Herodoto Egito e Questões de Gênero
Herodoto Egito e Questões de Gênero
Herodoto Egito e Questões de Gênero
Resumo
Palavras-chave
Keywords
De acordo com Keith Jenkins (2005: 23), os discursos não criam o mundo,
mas eles se “apropriam do mundo e lhe dão todos os significados que
têm”. Partindo dessa premissa, buscaremos, nesse artigo, interpretar a
representação que Heródoto faz das mulheres egípcias em sua obra
Histórias, pois, nesse documento, podemos observar como a categoria do
feminino e o comportamento esperado para essas mulheres foram
construídos através da interação cultural, social e de poder que
permeava a sociedade ateniense.
2 O primeiro dado que gera discordância entre os historiadores através da leitura que
realizamos é o que se refere à data de nascimento de Heródoto, que segundo K. H.
Waters (1996: 10), A. D. Godley (1990: vii), John Hart (1982: 158) e John L. Myres (1999:
03), teria sido em 484 a.C.. Por outro lado, há estudiosos que aceitam outras datas:
Cynthia Morais (2004: 15) e François Hartog (1999: 32) optaram pela data de 480 a.C., e
Claude Orrieux e Pauline Pantel a de 485 a.C. (2004: 221). Para Waters (1996: 10), a data
de 484 a.C. teria sido escolhida porque o período auge aproximado da vida do
historiador grego, convencionalmente a idade de 40 anos, esteja ligada a data de
fundação de Túrio2 (um evento datado de 444-3 a.C.) e, dessa forma, calculou-se a data
de seu nascimento. Já Asheri (Asheri; Lloyd; Corcella, 2007: 05) nos informa de outro
cálculo para a datação do nascimento de Heródoto: segundo autores antigos, Heródoto
teria 53 anos quando a Guerra do Peloponeso estourou no ano de 431 a.C., ou seja,
somando-se as duas datas, teremos o ano de 484 a.C.
Waters (1996: 23) afirma que essa predição foi possível porque Tales
tinha conhecimento das observações astronômicas realizadas pelos
babilônios, que foram a base de seu estudo. Essa região jônica também
produziu resultados em outros campos além da filosofia. Através do
conhecimento de geometria dos egípcios, Anaximandro produziu, em
499 a.C., o primeiro mapa do mundo. Podemos perceber, dessa forma,
como a influência oriental serviu de base para o desenvolvimento das
ciências no mundo grego. Essa influência da racionalidade está presente
em Heródoto, uma vez que, a tradução da palavra ιστορία3, título da
obra, é investigação. Como ressalta Arnaldo Momigliano (2004: 60), o
historiador grego optou por registrar os costumes e os acontecimentos
de diversos povos através do exame crítico desse registro, quando ele
acreditava ser oportuno. Essa racionalidade está presente, por exemplo,
na passagem de sua viagem ao Egito, quando decide medir, com a ajuda
dos guias, a pirâmide de Quéfren (Hdt., II.127).
Myres (1999: 12) salienta que talvez a obra não estivesse completa
quando ocorreu a leitura para a Boulé ateniense. Heródoto deve ter
escrito o corpo principal da sua obra por volta dos anos 440-30 a.C.4 – e,
de acordo com Momigliano (2004: 67), isso pode ter acontecido em
Atenas – um período considerável para a inserção de outros logoi que
Heródoto acreditava serem importantes para alcançar o intuito de sua
composição. Nesse ponto, devemos ressaltar que a audiência da obra
deveria ser o público heleno, e esse fato poderia influenciar na maneira
como a obra foi pensada e composta, e como ele descreveria certas
sociedades, costumes, leis e também as mulheres, sendo essa última
categoria o foco desse artigo.
4 Para Cynthia Moraes (2004: 15), a obra teria sido escrita por volta de 446-5 ou 445-4
a.C.
Entretanto, como salienta Pedro Paulo Funari (2003: 18), devemos estar
conscientes da subjetividade intrínseca ao relato histórico a partir do
momento da concepção de que “todo o conhecimento expressa-se,
necessariamente, como um discurso”, enfatizando mais ainda a
preocupação em se saber quem é o autor e a qual público a obra se
destina. No tocante ao raciocínio de Jean-Pierre Vernant (2010: 55), uma
das características da polis ateniense era a publicidade do conhecimento
que antes se restringia a tradições familiares, ou a textos que pouco
circulavam entre a população. Retomando a afirmação feita pelos
historiadores de que Heródoto leu o seu discurso para os atenienses,
podemos inferir que o seu destinatário eram os helenos, e não os povos
relatados em sua obra.
Por um lado as mulheres vão à ágora e realizam o comércio, por outro lado os
homens que ficam em casa tecendo (...) as mulheres urinam em pé, os homens,
sentados (...) a mulher não pode ser sacerdotisa de nenhum deus ou deusa, os
homens podem ser sacerdote de ambos. Os filhos não são obrigados a
alimentar os pais, mas as filhas devem fazê-lo, embora não tenham vontade.
(II.35).
Concordamos com Sue Blundell (2001: 126) quando ela afirma que as
mulheres atenienses também poderiam ser vistas nos rituais funerários.
Nesse caso, segundo Fantham et al. (1994: 76-7), Sólon também teria
regulamentado a forma como esse ritual deveria ser conduzido, e que
somente parentes próximos do morto poderiam velá-lo, recomendando
também restrição na lamentação em público; em outras palavras, uma
tentativa de cercear o contato das mulheres com outros homens
apartados do seu círculo familiar.
Não é somente o fato de uma mulher poder ocupar o mais alto cargo
político de uma sociedade que se destaca nessa passagem, mas também
a atitude que a rainha Nitócris, de acordo com o relato dos sacerdotes
egípcios, empreende para vingar a morte do irmão pelos egípcios. Assim
narra Heródoto:
... ela fez construir um recinto subterrâneo enorme e... elaborava outras
intenções em sua mente; e ela convidou os egípcios para esse local... recebendo
muitos convidados, enquanto eles se banqueteavam, o rio avançou por um
enorme canal escondido. Eles não relataram outros acontecimentos, exceto que
ela mesma, depois desse fato, atirou-se em um recinto cheio de cinza para
evitar uma vingança. (Hdt., II.100).
Considerações finais
anula sua importância para a confecção das Histórias e para a nossa análise nesse
artigo.
Fontes
Referências bibliográficas
GOULD, John. Law, Custom and Myth: Aspects of the Social Position of
Women in Classical Athens. The Journal of Hellenic Studies, Vol. 100,
Centenary Issue, p. 38-59, 1980. Acesso em: 12/08/2010.
HART, John. Herodotus and Greek History. New York: St. Martin’s Press,
1982.