riência de ser mulher, trabalhar com mulheres e a pandemia, a violência estatal, a
violência sexual, saúde, educação, prevenção, cuidados humanizados e um olhar
interseccional sobre os enfrentamentos vividos pelas mulheres em nossa socie-
dade. O número de trabalhos propostos sobre aborto demarcava a diversidade
que habita também essa temática, como também sobre hierarquias reprodutivas
que criam maternidades subalternizadas e tendem à criminalização da pobreza.
Temáticas urgentes para as mulheres e para os gestores se atentarem.
Este livro surge do encontro de mulheres com mulheres e da necessidade
em visibilizar nossos cotidianos de mulheres que compõem as redes de resis-
tência e cuidados. Deveria ter sido um pouco diferente, mas, mais uma vez,
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Introdução
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M u l h er
Dani Lopes
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As polít i cas p ú b l i ca s b r a s ile ir a s :
uma ref l exão f e m in is ta
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Notem que, apesar de o País viver uma crise democrática, os feminismos or-
ganizados ganharam a sociedade, empenhados contra a supremacia masculina,
a violência doméstica e pelo direito ao prazer. O Centro da Mulher Brasileira,
criado no Rio de Janeiro em setembro de 1975 como consequência da rea-
lização do seminário de julho do mesmo ano, patrocinado pela ONU e pela
Associação Brasileira de Imprensa (ABI) no rastro do Ano Internacional da
Mulher, organizado na Cidade do México, foi a pólvora acessa que espocou
no território nacional, e multiplicaram-se os grupos de mulheres, jornais femi-
nistas e a mobilização ganhou o Brasil. Na década de 1980, a pauta feminista
foi marcada pela diversidade das agendas feministas, com encontros nacionais
de mulheres negras e lésbicas, com destaque para as intelectuais negras Lélia
Gonzalez (1935-1994) e Beatriz Nascimento (1942-1995). A violência domés-
tica ganhou espaço na mídia depois de assassinatos cometidos por maridos e
companheiros, a consigna “Quem Ama Não Mata” ganhou o Brasil, e foram
criadas as Delegacias Especializadas de Atendimento às Mulheres (DEAM). A
primeira foi inaugurada em São Paulo em 1985. Relacionando-se com as Po-
líticas Públicas, o ponto alto desse período foi a criação do Conselho Nacional
dos Direito da Mulher (CNDM), a primeira instituição pública responsável
por Políticas Públicas federais específicas para mulheres no Brasil. Estas ações
eram rarefeitas, salvo o Programa Integral de Apoio à Saúde para a Mulher
(PAISM), criado em 1983 e resultante da luta das feministas da área da Saúde,
preocupadas com assistência à gravidez e ao parto e a realização do aborto nos
itens permitidos por Lei – risco de vida da mãe e gravidez resultante de estu-
pro – bem como aos temas da saúde da mulher, como métodos contraceptivos,
gravidez precoce, em suma a saúde reprodutiva feminina.
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Conclusões
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mas a República foi masculina e, mesmo no século 21, ela ainda continua
marcada pelo patriarcalismo, apesar dos avanços vividos pela execução das po-
líticas públicas dos Planos Nacionais de Políticas para as Mulheres (PNPM)
de 2004, 2007 e 2011. Estes foram uma conquista da sociedade e das mulheres
brasileiras que, anônimas, enfrentam no cotidiano as dificuldades impostas
por uma sociedade que ainda tem muito a se desenvolver em direção à igual-
dade de gênero e raça.
Referências bibliográficas:
MELO, Hildete Pereira de. Histórias e memórias das lutas feministas no proces-
so constitucional de 1985 a 1988: o papel do Conselho Nacional dos Direitos
da Mulher (CNDM). In: BERTOLIN, Patrícia T. M. et al. (Org.). Carta das
Mulheres Brasileiras aos Constituintes: 30 Depois. São Paulo: Autonomia
Literária, CAPES, 2018. pp. 36- 66.
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As políticas públicas brasileiras
tjrj.jus.br/publicacoes/serie_anais_de_seminarios/2018/serie_anais_de_semina-
rios_da_emerj_2018_86.pdf>. Acesso em: 25 maio 2022.
MELO, Hildete Pereira de; RODRIGUES, Cintia. La trayectoria de las mujeres comu-
nistas brasilinas: una historia sin contar. In: VALOBRA, Adriana María; RODRIGO,
Mercedes Yusta (Ed.). Queridas camaradas: historias iberoamericanas de mujeres
comunistas. Buenos Aires: Mino y Davila Editores, 2017, pp. 91-112.
MELO, Hildete Pereira de; THOMÉ, Debora. Mulheres e poder: histórias, ideias e
indicadores. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2018, p. 192.
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Ap resen t aç ã o d e
Jacq u el i n e P ita n g u y 2
1 o de dezembro de 2021
Bom dia.
Cumprimento as organizadoras deste seminário e agradeço o convite para
participar deste evento que fecha este ano muito difícil de 2021, transcorrido
em meio à instabilidade política, social, econômica e sanitária, com efeitos
dramáticos nas políticas públicas para as mulheres.
Pensando nesta nossa conversa, hoje me vieram à mente dois mitos gregos
que, creio, se relacionam ao contexto que vivemos: o mito de Penélope, ou
melhor, o mito do manto que Penélope tecia durante o dia e desfazia à noite,
uma analogia à instituição de políticas públicas para as mulheres e seu atual
desmantelamento, e o mito de Pandora, que, ao abrir a caixa contendo todos
os males, deixou nela a esperança. E é com a esperança de que este cenário
se renove em 2022 que converso hoje com vocês sobre direitos e políticas
públicas para as mulheres no Brasil.
Ao falarmos sobre políticas públicas, é importante fazer referência aos direi-
tos humanos que devem ser compreendidos no marco dos processos históricos
por meio dos quais são enunciados em leis, convenções, tratados, demarcando
o espaço da cidadania formal, assim como a dinâmica de seu exercício. As leis,
sua interpretação e implementação, assim como as políticas públicas decorren-
tes do marco legal, refletem relações de poder e padrões culturais prevalentes
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Apresentação de Jacqueline Pitanguy
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central à luta pela reforma das leis que regiam a família, tendo apresentado
diversos projetos nesse sentido, mesmo durante a ditadura, contestando as leis
que regiam o casamento e legitimavam a cidadania incompleta da mulher no
âmbito da família, em que o homem era o chefe da sociedade conjugal. Como
tal, ele tinha o direito de administrar os bens familiares, inclusive os de sua
esposa, de ter relações sexuais mesmo sem o seu consentimento, de deser-
dar a filha por comportamento desonesto, sendo o conceito de honestidade
diretamente ligado à moralidade sexual, o direito de acabar com o trabalho
da mulher se esse interferisse com seus deveres familiares, o direito de fixar
residência. Isto porque a família se regia ainda pelo Código Civil de 1916,
profundamente patriarcal, ancorado em valores hierárquicos das relações fa-
miliares e na subalternidade da mulher (pater famílias).
Outra bandeira de luta do feminismo dizia respeito ao papel da educação
e dos meios de comunicação em reforçar estereótipos do masculino e do fe-
minino, configurando o espaço da mulher como o da domesticidade e outor-
gando ao homem o domínio simbólico do mundo externo. A década de 1970
coincidiu com o avanço da televisão no País, a inauguração de redes nacionais
de TV e seu papel cada vez mais marcante na difusão de valores culturais
que, se por um lado reforçam a ideia da família nuclear como símbolo da
modernidade, por outro perpetuam o sexismo e o racismo, com a reiteração da
subalternidade da mulher, particularmente da mulher negra, nas novelas que
começam a impregnar o imaginário coletivo do País.
Na medida em que avança a participação da mulher no mercado de traba-
lho, evidenciam-se as discriminações que a afetam em termos salariais e de sua
posição na ocupação, outra bandeira de luta do feminismo. Na academia, tem
início uma extensa produção de pesquisas e estudos sobre a posição da mulher
no mercado de trabalho. Mulheres sindicalistas incorporam essa agenda em
suas plataformas, em um momento em que o sindicalismo ressurge como uma
força política no cenário nacional.
No final da década de 1970 e início da de 1980, coincidentes com a Anistia
de 1979, o movimento feminista já é uma força política, junto com outras
forças sociais que adquirem visibilidade no País, trazendo, com maior expres-
são, a defesa dos povos indígenas, do meio ambiente, dos direitos sexuais e a
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dos Direitos da Mulher (FEDM), que lhe permitiu ter grande protagonismo.
O Conselho contava com uma Diretoria Executiva e uma Diretoria Técnica,
além da estrutura financeira e administrativa. Desenvolvia seus projetos e pro-
gramas por comissões que atuavam em diferentes áreas. Fui Presidente deste
órgão de 1986 a 1989, anos marcantes para a afirmação dos direitos humanos
das mulheres brasileiras.
Uma das primeiras preocupações do CNDM foi organizar um programa
de trabalho voltado para a Assembleia Constituinte, que seria instalada em
1987, a partir das eleições de 1986 para o Congresso Nacional. Dois slogans
resumem o objetivo desse trabalho: “Constituinte para valer tem que ter di-
reitos da mulher” e “Constituinte para valer tem que ter palavra da mulher”.
Tem início uma das principais ações de advocacy pelos direitos das mulhe-
res na história do Brasil, desenvolvida ao longo de três anos, antecedendo e
acompanhando a todo o processo constitucional. O CNDM conseguiu mo-
bilizar mulheres de todo o País em uma época em que as comunicações eram
péssimas e nem havia internet. Mesmo assim, houve uma massiva resposta das
mulheres que entenderam que aquele era o momento de eliminar legislações
discriminatórias e garantir a igualdade legal das mulheres.
Essa campanha começou com a organização de eventos nas diversas capi-
tais, em articulação com os movimentos locais e Conselhos Estaduais e Muni-
cipais. Paralelamente, o CNDM fazia também campanha por maior presença
feminina no Congresso, o que foi alcançado pois as eleições de 1986, quando
mais que dobrou a proporção de mulheres deputadas e senadoras em relação
aos homens, passando de nove para 26 parlamentares.
O objetivo do CNDM era descentralizar a campanha no sentido de engajar
a todos os estados nessa mesma iniciativa. Abriu-se também um canal direto
de comunicação do CNDM com os movimentos de mulheres, por meio da
solicitação para que enviassem ao Conselho suas demandas e propostas para a
Assembleia Constituinte, resultando daí a Carta das Mulheres aos Constituintes.
A Carta está dividia em capítulos, com proposições relativas a Princípios
Gerais, como a revogação automática de todas as disposições legais que impli-
quem em classificações discriminatórias, e Reivindicações Específicas na área
da família, como a plena igualdade entre os cônjuges, o acesso da mulher rural
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Subscrevem,
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Rosiska Darcy de Oliveira
Solange Bentes Jurema
Emília Fernandes
Iriny Lopes
Eleonora Menicucci
Nilma Lino Gomes
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Ge st ão p ú b l i ca e p o lític a s
p ara as mu l h e r e s
Angela Fontes
3 Mulheres representam mais de 92% das pessoas ocupadas em trabalho doméstico, das
quais mais de 65% são negras. Dieese. Trabalho Doméstico no Brasil. 2021. Disponível
em: <https://www.dieese.org.br/outraspublicacoes/2021/trabalhoDomestico.html>.
Acesso em: 25 maio 2022.
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A lo n g a l u t a d as m u lh e r e s
pe la co n q u i st a d e d ir e ito s
Introdução
Neste artigo, recupero muito das questões por mim abordadas em textos
anteriores relativas à advocacy feminista por direitos e, em especial, por
direito a uma vida sem violência. Busco resgatar, em parte, o processo
político de construção de uma agenda feminista que serviu de base para a
conquista dos direitos das mulheres expressos na Constituição Federal de
1988, processo que faz parte de uma longa trajetória de luta das mulheres
por cidadania no Brasil.
Observar e refletir sobre um processo histórico do qual se fez parte, coloca
para a autora o desafio de fazer um esforço para não olhar com nostalgia para
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cultura negra no Brasil12. A luta das mulheres por direitos é tributária dessas
antecessoras13 e se reconstrói14 na década de 1970, no processo de luta contra
a ditadura, com a ativa participação de grupos e movimentos feministas na
resistência política, aliados a outros movimentos sociais, como o Movimento
de Mulheres pela Anistia, de modo a formar um campo político novo no
cenário nacional, fortalecido no processo de redemocratização do Brasil na
década de 1980.
A agenda feminista foi formada também pela produção teórica de inte-
lectuais francesas e norte americanas15 e pela ampla produção de intelectuais
brasileiras, dentre as quais Heleith Saffiotti, Eva Blay, Lélia Gonzalez, Fanny
Tabak, Rose Marie Muraro, Moema Toscano e muitas e muitas outras, no
conjunto de uma vasta produção bibliográfica sobre trabalho, política, edu-
cação, ciência, família, relações raciais, sexualidade, arte, valores e percepções,
cultura, dentre outros temas, e que estão referidas em diversas publicações16,
demostrando a diversidade de enfoques e temas sobre as mulheres no Brasil.
Essa produção realizada na academia e fora dela, ampliada nas décadas se-
guintes até os dias de hoje, permite que a luta feminista aprofunde suas ques-
tões e reforce o diálogo entre a militância por direitos e a academia em um
processo de sinergia.
Ainda na década de 1970, também se constituíram no Brasil os chama-
dos “grupos de reflexão” feministas ou grupos de “conscientização” formados
13 Nas últimas décadas, houve um esforço para dar visibilidade à história das mulheres no
Brasil. Cito alguns exemplos – PRIORI, Mary Del (1997), SHUMAHER, S. e BRAZIL,
E. (2000); CARNEIRO, Sueli (2004), PINSKY, Carla B. e PEDRO, Joana Maria (2012).
14 Importante reconhecer as lutas anteriores pelo sufrágio feminino, por direitos trabalhistas,
por direitos civis e pelo divorcio, dos movimentos de mulheres por moradia e saneamento
que se estenderam ao longo do período republicano.
16 Destaco a publicação Cadernos da Fundação Carlos Chagas, São Paulo, de 1975, que
reúne artigos reveladores da condição das mulheres na sociedade brasileira. Ver, também,
ROSEMBERG, Fulvia, PIZA, Edith Pompeu e MONTENEGRO (sem data).
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17 Sobre a trajetória do movimento feminista e sua relação com os setores de esquerda, ver
BARSTED, Leila de A Linhares (1983), GOLDBERG, Annette (1982), LIBARDONI,
Marlene e SUAREZ, Mireya (1992), dentre outras.
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19 Trata-se dos crimes cometido contra Angela Diniz, no Rio de Janeiro, Maria Regina
Rocha e Eloísa Ballesteros, em Minas Gerais, Eliane de Gramont, em São Paulo, e de
Cristhel Johnston, no Rio de Janeiro.
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Visibilizado por uma imprensa alternativa e também pela grande mídia, criação
de centros de estudos e pesquisas, de organizações não governamentais e grupos
autônomos. Encontros nacionais, publicações, manifestações de rua eram uma
reafirmação clara de que surgia no Brasil novas vozes pela luta por direitos.
Assim, as mulheres em movimento passaram a dialogar com os partidos po-
líticos de oposição, o que explica a introdução da agenda feminista no espaço
partidário. A criação, no Rio de Janeiro, do “Alerta Feminista para as Eleições” é
um exemplo de ação voltada para estimular candidaturas de mulheres. O diálo-
go político com setores da oposição possibilitou que, em 1982, nas eleições para
os governos estaduais, em alguns estados, como São Paulo, Minas Gerais e Rio
de Janeiro, fossem criados os Conselhos Estaduais da Condição da Mulher, as
primeiras delegacias de mulheres, abrigos e centro de atenção às mulheres em
situação de violência doméstica. A pressão feminista foi decisiva para a primeira
condenação pelo júri popular de um acusado de assassinar sua mulher, deixando
de reconhecer a chamada justificativa da legítima defesa da honra.
A partir de 1982, o movimento de mulheres, na questão de saúde, soube
detectar as brechas que possibilitaram algum diálogo com o Estado, que ainda
não declarara o fim da ditadura e que deu origem ao Programa Assistência
Integral à Saúde da Mulher – PAISM.
Com o fim da ditadura, em 1985, a agenda feminista consolidava as de-
mandas de mulheres dos mais amplos setores da sociedade. No mesmo ano,
no processo de eleição direta para a presidência da República, as mulheres
organizadas demandaram não só por direitos, mas também por políticas
públicas e pelo reconhecimento pelo Estado de seu protagonismo como
atrizes políticas, o que possibilitou, no âmbito do Ministério da Justiça, a
criação do Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres (CNDM), inau-
gurando-se a inclusão de uma agenda feminista no interior do Estado com
histórico impacto no texto da nova Constituição de 1988. A atuação do
CNDM colocou como questão de Estado as demandas dos movimentos
de mulheres construídas na década anterior, fortalecidas e consolidadas na
“Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes”, entregue ao Presidente
do Congresso Nacional em 1987, pressionando que essas demandas fossem
incluídas no texto da Constituição Federal de 1988.
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23 Trata-se da legislação portuguesa chamada de Ordenações Filipinas que vigorou no Brasil até
1840 e que, mesmo revogada, manteve-se viva nos valores da sociedade patriarcal brasileira.
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Referências bibliográficas:
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PINSKY, Carla B.; PEDRO, Joana Maria. Nova História das Mulheres no Brasil.
São Paulo: Editora Contexto , 2012.
PRIORI, Mary Del. História das Mulheres no Brasil. São Paulo: Editora
Contexto, 1997.
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Ci n co a me n o s
Marcelle Ferrete
Imersa em números que são mulheres – e tentando respirar para não afogar
em meio ao líquido vermelho que escorre cinco dias a cada trinta –, calculo
mentalmente o que as estatísticas dizem. Aumento vertiginoso, vertigem que
derruba em queda quem acompanha.
Os dados conflituosos chegam à pele em forma de arrepios. Ser mulher é
condição de risco iminente.
Feito bicho acuado, caminho até o banheiro em busca de abrigo... Sem
pensar que, enquanto eu me habitar, não há refúgio que ampare. Abro
a torneira da pia cor de carne e observo a água escorrer: bruta, pesada,
invasiva. A cor continua vermelha vibrante, em vida que pulsa e se esvai,
ainda viva. Vida que ninguém sabe ao certo para onde vai, mas deixa para
trás – nós nas gargantas em medo e indignação por uma a menos. Uma de
nós. Mais uma de nós.
Em papel toalha de pele firme que não se desfaz, mas deixa de ser depois
de invadido, escrevo nomes que conheço sem ter conhecido. A tinta guache,
vulgar como quase tudo, resiste à agressão da água corrente, mas não à poça
inerte – que talvez seja ainda mais violenta, por se fazer inofensiva. Afasto a
pele-papel que resta como sobra, negada até pelo ralo. O olho de metal que
olho me olha de volta em ameaça, como quem anuncia o destino em comum.
Acaba como começa. O vermelho vibrante que pulsou a vida em cinco dias
a cada trinta pulsa a morte de cinco mulheres a cada dia.
Ra s t ro s em d esc o n te x to s
Marcelle Ferrete
*****
Marcelle Ferrete é artista, graduada pela Universidade Federal Fluminense (UFF).
Enfr en t amen t o à p a n d e m ia d e
COVID - 19: d i ri mi n d o o im p a c to
da s vi o l ên ci as d e g ê n e r o
Introdução
Podemos afirmar que, desde 2016, temos presenciado uma série de retroces-
sos políticos, sociais e econômicos a nível federal que impactam diretamente
na vida das mulheres. A eles, em 2020, somaram-se ainda a pandemia de
COVID-19 e a crise sanitária dela decorrente, que, ao mesmo tempo em que
recrudesceram as violências de gênero, também revelaram outra pandemia,
ainda mais crônica, insidiosa, silenciosa, invisível e letal.
28 Cientista Política, Doutora em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense (UFF).
Enfrentamento à pandemia de COVID-19
89
Tecendo redes e transpondo desafios
Metodologia
90
Enfrentamento à pandemia de COVID-19
Dimensões da análise
Para o proposto, foram utilizadas seis das sete dimensões criadas por Latgé
(2016) para análise das políticas. Essas dimensões foram usadas na ferramenta
adaptada e descritas a seguir:
Regulamentação
91
Tecendo redes e transpondo desafios
Orçamento
92
Enfrentamento à pandemia de COVID-19
Gestão
Recursos Humanos
93
Tecendo redes e transpondo desafios
Rede de Serviços
94
Enfrentamento à pandemia de COVID-19
SEGURANÇA PÚBLICA /
S10 - Possui “Sala Lilás” no espaço do Posto Regional de
JUSTIÇA Polícia Técnico-Científica?
S11 – Possui “Patrulha Maria da Penha”?
S12 – Possui Juizado de Violência Doméstica?
Fonte: Elaborada pelas autoras.
95
Tecendo redes e transpondo desafios
96
Enfrentamento à pandemia de COVID-19
Tabela 6 – Continuação
97
Tecendo redes e transpondo desafios
Controle Social
Resultados e discussões
Tabela 8
DIMENSÃO 1 – REGULAMENTAÇÃO/INSTRUMENTAIS
R1 R2 R3 R4 R5 R6 X X X X X X TOTAL
1 0 0 1 0 1 X X X X X X 0,50
DIMENSÃO 2 – FINANCIAMENTO/ORÇAMENTO
F1 F2 F3 F4 F5 F6 F7 X X X X X TOTAL
0 0 1 1 0 0 0 X X X X X 0,29
(continua)
98
Enfrentamento à pandemia de COVID-19
Tabela 8 – Continuação
DIMENSÃO 3 – GESTÃO
G1 G2 G3 G4 G5 X X X X X X X TOTAL
1 0 1 0 0 X X X X X X X 0,40
DIMENSÃO 4 – RECURSOS HUMANOS
RH1 RH2 RH3 RH4 RH5 RH6 X X X X X X TOTAL
0 1 0 0 0 0 X X X X X X 0,17
DIMENSÃO 5 – REDE DE SERVIÇOS
S1 S2 S3 S4 S5 S6 S7 S8 S9 S10 S11 S12 TOTAL
1 1 1 1 0 1 1 0 1 1 1 1 0,83
DIMENSÃO 6 – CONTROLE SOCIAL
C1 C2 C3 X X X X X X X X X TOTAL
1 1 1 X X X X X X X X X 1,00
Fonte: Elaborada pelas autoras.
Tabela 9
REDE DE SERVIÇOS NA PANDEMIA – SAÚDE
S1 S2 S3 S4 S5 S6 S7 S8 S9 S10 S11 X TOTAL
0 1 1 0 0 0 0 0 0 0 0 X 0,18
REDE DE SERVIÇOS NA PANDEMIA – SOCIOASSISTENCIAL
S12 S13 S14 S15 S16 S17 S18 S19 S20 X X X TOTAL
1 0 0 1 0 0 1 0 0 X X X 0,33
REDE DE SERVIÇOS NA PANDEMIA – SEGURANÇA PÚBLICA
99
Tecendo redes e transpondo desafios
100
Enfrentamento à pandemia de COVID-19
101
Tecendo redes e transpondo desafios
Conclusões
Referência bibliográfica:
*****
102
Aume nt o d a vi o l ên c ia d o m é s tic a
c ontr a as mu l h eres n o c o n te x to
p a ndê mi co d a CO V I D -1 9 : u m e s tu d o
r e a lizad o a p art i r do M o v im e n to
de Mul h eres em S ã o Go n ç a lo
Introdução
30 Mestre em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Movimento
de Mulheres em São Gonçalo.
104
Aumento da violência doméstica contra as mulheres
Desenvolvimento
105
Tecendo redes e transpondo desafios
quando o país se estrutura nas relações sociais capitalistas, pois é nesse regime
econômico que as desigualdades sociais estão mais presentes. Além disso, é
importante ressaltar que o fenômeno da violência doméstica não é recente na
história brasileira, pois decorre de relações desiguais de poder em diferentes
contextos sociais à luz da lógica patriarcal.
O aumento da violência doméstica e/ou sexual contra as mulheres no con-
texto da pandemia do novo coronavírus trouxe desafios de difícil enfrenta-
mento, em especial para as instituições que integram as redes especializadas
de atendimento às mulheres no Estado do Rio de Janeiro.
Após o primeiro semestre de 2020, um número significativo de instituições
governamentais (Centros de Referência e/ou Atendimento) e não governa-
mentais (ONGs feministas), especializado no acolhimento das mulheres em
situação de violência, adotou medidas de segurança sanitária que determina-
ram o atendimento às mulheres em situação de violência estritamente remoto.
Tal medida se fez necessária para assegurar a não propagação comunitária do
novo coronavírus, pois tanto o isolamento como o distanciamento social foram
recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) que precisaram ser
atendidas. Além da mudança na modalidade de atendimento, novas rotinas
foram instituídas, como a higienização constante das mãos, uso de papel-toa-
lha, aferição de temperatura, uso de álcool gel 70%, máscaras descartáveis e/ou
de tecido, tendo como objetivo central a preservação da vida humana.
Outrossim, a violência que já apresentava índices altos, anteriores ao surgi-
mento da pandemia, não apresentou redução. Ao contrário, um novo cenário co-
meçou a ser delineado em nível nacional, mostrando a face mais cruel da violência
contra a mulher, pois, além do medo da contaminação pelo SARS-COV-19, as
mulheres que perderam seus empregos ou tiveram contratos de trabalho suspen-
sos passaram a viver mais tempo em companhia de seus agressores domésticos.
Além dos altos índices de violência intrafamiliar, desde 2016, a pobreza no
Brasil vem se acentuando e mostrando a todos que a face é feminina e a cor é
predominantemente preta.
É possível afirmar que a divisão sexual do trabalho é uma questão de gênero,
pois as mulheres dedicam o dobro do tempo, quando comparadas aos homens,
na administração de tarefas domésticas, em especial nos cuidados com os
106
Aumento da violência doméstica contra as mulheres
filhos e com a casa. Isso demonstra quais são os papéis sociais desempenhados
por homens e mulheres na reprodução social da vida humana. A depender dos
interesses econômicos, existem “chamados” diferentes, ora valorizando a inser-
ção da mulher no mundo produtivo e em outros na centralidade e dedicação
ao lar. A exemplo das guerras, quando os homens se veem obrigados a entrar
em combate, as mulheres são chamadas a exercerem atividades externas à casa,
no mundo do trabalho e, por conseguinte, quando não há mais interesse, o
discurso se volta para a culpabilização das mulheres, principalmente quando o
assunto se refere ao fracasso escolar e social dos filhos.
Em dias atuais, as mulheres não são mais excluídas da esfera pública e
passam a ter um reconhecimento social no quesito produtividade, porém exis-
tem desvantagens e desigualdades ao serem comparadas aos homens. É válido
ressaltar que essas diferenças são evidenciadas principalmente em relação às
mulheres negras, tendo em vista que as mesmas são submetidas a trabalhos
mais precarizados e mal remunerados.
A mulher é chamada à responsabilidade social da família, enquanto os
homens são poupados de tal atribuição. A responsabilidade desigual na socie-
dade está refletida no recebimento de um salário menor quando comparado
ao pago aos homens. Essa renda desigual está associada à marcação de um
trabalho gratuito, cuidar de alguém, dando menos importância e status social
para o exercício de tal atividade.
Resta comprovado que a desigualdade social entre homens e mulheres cres-
ceu de forma vertiginosa e, com o surgimento e propagação da COVID-19, as
mulheres têm sido as mais prejudicadas, pois, além de perderem renda e trabalho,
tiveram que desempenhar novas funções domésticas, a exemplo das atividades es-
colares dos filhos e cuidados intensivos com os idosos e pessoas com deficiências.
A sobrecarga de horas de trabalho desvelou a face mais perversa da não divisão
sexual das atividades domésticas, permitindo que as mulheres ficassem à mercê de
jornadas de trabalho extenuantes e, por conseguinte, geradoras de adoecimentos.
Os marcadores de gênero e raça nunca foram tão evidentes como em dias
atuais, pois, além das desigualdades históricas, as mulheres passaram a não con-
seguir acessar os serviços de ajuda e acolhimento especializado, dificultando o
acesso aos direitos fundamentais conquistados no novo marco legal brasileiro.
107
Tecendo redes e transpondo desafios
108
Aumento da violência doméstica contra as mulheres
109
Tecendo redes e transpondo desafios
253
145
36
2019 2020 2021
Fonte: Elaborado pelas autoras.
110
Aumento da violência doméstica contra as mulheres
Conclusão
111
Tecendo redes e transpondo desafios
Referências Bibliográficas:
112
J us t i cei ras, p ro m o v e n d o o
e nfr e n t amen t o d a v io lê n c ia d e
gê ne r o em t emp o s d e p a n d e m ia
Introdução
114
Justiceiras, promovendo o enfrentamento da violência
Metodologia
Resultados
115
Tecendo redes e transpondo desafios
33 https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/denuncie-violencia-contra-a-mulher/
violencia-contra-a-mulher
116
Justiceiras, promovendo o enfrentamento da violência
Conclusão
117
Tecendo redes e transpondo desafios
O assistente social é parte fundamental desse trabalho, como parte que realiza
encaminhamentos para efetivação das leis de políticas públicas na rede socioas-
sistencial (saúde, justiça, assistência social e segurança pública), articulador, tem
conhecimento das variadas formas de violência e, pela Lei Maria da Penha,
garante, em seu artigo 9o, que toda mulher será atendida conforme os princípios
da Lei Orgânica da Assistência Social em seu artigo 4o e outras normas:
“Art. 4o A assistência social rege-se pelos seguintes princípios:
I – Supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as exigências
de rentabilidade econômica;
II – Universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário da
ação assistencial alcançável pelas demais políticas públicas;
III – respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a
benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comu-
nitária, vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidade;
IV – Igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação de
qualquer natureza, garantindo-se equivalência às populações urbanas e rurais;
V – Divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos assis-
tenciais, bem como dos recursos oferecidos pelo Poder Público e dos critérios
para sua concessão.”
No “Projeto Justiceiras”, esse processo detecta os graus de urgência e
emergência, e cada profissional faz seu atendimento, mas somente o serviço
social articula com a rede socioassistencial do município de origem da mulher
agredida para acompanhamento e que se dê cumprimento aos seus direitos.
Pode-se observar que, após anos de lutas pela conquista do enfrentamento da
violência contra as mulheres direcionadas às redes de apoio de atendimento,
muita coisa não mudou, elas ainda permanecem em situação de vulnerabilida-
de acometidas pelos seus companheiros(as).
Algumas leis foram sancionadas no combate à violência doméstica neste
período. Em abril de 2020, tornou-se obrigatório perante a lei o agressor fre-
quentar programas de recuperação e reeducação, além de contar com acom-
panhamento psicossocial. A mudança na lei foi sancionada em 3 de abril
de 2020. Uma conquista histórica, com imenso potencial positivo. A justiça
determinará em quais casos de descumprimento o réu deverá participar de
118
Justiceiras, promovendo o enfrentamento da violência
Referências bibliográficas:
BRASIL, Lei Maria da Penha. Lei no 11.340, de 7 de agosto de 2006, Brasília, 2006.
119
A di sp ari d ad e d a v io lê n c ia
dom é s t i ca co n t ra as m e n in a s : u m
e s tudo real i z ad o n o N A C A N ite r ói
Introdução
Desenvolvimento
121
Tecendo redes e transpondo desafios
122
A disparidade da violência doméstica contra as menira
40 Os dados foram obtidos do plano de ação do MMSG/ NACA – Niterói de 2021, dispo-
nibilizado para o Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS) de 2021.
123
Tecendo redes e transpondo desafios
124
A disparidade da violência doméstica contra as menina
125
Tecendo redes e transpondo desafios
126
A disparidade da violência doméstica contra as menina
buem para tal dominação, como a igreja, que atravessa os séculos perpetuando
uma noção moralista patriarcal de submissão feminina, na qual qualquer prá-
tica contrária a tal noção é considerada subversiva e abominável. A violência
de gênero se apresenta muitas vezes de modo simbólico por ser construída
culturalmente, refletindo comportamentos de gerações anteriores, aprendidos
histórica e socialmente. Com isso, tal violência se torna simbólica, pois é natu-
ralizada pela sociedade, o homem continua assumindo o papel de dominador,
e a mulher, por sua vez, absorve a condição de submissão inconscientemente.
Segundo a teoria de Foucault (1979), não existe poder, mas, sim, relações
de poder, que agem sobre o indivíduo de forma a coagi-lo, discipliná-lo e
reprimi-lo. O gênero consistiria em uma forma legitimada socialmente de
significar as relações de poder. O poder deve ser analisado como algo que só
opera em cadeia nas relações sociais. Partindo dessa análise, podemos dizer
que o machismo presente em nossa cultura patriarcal é uma forma de relação
de poder, influenciando o comportamento do indivíduo, inclusive na constru-
ção da sua identidade.
O fundamento que sustenta a violência contra meninas e adolescentes
está ligado à posição inferior que mulheres e crianças ainda ocupam na so-
ciedade por meio de normas culturais construídas relacionadas a gênero e
masculinidade, nas quais práticas de violência perpetuadas por meninos e
homens se naturalizam. Diante disso, é tão necessário quanto urgente que
ocorram mudanças profundas nas normas sociais vigentes que legitimam
tais violências e naturalizam o poder masculino sobre corpos para o combate
às violências cometidas.
Dados presentes no Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2020) re-
velam que, em 2019, (1) 70,5% dos casos registrados de estupro eram de vul-
neráveis, que, pela Lei no 12.015/09, trata-se de vítimas menores de 14 anos
de idade ou pessoas que não podem oferecer resistência ao ato. A maior parte
das vítimas de estupro e estupro de vulnerável são do sexo feminino, aproxi-
madamente 85,7%, com destaque entre meninas de 10 a 14 anos com maior
proporção de casos, evidenciando que a discrepante desigualdade nas relações
de gênero está enraizada na violência e posições hierárquicas. Em 84,1% dos
casos de estupro, o autor era conhecido da vítima. Tal dado ilustra o grave
127
Tecendo redes e transpondo desafios
128
A disparidade da violência doméstica contra as menina
Esses dados podem ser referentes apenas aos municípios de Niterói, Itaboraí
e Maricá, onde o Núcleo em análise atua, porém, quando realizada uma com-
paração com estatísticas mais amplas, é possível perceber que a tendência se
mantém. Segundo a Organização Mundial da Saúde (2018), estima-se que
18% das meninas sofrem abuso sexual na infância, enquanto em relação aos
meninos esse valor é de 8%.
Conclusões
129
Tecendo redes e transpondo desafios
com o sexo masculino não possam se colocar nessa posição de vítima ou não
sejam reconhecidos pela família como tal. Nesse sentido, ao tratar das causas
fundamentais da violência contra crianças, a OMS (2018) divulgou uma pu-
blicação em que se consta que:
Referências bibliográficas:
130
A disparidade da violência doméstica contra as menina
SAÚDE, Organização Mundial da (Ed.). Inspire: sete estratégias para pôr fim à
violência contra crianças. 2018. 108 p. Disponível em: <https://apps.who.int/iris/
bitstream/handle/10665/207717/9789241565356-por.pdf ?ua=1>. Acesso em:
10 out. 2021.
131
Ma r ia d a P en h a n a s e s c o la s :
e ducaç ã o j u rí d i c a p o p u la r
na p reven ção e c o m b a te
à vi o l ên ci a d om é s tic a
Introdução
133
Tecendo redes e transpondo desafios
Metodologia e resultados
134
Maria da Penha nas escolas
de uma reflexão que emana da própria práxis social. Essa abordagem visa supe-
rar a separação entre teoria e prática, compreendendo que uma não pode existir
sem a outra. Outro elemento fundamental desta perspectiva é a interdiscipli-
naridade, rejeitando-se a visão hierarquizada e compartimentada dos saberes
disciplinares (SOUSA JUNIOR; APOSTOLOVA; FONSECA, 2011).
Dentro dessa proposta, e por metodologias diversas e uma linguagem
acessível, a ação extensionista apresentada intenta aproximar o direito da po-
pulação, sem perder de vista a necessidade de uma troca de saberes entre a
Universidade e a comunidade. Ademais, objetiva contribuir para a formação
acadêmica das estudantes da UFF participantes da atividade, a partir da inter-
disciplinaridade, da interprofissionalidade e de uma articulação entre Ensino,
Pesquisa e Extensão. Por fim, o projeto tem como meta implementar um
espaço propositivo de diálogo com o público-alvo, repensando a condição da
mulher e promovendo o engajamento em busca da igualdade de gênero.
Vale destacar que a ação vai ao encontro da demanda do Munícipio de
Macaé, onde, em 2017, foi aprovada uma Lei Municipal (Lei no 4.378/2017)
que “Dispõe sobre a inclusão da temática contra a violência às mulheres e
meninas no currículo escolar das escolas municipais.” (MACAÉ, 2017). Em
âmbito federal, essa obrigatoriedade foi estabelecida recentemente pela Lei
no 14.164/21, que:
135
Tecendo redes e transpondo desafios
136
Maria da Penha nas escolas
137
Tecendo redes e transpondo desafios
138
Maria da Penha nas escolas
Considerações finais
139
Tecendo redes e transpondo desafios
Referências bibliográficas:
DEMO, Pedro. Lugar da Extensão. In: FARIA, Dóris Santos de (Org.). Construção
Conceitual da Extensão Universitária na América Latina. Brasília: Universidade
de Brasília, 2001, p. 141-158.
FREIRE, Paulo. Extensão ou Comunicação. 8. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 73. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2020.
140
Maria da Penha nas escolas
141
Gr upo ref l exi vo p a r a h o m e n s :
ma s c ul i n i d ad es e s u a in te r fa c e
na v i o l ên ci a co n t r a a m u lh e r
Introdução
Este relato constitui uma reflexão teórica e prática realizada a partir da ex-
periência da equipe de trabalho interprofissional do Juizado de Violência
Doméstica e Familiar Contra Mulher ( JVDFM) de Niterói (RJ) com homens
autores de violência contra mulheres.
Compreendemos que as intervenções e estratégias de atuação no campo
da violência doméstica e de gênero devem incluir em seu debate a construção
das masculinidades e o trabalho com homens, além da preocupação com a
segurança pública e práticas punitivistas.
Neste sentido, apresentamos o trabalho de grupo com homens autores
de violência doméstica como importante intervenção no enfrentamento da
violência contra a mulher, uma vez que pode possibilitar reflexão, respon-
sabilização e prevenção de reincidências. Os grupos reflexivos com homens
cresceram após o advento da Lei Maria da Penha, com diversas experiências
pelo Brasil, cenário que tem proporcionado diversas pesquisas, entre elas, o
mapeamento dos grupos, com análises e recomendações (BEIRAS, 2021).
Nossa proposta de trabalho consiste em reuniões semanais, presenciais ou
remotas, de cinco a oito encontros por grupo de homens, em que buscamos
conectar temas e conceitos associados ao cotidiano dos usuários e suas expe-
riências de vida. Em uma perspectiva crítica de gênero, suscitamos diálogos
sobre a construção das masculinidades, os tipos de violência contra a mulher,
parentalidade e seus conflitos, uso abusivo de álcool e drogas, a própria Lei
Maria da Penha e a violência experimentada, bem como temas, transversais,
apontados pelos homens durante os encontros. As narrativas dos participantes
são valorizadas e trabalhadas de forma reflexiva, reconhecendo-se a transver-
salidade das questões de gênero (LOURO, 2008).
Refletimos que nosso trabalho, mesmo apresentando possibilidades no
enfrentamento da violência contra mulher, possui limitações que vão desde o
caráter institucional do judiciário à participação compulsória dos homens no
grupo. Observamos também que, para responder a demanda tão complexa, as
ações da rede devem orientar-se no desenvolvimento de políticas públicas de
atendimento individual e coletivo aos homens, para além da esfera judicial.
Nesta perspectiva, Beiras e colaboradores (2019) enfatizam que as interven-
ções não devem se reduzir a estratégias de segurança pública e punição, nem
de forma estrita de saúde ou de assistência social, mas precisam se organizar de
forma interdisciplinar em diversas frentes e iniciativas e incluir o debate sobre
a construção das masculinidades na interface com a violência contra a mulher.
143
Tecendo redes e transpondo desafios
144
Grupo reflexivo para homens
145
Tecendo redes e transpondo desafios
146
Grupo reflexivo para homens
147
Tecendo redes e transpondo desafios
Referências bibliográficas:
148
Grupo reflexivo para homens
FREIRE, P. Por uma pedagogia da pergunta. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.
149
Tecendo redes e transpondo desafios
SCOTT, J. B.; OLIVEIRA, 1. F. de. Grupos reflexivos para homens autores de violência
doméstica: estudo comparativo a partir de três programas brasileiros. Psicol. Teoria
prática [online]. 2021, v. 23, n. 1. Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.
php?script=sci_arttext&pid=S1516-36872021000100007&lng=pt&nrm=iso>.
Acesso em: 25 maio 2022.
150
A c olhe - d o r? Co n si d e r a ç õ e s s o b r e
o a te ndimen t o à s mulh e r e s v í tim a s
d e v iolê n ci a d o mést ic a n a U n id a d e
de A c ol h i men t o L é lia G o n z a le z
Introdução
equipamento que atenda mulheres está sujeito a lidar com casos de agressões
e violência. Não é surpreendente que as políticas de Assistência Social que
visam atender um público vulnerabilizado na perspectiva de garantia de direi-
tos acabem precisando lidar com esta temática.
Este trabalho tem por objetivo analisar dados de atendimentos realiza-
dos em 2021 às mulheres vítimas de violência doméstica na Unidade de
Acolhimento Lélia Gonzalez, uma instituição pública municipal de Niterói,
assim como informações dos encaminhamentos das suas demandas para a
rede de proteção às mulheres vítimas de violência. Vamos refletir sobre a vul-
nerabilidade dessas mulheres em situação de rua, em um país como o Brasil
– que possui Políticas Públicas com caráter fragilizado, inconsistente e que
sofre com a falta de recursos. Em seguida, iremos discutir aspectos da atuação
da equipe técnica e identificar as dificuldades que a equipe interdisciplinar
encontra nos atendimentos a essas usuárias. Para tal, foi realizado um relato
de experiência e uma pesquisa bibliográfica. Ao final, teceremos algumas con-
clusões e desafios deste trabalho.
Desenvolvimento
152
Acolhe-dor?
153
Tecendo redes e transpondo desafios
154
Acolhe-dor?
155
Tecendo redes e transpondo desafios
156
Acolhe-dor?
157
Tecendo redes e transpondo desafios
Ainda cabe ressaltar que, em alguns casos de usuárias que foram acolhidas
na modalidade de família junto de seus companheiros, houve situações de
violência verbal, física e/ou patrimonial por parte do parceiro, que ocorre-
ram dentro da Unidade de Acolhimento. Nessas situações, o procedimento
adotado pela equipe foi o de desligar esses agressores, buscando preservar a
integridade e a segurança da mulher. Entretanto, observa-se que, passada a
briga, a usuária prefere solicitar sua saída da Unidade para estar junto do com-
panheiro, mesmo que isso signifique retornar às ruas, do que estar dentro da
Unidade sem o parceiro. Em outros casos, o companheiro não era usuário da
Unidade, porém vinha encontrá-la na porta do equipamento e, neste momen-
to, aconteciam agressões verbais que acabavam requerendo a intervenção da
equipe de plantão para mediar à situação.
Diante deste cenário, quais são os desafios postos? Talvez esteja, dentre
tantos outros, com uma palavra inserida no próprio nome da instituição: aco-
lhimento. Como, de fato, acolher essas mulheres?
Para começar, talvez seja necessário ter sempre como norteador do trabalho
que a violência sofrida por essas mulheres é parte fundamental da condição
de vulnerabilidade na qual elas se encontram, e não algo à parte, conforme já
observado em outros estudos (LOPES; BORBAS; REIS, 2003). Entendendo
isso, é possível pensar em articulações, ações e escuta no campo do acolhimen-
to, e não do mero protocolo.
Considerações e desafios
158
Acolhe-dor?
Embora não seja parte direta da Rede de Atenção à Mulher, 36% das mulheres
acolhidas na Unidade entre janeiro e setembro de 2021 apresentaram a vio-
lência doméstica como um fator que contribuiu para precisarem de acolhi-
mento institucional. Portanto, é de se concluir a crucial importância que tem
a Unidade na rede de apoio às mulheres vítimas de violência no município, já
que, por diversas vezes, o equipamento é a porta de entrada destas mulheres
às políticas públicas.
Contudo, o estar na instituição por si só não é garantia de que elas irão
acessar a rede de proteção e terão seus direitos garantidos – o que demonstra
o reduzido número de mulheres que de fato buscam o CEAM e os casos
de violência que ocorrem mesmo dentro das paredes do Acolhimento.
A dificuldade em romper o ciclo da violência também se coloca quando ob-
servamos que, mesmo estando em um local que teoricamente irá acolhê-las,
prover por suas necessidades imediatas e apoiá-las em seus projetos futuros,
algumas usuárias preferem sair da Unidade a ficar longe de seus companhei-
ros, perpetradores da violência.
A partir disso, é possível concluir a importância que se tem em pensar sobre
o tema na perspectiva de um trabalho conjunto, articulado, em rede, visto
que, nos atendimentos, a rede fragilizada, precária, somada a um imaginário
social que coloca as mulheres como responsáveis pelos processos de violência
por elas vividos, trazem embargos e angústias a quem atende, e um distancia-
mento das vítimas que às vezes não entendem aquele espaço como um espaço
acolhe-dor. Levando em conta o que preconiza a Lei Maria da Penha no art.
8o, em que trás que “[...] a política pública que visa coibir a violência doméstica
e familiar contra a mulher far-se-á por meio de um conjunto articulado de
ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações
não-governamentais.” (BRASIL, 2006).
Segundo Senna e Garcia (2014), a intersetorialidade, além de ser um campo
de aprendizagem, também se constitui em uma direção que vai possibilitar
a construção de resultados para as políticas públicas das demandas atuais,
além da inserção do território e dos direitos sociais. Para a sua efetivação,
temos também que enfrentar muitos desafios, como as diferenças, restrições,
159
Tecendo redes e transpondo desafios
Referências bibliográficas:
160
Acolhe-dor?
161
Tecendo redes e transpondo desafios
162
Ar te terap i a co m a s m u lh e r e s
e m si t u ação d e v io lê n c ia
Luciana Vasconcellos 55
Introdução
164
Arteterapia com as mulheres
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Tecendo redes e transpondo desafios
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Arteterapia com as mulheres
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Tecendo redes e transpondo desafios
168
Arteterapia com as mulheres
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Tecendo redes e transpondo desafios
170
Arteterapia com as mulheres
171
Tecendo redes e transpondo desafios
por elas. Essa integração pode ser associada à coniunctio – a união dos opostos,
das partes consciente e inconsciente da personalidade individual.
172
Arteterapia com as mulheres
173
Tecendo redes e transpondo desafios
174
Arteterapia com as mulheres
Considerações finais
175
Tecendo redes e transpondo desafios
Referências bibliográficas:
ANDRADE, Liomar Quinto de. Terapias expressivas. São Paulo: Vetor, 2000.
ESTÉS, Clarissa Pinkola. A ciranda das mulheres sábias: ser jovem enquanto velha,
velha enquanto jovem. Rio de Janeiro: Rocco, 2007.
ESTÉS, Clarissa Pinkola. Mulheres que correm com os lobos: mitos e histórias do
arquétipo da mulher selvagem. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.
176
Arteterapia com as mulheres
JUNG, Carl Gustav. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1964.
SILVEIRA, Nise da. Jung: vida e obra. São Paulo: Paz e Terra, 1981.
STEIN, Murray. Jung: o mapa da alma: uma introdução. 5 ed. São Paulo: Cultrix, 2006.
177
Enfr e nt amen t o à vi o lê n c ia s e x u a l
c ontra a mu l h er e o s d e s a fio s
c olocad o s às u n i v e r s id a d e s
p ú b l i cas b ras ile ir a s
Introdução
179
Tecendo redes e transpondo desafios
180
Enfrentamento à violência sexual contra a mulher
181
Tecendo redes e transpondo desafios
saúde. Por outro lado, também foi apontada a dificuldade de inserção dos es-
tudantes em pesquisas sobre o tema. Um limite ainda presente nas estruturas
curriculares dos cursos da saúde é a não inclusão da perspectiva interseccional
na análise do fenômeno. Entre os desafios apontados pela pesquisa, encontra-
-se a necessidade de formação no campo dos direitos sexuais e reprodutivos
como parte dos Direitos Humanos e a adequação da formação profissional à
realidade da saúde da população.
As experiências de execução de políticas de enfrentamento à violência
sexual contra a mulher no contexto das universidades públicas brasileiras,
pelos serviços de atendimento à população feminina local (unidade de saúde e
centro de referência) ou pela implementação de estratégias de enfrentamento
à violência sexual no contexto da própria universidade, ainda são pouco co-
nhecidas (MAITO et al., 2019).
É importante ressaltar o contexto recente de intenso debate nas univer-
sidades sobre as violências sexuais ocorridas nestes espaços, decorrente da
visibilidade do tema proporcionada pelos coletivos feministas de alunas, pes-
quisas (INSTITUTO AVON; DATA POPULAR, 2015), blogs, seminários e
grupos de trabalho.
Nesse cenário, o Grupo de Pesquisa e Extensão Prevenção da Violência
Sexual vem apontando a necessidade de a formação profissional ser norteada
pelos princípios de criticidade, competência e compromisso com a democracia
e a cidadania. Nesse sentido, os profissionais devem estar capacitados, sob o
ponto de vista teórico, político e técnico, a investigar, formular, gerir, executar,
avaliar e monitorar políticas sociais, programas e projetos em diferentes áreas,
incluída a prevenção da violência sexual contra a mulher.
A inserção no “Grupo de Extensão Prevenção da Violência Sexual” per-
mite a aproximação com a rede de serviços das diferentes políticas públicas,
com as demandas vivenciadas no cotidiano profissional e com as estratégias
adotadas pelos diferentes profissionais e gestores no atendimento às mulheres
em situação de violência sexual.
Essa inserção qualifica a formação profissional do estudante para a futura
atuação em instituições públicas, privadas, em organizações não governamen-
tais e junto aos movimentos populares na área da violência de gênero.
182
Enfrentamento à violência sexual contra a mulher
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Tecendo redes e transpondo desafios
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Enfrentamento à violência sexual contra a mulher
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Tecendo redes e transpondo desafios
Considerações finais
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Enfrentamento à violência sexual contra a mulher
Referências bibliográficas:
187
Tecendo redes e transpondo desafios
188
D e s af i o s n o at en d im e n to d e
mulhe r es em si t u açã o d e v io lê n c ia
se x ua l em u m servi ço d e r e fe r ê n c ia
no Ri o G ran d e d o N o r te
Introdução
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Desafios no atendimento de mulheres em situação de violência sexual
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Tecendo redes e transpondo desafios
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Desafios no atendimento de mulheres em situação de violência sexual
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Desafios no atendimento de mulheres em situação de violência sexual
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Tecendo redes e transpondo desafios
somente à pandemia, mesmo reconhecendo que, sim, ela pode ser um fator
influenciador. Segundo o Anuário de Brasileiro de Segurança Pública 2021
(BRASIL, 2021), houve um crescimento de 2,4% dos registros de estupro e
estupro de vulnerável no Rio Grande do Norte em 2020, apesar de ter sido
verificada uma tendência de queda na análise nacional. Os registros sempre
correspondem à realidade? Ou o isolamento social devido à pandemia com-
plexificou mais ainda a mensuração da realidade?
Diversas questões ficam em aberto: o aumento dos registros de casos pelo
HUAB seria um sinal do aumento no número de casos de violência sexual
contra mulheres na região? Ou seria um sinal de um crescimento geral no
número de casos de violência sexual em função da pandemia de COVID-19?
Ou é uma demonstração de que as estratégias de divulgação estão sendo mais
efetivas? Estaria a rede menos frágil e mais articulada? As estratégias tomadas
estão superando os desafios?
Não há resposta certa e linear para essas perguntas, a única resposta verda-
deiramente adequada é que a violência sexual precisa ser combatida, prevenida
e abolida da nossa sociedade. Até isso ocorrer, todas as pessoas vítimas desse
tipo de violência precisam ser acolhidas e cuidadas de maneira digna e respei-
tosa. Meninas, adolescentes e mulheres necessitam ter garantia de acesso aos
serviços de referência capacitados para acolher todas as suas necessidades, de
modo integral, tecnicamente qualificado e eticamente orientado.
Conclusões
196
Desafios no atendimento de mulheres em situação de violência sexual
Referências Bibliográficas:
197
Tecendo redes e transpondo desafios
198
Violê n ci a sexu al , p e r c e p ç ã o
e at i t u d es d e m é d ic o s d e
m a te r nid ad e p ú b l i ca u n iv e r s itá r ia :
d i l emas e d e s a fio s
Introdução
200
Violência sexual, percepção e atitudes de médicos de maternidade
201
Tecendo redes e transpondo desafios
202
Violência sexual, percepção e atitudes de médicos de maternidade
“[...] não sei como poderia ser feita essa intervenção, mas um
trabalho de tentar fazer com que essas mulheres mantenham
a gestação, [...] que deem ‘pra’ adoção os bebês, existe pouco
trabalho aqui no hospital. A maioria das pacientes que a gente
atende aqui na urgência são para o processo do abortamento
legal.” (Médica preceptora F)
203
Tecendo redes e transpondo desafios
“Até que ponto posso ajudar e essa ajuda me faz mal, contra
meus princípios, meus princípios básicos, não posso mudar por
causa da minha profissão.” (Médico preceptor P)
204
Violência sexual, percepção e atitudes de médicos de maternidade
“Acho que não tem hoje um modelo bom, acho que o modelo que
‘tá’ aí é excessivo, ‘tá’ sem regulação nenhuma, é preciso pensar
algum mecanismo de regulação pra isso, acho que, quando
a mulher se declara vítima, ela muitas vezes não é, e aí o
profissional, ele tem que lidar com esse caso, como é que funciona
isso?” (Médico preceptor O)
“Os casos que a gente recebe aqui não é a gente que avalia se a
paciente foi estuprada [...] Como é que ‘tá’ sendo esse critério de
seleção?” (Médico residente G)
“[...] Mas eu acho que, muitas das vezes, a gente pega paciente
que tem uma história um pouco dúbia, um pouco confusa, que
205
Tecendo redes e transpondo desafios
realmente às vezes a gente fica assim: ‘até que ponto isso é uma
aborto previsto por lei’, entendeu?” (Médica residente H)
206
Violência sexual, percepção e atitudes de médicos de maternidade
Outras falas trazem uma postura um pouco mais profissional, visto que os
procedimentos dos trabalhadores da saúde não devem ser confundidos com os
reservados à justiça (FRANÇA, 2005).
Discussão
207
Tecendo redes e transpondo desafios
como a perspectiva da mulher que leva a gravidez a termo como heroína pode
também operar como violência, se considerarmos o traumatismo psíquico em
que se encontram essas mulheres.
O trauma da VS altera também a autopercepção, traz culpa, desejo de in-
visibilidade, vergonha e negligência com o próprio corpo (ADESSE, 2016).
A profunda desesperança e autodepreciação que podem acometer essas mu-
lheres dificultam a busca por ajuda em tempo hábil para profilaxia. A socie-
dade e as instituições, estruturadas pela cultura do estupro, buscam encontrar
condutas consideradas desviantes na sexualidade das mulheres no intuito de
culpá-las (ADESSE, 2016).
Considerando o trauma e a discriminação que a vítima sofre por parte dos apa-
relhos ideológicos repressivos, denunciar torna-se um ato desafiador e, por vezes,
multiplicador da violência, isolando a vítima no silêncio que aparentemente dará
fim àquela dor (ADESSE, 2016). Além disso, fatores como vulnerabilidade social,
medo do descrédito, sentimento de humilhação e temor do exame pericial podem
influenciar na forma e tempo da busca por ajuda (CHAVKIN; SWERDLOW;
FIFIELD, 2017). Ademais, o baixo conhecimento sobre serviços de atendimento
às vítimas de VS e direito ao AL é uma realidade (BENUTE, 2012).
Estudos com profissionais de saúde em serviços de AL evidenciaram desco-
nhecimento elevado sobre dispensa de documentos (86% a 92% dos entrevistados)
(BENUTE, 2012; ROCHA et al., 2015). De acordo com a legislação brasileira,
não existe obrigação em noticiar o fato à polícia, fazer o boletim de ocorrência
policial ou passar pelo exame de corpo de delito e conjunção carnal, ainda assim,
a mulher deve ser orientada a tomar providências policiais e judiciais, mas, caso
não o faça, não lhe pode ser negado o direito ao AL (ANDRADE, 2017).
Pelo ordenamento jurídico brasileiro, a palavra da mulher que busca
o serviço de saúde afirmando ter sofrido VS deve ter credibilidade, ética e
legalmente, deve ser recebida com presunção de veracidade (DELZIOVO,
2018). Mesmo sendo induzido ao erro, caso realize abortamento acreditando
no relato, o médico não responderá criminalmente, conforme artigo 20 do
Código Penal: “É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas
circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legíti-
ma.” (BRASIL, 2009).
208
Violência sexual, percepção e atitudes de médicos de maternidade
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Tecendo redes e transpondo desafios
direitos humanos universais; (b) que a saúde sexual e reprodutiva envolve o di-
reito a se reproduzir ou não; (c) que o direito à saúde deve ser garantido em
todas as situações, inclusive naquelas relativas ao AL; (d) e que o Brasil pode ser
responsabilizado internacionalmente em caso de violação ou negligência desses
direitos (FRANÇA, 2005). O acesso ao AL é um direito humano sexual e re-
produtivo e de cidadania e é dever do estado brasileiro garanti-lo.
Conclusão
Referências bibliográficas:
ADESSE, Leila et al. Aborto e estigma: uma análise da produção científica sobre a
temática. Ciência & Saúde Coletiva, v. 21, p. 3819-3832, 2016. Disponível em:
<https://doi.org/10.1590/1413-812320152112.07282015>. Acesso em: 25 maio 2022.
210
Violência sexual, percepção e atitudes de médicos de maternidade
211
Tecendo redes e transpondo desafios
DELZIOVO, Carmem Regina et al. Sexual violence against women and care
in the health sector in Santa Catarina–Brazil. Ciência & saúde coletiva,
v. 23, p. 1687-1696, 2018. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/1413-
81232018235.20112016>. Acesso em: 25 maio 2022.
FONSECA, Sandra Costa et al. Aborto legal no Brasil: revisão sistemática da produção
científica, 2008-2018. Cadernos de Saúde Pública, v. 36, p. e00189718, 2020. Disponível
em: <https://doi.org/10.1590/0102-311X00189718>. Acesso em: 25 maio 2022.
212
Violência sexual, percepção e atitudes de médicos de maternidade
213
A f i n al , q u em d e c id e
p el o ab o rt o le g a l?
Introdução
215
Tecendo redes e transpondo desafios
216
Afinal, quem decide pelo aborto legal?
seu corpo, histórias pessoais permeadas por violações, entraves legais somados
à objeção de consciência, tudo isso se transforma em um tanto de muitas
incertezas para a tomada de decisão.
Inicialmente, o relato da violência deveria ser o parâmetro para se iniciar
o procedimento, contudo, contradições aparentes dificultam a realização do
aborto legal. Para ser aprovado, é fundamental que o relato da mulher apresen-
te coerência entre a violência sexual e a idade gestacional, não podendo haver
possibilidade de a gestação ter ocorrido por outra circunstância.
Buscamos conhecer a opinião de profissionais de saúde, que, de alguma
forma, estão vinculados ao tema do aborto legal. Para isso, realizamos um
pequeno questionário pela ferramenta “Google Forms”, visando mensurar a
realidade vivenciada pelos profissionais nos atendimentos e o nível de com-
preensão detido em seus espaços de trabalho. Na busca por conhecimento,
as ciências se utilizam de métodos padronizados para coletar, tratar e inter-
pretar dados, sendo o questionário um desses recursos de pesquisa. Segundo
Minayo (2012 apud TOASSY et al., 2021), “[...] o modo de fazer depende
de perguntas, dos instrumentos e das estratégias utilizadas na coleta de dados
[...]” e evoca criatividade no realizar. Assim, buscamos identificar como as
equipes interagiam e se comunicavam durante a análise das solicitações das
mulheres por meio de um questionário eletrônico, em que não era necessária a
identificação do profissional. O sucinto estudo revelou que, de um lado, existe
o entendimento de alguns profissionais de que apenas o parecer técnico do
médico(a) valida a decisão. E, por outro, profissionais revelam que essa decisão
cabe única e exclusivamente à mulher. Mas quem, de fato, após cuidadosa
avaliação, decide sobre o aborto legal e quais os parâmetros utilizados para a
conclusão do parecer técnico?
Conforme citamos acima, o Artigo 128, inciso II, do Código Penal garante
a legalidade do aborto quando decorrido de estupro, um crime previsto no
Artigo 213 do mesmo Código. A gravidez, como produto de um estupro,
pode ser interrompida sem que os profissionais envolvidos sejam culpabiliza-
dos pelo ato. Recentemente, no seu escopo, a Portaria 2561, de 23 de setem-
bro de 2020, reafirmou à equipe multidisciplinar o direito à proteção jurídica.
A partir da documentação apresentada, a mulher assume total responsabilidade
217
Tecendo redes e transpondo desafios
218
Afinal, quem decide pelo aborto legal?
219
Tecendo redes e transpondo desafios
Conclusões
220
Afinal, quem decide pelo aborto legal?
considerando tal atitude um fracasso de suas decisões. Por outro lado, o debate
aponta para discussões mais maduras sobre o que é entregar um filho para
adoção. Pensamos que nem abortar nem doar o filho sejam decisões fáceis
para a mulher, muito mais quando se trata de um filho gerado sob a força da
violência ou de uma gravidez não desejada. A mulher se encontra em um lugar
de muita solidão, comparecendo quase sempre sozinha ou acompanhada de
apenas uma amiga. Pouco ou nenhum familiar tem conhecimento do fato, o
que se conclui que a decisão é difícil para ser tomada e cercada de insegurança.
A composição da equipe multidisciplinar funciona para subsidiar o(a) mé-
dico(a) na tomada de decisão, muito embora não é ele(a) quem inicia o proce-
dimento, mas um(a) outro(a) colega. A equipe multidisciplinar efetua análises
sobre o relato da mulher, atua como amparo das decisões, ponto de apoio e
acolhimento da mulher que aborta, levando em consideração o relato pessoal.
A equipe, de modo geral, busca compreender os impactos da violência, da
internação e do aborto na vida da mulher para proceder com os encaminha-
mentos. Contudo, sem a perspectiva de invalidar o conteúdo do entendimen-
to de outros membros da equipe, o questionário revelou que os pareceres da
psicologia, do serviço social e da enfermagem não consubstanciam valor para
a tomada da decisão. De fato, o abortamento legal apenas será realizado se a
idade gestacional estiver relacionada com a violência relatada.
Referências bibliográficas:
221
Tecendo redes e transpondo desafios
ROCHA, Wesley Braga da. SILVA, Anadely Castro da. LEITE, Solange Maria
de Lacerda.
222
Abor to l eg al em casos d e e s tu p r o :
e ntr e o s d i rei t o s e o s d ile m a s
Introdução
No Brasil, o aborto é tipificado como crime contra a vida pelo Código Penal
de 1940, porém existem três casos em que o aborto é permitido por lei: diante
de riscos à vida da gestante, em situações de estupro (os dois previstos no
Código Penal de 1940) e em gravidez de feto anencéfalo ou anomalia fetal que
comprometa a vida extrauterina do feto, autorizado em 2012, pelo Supremo
Tribunal Federal por meio da Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental no 147. Essas são importantes conquistas dos movimentos fe-
ministas e das organizações protagonizadas por mulheres.
Diante disso, este estudo foi elaborado a partir da inserção enquanto assis-
tente social na maternidade de um hospital federal no Município do Rio de
Janeiro, o qual atende casos de interrupção de gravidez de feto anencéfalo ou
anomalia fetal que compromete a vida extrauterina do feto e de gravidez em
situações de estupro, dois casos dos três permitidos por lei.
No cotidiano de trabalho, depara-se com alguns entraves na viabilização
do direito à interrupção de gravidez em decorrência de estupro. Nesta mesma
224
Aborto legal em casos de estupro
225
Tecendo redes e transpondo desafios
226
Aborto legal em casos de estupro
227
Tecendo redes e transpondo desafios
228
Aborto legal em casos de estupro
também desconhecem tal direito, o que torna a situação ainda mais crítica,
tendo em vista que, na maioria das vezes, são os primeiros serviços que aquelas
mulheres procuram ajuda.
De acordo com Farias e Cavalcanti (2012), mesmo que exista um cresci-
mento no número de serviços de aborto legal em nível nacional, ainda é forte
a resistência de profissionais e gestores em sua implementação. Além disso,
grande parte desses serviços está presente apenas em cidades grandes e em
capitais, o que pode dificultar o acesso de mulheres que residem fora dessas
áreas. Esta questão também é observada nos atendimentos realizados nesta
maternidade, tendo em vista que algumas das mulheres atendidas vieram do
interior do Estado do Rio de Janeiro, já que, em suas cidades de origem, esses
procedimentos não são realizados.
Acredita-se que esses obstáculos apresentados são acentuados diante do
atual cenário político, neoconservador e de desmontes de políticas sociais, em
que, de acordo com Behring (2008), a tendência geral é a redução de direitos,
e as políticas sociais são transformadas em ações pontuais e compensatórias.
Sabe-se que a ausência de investimentos para a garantia dos direitos pode
acarretar no aumento da vulnerabilidade dos sujeitos, majoritariamente das
mulheres negras e de classe social mais desfavorecida, que precisam recorrer
às redes de serviços às mulheres em situação de violência e se deparam com
a precarização dessas instituições. O campo das políticas públicas de gênero
também é afetado, sobretudo em casos de abortamento previsto em lei.
Considerações finais
229
Tecendo redes e transpondo desafios
Referências Bibliográficas:
ANJOS, KF et al. Aborto e saúde pública no Brasil: reflexões sob a perspectiva dos
direitos humanos. Saúde debate. Rio de Janeiro, v. 37, n. 98, p. 504-515, jul.-set.,
2013. Disponível em: <http://old.scielo.br/pdf/sdeb/v37n98/a14v37n98.pdf>.
Acesso em: 25 maio 2022.
230
Aborto legal em casos de estupro
231
Tecendo redes e transpondo desafios
FARIAS, RS; CAVALCANTI, LF. Atuação diante das situações de aborto legal
na perspectiva dos profissionais de saúde do Hospital Municipal Fernando
Magalhães. Ciência e Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, v. 17, n. 7, jul., 2012.
Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S1413-81232012000700014>. Acesso
em: 25 maio 2022.
GIUGLIANI, C. et. al. Violência Sexual e Direito ao Aborto Legal no Brasil: fatos
e reflexões. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2021.
232
A s pe c to s d e vu l n er a b ilid a d e e m
mulheres vi ven d o c o m H IV /a id s
s ob a p ersp ect i va d e g ê n e r o
Introdução
234
Aspectos de vulnerabilidade em mulheres vivendo com HIV/aids
235
Tecendo redes e transpondo desafios
inclusive pela falha na prevenção ao vírus (AYRES et al., 2009). Além disso,
pelo fato de ser focada no comportamento individual, essa conceituação não
abarcava toda a multiplicidade dos fatores envolvidos nas vivências da popu-
lação, na prevenção e na transmissão da infecção.
Diante do aumento de casos nos mais diversos grupos, emergiu a exigência
de um conceito que fosse capaz de englobar outros aspectos relacionados ao
HIV, principalmente, à propensão ao risco da infecção. No terceiro momento
da epidemia, quando ocorre o aumento dos casos entre heterossexuais, mulhe-
res, pessoas com baixo grau de escolaridade e nas populações interioranas, pas-
sou-se a utilizar uma nova forma para pensar a incidência do vírus. Começou
a se considerar o conceito de “vulnerabilidade” nesse cenário (BRASIL, 1999).
Para Ayres et al. (2009), o conceito de vulnerabilidade considera que a
maior ou menor chance de exposição à infecção, os agravos e até mesmo a
possibilidade de acesso aos meios de prevenção não estão relacionados apenas
a questões individuais, mas também aos aspectos coletivos. Dessa forma, para
pesquisar a vulnerabilidade envolvida no contexto do HIV, é necessário con-
siderar três componentes que se articulam. São eles: componentes individual,
social e programático. O componente individual corresponde à forma como
o indivíduo se relaciona com as informações sobre um tema, tanto no que diz
respeito ao acesso e qualidade quanto à compreensão. Além disso, esse com-
ponente também considera se o indivíduo irá inserir essa informação em sua
vida como algo que mereça sua atenção e possa servir como base para pensar
as formas de proteção.
O componente social também se pauta sobre a relação do indivíduo com a
informação. Entretanto, aponta que, nessa circunstância, se faz necessária a in-
clusão de questões que não dependem apenas dos indivíduos, mas de aspectos
sociais relacionados ao acesso à educação, aos meios de comunicação, às dis-
cussões políticas e culturais. Já os componentes programáticos dizem respeito
à disponibilidade dos recursos sociais que visam à prevenção e aos agravos da
infecção pelo HIV. Dessarte a isso, quanto mais efetivos e acessíveis são os
programas e as ações voltadas para os diversos níveis de cuidado relacionados
ao HIV/aids, maior é a probabilidade de os indivíduos enfrentarem essa epi-
demia adequadamente (AYRES et al., 2009).
236
Aspectos de vulnerabilidade em mulheres vivendo com HIV/aids
Como a epidemia do HIV, ao longo dos anos, foi demonstrando que a infec-
ção se coloca como algo de grande impacto em diversos campos sociais, as forças
governamentais buscaram uma estratégia para a construção de políticas públicas
de cuidado assertivas e com participação social. Procurou-se definir em quais
grupos a incidência do HIV mostrava-se mais alta quando comparada com a
população em geral. Surgiu a partir daí, o conceito de “populações-chave”. Além
disso, nesse contexto, também foram inseridas as “populações prioritárias”, ou
seja, “[...] os segmentos que também apresentam vulnerabilidades aumentadas
devido à situação de vida ou contextos históricos, sociais e estruturais: jovens,
população negra, indígenas e pessoas em situação de rua” (BRASIL, 2018, p. 36).
Para Mattos (2013) ao considerar a incidência da infecção do HIV em
mulheres, é possível verificar a presença do gênero como uma forma de “[...]
corporificar as relações entre homens e mulheres, assim como estruturar as
identidades subjetivas, e estende-se para as demais instâncias sociais, como
política, economia, sociedade [...]” (p. 70). Dessa forma, as instituições sociais
pertencentes, tais como, a família, a mídia e as escolas, atuam na perpetuação
de um modelo de comportamento padrão e estereotipado que define o que é
ser homem e ser mulher.
Quando se discute as questões de gênero, é notável uma certa desigualdade
ao se tratas do exercício das sexualidades masculina e feminina. A construção
simbólica da sexualidade masculina é atravessada por representações sociais
que marcam a liberdade da prática sexual e da busca pelo prazer. Entretanto,
avesso a esse contexto, a expressão da sexualidade feminina foi posta em um
local de silenciamento, conformismo e, até mesmo, desconhecimento no que
diz respeito aos processos biológicos do próprio corpo (GUIMARÃES, 1996).
Diante disso, a partir de uma perspectiva que considera as questões de
gênero, é possível discorrer sobre os demais aspectos que levam as mulheres a
terem um baixo poder de negociação nas relações sexuais com seus parceiros,
tornando-as mais vulneráveis a uma atividade sexual sem o uso do preserva-
tivo. No que diz respeito às questões reprodutivas e sexuais, há uma espécie
de submissão das mulheres aos homens, que engloba o exercício da própria
sexualidade e a responsabilidade pelas formas de concepção e contracepção
impostas a elas (SANTOS et al., 2009).
237
Tecendo redes e transpondo desafios
238
Aspectos de vulnerabilidade em mulheres vivendo com HIV/aids
Considerações finais
Diante do que foi exposto até aqui, é evidente a força que uma sociedade
machista e patriarcal é capaz de instituir sobre a vivência das mulheres com
HIV/aids. Tratar o exercício da sexualidade feminina como um tabu gera con-
sequências para a subjetividade dessas mulheres, gerando culpa e sofrimento.
Não é incomum que uma mulher diagnosticada com HIV se sinta enver-
gonhada, amedrontada e culpada pela transmissão da infecção do vírus. Um
dos efeitos presentes em uma sociedade patriarcal e machista é o fato de uma
mulher sentir vergonha do exercício da sexualidade ou ter receio de ser jul-
gada como promíscua. Além disso, mesmo quando descobrem que a infecção
veio pela relação sexual seu companheiro fixo, algumas mulheres permanecem
239
Tecendo redes e transpondo desafios
nesses relacionamentos, mesmo sem vontade, por acreditarem que não serão
dignas de se relacionar afetiva e sexualmente com outras pessoas.
Além do estigma relacionado à infecção, a situação de hospitalização ou a
possibilidade de agravo da saúde por complicações da Aids também é difícil
para essas mulheres na medida em que elas ocupam o papel cuidadora prin-
cipal dos filhos e da casa. Assim, ao considerar as expectativas impostas pela
sociedade para o exercício da maternidade, é possível compreender o receio
das mulheres de serem culpabilizadas e não poderem cuidar dos filhos, ainda
que estes tenham pais ou demais redes de apoio presentes.
O fato de a aids estar tão intimamente relacionada a fatores de discri-
minação acaba favorecendo com que as pessoas que vivem com HIV
tenham medo de revelar seu diagnóstico e acabem, por medo do precon-
ceito, se privando do acesso aos meios de assistência e promoção à saúde
(ALMEIDA; LABRONICI, 2007).
A necessidade de reestruturação das estratégias de saúde se faz indispensá-
vel para que os papéis de gênero e suas desigualdades sejam analisadas e seja
possível construir uma política pública em saúde que alcance os mais diversos
aspectos de vulnerabilidade das mulheres.
Oferecer um cuidado integral e equitativo para uma mulher que vive com
HIV significa considerar que ela é um ser provido de sexualidade, com seus
direitos sexuais e reprodutivos preservados, com possibilidade de escolha entre
o trabalho doméstico e o trabalho externo e com direito de vivenciar a mater-
nidade a seu modo.
Referências bibliográficas:
ANJOS, KF, et al. Aborto e saúde pública no Brasil: reflexões sob a perspectiva dos
direitos humanos. Saúde debate. Rio de Janeiro, v .37, n .98, p. 200-211, jul.-set.,
2013. Disponível em: <http://old.scielo.br/pdf/sdeb/v37n98/a14v37n98.pdf>.
Acesso em: 25 maio 2022.
240
Aspectos de vulnerabilidade em mulheres vivendo com HIV/aids
BRASIL. Boletim Epidemiológico Aids. In: Boletim Epidemiológico Aids. [S. l.],
2000. Disponível em: <https://bvsms.saude.gov.br/bvs/periodicos/Boletim_jul_
set_2000.pdf>. Acesso em: 17 jan. 2022.
241
Tecendo redes e transpondo desafios
242
Aspectos de vulnerabilidade em mulheres vivendo com HIV/aids
243
Te cen d o red es de c u id a d o
c om mu l h eres em tr a ta m e n to
d o cân cer d e m a m a
Virginia Dresch 69
Juliana Caminha 70
Maria Eduarda Ferrandi Vilas Boas Bertocco 71
Ana Júlia Dresch 72
Layssa Cruz de Oliveira 73
Vitória Ramos Santana 74
Ariel Moura Alves 75
Introdução
245
Tecendo redes e transpondo desafios
Metodologia
246
Tecendo redes de cuidado com mulheres
Resultados e discussão
247
Tecendo redes e transpondo desafios
sua adesão ao tratamento. Este plano singular pode ser adaptado para outras
redes públicas de saúde: o passo 1 refere-se ao diagnóstico do câncer de mama
pela média complexidade do SUS; o passo 2 consiste no planejamento do
tratamento do câncer de mama pela alta complexidade do SUS.
248
Tecendo redes de cuidado com mulheres
249
Tecendo redes e transpondo desafios
250
Tecendo redes de cuidado com mulheres
Considerações finais
251
Tecendo redes e transpondo desafios
Referências bibliográficas:
252
Tecendo redes de cuidado com mulheres
MOLINA, Maria Aparecida Salci; MARCONI, Sônia Silva. Mudanças nos rela-
cionamentos com os amigos, cônjuge e família após o diagnóstico de câncer na
mulher. Revista Brasileira de Enfermagem, Maringá, v. 59, n. 4, p. 514-520, jun.
2006. DOI: <https://doi.org/10.1590/S0034-71672006000400008>. Acesso em:
25 maio 2022.
253
Tecendo redes e transpondo desafios
PORTELLA, Maria Gabriela Ribeiro et al. Breast Cancer Paradox: High Curability
versus High Mortality from a Gender Perspective. Health, [S.l.], v. 11, n. 10,
p. 1257-1271, out. 2019. DOI: <10.4236/health.2019.1110097>. Acesso em:
25 maio 2022.
RIES, LA Gloeckler et al. SEER survival monograph: cancer survival among adults:
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National Cancer Institute, 2007. Disponível em: <https://seer.cancer.gov/archive/
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254
Gr u p o d e ap o i o a p a is d e
r e c é m- n asci d o s da s u n id a d e s
ne ona t ai s – co n st r u in d o r e d e s
Introdução
256
Grupo de apoio a pais de recém-nascidos das unidades neonatais
257
Tecendo redes e transpondo desafios
258
Grupo de apoio a pais de recém-nascidos das unidades neonatais
das UNs, evidenciando a existência dos bebês enquanto sujeitos, para além de
pacientes, e promovendo e reafirmando a construção identitária de cada um
deles. As atividades geraram elementos de aproximação e interação entre pais
e filhos, família e equipe.
Ao que se segue, será apresentada a experiência vivenciada no período de
janeiro de 2019 a março de 2020, totalizando 31 encontros. É fundamental
ressaltar que, em função da pandemia de SARS-COV-2, os encontros foram
interrompidos em março de 2020, tendo sido realizada a tentativa de retorno,
com a ocorrência de três encontros em setembro de 2020, e, depois, os traba-
lhos foram retomados em setembro de 2021.
Destacamos neste percurso alguns encontros emblemáticos desse movimen-
to de produção de autonomia dos pais frente à internação de seus filhos em uma
UN e também das equipes frente ao seu processo de trabalho, tomado como
vivo e possível de ser reinventado, de acordo com as necessidades dos envolvidos.
A primeira cena exposta, composta por arquivo com cinco fotos, trata do
momento que teve desdobramentos tanto terapêuticos quanto produtivos, a
partir de dois encontros que aconteceram em semanas consecutivas. O pri-
meiro possibilitou a discussão sobre os papéis colocados socialmente de mãe
e pai e suas possíveis adequações a partir das figuras heroicas de personagens
da ficção. A figura materna surgiu como grande heroína por atribuição de
características como força, coragem, luta pela garantia de direitos relativos às
mulheres e às crianças (seus filhos) e, diante da vida, o humor como elemento
de retroalimentação da sua potência.
Refletiu-se sobre a marcante presença materna, o lugar paterno, e se, afinal,
os pais são heróis de seus filhos. Como as referências são construídas e os mo-
delos são seguidos? E em quais momentos a fragilidade de um recém-nascido
se converte em força e coragem, tornando-o herói de seus pais, com capaci-
dade de fortalecê-los emocionalmente e, também, de motivar profissionais?
O segundo momento ainda pertinente à primeira cena, mostra uma oficina
de confecção de fantasias, ministrada por artesã voluntária e mediada por uma
psicóloga e uma terapeuta ocupacional. A culminância se deu no ato compar-
tilhado entre pais e equipe (incluindo alunos e residentes) de vestir os bebês e
fotografá-los como heróis, que se tornou um exemplo de atenção humanizada
259
Tecendo redes e transpondo desafios
Outra cena seguiu os passos anteriores, de modo a instigar nos pais a reflexão
sobre a interação com o bebê. Por que, quando e como fazê-la? Entendendo
os benefícios para o desenvolvimento neuropsicomotor e socioafetivo. Partiu-
se das seguintes perguntas disparadoras: Como vejo meu filho?; O que meu
filho é capaz de fazer?; O que eu posso fazer pelo meu filho e com ele?; Como
interajo com meu filho?
A partir disso, foi possível explorar a relação e o vínculo dos pais com seus
bebês e a importância do brincar para o desenvolvimento global deles, neste
momento, com destaque para um sentido específico, a visão. Da mesma forma,
foi feito, posteriormente, uma oficina de feltro, na qual os pais confeccionaram
brinquedos, como dedoches e móbiles para serem usados na interação com
seus filhos na UN. Outra vez, o grupo foi potencializador do senso de capaci-
dade dos pais, emponderando-os e tornando-os agentes transformadores do
ambiente e da rotina do bebê.
260
Grupo de apoio a pais de recém-nascidos das unidades neonatais
261
Tecendo redes e transpondo desafios
Referências bibliográficas:
262
Grupo de apoio a pais de recém-nascidos das unidades neonatais
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Os i mp act o s d a p o b r e z a
m e ns t ru al : rel at o s o b r e a ç õ e s
s oci ai s n o M u n ic í p io d e
C a m p o s d o s G o y ta c a z e s /R J
Introdução
A pobreza menstrual é uma das faces da desigualdade social que afeta milhares
de mulheres no mundo inteiro. Diante da situação de precarização econômica,
muitas meninas e mulheres vivenciam o seu ciclo menstrual sem a mínima
dignidade. Em muitos casos, colocando em risco a própria saúde ao utilizar
materiais não adequados para conter o seu fluxo, como, por exemplo, pedaços
de pano, jornais velhos, miolo de pão e sacolas plásticas.
Esse problema de saúde pública, como foi classificado pela Organização
das Nações Unidas (ONU, 2014), ainda é invisibilizado. Tanto o poder pú-
blico, quanto parte da sociedade não o enxergam como urgente e relevante.
Exemplo disso é a longa espera para que ações efetivas do governo, via políti-
cas públicas, sejam realizadas, o silenciamento do tema nos debates na esfera
pública e no espaço escolar e, mais recentemente, o veto presidencial para a
distribuição gratuita de absorventes para pessoas em vulnerabilidade.
265
Tecendo redes e transpondo desafios
A pobreza que assola muitas mulheres no mundo todo possui pontos cegos
que não são problematizados, debatidos e visualizados. Esse é o caso da po-
breza menstrual. Para se ter uma ideia mais clara desse cenário, é importante
lançar mãos dos números. No Brasil, 26% das meninas com idade entre 15 e
17 anos não têm acesso a absorventes. Entre as meninas de 12 e 14 anos, 22%
afirmam não ter acesso a produtos confiáveis para conter o fluxo menstrual83.
83 Pesquisa realizada pela Sempre Livre com 9.062 brasileiras com idade entre 12 e 25 anos
em 2018.
266
Os impactos da pobreza menstrual
De acordo com a ONU Mulheres, 12% das mulheres do mundo não pos-
suem dignidade menstrual, sobretudo as que vivem em situação de rua e as
presidiárias. Outro dado alarmante é que 1,25 milhão de meninas e mulhe-
res no mundo não tem acesso a banheiros seguros e privados, e 526 milhões
sequer têm acesso a banheiros onde vivem84.
Esse retrato da desigualdade, que afeta de maneira muito específica meni-
nas e mulheres em todo o mundo, coloca-as em situação de extrema fragilida-
de e perigo. Essas pessoas lançam mão de práticas que impactam a sua saúde,
como, por exemplo, a utilização de folhas de jornal, sacolas plásticas, panos ou
meias velhas e miolo de pão para conter o fluxo menstrual. O que pode levar
a inúmeras infecções e demais problemas de saúde.
Além disso, deve-se considerar que o custo médio de uma brasileira du-
rante o ciclo menstrual é de R$ 7,00 por mês. Um valor significativo para
aquelas que vivem em situação de vulnerabilidade social e que causa impactos
variados, como, por exemplo, a ausência nas aulas durante a duração do ciclo.
Em uma escola pública de Brasília, classificada como de classe D pelo
Ministério da Educação, uma escola que possui alunos em situação de fra-
gilidade social, a diretora percebeu que as meninas faltavam às aulas durante
cinco dias corridos por mês. O motivo? A pobreza menstrual85.
Diante desse triste quadro, muitas ações da sociedade civil organizada
são realizadas com oo intuito de mitigar os efeitos da pobreza menstrual.
Campanhas de doação de absorventes e rodas de conversa sobre saúde mens-
trual são alguns exemplos positivos dessa intervenção. No que tange à esfera
pública, algumas iniciativas recentes foram apresentadas como forma de en-
frentamento da miséria menstrual.
Motivados por essa realidade, a campanha Pelas Mulheres e para as
Mulheres, uma parceria entre OAB/Mulher-Campos, “Blog Generalizando”
e “Por Amor ao Outro”, foi iniciada em 2021, tendo como objetivo a arreca-
dação de absorventes para serem destinados a instituições e/ou projetos sociais
267
Tecendo redes e transpondo desafios
268
Os impactos da pobreza menstrual
absorventes nas cestas básicas, como também fazendo doações do item para
a campanha.
Considerando que a pobreza menstrual inclui também a falta de informa-
ção, o projeto realizou, no perfil do Instagram @poramoraooutro, uma live
com a médica Ginecologista e Obsteta, Dra Clícia Crespo, levando informa-
ções sobre a importância do uso de produto adequado no período do ciclo
menstrual, esclarecendo os impactos e consequências na saúde da mulher em
decorrência do uso de produtos inapropriados para conter o fluxo, bem como
a importância de se realizar consultas ginecológicas, devendo sempre observar
o ciclo, o seu tempo de duração e a sua intensidade.
Etapa igualmente importante do projeto foi a realização de rodas de con-
versa com mulheres atendidas pela “Ong Luz e Vida” e pela “Casa de Caridade
Maria Franc”, dialogando com as mesmas e informando sobre pobreza e saúde
menstrual, além de distribuir absorventes e esclarecer sobre a importância de
políticas públicas voltadas à promoção da dignidade menstrual.
Como é sabido, a menstruação é parte importante e natural da vida dos
corpos que menstruam. Entretanto, chama atenção o silenciamento e a desin-
formação sobre esse tema. Compreende-se que a superação da pobreza mens-
trual ou a garantia da dignidade menstrual precisam vir acompanhados de
conhecimento e de informação. Por isso, ações como lives e rodas de conversa
são consideradas etapas fundamentais nesse processo.
Objetivando descrever as etapas da campanha abordada neste artigo, sina-
lizamos a parceira efetuada com o colégio ALPHA, escola da rede privada do
Município de Campos dos Goytacazes que atende alunos da educação infantil
ao ensino médio. Por meio dessa parceria, o tema pobreza menstrual foi levado
para as salas de aulas dos 8o e 9o anos do ensino fundamental e 1o e 2o anos
do ensino médio. Foram realizadas palestras e debates sobre a realidades das
mulheres que vivenciam a experiência de não ter acesso a absorventes e demais
itens importantes para o período menstrual. Além disso, foi apresentada aos
alunos a taxa de mulheres nessa situação em todo o mundo, com base nos
dados divulgados pelo relatório da UNICEF, a fim de informar e solidarizar
os discentes acerca dessa problemática.
269
Tecendo redes e transpondo desafios
270
Os impactos da pobreza menstrual
Importa também sinalizar que uma análise que se pretenda crítica sobre
a desigualdade social precisa ser realizada a partir da interseccionalidade.
A pobreza tem cor e gênero. São as mulheres, sobretudo as negras no Brasil,
aquelas que se encontram em maior quantidade em situação de vulnerabili-
dade. O fenômeno denominado feminização da pobreza aponta justamente
para esse cenário.
O termo foi utilizado pela primeira vez na década de 1970 para apontar a
presença maior de mulheres entre os mais pobres. São muitos os estudos que
relacionam esse fenômeno com a omissão dos companheiros em compartilhar
as responsabilidades e o ônus do sustento das famílias. Como pontua Novelino
(2004), “[...] o processo de feminização da pobreza tem início quando a mulher,
sozinha, tem que prover o seu sustento e o de seus filhos [...]”, o que não exclui
a possibilidade de existência de mulheres pobres em famílias monoparentais.
Esse fenômeno possui uma série de explicações, uma das mais consensuais
a posição que as mulheres ocupam na divisão sexual do trabalho. Desse modo,
recai sobre elas a responsabilidade maior com o cuidado da casa, dos filhos,
dos doentes e dos idosos, o que leva a uma posição marginal no mercado de
trabalho, ocupando-se de funções menos valorizadas e de empregos infor-
mais, refletindo significativamente na condição econômica dessas mulheres.
Desse modo, buscou-se por meio da campanha atender o público fragilizado
socialmente no nosso município.
Conclusões
271
Tecendo redes e transpondo desafios
272
Os impactos da pobreza menstrual
Referências bibliográficas:
BUTLER, Judith. Corpos que pesam: sobre os limites discursivos do “sexo”. In:
LOURO, G. L. (Org.). O corpo educado: pedagogias da sexualidade. 2.ed.
Tradução dos artigos: Tomaz Tadeu da Silva. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade II: O uso dos prazeres. Trad. Maria
Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1984.
273
Tecendo redes e transpondo desafios
274
276
277
Umuntu Ngumuntu Ngabantu
(s o mo s p esso a s a tr a v é s
d e o u t ras p es s o a s ) 8 7
Érica Louredo 88
Quem via aquela menina assim tão magrinha, dançando até o chão e dando
risada com a meninada, com um lindo sorriso largo, daqueles que vão “de
uma orelha à outra”, usando aquelas roupas de um amarelo tão vivo, nem
podia imaginar o tamanho de mortificação que carregava o sujeito que tinha
acabado de chegar naquele espaço de cuidados.
Essa era a Dalva, que nos era apresentada pelos meninos em uma confra-
ternização despretensiosa.
Fazia pouco tempo que estava na rua. O flerte com a droga era incipien-
te. Dalva tinha, na realidade, uma questão com a prostituição. Sua família
também! E, assim bem cedo, teve seu corpo infantil mortificado por usos e
abusos recorrentes.
A família não garantia proteção, a sociedade dizia que ela encontrava o que
buscava, outros entendiam que ela não aceitava ajuda.
Quando fugiu desse desgosto doméstico, chegou à rua. Esse mundão sujo e
mal cheiroso, cheio de vulnerabilidades, com pitadas do que já vivia, salpicadas
279
Tecendo redes e transpondo desafios
escondem, não se curvam facilmente e ainda usam drogas a céu aberto, fazem
sexo entre si, tudo isso em plena luz do dia, em ruas nobres da cidade.
Por que precisam se adequar? Ao que eles precisam se adequar? O que
demandam? Por que não podem estar na rua? Onde podem estar? Quem
pode cuidar? Abrigo? Acolhimento? Eles desejam acolhimento? O que eles
desejam? O que, de fato, faz diferença? O que, de fato, podemos oferecer?
Costumam dizer que essas crianças de rua andam em bando. É como se,
cientes de sua pequeneza e fragilidade, se acoplassem feito “Megazord”89.
Assim, ao formarem esse corpão, essa espécie de família, conseguem sobre-
viver às adversidades da vida nas ruas. Tem que haver laços muito fortes e
íntimos para conseguir formar um grupo tão coeso.
Talvez seja preciso estar, de algum modo, a salvo dessa cultura colonizada
que nos consome e individualiza para construir uma alternativa tribal, coleti-
va, resistente em meio a essa selva.
O que me proponho discutir com essa narrativa é o efeito iatrogênico de
ações violentas travestidas de cuidados. A ação de proteção que não inclui a
vivência e cultura do sujeito e não o coloca no centro do cuidado o destitui de
saberes sobre si mesmo e pode se tornar ação de violência.
Não podemos nos esquecer que vivemos uma estrutura cultural violenta,
está enraizada na nossa história, e nós a reproduzimos cotidianamente em
lógicas e práticas verticalizadas.
A alienação das ações, a paixão pelo poder, o isolamento das estratificações
sociais nos distanciam ainda mais de reconhecer inteligência no outro, o saber
sobre si. É urgente a necessidade de lançarmos olhar crítico sobre o trabalho,
sobre os encontros, sobre usuários e trabalhadores. É urgente horizontalizar
saberes e fazeres, respeitar os pares e os ímpares.
Encerro minha fala com um desejo: que os poderes não nos corrompam!
280
A a tua ção d o P ro g r a m a Mu lh e r io
no c icl o d e p o l í t i c a s p ú b lic a s
pa r a mu l h eres em N ite r ói/R J
90 Cientista Política. Doutora em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense (UFF).
282
A atuação do Programa Mulherio no ciclo de políticas públicas
283
Tecendo redes e transpondo desafios
284
A atuação do Programa Mulherio no ciclo de políticas públicas
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Tecendo redes e transpondo desafios
Tabela 2 – Continuação
• Tornar a CODIM uma Secretaria Municipal, dotada de orçamento próprio.
• Promover espaços de diálogo entre a saúde e outros setores, aproximando a CODIM
de propostas na educação e saúde nos territórios.
• Reavaliar as situações de abrigamento das mulheres.
• Efetivação das rodas de conversa com as gestantes, proposta pela Rede Cegonha, nos
postos de saúde, facilitando a entrada e o acesso.
• Ampliação das vagas para cuidado de saúde mental das mulheres puérperas.
Fonte: Elaboração pela autora.
286
A atuação do Programa Mulherio no ciclo de políticas públicas
287
Tecendo redes e transpondo desafios
profissional pode ser resultado de políticas mais integradas, mais claras quanto
a seus propósitos e mais responsáveis quanto à implantação das normas e for-
mulações gerais que constam de seus discursos, ao gerarem ações específicas
de implementação. O que demonstra que os encaminhamentos formulados
durante o Seminário estão de acordo com boas práticas de gestão pública que
devem servir de inspiração.
Considerações finais
Referências bibliográficas:
288
A atuação do Programa Mulherio no ciclo de políticas públicas
289
290
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P o sf áci o
293
Tecendo redes e transpondo desafios
Referências bibliográficas:
DINIZ, Debora; GEBARA, Ivone. Esperança feminista. Rio de Janeiro: Rosa dos
Tempos, 2022 – Kindle Edition.
294
Au t o ret ra to
Érica Louredo 92
“Onde não puder amar não se demore.” – dizia o bastidor em letras bordadas.
Um profundo mergulho para entender que nesse mundo só podemos ter cinco
sentidos, e tudo o mais que seja sentido nem pode existir.
Ella era assim desde pequena e recebia broncas porque era sensível demais.
O que esse mundo reserva a quem sente demais? Temos tanto a fazer, tantos
compromissos e rotinas, que horas sobra para sentir? Não sobra... sentir custa
tempo e “time is money”.
E assim a vida segue matando aos poucos, um dia por vez, e todos esperam a
redenção, o paraíso, a luz ao final do túnel.
Nas mensagens das redes sociais, dizem: aproveite o percurso, a felicidade está
no meio, não no fim.
Ella se questiona: onde é o meio? E o meio passa a ser o novo fim. Se manter
vivo até o meio
pode ser mais fácil. Mas será que vai poder sentir no fim? E no meio? Mas
hoje não, agora não, não dá tempo porque atrapalha, é coisa de mulherzinha.
Opa! Ella é mulher, se identifica como mulher, mas não pode sentir porque é
fraqueza, e mulher tem que ser forte, mesmo sendo mulherzinha.
Onde cabe sentir? Por que a lua me influi? Por que o sexto sentido? Onde, de
fato, tenho lugar?
Amar é coisa de outro mundo. Ella quer saber por que sente, por que ama e
odeia? Inclusive sente raiva e mágoa por não poder sentir. E engolir o senti-
mento é mais difícil que remédio amargo, porque remédio cura e sentimento
engolido faz adoecer.
Ella segue como água que tenta encontrar fissuras nas pedras para seguir um
caminho onde possa caber e passar. Por onde passa, molha, deixa um pouco
de si, perde um pedaço e ganha outros diferentes. Segue, porque amor calado
ainda é sentido.
femininas é torturante, mas boas bruxas não se deixam queimar sem resisti-
rem. E ao final ainda resta um resto de sedução e gargalhadas para torná-las
inesquecíveis.
296