Mlfalcao, Cap-11

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APLICAÇÃO DE TÉCNICAS DE GEOPROCESSAMENTO À ANÁLISE

DA DIFUSÃO ESPACIAL DA BATATICULTURA


EM MINAS GERAIS ENTRE 1960 E 2008

Eliana Corrêa Aguirre de MATTOS1


Marcos César FERREIRA2

Resumo
Atualmente a batata é o principal alimento de dois terços da população mundial e sua
importância justifica novas pesquisas com técnicas de geoprocessamento, buscando integrar
planejamento regional às políticas públicas que resultem em um melhor equilíbrio na sua produ-
ção e comércio. Este trabalho tem como objetivo analisar a difusão espacial da bataticultura em
Minas Gerais no período de 1960 a 2008 utilizando-se o sistema de informação geográfica ArcGIS
9.3®. Neste sistema foram utilizadas ferramentas de análise espacial, geoestatística, interpolação
por krigagem ordinária Gaussiana aplicada ao sequeciamento temporal de mapas isolépticos,
classificados em relação à média e ao desvio-padrão, analisando-se-lhes os fatores incidentes de
dependência espacial. Os resultados mostram o deslocamento do centro médio geográfico pon-
derado da bataticultura em Minas Gerais, na direção oeste durante este período, ou seja, das
regiões da Zona da Mata, Metalúrgica, Campo das Vertentes para o Sul de Minas e deste para o
Alto São Francisco, Triângulo e Alto Paranaíba. Em uma escala nacional, a orientação deste vetor
direcional pode indicar o deslocamento da produção para novas áreas, tais como o estado de
Goiás, implicando em mudanças regionais na cadeia de produção de batata.
Palavras-Chave: Bataticultura. Geoprocessamento. Krigagem. Difusão espacial. Planeja-
mento agrícola.

Abstract
Application of geoprocessing techniques in the spatial diffusion
analysis of potato crops in Minas Gerais from 1960 to 2008

Potato is currently the main food of two thirds of the world population and its importance
justifies new researches using geoprocessing techniques aiming to integrate regional planning to
public policies in agriculture, achieving a better balance on its production and trade. This paper
aims to analyze the spatial diffusion of regional potato crops in the state of Minas Gerais from
1960 to 2008. In this work, GIS software ArcGIS 9.3® and its spatial and geostatistical analysis
tools were used in applying the method of interpolation by kriging multivariate Gaussian. Maps
were produced by using single time and continuous field level isoplethic. The results show the
displacement of the weighed average geographic center of potato production in Minas Gerais
during this period towards west, that is, from Zona da Mata, Metalúrgica and Campo das Verten-
tes regions to the Southern of Minas and from this to Alto São Francisco, Triângulo and Alto
Paranaíba. On a national scale, this vector orientation may indicate changes of production to new
regions such as the state of Goias and also regional changes in the potato production chain.
Key words: Potato crops. Geoprocessing. Kriging. Spatial diffusion. Agricultural planning.

1
Universidade Estadual de Campinas–UNICAMP, Doutora, R. João Pandiá Calógeras, 51–13.083-870-
Campinas-SP, Brasil, E-mail: [email protected]
2
Universidade Estadual de Campinas–UNICAMP, Professor Livre Docente, R. João Pandiá Calógeras, 51–
13.083-870-Campinas-SP, Brasil, E-mail: [email protected]

GEOGRAFIA, Rio Claro, v. 39, n. 1, p. 179-190, jan./abr. 2014.


Aplicação de técnicas de geoprocessamento à análise da difusão
180 espacial da bataticultura em Minas Gerais entre 1960 e 2008 GEOGRAFIA

INTRODUÇÃO

Atualmente o Brasil produz 3,5 milhões de toneladas de batata ao ano, cultivadas em


cerca de 150 mil hectares – um volume de negócios que supera US$ 1,6 bilhão. Em todo o
mundo, a batata figura como a quarta cultura em importância agrícola (depois do milho,
arroz e trigo) e sua produção anual ultrapassa 300 milhões de toneladas em uma área de 19
milhões de hectares. Dados da FAO (Food and Agriculture Organization) para 2003 (ABBA,
2010) mostram que, do total mundial, 4,5 milhões de hectares foram creditados à China, que
também contribuiu com a quarta parte da área total cultivada, sendo maior produtor mundi-
al, e aumentou seu cultivo em 30% nos últimos cinco anos (EMBRAPA, 2010).
A batata é o alimento básico de dois terços da população mundial e esta importância
justifica a grande quantidade de pesquisas sobre novas tecnologias e práticas de manejo,
variedades adaptadas aos diferentes tipos de clima, rentáveis ao produtor e aceitas pelo
consumidor. Em razão das exigências técnicas da cultura, aliadas às peculiaridades das
cultivares encontradas no mercado brasileiro, empregam-se expressiva variedade e quanti-
dade de insumos químicos em seus ciclos produtivos, abrangendo fertilizantes, fungicidas,
inseticidas, herbicidas, cujo mau uso, inadequado ou não planejado, podem levar a sérios
danos ao ambiente, à saúde do trabalhador e dos consumidores (MATTOS, 2011).
Esta expressiva variedade de produtos químicos pode ser verificada no Sistema de
Informações sobre Agrotóxicos (SIA), disponibilizada pela Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (SIA-ANVISA, 2010). O SIA aponta 212 registros de agrotóxicos permitidos para o
cultivo da batata no Brasil. A denominação “agrotóxico” é aquela definida no artigo 2º da Lei
federal nº 7.802 de 11/07/1989 e abrange herbicidas, fungicidas, acaricidas e inseticidas.
A maioria das cultivares de batata empregada no Brasil desde a introdução da cultura
no país é oriunda de programas de melhoramento desenvolvidos em países de clima tempera-
do, principalmente da Europa e não são completamente adaptadas às nossas condições
(PINTO, 1999). A não adaptabilidade permanece como um dos principais problemas no culti-
vo da batata, citado também em publicações especializadas (EPAMIG, 1981, 1999).
Silva (ABBA, 2011d) esclarece que a produtividade destas cultivares é baixa no Brasil
devido fatores que advém de sua origem em países de clima temperado, posto que estas
cultivares são geneticamente melhoradas sob condições de fotoperíodo longo, diferente-
mente no Brasil, com ocorrência de fotoperíodo curto a intermediário. Neste processo de
melhoramento genético em países de clima temperado estas cultivares são submetidas à
baixa pressão de alguns fatores bióticos, tais como insetos e bactérias. No entanto, estes
têm grande efeito e, portanto, exercem alta pressão sobre a cultura de batata em climas
tropicais, como o Brasil.
Estas cultivares, quando plantadas em condições subtropicais e tropicais, apresen-
tam um período vegetativo menor, com uma menor produção de fotossintetizados, o que
resulta em menor produtividade. Por este motivo, exigem uso intenso de fertilizantes e
pesticidas para atingir altos rendimentos, o que eleva o custo de produção. O uso excessivo
de adubação química é associado, muitas vezes, à ausência de análises de solo e de
referências técnicas que permitam o uso correto destes insumos químicos, assim como de
agrotóxicos e podem onerar seu custo, além de provocar efeitos indesejáveis ao meio
ambiente.
O ciclo da batata é de 90 a 120 dias (3 a 4 meses) e o clima desempenha papel
fundamental na sua produção, pois sendo de origem andina, comporta-se melhor em clima
ameno, com temperaturas noturnas baixas que favorecem a formação de tubérculos, que é
a fase mais importante da produção. Oscilações bruscas entre período chuvoso e seca
prolongada podem provocar doenças nos tubérculos que depreciam o produto na
comercialização.
v. 39, n. 1, jan./abr. 2014 Mattos, E. C. A. de / Ferreira, M. C. 181

O excesso de umidade no solo, por ocasião do plantio, pode provocar o apodrecimen-


to dos tubérculos-semente; a época de maior necessidade de água tem início 60 dias após o
plantio e prolonga-se até a maturação, que ocorre em média depois de 110 dias. Irrigação e
escolha de locais livres de geada são fatores importantes que deverão ser considerados na
produção.
O cultivo de batata no Brasil ocorre em três períodos distintos, denominados “safra
das águas”, de agosto a março; “safra da seca”, de janeiro a julho e “safra de inverno”, de
abril a novembro. A safra das águas contribui com 43,6% em relação à produção total
brasileira, seguida da safra da seca, que participa com 31% e ambas representadas pelas
regiões Sul e Sudeste (SP e MG). Os estados de SP, MG e GO contribuem com o restante
25,4% da produção brasileira, em sua safra de inverno (IAC, 1998; ABBA, 2011b; ABBA,
2011c; CAMARGO FILHO; CAMARGO, 2011).
Assim, a influência do manejo, planejamento e custos da produção concorrem para
que se possam estabelecer comparativos entre as regiões de planejamento Sul de Minas e
Alto Paranaíba/Vertentes do estado com as novas frentes de cultivo, em Goiás (GO), objeti-
vo deste trabalho. Neste estudo da análise da difusão espacial da bataticultura mineira
aplicaram-se métodos estocásticos espaciais que pressupõem a probabilidade de ocorrência
e a dependência dos eventos em séries temporais e neste objetivo levantou-se a produção
em toneladas da cultura de batata nos anos de 1960, 1980, 1991, 2001, 2005 e 2008 (IPEA,
2010), nos 853 municípios que compõem o estado de Minas Gerais.

MATERIAIS E METODOLOGIA

Tomou-se a dinâmica regional da cultura da batata (Solanum tuberosum L.) em


Minas Gerais no período de 1960 a 2008 para analisar aspectos relacionados aos desafios da
pequena produção agrícola frente a agronegócio da bataticultura. Este cultivo é tradicional
na região sul mineira e faz parte do elenco de produtos agrícolas cultivados por pequenos e
médios produtores em seus municípios.
A metodologia utilizada é a modelagem cartográfica baseada em modelos de campos
contínuos, em que o espaço geográfico é reconstruído como superfície contínua, represen-
tando a distribuição espacial de uma variável (FERREIRA, 2003). Para Chorley e Hagget
(1965, p. 47) o desenvolvimento fundamental das técnicas de mapeamento é menos a
automatização de técnicas tradicionais do que a busca por novas formas de extração de
mais informações de dados presentes.
Este modelo é especialmente aplicável em dados geográficos que possuem distribui-
ção espacial contínua e probabilística, com variações multidirecionais assemelhadas à su-
perfície, gerando mapas isolépticos. Desta forma, os mapas são elaborados a partir de
processos de interpolação de dados georreferenciados para pontos do espaço, gerando
novos valores de dados para vazios situados entre eles (FERREIRA, 2003, p. 149).
Estes pontos constituem-se nos centróides poligonais que obedecem a um modelo
georrelacional de dados e fazem parte do processo da krigagem, técnica de regressão linear
obtida em funções existentes em diversos sistemas de informação geográfica e softwares de
estatística espacial.
O mapa obtido pelo processo de krigagem tem seus valores suavizados, sendo esta
suavização inversamente proporcional à densidade dos pontos estabelecidos (LANDIM, 2006,
p.33). Com a superfície resultante da interpolação destes dados é possível inferir os possí-
veis vetores de tendência daquela variável em escala regional. A análise por regiões possibi-
lita a tentativa de estabelecimento de correlações entre os fenômenos geográficos naturais,
de ordem social, econômica e política, e o resultado do mapeamento.
Aplicação de técnicas de geoprocessamento à análise da difusão
182 espacial da bataticultura em Minas Gerais entre 1960 e 2008 GEOGRAFIA

A partir daí produz-se uma sequência temporal de mapas isolépticos, classificados em


relação à média e ao desvio-padrão, e analisados os fatores incidentes de dependência
espacial.
Estas medidas de dispersão levam em consideração a totalidade dos valores da
variável em estudo, o que faz delas índices de variabilidade bastante estáveis, adequadas
para a obtenção de intervalos de classe e de classificação menos subjetivos, identificando
áreas cujos valores de produção estão acima ou abaixo delas.
As razões pelas quais estudos sobre série temporal diferem de outros é que por óbvio
as observações não são independentes umas das outras; a hipótese central da história é
que o presente está relacionado ao passado. Similar situação se aplica no caso de séries
espaciais: o dogma central da geografia afirma que o que acontece em um lugar não é
independente do que acontece em outro (TOBLER, citado por HEPPLE, 1974, p. 97).
Para o processamento digital e cartográfico utilizou-se o SIG ArcGIS 9.3® e proce-
deu-se a aplicação das suas ferramentas geoestatísticas do Spatial Analist Tools. Em primei-
ro lugar foi necessária a obtenção dos centróides de cada um dos 853 municípios mineiros,
seguido do georrelacionamento destes centróides aos dados de produção de batata (T)
para os anos de 1960, 1980, 1991, 2001, 2005 e 2008. Utilizando-se o Spatial Analist Tools
aplicou-se o método de interpolação de dados por krigagem ordinária multivariada Gaussiana,
obtendo-se seis mapas isolépticos distintos da produção de batata (T/ha) para os anos de
1960 a 2008, abrangendo em cada um os 853 municípios mineiros.
Também se obtiveram os centros médios ponderados da variável quantidade produzi-
da de batata (T) com a ferramenta Spatial Statistics Tools, a fim de se buscar suas possí-
veis alterações regionais no período estudado, resultando em eixos direcionais da produção
em Minas Gerais ao longo de 48 anos.
Para o cálculo das coordenadas (x,y) do centro médio ponderado aplicam-se duas
equações:

onde
wi é o fator de ponderação da variável produção (T) de batatas.

Para análise da difusão espacial da variável produção de batata (T/ha) utilizou-se


como base, e modelo de objetos, as oito macrorregiões de planejamento do estado de Minas
Gerais (GEOMINAS, 2010).

RESULTADOS

A figura 1 ilustra o seqüenciamento cartográfico da difusão espacial da bataticultura


no estado de Minas Gerais nos anos de 1960, 1980, 1991, 2001, 2005 e 2008. A tabela 1
mostra os principais municípios produtores, a macrorregião a que pertencem, e sua produ-
ção, em toneladas, em cada um dos anos da série histórica analisada. O ano de 1950 foi
incluído para a visualização dos municípios onde a bataticultura é atividade agrícola tradici-
onal, embora não apresentem expressividade em termos relativos no volume de produção.
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Figura 1 - Mapas de superfície da produção de batata, segundo as regiões do


estado de Minas Gerais, no período de 1960 a 2008. A legenda indica a
quantidade de batata produzida por município, normalizada segundo
faixas de desvio padrão em relação à média anual (-0,5 a 1,5)
Aplicação de técnicas de geoprocessamento à análise da difusão
184 espacial da bataticultura em Minas Gerais entre 1960 e 2008 GEOGRAFIA

Tabela 1 - Principais municípios produtores de batata de Minas Gerais,


macrorregião a que pertencem, a variação da produção em
toneladas (T) entre 1950 e 2008

Fonte: Adaptado (IPEA, 2010).

A linguagem gráfica mais adequada para representação dos resultados, evitando-se


distorções, é o uso de legenda definida segundo o desvio padrão da produção em relação à
média do respectivo ano mapeado (-0,5 a 1,5 DP).
Desta maneira, regiões que apresentam maior desvio padrão (>1,5 DP) contém muni-
cípios que possuem valores de produção muito acima da média naquele ano; os municípios
que apresentam menores valores (<-0,5 DP), dizem respeito aos que têm sua produção
abaixo da média anual do estado, naquele ano.
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Em 1960 observa-se a concentração da produção das regiões da Zona da Mata


mineira, especialmente a Metalúrgica/Campo das Vertentes e a Sul de Minas, eixos históricos
das rotas de mineração e dos tropeiros para os estados do Rio de Janeiro e São Paulo nos
séculos XVIII e XIX, com a gradativa substituição, no século XX, do cultivo de fumo pelo
cultivo da batata.
Já nos cartogramas de 1980 e 1991 observa-se o deslocamento do cultivo para o sul
do estado de Minas, onde predominam a topografia mais declivosa, clima tropical de altitude
com temperaturas mais baixas e terrenos favoráveis ao cultivo em pequenas propriedades.
Em 1991 se observa a consolidação desta região produtora, com maiores desvios padrão e
médias de produção em relação ao estado.
Em 2001 nota-se o recuo da expansão do cultivo, já verificada em 1980, agora
direcionada à região do Alto São Francisco, Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba - regiões do
estado com topografia mais plana, embora a produção se mantenha na região sul.
Fatores climáticos e topográficos influem no sistema de cultivo da batata e seu
manejo: terrenos mais planos são mais adequados à mecanização; disponibilidade de água
para irrigação aliada ao uso de tecnologias diferenciadas - como uso de pivô central e
colheitadeiras – contribuem ao aumento da produtividade. Tais fatores reunidos resultaram
em produtividades superiores a 40 T/ha valores que se igualam aos obtidos nos principais
países produtores europeus (EPAMIG, 1999).
Estas condições propícias ao cultivo, encontradas na região do Triângulo e Alto
Paranaíba, confirmam os resultados obtidos em 2005, quando se observou maior desvio
padrão na produção de batata nos municípios que formam estas regiões, consolidando-as,
em 2008, como grandes produtoras mineiras. O resultado mostra também a realidade enfren-
tada pela produção no sul de Minas, que viu ser suplantada sua hegemonia produtiva, em
razão do modo de produção aí vigente basear-se em pequenas áreas de cultivo, mão de
obra familiar e baixo grau de tecnificação.
A figura 2 evidencia a distribuição dos eixos direcionais da produção mineira no
período de 48 anos. Os vetores foram traçados conectando-se os centros médios pondera-
dos anuais da produção de batata em base municipal.
No estado de Minas Gerais o sentido leste-oeste destes eixos pode ser observado
nas macrorregiões da Zona da Mata, Metalúrgica e Campo das Vertentes, Sul de Minas, Alto
São Francisco, Triângulo e Alto Paranaíba. Analisando-se os vetores direcionais em escala
nacional é possível se formular a hipótese do descolamento da produção ter se dado em
direção a novas regiões, como o estado de Goiás.
Camargo Filho e Camargo (2008) constataram que no biênio 2006-2007 houve altera-
ção na participação dos estados brasileiros no abastecimento do mercado de batata devido
a uma melhor tecnologia de produção e pela presença de áreas novas nos estados de Goiás
e da Bahia. Ambos possuem menores custos de produção e são favorecidos com a irrigação;
no caso de Goiás, a produção se concentra especialmente no município de Cristalina, situa-
do a 1.250 m de altitude e na região leste do estado, que possui temperaturas mais amenas
e propícias para a bataticultura.
Aplicação de técnicas de geoprocessamento à análise da difusão
186 espacial da bataticultura em Minas Gerais entre 1960 e 2008 GEOGRAFIA

Figura 2 - Mapa dos vetores direcionais de difusão espacial da produção anual de


batata no estado de Minas Gerais, no período de 1960 a 2008, baseado na
mobilidade do centro médio ponderado da produção

DISCUSSÃO

Na região dos municípios produtores de batata do sul de Minas Gerais - em compara-


ção à região produtora do planalto goiano - as propriedades rurais são em geral caracteriza-
das pelo baixo ou médio nível técnico, cujas áreas que não ultrapassam 20 ha. Por outro
lado, em Cristalina (GO), as propriedades têm área média em torno de 1.000 ha, com elevada
quantidade produzida e alto nível tecnológico. A diferença existente no modo de produção
destas duas regiões se reflete não só nos dados de produtividade média, mas também nos
custos finais por saca (Tabela 2).
A tabela 2 mostra as diferentes produtividades médias (sacas/ha) nos biênios 2008/
2009 e 2009/2010 para os municípios da região sul de Minas Gerais e o município de Crista-
lina, em Goiás e os custos finais (R$/saca) nos mesmos períodos, para ambas as regiões.
Constata-se que a produtividade média em Cristalina nestes biênios foi maior do que a dos
municípios da região sul de Minas em cerca de 200 sacas/ha, e que os custos finais da
batata no município goiano, menores que os custos dos municípios sul mineiros, tiveram
ainda uma variação negativa de 15,73% no período de 2008/2010 contra uma variação
positiva de 6,79%, no mesmo período, para a região sul de Minas Gerais.
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Tabela 2 - Dados de produtividade média (sacas/ha) e custo final


na região sul de Minas Gerais e em Cristalina, em Goiás

* safra das águas, representa cerca de 60% da produção na região.


Fonte: Adaptado (HORTIFRUTIBRASIL, 2010).

Entre os motivos que podem explicar a baixa produtividade dos municípios do sul
mineiro e seu maior custo/saca de batata estão a pequena escala de produção, o que eleva
os custos fixos dos bataticultores; baixo uso de irrigação e predomínio de atividades manu-
ais no plantio, amontoa, adubação e colheita, ambos favorecidos pelo relevo declivoso,
baixa tecnificação e emprego de mão de obra familiar; beneficiamento terceirizado.
Para o biênio 2008/2009, o custo final da saca para os municípios da região do sul de
Minas foi de R$ 32,95, 16,5% maior que o custo final da saca no cerrado goiano, no valor de
R$ 28,29; no biênio seguinte, 2009/2010, o custo de R$ 35,19 foi 47,6% ainda maior que o
custo final da saca em Cristalina (GO), de R$ 23,84. Estes valores têm expressiva significância
para a viabilidade da bataticultura nos municípios do sul mineiro em termos de competitividade
do mercado e, por via de conseqüência, da viabilidade do seu modo de produção familiar
naquela região. Além disso, os produtores também se deparam com a dificuldade de obten-
ção de mão-de-obra local, em razão da evasão para o mercado de trabalho urbano, com a
expansão de pólos industriais e logísticos, turísticos e de moradia.
O cenário encontrado na região de Cristalina (GO), que inclui os municípios de
Piracanjuba e Água Fria, e, em menor escala, o Distrito Federal, é totalmente diverso e se
caracteriza por condições climáticas adequadas ao cultivo, topografia plana favorável para
intensiva e extensa mecanização, com elevado investimento em infra-estrutura, manejo
agronômico, gestão profissional e concentração de poucos produtores de grande escala,
com área média de 1.000 ha.
Quanto à gestão nas grandes propriedades, a divisão das tarefas é mais eficiente
que a observada nas propriedades administradas diretamente pelo produtor, pois, naquelas,
para cada atividade específica, como compras e manejo agronômico, há um responsável por
sua execução; a tomada de decisão é baseada em critérios técnicos e econômicos, sempre
se levando em conta a escala de produção.
Nas grandes propriedades os produtores trabalham com uma base fixa, área própria,
onde instalam toda a infra-estrutura de administração, maquinários e beneficiamento. O uso
mais intensivo de máquinas e a estrutura própria de administração e comercialização elevam
o custo de capital imobilizado; entretanto, a escala de 1.000 ha consegue diluir esse custo,
tornando o resultado por unidade produzida mais eficiente do que o das propriedades do sul
de Minas (MATTOS, 2011, p. 59).
Do custo final de R$ 23,84/saca (2009/2010) da produção goiana, 18,07% represen-
tam gastos com insumos agrícolas (fertilizantes, fungicidas, inseticidas, herbicidas); no
custo final da produção do sul mineiro, R$ 35,19/saca, os mesmos gastos representam
31,86% (2008/2009) e 22,4% (2009/2010), valor menor, justificado pela presença de estia-
gem no plantio desta safra. Ainda assim, observa-se um incremento no custo final em
relação aos gastos na aquisição destes insumos pelo produtor sul mineiro.
Aplicação de técnicas de geoprocessamento à análise da difusão
188 espacial da bataticultura em Minas Gerais entre 1960 e 2008 GEOGRAFIA

Embora a produção de batata em Goiás vise abastecer os mercados das regiões


centro-oeste, norte e nordeste, os resultados aqui apresentados, especialmente a difusão
espacial estampada nos cartogramas da Figura 1, são ferramentas importantes e práticas
para serem incorporadas ao planejamento agrícola em nível regional, alicerçando as políticas
públicas de fomento e investimento agrícolas do país, seja no agronegócio, seja na agricul-
tura familiar.
Os resultados indicam que há um deslocamento da dinâmica regional da produção de
batata em dois níveis: em Minas Gerais, desloca-se da região sul em direção ao Triângulo/
Alto Paranaíba; entre os estados, migrando principalmente de Minas Gerais para cerrado
goiano, e em menor escala, para a Bahia.
No município de Cristalina-GO as fases da produção do tubérculo se desenvolvem em
extensas áreas de monocultura, na topografia plana do cerrado goiano. Estas fases também
incluem grandes investimentos e tecnificação, com o uso de pivô central para irrigação, e de
colheitadeiras de grande porte. Já o sistema de cultivo praticado em municípios sul mineiros,
como Camanducaia, com áreas menores, se dá em unidades de paisagem distintas da ante-
rior, consoante à paisagem mineira da Mantiqueira, com topografia declivosa, pequenas
áreas intercaladas com fragmentos florestais, moradia do pequeno produtor familiar próxima
ao cultivo, baixo uso de recursos técnicos e inviabilidade de uso de maquinário de grande
porte no campo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em uma primeira análise, se poderia sugerir alteração do modo de produção sul-


mineira, com incremento da tecnificação, investimento em tecnologia, modernos sistemas
de irrigação, sementes de qualidade, novas cultivares, defensivos e técnicas de aplicação
modernos, como o controle biológico. É o caso dos agricultores dos municípios da região de
Ipuiúna e Poços de Caldas, incluindo os municípios de Caldas e Santa Rita de Caldas, que
possuem áreas maiores (de 50 a 200 ha) de cultivo de batata e comportam maior tecnificação,
fatores que concorrem para o aumento da competitividade em relação a outras regiões
produtoras.
No entanto, a região sul mineira é extensa e, para fins de planejamento, esta deno-
minação abrange 155 municípios, com diferentes vocações. Mesmo que seja a agrícola, o
perfil do produtor pode variar de acordo com o município e suas características físicas, de
ocupação, de proximidade ou afastamento em relação a centros urbanos e eixos viários, e
assim também, a eficácia de eventuais medidas que não levem em consideração as particu-
laridades existentes.
Este é o caso dos municípios do sul de Minas que formam a APA Fernão Dias, a saber:
Extrema, Camanducaia, Itapeva, Toledo, Sapucaí-Mirim, Gonçalves, Paraisópolis e Brasópolis
(estes últimos, parcialmente), que tradicionalmente têm nesta atividade agrícola, baseada
na mão de obra familiar, sua principal vocação. Agricultores que possuem até 20 ha de área
com modo de produção familiar, preponderante na região da APA Fernão Dias, têm demandas
diferenciadas dos que possuem maiores áreas, pertencentes à mesma região de planejamen-
to.
No entanto, fatores relacionados à expansão de atividades logísticas e industriais,
aceleradas pela duplicação da Rodovia Fernão Dias BR-381 (Extrema), e incentivos à silvicul-
tura (Camanducaia), têm influenciado no perfil sócio-econômico de cada município e nas
políticas municipais ali incidentes, bem como, nas opções de trabalho de sua população. A
análise da difusão espacial da batata demonstra que, ao longo do tempo, as atividades
agrícolas, especialmente de cultivos exigentes agronomicamente como a batata, podem
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migrar de regiões tradicionais para novas regiões, com modo de produção diverso e custos
diferenciados e competitivos.
Por isto a importância do planejamento regional com o uso de tecnologias aliadas ao
geoprocessamento, para analisar e buscar alternativas junto aos pequenos agricultores, de
modo a manter e fomentar a viabilidade econômica de sua produção, e assim, seu papel na
estrutura social local.

REFERÊNCIAS

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Recebido em junho de 2012


Revisado em abril de 2013
Aceito em maio de 2013

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