4 Sumário (Coisas)
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113. O Código Civil define coisa, no art. 202.º, como “tudo aquilo que pode ser
objecto de relações jurídicas”1.
No entanto, a noção em causa é demasiado ampla, pois que abarca,
designadamente, as pessoas, as prestações e as situações económicas não autónomas. De
facto, dúvidas não subsistem quanto à possibilidade de as pessoas poderem ser objecto
de relações jurídicas (assim, por exemplo, nos direitos de personalidade) e, no entanto,
não são coisas. Também as prestações que, na sua essência, se traduzem em acções ou
omissões das pessoas (e, por isso, são incindíveis destas) são insusceptíveis de assumir
o estatuto de coisa. Quanto às situações económicas não autónomas, ou seja, situações
economicamente vantajosas que se ligam incindivelmente a outras situações, por modo
que só dominando estas últimas — se estas forem susceptíveis de domínio — é que
1
O n.º 2 do mesmo preceito legal estatui que todas as coisas fora do comércio jurídico “não
podem ser objecto de direitos privados, tais como as que se encontram no domínio público e as que são,
por sua natureza, insusceptíveis de apropriação”.
Deste modo o legislador, de forma pouco feliz, por um lado, integra entre as coisas fora do
comércio jurídico, quer as coisas insusceptíveis, por razões jurídicas, de apropriação (por estarem no
domínio público), quer as “coisas” insusceptíveis, por sua natureza, de apropriação exclusiva (que, como
veremos, não são coisas em sentido jurídico). E, por outro, limita indevidamente as coisas insusceptíveis,
por razões jurídicas, de apropriação às coisas integradas no domínio público, quando é certo que assim
não é. A comprová-lo basta ter presente os baldios — terrenos que se encontram numa situação e num
regime de uso e fruição comunitários segundo os usos e costumes, com origem antiga ou mesmo
imemorial —, que, não se integrando no domínio público, são insusceptíveis de apropriação exclusiva,
em virtude do estatuído na Lei n.º 68/93, de 4 de Setembro, e são qualificáveis como coisas comuns.
Segundo o artigo 84.º da Constituição da República Portuguesa, pertencem ao domínio
público:
“a) as águas territoriais com seus leitos e os fundos marinhos contíguos, bem como os lagos,
lagoas e cursos de água navegáveis ou flutuáveis, com os respectivos leitos; b) as camadas aéreas
superiores ao território acima do limite reconhecido ao proprietário ou superficiário; c) os jazigos
minerais, as nascentes de águas mineromedicinais, as cavidades naturais subterrâneas existentes no
subsolo, com excepção das rochas, terras comuns e outros materiais habitualmente usados na construção;
d) as estradas; e) as linhas férreas nacionais; f) outros bens como tal classificados por lei.” Por outra parte,
adianta o n.º 2 do mesmo preceito, “a lei define quais os bens que integram o domínio público do Estado,
o domínio público das regiões autónomas e o domínio público das autarquias locais, bem como o seu
regime, condições de utilização e limites.”
Há que contar com legislação específica para além daquilo que constitucionalmente se define
como domínio público. Por exemplo, com o Decreto-Lei n.º 90/90, de 16 de Março, que disciplina o
regime jurídico de revelação e aproveitamento de bens naturais existentes na crosta terrestre,
genericamente designados por recursos geológicos (nos termos do artigo 1.º, integram-se no domínio
público do Estado os recursos geológicos que no diploma são designados por depósitos minerais, recursos
hidrominerais e recursos geotérmicos, ao passo que podem ser objecto de propriedade privada ou outros
direitos reais, os recursos geológicos que designados por massas minerais e por águas de nascente). Ou
com o Decreto-Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro, que estabelece a titularidade dos recursos hídricos
definindo como domínio público hídrico o domínio público marítimo, o domínio público lacustre e fluvial
e o domínio público das restantes águas, categorias que depois concretiza.
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MÓNICA JARDIM/MARGARIDA COSTA ANDRADE
alguém pode assenhorear-se das primeiras (por exemplo, os valores sui generis de um
estabelecimento comercial, nomeadamente, as relações de facto de valor económico
com os clientes, com os fornecedores e financiadores, etc.), também não são coisas2.
Assim, o conceito jurídico de coisa tem de ser restringido, acrescentando ao
disposto no art. 202.º os seguintes requisitos3:
1 — impessoalidade;
2 — apropriabilidade (objecto tem de poder subordinar-se juridicamente ao
poder, acção ou disponibilidade exclusiva de um ou alguns homens);
3 — utilidade (objecto idóneo à satisfação de necessidades ou interesses
humanos, razão pela qual, para efeitos do Direito, coisa e bem são conceitos sinónimos).
2
ORLANDO DE CARVALHO, Lições de Direitos Reais, ob. cit., p. 208 e 209.
3
Por todos, vide: MANUEL DE ANDRADE, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. I, n.º 36;
CARLOS MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra, Coimbra Editora, 3.ª ed., 1988, p. 340
e ss..
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MÓNICA JARDIM/MARGARIDA COSTA ANDRADE
Como escreve CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO, “[o] objecto do direito real
tem de incidir sobre coisa certa e determinada, o mesmo sucedendo com os negócios
dotados de eficácia real cujo objecto tem de se revestir de idêntica característica: ser
certo e determinado. É que só pode haver direito de excluir todos em relação a uma
coisa, se esta for certa e determinada, não podendo, por isso, constituir-se direitos reais
sobre coisas não individualizadas ou indeterminadas.” “Diversamente, nos direitos de
crédito, a prestação pode ter por objecto uma coisa determinada apenas pela sua
referência a um tipo ou a um género e por uma certa quantidade. Assim, por exemplo, a
obrigação de entregar x pipas de vinho, sem que se saiba se será este ou aquele o que
será entregue. Este só será determinado ao momento do cumprimento, O objecto da
prestação não tem de que se encontrar determinado no momento da constituição da
obrigação.” “Ao invés, o objecto dos direitos reais tem de se encontrar determinado”.4
115. São coisas corpóreas todas as que têm existência física, sendo, portanto,
apreensíveis ou perceptíveis pelos sentidos.
Não se compreendem aqui somente as coisas que revistam a natureza de corpos
ou que ocupem um lugar no espaço, por ínfimo que seja; também são coisas corpóreas,
as forças naturais — como a electricidade - que se revelam aos sentidos, só de per se ou
com auxílio de instrumentos idóneos.
Já as coisas incorpóreas são as que não podem ser apreendidas pelos sentidos
e, portanto, as que apenas podem ser perceptíveis pelo intelecto, mas que, apesar disso,
são concretizáveis no mundo externo e são susceptíveis de aproveitamento económico
(é o caso dos sinais distintivos de comércio, das patentes, dos direitos quando
coisificáveis, etc.).
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MÓNICA JARDIM/MARGARIDA COSTA ANDRADE
que engloba na categoria dos imóveis e, pela negativa, sabe-se o que deve qualificar-se
como móvel (art. 205.º).
A justificação para esta opção encontra-se exposta nos trabalhos preparatórios,
onde se pode ler que “é difícil definir rigorosamente qualquer das duas categorias (isto
é, das coisas imóveis e móveis), e, por isso, as legislações têm fugido à formulação de
conceitos. Aquelas palavras andavam evidentemente ligadas à ideia de que as coisas
podem ou não ser transportadas de um lugar para outro (cfr. Código Francês, art. 528.º,
Código Espanhol, art. 335.º e Código Brasileiro, art. 47.º). Todavia, esta concepção,
puramente física, não basta para o direito. Há necessidade de integrar, para muitos
efeitos jurídicos, numa ou noutra categoria, coisas que fisicamente não são imóveis nem
móveis, como os direitos, e, de uma maneira geral, as coisas imateriais. Daí a tendência
justificável das legislações para fazer, de preferência, uma enumeração das coisas
imóveis sem, no conjunto, as definir.”6
6
Vide Boletim do Ministério da Justiça, n.º 91, p. 210.
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Por fim a lei considera imóveis “as partes integrantes dos prédios rústicos e
urbanos” e, assim, por maioria de razão, são também imóveis as partes componentes
destes.
119. Segundo o art. 207.º, coisas fungíveis são as que se determinam pelo seu
género, qualidade e quantidade, quando constituam objecto de relações jurídicas.
Na expressão tradicional as “coisas” que se determinam por conta, peso e
medida. Segundo MANUEL DE ANDRADE, são fungíveis, as coisas “que intervêm
nas relações jurídicas não in specie, isto é, como individualmente determinadas, mas in
genere, isto é, enquanto identificadas somente através de certas notas genéricas (mais ou
menos precisas) e da indicação duma quantidade, a verificar por meio de contagem,
pesagem ou medição (res quae pondere, numero, mesura constant)”7.
Em suma, as “coisas” fungíveis são substituíveis por outras. Portanto, em rigor,
não são coisas susceptíveis de constituir objecto de direitos reais, uma vez que ainda
não têm existência autónoma ou não são entidades certas e determinadas na espécie.
Consequentemente, só depois de feita a escolha é que podem surgir direitos
reais sobre a coisa pois só aí ela fica determinada.
7
Teoria da Relação Jurídica, I, ob. Cit., p. 252.
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120. O art. 211.º do Código Civil não define rigorosamente “coisa futura” –
porque, ao afirmar o legislador que “coisas futuras são aquelas que não estão no poder
do disponente ou a que este não tem direito ao tempo da declaração negocial”, não
permite distinguir coisa relativamente futura perante coisa absolutamente futura, alheia
e inexistente.
121. Ora, uma coisa é relativamente futura se já existe, mas ainda não está em
poder do disponente no momento da declaração negocial, tendo aquele, todavia, uma
legítima expectativa de vir a adquiri-la e sendo o contrato realizado na perspectiva ou
suposição (de ambas as partes, claro está) de que ela virá a entrar no património do
alienante – cfr. arts. 408.º, n.º 2; 893.º; 942.º.
Por seu turno, uma “coisa” é absolutamente futura se ainda não existe, mas é
esperada.
Uma coisa é alheia se já existe, mas não está em poder do disponente e este
não tem a legítima expectativa de a vir a adquirir – cfr. arts. 892.º, 893.º, 942.º e 956.º.
Por fim, a “coisa” inexistente é aquela que ainda não existe nem na
disponibilidade do disponente nem de quem quer que seja e aquele não espera vir a
adquiri-la8.
123. Nos termos do n.º 3 do art. 204.º, as partes integrantes são as coisas
móveis unidas materialmente com carácter de permanência a um prédio para lhe
aumentar as utilidades, enquanto servem para a tornar mais produtiva (por exemplo, um
8
Como resulta do exposto o que se denomina como “coisas” absolutamente futuras e de
“coisas” inexistentes não são coisas, pois não são actuais, certas e determinadas.
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engenho de tirar água), ou para a sua maior segurança (é o caso do sistema de alarme),
maior comodidade (ar condicionado, sistema de aquecimento central) ou
embelezamento (como os frisos de um tecto ou um painel de azulejos integrado na
parede). Estão postas ao serviço do prédio, desempenham relativamente a ele uma
função auxiliar ou instrumental, mantendo, não obstante, a sua individualidade.
imediatamente, antes ficando em suspenso até que a parte se transforme em coisa. Por
exemplo, um contrato de compra e venda dos tijolos que compõem uma casa não é
inválido por impossibilidade do seu objecto apesar de não gozar da autonomia
necessária para ser qualificado como coisa em termos de direitos reais. O que sucede é
que o direito de propriedade só passará para o comprador no momento em que os tijolos
sejam subtraídos da coisa principal e passem, cada um deles, a constituir uma coisa
autónoma, certa e determinada. Até lá, os efeitos obrigacionais do negócio já se
produziram — nomeadamente, já nasceu, para o vendedor, a obrigação de separar os
tijolos para posterior entrega ao comprador.
Por outro lado, as coisas certas, determinadas e autónomas que, por um
qualquer motivo, percam a sua autonomia e passem a ser partes componentes ou
integrantes de uma coisa principal deixam de poder ser objecto de relações jurídico-
reais autónomas, enquanto assim permanecerem (art. 408.º, n.º 2)9. É o que sucede no
exemplo-escola dos elevadores, que perdem a sua natureza de coisa assim que sejam
integrados (ligação material e com carácter de permanência) ao edifício que passam a
servir.
9
Sobre esta matéria vide, por exemplo, HENRIQUE MESQUITA, Direitos Reais, ob. cit., p. 12
e ss..
8
MÓNICA JARDIM/MARGARIDA COSTA ANDRADE
estar ligada pelo destino económico à coisa principal (por isto, quando o A vende ao B
um apartamento, com a propriedade do imóvel não segue o recheio, a não ser que o
contrário seja expressamente acordado).
I. Noção
10
Segundo KRELLER, os romanos, que na sua origem eram um povo essencialmente agrícola,
inicialmente davam o nome de frutos apenas às coisas móveis criadas pela natureza através de um
processo de crescimento orgânico. Este critério permitia abarcar as plantas nascidas em virtude do cultivo
do solo, a fruta das árvores, as crias de animais, etc. (KRELLER, Römisches Recht. Grundlehren des
gemeinen Rechts, Viena, 1950, p. 167 e ss., apud ROVIRA MOLA, Frutos, Nuova Enciclopedia Jurídica,
X, FO-HE, F-Seix Editore, p. 194).
Mas a vida económica desenvolveu-se, a esfera de necessidades alargou-se e o significado da
palavra teve de ser ampliado. De facto, o conceito meramente orgânico revelou-se insuficiente e os
próprios romanos tiveram de colocar a questão de saber se uma casa, que não produzia qualquer fruto
através de um fenómeno natural de crescimento e desenvolvimento orgânico, podia ser base da percepção
de réditos – em virtude, por exemplo, de um arrendamento – como se se tratasse de frutos.
A solução foi considerar tais rendimentos como frutos, ampliando o conceito primitivo, por
forma a que o seu conteúdo pudesse abarcar não só o que fosse produzido ex ipso corpore, mas ainda ex
alia causa. Assim surgiu a distinção entre frutos naturais e civis.
O conceito de frutos não se restringe às meras criações naturais das coisas, ao que surge destas
em virtude da sua força germinativa ou produtora, pois, além das produções orgânicas que podemos obter
das coisas, importa ainda ter em conta os rendimentos normais que, por negócio jurídico ou por força da
lei, o homem aufira com base nelas.
Mas, desde sempre, notórias discrepâncias separaram os autores quando tentaram fixar uma
noção exacta e precisa de frutos.
Passamos a dar conta de duas concepções contrapostas.
Uma delas assinala como nota característica dos frutos a periodicidade da sua produção;
seguem-na, em geral, os autores franceses e alguns autores italianos, apegados à tradição orgânica ou
naturalista, bem como alguns autores germânicos. Assim, para BIANCHI, fruto é “aquilo que uma coisa
produz e reproduz periodicamente, sem diminuição nem alteração da sua substância” (Apud MARTÍN
RETORTILLO, Los frutos en el Derecho español, Revista Jurídica de Cataluña, 1949, T. XLVIII, p.
523).
Segundo PLANIOL e RIPERT, é fruto “tudo o que a coisa produz a intervalos periódicos, sem
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MÓNICA JARDIM/MARGARIDA COSTA ANDRADE
128. Frutos pendentes são aqueles que ainda não foram colhidos ou recebidos,
portanto, aqueles em relação aos quais em ainda não se verificou o momento da
percepção.
Frutos percebidos, tal como o nome indica, são aqueles que tendo sido
produzidos já não se encontram em situação de pendência, pois já ocorreu o momento
da perceptio.
que tal envolva a destruição da sua própria substância: fructus sunt quae nasci et renasci solent”
(PLANIOL/RIPERT, Traité Pratique de Droit Civil Français, T. III, 1942, p. 229).
Este conceito naturalístico de frutos, porém, foi bastante criticado pelos autores alemães, com
fundamento em que não fornecia uma noção completa e unitária de fruto desde logo porque o que
substancialmente importa, para delimitar o conceito de frutos é atender ao destino económico da coisa.
ENNECCERUS/WOLFF, por exemplo, sustentam que são frutos os rendimentos económicos
que se extraem de uma coisa de acordo com o seu destino e sem alterar a sua substância, quer
imediatamente (frutos naturais), quer em virtude ou como consequência de uma relação jurídica dirigida
a obtê-los (frutos civis ou jurídicos) — Tratado de Derecho Civil, tradução espanhola da 39.ª edição
alemã, Barcelona, Bosch, 1934, T. I, p. 587-588.
O que se obtém fora dos limites do rendimento, ou seja, prejudicando economicamente a coisa
principal, ou o que não corresponde ao destino económico da mesma, não é fruto.
Os autores alemães rectificaram, por isso, a concepção meramente orgânica de fruto, sendo
depois acompanhados por civilistas italianos como FERRARA e PIOLA, omitindo o elemento da
periodicidade da produção, uma vez que, por um lado, nem sequer em relação aos frutos naturais se pode
afirmar que a sua periodicidade é indefinida ou sem limite temporal e, por outro, nada obsta a que se
considere como fruto civil uma única prestação realizada pelo devedor em alternativa à realização de
várias prestações – p. ex., o cânone superficiário. (FERRARA, Trattato di Diritto Civile Italiano, 1921, t.
I, parte 1.ª, p. 838 (citado por quase todos os autores), onde pode ler-se que fruto é “todo o produto ou
utilidade que constitui o rendimento de uma coisa, conforme o seu destino económico e sem alteração da
sua substância”).
Para além dos autores que defendem uma destas duas teorias, existem ainda autores que
assumem uma posição intermédia, pois, por um lado, não abandonando a nota da periodicidade como
característica distintiva dos frutos, referem-se a ela de forma relativa, enquanto potencial renovação dos
frutos, ainda que circunscrita no tempo. E, por outro, atendem ao fim económico da coisa, ao seu destino.
Nesta linha, a título de exemplo, veja-se HUC, para quem os frutos são tudo o que uma coisa
pode dar ou proporcionar periodicamente, sem que a periodicidade tenha de ser regular devendo, por
exemplo, incluir-se na categoria de frutos ou rendas os proveitos da exploração de uma obra literária
(Commentaire du Code Civil, T. IV, p. 141). E ainda, ROVIRA MOLA, segundo o qual não pode
conceber-se como frutos todas as utilidades ou rendimentos de uma coisa, mas apenas o que ela é apta a
produzir tendo em conta o seu destino económico, sem alteração substancial e, por vezes, com certa
regularidade ( “Frutos”, ob. cit., p. 199).
Em Itália, à margem da discussão sobre a necessidade ou desnecessidade da periodicidade,
enquanto nota característica dos frutos, em virtude do art. 820 do Codice Civile – segundo o qual, são
frutos civis aqueles que se obtêm da coisa como correspectivo do gozo concedido a um terceiro (locatário,
superficiário, etc. -, colocou-se, ainda, a questão de saber se o elemento característico dos frutos civis se
traduz no facto de eles serem o conteúdo de uma prestação devida ao proprietário da coisa principal, em
virtude de um vínculo jurídico que tenha por conteúdo a cessão do gozo desta a outrem. (PIETRO
BARCELLONA, ”????????”Enciclopedia Del Diritto, XVIII, Foro-Giud, Giuffrè, p. 215).
Contra esta interpretação literal do artigo, foi observado que nem todos os frutos civis
representam um «rendimento de substituição» e que nem sempre o mecanismo de derivação é constituído
pela cessão do gozo da coisa (assim, por exemplo, os juros das somas mutuadas, onde não há apenas
cessão do gozo das referidas somas, mas sim transmissão da propriedade).
Para superar a dificuldade de enquadramento de hipóteses idênticas à indicada, a doutrina
italiana dominante orientou-se no sentido de assumir como critério distintivo o do modo de derivação e o
do título de aquisição. Assim, passou a afirmar que são frutos naturais apenas aqueles que são
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MÓNICA JARDIM/MARGARIDA COSTA ANDRADE
Frutos percipiendos são aqueles que não foram percebidos e que poderiam ter
sido, caso a coisa frutífera tivesse estado em poder do titular do direito de fruição.
129. Para a partilha dos frutos vale o art. 213.º, nos termos do qual “os que têm
direito aos frutos naturais até um momento determinado, ou a partir de certo momento,
fazem seus todos os frutos percebidos durante a vigência do seu direito” (n.º 1) — regra
pro rata temporis.
Quanto a frutos civis, a partilha faz-se proporcionalmente à duração do direito
(n.º 2 daquele mesmo preceito)
Em consonância, estatui-se no art. 214.º que ”quem colher prematuramente
frutos naturais é obrigado a restituí-los, se vier a extinguir-se o seu direito antes da
época normal das colheitas.”
Por fim, a propósito de frutos, veja-se o art. 215.º, que não determina a pessoa
a quem devem ser atribuídos os frutos, nem estabelece qualquer critério de partilha
(quando sejam atribuídos a várias pessoas), mas que elenca os direitos de quem é
obrigado a restituir frutos já percebidos ou a entregar a coisa com frutos pendentes, do
modo que passamos a transcrever:
“1. Quem for obrigado por lei à restituição de frutos percebidos tem direito a
ser indemnizado das despesas de cultura, sementes e matérias-primas e dos restantes
encargos de produção e colheita, desde que não sejam superiores ao valor desses frutos.
2. Quando se trate de frutos pendentes, o que é obrigado à entrega da coisa não
tem direito a qualquer indemnização, salvo nos casos especialmente previstos na lei.”
produzidos pela coisa-mãe através de um processo de desenvolvimento orgânico, que se extraem dela
por separação e se adquirem automaticamente por efeito de um direito sobre a coisa; e que são frutos
civis ─ ou frutos jurídicos ─ aqueles que se obtêm em virtude da constituição de uma relação
obrigacional com um outro sujeito e são adquiridos por efeito do cumprimento da respectiva prestação.
Ou seja, decisivo para a qualificação de fruto civil é o modo da sua obtenção: os frutos devem
ser considerados civis quando constituem objecto de um crédito, de tal forma que o seu titular não pode
obtê-los sem o cumprimento do devedor. (MOSCO, I frutti nel diritto positivo”, ob. cit., p. 116 e ss.).
Assim sendo, a diferença entre frutos civis e frutos naturais funda-se no tipo de gestão da
coisa. Frutos naturais são os bens que derivam da gestão económica da coisa-mãe. Frutos civis são os
bens que derivam da gestão desenvolvida mediante determinada actividade jurídica. A produção de
frutos civis depende do desenvolvimento de uma actividade jurídica que tem por objecto e escopo a
gestão do bem produtivo.
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MÓNICA JARDIM/MARGARIDA COSTA ANDRADE
Segundo o n.º 3 do art. 216.º, são benfeitorias necessárias as que têm por fim
evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa (por exemplo, reparar o telhado de
uma casa); úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe
aumentam, todavia, o valor (por exemplo, instalar um painel de azulejos decorativo no
exterior de um imóvel); voluptuárias as que, não sendo indispensáveis para a sua
conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante
(por exemplo, pintar o automóvel da cor preferida da mãe do proprietário).
11
Vide infra sobre os modos de aquisição da propriedade.
12
MANUEL RODRIGUES, A Posse: Estudo de Direito Civil Português, 2a ed., Reimpressão,
1996, Coimbra, Almedina, p. 362.
13
MANUEL DE ANDRADE, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. I, ob. cit., p. 274.
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MÓNICA JARDIM/MARGARIDA COSTA ANDRADE
Índice
14
CUNHA GONÇALVES, Tratado de Direito Civil em Comentário ao Código Civil
Português, Vol. III, Coimbra, Coimbra Editora, 1931, n.º 301.
15
PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. III, ob. cit., p. 166 e
167; ANTÓNIO CARVALHO MARTINS, Acessão, Coimbra, Coimbra Editora, 1999, p. 17 e 117 e ss.
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g)...........................................................................................................................8
I. Noção.........................................................................................................8
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