PDF Como Ler Uma Fotografia Red - Compress

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Richard Salkeld arn Como ler uma fotografia Richard Salkeld Tea niinkn ee Dxaaie breralnect Bre rae eee eto cer ee eo ca ae Peewee ate een acu econ on Perea icone get aitenary De re aa amet co am ret Copa el Ce ee eae me eee ke ect a ieee Design da capa: Toni Cabré!Ecitorial Gustavo Gill, Sl Core Maes mene ORe Siem a tele eer me Oeste ae (ret tere ite Pea erences eters ela seree erry Piers ee ie emer eee Tega Eee Oe runes Ce sue ee) A Edtora nao se pronuncia, expressa ou implicitamente, a resperto da Pete ame Rear eed reece ed Seem eee ete ete ue kone erence ea on gee cc Core oon ve siege cg Boe iets fee teu tcet Ke Lc Eesueetaat sl nena para.a edicaa em portugues el eeec Ce ec IML ese WCE ren Editorial Gustavo Gili, SL Pierre ais Cee) Poe MEST Ay. Jose Maria de Fana, 470, Sala 103, Lapa de Baixo feta oper eee ene mee TPT ed etna One ae eo eon Vania ty Ola) (Camata Brasileira do Livro, SP. Brasil) CMs) ecto Mae ers ci) Aree eee gee oot ea Gustavo Gili, 2014 Reem n ces ye ene} costs Cnet ete wees Mo nae ALU [Mulher de um dia chuvoso n# 3], Eur Fotografo: Richard Salkeld Ler uma fotografia , muitas vezes, algo téo instanténeo que dificiimente Pe een eee Sete eer oe Pree ol Cera) Deere ue cy pee eres Dereon e rt rea Cee cue ee Reece ects Senet Pee cen eae Peseta eek) ee usenet CU) Teste ele Meneses Mette pooner tencciaccucs Cai Cece cm conc at rR) (iicesieteton cere Pelee Teese) Estudo de caso: PMO AS ULSI 66 em Cu LS: i Ue eae i ed CMe Geet ed Invengao: o casamento De onde vém os oye a Mais ea i) entre quimicae dptica 12 _ significados? CBreccon ee iemaents EL neler te ie eee Cece toc 7 (Userroneeeciesy Ponca 48 Fatos e ficcdo 80 Pence innate elo: Seu Ohl epOmcrsLtULo(0} Estudo de caso: Stone tee (ES ML oS Eu felt ceo Pr ecorreiemie emer -ene Ereceurees ES au ES SMCELON) Seren euiied mise! Marc Garanger Ely alec} = LiL} Bitsy Coke T CANE oc 3 Cea ens O mundo maderno O tui, 0 louco Exo ien Freee era Opal Quem esta olhando ry ap 130 ays ee Mens ERI a ae Fotogratia nado pode Seca 148 Lee UCKa a7 Fotagrafia como arte poems) C)A- We (=a ie =A CULL) Brae Beetles vada Yokomizo el) eee utd eeu Genet Créditos das imagens eed Introdugo Imagine um mundo sem fotografia: ser ‘otografias em jornais, sem fotagrafias de publicidade, sem fotografias de familia, sem a inesgotavel quantidade de revistas ilustradas @ que estamos acostumados. Imagine a internet sem fotografias! Nosso conhecimento e nossa compreensao do mundo seriam diferentes? A cultura seria diferente? Seriamos néds mesmos diferentes? Como? Este livro se propée a analisar como a fotografia afeta a todos nés: como ela ajuda a moldar nosso conhecimento da mundo, nossa cultura € a nds mesmos. Por meio de uma leitura minuciosa de imagens, explorar é explicar teorias de repre identidade e anélise visual. Serdo discutidas também questées éticas associadas 4 pratica fotogratica e a representac&o de pessoas ¢ ideias. Tao dificil quanto imaginar um mundo sem ween aie ance eane i caine nS ee A magia e o mito Apesar da incrivel quantidade de imagens existentes no mundo, a maior parte da fotogratia é, paradoxaimente, ‘invisivel” vemos aquilo que a fotografia “mostra” € ndo a fotografia como “algo” A maior parte das fotografias existe para informar, registrar, ilustrar: simplesmente para mostrar e contar. A maioria delas de compreensdo imediata: para entendé- las, parece gue precisamos apenas ser capazes de abrir nossos olhos e olfar. De fato, ao olharmos para a maioria das fotografias, geralmente deixamas de lado a consciéncia de que estamos olhando para uma representagdo € nos colocamos na posigao do fotégrafo que olha diretamente para a cena que acontece na frente da lente ja. camera. Esta é a magia (e o mito) da fotografia: trata-se de um meio que nos induz a pensar que no se trata de um meio, e sim ESAS etna Seas n eee ea Meee Bee ne ee. EN ee fotografias existem. Nos ultimos anos dessa historia de dois séculos, o mundo tem visto surgir uma produgdo cada vez maior de fotografias, acelerada pelo advento da fotografia digital. Na época de publicacdo deste livro, estima-se que, em média, mais de 1 milhao de imagens sejam carregadas no Flickr por dia, 0 que ja ultrapassa um valor total de 6 bilhdes de imagens armazenadas. No Facebook, a estimativa 6 de mais de 100 bilhGes de fotos carregadas! Resumingo, vivemos em um ambiente saturado de imagens, o que evidencia a importancia da fotografia na comunicagao humana. EE ENP RE SE ARNE Pee Loe A eee OOS Grande parte da fotografia no mundo ¢ feita, aparentemente, sem nenhuma habilidade especial por parte do fotégrafo. Hoje, quase todo mundo tem uma camera — com sofisticagdes técnicas que surpreenderiam as geragdes passadas -, o que exige apenas que vocé “aponte e dispare” para capturar uma imagem perfeita da realidade. Bom, pelo menos € isso 0 que parece Este livro ¢ sobre 0 que significa fazer uma representagao do mundo e sobre como fotograté-lo afeta a compreensdo que temos dele e de nés mesmos. ‘JA fotografia é] tao simples aue chega a ser ridicula.. Afinal, 6 sO olhar para as coisas Todos nés fazemos isso. E simplesmente uma maneira de gravar 0 que vocé vé — aponte a camera para a cena e aperte um polo. Quao dificil é isso?.. E dificil porque O1 Titulo: 24 hours in photos [24 horas de fotos], 2011 Artista: Erik Kessels Para esta instalagao no Foam, em Amster, Holanda, Kessels imorimiu 1 milhao de totografias cartegadas na intemet em um periodo de 24 horas. esta em toda parte, em todo lugar, o tempo todo, inclusive agora. Mas, se esta em toda parte o tempo todo e se é to facil de ser feita, entao, 0 que é valioso? Que imagens realmente importam?’ Paul Graham, fotégrato fine art +. Introdugao: Introdugao | O que ¢ uma fotogralia? > Para que serve a teoria? E perfeitamente possivel levar uma vida plena e criativa sem nunca ter de se defrontar com vocabularios e tecnicalidades, por exemplo, da semistica, que, na melhor das hipdteses, podem parecer dificeis, ena pior delas, simplesmente irrelevanies. O ponto aqui néo € propor a teoria como: um fim er si mesmo, e sim argumentar que a teoria ¢ intrinseca tanto a pratica da fotografia como ao compromisso diario para rom ela. Na verdade. sabendo disso ou No entanto, pode parecer que a teoria “atrapalha" a pratica intuitiva e instintive. Vocé olha, vocé aponta, vocé dispara. Vocé no precisa pensar sobre esse processo — pelo menos, n&o conscientemente. Ver uma imagem é prazeroso: no importa se esse prazer ver da posterior revelagéo de um: filme ou se trata-se da gratificagao instantanea de uma fotografia digital, que pode ser imediatamente vista, revista, apagada ou salva, tefeita e aprimorada. Voc, 0 fotografo, é o primeiro espectador nao, a maioria das pessoas ja 6 de grandes semiologistas. Por exemplo, quando encontrarmos uma nova pessoa, rapidamente a avaliamos com base em sua aparéncia, suas roupas, sua voz e seu comportamento, isto é, nos a “lemos’ como um conjunto de sinais, como um “texto”. Isso 6 semidtica. E também dessa mesma maneira que “lemos” rapidamente uma fotografia — e tudo mais. O valor da teoria reside no fato de ela oferecer um conjunto de ferramentas para destrinchar esse SRA ME Oe Whee! eee eee leitar. As vezes, vocé vé exatamente o que espera ver; As vezes, porém, pode ser surpreendido. Serao avaliados o enquadramento, 0 foco, a profundidade de campo, a iluminagao, a cor, certo? O que esses aspectos dizem? O que significarn? Este livro é sobre como uma fotografia significa o que significa - e comeca discutindo 0 que &, exatamente, uma fotografia. processo em detalhes, 0 que pode melhorar nossa compreensao de como e por que uma fotografia funciona e o que isso significa. “O analfabeto co futuro’, disse alguém, ‘nao seré aquele que nao souber ler e escrever, e sim aquele gue néo souber ler uma fotografia. Mas um fotografo que nao sabe ler suas proprias imagens nao € pior que um analfabeto? A legenda nao se tormaria a parte mais importante da fotografia?” Walter Benjamin, escritor e critico, em Pequena histéria da fotogratia, 1931 O que é uma fotografia? © Capitulo 1 lanca um olhar sobre a invencdo da fotografia ¢ reflete como os principios da fotogratia afetam a forma como pensamos © significado de uma foto. Leitura de sinais Identidade O Capitulo 4 explora 0 papel da fotografia em relaco a identidade individual e seu efeito sobre a forma como vemos a nds Mesmas e aos outros, O Grande Irmdo esta de olha em vaca O Capitulo 2 apresenta uma introducao a teoria da semidtica e mostra como o tabelecimento de um sentido para uma pode ser entendido como um processo de Ieitura. Verdades e mentiras © Capitulo 3 enfoca a relagao de uma fotografia com o que ela representa e traz uma reflex&o sobre a alegago de que “a camera nunca mente’ O Capitulo 5 examina de que forma a fotografia tem sido usada como instrumento de vigilancia e vayeurismo. Estética O Capitulo 6 discute a dificil relagdo entre fotografia e arte 2 0 significado de reivindicar a fotografia como arte. Introduedo | O que é ume fot re cial ‘A foto de Wall inclui tanto a cérnera eects sae Segre) ea eee net aes oS eee eee eae Pesce tue cee ee ei eee tas eet sea eee one Rates cet) CO ac Titulo: Picture for Women [Retrato para mulheres), 1979 PN oun Reece cy eee Meneame uso om Ferme seet wey autes eae Ces é aparentemente escalaclo para Peete eee cota ries ert) “funciona” muita bem) que se Neuere Ceca i Cee eeuenl cle teed Peete reece ou Pees em ace temo ect r es Neel ce on eee eat ee oc eon) nn WWM Ul pare) fotografia? Uma fotografia é um fantasma de um momento que j4 passou — 0 rastro de luz que torna o mundo visivel. Literalmente, a palavra “fotografia” significa “desenhar com luz”. A camera para o tempo e nos permite BSS ale i et unr On Coe EMCI e Cc Ce eC te ele enc NER Riek act elec No entanto, podemos apontar claramente os principios essenciais da fotografia. Para que as fotografias ganhem um sentido, é importante ry eae Me eM ome ma ColitesloMeMaltli reife) SU ER lel iC Cun EES leit hua eh elses Ee} caracteristicas especificas do processo como por nossa compreensao le Cele tle Este capitulo relaciona os principios fundamentais da fotografia e narra as experiéncias pioneiras que levaram a sua invengao. Examinamos aqui a eT De eC ee a Lat] fels (oel te tele ic) @ veracidade que fluiram de sua operacao. Invengao: 0 Casamento entre quimica e déptica: Camera escura Embora a fotografia tenna surgida hé menos de 200 anos, ela é produto de fendmenos naturais conhecides durante séculos: o fenémeno dptico da camera escura e 0 efeito quimico da luz sobre certos materiais, tornando-os mais escuros, claros, macios ou duros. O principio da camera escura (literalmente, “quarto escuro") diz que, se uma parede de uma sala sem janelas - ou uma das faces de uma caixa fechada — for perfurada, surgira ent&o, de cabega para baixo, na parede oposia & parede perfurada, uma imagem da cena externa & sala. Acredita-se que © conhecimento desse principio remonte @ China antiga, quando, de acordo com o historiador Naomi Rosenblum, no século V a.C., Mo Ti observou o fendmeno. Durante o Renascimento, a camera escura ja era usada; muitos artistas se valiam de tal dispositivo no processo de produg&o de seus desenhos: ao tragar a imagem projetada, o artista obtinha, de forma répida e precisa, uma representagao bidimensional da cena. O pintor David Hockney escreveu sobre esse tal “conhecimento secreto" entre artistas, como no caso de Jan van Eyck, que, usando uma camera escura e um espelho, alcangou detalhes notaveis, por exemplo, na obra The Arnolfini Portrait [O retrato de Amolfini] (1434). Foi a aparente fidelidade da cAmera escura que deu origem a crenga de que uma “cAmera nunca mente”. Afinal, aimagem é determinada pelas leis da éptica. O mundo e seus objetos sao visiveis para nds porque tefletem e absorvem a luz — e 6 esse mesmo padr&o de luz que se registra € preserva em uma fotografia. No entanto, apesar de ser Fotogramas Como imagens sao produzidas pela luz, elas podem ser feitas sem © auxilio de uma camera. Ao colacarmas abjetas diretamente sobre um material sensivel a luz antes de expor tal material a luz, obtemos um fotograma. O objeto, ao mascarar uma area idéntica a ele mesmo, cria uma imagem do no exposto, um material nao escurecido, Entretanto, ao removermos esse objeto para revelar a imagem, a imagem em si ficaré exposta, escurecera e desaparecera a menos que o processo possa Ser interrampide. Foi a capacidace de interremper a sensibilidade & luz do material e “fixar’ a imagem que tornou a fotografia possivel. Da uniao de tal quimica com a 6ptica da camera escura nasceu a fotografia. TEN te re te cra ee ee cece tr surge, a “verdade” é mais complexa e sera explorada mais adiante neste livro. Titulo: Large portable camera sescura [Camera escura portatil Sande], 1646 1: Magna Lucis Et Umbra ande arte de luz e sombra) de Athanasius Kircher, 1648 avura do seculo X) ncipios da camera es¢ dos por artistas muito antes \¢40" da totogratia, ‘Titulo: The Amoffini Portrait [O retrato de Arnotfini, 1434, ‘National Gallery ssta: Jan van Eyok surpreenden jismo dest devem, em par van Eyck saciadas & pint entants, es: Invencdo: o casamento entre quimiea e éptica | Tempo ¢ |uz > Fotografia sem camera Em 1802, 0 quimico e inventor britanico Humphry Davy relatou experiéncias tealizadas por ele e Thomas Wedgwood com compostos de prata sensiveis 4 luz. Eles haviam conseguido criar “fotos em negative" a partir de objetos colocados sobre papel ou cour anteriormente imersos em nitrato de prata. No entanto, eles nao foram capazes de parar 0 processo e preservar 4 imagem. Por volta de 1834, William Henry Fox Talbot (1800-1877), um dos colaboradores mais notaveis para a invengdo da fotografia, descobriu que uma solugao de sal suspendia a sensibilidade & luz de compostos de prata. Ele deu a seus resultados 0 nome de “desenhos fotogénicos”. Ele colocou uma folha sobre um papel sensibilizado e 0 deixou exposto ao sol. O papel escureceu em tomno da borda da folha, formando uma silhueta, ¢ o padrao das veias translucidas da folha foi também registrado, nos pontos em que a luz conseguiu atravessa-las. Aimagem formada foi fixada apés 0 papel ter sido merguihado em uma solug&o de sal. Invengo: o casamento entre quimica e éptica Cagadores de sombra Fox Talbot rapidamente passou a fazer experimentos com imagens a partir de cameras, e, desde entdo, o fotograma contou com muitos expoentes notaveis. Valendo-se da técnica do ciandtipo, que usa sais de ferro para criar uma imagem de um azul profundo, ‘Anna Atkins produziu fotogramas lindos 6 cientificamente valiosos de espécies botdnicas. Na década de 1920, vanguardistas como Laszié Moholy-Nagy e Man Ray exploraram as qualidades abstratas e surreais do processo. A seus experimentos, Man Ray deu o nome de “raiogramas”. Apesar de ainda se discutir se o fotagrama — essencialmente, uma cdpia de contato - 6 ou n&o a forma mais primitiva de fotografia, egsa técnica @ capaz de produzir imagens de grande beleza e misterio e esta muito viva nos dias de hoje. Em 2010, 0 Victoria and Albert Museum, em Lonetes, realizou uma exposigao chamada Shadow Catcliers: Camera-less Photography [Gagadores de sombra: fotografia sem cAmera], que apreseniou cinco produtores de imagem contemporaneos, entre eles Floris Neususs, cujo trabalho inclui Kérperfotogramms [Fotogramas de “corpo inteiro"]. Neusiiss visitau Lacock Abbey em Wiltshire, na Inglaterra, e fez um fotograma da janela que fara Fntagratada nor Fox Talbot em 1835 6 se tornara famosa. A toto de Fox Talbot media 8,3 por 10,7 centimetros — a de Neustiss 6 em tamanho reall cycle [Bicicletal, 2012 Fotograta: Lisa Lavery Para fazer ste fotograma, Lavery Tires WIS AORTEAS C6; PEPER: fotogrdfico sobre 0 chao de uma sala luminada por uma luz de seguranga, posicionou a bicicleta sobre o papel 8, usando um flash portatil, eds © papel a trés flashes. As folhas Separadas foram reveladas e feagrupadas de forma a construir uma imagem em tamanho real da bicieleta, Invenc&o: 0 casamento entre quimica e éptica | Tempo € luz > Invenc&o: 0 casamento entre quimica ¢ optica Daguerredtipo Geralmente considerada a “primeira” fotografia, View from the Window at Le Gras [Vista da janela em Le Gras], de Nicéphore Niépce (1765-1833), tomada em 1826, éuma imagem de telhados sombria. Niépce colacou uma chapa de peltre caberta com betume em uma c&mera escura, expos ac&mera a luz do sol durante oito horas e, depois, lavou a chapa com dleas que dissolveram o betume que a luz nao havia endurecido. A singular imagem resuitante — chamada de “heliografia’ ("desenhada pelo sol") - foi inscrita por seu socio Francis Bauer como “a primeira experiéncia bem-sucedida de monsieur Niépce em fixar permanentemente a imagem da natureza”. Em 1829, Niépce se associou a Louis- -Jacques-Mandé Daguerre (1787-1851). Juntos, eles descobriram que cobre polido tea eek, wn en ea ie rae acon te eh tei O daguerredtipo foi uma sensagao. O processo era capaz de produzir imagens detalhadas e claras de forma surpreendente, © que deu origem a lendaria observacao atribuida ao pintor Paul Delaroche, segundo o qual, ‘a partir de hoje, a pintura esta morta”. Embora seja facil compreender o encanto dos espectadores do século XIX e a imediata popularidade dos daguerredtipos, especialmente para retratos, nao ¢ tdo simples apreciar exatamente o que eles viam. lronicamente, sabendo-se que 0 processo fora apelidado de *o espelho com memoria” e considerado um registro fiel da verdade, toda reprodugdio de um daguerredtipo, incluindo as presentes neste livro, é enganosa e no os representa de forma eficaz. Por serem delicados, os daguerrestipos sé normalmente exibidos por tras de um vidro — em uma moldura ou escurecia quando exposto a luz. No entanto, foi somente apds a morte de Niépce, em 1833, que Daguerre fez a descoberta erucial de que ao tratar com vapor de mercurio uma chapa de iodeto de prata exposta 4 luz, revelava-se a imagem latente em tal chapa Isso fez que o tempo necessario para a exposic&o fosse reduzido de horas para uma questo de minutos: em 1839, levava-se cerca de trinta minutos para a gravacéo de uma imagem em uma chapa; em 1842, com 0 uso de outros compostos de prata e lentes na cdmera, esse tempo foi reduzido para um minuto ou inclusive menos. uma caixa forrada de veludo. Vistos por um Angulo, parecem ser simplesmente espelhos; vistos por outro, porém, a imagem se toma visivel. 7 1.5 Titulo: View from the window at Le Gras [Vista da janela em Le Gras], ©. 1825-1826 Fotograto: Joseph Nicéphore Niénce A “primeira” fotografia existe como uma imagem singulas, sombria, gravada em uma placa de pete & pertence ao acervo da University of Texas, Esta reprodugdo ¢ "retorcada’ pela tecnologia madera para dar uma maior clareza. Uma vez que ‘a exposieao levou mais de oito horas, 0 sol cruzou todo 0 céu 8, ne et ore borat Te ey a ee 1.6 Titulo: Boulevard du Temple, Paris, ©. 1838 Fotdgrafo: Louis-Jacques-Mandé Daguerre Enquanto 0s detalhes arquitet6nicos \isiveis nesta reprodugéo de um dos primeicas Gagueredtipos se destacam, a alameda parisiense esla quase deserta - 0 que parece estranno. Apenas um homem, cujas botas esto sendo engraxadas, permaneceu imovel durante tempo suficiente para que fosse registrado pela longa exposi¢ao (dez minutos ‘ou mais) necesséria para captar a imagem. esto iluminados Invengéo: 0 casamento entre quimica e éptica | Tempo ¢ luz > Negativos e positives Cada daguerrestipo é um objeto unico: a imagem é idéntica a chapa que foi exposta na camera e nao pode ser reproduzida — exceto por outros processos fotouraficos. Dessa forma, o daguerredtipo, apesar de toda sua beleza e detalhe, carecia de algo que viria a se tomar a caracteristica definidora de todos os avangos fotograficos subsequentes: a reprodutibilidade. Essa possibilidade surgiu com o processo. Pracesso de colédio imido Em 1850, Scott Archer desenyolveu um processo que combinou a clareza e os detalhes do daguerredtipo coma reprodutibilidade do calétipo. O processo de colédio Gmido permitia espalhar sobre um vidro um material incolor, sensivel a luz e sem granulacao. Por serem complexas e delicadas, a preparacdo e a execugdo desse processo tinham de ser calculadas de farma a negativo-positivo de Fox Talbot - apesar de seu potencial, tao consagrado hoje em dia, nao ter sido imediatamente reconhecido, O processo de calatipo, de Talbot, usava um. papel revestido com nitrato de prata e iodeto de potassio: quando exposta e fixada, a imagem produzida era um negativo da cena fotografada. Era possivel, entao, explorar a translucidez do papel (posteriormente, as vezes reforgada por enceramento — especialmente por Gustave Le Gray) para obter uma impressao positiva © papel era colocado sobre uma outra folha revestida com nitrato de prata e sal e exposta luz do sol — uma impressdo de contato, Dessa forma, podia-se fazer uma quantidade ilimitada de impresses positivas, o que permitiu a Talbot produzir o primeiro livro ilustrado fotograficamente, The Pencil of Nature (1844-1846), Geralmente, essas imagens em papel nao eram tao finamente detalhadas como os daguerredtipos e, por essa razdo, levaram mais tempo para adquirir popularidade. Entretanto, nas maos de artistas como David Octavius Hill (1802-1870) e Robert Adamson (1821-1848), resultados notaveis foram obtidos. assegurar que 0 colddio de secagem rapida petmanecesse molhado no momento da exposi¢ao. O negativo de vidro resultante podia ser usado para imprimir por contato imagens nitidas e claras. Apesar de um tanto estranho, esse processo foi popular até a década de 1880, quando o filme de celuloide flexivel foi introduzido. 1.7-1.8 Titulo: An ek Tree in Winter [Um carvalho no inverno], G. 1842-18463 Fotégrafo: William Henry Fox Talbot © processo de calétipo de Taloot permitia a ficagdo de uma imagem Negativa em papel, a partir da qual er um niimero ilimitado pasitivas: isso esiabeleceu 0s principios sobre os quais se desenvolveu a fotografia modema, Invengo: 0 casamento entre quimica e dptica | Tempo e luz > 20 Tempo e luz Uma fotoarafia &é feita de tamnn a Ma Nossa compreensao da vida esta enquadrada pelo tempo — do nascimento a morte, do amanhecer ao anoitecer. Ao passo que nossa experiéncia é sempre, e apenas, a do presente continuo, nosso entendimento € moldado pela historia e pela memoria. Uma fotografia é sempre tempo passado, um momento fixado para sempre: é historia. O mundo visivel, suas cores ¢ formas, 6 perceptive! para nds por causa da luz - @ muda de acordo com ela, As cores de uma manha de inverno s&0 muite diferentes daquelas ao meio-dia de um verao. Acreditamos muito naquilo gue vemos, precisamos ‘ver para crer’, Uma vez que experimentamos um mundo em movimento, € porque tendemos a interpretar o que vemos atraves da “lente” de nossas experiéncias e crengas — inclusive olhanda, as vezes, através de lentes cor-de-rosa —, aportamos. um alto grau de subjetividade ao processo de percepcdo. E tentador pensar que o olho mecénico da camera traga uma objetividade fiavel ao processo — ainda mais porque as operagées de uma camera sao precisamente uma questao de regular a transmissao da luz, A concepgao da lente, a escolha da ‘tempo de abertura e exposicaa, 4 luz e a sensibilidade do filme ou dos sensores se combina para produzir uma imagem; 20 mudar qualquer um desses parametros, vocé altera o caréter da imagem. EEN AERC Re nee SE UN ae ee oe eT uma fotogratia € determinado pela que esta na frente da camera. A dptica e o mecanismo dos sistemas da camera podem ver e mostrar 0. que o olho nu humano jamais é capaz de ver. Tituio: Esicourt Road, 2008” Fotdgrafo: Richard Salkeld Feta em uma cura e chuvosa, imagem que, apesar de pe legivel, mostra uma cena quie 0 olho v8. Os rasti tempo e mo através da Agua na dando uma q imagem —e significam chuva. + Invengo; o casamento entre quimica ¢ éptica | Tempo e luz | Usos e aplicagdes > Tempo e luz Imobilidade e movimento A foto que Daguerre fez em 1838 do bulevar du Temple (pagina 17) nos mostra uma rua quase deserta: o movimento dos pedestres edo trafego foi rapido demais para que pudesse ser registrado durante a necessaria longa exposicao; somente o andnimo cujos sapatos estavam sendo engraxados permaneceu imovel o tempo suficiente para que aparecesse na imagem. Com um tempo de exposigao mais curto, seria possivel gravar mais do que aconteceu no mundo. Em principio, porém, apenas objetos estaciondrios podiam ser gravados com absoluta clareza; 0 movimento era representado por um borrdo. O olho humana. registra o movimento de forma muito eficiente, mas tente enxergar as pernas de um cavalo galopando ou as asas de um passaro durante um voo. A andlise desses movimentos é, obviamente, de consideravel interesse cientifico e artistico. Um dos grandes presentes proporcionados pela fotografia tem sido justamente as imagens em siap-motion — 0 congelamento de néo apenas um momento no tempo, mas da estrutura do movimento em si. Muitas pinturas de bailarinos fellas por Edgar Degas s40 a prova de sua excepcional capacidade de olhar e desenhar, da coordenagao entre mao e olho aliada ao conhecimento e a compreensao nascidos de uma observacao atenta. Mas, ainda que os olhos do artista sejam bem apurados, ele nao é capaz de congelar 0 movimento a nao ser pedindo para que 0 modelo pose — 0 que desiréi o fluxo dinamico do movimento, Muybridge e Marey Uma coisa é pedir a um dangarino que pose; outra bem diferente 6 conseguir que um cavalo galopante pose, As tentativas dos artistas de representar tais mevimentos parecem absurdas e pouco convincentes para 0 olho maderno: foi a fotogratia que forneceu as informagées para reproduzir esses movimentos. Eadweard Muybridge - que se tornou conhecido na década de 1860 como fotdgrafo de San Francisco e Yosemite — foi contratado pelo empresario e proprietario de cavalos de corrida Leland Stanford para resolver a questéo sobre como as pernas de um cavalo realmente sé moviam, informacao que seria igualmente inestimavel para o treinamento dos cavalos. Por volta de 1877, Muybridge atingiu seu objetivo ao ajustar uma série de doze cameras (experimentos posteriores tiveram esse numero dobrado) para fatografar, em sequéncia, um cavalo em movimento em frente a um pano de fund calibrado, produzindo, assim, uma sequéncia precisa de posicGes. Os resultados desse ede posteriores trabalhos foram publicados nas obras Animals in Motion e The Human Figure in Motion, com verses impressas disponiveis até os dias de hoje. As descobertas de Muybridge foram consideradas sensacionais e levaram outros fotégrafos a fazer mais experimentacées. O cientista francés Etienne-Jules Marey deu aseus esiudos de movimento o nome de "cronofotografia”. Ele usou um “fuzil fotografico” (que tinna uma chapa fotografica rotativa em vez de um tambor de balas) para Esse trabalho foi, em sua maior parte, produzido exclusivamente para a pesquisa cientifica. No entanto, os resultados tem um apelo estético inegavel e continuam sendo fonte de inspiragdo para artistas. O legado mais significativo desses experimentos foi o desenvolvimento do cinema: quebrar 0 movimento em imagens sequenciais fai um pass6 ldgico para reconstitui-lo por meio da visualizacao das imagens em sequéncia rapida. Muyoridge, Marey e outros testaram uma variedade de dispositives épticos antes da criagdo do cinema. Esse método de movimenter uma pelicula de celuloide tanto por meio de uma camera como por meio de um projetor foi desenvolvido e aperfeicoado pelos inmaos Lumiére na Franga, por volta de 1895. capturar o MOvI OVvoO, fento dos passaros durante 1.18 Titulo: Galloping horse [Cavalo galopante], 1878 Fotograto: Eadweard Muybridge As cémeras de Muybridge revelaram averdade sobre 0 movimento de um cavalo ~ inchiindo 0 momento em que suas quatro patas seem do chao =,0 que nenhurn otho tinha sick capaz de discemir. 0 eonhecimento obtido com tais revelagdes, Proporcionadas por fotocratias, influenciou protundamente a forma como passamos a perceber mundo. © Invengo: 0 casamento entre quimica e Optice | Tempo e luz | Usos ¢ aplicagdes + Tempo ¢ luz Oinconsciente dptico Oescritor ¢ critico Walter Benjamin pode muito bem ter tido as imagens de Muybridge e Marey em mente quando propos a ideia de um “inconsciente dptico” em seu ensaio Pequena histéria da fotografia, de 1931. O terme talvez nao seja tao preciso em sua implicagéo, mas 0 que fica bastante claro € que grande parte da nossa compreensao. do mundo depende de uma informagao visual que, na realidade, nao podemos ver nem testemunhamos. Os dados visuais que uma fotografia pode ter revelado sobre, por exemplo, o movimento das asas de um passaro contam agora corn um conhecimento constituide que, inconscientemente, aplicamos em nossas observacGes didrias. Com o desenvolvimento da fotografia estroboscépica e dos raios X, podemos até ver, € entender, uma bala recém-disparada e 0 cranio sob a pele. E possivel que conhecamos melhor o mundo por meio de'sua representagao fotografica do que pela experiéncia direta. Nossas memorias Visuals So excessivamente abastecidas com 0 que vivenciamos diretamente, fendmeno Pe eee oe eine seen RRS Walter Benjamin (1892-1940) Critica e académico alemao, Benjamin foi um dos pioneiros no estuda ¢ na teorizacao da fotografia. Seu ensaio A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica, de 1936, é um texto-chave no estudo desse meio. Benjamin dizia que a invencdo da fotografia, no que diz respeito a seu efeito sobre como podemos vivenciar e compreender o mundo, foi revolucionéria e demacratizante e que transformau a ideia de arte. Em Pequena historia da fotografia (1931), 0 autor propos a ideia de um “inconsciente optico", o que significa que a fotografia tinha melhorado nossa perespeao do mundo para além do que poderiamos ver. Esses ensaigs estao reunides em One-Way Street and Other Writings [Rua de mao tinica outros escritos] (2009). (No Brasil, em Obras escolhiaas, volume |, publicado pela editora Brasiliense, Bed, 2012) 0 crescim (0 da cultura de midia digital Gostamos de pensar que as fotografias do nosso passado simplesmente acionam memdrias. Mas sera que nao sao as fotografias que produzem as “memodrias"? Como podemos ter certeza disso? ‘E possivel [..] descrever a forma como alguém anda, mas é impossivel dizer alguma coisa sobre aquela fragao de segundo em que uma pessoa comega a andar. A fotografia, com seus varios dispositivos (lentes, ampliag&o), 6 capaz de revelar esse momento. A fotografia torna, pela primeira vez, consciente o inconsciente Optico, assim como a psicandlise revela 0 inconsciente instintivo.” Walter Benjamin, escritor e critico 411 Titulo: Close-up of a bullet coming out of a gun [Close-up de uma bala saindo de uma arma] Fotégrafo: Cocoon Harold Edgerton fol pionetro no uso de iluminaeéo estroboscépica para produzir imagens de stop-motion na década de 1830, Raladas de luz intensa permitiam que a cimera gravasse, como aqui, um evento que nenhum othe era capaz de ver. E possivel que o conhecimento acquirico a parr de tais imagens seja absorvido em nossas petcepgdes: nds ‘vernos® aquillo que “conhecemos” © Inven¢&o: 0 casamento entre quimice e dptica | Tempo e luz | Usos e aplicagdes > a Usos‘e aplicagées As primeiras concepgdes de fotografia enfatizavam a ideia de que as imagens eram produzidas por um processo natural - “desenhadas pelo sol”, The Pencil of Nature — e que, em efeito, uma foto “se fazia sozinha’, sem a interferéncia da imagina¢ao ou da manipulagdo humanas, sendo uma representac&o verdadeira ¢ realista do mundo e seus objetos. Tais concepgdes tendem a sugerir 0 meio como uma ferramenta cientifica e de evidéncia, nao artistica, claramente antecipando sua fungéo decumental. Embora tenha sido anunciada ao mundo em 1839, a fotografia $6 atingiu mesmo 0 pliblico de massa na década de 1880, quando o desenvolvimento da impress&o de meio-tom A proliferacao e a popularidade das revistas ilustradas formeram parte de uma onda de novos meios de comunicacéo, que transformaram a cultura ¢ sao marcadores indeléveis da modemidade. Assim senda, esses meios também fazem parte da historia da industrializacdo, da cultura de massa, do capitalismo, do consumismo e... da publicidade. A publicidade nao foi inventada com a fotografia, mas seu alcance e ambig&o foram imensamente ampliados gragas a ela — assim como aconteceria mais tarde, quando da criacdo da televisdo e da internet. E possivel que a fotogratia seja definitivamente um meio comerci sua natureza tecnolégica presta-se & industrializagdo e a produgao em massa. possibilitou a reprodugao direta de fotos, deixando para tras 0 uso de um gravador para copid-las. Dessa forma, acontecimentos de interesse jornalistico passaram a-ser reportados e documentados, dando origem ao chamacio fotojornalismo. No entanto, foi apenas durante as décadas de 1920 e 1930 que as melhorias nos sistemas de impressZo € o desenvolvimento de cameras leves € portateis e do telégrafo elevaram a fotografia a0 patamar de 9 principal meio de noticias da época. A combinagao entre uma aparente. objetividade e imagens sedutoras que a fotografia proporciona, como no caso a publicidade e da fotografia de moda, é imbative! 1 Titulo: Woman ina yellow swimsuit (Mulher em um maio amarelo], c. 1960 Fotégrafo: Zoltan Glass A carrera do hiingaro Giass se desenvolveu paraletamente ao surgimento das revistas iustradas € da evolucao de uma industria fotogratice que englobava fotojornelismo, publicidade, moda @ pin-ups. Glass trabalhou em Beilim na década de 1930, antes de fugit para Londres, a fim de escapar do nazismo. Em Londres, ele se estabeleceu come fotégrafo comercial attamente bem-sucedico. O uso da core a exuberéncia desta foto de um mai6 eapturam o espinto emergente do otimismo da décade de 1960. + Tempo ¢ luz | Usos e aplicagées | A camera; uma evolugao > Usos e aplicacdes Aimagem democratica Telas pintadas a mao $40 objetos Unicos, que podem ser vistos apenas em um lugar, em um dado momento. Além disso, muitas das obras historicas da arte ocidental foram ~ e/ou ainda s&o - propriedade privada de uma classe privilegiada de principes ips een gsi Me Em segundo lugar, ha a questao da fotografia como um trabalho em si. A ldgica da reprodutibilidade da fotografia rompe anogéo de singularidade - em principio, qualquer um pode ter uma cépia de uma fotografia, basta querer. Além disso, os meios de produzir imagens estao disponiveis a todos. Mas sera que possuir uma camera faz democratizantes da Revolugéo Francesa (1789) fol 0 confisco do Palacio do Louvre e da colecao rea! de arte para criar um museu de arte pUblico; outras grandes cidades europeias ¢ norte-americanas seguiram a exemplo e estabeleceram museus de arte publicos nes séculos XIX e XX. Embora 0 acervo de tais museus “pertencesse” ao publico, ainda se fazia necessaria uma peregrinacdo para que as obras pudessem ser vistas. Em 1936, Walter Benjamin disse que a reprodugao fotografica significava a “libertagao” das obras de arte, que, de outra maneira, continuariam encerradas em um Uinico local - gragas 4 fotogratia, tais obras podiam ser efetivamente tornadas disponiveis a qualquer pessoa, em qualquer lugar. inicialmente, isso era possivel pelo intermédio de cartes e livros; hoje em dia, pode-se fazer um “tour virtual” por galerias a partir de um computador, Duas ideias importantes decorrem da interveng&o da fotografia sobre as tradicdes do consumo de arte, Em primeiro lugar, © ato de tomar amplamente disponiveis teprodugdes de obras de arte unicas tem como efeito uma recontextualiza¢ao radical dessas obras, uma vez que elas sao colocadas em novas situagées € relagdes muda-se @ forma como as vemos, ou as “Iemos". Além disso, camo Benjamin aponta, “a fotografia [...] pode trazer a tona aspectos do original que s4o inatingiveis a olho nu, porém acessiveis para a lente”. de todo mundo um artista? O status da fotografia como arte sera discutido no Capitulo 6. “Quando a camera reproduz uma pintura, ela destrdi a singularidade de sua imagem. Como resultado, altera-se seu significado. Ou, mais exatamente, seu significado se multiplica e se fragmenta em varios significados.” John Berger, escritor e critico Fotdgrafo: Henri Cartier-Bresson Na democracia proporcionada pela fotografia, todos podem ser representados. Cartier-Bresson costumnava achar seus extraorclinarios sujeitos no dia a dia, na ma. Esta énigmatica cena exemplifica sua habilidade em capturaro momento decisivo em que o fiuxe de vide cotidiana & suspanso em uma. imagem dinamica de ritmo ¢ forma. 214 ” Titulo: Teto da Capela Sistina, Este dotaihe Sisiina, de Michelangelo, ¢ familiar ‘para muitcs ~ inclusive para aqueles _que nunca foram a Roma, No entanto, mesmo aqueles que estiveram na ‘capela e olharam para cima nzo davem té-lo visto com tamanha clareza e detalhamento. A fotografia “transformeu nosso conhecimento ds obras de aite ©, possveimente, 50U prdpro significado, ‘= Tempo ¢ luz Usos @ aplicagées | A camera: uma evolugao > Usos e aplicagoes s Arte para todos Em 1839, ao divuigar a descoberta do processo daguerredtipo a seus colegas, 0 politico francés Frangois Arago disse que tal processo “no requer nenhuma manipulacéo que alguém que nao seja capaz de realizar [...] nao ha ninguém que nao possa obter os mesmas bons ¢ certeiros: resultados do monsieur Daguerre”. Mas, na realidade, a falta de simplicidade da fotografia até a década de 1870 e anecessidade de uso da placa seca de gelatina fizeram essa pratica, a principio, permanecer na esfera de profissionais e amadores entusiastas. Seu apelo popular era, no entanto, tao grande que, de acordo como historiador Helmut Gemsheim, em 1840 joi inaugurado o primeiro esttidio de retratos fotograficos em Nova York e, no ano seguinte, havia estudios na maioria das principais cidades dos Estados Unidos. Também em 1841, Richard Beard fundou um estidio em Londres que, segundo Gemsheim, “atraia muito mais clientes do gue ele podia imaginar’. Em 1863, um retrato custava apenas cerca de dois ddlares, sendo, porianto, acessivel para a maioria das classes sociais, se nao para todas elas. Par volta de 1854, o fotdgrafo francés André Disdéri aperfeigoou a carte-de-visite, nome dado a esses retratos de bolso, que mediam cerca de 9 por 5,5 centimetros, a mesmo tamanho de um cartéo de visitas. Gragas & confecgiio de cameras de lentes miltiplas, muitas das quais pequenas, podiam-se fazer diferentes retratos em uma tinica chapa, o que reduziu drasticamente o custo de cada foto. A produgado em massa de retratos de farnosos, como Napoleao Ill e a rainha Victoria, deu origem a uma mania de colecionar. De acordo como historiador Naomi Rosenblum, foram vendidas 70 mil fotos do principe Albert, e Abraham Lincoln atribuiu sua eleig&a como presidente dos Estados Unidos em 1861, em parte, a seus retratos carte-de-visite feitos por Mathew Brady em 1860, i365 1.45 Titulo: Pauline, carte~de-visite, 6.1885 - - Fotografo: Karl Friedrich Wunder ‘Wunder foi um fotdégrafo alemo de Sucesso que produciu retratos cartes-de-visite para clientes como ‘Kari Marx, Seu tema aqui é conhecido apenas como Pauline. 1.16 Fot6grato: John Jabez Edwin Mayall Mayall abriu um negécio de daguetredtinos em Londres na década Ce 1840 e se tomou famoso apés fotografar a rainha Victoria € 0 principe Albert. Seu tema aqui é outta celebtidade, David Livingstone, o grande exploradar da Africa, © Tempo e luz | Usos @ aplicagées | A cdimera: uma evolugdio > Usos e aplicagdes Vocé aperta 0 botao... Erm 1888, George Eastman lancou a camera Kodak no mercado, fazendo finalmente a producao fotografica chegar as massas. O famoso slogan da empresa, You press the button, we do the reste [Vocé aperta a botao, nés fazemos o resto], resumia a simplicidade do processo. Acémera, uma caixa preta simples e portatil, era vendida com uma pré-carga de filme suficiente para cem exposigdes. Uma vez feitas as fotografias, a camera inteira era devolvida a empresa, que revelava as imagens e a recarregava. A partir de ento, qualquer um podia ser um fotdarafo — A Kodak Number 1 € seus subsequentes aprimoramentos foram comercializados de forma inteligente € eficaz com vistas a criar uma cultura de fotografia amadora e caseira, Uma série de slogans publicitarios detendia os prazeres da fotografia nas férias (A vacation without Kodak is a vacation wasted: "Férias sem Kodak so férias desperdicadas") e na vida familiar. Dessa forma, estabeleceu-se firmemente uma convengao de gravar ocasiées especiais em familia — férias, aniversdrios, 0 primeiro dia na escola, formaturas, casamentos, bebés. Na verdade, como mostrou Sarah Kennel. a imnorancia de embora néo necessariamente um bom fotégrato! 447 Titulo: Swindon wedding party [Festa de casamento de Swindon], c. 1920/1830 Fotégrafo: Fred C. Palmer Uma fotografia de casamento pode interessar apenas aos membros daquela familia - mas um grande aporte da fotografia foi possibilitar que as relacdes alravessassem geragdes, de forma que aqueles que nunca conheceram seus antepassados pudessem vé-os € reconhecer neles semelhences familiares. documentar esses ritos de passagem era apresentada quase como uma obrigagao moral: em um anuncio da Kodak de 1936, um pai orgulhoso mostra fotos de seus filhos a outro homem, gue retlete: / felt ashamed. why hadn't I taken snapshots of mine? [Senti- me envergonhado... Por que nao fiz fotos dos meus ?] Familias felizes E 6bvio que, na grande maioria das vezes, fotos familiares mostram ocasides telizes (0s funerais ainda saa, de modo geral, uma excecao a lista de eventos familiares fotografaveis), nos quais as pessoas se voltam para a camera e sorriem (Diga xis!), as vezes fezendo poses divertidas. A ironia é que os “momentos especiais” gravados existiam apenas para fazer a fotografia. Na maioria dos casos, essa pequena “ficcéo” é& bem compreendida e forma parte do ritual de fotos caseiras — 2 obrigagao de “sorrir” para a camera pode disfargar brevemente algumas tensdes e emocgdes gue nao parecem adequadas para um registro. No entanto, Judith Williamson defende que esse tipo de fotografia desempenhou um “papel central no desenvolvimento da ideologia contemporanea de familia [..], podendo ter feito que todas as familias parecessem mais OU menos iguais”. Nesse sentido, a fotografia de familia constrdi e reforga 0 ideal convencional de “familia feliz’. E posstvel que as tendéncias sociais contemporaneas tenham se afastado de um nucleo familiar em diregao a padrées mais fluidos de vida. Juntamente com a explosao da fotografia digital conectada As redes sociais, isso possibilitou um aumento de representacdes mais diversificadas © espontaneas da vida social, capturando nao apenas as ocasiGes especiais, mas momentos diarios casuais. Além disso, tais imagens escaparam dos limites do album de familia e passaram a ser publicadas instantaneamente na internet. = Tempo eluz | Usos ¢ aplicagées | A cémera: uma evolugéo > Usos e aplicacées Ver o mundo A existéncia da fotografia mudou © mundo — A medida que as imagens produzidas tem transiormado nosso conhecimento, nossa compreensao ¢ nossa experiéncia do mundo. Desde 0 inicio, aventureiros levam suas cameras por todos os lades do globo, buscando decumentar lugares exdticos € emocionantes: é 0 caso, por exemplo, de Francis Frith (1822-1898), no Egito; Samuel Bourne (1834-191), na india; e John Thomson (1837-1921), na China. Os frutos dessas empreitadas nao apenas saciaram uma sede de conhecimento, mas também nutriram uma industria turistica global incipiente, uma industria que é praticamente Gefinida pela fotografia: em folhetos, sites e carlées postais, sem falar nas fotos quase que obrigatorias tiradas durante as férias, No entanto, a nogdo de “exdtico" nao 6 simplesmente algo roméntico. Ela inclui conotagGes de estranheza e alteridade que, no contexto do colonialismo ocidental do século XIX, se confundem com Tepresentacdes ideologicamente carregadas de poder e exploragao. A percepgtio ocidental das tradigdes “nativas" como algo pitoresco, ou até mesmo primitivo, pode transfermar culturas em um espetaculo para turistas, em que os locais posam como. esteredtipas de si mesmos para satisfazer o desejo de capturar “fotos” turisticas auténticas

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