Salomão & Saturno I Encantamento Das Nove Ervas Solomon & Saturn I Nine Herbs Charm
Salomão & Saturno I Encantamento Das Nove Ervas Solomon & Saturn I Nine Herbs Charm
Salomão & Saturno I Encantamento Das Nove Ervas Solomon & Saturn I Nine Herbs Charm
1
Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo-USP. Research Fellow da
University of Winchester (Inglaterra). Coordenador do NEIBRAM-Núcleo de Estudos
Interdisciplinares das Ilhas Britânicas: Antiguidade e Medievo. E-mail: [email protected].
Bento Silva SANTOS (org.). Mirabilia 20 (2015/1)
Arte, Crítica e Mística – Art, Criticism and Mystique
Jan-Jun 2015/ISSN 1676-5818
ENVIADO: 13.10.2014
ACEITO: 11.11.2014
***
I. Introdução
Ao citar seu rei e senhor – Alfredo, o Grande (c. 849-899) – em sua obra A Vida
do Rei Alfred, o monge galês Asser o descreve como um homem sábio, promotor
das letras, da educação e da Cristandade. Claramente numa tentativa de
aproximar e adequar a imagem de seu soberano à figura veterotestamentária de
outro rei sábio: Salomão.
2
Cf. KERSHAW, Paul. Peaceful Kings: Peace, Power, and the Early Medieval Political Imagination,
Oxford: Oxford University Press, 2011, p. 241-261; MEDEIROS, Elton O. S. “Alfred o
Grande e a Linhagem Sagrada de Wessex: a construção de um mito de origem na Inglaterra
anglo-saxônica”, Revista Mirabilia v. 2 n. 13, 2011, p. 134-172.
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3
MEDEIROS, Elton O. S. “O Poder das Letras: cristianismo e magia no Pater Noster
anglo-saxão”, Revista Brasileira de Histórias das Religiões v. 6 n. 16, 2013b, p. 229-266.
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4
A partir de agora mencionados aqui apenas como CCCC 41 e CCCC 422.
5
Famoso por ser o mesmo manuscrito onde se encontra o poema Beowulf. Em função disso
também é comum ser chamado como “o manuscrito Beowulf”.
6
KEMBLE, John M. The Dialogue of Salomon and Saturnus, Londres: Aelfric Society, 1848.
7
Chamado a partir de agora apenas como SalSatI.
8
Chamado a partir de agora apenas como SalSatII.
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O mais antigo dos dois manuscritos, o CCCC 422, além dos textos referentes
aos Diálogos de Salomão & Saturno, contém também material litúrgico. Pode-se
dividir o manuscrito em duas partes. A Parte A consiste nos textos referentes
a Salomão & Saturno, escritos com a caligrafia de um mesmo autor e datados
de meados do século X. Já a Parte B é maior que a Parte A e consiste no que
poderíamos considerar como um missário; datado de por volta de 1060. A
reunião de tais textos em um único manuscrito talvez indique que o objetivo
seria de criar uma compilação de textos ligados à liturgia, a prática e talvez até
mesmo à história cristã.
9
BATELY, Janet. “The Alfredian canon revisted: one hundred years on” in: REUTER,
Timothy. Alfred the Great, Aldershot: Ashgate, 2003, p. 107-120.
10
PULSIANO, Phillip & TREHARNE, Elaine. A Companion to Anglo-Saxon Literature,
Oxford: Blackwell, 2001, p. 197-198. Sobre o uso do acróstico PATER NOSTER e da
formula SATOR AREPO e sua relação com práticas mágicas, cf. MEDEIROS, Elton O. S.
“O Poder das Letras: cristianismo e magia no Pater Noster anglo-saxão”, Revista Brasileira de
Histórias das Religiões v. 6 n. 16, 2013b, p. 259-261.
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Além disso, outros elementos nos dão maiores indícios sobre sua origem.
Quanto ao fragmento em CCCC 41 persiste o mistério e existem poucos
indícios que apontem para uma elucidação. Entretanto, palavras oriundas do
latim presentes nos textos de CCCC 422 e adaptações para o idioma latino
que indicam ser a partir do grego apontam uma forte possibilidade de sua
origem como as comunidades do sul da Inglaterra, como Winchester e
Glastonbury.
11
ANLEZARK, Daniel (ed. trad.). The Old English Dialogues of Solomon and Saturn.
Cambridge: D. S. Brewer, 2009, p. 6
12
Ibid., p. 3-6.
13
Aqui não estamos nos referindo apenas aos textos de Salomão & Saturno I, mas a todos os
demais Diálogos de Salomão & Saturno que se encontram em CCCC 41 e 422.
14
Ibid, p. 49-50.
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15
DOBBIE, Elliot van Kirk. The Anglo-Saxon Poetic Records vol. 6: The Anglo-Saxon Minor
Poems, Nova York: Columbia University Press, 1942, p. l-lx.
16
MENNER, Robert J. The Poetical Dialogues of Solomon and Saturn, Nova York: Modern
Language Association of America, 1941.
17
Podemos dizer que a escolha de Menner ao publicar os fragmentos de SalSatI
separadamente o torna historicamente mais preciso para a análise das evidências presentes
no texto, uma vez que a versão de Dobbie-ao adaptar as duas partes em um único texto-
acaba ocultando elementos e detalhes importantes para a compreensão e estudo do poema
quanto sua composição, transmissão e origem. Cf. O’KEEFFE, K. O. Visible Song:
Transitional Literacy in Old English Verse. Cambridge: Cambridge University Press, 1990, p.
60-67.
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O Encantamento das Nove Ervas, por sua vez, ao contrário de SalSatI, já foi
muito estudado ao longo da história dos estudos anglo-saxônicos. O que,
entretanto, não resultou necessariamente em uma maior elucidação de sua
origem. O texto em questão se trata de um poema encantatório acompanhado
de um pequeno trecho em prosa, onde é descrito os procedimentos a serem
tomados para a realização de uma cura contra envenenamento. Em outras
palavras, o Encantamento das Nove Ervas23 seria um galdor24, um tipo de rito
mágico-medicinal anglo-saxônico.
O texto encontra-se no manuscrito British Library Harley 585 (BL Harley 585),
ou como passou a ser mais comumente conhecido: Lacnunga25. Podemos dizer
que o Lacnunga pertence a uma tradição de textos do qual também faz parte
manuscritos anglo-saxônicos como o Herbarium Apuleius e o Medicina de
Quadrupedibus (ambos voltados à utilização de ervas e componentes de animais
para os mais variados tipos de doenças e males físicos), o Peri Didaxaeon (que
visa crenças e doenças referentes a males físicos e perturbações mentais) e o
Manual de Byrhtferth (um tratado sobre os quatro tipos clássicos de “humores”
e uma visão do macrocosmo e do microcosmo como a base para a prática
médica). E também o Bald’s Leechbook e o Leechbook III; assim como o
Lacnunga, todos contêm fórmulas e encantamentos populares que mesclam
práticas mágicas e medicinais com elementos de fundo religioso pagão e
22
Cf. ANLEZARK, 2009, p. 56-57; O’NEIL, Patrick P. “On the date, provenance and
relationship of the ‘Solomon and Saturn’ dialogues”, Anglo-Saxon England 26, Cambridge:
Cambridge University Press, 1997.
23
Chamado a partir de agora apenas como EncNE.
24
Para maiores detalhes sobre os galdor cf. MEDEIROS, 2013b, p. 250-251.
25
Em inglês antigo lacnunga significa simplesmente “receitas”, “remédios”, “fórmulas”.
Uma vez que o manuscrito em si não possui um título e por se tratar de uma compilação de
fórmulas/receitas e outras instruções, o nome foi dado e utilizado pela primeira vez por
Oswald Cockayne em 1866 em sua edição e tradução do manuscrito juntamente com
outros diversos textos do período anglo-saxônico também de teor médico-encantatório,
práticas mágicas e etc. Cf. COCKAYNE, Oswald (ed. trad.). Leechdoms, Wortcunning and
Starcraft of Early England, 3 vols., Londres, 1864-1866.
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Sabemos que o manuscrito do Lacnunga teria sido composto por volta do ano
mil28 e indícios paleográficos apontam que ao menos duas pessoas estiveram
envolvidas em sua produção. Além disso, em função de várias imprecisões e
erros presentes nos textos, acredita-se que o manuscrito seja uma cópia de um
material mais antigo, talvez de fins do século VIII e início do IX. Ao contrário
de outros manuscritos com conteúdo similar, o Lacnunga não possui um índice
e ao que parece talvez nunca tenha sido a intenção original torna-lo um livro
propriamente dito.
Isso pode causar certos problemas quanto ao estudo de tais textos devido à
complexidade do tema que eles envolvem. Por exemplo, em sua abordagem
26
MEDEIROS, 2013b, p. 234.
27
O termo leech não se refere à palavra em inglês moderno “leech” (“sanguessuga”), e nem
a qualquer relação com o uso do parasita em práticas de cura e encantamentos anglo-
saxônicos. Leech no caso seria na verdade uma derivação da palavra em inglês antigo læce e
usada nos textos do período muitas vezes em paralelo ao termo latino medicus. Portanto, læce
se refere àquele que realiza ritos e práticas no intuito de remediar o mal que aflige uma
pessoa enferma, algo que-dentro do contexto da Inglaterra alto-medieval-estaria entre o
papel de curandeiro e médico/“físico”. Cf. POLLINGTON, Stephen. Leechcraft: Early
English Charms, Plantlore and Healing, Ely: Anglo-Saxon Books, 2000, p. 41; CLARK HALL,
J. R. A Concise Anglo-Saxon Dictionary, Cambridge: Cambridge University Press, 1894, p. 208.
28
POLLINGTON, 2000, p. 70-72.
29
PULSIANO & TREHARNE, 2001, p. 199-200.
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Uma das principais razões que melhor pode esclarecer isso é o fato de que tais
práticas populares, presentes em manuscritos como o Lacnunga e o Leechbook
III, de modo geral, não envolvem um tratamento direto com o corpo do
“paciente”. A preocupação em tais práticas não está voltada para sanar a
vítima, mas sim no combate dos sintomas e das causas do malefício como se
essas fossem personificações do mal em questão.
30
CAMERON, M. L. Anglo-Saxon Medicine, Cambridge: Cambridge University Press, 1993,
p. 40-42.
31
MEDEIROS, 2013b, p. 254.
32
Ibid., 2013b, p. 247-248.
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33
Para uma tradução para o português do encantamento Contra Dor Penetrante, cf.
MEDEIROS, 2013b, p. 249-250.
34
O termo “Esoterismo Ocidental” passou a ser empregado nas últimas décadas pelo meio
acadêmico como uma expressão generalizante referente a um horizonte vasto de assuntos e
temas (como magia, ocultismo, hermetismo, alquimia, bruxaria) até então descartados e
muitas vezes repudiados pelo mundo acadêmico mais tradicional como meras superstições,
curiosidades e até mesmo pseudociência. Entretanto, no final do século XX iniciou-se um
processo de reabilitação de tais temáticas-especialmente na França, Inglaterra e Holanda-e
o reconhecimento de sua importância dentro da História, Antropologia, Sociologia e
Psicologia, entre muitas outras disciplinas, para os estudos voltados (e.g.) às mentalidades,
religiosidades, sociedade, semiótica e etc. Uma excelente introdução ao assunto e sua
importância para o mundo acadêmico é a obra HANEGRAAFF, Wouter J. Western
Esotericism: A guide for the perplexed, Nova York: Bloomsbury, 2013.
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Salomão decide então lhe ensinar sobre os poderes do Pater Noster, explicando
sobre sua importância para os homens e sua relação com Deus e como utilizá-
lo. Entretanto, como fica claro ao longo da leitura do poema, o Pater Noster
que Salomão fala a respeito não é a oração cristã do Pai Nosso, mas o poder
que as letras que compõe o nome possuem para o enfrentamento contra o
demônio. O rei Salomão explica a Saturno cada uma das letras e o poder que
cada uma possui. No decorrer do poema também fica evidente que as letras
empregadas não são exatamente as mesmas que compõe as palavras Pater
Noster.
35
MEDEIROS, 2013b, p. 255-256.
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tal. A fórmula do Pater Noster, mais precisamente, que o rei explica a Saturno,
funciona como uma adjuração ou no mínimo uma fórmula de proteção.36
Onde esse tipo de oração tornou-se um tipo geral de proteção, sendo o Pater
Noster considerado especialmente eficaz contra influências satânicas.38 Durante
o período aqui retratado, o final da oração do Pai Nosso – “Sed libera nos a
Malo” – era interpretado pela Igreja como uma referência direta ao Demônio,
Satã. Sendo assim, a utilização da ideia do poder do Pater Noster aplicado como
um tipo de lorica e/ou uma fórmula de proteção como encontrada em SalSatI
seria absolutamente compreensível.
36
MEDEIROS, 2013b, p. 255.
37
Loricas se aproximam muito de fórmulas encantatórias. Por exemplo, a Lorica de São Gildas
até mesmo aparece em um dos textos do Lacnunga. A Lorica de São Patrício também é uma
das mais conhecidas e, ao observarmos com maior atenção, é possível notar que muitos
elementos de SalSatI refletem características de tais loricas. Cf. DENDLE, 1998, p. 65.
38
ANLEZARK, 2009, p. 24-25.
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No Catechesis Celtica, um exemplo pode ser visto quando o texto retrata o Pater
Noster como um martelo que conduz as sete súplicas realizadas na oração do
Pai Nosso, mas as transformando em sete lanças que irão atacar sete vícios; o
que novamente se revela um paralelo a SalSatI e a obra de Prudêncio. Outro
exemplo ainda no Catechesis Celtica pode ser encontrado em um confronto
contra o Demônio na forma de diálogo:
Diabolus enim dixit: Nescio Deum! Nos humiliter dicere iubemur: Pater noster
qui est in celis. Diabolus dixit: Ero similis altissimo. Nos dicimus: Adueniat regum
tuum. Diabolus dixit: Super astra Dei solium meum exultabo. Nos dicimus: Fiat
uoluntas tuas sicut in celo et in terra.40
39
Datado do século X e cujo conteúdo era conhecido na Inglaterra do mesmo período.
40
[“Pois o Demônio disse: Eu desconheço Deus! Foi-nos ordenado para dizer humildemente:
Pai nosso que estais no céu (Mateus 6, 9). O Demônio disse: Serei semelhante ao Altíssimo (Isaias
14, 14). Nós dizemos: Venha o teu Reino (Mateus 6, 10). O Demônio disse: Acima das estrelas
de Deus colocarei meu trono (Isaias 14, 13). Nós dizemos: Seja feita a Tua vontade assim na terra
como no céu (Mateus 6, 10).”]. Cf. WRIGHT, C. D. The Irish Tradition in Old English Literature,
Cambridge: Cambridge University Press, 1993, p. 236-237.
41
Ibid., p. 237.
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No texto Geinemain Molling ocus a Bethae42, temos um uso do Pater Noster como
um misto de lorica e encantamento. Nessa versão, palavras e frases da oração
original do Pater Noster são evocadas para confrontarem demônios, a morte e
outros males, como em SalSatI e seu uso das letras e runas no combate contra
o demônio.
42
[“Nascimento e Vida de São Molling”].
43
WRIGHT, 1993, p. 239-240.
44
A transcrição do texto original em irlandês antigo e a tradução para o português aqui
presente-a partir de sua tradução para o inglês moderno-foi baseado no trabalho realizado
por W. Stokes, The Birth and Life of St. Molling (1907); cf. WRIGHT, 1993, p. 238-239.
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[“Pater noster é para mim contra todas as coisas horríveis! / Que comigo esteja meu
paternoster: com os deles estejam os deles (...) / Qui es in caelis, Ó Deus vivo, para proteger-
me do mal: / dos demônios com muitos pecados possa sanctificetur proteger-me! / Nomem
tuum sempre esteja comigo, e adueniat seja meu último recurso, / regnum tuum esteja comigo
numa expedição, e panem nostrum antes de uma jornada. / Quotidianum todos os dias e da
nobis a partir de Deus, / para que Ele não me permita ser deixado para trás Dele oremos
dimitte nobis. / Debita mostra de forma que eu alcançarei, juntamente com sicut et nos /
dimittimus comigo para fatiga, debitoribus nostris. / Para encontrar a morte se ela é vista: eu
rogo ne nos inducas, / para que demônios não tomem vantagem de mim eu rogo in
temptationem. / Sed libera nos a malo, possa meu Amigo ainda me salvar. / Quando minha sina
está determinada, possa eu lembrar-me amen. / Pois rogando a ti, ó Deus dos céus, ao
perdir a Ti e por orar a Ti / possa eu obter uma pura e brilhante vida orando ao pater. / Os
homens do mundo, seja qual for o número deles, ainda que eles todos cometam erros, / o
credo deles e o paternoster deles os protege através de pura abundância. / A intercessão de
Maria com seu Filho por Sua natureza divina, por Sua virilidade, / de forma que as sete
partes do paternoster possam claramente se concretizar através de mim. / Os homens do
mundo, seja qual for o número deles, ainda que eles todos cometam erros, eles irão para o
céu se eles rezarem os seus paternoster. Não como (...) não como a manhã brilharia, / não
como (...) com ele que se lembra de seu paternoster”].
46
FLINT, Valerie I. J. The Rise of Magic in Early Medieval Europe, Princeton: Princeton
University Press, 1991, p. 312-313.
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através das letras reunidas ao ser usado para enfrentar o mal, lembrando
poderes que seriam mais comuns a um anjo parte das hostes celestiais,
especialmente um arcanjo.
Talvez não por acaso nas margens do CCCC41 há uma homilia em inglês
antigo a respeito de São Miguel, onde a caracterização do arcanjo é muito
similar quanto a seus poderes aos do Pater Noster dos Diálogos em seu combate
contra as trevas. O ponto de maior similaridade com SalSatI (versos 36-42) é
sobre o poder de São Miguel de abrir as portas do céu: “Þis is se halga
heahengel Sancte Michael, se ðe onre gewilces soðfæstes mannes saule
gelædeð þurh þa gatu þæs ecan lifes to hefena rice”.47
Outras claras influências não apenas para SalSatI mas para todo o conjunto
documental dos Diálogos é de origem apócrifa. A literatura apócrifa na
Inglaterra é de extrema importância para a produção literária anglo-saxônica,
tanto em prosa quanto em verso. No caso dos elementos que envolvem a
temática e a composição dos Diálogos de Salomão & Saturno, é possível
argumentarmos que tais fontes apócrifas tenham chegado até a Inglaterra por
duas vias principais da tradição cristã.
47
[“Este é o santo arcanjo São Miguel, ele conduz as almas de todos os homens
verdadeiros através dos portões da vida eterna para o reino dos céus”], outra passagem
muito interessante da mesma homilia e que chama a atenção para a temática de SalSatI é:
Þis is se halga heahengel Sancte Michael, and se æþela forestihtend in þæra cræftena handa Salamones
templ timbredon [“Este é o santo arcanjo São Miguel e o nobre comandante das mãos
daqueles artesãos que construíram o templo de Salomão”]; cf. ANLEZARK, 2009, p. 26.
48
[“Esta [a Oração do Senhor] reduz a exaltação da soberba, detém também o furor da ira
e da inveja, extingue o ímpeto da carne e da luxúria, afasta a mente das coisas terrenas,
fomenta o desejo pelo reino dos céus”], tradução a partir de ANLEZARK, 2009, p. 27; cf.
WRIGHT, 1993, p. 247 n. 125.
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Git þa, þa hæþenan noldan beon gehealdene on swa feawum godum, ac fengon
to wurðianne mislice entas and men him to godum, þa þe mihtige wæron on
woruldlicum geþincðum, and egefulle on life, þeah þe hy leofodon fullice. An
man wæs eardiende on þam ilande creta, saturnus gehaten, swiðlic and wælhreow,
swa þæt he abat hys suna, þa þa hi geborene wæron, and unfæderlice macode
heora flæsc him to mete. He læfde swaþeah ænne to life, þeah þe he abite his
gebroðra on ær; se wæs iouis gehaten, hetol and þrymlic. He afligde his fæder of
þam foresædan iglande, and wolde hine acwellan, gif he him come to.50
49
Cf. ANLEZARK, 2009, p. 27-28; WRIGHT, 1993, p. 215-272; MEDEIROS, 2013b, p.
230-264. Ainda sobre influências da tradição judaica e apócrifa, não raro é possível
encontrar trabalhos falando sobre elementos dos Diálogos de Salomão & Saturno que
remontariam ao Talmude e a Cabala ligados à caracterização do rei Salomão como um
grande conhecedor de poderes mágicos. E a opinião de que presença das runas associadas
às letras do Pater Noster no poema seria simplesmente uma adaptação e combinação da
imagem do famoso selo de Salomão aliado aos poderes sobrenaturais atribuídos ao Pater
Noster pela tradição cristã; cf. NELSON, Marie. “King Solomon’s Magic: The Power of a
Written Text”, Oral Tradition v. 1 n. 5, 1990, p. 22-23; POOLE, Russel. Annotated
Bibliographies of Old and Middle English Literature, vol. V: Old English Wisdom Poetry, Cambridge:
D. S. Brewer, 1998, p. 360-361. É necessário cautela ao fazer tais afirmações e conexões.
Por exemplo, a hipótese de influência cabalista em fontes da Inglaterra anglo-saxônica é
absolutamente anacrônica, uma vez que a tradição histórica da Cabala na Idade Média
inicia-se apenas a partir do século XIII, na Espanha e no sul da França; cf. DAVIES,
Owen. Magic: A very short introduction. Oxford: Oxford University Press, 2012, p. 75-77.
50
[“Ainda assim, os pagãos não estavam satisfeitos com tão poucos deuses, mas buscavam
por venerar muitos gigantes e homens como seus deuses, aqueles que eram poderosos em
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Apesar disso, o Saturno de Ælfric não parece representar o mesmo que surge
perante o rei Salomão em busca do Pater Noster. Em SalSatI é explicitado que
ele possui doze filhos e é um nobre viajante oriundo da Caldeia e não um
exilado de Creta. Assim, o autor de SalSatI não estaria nem um pouco
preocupado com qualquer tipo de lapso cronológico e espacial; mesmo
porque tal fato é extremamente comum na literatura do período. Onde tribos,
nações e personagens menores acabam sendo postos de lado em favor de
outros que – mesmo de períodos completamente diversos – são amalgamados
dentro de uma mesma narrativa em um tipo de momento mítico do passado,
in illo tempore.51
Logo, esse elemento em SalSatI não chega a ser algo inusitado. O que chama a
atenção na verdade é como ele é apresentado no poema. A descrição de
Saturno como um caldeu possui diversas implicações. Desde a antiguidade
que, entre gregos e romanos, os persas eram considerados como os primeiros
povos a serem iniciados nas artes mágicas. Entretanto, os antigos caldeus
também partilhavam da mesma fama, como conhecedores da astrologia e
habilidades mágicas. Em algumas fontes, por exemplo, o lendário Zoroastro
era considerado um caldeu em função de sua sabedoria e dos conhecimentos
mágicos que lhe eram atribuídos.52 Assim sendo, o Saturno de SalSatI estaria
implicitamente ligado a conhecimentos pagãos e práticas mágicas.53
coisas terrenas e aterrorizantes em vida, apesar deles terem vivido de forma torpe. Um
homem vivia na ilha de Creta, chamado Saturno; era violento e cruel, tanto que ele devorou
seus filhos quando eles nasceram, e diferentemente de um pai ele fez de seus corpos seu
alimento. Entretanto, ele deixou um com vida, apesar de anteriormente ele ter comido seus
irmãos; ele era chamado Jove, hostil e poderoso. Ele expulsou seu pai daquela ilha
mencionada anteriormente, e pretendia mata-lo caso viesse até ele”]; op. cit. ÆLFRIC.
Homilies of Ælfric: A Supplementary Collection (ed. J. C. Pope), Londres: EETS, 1967-8, II. 676-
712, linhas 99-112.
51
Como por exemplo, nos poemas em inglês antigo Beowulf, Widsith e Deor entre muitos
outros.
52
MEDEIROS, 2013b, p. 256.
53
Além disso, os caldeus possuíam, em função de fontes bíblicas, uma reputação como os
destruidores de Jerusalém e sua crueldade como instrumentos da ira divina era um motivo
recorrente em fontes insulares. Cf. ANLEZARK, 2009, p. 32.
54
Etymologiae VIII. xi. 23; cf. ANLEZARK, 2009, 32.
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Supõe-se que Dunstan tenha nascido por volta de 909-910 e tenha chegado a
Glastonbury na década de 920. Nos anos de 930 ele frequentou a corte do rei
Athelstan e é desse período o maior número de informações mais confiáveis a
partir de seu biógrafo anônimo na Vita Dunstani. Segundo sua Vita, Dunstan
era um estudante aplicado em seus primeiros anos no monastério de
Glastonbury. Contudo, já na corte, ao que parece o jovem Dunstan não foi
muito popular, sendo punido ao ser delatado por um colega por estar
estudando livro de conteúdo obscuro:
55
GODDEN, Malcolm & IRVINE, Susan. The Old English Boethius: An Edition of the Old
English Versions of Boethius’s De Consolatione Philosophiae, 2 vols., Oxford: Oxford University
Press, 2009, p. 64.
56
ANLEZARK, 2009, p. 33-34.
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(...) dicentes illum ex libris salutaribus et viris peritis, non saluti animarum pro
futura sed avitæ gentilitatis vaníssima didicisse carmina, et historiarum frivolas
colere incantationum nænias.57
É claro que isso não prova que ele seja de fato o autor. Entretanto, fica claro que
o jovem Dunstan seria um produto do ambiente intelectual e espiritual de
Glastonbury dos anos de 920-930, e as similaridades temáticas entre a Vita do
santo e os Diálogos refletem tanto o Zeitgeist da época e do local quanto o tipo de
pessoas que poderíamos encontrar lá e que seriam responsáveis por obras dessa
natureza.60
57
[“(...) dizendo que ele, a partir dos livros sobre curas e de homens versados, aprendeu a
mais vã das canções; não para o futuro bem-estar das almas, mas o antigo paganismo e se
dedicando aos frívolos encantamentos mágicos das histórias”.], op. cit. LAPIDGE,
Michael. “B. and the Vita S. Dunstani”, in: RAMSAY, Nigel, SPARKS, Margareth &
TATTON-BROWN, Tim. St Dunstan: His Life, Times and Cult, Woodbridge: Boydell Press,
1992, p. 11 (grifo nosso). Carmina, carmen, cantio e incantatio são termos muitos comuns
encontrados na documentação medieval relacionados às práticas mágicas e encantamentos,
e em textos em inglês antigo associados à palavra galdor (do verbo galan, “cantar ou entoar”)
que tanto pode ser traduzida como “canto” como também “encantamento”; cf.
MEDEIROS, 2013b, p. 251.
58
LAPIDGE, 1992, p. 250.
59
Ibid., 1992, p. 247-248.
60
ANLEZARK, 2009, p. 53-57.
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61
JOLLY, Karen. Popular Religion in Late Saxon England. Chapel Hill: University of North
Carolina Press, 1996, p. 123-124.
62
O termo “germânico”, para esse contexto, se torna mais apropriado do que “anglo-
saxônico”, pois mantém em aberto o leque de possibilidades. Uma vez que práticas
similares podem ser encontradas tanto no Continente quanto na Escandinávia, por
exemplo. Além disso, a própria ideia de um povo “anglo-saxão” em realidade é uma mera
abstração ou generalização conceitual. Os anglo-saxões em nenhum momento de sua
história foram um povo a parte que ocasionalmente sofreram algum tipo de contato com
grupos externos. Pelo contrário, os anglo-saxões sempre foram um maelstrom étnico e
cultural dentro de uma grande rede de grupos europeus em constante desenvolvimento.
Dessa forma, esses quatro elementos folclóricos germânicos destacados acima surgem
dentro de um amplo cenário de contatos entres culturas e tradições pré-cristãs, além de
influências da tradição clássica e cristã; cf. JOLLY, 1996, p. 124.
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63
O poema Contra Dor Penetrante também é um ótimo exemplo para se observar a presença
desses elementos pré-cristãos. Dos quatro é possível identificar a presença de
venenos/males voadores e elfos. Além desses, é mencionada a presença de bruxas e dos
deuses aesires (como demônios), cf. MEDEIROS, 2013, p. 247-250.
64
JOLLY, 1996, p. 128.
65
MEDEIROS, 2013b, p. 230-231.
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Salomão & Saturno I e o Encantamento das Nove Ervas, como veremos, têm muito
em comum ao se utilizarem de fórmulas que, dentro de sua estrutura
narrativa, dão poder a agentes abstratos ou inanimados (letras e ervas) com o
objetivo de proteção e cura. Em uma litania cujos elementos vão se
avolumando ao longo do texto até atingir um clímax, quando o efeito
desejado é supostamente alcançado e a ameaça neutralizada. Os métodos
empregados nas duas obras são extremamente semelhantes tanto a suas
fórmulas quanto estilo; ainda que tenham adversários diferentes.
Podemos dizer também que um segundo ponto que as difere seriam seus
antecedentes: em SalSatI temos uma clara influencia fruto de uma erudição
intelectual monástica, oriunda da tradição cristã e clássica; enquanto no
EncNE temos as influências da tradição folclórica germânica, dos elementos
de seu passado pré-cristão. Porém, são as similaridades entre as crenças e a
compreensão do mundo natural e espiritual tanto pela tradição cristã como por
esse folclore germânico é o que teria proporcionado o elo entre eles.66 Uma vez
que sem essa simbiose desses dois universos a existência de CCCC 41 e 422 e do
Lacnunga não seria impossível.
66
JOLLY, 1996, p. 131.
67
Ao menos até o término da confecção deste texto.
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Legenda:
[...] lacuna no texto.
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Saturnus cwæð:
Hwæt! Ic iglanda eallra hæbbe
boca onbyrged þurh gebregdstafas,
larcræftas onlocen Libia and Greca,
swylce eac istoriam Indea rices.
5 Me þa treahteras tala wisedon
on þam micelan bec […]
Meces heardum, swylce ic næfre on eallum
þam fyrngewrytum findan ne mihte
soðe samnode. Ic sohte þa git
10 hwylc wære modes oððe mægenþrymmes,
elnes oððe æhte oððe eorlscipes:
se gepalmtwigoda Pater Noster.
Sille ic þe ealle, sunu Dauides,
þeoden Israela, .XXX. punda
15 smætes goldes and mine suna twelfe,
gif þu mec gebringest þæt ic si gebrydded
ðurh þæs cantices cwyde, Cristes linan,
gesemesð mec mid soðe, and ic mec gesund ferie,
wende mec on willan on wæteres hrigc
20 ofer Coferflod Caldeas secan.
SALOMON cwæð:
Unlæde bið on eorþan, unit lifes,
wesðe wisdomes, weallað swa nieten,
feldgongende feoh butan gewitte,
se þurh ðone cantic ne can Crist geherian,
25 worað he windes full, worpað hine deofol
on domdæge, draca egeslice,
bismorlice, of blacere liðran
irenum aplum, ealle beoð aweaxen
of edwittes iða heafdum.
30 Þonne him bið leofre ðonne eall ðeos leohte gesceaft,
gegoten fram ðam grunde goldes and silofres,
feðerscette full fyrngestreona,
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Salomon cwæð:
Ðæt gepalmtwigede Pater Noster
40 heofonas ontyneð, halige geblissað,
Metod gemiltsað, morðor gefylleð,
adwæsceð deofles fyr, dryhtnes onæleð.
Swylce ðu miht mid ðy beorhtan gebede blod onhætan,
ðæs deofles dros, ðæt him dropan stigað,
45 swate geswiðed, seofan intingum,
egesfullicran ðonne seo ærene gripu,
ðonne heo for .xii. fira tydernessum
ofer gleda gripe gifrust wealleð.
Forðon hafað se cantic ofer ealle Cristes bec
50 widmærost word; he gewritu læreð,
stefnum steoreð, ond him stede healdeð
heofona rices, heregeatewa wigeð.
Saturnus cwæð:
Ac hulic is se organ ingemyndum
to begonganne ðam ðe his gast wile
55 meltan wið morðre, mergan of sorge,
asceadan of scyldigum? Huru him Scippend geaf
wuldorlicne wlite. Mec ðæs on worolde full oft
fyrwit frineð, fus gewiteð,
mod gemengeð. Nænig manna wat,
60 hæleða under hefenum, hu min hige dreoseð,
bysig æfter bocum; hwilum me bryne stigeð,
hige heortan neah hædre wealleð.
Salomon cwæð:
Gylden is se Godes cwide, gimmum astæned,
hafað sylfren leaf; sundor mæg æghwylc
65 ðurh gastes gife godspel secgan.
He bið seofan snytro ond saule hunig
ond modes mealc, mærþa gesælgost.
He mæg ða saule of siennihte
gefeccan under foldan, næfre hie se feond to ðæs niðer
70 feterum gefæstnað; ðeah he hie mid fiftigum
clusum beclemme, he ðone cræft briceð
ond ða orðancas ealle tosliteð.
Hungor he ahieðeð, helle gestrudeð,
wylm toweorpeð, wuldor getimbreð.
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75 He is modigra middangearde,
staðole strengra ðonne ealra stana gripe.
Lamena he is læce, leoht wincendra,
swilce he is deafra duru, dumbra tunge,
scyldigra scyld, Scyppendes seld,
80 flodes ferigend, folces nerigend,
yða yrfeweard, earmra fisca
ond wyrma welm, wildeora holt,
on westenne weard, weorðmynda geard.
Ond se ðe wile geornlice ðone Godes cwide
85 singan soðlice, ond hine siemle wile
lufian butan leahtrum, he mæg ðone laðan gæst,
feohtende feond, fleonde gebrengan,
gif ðu him ærest on ufan ierne gebrengest
prologa prima, ðam is . [Peorth] . P . nama.
90 Hafað guðmæcga gierde lange,
gyldene gade, ond a ðone grimman feond
swiðmod sweopað, ond him on swaðe fylgeð
. [Ac] . A . ofermægene ond hine eac ofslihð.
. [Tir] . T . hine teswað ond hine on ða tungan sticað,
95 wræsteð him ðæt woddor ond him ða wongan brieceð.
. [Eh] . E . hiene yflað, swa he a wile
ealra feonda gehwane fæste gestondan.
Ðonne hiene on unðanc . [Rad] . R . ieorrenga geseceð,
bocstafa brego, bregdeð sona
100 feond be ðam feaxe, læteð flint brecan
scines sconcan; he ne besceawað no
his leomona lið, ne bið him læce god.
Wendeð he hiene ðonne under wolcnum, wigsteall seceð,
heolstre behelmed. Huru him bið æt heartan wa,
105 ðonne he hangiende helle wisceð,
ðæs ęngestan eðelrices.
Ðonne hine forcinnað ða cirican getuinnas,
. N . ond . [Os] . O . samod æghwæðer brengeð
sweopan of siðe; sargiað hwile
110 fremdne flæschoman, feorh ne bemurnað.
Ðonne . [Sigel] . S . cymeð, engla geræswa,
wuldores stæf, wraðne gegripeð
feond be ðam fotum, læteð foreweard hleor
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Tradução
1 – 12 Saturno disse:
“Ouça! Eu experimentei os livros68 de todas as ilhas! Através de
letras forjadas, desvendei as ciências dos Líbios e Gregos, assim
como também a história do reino dos Indianos69. Os
comentaristas me instruíram na sabedoria daquele grande livro
[...] uma forte espada, tal qual eu nunca poderia encontrar nos
antigos escritos verdadeiramente reunidos em conjunto. Eu
então ainda busco aquilo que seria para a mente ou virtude,
coragem ou poder ou nobreza: o Pater Noster com ramos de
palmeira”.70
21 – 29 Salomão73 disse:
68
Boca onbyrged: literalmente “devorei os livros”. Essa expressão pode ter inspiração bíblica
(Apocalipse 10, 9-10; Jeremias 15, 16; Ezequiel 3, 1-3); cf. ANLEZARK, 2009, 99.
69
A menção dos povos dos líbios, gregos e indianos é emblemática, pois representam
exatamente o mundo conhecido, i.e. África, Europa e Ásia.
70
Se gepalmtwigoda Pater Noster.
71
O número dos filhos de Saturno, doze, não encontra qualquer paralelo mitológico
clássico. Entretanto, encontra ecos em outros poemas em inglês antigo como parte de
números típicos da composição formulaica de tais obras (assim como os números três,
nove e trinta, por exemplo).
72
Cantices cwyde: o “discurso do cântico” aqui não seria em sentido figurado, uma vez que o
Pater Noster seria o discurso de Cristo, no qual está depositado seu poder, o Logos, e assim o
Pater Noster seria tão ou mais poderoso que as próprias Escrituras; cf. ANLEZARK, 2009,
p. 100.
73
Ao longo de todo o período medieval surge uma tradição de livros mágicos e lendas
envolvendo o rei Salomão. Entre as primeiras menções do rei Salomão e seus poderes
mágicos são na obra de Flavio Josefo, Antiguidades Judaicas, livro VIII, capítulo 2 (5); e no
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pseudo-epigráfico Testamento de Salomão (c. séculos I-III d.C.) onde é descrito em detalhes
como ele controlava os demônios. O texto relata como Salomão descobre que um de seus
trabalhadores na construção do Templo de Jerusalém está sendo atormentado por um
demônio de nome Ornias. Perturbado com isso, Salomão ora por uma intercessão divina e
o Arcanjo Miguel surge e lhe entrega um anel mágico contendo um selo (o selo de Salomão)
com o qual ele conseguiria submeter demônios ao seu comando. Alguns então ele aprisiona
em vasos e os sela com seu selo mágico e outros ele obriga a trabalharem para concluir a
obra do Templo se utilizando de palavras de poder, as quais os demônios não conseguem
resistir. No mundo árabe podem encontrar Salomão nas Mil e Uma Noites onde ele aparece
como Sulemain, e os demônios são retratados como jinn (gênios) que quando retirado o
selo mágico que os prendem eles saem de seus vasos para realizar os desejos de seu senhor.
No Corão também Salomão é por diversas vezes retratado como detentor de grande
sabedoria e poder sobre gênios, como na Surata 27 onde é dito que Salomão era conhecer
da linguagem dos pássaros e que “(...) foram congregados ante Salomão, com os seus
exércitos de gênios, de homens e de aves, em formação e hierarquia” (Surata 27, versículo
17). Ainda em árabe, Salomão e seu selo mágico é também citado na obra Gayat al-Hakim,
mais conhecido no ocidente como Picatrix. O Picatrix é um tratado mágico sobre o uso da
astrologia e de talismãs, traduzido na Espanha da Alta Idade Média para o latim e o
vernáculo. Mas talvez uma das obras mais famosas envolvendo a figura de Salomão,
especialmente a partir da Baixa Idade Média até a atualidade-e que remonta suas origens ao
Testamento de Salomão-é a Clavícula Salomonis, mais conhecida como Legemeton ou Goetia. Este
se trata de um verdadeiro manual, grimoire, sobre como evocar, controlar e interagir com
entidades identificadas como espíritos poderosos ou demônios; perfazendo um total de
setenta e duas entidades; cf. MEDEIROS, 2013b, 256-259.
74
Clássica identificação do Demônio e do dragão como em Apocalipse 12, 7-9.
75
Aqui é clara a ideia de que sem o conhecimento e a sabedoria divina o home nada mais é
do que uma fera. O que remete perfeitamente a personagem do rei Nabucodonosor na
Bíblia (Daniel 4, 28-33) e no poema em inglês antigo (contemporâneo de SalSatI) Daniel
versos 612-626a.
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Saturno disse:
36 – 38 “Mas quem de todas as criaturas pode mais facilmente e
esplendidamente abrir as portas sagradas do reino dos Céus
inúmeras vezes?”.
Salomão disse:
39 – 42 “O Pater Noster com ramos de palmeira abre o Céu, abençoa o
sagrado, faz o Criador misericordioso, causa a queda do
assassino, extingue o fogo do Demônio, inspira o Senhor”.
Saturno disse:
53 – 57a “Mas como é o órgão a ser praticado na memória por aquele que
desejar proceder em fundir contra assassinato, purificar do
sofrimento, separar-se do pecado? De fato, o Criador deu a ele
uma maravilhosa forma”.
76
Em ambos os manuscritos a passagem surge da mesma forma e sem uma clara
elucidação. Do que se trata ou como se dá a tortura contra o demônio é completamente
obscura. Existem diversas especulações e possibilidades de paralelos em outras fontes,
desde textos da patrística, influências irlandesas e até mesmo possíveis paralelos nas sagas
escandinavas. Contudo, até então não há uma explicação satisfatória à passagem. Cf.
ANLEZARK, 2009, p. 102-103.
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Salomão disse:
63 – 67 “Dourada é a palavra de Deus, incrustrada de joias, possui folhas
de prata. Cada um, separadamente, pode proclamar o Evangelho
através da graça do Espírito. Ele é o espírito da sabedoria e o mel
da alma e o leite da mente, a mais abençoada das glórias”.
77
I.e., a vitória contra as maquinações do demônio.
78
As letras que realmente serão usadas ao longo de SalSatI no CCCC 41 e 422 serão: P, A,
T, E, R, NO, S, Q, U, IL, C, F, M, G, D, B, H; onde “N” e “O” e depois “I” e “L” são
usadas em conjunto. Além disso, apenas no fragmento do CCCC 422 as letras latinas estão
associadas às runas anglo-saxônicas. Cf. MEDEIROS, 2013b, p. 261.
79
Se referindo a letra P.
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(Salomão disse:)
30 – 35 “(Então para ele será) [...] ouro e prata obtidos do solo – dos
quatro cantos cheios do antigo tesouro – mais queridos do que
toda esta radiante obra, se ele alguma vez conheceu algo sobre o
cântico. Abominável e estrangeiro ele será para o Senhor Todo-
Poderoso, privado da companhia dos anjos, e irá vagar sozinho”.
Saturno disse:
36 – 38 “Mas quem de todas as criaturas pode mais facilmente e
esplendidamente abrir as portas sagradas do reino dos Céus
inúmeras vezes”?
Salomão disse:
39 – 42 “O Pater Noster com ramos de palmeira abre o Céu, abençoa o
sagrado, faz o Criador misericordioso, causa a queda do
assassino, extingue o fogo do demônio, inspira o Senhor”.
Saturno disse:
53 – 57a “Mas como é o órgão a ser praticado na memória por aquele que
desejar proceder em fundir contra assassinato, purificar do
sofrimento, separar-se do pecado? De fato, o Criador deu a ele
uma maravilhosa forma”.
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Salomão disse:
63 – 67 “Dourada é a palavra de Deus, incrustrada de joias, possui folhas
de prata. Cada um, separadamente, pode proclamar o Evangelho
através da graça do Espírito. Ele é o espírito da sabedoria e o mel
da alma e o leite da mente, a mais abençoada das glórias”.
80
Como explicado anteriormente, as palavras entre colchetes se referem aos nomes das
runas futhorc que aparecem no manuscrito (ver ilustração 1 para visualizar cada uma das
runas).
81
Semelhante à Psychomachia de Prudêncio, versos 715-718, 589-595.
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96 – 102 “. [Eh] . E . o aflige, assim como sempre ele irá se portar, firme
contra todo inimigo. Então, para seu desprazer . [Rad] . R . – o
príncipe das letras – irá buscá-lo irado. Imediatamente sacode o
demônio pelos cabelos, fazendo a pedra quebrar a perna do
espírito maligno; ele nunca irá contemplar as juntas de seus
membros, nem um médico lhe fará bem”.
103 – 110 “Então ele irá se voltar para sob as nuvens, buscar por proteção,
coberto pelas trevas. De fato, haverá aflição em seu coração,
quando dependurado ele anseia pelo Inferno, o mais estreito dos
lares. Então os gêmeos em comunhão, . N . e . [Os] . O . irão
juntos sobrepuja-lo, cada um trará um flagelo da jornada; por
algum tempo eles irão ferir o corpo do inimigo, não se
importando com sua vida”.
111 – 117 “Então . [Sigel] . S . virá – príncipe dos anjos82, letra gloriosa –
agarrará o demônio hostil pelo pé, deixando sua bochecha ir à
dura pedra, espalhando seus dentes por toda a hoste do
Inferno83. Cada um irá se esconder na penumbra das sombras; o
inimigo estará preocupado, o guerreiro de Satã completamente
imóvel”.
82
Talvez uma associação a Miguel; cf. ANLEZARK, 2009, p. 108.
83
Outro paralelo com a Psychomachia de Prudêncio, versos 417-424.
84
Em referência ao formato da letra latina.
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133 – 145 “Então depois disso o arqueado . [Ger] . G . – o qual Deus envia
como auxilio a seus amigos – o forçará a ficar parado; . [Dæg] . D
. segue depois, cinco poderes no total – fogo [...] . B . é a terceira
letra, aguarda quieto próximo à rua. . H . irá se apressar, um anjo
o veste, o guerreiro de Cristo nas vestimentas vivas de um nova
indumentária de um que busca por Deus. Então os gêmeos vivos
irão erguê-lo muito (alto) no céu, sob a hoste de estrelas
pontiagudas, com flagelos de prata, até que seus ossos brilhem,
suas veias sangrem; depositando a ira das lanças no demônio
ganancioso”.
146 – 154 “A palavra de Deus pode sempre – para todos os homens – por
em fuga todo e cada demônio através da boca do homem;
perturbar os sombrios, a hoste maligna, mesmo que eles
estranhamente mudem suas formas depois de cobrir seus corpos
com um manto de penas. Às vezes agarram um marinheiro. Às
vezes eles tomam a forma de uma forte e peçonhenta serpente,
picando um animal, matando o gado que vai pelo campo”.
155 – 160 “Às vezes ele faz o cavalo tropeçar na água, cortando com
chifres, até que o sangue de seu coração – no banho da corrente
espumante – busque a terra. Às vezes ele prende um homem
condenado, tornando sua mão pesada, quando em batalha ele85
tem de lutar por sua vida contra uma tropa hostil”.
161 – 169 “Ele86 grava em sua arma uma grande quantidade de inscrições
mortais, letras malignas, amaldiçoando a lâmina, a glória da
espada. Sendo assim, nenhum homem deve sacar a lâmina de sua
arma sem pensar, apesar de sua aparência lhe agradar. Mas ele
deve sempre entoar, quando ele saca de sua espada, o Pater
Noster, e orar para aquela palmeira com alegria, de forma que ela
lhe concederá a vida e a mão, quando o seu inimigo vier”.
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O homem
86
O demônio
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14 – 17 Esta planta se chama Agrião, ela cresce sobre a pedra, ela resiste
contra veneno, ela ataca a dor. Ela se chama Urtiga, ela confronta
o veneno, ela afasta o mal, expele o veneno.
87
Talvez significando “única”.
88
Onflyge em seu sentido literal se refere a algo ou alguma coisa que ataca por meio do voo.
O que nos remete a ideia dos “venenos voadores”, das “setas de elfos” e outros males que
fazem parte deste ambiente folclórico germânico. Cf. POLLINGTON, 2000, p. 211;
MEDEIROS, 2013b, p. 247-248.
89
Na verdade, não há consenso sobre qual seria a erva mencionada pelo encantamento. As
duas principais possibilidades seriam o capim-arroz (Echinochloa Crusgalli) ou a betônica
(Stachys officinalis). De qualquer forma seu nome, em uma tradução literal, attorlaþe significa
“o que repudia o veneno”; cf. GRIFFITHS, 1996, p. 182 n. 1.
90
Não há qualquer explicação satisfatória ao que o poema se refere em toda essa passagem-
além dos efeitos benéficos da camomila-permanecendo assim um mistério. O significado
literal da palavra é “fortaleza do amieiro”. Uma possibilidade seria de que o poema estaria
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fazendo menção a algum episódio de alguma lenda ou mito que não teria sobrevivido à
atualidade, talvez fruto da tradição oral. Cf. POLLINGTON, 200, p. 211.
91
Woden é o antigo deus germânico anglo-saxônico, sendo o Odin escandinavo e ainda o
Wotan dos germânicos continentais.
92
A referência é claramente a Cristo. Entretanto, não podemos desprezar a possibilidade de
um paralelo com Woden/Odin, uma vez que ambos acabam sendo personagens detentoras
de poderes sobrenaturais e ambos foram “sacrificados”, e os dois são mencionados no
poema. Cf MEDEIROS, Elton O. S. “Hávamál: tradução comentada do Nórdico Antigo
para o Português”, Revista Mirabilia, v. 2 n. 17, 2013a, p. 589-591; NORTH, Richard.
Heathen Gods in Old English Literature, Cambridge: Cambridge University Press, 1997, p. 85-
88.
93
Pode ser traduzido também com “a mão do inimigo”.
94
É interessante observar como um paralelo o final da versão da oração do Pai Nosso do
poema Heliand (escrito em saxão antigo c. século IX): “Pai nosso, filhos dos homens, Tu
está no alto reino celeste, Santo seja Teu nome em cada palavra. Possa Teu poderoso reino
vir. Possa Tua vontade ser feita sobre todo este mundo, assim na terra como é lá nas
alturas do alto reino celeste. Nos dê apoio94 a cada dia, bom Lorde, Teu sagrado auxílio, e
nos perdoe, Guardião do Céu, nossos muitos crimes, assim como nós fazemos a outros
seres. Não permita que pequenas criaturas malignas94 nos desviem para fazer suas vontades,
como nós merecemos, mas nos ajude contra todos os atos malignos”. (Heliand, vv. 1600-
1612); cf. MEDEIROS, 2013b, p. 245.
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Fontes
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D. S. Brewer, 2009.
95
Uma vez que todos os demais venenos aqui estejam relacionados a uma cor, é possível
que tenha um erro no manuscrito, cf. POLLINGTON, p. 213.
96
Devido a essa repetição da palavra wedenan é muito provável que exista um erro no
manuscrito, onde uma das cores poderia ser talvez hæwenan (“azul”) e a outra “azul
marinho”, ver GRIFFITHS, 1996, p. 184.
97
Weoda, explicar, POLLINGTON
98
Não é claro o que ocorre, dando margem a mais de uma possibilidade de tradução. Para
outras possibilidades, cf. GRIFFITHS, 1996, p. 185; POLLINGTON, 2000, p. 215.
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